Crónicas de Angola 5/2011

A nossa partida para o Luau estava apontada para quarta-feira (dia 16 de Março), após o almoço. Os imprevistos de última hora fizeram adiar a viagem. E ainda bem! Mais uma vez se confirmou o dito popular: “há males que vêm por bem”. De facto, na hora em que devíamos partir, abateu-se sobre Luanda um enorme temporal, que seria grande imprudência meter-se à estrada sob aquela chuva tão intensa. Durante duas horas choveu abundantemente e toda a zona circundante à Casa Padre Dehon ficou inundada. A água deteve-se a escassos centímetros da entrada da casa. As ruas transformaram-se em canais de água e poços de lama. Para as crianças foi uma festa: a chuva e a água misturada com tudo o que se possa imaginar eram motivo para as mais variadas brincadeiras. Os habitantes da Casa Padre Dehon tiveram ainda outro contratempo: ao anoitecer, na hora de ligar o gerador de energia, este não funcionava. A noite já pairava sobre Luanda quando as luzes da nossa casa se acenderam.

No dia seguinte, pelas 14h00, empreendemos a viagem. Atravessar toda a extensa estrada de Viana sob forte calor, poeiras e poluição, foi o primeiro desafio que tivemos de enfrentar. Pela frente tínhamos 420 km para percorrer. O objectivo era chegar a Malange. A estrada de alcatrão é estreita, muitas vezes esburacada e a requerer manutenção. Muitos camiões fazem este caminho, pois é o único que liga Luanda ao interior (Moxico) e ao Nordeste (Lunda Norte e Lunda Sul). Chegámos a Malange pelas 20h00. Ficámos hospedados na casa dos franciscanos. Um simpático e conversador frade brasileiro tinha preparado para nós um abundante e saboroso jantar. O estômago bem estava a pedir. A refeição foi também alimentada de conversas e de partilha de aventuras missionárias… Fomos deitar-nos cedo, porque no dia seguinte tínhamos mil quilómetros de estrada para percorrer até chegar ao Luau.

Na sexta-feira, pelas 6h00 da manhã, já estávamos de novo da estrada. Para trás ficava a cidade de Malange, capital de província. É uma cidade grande, cheia de movimento e de vida. A chuva acompanhou-nos nas primeiras horas de viagem.

Em Xá-Muteba, duzentos quilómetros depois de Malange, fizemos uma breve paragem para ver o lugar onde alguns dehonianos da comunidade da Casa Padre Dehon, vêm prestar algum apoio pastoral nos tempos fortes da liturgia. A igreja desta localidade foi destruída pela guerra. Apenas a torre resistiu e permanece como testemunho de outros tempos da missionação.

Depois de passarmos a ponte militar sobre o rio Cacuilo. Parámos para almoçar. O farnel que trazíamos no jeep preencheu o vazio que trazíamos no estômago provocado pela fome e pelos contínuos buracos e solavancos da estrada. No ano passado, quando cá estive, fiz este caminho no sentido Luau – Luanda. Na altura procedia-se à terraplanagem da estrada. Faltava apenas a parte final do trabalho: espalhar o alcatrão. Este ano tudo está concluído, mas a degradação do piso é bem evidente. O calor, as chuvas muito fortes, os pesadíssimos camiões e a deficiente execução reduziram esta estrada a um estado que exige intervenção urgente.

A meio da tarde já tínhamos percorrido mais de seiscentos quilómetros e chegávamos à cidade dos diamantes: Saurimo. Um missionário, companheiro de viagem, logo se apressou a completar que é também a cidade das motos que circulam pela cidade como formigas. Saurimo é também uma importante cidade. É a capital da Lunda Sul, zona dos diamentes. Fizemos uma breve paragem, procurámos gasóleo, mas estava esgotado.

De Saurimo até o Luau a estrada é um luxo: é larga, bem sinalizada, com um bom piso e sistemas de drenagem adequados. Dizem que é das melhores estradas do país. Foram duas empresas portuguesas que, ao longo destes últimos anos, executaram com primor esta obra. Dá gosto percorrer as imensas rectas desta importante via que vai até à fronteira do Congo.

A aproximação ao nosso destino – Luau – fez-se sob chuva e sob forte trovoada. Enormes relâmpagos rasgavam a escuridão da noite – e aqui a noite é mais escura que em qualquer outra parte, porque não há luz artificial a iluminar os céus. O espectáculo tinha tanto de belo como de medonho.

Pelas 20h00 entrávamos em casa. Foram 14 horas de viagem com apenas três paragens. O cansaço e o apetite tomavam conta de nós. Por isso entrar em casa era o mesmo que dizer: “lar, doce lar”. A mesa estava posta e o petisco convidava a um retemperante repasto. Findo o qual recolhemos aos nossos quartos para o merecido descanso.

 

Zeferino Policarpo, scj

plugins premium WordPress