Tempo Comum – Anos Ímpares – X Semana – Quinta-feira

Lectio

Primeira leitura: 2 Coríntios 5, 15-4, 1.3-6

Irmãos, até hoje, todas as vezes que se lêem os escritos de Moisés, um véu cobre o coração dos filhos de Israel. 16Mas, quando se converterem ao Senhor, o véu será tirado. 17Ora, o Senhor é o Espírito e onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade. 18E nós todos que, com o rosto descoberto, reflectimos a glória do Senhor, somos transfigurados na sua própria imagem, de glória em glória, pelo Senhor que é Espírito. 1Por isso, investidos neste ministério que nos foi concedido por misericórdia, não perdemos a coragem, 2mas repudiamos os subterfúgios vergonhosos, não procedendo com astúcia nem adulterando a palavra de Deus, antes, pela manifestação da verdade, recomendando-nos à consciência de todos os homens diante de Deus. 3Se, entretanto, o nosso Evangelho continuar velado, está velado para os que se perdem, 4para os incrédulos, cuja inteligência o deus deste mundo cegou, a fim de não verem brilhar a luz do Evangelho da glória de Cristo, que é imagem de Deus. 5Pois, não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nos consideramos vossos servos, por amor de Jesus. 6Porque o Deus que disse: das trevas brilhe a luz, foi quem brilhou nos nossos corações, para irradiar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo.

Paulo continua a argumentar em defesa do seu ministério, apresentando a sua interpretação da história presente e futura de Israel. Como sucedeu com ele, ao converter-se, também Israel acabará por reconhecer a Nova Aliança, que levou à perfeição a Antiga Aliança mediada por Moisés, o homem do véu sobre o rosto (cf. Ex 34). Os israelitas mantêm o véu sobre o coração. Mas virá o dia em que lhes será tirado, «quando se converterem ao Senhor» (2 Cor 3, 16). A alegoria do rosto velado ou desvelado dá suporte a toda a argumentação do Apóstolo. Ele imagina-se como um Moisés, mas mediador do «Evangelho da glória de Cristo» (4, 4), por misericórdia de Deus. Por isso, o anuncia sempre e com coragem, custe o que custar, sem subterfúgios, sem manipulações, sem protagonismos pessoais. O Evangelho é luz que brilha. Se os “rebeldes” cegos e escravos do «deus deste mundo» permanecem de rosto velado, a responsabilidade é deles.
Paulo situa a sua argumentação entre a autobiografia e a teologia trinitária. Esta é sugerida pelos nomes divinos: o Deus da criação, aquele que disse: «brilhe a luz» (v. 6; cf. Gn 1, 3), diante do qual se revela todo o conhecimento (cf. Rm 8, 27), o Cristo Senhor, em cujo rosto resplandece a glória divina (cf. Is 40, 2) e o Espírito, o Senhor que actua na liberdade revelando o conhecimento da glória divina e realizando a progressiva transformação do homem à imagem da glória de Deus.

Evangelho: Mateus 5, 20-26

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 20Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.» 21«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. 22Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar ‘imbecil’ será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar ‘louco’ será réu da Geena do fogo. 23Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. 25Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. 26Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.»

Jesus afirmou aos seus discípulos que não vinha ab-rogar a Lei, mas aperfeiçoá-la. Como vontade de Deus, devia ser aceite na sua totalidade sem a reduzir a árdua casuística, como faziam os doutores e os fariseus, tergiversando e defraudando a própria Lei. Formulado o princípio, Jesus deu seis exemplos concretos, começando sempre por «Ouvistes o que foi dito aos antigos … Eu, porém, digo-vos». A frase alude a alguma prescrição do Antigo Testamento, preparando o leitor para a nova interpretação.
A primeira antítese refere-se ao quinto mandamento (Ex 20, 13; Dt 5, 17). Jesus compara o homicídio intencional ao material. O homicídio intencional pode conhecer diversas modalidades: a ira, o desprezo (chamar rhaká, isto é, imbecil) são ofensas para as quais está previsto o «juízo» do tribunal local, a sentença do sinédrio (o supremo tribunal sedeado em Jerusalém) e, finalmente, o fogo da Geena, a proverbial depressão a sudoeste da Cidade santa considerada, a partir do Novo Testamento, lugar de maldição.
Quando alguém se deixa dominar pela ira e pelo desprezo dos outros, não está em condições para oferecer sacrifícios de acção de graças ou de expiação. Se, por qualquer razão tiverem sido iniciados nessas condições, apesar da sacralidade do culto, devem ser interrompidos para recompor a ordem social. Jesus equipara uma situação de índole moral simplesmente interior, a uma grave impureza legal, que implicava a suspensão do rito, segundo o ensinamento profético: «Quero misericórdia, e não sacrifício» (cf. Mt 9, 13; 12, 7). E nem vale a pena presumir o perdão de Deus, se não perdoarmos aos irmãos (cf. Mt 6, 12). Caso nos atrevamos a apresentar-nos diante do Senhor, a pedir misericórdia, sem antes a termos usados com os outros, teremos de pagar até ao último «cêntimo».

Meditatio

Na página da Segunda Carta aos Coríntios, que hoje escutamos, Paulo inspira-se na narrativa da Criação para falar do esplendor da vocação cristã: «Deus disse: das trevas brilhe a luz», «brilhou nos nossos corações, para irradiar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo» (v. 6). Quem está em Cristo é uma nova criatura. É imagem de Deus na semelhança com Cristo. O homem foi criado à imagem de Deus: «Façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança» (Gn 1, 26). Mas só Cristo é imagem perfeita de Deus. Nós somos chamados a reflectir, como num espelho, a glória do Senhor, para sermos transformados nessa mesma imagem «de glória em glória» (2 Cor 3, 18).
A vocação cristã leva-nos a duas atitudes fundamentais. A primeira é contemplar o rosto do Senhor. Só quem contempla o Senhor se deixa iluminar por Ele e pode reflectir a sua glória. Para sermos cristãos significativos, precisamos de nos colocar d
iante do Senhor como a planta verde diante do Sol. Então receberemos a energia necessária para viver e crescer na fé, para a testemunhar, e ajudar outros à mesma vivência, crescimento e testemunho. «Vinde e sereis iluminados», diz um salmo. A escuta e a meditação da Palavra, a oração, a adoração eucarística, são excelentes meios para contemplar o Senhor, para sermos iluminados para nos enchermos do seu Espírito «que dá vida», que nos transforma interiormente, fazendo-nos, cada vez mais, imagem de Cristo, que faz de nós brilhantes faróis nas costas do mar bravo, que é este mundo.
No evangelho, Jesus convida-nos a abrir o coração à caridade que brota do seu Coração, a ultrapassar a justiça dos escribas e dos fariseus, que não está orientada para o amor: «Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal» (vv. 21-22). Mas também nos explica o modo como fazer as nossas ofertas a Deus: «Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta» (vv. 23-24). Este modo de proceder é ainda mais necessário depois que a Eucaristia foi instituída. Ir ao altar é ir à fonte do amor, é acolher todo o Corpo de Cristo, é comunhão com Ele e com os irmãos. Não podemos receber a Cabeça, que é Cristo, e recusar o Corpo de Cristo, que são os irmãos. «Em Cristo, Deus reconciliou consigo o mundo», escreve Paulo. Se quisermos reflectir a glória do Senhor, havemos de deixar-nos ensopar pela sua mansidão, pedir a graça de um coração semelhante ao dele. Se acolhemos Jesus que Se deu a nós na Eucaristia, que Se pôs totalmente ao nosso serviço, temos que nos pôr também ao serviço dos irmãos. Havemos de procurar Aquele que vive, Cristo, nos que vivem ao nosso lado, nos irmãos. Adoramos neles a presença real de Cristo; servimo-l´O neles. Se dissemos “sim” ao amor de Cristo, devemos dizer “sim” ao amor dos irmãos. Assim Cristo continua em nós a Sua Missa, a Sua missão de caridade e de salvação do mundo. A Eucaristia celebrada, comungada, adorada, lança-nos «incessantemente, pelos caminhos do mundo ao serviço do Evangelho» (Cst 82).

Oratio

Espírito Santo, ilumina-me e torna-me dócil, para secundar a misericórdia e a salvação que me dás, e para que seja retirado o véu que ofusca a visão da tua glória. Senhor Jesus, guia-me pelos caminhos da justiça, visível em sinais de amor, de serviço, de entrega. Pai bom, perdoa a minha lentidão em me converter ao Evangelho, o egoísmo da minha liberdade, o desânimo, a dissimulação, as falsificações da tua santa palavra, todas as ocasiões perdidas de praticar a justiça como os “justos” que caminham seguindo o Justo, Jesus Cristo, teu Filho e nosso Senhor. Amen.

Contemplatio

Nosso Senhor escreveu-nos Ele mesmo a sua realeza de amor: Aprendei de mim que sou doce e humilde de Coração. O profeta tinha dito a Sião: «Eis que o teu rei vem a ti cheio de doçura» (Zac 9, 9). Mansidão infinita, doçura e humildade de coração, tal é o carácter do nosso divino rei Jesus. O seu jugo é doce, o seu fardo leve, e junto dele está a consolação e o alívio: «Vinde a mim vós todos que sofreis». No Calvário, a cruz é que é o seu trono; a lança é o seu ceptro; o sangue do seu Coração cobre todo o seu corpo como um manto de púrpura. O título da cruz proclama a sua realeza a todos os séculos: «Jesus de Nazaré, rei dos Judeus». É o reino do amor, o reino do Sagrado Coração. Qual é o código deste reino? Doçura e humildade, paciência e caridade, é toda a sua lei. Este reino tem um estandarte sagrado, é a cruz primeiro, é o crucificado /187 cujo peito está ferido pela lança. Depois o próprio crucificado afasta a cortina e mostra-nos no seu peito, o seu Coração aberto, e este Coração sagrado torna-se um segundo sinal acrescentado à cruz: sinal destinado a marcar uma nova efusão de amor do Salvador, um pedido de amor sempre mais premente, um pedido de reparação e de sacrifício por amor. O reino de Cristo torna-se o amor do Sagrado Coração. (Leão Dehon, OSP 4, p.186s.).

Actio

Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Irradiai o conhecimento da glória de Deus,
que resplandece na face de Cristo.» (2 Cor 5, 6).

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