Carta do superior geral para a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

Mostra-nos, Senhor, o caminho a seguir

Aos membros da Congregação

A todos os membros da Família Dehoniana

Entre as várias facilidades oferecidas pela tecnologia das comunicações, uma delas é conhecer, com bastante precisão, a localização de pessoas, a identificação de lugares, as rotas, os horários e os meios disponíveis para chegar a qualquer local ou destino, da maneira mais rápida e conveniente. Estas vantagens, no entanto, ainda não estão disponíveis para todos. Há muitos lugares onde faltam os meios e as estruturas básicas para que todas as pessoas tenham acesso a elas. Mas independentemente dos meios e da tecnologia, o que faz sentido é estarmos conscientes de onde estamos e para onde vamos.

Celebrar a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus é uma oportunidade para examinar onde nos encontramos na estrada que percorrermos, e a maneira como a percorremos e partilhamos. Cabe-nos a nós situarmos neste contexto global que tem trazido tanta inquietação. Para uns mais do que para outros, está a ser retomada uma certa regularidade na vida e nas atividades. Mas o sofrimento continua e as dificuldades não faltam. No meio de tudo isso, é necessário que tanto pessoalmente quanto em comunidade, enquanto agimos, continuemos a reflcetir e a responder a perguntas essenciais: o que tudo isso nos deixou? O que aprendemos? Como temos reagido? Entre estas e tantas outras perguntas possíveis, não deve faltar uma: como prosseguir? Como pessoas que acreditam, é mais do que legítimo, talvez necessário, que a questão se torne um humilde apelo, assim como tantas pessoas e povos têm feito e continuam a fazer em circunstâncias onde nem tudo é claro:

“Fazei-me sentir, depressa, a vossa bondade,  porque ponho em vós a minha confiança.  Mostrai-me o caminho que devo seguir,     porque para vós se eleva a minha alma” (Sl 143,8).

Se considerarmos o nosso Fundador na sua busca por uma resposta às suas perguntas vocacionais e existenciais, o Padre Dehon privilegiou o encontro assíduo com a Sagrada Escritura. Andando de mãos dadas com o evangelista São João em situações decisivas, ele encontrou uma inspiração particular para a sua jornada e o seu trabalho. Disso ainda há um traço firme nas nossas Constituições:

“Com o apóstolo São João,  vemos no Lado aberto do Crucificado 

o sinal do amor que,  na doação total de si mesmo,  recria o homem segundo Deus.

Contemplando o Coração de Cristo,  símbolo privilegiado desse amor,  somos fortalecidos na nossa vocação.  Somos, com efeito, chamados  a inserir-nos nesse movimento de amor redentor,  doando-nos aos irmãos, com Cristo e como Cristo” (Cst 21).

Aproveitemos a ocasião desta Solenidade para nos aproximarmos mais uma vez dos pés da cruz, onde o evangelista São João nos coloca com a mãe de Jesus e algumas outras mulheres. Mas o olhar do Filho tem um alcance ainda maior. Com os seus olhos, o próprio Jesus faz-nos ver que o discípulo que Ele ama também está próximo de Maria. Do alto, o seu olhar prolongase sobre eles. Outros não estão lá porque tiveram medo, ou porque ficaram desapontados. Alguns distanciaram-se e isolaram-se; outros perderam-se durante a noite. Nem todos eles sabiam como ser próximos. Mas para Jesus, o importante agora é mostrar aquela proximidade que é dada na sua Mãe e naquele discípulo. Ele olha para eles (Jo 19,26).

É um momento de trevas (Mt 27,45), sim, mas somente até que Jesus fale. De fato, assim como o Pai fez no início (Gn 1,3), a palavra do Filho ilumina a cena e permite-nos compreender que o que está a acontecer ali não é uma tragédia irremediavelmente sujeita ao caos do ódio, das mentiras e da violência. Pelo contrário, é a configuração de um caminho que nasce na fragilidade daqueles que não têm outra forma de poder além do amor à Vida e de saber ser vizinhos. Quando o Filho contempla a proximidade entre a Mãe e o discípulo, parece que Ele está a reconhecer a própria proximidade do Pai com Ele e com toda a humanidade, uma proximidade que se estende sem medida para além da aflição.

Talvez seja por isso que Jesus, com a sua palavra, convida ambos a considerar um horizonte maior, Ele mostra-lhes um caminho que começa precisamente por assumir a validade do que eles mesmos são e não devem deixar de ser: mulher e filho, mãe e discípulo. Cabe a ambos, como um dom que lhes foi confiado, cuidar um do outro como mãe e discípulo, e de nenhuma outra forma, para que a verdadeira família possa ser reconhecida neles: aquela que nasce de fazer a vontade do Pai (Mc 3,34ss.). Para Maria e o discípulo, o que eles viram e ouviram aos pés da cruz foi transformado em uma missão. Eles entenderam que Jesus os chamava para caminharem juntos, para partilharem a vida. Eles foram dóceis e ousados em oferecer-se ao que podemos bem chamar de sinodalidade que nasce do Coração do Filho.

Antes que o lado fosse aberto, a prontidão de Maria e do discípulo precedia o sangue e a água que corria do lado ferido. São eles, a Mãe e o discípulo, que são os primeiros a fluir do olhar, da Palavra e das entranhas de misericórdia de Jesus. Na medida em que aderem a Cristo, eles são a figura e o modelo da Igreja discípula e materna que, unida ao Redentor, rega, repara e regenera a humanidade e a terra. É lá que a nossa Congregação e toda a Família Dehoniana devem encontrar-se novamente, ser inspirados e sempre renovados. É lá que devemos aprender a continuar a caminhar.

Que a contemplação do Coração de Cristo, junto com Maria e o discípulo amado, continue a mover as nossas vidas a das nossas comunidades e famílias, para que inseridos no tempo que partilhamos, intimamente unidos a Ele, e com particular atenção aos mais indefesos, não deixemos de contribuir para a instauração de seu Reino nas almas e nas sociedades.

Nele, fraternalmente,

P. Carlos Luis Suárez Codorniú, scj
Superior Geral e o seu Conselho

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