“Assim são os olhos do meu coração”

As nossas grandes cidades estão repletas de turistas, que nos vêm conhecer e visitar. É muito comum vê-los com as suas câmaras fotográficas e todos os dispositivos que gravam e guardam a imagem da realidade, que lhes parece tão distinta da que eles conhecem. E assim caminham pelas ruas das nossas cidades, disparando freneticamente sobre tudo o que vêem.

Esta espécie de consumismo turístico parece esconder uma debilidade: estamos a perder a capacidade de contemplar e de nos admirarmos perante as coisas. Não somos capazes de parar e deter o nosso olhar. Não conseguimos sintonizar com a beleza que nos envolve e que tem o poder de nos libertar, se deixarmos que ela entre e se acomode no nosso coração.

Afirma o papa Francisco que “não se deve descurar nunca a relação que existe entre uma educação estética apropriada e a preservação de um ambiente sadio. Prestar atenção à beleza e amá-la ajuda-nos a sair do pragmatismo utilitarista. Quando não se aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objecto de uso e abuso sem escrúpulos” (LS 215).

A perda desta capacidade de contemplação tem consequências pesadas para a nossa vida, porque acarreta uma incapacidade para agradecer e adorar, dimensões que são muito importantes numa experiência religiosa. De facto, se não somos capazes de reconhecer e abismar-nos perante o belo que nos rodeia, quando nos interrogaremos pelo autor de tudo isto? Quando nos perguntaremos por que nos foi concedido desfrutar gozosamente de tudo o que vemos, escutamos, tocamos e cheiramos?

Eu não acredito que o papa esteja a dizer tudo, ao referir que, “quando não se aprende a parar a fim de admirar e apreciar o que é belo, não surpreende que tudo se transforme em objecto de uso e abuso sem escrúpulos”. Há ainda que acrescentar uma superficialidade galopante, que vai tomando conta de nós e que nos impede de perscrutar e penetrar no mais fundo das coisas. E assim não chegamos a descobrir nelas Aquele que as chamou à existência.

Um primeiro passo para mudar esta situação passa por calçar as botas e sair de casa. Caminhar pela natureza: sem nenhum desses dispositivos que obsessivamente calculam o número de passos dados, a quantidade de calorias consumidas, os minutos gastos em todo o processo… Caminhar, simplesmente! E sem esquecer que nunca os olhos se cansam de ver nem os ouvidos de escutar.

 

José Domingos Ferreira, scj

 

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