Do medo ao amor

Um dos efeitos mais perniciosos do medo é que, ao fechar-nos em nós próprios, mina todo e qualquer esforço de construir a fraternidade. É preciso insistir nisto e sobretudo darmo-nos conta desta realidade, uma vez que, mesmo no meio de uma pandemia agressiva e constrangedora, têm-se multiplicado as iniciativas em torno à encíclica Fratelli Tutti do papa Francisco. O medo apoia-se numa dinâmica que tende a pôr em primeiro lugar o “eu” e dificilmente terá em conta o “nós”.

Podemos aspirar a uma nova fraternidade aberta e global, mas, se não vencermos o medo que nos habita, tal não passará de uma utopia ou de um sonho ingénuo. Se o medo não ceder lugar ao amor, os frutos deste documento papal correm o risco de ser raquíticos. Se o medo não ceder lugar ao amor no mais íntimo do nosso coração, haverá sempre em nós uma chama de desconfiança que, perante qualquer tentativa de criar um mundo mais fraterno, nos levará a pôr um pé atrás e quem sabe se não chegaremos mesmo a caminhar na direcção contrária.

Pela sua própria dinâmica interna, o medo não gera nunca fraternidade. Estas não só são realidades estranhas entre si, como dimanam de princípios antagónicos e incompatíveis. A máquina do medo só produz desconfiança, aversão e distanciamento. O medo enclausura, afasta e levanta suspeita. O medo ergue muros, inibe a solidariedade e chega mesmo a anestesiar a pessoa perante o sofrimento dos outros. O medo não quer viver plenamente, mas satisfaz-se com uma sobrevivência aceitável.

Convém ler aquilo que o papa Francisco diz a este propósito: «compreendo que alguns tenham dúvidas e sintam medo à vista das pessoas migrantes; compreendo-o como um aspecto do instinto natural de autodefesa. Mas também é verdade que uma pessoa e um povo só são fecundos, se souberem criativamente integrar no seu seio a abertura aos outros. Convido a ultrapassar estas reacções primárias, porque o problema surge quando estas dúvidas e este medo condicionam de tal forma o nosso modo de pensar e agir, que nos tornam intolerantes, fechados, talvez até – sem disso nos apercebermos – racistas. E assim o medo priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o outro» (FT 41).

O desafio que temos diante de nós é precisamente a passagem do medo ao amor, porque, como diz S. João, «no amor não há temor; pelo contrário, o perfeito amor lança fora o temor; de facto, o temor pressupõe castigo, e quem teme não é perfeito no amor» (1 Jo 4,18). Não posso afirmar que esta seja uma transformação óbvia e fácil, mas o discípulo de Jesus é precisamente aquele que quer abandonar as forças negativas do medo e abraçar a energia libertadora do amor. A conversão quaresmal passa também por acolhermos a graça de um amor divino, que expulsa o espírito maligno do medo.

José Domingos Ferreira, scj

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