Eucaristizar a totalidade

De uma forma única e peculiar, a Eucaristia exprime uma «preocupação pelo Todo», segundo a expressão de Teilhard de Chardin (1881-1955). Esta «preocupação pelo Todo» expressa o desejo de caminhar rumo a uma comunhão harmónica com todas as realidades e de operar uma reconciliação entre o universo, Deus e o humano. Com efeito, «na Eucaristia, já está realizada a plenitude, sendo o centro vital do universo, centro transbordante de amor e de vida sem fim» (LS 236)

O sacramento eucarístico, ao apresentar-se como condensação da totalidade num momento e lugar concretos, não deixa nada de fora. Pelo contrário, assume em si todas as realidades, elevando-as sempre a um nível superior. A lógica do «usa e deita fora», com todas as suas variantes contemporâneas, não é eucarística, pois «a Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação. O mundo, saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração» (LS 236). Na Eucaristia, sucede o mesmo que na natureza, mas de uma forma ainda mais intensa e verdadeira: «nada se perde, tudo se transforma». Nada é deitado fora. Tudo pode adquirir um novo significado.

O sacramento eucarístico situa-nos em relação com Deus, uma relação de tal modo próxima e íntima que «o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-se comer pela sua criatura». Estamos, assim, perante o «apogeu do mistério da Encarnação», no qual «o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através dum pedaço de matéria» (LS 236). Este nosso alimento é superior ao «pão dos anjos», dado que o pão material, feito a partir do trigo que a natureza dá e amassado por experimentadas mãos humanas, já não apaga apenas a fome quotidiana, mas é capaz de saciar-nos com a vida abundante de Deus.

O encontro entre Deus e o homem implica necessariamente uma abertura crescente aos irmãos, mesmo se a nossa experiência comunitária está actualmente muito debilitada. Aliás, esta frágil vivência comunitária é um sinal de uma débil celebração do sacramento. A seiva parece não chegar a todos os ramos e alguns acabam por definhar e morrer. A verdade é que, alimentados com o mesmo pão do céu, divinizados a partir de dentro, somos capazes de descobrir um irmão em cada rosto humano, porque intuímos a presença divina no mais íntimo do seu coração.

Da mesma forma, a Eucaristia assume a realidade natural, simbolizada no pão e no vinho, que se transformarão em Corpo e Sangue de Jesus. Na verdade, como diz o Padre Dehon, «Jesus-Eucaristia é, eminentemente, o santificador da terra. É Jesus vivo connosco, vivendo em nós, tomando passo a passo posse do reino ao qual tem direito. A matéria não foi como que deificada pela Incarnação, e não é destinada a uma transformação gloriosa?”Assim sendo, «no Pão Eucarístico, a criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador» (LS 236).

José Domingos Ferreira, scj

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