Celebrar as relações

“Tudo está inter-relacionado” (LS 70) é um motivo que atravessa e tece toda a encíclica Laudato si’, recordando-nos que estamos perante uma verdade fundamental, cheia de consequências para a nossa vida e que, por isso, não devemos deixá-la evadir-se do nosso horizonte.

O fenómeno de expansão planetária, vulgarmente conhecido por globalização, deu-nos uma nova consciência dos laços que unem todos os seres neste nosso mundo. Não somos mónadas isoladas e independentes. Não vivemos fechados em casulos herméticos e imunes ao exterior. Qualquer intento de auto-suficiência é uma ilusão daninha, incapaz de se manter de pé por muito tempo. Querer construir um pequeno paraíso à nossa medida é insustentável, se tudo à volta for caótico. Pelo contrário, aquilo que fazemos tem repercussões no conjunto, da mesma forma que sentimos e vibramos com as acções de outras pessoas, que podemos nem sequer conhecer.

Estar em relação permanente “implica ainda a consciência amorosa de não estar separado das outras criaturas, mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal. O crente contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres” (LS 220).

Esta comunhão íntima e universal recorda-nos que, no mais fundo da alma humana, há uma dimensão viva que se perde, se se perde o contacto com a terra. Porque estamos todos em relação, ou nos salvamos todos ou não há salvação; ou se salva a terra ou não se salvará o ser humano que nela habita. Aqui reside um forte antídoto contra o individualismo, esse vírus tão poderoso nos nossos dias e sobretudo tão nocivo, precisamente porque tenta esconder esta interdependência que nos constitui e nos faz correr em busca de um céu moldado a partir dos nossos interesses e necessidades pessoais.

Deste modo, se o destino de todos é interdependente, não podemos perder de vista o verdadeiro fundamento desta interdependência: a paternidade de Deus, a comunhão com Cristo e o dom do Espírito Santo. Às portas da Solenidade da Santíssima Trindade, este pode ser um bom momento para recuperar aquela consciência que animava Santo Ireneu, que via no Filho e no Espírito Santo as duas mãos com que o Criador modelou o mundo e criou o ser humano à Sua imagem e semelhança.

 

José Domingos Ferreira, scj

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