Carregar o ferido…

Como me situo perante o sofrimento do outro? Trata-se de uma pergunta de resposta demorada e difícil; talvez uma daquelas perguntas a serem contornadas habilmente, assim que possível. O papa Francisco diz que a nossa sociedade está doente, precisamente porque «procura construir-se de costas para o sofrimento» (FT 65).

Na verdade, a solução mais fácil, perante o sofrimento dos outros, é negá-lo, fazer de conta que não o vemos, refugiar-nos nas nossas coisas, porque, como algumas vezes se diz, já temos problemas que cheguem. «Estamos todos muito concentrados nas nossas necessidades», pelo que «ver alguém que está mal incomoda-nos, perturba-nos, porque não queremos perder tempo por culpa dos problemas alheios» (FT 65).

O papa Francisco alerta-nos que «viver indiferentes à dor não é uma opção possível; não podemos deixar ninguém caído “nas margens da vida”. Isto deve indignar-nos de tal maneira que nos faça descer da nossa serenidade alterando-nos com o sofrimento humano» (FT 68). Não nos podemos deixar anestesiar com o sofrimento dos outros. É certo que os meios de comunicação social nos inundam diariamente com tragédias e desastres, mas não podemos habituar-nos a assistir impávidos e serenos, como se tratasse somente de um espectáculo televisivo ou algo do género.

Os grandes fundadores da vida consagrada foram precisamente homens e mulheres que, perante o sofrimento humano, se interrogaram sobre o que é que podiam fazer para aliviar essa dor. Sentiram, de alguma maneira, que o amor a Deus precisava de ser concretizado em formas visíveis de amor ao próximo. Por isso, interrogaram-se, discerniram a vontade de Deus e puseram mãos à obra.

Em concreto, recordo o Pe. Dehon que, chegado à paróquia de S. Quintino, se deparou com aquela situação tão dramática em que viviam as classes trabalhadoras. Fechou os olhos? Refugiou-se na sacristia? Limitou-se a atribuir as culpas daquela situação a uns quantos responsáveis? Desculpou-se com a sua falta de preparação naqueles temas? Nada disso… Deitou as mãos à obra e arrastou outros com ele…

O nosso caminho hoje não pode ser outro. Como alerta o Papa, «enquanto caminhamos, inevitavelmente embatemos no homem ferido. Hoje, há cada vez mais feridos» (FT 69), pois «a incúria social e política faz de muitos lugares do mundo estradas desoladas, onde as disputas internas e internacionais e o saque de oportunidades deixam tantos marginalizados, atirados para a margem da estrada» (FT 71).

As injustiças e as desigualdades sociais não desapareceram, antes têm aumentado. Por isso, «debruçar-nos-emos para tocar e cuidar das feridas dos outros? Abaixar-nos-emos para levar às costas o outro? Este é o desafio actual, de que não devemos ter medo» (FT 70). Em que lado nos situamos? Do lado do sacerdote e do levita? Ou do lado do samaritano?

José Domingos Ferreira, scj

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