A vitória do medo…

O Covid pôs a nu o medo da morte que levamos dentro de nós. Não foi o vírus que fechou as escolas, que nos encerrou dentro das nossas casas, que pôs muita gente em teletrabalho, que impediu as deslocações entre concelhos, etc. Há outros vírus, mais poderosos ainda, e nunca nenhum deles conseguiu exercer tal poder sobre a humanidade.

Quem efectivamente fez tudo isto foi o medo de morrer, levado ao extremo de uma forma ansiosa e irracional, e exposto diariamente naquelas contagens do número de mortos e dos doentes em UCI, que os nossos telejornais nos ofereceram ao desbarato. Somos capazes de saber quem morreu de Covid, mas quantos terão morrido de medo?

Se há ensinamento que podemos retirar desta experiência é que temos um medo medonho de morrer. Para garantir a nossa sobrevivência, não só estamos dispostos a deixar ir os anéis, mas parece também que aceitamos sacrificar alguns dedos. Deixamos inclusivamente que nos limitem a liberdade de uma forma inaceitável noutro contexto. Da mesma forma, é o mesmo medo da morte que nos faz andar obcecados com as vacinas, lutando para as ter o mais rápido possível, mesmo que isso possa significar que outros países e regiões se vejam privados delas, porque não podem pagar aquilo que estamos nós dispostos a oferecer.

O medo é uma força extremamente poderosa. Quem consegue incutir medo nas pessoas consegue manipulá-las e levá-las a fazer o que elas se recusariam fazer noutras circunstâncias. Quem consegue incutir medo nas populações tem ao seu dispor um verdadeiro exército… de escravos, dispostos a obedecer cegamente. Não tenhamos ilusões: é o medo quem ordena que se levantem muros e barreiras; é o medo quem afasta imigrantes e refugiados; é o medo quem faz a melhor publicidade a sistemas de videovigilância, alarmes e empresas de segurança.

A força do medo é de tal ordem que nos leva a procurar a segurança nas coisas e a acumular bens de forma desproporcional. Na verdade, penso que é o medo que se esconde por detrás daquilo a que chamamos consumismo e que nessa penumbra reina sobre nós. Consumimos desenfreadamente para nos sentirmos mais seguros, açambarcamos bens com a desculpa de estar abastecidos, se eles por algum motivo vierem a faltar. Basta lembrar-se de como, no início da pandemia, o papel higiénico se tornou no produto mais procurado nos nossos supermercados.

Por tudo isto, deve fazer-nos pensar que a frase que Jesus mais repete é precisamente «não tenhais medo». À luz do que acima referi, até parece um insulto ou uma piada de mau gosto. Só nos resta, portanto, reconhecer que se insistirmos em continuar neste trilho, «o nosso mundo avança numa dicotomia sem sentido, pretendendo garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança» (FT 26).

José Domingos Ferreira, scj

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