Tempo Comum – Anos Ímpares – I Semana – Sábado

Lectio

Primeira leitura: Hebreus 4, 12-16

Irmãos, a palavra de Deus é viva, eficaz e mais afiada que uma espada de dois gumes; penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sentimentos e intenções do coração. 13Não há nenhuma criatura oculta diante dele, mas todas as coisas estão a nu e a descoberto aos olhos daquele a quem devemos prestar contas.14Uma vez que temos um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus, Jesus, o Filho de Deus, conservemos firme a fé que professamos. 15De facto, não temos um Sumo Sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, pois Ele foi provado em tudo como nós, excepto no pecado. 16Aproximemo-nos, então, com grande confiança, do trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e encontrar graça para uma ajuda oportuna.

O texto apresenta-nos duas considerações. Depois de ter prometido o «repouso», para os que forem fiéis, o autor apresenta-nos a garantia de que essa promessa irá realizar-se. Essa garantia é a Palavra de Deus, «viva e eficaz» (v. 12), porque o próprio Deus está operante nela. A presença e a acção de Deus na Palavra, torna-a penetrante, capaz de conhecer os mais recônditos segredos do coração humano. Mesmo quando pretendemos enganar-nos a nós mesmos, e aos outros, Deus não se deixa enganar. A Palavra de Deus tem poder para nos desmascarar e iluminar, para que, «vendo-nos» com o próprio olhar do Senhor, possamos «re-ver-nos», porque a Ele «devemos prestar contas» (v. 13).
Depois desta primeira consideração, o autor retoma o tema de Jesus «Sumo Sacerdote misericordioso» (v. 14), a que já acenou em 2, 17s. Até agora, o autor explicou o alcance do termo «misericordioso». Agora prepara novos desenvolvimentos sobre o sacerdócio de Cristo.
Estas duas considerações referem-se a uma só mensagem: somos chamados a caminhar com santo temor orientados pela Palavra de Deus, e, ao mesmo tempo, com total confiança, pois Cristo, constituído sacerdote em nosso favor, experimentou a nossa fragilidade e pode compadecer-se plenamente connosco. Por isso, conscientes da nossa fragilidade e do nosso pecado, podemos aproximar-nos com grande confiança do «trono da graça» (v. 16).

Evangelho: Marcos 2, 13-17

Naquele tempo, 13Jesus saiu de novo para a beira-mar. Toda a multidão ia ao seu encontro, e Ele ensinava-os. 14Ao passar, viu Levi, filho de Alfeu, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me.» E, levantando-se, ele seguiu Jesus. 15Depois, quando se encontrava à mesa em casa dele, muitos cobradores de impostos e pecadores também se puseram à mesma mesa com Jesus e os seus discípulos, pois eram muitos os que o seguiam. 16Mas os doutores da Lei do partido dos fariseus, vendo-o comer com pecadores e cobradores de impostos, disseram aos discípulos: «Porque é que Ele come com cobradores de impostos e pecadores?» 17Jesus ouviu isto e respondeu: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.»

Jesus vem arrancar o homem do mal, do pecado, como vimos nos episódios precedentes. A perícopa de hoje mostra-nos a perfeita liberdade com que Jesus se conduz e age, e pode partilhar connosco. O mestre dá atenção à «gente» (´am há-rets, em hebraico), isto é, aqueles que não observavam a Lei segundo a interpretação rigorista, o que chocava os mestres de Israel. Estes chamavam «pecadores» a essa «gente» não só devido a eventuais culpas morais, mas também pelo facto de não observarem rigorosamente a Lei e os costumes dos fariseus. Nesse sentido, também Jesus era um «pecador»: não obrigava os discípulos aos rituais de purificação antes das refeições (7, 1-5) e recusava a casuística farisaica sobre o sábado (2, 23-28).
Levi, «sentado no posto de cobrança» (v. 14) a cumprir o seu odioso ofício, é considerado pecador, porque se contamina no contacto com os pagãos. Jesus, não tendo em conta a contaminação ritual, partilha com ele a refeição, símbolo de comunhão de vida. A sua «excessiva» liberdade choca os guardiães de Lei. Mas Jesus não pretende justificar a transgressão da Lei. Apenas quer partilhar a vida com quem ainda não se decidiu por romper com o pecado, para lhe dar a força e a graça de fazer essa opção. É por isso que vai ao encontro do homem onde ele se encontra, fazendo-se próximo, irmão, comensal com os pecadores. Aqueles que se sentem justos não compreendem que o médico divino se ponha ao serviço dos irmãos doentes e derrame misericórdia sobre os miseráveis. A maior doença do homem é, sem dúvida, o pecado. Por isso, é que Jesus vai ao encontro dos pecadores.

Meditatio

A mensagem da liturgia hodierna pode resumir-se em duas ou três palavras: verdade e misericórdia, que levam à liberdade. «A palavra de Deus é viva, eficaz», diz-nos o autor da Carta aos Hebreus. Essa palavra é Jesus, que conhece o mais íntimo do nosso coração, e nos convida: «Segue-me!». A sua palavra é «mais afiada que uma espada de dois gumes» porque, com a verdade, penetra a nossa mentira e com a misericórdia corta o nosso orgulho. Na verdade, Jesus faz-nos tomar consciência da nossa condição de pecadores, mas, logo de seguida, envolve-nos no manto da sua compaixão, reveste-nos de santidade. Quantas vezes nos sentimos amarrados por maus hábitos e por inclinações para o mal, que não queremos admitir ou travestimos de virtudes. Podemos mentir a nós mesmos, e aos outros, mas não mentimos ao Senhor, a quem deveremos «prestar contas» (v. 13). Todavia, o juiz verdadeiro vem sentar-se à mesa connosco. Se Lhe quisermos abrir o coração e a casa, a sua liberdade liberta-nos, a sua plenitude de vida fará de nós ressuscitados, a sua amizade tornar-se-à em nós fonte de alegria para muitos.
Aproximemo-nos, então, com grande confiança, do trono da graça»(v. 16), onde Cristo está sentado junto ao Pai e nos prepara um lugar, pois nos quer participantes no banquete eterno, na festa da misericórdia. O Médico encarregou-se das nossas enfermidades, e «pelas suas chagas fomos curados» (Is 52, 5). Para isso, aceita aproximar-se dos pecadores e comer com eles, enfrentado as duras críticas dos fariseus e dos escribas. A autoridade, que Lhe vem do facto de ser «um grande Sumo Sacerdote que atravessou os céus» (v. 14), é posta ao serviço dos pecadores. Os fariseus não recorriam à misericórdia de Jesus porque julgavam não precisar dela. Mas nós, cristãos, reconhecemos essa necessidade e, por isso, aproximamo-nos d´Ele para alcançarmos «misericórdia e encontrar graça para uma ajuda oportuna» (v. 16). O Pe. Dehon recebeu o dom e a graça de fazer esta experiência de mi
sericórdia e de graça, alcançada no Coração de Jesus. Dessa experiência nasceu um típico estilo de vida dehoniano. Devemos reflectir frequentemente sobre ele e converter-nos sempre a ele, para também nós experimentarmos essa misericórdia e essa graça, e as podermos partilhar com os irmãos pecadores.

Oratio

Senhor, ilumina o meu coração com a tua Palavra. Penetra as profundidades do meu ser. Põe à luz da minha consciência a minha realidade mais profunda de pecador, que tantas vezes procuro ignorar ou camuflar. Passa pela minha vida e olha-me sentado, amarrado aos meus interesses egoístas. Se não me despertares, se não me atraíres para Ti, não sairei desta situação. Arranca-me das insídias do Mal. Vem partilhar a mesa do meu dia a dia e dá-me confiança. Lembra-me que intercedes por mim diante do Pai e que, um dia, serei chamado a sentar-me Contigo no banquete eterno, festa dos pecadores perdoados, festa do Amor que salva. Amen.

Contemplatio

O que há nesta tropa que avança contra Jesus Cristo? Há, em primeiro lugar, soldados romanos, archeiros. Obedecem cega e brutalmente às ordens que lhes são dadas. Não compreendem todo o carácter odioso nem prevêem as consequências. Estão impressionados pelo carácter insólito desta prisão. Há lacaios dos fariseus, excitados pelos seus mestres e que vão por causa de um salário. Há também alguns bandidos para o que for preciso, recrutados pelos sectários. Por trás deles, caminham vergonhosamente alguns sacerdotes e fariseus, os mais rancorosos, os cabecilhas, que estão lá para encorajar e apoiar todo o bando. Jesus Cristo encontra sempre os mesmos inimigos: o ódio sectário, os inconscientes e a turba imoral. O Coração de Jesus é mesmo assim misericordioso para com todos. Quer deixar no seu coração uma semente de conversão. Derruba os soldados, mas levanta-os e impede-os de fazer violência aos apóstolos. Proíbe a estes servir-se das suas armas e cura Malco. Não é os soldados que ele repreende, mas os seus cabecilhas, os sacerdotes e os fariseus. Entrega-se nas mãos dos soldados e dos guardas, como um cordeiro sem defesa. A sua doçura deveria desarmá-los. Recordar-se-ão mais tarde e alguns sem dúvida estarão entre os convertidos, como o centurião do calvário. (Leão Dehon, OSP 3, p. 283s).

Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Aproximemo-nos confiantes do trono da graça» (Heb 4, 16).

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