Espanha: BEATO JUAN MARÍA DE LA CRUZ

Mártir da perseguição religiosa na Guerra Civil espanhola (1936-1939)

“Deus seja bendito! Em tudo seja feita a sua vontade divina! Sou muito feliz em poder sofrer por Aquele que tanto sofreu por mim, pobre pecador” (Carta de P. Mendez a P. Philippe, poucos dias antes da sua morte).
A vida e o martírio de P. Mendez scj introduzem-nos num dos capítulos mais obscuros da recente história espanhola: a perseguição religiosa durante a Guerra Civil de 1936 a 1939. Nessa guerra, onde se enfrentaram as duas Espanhas – a republicana e a nacionalista – houve 1.200.000 vítimas entre os quais 750.000 civis.
Mariano García Mendez nasceu no dia 25 de Setembro de 1891 em San Esteban de los Patos (Província de Ávila). Era o primogénito de 15 irmãos. Depois do seminário, foi ordenado sacerdote da diocese de Ávila e como tal trabalhou em diversas paróquias até 1925. O seu profundo desejo de uma sempre maior perfeição impelia-o para a vida religiosa. Porém, várias tentativas faliram, sempre por causa da sua pouca saúde.
Quando devia ir a Madrid, como soldado da reserva, visitava regularmente, para a adoração, a capela de uma congregação de irmãs formadas na espiritualidade reparadora. Por intermédio da Madre Maria do Senhor do Grande Poder conheceu os “Padres reparadores” (nome dos dehonianos na Espanha de então) e o P. Guilherme Zicke. Depois do noviciado em Novelda (Alicante), Mendez emitiu os primeiros votos no dia 31 de Outubro de 1926 e nesta ocasião tomou o nome religioso de P. João Maria da Cruz. Depois de um período pouco feliz como professor na escola de Novelda, a partir de 1929, P. João viveu como padre itinerante, porque tinha a difícil missão de percorrer cidades e aldeias angariando fundos e recrutando candidatos para as escolas da Congregação.
Na Espanha, aqueles anos foram marcados por uma instabilidade económica, política, social e também dentro da Igreja Católica. Essa ficou alheia aos pedidos de reforma reclamada pelo proletariado agrícola e por uma massa operária sempre mais numerosa. Desde o século XIX, o anticlericalismo era uma corrente que se difundia a partir dos intelectuais em círculos sempre mais amplos da população, manifestando-se em acções de militantes, às vezes violentas, contra a Igreja. O episcopado espanhol reagia geralmente de maneira defensiva e apoiou, num primeiro momento, um regime ditatorial e nacionalista. Depois do fim da monarquia e a proclamação da república (1931), o controle e a perda de toda influência da Igreja foi o objectivo prioritário do governo de esquerda. Depois das eleições de 1933, os católicos entram no governo de direita, mas revelam-se incapazes de responder com reformas eficazes a tantos problemas da Espanha. Em 1936 vence de novo a esquerda e o novo governo tolera e apoia excessos sempre mais violentos contra a Igreja e o clero. Mesmo antes da Guerra Civil, que eclodiu a 18 de Julho de 1936, houve muitas mortes. Essa guerra – em que o objectivo de cada partido não era vencer o inimigo, mas aniquilá-lo – foi o cenário em que, por assim dizer, explodiu um anticlericalismo que vinha crescendo há mais de 100 anos, com perseguições e assassinatos sistemáticos de sacerdotes, seminaristas, religiosos, religiosas e leigos católicos, e com destruição de numerosíssimas igrejas.
O historiador Giacomo Martini sj procura explicar a explosão dessa violência contra a Igreja como o efeito conjunto de três diversos factores: o anticlericalismo espanhol, o atraso da Igreja espanhola, a tendência ao radicalismo próprio da história espanhola (cf. Martini, Storia della Chiesa, vol. 4, 1998, p. 184). É preciso acrescentar que tal anticlericalismo evoluiu até ser uma tentativa sistemática e radical de eliminar qualquer manifestação cristã seja da vida pública seja da vida privada, tanto que os comunistas espanhóis da época se orgulhavam de ter feito muito mais que seus camaradas na Rússia.
Nesse contexto, a 23 de Julho de 1936, o P. João está de viagem para Valência para encontrar refúgio junto a uma benfeitora da Congregação. “No trajeto da estação para a casa da senhora Pilar, passa diante da Igreja "de los Juanes", no centro da cidade. Ficou aterrorizado com o ‘espectáculo horrível’ – são suas palavras – quando vê homens destruir os objectos sagrados da paróquia e incendiar a igreja. Em vez de passar adiante em silêncio, o P. João não esconde a sua indignação pelo incêndio da igreja. Quando aqueles malfeitores comentam entre si: ‘aquele é um reaccionário!’, ele responde: ‘Não! Sou sacerdote!’ Imediatamente, os voluntários republicanos prendem-no e transferem-no para o cárcere-modelo de Valência. Mais tarde, testemunhas contarão a vida sacerdotal exemplar de P. João na prisão, onde continua fiel às suas práticas religiosas, desenvolve um modesto ministério pastoral e se prepara para o martírio… Na noite de 23 para 24 de Agosto de 1936, junto com nove outros prisioneiros, o P. João foi fuzilado ao sul de Valência. No dia 24 de Agosto, os cadáveres das vítimas foram jogados numa fossa comum do cemitério de Silla” (Bothe, Sacerdoti del Sacro Cuore Martiri, p. 14).
Em 1940, os restos mortais do P. João foram desenterrados e, mais tarde, foram transladados para Puenta la Reina (Navarra). Em 1959, dá-se o primeiro passo em vista do processo de beatificação. E no dia 11 de Março de 2001, o Papa João Paulo II declarará beato o P. João, juntamente com outros mártires espanhóis.
Muitos outros mártires espanhóis não puderam ou não quiseram – como o P. João – salvar a própria vida, calando ou escondendo as suas convicções e a sua fé. Nas perseguições da Guerra Civil entre 1936 e 1939 foram mortos 13 bispos, 4.184 membros do clero diocesano, 2.365 religiosos e 283 religiosas. O número de leigos católicos mortos é desconhecido.
Mons. Montini, futuro Papa Paulo VI, escrevia já em 1938: “Que o Espírito Santo desce efectivamente para iluminar e consolar a consciência dos verdadeiros cristãos, proclamam-no os mártires da Igreja e repetem-no ainda hoje todos aqueles católicos da Espanha que preferiram sofrer o martírio a aceitar as injustiças dos inimigos da fé” (Ricardi, Il Secolo del Martirio, p. 347).

[cf. B. Bothe, Märtyr der Herz-Jesu-Piester, p. 12-15; Cárcel Orti, Buio sull’altare, Città Nuova, 1999; A Riccardi, Il secolo del martirio, Mondadori 2000, p. 328-348; Giacomo Martini, Storia della Chiesa/4, Morcelliana, 1998.]

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