Liturgia

Events in Maio 2024

  • 5ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    5ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    1 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 15, 1-6

    Naqueles dias, 1alguns homens que tinham descido da Judeia ensinavam aos irmãos: «Se não vos circuncidardes, de harmonia com o uso herdado de Moisés, não podereis ser salvos.» 2Depois de muita confusão e de uma controvérsia bastante viva de Paulo e Barnabé contra eles, foi resolvido que Paulo, Barnabé e mais alguns outros subissem a Jerusalém para consultarem, sobre esta questão, os Apóstolos e os Anciãos. 3Então, depois de despedidos pela igreja, atravessaram a Fenícia e a Samaria, relatando a conversão dos pagãos, o que causava imensa alegria a todos os irmãos. 4Chegados a Jerusalém, foram recebidos pela igreja, pelos Apóstolos e Anciãos e contaram tudo o que Deus fizera com eles. 5Levantaram-se alguns do partido dos fariseus, que tinham abraçado a fé, dizendo que era preciso circuncidar os pagãos e impor-lhes a observância da Lei de Moisés. 6Os Apóstolos e os Anciãos reuniram-se para examinarem a questão.

    O conflito que levou ao Concílio de Jerusalém, julgado do nosso ponto de vista, pode parecer-nos infantil. Mas, observado a partir do contexto que o provocou, revela- se mais sério, e podemos compreender melhor a angústia dos irmãos de Jerusalém. Esta narração do livro dos Actos (capítulo 15) é o eixo à volta do qual gira toda a obra de Lucas. O Concílio de Jerusalém resolveu, ou lançou as bases para a resolução, do maior problema e da crise que afectava a Igreja, pois afirmou a liberdade do Evangelho, salvando, ao mesmo tempo, a unidade da mesma Igreja. As questões eram várias entre os judeo-cristãos: que valor tinha o Antigo Testamento, particularmente a Lei, em relação ao novo povo de Deus? Há continuidade no plano de Deus, supondo a novidade radical do cristianismo? Mas, do ponto de vista dos étnico-cristãos, também havia questões: para ser cristão, havia que aceitar a Lei judaica? O caminho que leva ao cristianismo terá necessariamente de passar pelo judaísmo? Quem quer tornar-se cristão terá de tornar-se antes judeu? É preciso aceitar o rito da circuncisão e outros pormenores legais? Se o cristianismo queria ser universal, não podia impor práticas específicas de um determinado povo. Estas e outras questões exigiam a reflexão aprofundada da Igreja. Por isso, «os Apóstolos e os Anciãos reuniram-se para examinarem a questão» (v. 6).

    Evangelho: João 15, 1-8

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1«Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. 2Ele corta todo o ramo que não dá fruto em mim e poda o que dá fruto, para que dê mais fruto ainda. 3Vós já estais purificados pela palavra que vos tenho anunciado. 4Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim. 5Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer. 6Se alguém não permanece em mim, é lançado fora, como um ramo, e seca. Esses são apanhados e lançados ao fogo, e ardem. 7Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e assim vos

    acontecerá. 8Nisto se manifesta a glória do meu Pai: em que deis muito fruto e vos comporteis como meus discípulos.»

    A palavra-chave deste texto é claramente «permanecer», até pelas vezes que é repetida. O «discurso de adeus» de Jesus centra-se, agora, na sua relação com os Apóstolos e sobre a comunhão real e profunda que há entre Ele e os que acreditam nele.
    Enquanto o capítulo 14 de João se caracterizava pelo imperativo de «acreditar» em Jesus, agora caracteriza-se pela exigência de permanecer n' Ele. Encontramos esta mesma imagem de «permanecer» a propósito da Eucaristia (6, 56). Este «permanecer» deve portanto entender-se em conexão com a Eucaristia.
    Jesus está para enfrentar a morte. Mas continua a ser, para os seus, fonte de vida e de santidade. Unidos a Ele podem muito fruto (15, 6).
    Ao contrário de Israel, videira infecunda e resistente aos cuidados de Deus (cf. Is 5), Jesus é a videira verdadeira, que produz frutos e corresponde aos cuidados do Pai. Com esta imagem, Jesus quer explicar a surpreendente união vital que oferece aos que nele acreditam, os compromissos que essa união implica e as expectativas de Deus sobre ela. Jesus é o primogénito da nova humanidade em virtude do sacrifício redentor oferecido na cruz. Ele é a cepa santa donde brota a seiva que dá vida às varas e que nelas produz frutos. Quem permanece unido a Ele, vive e pode dar frutos. Quem produzir frutos será purificado para produzir ainda mais. Esta purificação é realizada pela palavra acolhida no coração.

    Meditatio

    As duas leituras, que hoje escutamos, têm uma ligação entre elas que, à primeira vista parece não existir. O evangelho apresenta-nos a alegoria da videira, que nos introduz num clima de profunda intimidade: «Permanecei em mim, que Eu permaneço em vós» (v. 4). A primeira leitura fala de exigências legais. Paulo e Barnabé chegam a Jerusalém contam as maravilhas operadas por Deus entre os pagãos e, alguns do partido dos fariseus insistem que é preciso «circuncidar os pagãos e impor-lhes a observância da Lei de Moisés». Qual é, então, a ligação entre as duas leituras? O evangelho leva-nos a compreendê-la quando recorda as palavras de Jesus: «Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em mim» (v. 4). Sem Jesus nada se pode fazer. Só Ele é o fundamento da nossa vida. E não temos o direito de procurar outro fundamento para ela, ou de acrescentar a Cristo outra realidade que não seja Ele. Era o que pretendiam fazer os cristãos vindos do judaísmo. Não percebiam que, tendo aderido a Cristo, deviam abandonar as antigas perspectivas, porque não há dois fundamentos, nem duas fontes de vida, mas uma só: Cristo. É nele que havemos de pôr toda a nossa fé e toda a nossa confiança. O baptismo, que nos une a Cristo, como varas à cepa, é quanto basta. De Cristo recebemos a seiva divina, que é o Espírito Santo, que nos dá a vida, e produz em nós os seus frutos, a começar pela da caridade.
    As nossas Constituições citam a alegoria da videira para falar da união a Cristo, que é o princípio e o centro da nossa vida, o nosso caminho de santidade, tal como foi para o Pe. Dehon (cf. Cst 17): «A vara não pode dar fruto por si mesma, se não permanece na cepa... permanecei em Mim» (Jo 15, 4). O mesmo n. 17 indica os meios para tornar frutuosa a nossa vida de varas: permanecer na «escuta da Palavra» e «na partilha do Pão». O n. 18 acrescenta o amor e o serviço aos irmãos, especialmente aos mais fracos. O n. 20 fala da contemplação do Lado aberto e do Coração trespassado. São os «lugares» para vivermos e crescermos na união a Cristo, para que Ele «habite» cada vez mais intimamente "pela fé" nos nossos "corações, de sorte que, enraizados e fundados no amor" possamos "compreender... a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer, enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para sermos repletos da plenitude de Deus" (cf. Ef 3, 17-19).

    Oratio

    Senhor Jesus, a união Contigo é, de facto, o princípio e o centro da minha vida. Contigo estou vivo; sem Ti estou morto. Contigo, envolve-me o rio imortal da vida divina, que me leva ao oceano divino e sem limites, onde jamais se põe o sol. Contigo sou tudo; sem Ti sou nada!
    Dou-Te graças, Senhor, porque vieste ligar-me ao Pai, fonte de vida perene. Liga-me fortemente a Ti, para que não me torne uma vara separada, uma vara sem fruto. Faz-me compreender que a união Contigo é o caminho para a santidade e ajuda-me a vivê-la e a aprofundá-la na escuta da palavra, na celebração da Eucaristia, no amor aos irmãos e na contemplação do teu Lado aberto e do teu coração trespassado. E que a união Contigo permita ao teu Espírito produzir em mim todos os seus frutos, particularmente um ardente amor ao Pai e um generoso amor aos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    «Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor». Jesus passa junto das vinhas que eram podadas naquela estação. Vê os ramos vivos carregados de botões e os ramos cortados caídos por terra, é um belo tema para uma parábola. «Eu sou a videira verdadeira, diz, a videira cheia de seiva e de vida». Pensava no seu sangue, semelhante ao vinho da vinha, que ia muito em breve correr sob a prensa da agonia.
    «O meu Pai, diz, é o agricultor, que cultiva com amor a videira e os ramos». - Os frutos que o agricultor celeste espera da sua vinha são aqueles que a alma leva unida a Jesus Cristo, como os ramos estão unidos à cepa. A alma cristã está enxertada em Jesus Cristo, regenerada por ele, e elevada até a esta perfeição que faz dos seus actos outros tantos frutos divinos: frutos de humildade, de paz, de modéstia, de piedade, de pureza, de zelo, de silêncio, de recolhimento, de sacrifício, de morte para si mesmo; frutos de vida interior e de união constante.
    A vinha vulgar da nossa natureza humana não produz nada de tudo isto. São necessários o enxerto e a seiva divina.
    «Permanecei em mim». Permaneçamos agarrados à videira. O agricultor corta da videira os ramos mortos e aqueles que não dão frutos. Limpa as varas que dão frutos, para que produzam ainda mais.
    «É assim que fará o Pai celeste, diz-nos Nosso Senhor: todo o ramo que não der fruto em mim, cortá-lo-á; atirá-lo-á para longe de mim, será privado da seiva que é a graça e cairá na morte espiritual. Mas os que prometem fruto, podá-los-á, purificá-los-á através de alguma prova e curá-los-á das suas inclinações depravadas, para que dêem ainda mais frutos».
    «Quanto a vós, dizia ainda Nosso Senhor, estais todos podados e purificados pelas instruções que vos dei; mas para que esta purificação se conserve e complete, para que a vossa fecundidade em obras de salvação se desenvolva, uni-vos sempre mais intimamente a mim, permanecei em mim e eu, por minha parte, permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na vinha, se não está aderente à cepa donde tira a seiva vivificante, assim não podeis produzir nada, se não permanecerdes em mim» (Leão Dehon, OSP 3, p. 457s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    ,,Permanecei em mim,, (Jo 15, 4).

    S. José, Operário

    S. José, Operário


    1 de Maio, 2024

    A "festa do trabalho", criada pela Internacional Socialista em 1889, é celebrada, na Europa, no dia 1 de Maio. A Igreja quis dar-lhe uma dimensão cristã. Por isso, Pio XII, em 1955, instituiu a festa de S. José Operário, colocando-a nesse dia. Ninguém mais do que o humilde trabalhador de Nazaré pode ensinar aos outros trabalhadores a dignidade do trabalho, e protegê-los com a sua intercessão junto de Deus.

    Lectio

    Primeira leitura: Génesis 1, 26-2, 3

    Disse Deus: «Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.» 27Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. 28Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra.» 29Deus disse: «Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento. 30E a todos os animais da terra, a todas as aves dos céus e a todos os seres vivos que existem e se movem sobre a terra, igualmente dou por alimento toda a erva verde que a terra produzir.» E assim aconteceu.31Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o sexto dia. 1Foram assim terminados os céus e a Terra e todo o seu conjunto.2Concluída, no sétimo dia, toda a obra que tinha feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por Ele realizado.3Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o, visto ter sido nesse dia que Ele repousou de toda a obra da criação.

    A criação do homem é o auge da criação, porque, só ele, foi criado à imagem e semelhança de Deus. Deus invisível reflete-se no rosto frágil do homem. Homem e mulher são imagem de Deus: "Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher." (v. 27). Como Deus trino, o homem é capaz de uma relação interpessoal de amor. Mas a imagem de Deus no homem reflete-se também na autoridade sobre o universo e na inteligência criativa, com que pode dominar a natureza, desenvolvê-la e transformá-la. A capacidade de trabalho permite ao homem tornar-se colaborador de Deus na obra da criação. É sobretudo este aspeto que a liturgia de hoje põe à nossa meditação.

    Evangelho: Mateus 13, 54-58

    Naquele tempo, Jesus foi à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam: «De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? 55Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? 56Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem, pois, tudo isto?» 57E estavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa.» 58E não fez ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquela gente.

    A condição familiar e laboral de Jesus impediu os seus concidadãos de o reconhecerem como enviado de Deus, como profeta. Era "o filho do carpinteiro" (v. 55). Segundo Lucas, ele mesmo era carpinteiro: "Não é Ele o carpinteiro?..." (13, 55). O Filho de Deus feito homem quis ser membro de uma família operária. Os seus conterrâneos não conseguiram ver mais do que isso, desprezando-o, e não o reconhecendo como o Messias. Mas não somos nós que havemos de ditar as condições do Reino, que pode realizar-se em qualquer condição social e em qualquer trabalho. E Deus gosta de surpreender-nos.

    Meditatio

    Na família humilde e operária de Nazaré, o trabalho era expressão de amor. José foi carpinteiro toda a vida. Jesus exerceu também essa profissão durante os anos de vida escondida, em Nazaré. Depois do reencontro com os pais, em Jerusalém, Jesus "desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso" (Lc 2, 51). A submissão e a obediência de Jesus, em Nazaré, deve entender-se como participação no trabalho de José. Se a família de Nazaré é exemplo para as famílias humanas na ordem da salvação e da santidade, também o é no trabalho de Jesus, ao lado do carpinteiro José. O trabalho humano, particularmente o trabalho manual, tem especial acentuação no Evangelho. Com a humanidade do Filho de Deus, o trabalho foi acolhido no mistério da Incarnação, tal como foi particularmente redimido, no mistério da Redenção. Trabalhando ao lado de Jesus, José aproximou o trabalho humano da Redenção. A virtude da laboriosidade teve especial importância no crescimento humano de Jesus "em sabedoria, em estatura e em graça" (Lc 2, 52), uma vez que o trabalho é um bem do homem, que transforma a natureza e torna o homem, em certo sentido, mais homem. O trabalho sincero, humilde, disponível no amor, une-nos a Cristo, filho do carpinteiro, Filho de Deus.
    Como religiosos, pelo nosso trabalho, além do mais, colaboramos na obra do Criador, damos o nosso pequeno contributo pessoal para a transformação do mundo e para a realização do projeto de Deus na história (cf. GS 34). O trabalho é uma das expressões da nossa vida de pobreza. Os pobres trabalham para viver... No trabalho, além do mais, precisamos de estar enamorados por Cristo-pobre, trabalhador, "Filho do carpinteiro" (Mt 13, 55). Assim, como Ele, teremos um coração pobre, sóbrio, com poucas exigências, aberto aos outros, capaz de partilhar o que é e o que tem.

    Oratio

    Ó S. José, que, trabalhando com Jesus, aproximastes o trabalho humano do mistério da Redenção, vinde em auxílio de todos quantos se afadigam nas mais diversas profissões. Ajudai-nos a compreender que o trabalho é um bem para quem o faz, pois, em certo sentido, nos torna mais homens, mais imagem e semelhança de Deus, e é um bem para quem dele beneficia. Ajudai-nos a conhecer e a assimilar os seus conteúdos, para ajudar todos os homens a aproximarem-se mais de Deus, criador e redentor, a participarem nos seus planos de salvação do homem e do mundo, e aprofundarem a própria amizade com Cristo. Ámen.

    Contemplatio

    Na casa do pobre operário, as privações sucediam às privações, e o pão devia faltar muitas vezes. José acabou por encontrar trabalho como carpinteiro, e Maria fiava a lã ou o algodão. Quantas graças prepararam aí para os trabalhadores e para os pobres! Não é que a lei evangélica seja contrária à prosperidade dos povos, ela é, pelo contrário, a condição mais favorável e a garantia, porque recomenda o trabalho, a justiça, a temperança, que são as condições de sucesso; mas ao lado da lei, há os conselhos, propostos às almas generosas. A Sagrada Família caminhou pela via dos conselhos, na obediência, na pobreza, nas privações. O coração de Jesus menino comprazia-se nestas cruzes pela nossa salvação, e as almas generosas seguem hoje o mesmo caminho, completando, como diz S. Paulo, o que falta à Paixão de Jesus, pela salvação do mundo.(L. Dehon, OSP 3, p. 136).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos" (da Liturgia).
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    S. José, Operário (1 Maio)

  • 5ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    5ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    2 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 15, 7-21

    Naqueles dias, 7depois de longa discussão, Pedro ergueu-se e disse-lhes:
    «Irmãos, sabeis que Deus me escolheu, desde os primeiros dias, para que os pagãos ouvissem da minha boca a palavra do Evangelho e abraçassem a fé. 8E Deus, que conhece os corações, testemunhou a favor deles, concedendo-lhes o Espírito Santo como a nós. 9Não fez qualquer distinção entre eles e nós, visto ter purificado os seus corações pela fé. 10Porque tentais agora a Deus, querendo impor aos discípulos um jugo que nem os nossos pais nem nós tivemos força para levar? 11Além disso, é pela graça do Senhor Jesus que acreditamos que seremos salvos, exactamente como eles.» 12Toda a assembleia ficou em silêncio e se pôs a ouvir Barnabé e Paulo a descrever os milagres e prodígios que Deus realizara entre os pagãos, por intermédio deles.
    13Quando acabaram de falar, Tiago tomou a palavra e disse: «Irmãos, escutai-me. 14Simão contou como Deus, desde o princípio, se dignou intervir para tirar de entre os pagãos um povo que fosse consagrado ao seu nome. 15E com isto concordaram as palavras dos profetas, conforme está escrito: 16Depois disto, hei-de voltara reconstruir a tenda de David, que estava caída; reconstruirei as suas ruínas e erguê-la-ei de novo, 17a fim de que o resto dos homens procure o Senhor, bem como todos os povos que foram consagrados ao meu nome - diz o Senhor, que dá a conhecer 18 estas coisas desde a eternidade. 19Por isso, sou de opinião que não se devem importunar os pagãos convertidos a Deus. 20Que se lhes diga apenas para se absterem de tudo quanto foi conspurcado pelos ídolos, da imoralidade, das carnes sufocadas e do sangue. 21Desde os tempos antigos, Moisés tem em cada cidade os seus pregadores e é lido todos os sábados nas sinagogas.»

    Ao contrário do que seria de esperar, quem toma a palavra para defender o ponto de vista mais liberal não é Paulo, mas Pedro. O apóstolo defende-o usando os seguintes argumentos: foi ele mesmo quem inaugurou a missão entre os pagãos, ao baptizar Cornélio e a sua família, tendo a igreja de Jerusalém aprovado a sua actuação (Act 10-11); o próprio Deus aprovou e confirmou essa actuação, ao enviar o Espírito Santo sobre os pagãos; o próprio Deus, mediante a fé, purificou os corações dos gentios, que os judeus julgavam impuros; se a fé toma o lugar da Lei, como meio de purificação, não é preciso suportar o seu jugo, tão pesado para os próprios judeus; finalmente, o homem salva-se, não pela Lei, mas pela graça de Jesus Cristo.
    Os discursos de Pedro e de Tiago têm, como intermezzo, o testemunho de Barnabé e de Paulo, e vêm depois de uma longa discussão. Podem considerar-se os discursos conclusivos de um longo processo de discernimento comunitário. E assim se salvaguarda a liberdade do Evangelho, mas também a unidade da Igreja.

    Evangelho: João 15, 9-11

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 9«Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. 10Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, também permaneço no seu amor. 11Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa.

    O amor de Jesus pelos seus discípulos tem origem no amor que circula entre o Pai e o Filho. É essa comunhão de amor que está na origem de todas as intervenções maravilhosas de Deus para salvar o homem: «Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor» (v. 9). Os discípulos devem corresponder a este amor, observando os mandamentos de Jesus, permanecendo no seu amor, obedecendo ao Pai como Jesus obedeceu: até à morte e morte de cruz (Fil 2, 8). A lógica é simples: o Pai amou o Filho, e este, vindo ao mundo, permaneceu unido no amor ao Pai por uma atitude constante de obediência à sua vontade. O mesmo deve acontecer entre Jesus e os discípulos. Estes devem realizar fielmente o que Jesus realizou durante a sua vida, e testemunhar o amor de Jesus permanecendo unidos no seu amor. Mais importante do que amar a Jesus é deixar-se amar por Ele, acolher o amor que o Pai, por Jesus, oferece a cada um de nós. Para isso, há que observar docilmente os mandamentos, a exemplo de Jesus.

    Meditatio

    O evangelho de hoje começa com uma afirmação que é, por assim dizer, uma definição do Coração de Jesus: «Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós» (v. 9). Jesus sabe que a fonte do amor não é Ele, mas o Pai. Mas também sabe que Ele é a perfeita expressão humana desse amor: é o rosto do amor do Pai por nós. Jesus recebeu no seu coração humano o amor que tem origem no Pai, e viveu-o de modo único, perfeitíssimo. Por isso, se quisermos conhecer o amor do Pai, devemos contemplar o Coração de Jesus, que se entregou por nós, e «permanecer no seu amor».
    Para permanecermos no amor de Jesus, há que observar os seus mandamentos (cf. v. 10). Se quisermos saciar a infinita sede de amor que há em nós, havemos de procurar continuamente a vontade do Senhor e realizá-la. «Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito» (Mt 11, 29), diz o Senhor. O jugo do Senhor não deixa de ser jugo. Mas é um jugo suave e leve, porque é o jugo dos «seus» mandamentos, e não o jugo dos mandamentos e prescrições da antiga Lei.
    A primeira leitura mostra-nos como os primeiros cristãos perceberam que estavam livres de uma série infinita de leis e preceitos, e que o mais importante era permanecer unidos a Cristo pela fé e pelo cumprimento da sua vontade.
    «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa» (v. 11). Todo o discípulo é chamado a deixar-se possuir pela alegria de Jesus, depois de se ter deixado possuir pelo amor de Deus. A minha existência de discípulo consiste em dar espaço a este amor divino, que é amor «descendente», amor que leva o Pai a «dar o Filho» (Jo 3, 15), amor que leva o Filho a dar-se a si mesmo, e que leva os discípulos a fazer o mesmo entre eles. É este o amor que garante a «felicidade».
    Esta nova maneira de amar vem de Deus. É o próprio amor de Deus que actua em mim e em cada um dos discípulos do Senhor. Mais ainda: cada um dos discípulos recebe de Jesus a «sua» felicidade, a alegria que vem de amar como Deus ama, no impulso e na imitação de Jesus. Não estamos pois ao nível do moralismo, mas nos cumes da mística, da m iacute;stica da acção, que implica o dom de si mesmo, que comporta estar completamente possuídos pelo amor de Deus.
    Acolhamos o ardente convite de Jesus: "Permanecei no Meu amor" (Jo 15, 19).
    "Permanecer" é deixar-se penetrar pelo amor de Jesus, deixar-se envolver, levar, permear; repousar no amor de Jesus. É ser fiéis ao amor de Jesus, perseverar no Seu amor, ser testemunhas dele na vida, irradiá-lo.

    As nossas Constituições entendem tudo isto, quando falam da "presença activa" do amor de Jesus (n. 2), da correspondência activa ao amor (cf. n. 7), do conhecimento progressivo do amor (cf. nn. 16-18.23).
    A interioridade recíproca (cf. Jo 15, 4) ou união íntima com Cristo, é condição essencial para a vida de oblação. Permanecer em Jesus é permanecer no Pai (cf. Jo 14, 10; 1 Jo 4, 16): "Deus é amor; quem permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele" (1 Jo 4, 16). "Permanecer no amor" é fazer e aceitar tudo por amor, especialmente as cruzes de cada dia (cf. Lc 9, 23), é amar-nos uns aos outros como Cristo nos amou (cf. Jo 15, 12).

    Oratio

    Ó Jesus, hoje, quero rezar-te usando as palavras do teu servo Leão Dehon: «Senhor, permanece em mim e eu permanecerei em Ti. Sim, Tu és a videira, e quando me separo de Ti, sinto-me morrer. Mantém-me unido a Ti na graça santificante, na recordação assídua da tua presença, na meditação dos teus mistérios. Quero permanecer no teu coração. Lá está toda a minha vida e a minha felicidade». Amen.

    Contemplatio

    «É assim que fará o Pai celeste, diz-nos Nosso Senhor: todo o ramo que não der fruto em mim, cortá-lo-á; atirá-lo-á para longe de mim, será privado da seiva que é a graça e cairá na morte espiritual. Mas os que prometem fruto, podá-los-á, purificá-los-á através de alguma prova e curá-los-á das suas inclinações depravadas, para que dêem ainda mais frutos».
    «Quanto a vós, dizia ainda Nosso Senhor, estais todos podados e purificados pelas instruções que vos dei; mas para que esta purificação se conserve e complete, para que a vossa fecundidade em obras de salvação se desenvolva, uni-vos sempre mais intimamente a mim, permanecei em mim e eu, por minha parte, permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na vinha, se não está aderente à cepa donde tira a seiva vivificante, assim não podeis produzir nada, se não permanecerdes em mim» (Leão Dehon, OSP 3, p. 457s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Permanecei no meu amor» (Jo 15, 9).

    S. Atanásio, Bispo e Doutor da Igreja

    S. Atanásio, Bispo e Doutor da Igreja


    2 de Maio, 2024

    S. Atanásio nasceu em Alexandria do Egito, no ano de 295. De formação grega, foi bispo da sua cidade natal de 328 a 373. Participou no Concílio de Niceia, no ano 325. A sua oposição ao arianismo causou-lhe cinco exílios. Visitou Roma e Tréveris. Visitou os monges que viviam nos desertos do Egito. A vida de Santo Antão, que escreveu, teve enorme influência na difusão do monaquismo e no estilo de vida dos monges. Atanásio faleceu em Alexandria a 2 de Maio de 373.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 5, 1-5

    Caríssimos: Quem acredita que Jesus é o Cristo nasceu de Deus; e todo aquele que ama quem o gerou ama também quem por Ele foi gerado. 2É por isto que reconhecemos que amamos os filhos de Deus: se amamos a Deus e cumprimos os seus mandamentos; 3pois o amor de Deus consiste precisamente em que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são uma carga, 4porque todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo. E este é o poder vitorioso que venceu o mundo: a nossa fé. 5E quem é que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?

    Em João, "mundo" é sinónimo de "mal", indicando tudo o que se opõe à Vida, Luz e Verdade de Deus. O que está em Deus, pertence a Deus e vem de Deus, é amor, é comunhão, harmonia. É como a água fresca que brota borbulhante da fonte, ou como o esplendor de um céu limpo e com sol. Vida é a que venceu o mundo, e é a nossa fé e a verdade que nos mantém em comunhão de amor com Aquele que é Trindade, para onde o Filho nos transferiu. Quem aí se mantém e apoia vence o pecado, as trevas, a mentira: o mundo.

    Evangelho: Mateus 10, 22-25

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo. 23Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo: Não acabareis de percorrer as cidades de Israel, antes de vir o Filho do Homem.» 24«O discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do senhor. 25Basta ao discípulo ser como o mestre e ao servo ser como o senhor. Se ao dono da casa chamaram Belzebu, o que não chamarão eles aos familiares!

    Jesus chamou os seus discípulos para os enviar a anunciar a verdade, o bem e o amor. Mas nunca os iludiu com falsas expetativas. Disse-lhes claramente que teriam de enfrentar fortes oposições, porque o mundo odeia o que não é seu. Mais do que preocupar-se em ser bem acolhido, em ter sucesso nos seus trabalhos apostólicos, o missionário do Evangelho há-de ser humilde, fiel e forte no cumprimento da sua missão.

    Meditatio

    S. Atanásio aparece-nos como um homem de enorme importância para a definição do dogma cristão. Quando alguns quiseram reduzir Jesus a simples criatura humana, o bispo de Alexandria interveio vigorosamente para defender a fé católica. Foi o que sucedeu com a heresia de Ario, que afirmava que Jesus era simplesmente um homem grande, santo, adotado por Deus, mas não Filho de Deus. Havia bispos e imperadores que aceitavam esta teoria, porque era mais fácil de aceitar, porque não exigia, a adesão a um mistério inefável, incompreensível. Atanásio defendeu, sem hesitações, e arcando com as consequências - perseguições, exílios - esta verdade de fé, garantindo que se trata de um mistério do qual depende a nossa salvação. De fato, se Jesus não é Filho de Deus, nós não estamos nem redimidos nem salvos, pois a salvação é obra de Deus. O fiel tem uma existência atribulada e, para cúmulo, sem a evidência humana da vitória. É difícil acreditar que Jesus tenha vencido o mundo quando se sofrem perseguições. Mas não há vitória sem luta, sem passar pela paixão do Senhor. Acreditamos no mistério "total" de Jesus: o mistério de uma morte que desembocou na ressurreição. Um cristão não pode ficar espantado se, como Jesus, for perseguido. É condição para a vitória da fé, isto é, para continuar a acreditar, nas tribulações, que Deus nos ama e, se nos prova, é para nos dar bens maiores.

    Oratio

    Rezemos com S. Atanásio:
    "Os querubins são excelsos, mas, tu, ó Virgem, és mais excelsa do que eles; os querubins sustentam o trono de Deus, mas tu sustentas a Deus, nos teus braços. Os serafins estão diante de Deus, mas tu está mais do que eles: os querubins cobrem com as asas o próprio rosto, porque não pode olhar a glória perfeita, mas tu, não só contemplas o seu rosto, mas o acaricias e amamentas a sua boca santa. (Elogio da Mãe de Deus, de uma homilia de S. Atanásio).

    Contemplatio

    A consolação começa na terra. É inspirada pela fé. É uma consolação nas nossas mágoas, nos nossos sofrimentos, nas nossas provações, pensar que a nossa paciência apaga as nossas faltas e nos prepara graças e uma recompensa sempre crescente. A paciência é sempre encorajada pela esperança, diz S. Paulo: um ligeiro sofrimento prepara uma grande recompensa (2Cor 4, 17). - Se sofremos, se morremos com Jesus, diz-nos muitas vezes, havemos de ressuscitar e seremos glorificados com Ele (Rom 8, 17). Esta santa esperança dá uma verdadeira alegria, um começo de beatitude celeste às almas generosas no sofrimento: «Bendito seja o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação, diz S. Paulo; consola-nos em todas as nossas tribulações, a fim de que também nós possamos consolar aqueles que estão nas angústias, pelos mesmos motivos de encorajamento que Deus nos dá; porque, à medida que os sofrimentos de Cristo abundam em nós, Cristo faz abundar em nós a consolação» (2Cor 1, 3). Mas a consolação definitiva será no céu: «Deus, diz S. João, enxugará todas as lágrimas dos seus eleitos» (Ap 7, 17). Já não haverá incomodidades da terra, da fome, da sede e das intempéries; mas o Cordeiro que reina lá provirá a tudo e abrirá a todos as fontes da vida e da alegria (Ap 7; Is 49). (Leão Dehon, OSP 4 p. 40s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quem acredita que Jesus é o Cristo nasceu de Deus" (1 Jo 5, 1).

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    S. Atanásio, Bispo e Doutor da Igreja (2 Maio)

  • 5ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    5ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    3 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 15, 22-31

    Naqueles dias, os Apóstolos e os Anciãos, de acordo com toda a Igreja, resolveram escolher alguns de entre eles e enviá-los a Antioquia com Paulo e Barnabé. Foram Judas, chamado Barsabas, e Silas, homens respeitados entre os irmãos. 23E mandaram a seguinte carta por intermédio deles:«Os Apóstolos e os Anciãos, vossos irmãos, aos irmãos de origem pagã residentes em Antioquia, na Síria e na Cilícia, saudações!
    24Tendo conhecimento de que, sem autorização da nossa parte, alguns dos nossos vos foram inquietar, perturbando as vossas almas com as suas palavras, 25resolvemos, de comum acordo, escolher delegados e enviar-vo-los com os nossos queridos Barnabé e Paulo, 26homens estes que expuseram as suas vidas pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. 27Enviamos, pois, Judas e Silas, que vos transmitirão verbalmente as mesmas coisas. 28O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor outras obrigações além destas, que são indispensáveis: 29abster-vos de carnes imoladas a ídolos, do sangue, de carnes sufocadas e da imoralidade. Procedereis bem, abstendo-vos destas coisas. Adeus.» 30Eles, então, depois de se despedirem, desceram a Antioquia e, reunindo a assembleia, entregaram a carta. 31Depois de a lerem, todos ficaram satisfeitos com o encorajamento que lhes trazia Do Concílio de Jerusalém saiu uma resolução oficial sobre a questão da obrigatoriedade da Lei para os pagãos que se convertiam à fé, e foi escolhida uma delegação que, com Paulo e Barnabé, fosse comunicá-la, pessoalmente e por escrito, à igreja de Antioquia. O documento escrito repete os pontos essenciais do acordo obtido. Além de ser enviado a Antioquia, é também remetido às igrejas vizinhas que, de algum modo, tinham sido envolvidas na polémica dos judaizantes.
    A decisão de aceitar o princípio da liberdade do Evangelho diante da Lei foi tomada pelo Espírito Santo e pela comunidade cristã através dos seus representantes. A Igreja, desde o princípio, experimentou a presença do Espírito e transmitiu-a ao longo dos séculos. O Espírito falou de modo particular por meio de Tiago, que centrou a sua intervenção na Sagrada Escritura. Mas também falou pelas moções que suscitou na comunidade. O Espírito actua na Igreja, particularmente nos momentos difíceis, quando se devem tomar decisões graves.
    O comunicado oficial causou grande alegria, pois se ficou a saber claramente que as profecias do Antigo Testamento se tinham cumprido nos acontecimentos que os afectavam directamente. Notem-se também as palavras de apreço por Paulo e Barnabé, «homens que expuseram as suas vidas pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 26).

    Evangelho: João 15, 12-17

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 12É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. 13Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos. 14Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. 15Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. 16Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. 17É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros.»

    «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (v. 12). Nesta perícopa, a relação entre Jesus e os discípulos assume particular intensidade, quando o Senhor fala do mandamento do amor fraterno. Os mandamentos da comunidade messiânica resumem-se ao amor fraterno. A vivência do amor fraterno glorifica o Pai, revela os verdadeiros discípulos e produz muitos frutos. O amor fraterno tem o seu modelo no amor oblativo de Jesus por nós, que O leva a dar a vida pelos seus amigos (v. 13). A resposta que Jesus pede aos seus é um amor oblativo e sem reservas, para com Ele e para com os irmãos, um amor total, de grande qualidade.
    Este amor, que pode levar ao dom da própria vida, tem outras características: é um amor de intimidade e gratuito. A revelação dos segredos mais íntimos é sinal de verdadeira e profunda amizade. Jesus partilha connosco os segredos do seu coração, ajudando-nos a crescer no amor e na intimidade com Ele. Esse amor e essa intimidade, que são dom, têm por objectivo a nossa salvação, e permitem-nos alcançar do Pai tudo quanto Lhe pedirmos, em nome de Jesus.

    Meditatio

    O mandamento do amor fraterno enche o texto evangélico que hoje escutamos: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (v. 12). Jesus já tinha afirmado que há dois mandamentos: o mandamento de amar a Deus com todo o coração e o mandamento de amar o próximo como a nós mesmos. Repetia o Antigo Testamento (cf. Dt 6, 5; Lv 19, 18). Aqui, Jesus vai mais longe: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (v. 12). «Como eu vos amei». Amar o próximo como a nós mesmos é já muito. Mas, amar o próximo como Jesus nos ama, é muito mais. É o amor cristão. Como é que Jesus nos ama? Ama-nos com delicadeza e com força. Chama-nos amigos, porque nos faz entrar na sua intimidade. Não nos trata como servos, mas como amigos. Conta-nos segredos da sua família: «Dei-vos a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (v. 15).
    Este amor delicado é também muito forte: «Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13). O modelo do amor cristão é um homem-Deus crucificado e ressuscitado, que nos amou até ao sacrifício de Si mesmo. É também assim que havemos de amar os nossos irmãos. Ser discípulo de Cristo consiste em amar o irmão até dar a vida por ele, tal como fez Jesus, o Filho que desceu do Céu para dar a vida por nós. Dar a vida não significa necessariamente sofrer o martírio. Essa pode ser uma graça especial, concedida a alguns. Dar a vida é gastar-se na atenção e no serviço àqueles que estão ao nosso lado, que precisam de nós. Significa também interrogar-se, cada manhã, sobre o modo como não se tornar um peso para os outros. Significa ainda suportar os silêncios, os amuos e os limites de carácter de quem vive ao nosso lado. Significa não escandalizar-nos com as suas contradições e pecados. Significa aceitar cada um como é e não como gostaríamos que fosse.
    Uma das finalidades da vida religiosa é unir as pessoas. As nossas Constituições dizem: «Deixamo-nos penetrar pelo amor de Cristo e escutamos a sua prece do &quot ;Sint unum...»(cf. n. 63). Mas - perguntam - «como consegui-lo, a não ser aprofundando no Senhor as nossas relações, mesmo as mais normais, com cada um dos nossos irmãos?» (n. 64). Por vezes, corre-se o risco de viver separados, isolados... Devemos então recordar o mandamento do Senhor: «Quem ama a Deus, ame também o seu irmão» (1 Jo 4, 21); quem procura a intimidade com Deus, também procura a intimidade com o irmão, cultiva a amizade com um ou outro, multiplica as ocasiões de encontros familiares: como pode alguém dizer que ama a Deus que não vê, se não ama o irmão que vê? (cf. 1 Jo 4, 20).
    Temos que examinar a nossa consciência, para ver se alimentamos o fogo ou se o deixamos apagar, isto é, se alimentamos o amor real, o calor humano, necessários para o verdadeiro espírito de família e para fazer germinar a verdadeira amizade. Os irmãos e, mais ainda, os amigos são dons do Pai celeste; por meio dos irmãos e, sobretudo, por meio dos amigos, Ele fala-nos e enriquece-nos: «Toda a boa dádiva e todo o bem perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes» (Tgo 1, 17); «Um amigo fiel é uma poderosa protecção; quem o encontra, encontra um tesouro» (Sir 6, 14; cf. Sir 6, 5-17).
    Se queremos ser amados, amemos e, como Deus, tomemos a iniciativa de amar (cf. 1 Jo 4, 19). Como o amor é dom e fruto do Espírito (cf. Rom 5, 5), assim também a verdadeira amizade provém certamente do Espírito e é sustentada por Ele.

    Oratio

    Senhor, mais uma vez, quero rezar-te com as palavras do teu servo Leão Dehon: «Senhor, tu queres ser meu amigo; mas a amizade é uma troca de ternura e de benevolência. Gostaria de competir Contigo nesta amizade, embora seja incapaz de fazer por Ti o que fazes por mim. Serei assíduo junto de Ti. Manter-me-ei unido a Ti pelas minhas obras de cada dia. Consumir-me-ei por Ti no trabalho e no zelo». Amen.

    Contemplatio

    «Amai-vos uns aos outros». Jesus recomenda-nos de novo o seu mandamento preferido. Quer que a caridade mútua caracterize os seus discípulos. «O meu mandamento, diz, é que vos ameis uns aos outros como eu vos amei». Estas palavras dizem muito, e Nosso Senhor explica-as acrescentando: «Ninguém pode ter maior amor do que dar a vida pelos seus amigos». É o que ia fazer dentro de algumas horas. Mas já desde a sua incarnação, não tinha feito outra coisa do que consumir-se por nós. S. Paulo resumiu bem a sua vida: «Amou-me e entregou-se por mim». Amou-me até assumir a natureza humana para se fazer meu irmão, minha caução, meu Redentor. Amou-me até se fazer meu preceptor pelos seus exemplos, pelos seus discursos, pelas suas parábolas. Amou-me até se fazer minha caução e a vitima da minha salvação na sua paixão e na sua morte.
    E eu, devo por minha vez amar o meu próximo e dedicar-me aos seus interesses espirituais e temporais. Devo manifestar esta caridade pelas suas virtudes de doçura e de paciência e pela prática de todas as obras de misericórdia. Que hei- de fazer hoje para isso?
    «Vós sois meus amigos, se fizerdes o que vos mando». - «Vós me chamais vosso Mestre, não quero mais este título; o amor eleva-vos de algum modo até mim: Já não vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor, não é chamado aos conselhos do seu senhor, obedece sem ter nenhuma intimidade com o seu mestre. Não deve ser assim entre vós, acrescenta Nosso Senhor: chamo-vos meus amigos e trato-vos como tais. Tudo o que ouvi de meu Pai, vo-lo dei a conhecer; revelei-vos os mistérios do reino de Deus, dei-vos a conhecer os desígnios de meu Pai para a redenção do mundo, na qual deveis cooperar».

    Entre nós e Nosso Senhor, há, portanto, um regime de amizade, de cooperação e de comunhão de bens, análoga à união de Nosso Senhor com o seu Pai. Tudo é comum entre nós e ele: «Mea omnia tua sunt, et tua mea sunt»: «Tudo o que é meu é teu e o que é teu é meu» (Jo 17,10). - Regime de amor, de santa liberdade e de familiaridade: «Pedireis tudo o que quiserdes, e ser-vos-á concedido» (Jo 15, 16).
    Amou-me até se dar, se entregar, se trair. É tudo por mim nas suas condutas providenciais: «É tudo para os eleitos, tudo concorre para o bem daqueles que amam Deus». É bom mesmo quando me pune, é para o meu bem. Jesus revela-me esta amizade para me cumular de alegria: «Disse-vos estas coisas para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa».
    Que é que fiz até agora para responder a uma tão admirável amizade? Tive para com o Salvador a confiança e a dedicação de um amigo? Que hei-de fazer para responder à sua amizade? (Leão Dehon, OSP 3, p. 460s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12).

    S. Filipe e S. Tiago, Apóstolos

    S. Filipe e S. Tiago, Apóstolos


    3 de Maio, 2024

    Como S. Pedro e S. André, Filipe era natural de Betsaida. O seu nome grego deixa supor que pertencia à comunidade helenista. Foi dos primeiros discípulos a ouvir o chamamento do Senhor: "Segue-me". Pôs-se imediatamente ao serviço do Senhor e, bem depressa, começou a dedicar-se à missão. Segundo a tradição, S. Filipe evangelizou a Turquia, onde morreu mártir.

    S. Tiago, o Menor, filho de Alfeu, era primo de Jesus e escreveu a Carta de Tiago. Foi testemunha privilegiada da ressurreição do Senhor (cf. 1 Cor 17, 7), ocupando um lugar proeminente na comunidade de Jerusalém. Depois da dispersão dos Apóstolos, nos anos 36-37, aparece como chefe da igreja-mãe (At 21, 18-26). Morreu mártir por volta do ano 62, sendo precipitado pelos Judeus do Templo e lapidado como Estêvão. Na sua carta, deixou-nos o testemunho da prática da Unção dos Enfermos já nos tempos apostólicos.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 15, 1-8

    Lembro-vos, irmãos, o evangelho que vos anunciei, que vós recebestes, no qual permaneceis firmes 2e pelo qual sereis salvos, se o guardardes tal como eu vo-lo anunciei; de outro modo, teríeis acreditado em vão. 3Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; 4foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; 5apareceu a Cefas e depois aos Doze. 6Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez, a maior parte dos quais ainda vive, enquanto alguns já morreram. 7Depois apareceu a Tiago e, a seguir, a todos os Apóstolos. 8Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto.

    Paulo deixa-nos perceber a importância que a tradição tinha nos começos da comunidade cristã: "Transmiti-vos o que eu próprio recebi" (v. 3). É através da tradição apostólica que chegam até nós as notícias referentes ao evento histórico-salvífico da Páscoa do Senhor. Através dela, podemos ligar-nos ao fluxo salvífico daquela graça. O nosso texto contém uma profissão de fé que remonta aos primeiros momentos da comunidade cristã: "Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras;apareceu a Cefas e depois aos Doze." (vv. 3-5). Anunciar ao mundo esta Boa Nova é a missão dos Apóstolos e de todos os cristãos. Só pela participação na Páscoa de Cristo, os homens podem ser salvos.

    Evangelho: João 14, 6-14

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim. 7Se ficastes a conhecer-me, conhecereis também o meu Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo.» 8Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» 9Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'?10Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim?As coisas que Eu vos digo não as manifesto por mim mesmo: é o Pai, que, estando em mim, realiza as suas obras.11Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim; crede, ao menos, por causa dessas mesmas obras.12Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai, 13e o que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória do Pai. 14Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu o farei."

    O evangelho transmite-nos o diálogo entre Jesus e Filipe, precedido da autorevelação de Jesus a Tomé: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (v. 6), para chegar ao Pai. Jesus também fala a Filipe do Pai. Por meio de Jesus, podemos conhecer o Pai, desde já, podemos "vê-lo" e assim acreditar na total comunhão que une Jesus a Deus Pai. As palavras de Jesus revelam-nos a comunhão que o liga ao Pai. Acolhê-las é aplanar a estrada para chegar ao Pai. O mesmo se diga das obras de Jesus. Acolhidas na fé, também são caminho para compreender a identidade de Jesus, a sua relação com o Pai e a nossa relação com ambos.

    Meditatio

    "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim." (v. 6). Atraindo-nos para Jesus - "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair" (Jo 6, 44) - o Pai revela-nos que, para ir para Ele, é preciso passar pelo Filho, porque o Filho é o caminho, Aquele que revela o Pai, comunica a vida do Pai e conduz até Ele.
    No evangelho, Jesus revela-nos o seu coração, o desejo ardente de nos fazer conhecer o Pai, e a consciência que tem de ser o verdadeiro revelador do mesmo Pai: "Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim?" (vv. 9-10).
    Em todo o homem há um desejo vivo de ver a Deus. Os salmos fazem eco desse anseio profundo: "Quando poderei contemplar a face de Deus?" (Sl 42, 3); "Quero contemplar-te... para ver o teu poder e a tua glória." (Sl 63, 3). Conhecer alguém por ouvir dizer, é pouco. Encontrar-se com uma pessoa, vê-la, dá um conhecento mais profundo da mesma. Lemos no seu rosto os seus sentimentos, o seu amor, a sua bondade, tudo o que há de vivo nela. É a partir desta experiência humana que nasce em nós o anseio profundo de ver a Deus.
    O Novo Testamento diz-nos que a visão de Deus, que nos permite contemplar o invisível, o inacessível e continuar vivos, é possível vendo Jesus, o Filho de Deus feito homem, imagem do Deus invisível, rosto humano de Deus. Jesus é o revelador do Pai. É este o seu mistério mais profundo. O Pai está em Jesus e Jesus está no Pai. O Pai manifesta em Jesus, não só na sua presença no meio de nós, mas também, e sobretudo, na sua morte e ressurreição. A primeira leitura sugere esta aproximação. Jesus ressuscitado manifestou-se, apareceu: "Cristo ressuscitou ao terceiro dia e apareceu a Cefas e depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez... apareceu a Tiago. Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto." (vv. 4-8). Jesus ressuscitado mostrou-se e mostrou o Pai. Ele é a mais completa visão de Deus: "Quem me vê, vê o Pai" (v. 9). É claro que, para nós, Jesus ressuscitado não é uma pessoa que se veja como outra qualquer. A nós, aplica-se a frase com que João encerra o seu evangelho: "Felizes os que crêem sem terem visto!" (Jo 20, 29). A nossa visão de Jesus não é uma visão sensível, mas de fé. Contemplar as imagens de Jesus pode ajudar-nos. Mas são os olhos do coração que O alcançam. A visão de Deus é uma visão do coração. Só se pode vê-lo com o coração, o Coração de Jesus!

    Oratio

    Mostrai-nos, Senhor, o vosso rosto e seremos salvos! Queremos acolher a salvação contemplando o vosso rosto, paterno e materno, cheio de misericórdia. Contemplando-o, queremos penetrar na ternura do vosso coração. Procuro o vosso rosto, Senhor! Mostrai-me o vosso rosto. A vossa glória, Senhor, refulge no rosto do vosso Cristo, que tem um rosto humano, semelhante ao meu, semelhante ao dos meus irmãos. Que eu saiba contemplar o vosso rosto também no rosto dos meus irmãos e irmãs, dos que vivem comigo, trabalham comigo, daqueles para quem eu vivo e trabalho. Ámen.

    Contemplatio

    S. Tiago deixou-nos a sua bela epístola dirigida a todas as Igrejas. Nela descreve, de um modo luminoso, a vida cristã, tal como a praticava diariamente. Estabeleceu a necessidade das boas obras, recomenda a constância nas provações, a caridade para com o próximo, o bom uso da língua. Fala do sacramento da Santa Unção, que se dá aos doentes. Resume toda a vida cristã sob o nome de sabedoria que vem do alto, como S. Paulo a resumiu sob o nome de caridade. «A sabedoria é casta, diz, é modesta, pacífica, dócil aos sábios conselhos, cheia de misericórdia, dedicada às boas obras. Evita os juízos temerários, as mentiras, a duplicidade. É sobretudo amiga da paz interior e do recolhimento que são a condição para escutar a voz de Deus e para praticar a justiça na pureza de intenção». Sim, é na paz interior, na união com o Sagrado Coração, que poderei praticar a vida de amor e de reparação que Nosso Senhor espera de mim. (Leão Dehon, OSP 3, p. 506).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quem me vê, vê o Pai!" (Jo 14, 9).

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    S. Filipe e S. Tiago, Apóstolos (3 Maio)

  • 5ª Semana - Sábado - Páscoa

    5ª Semana - Sábado - Páscoa

    4 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 16, 1-10

    Naqueles dias, 1Paulo chegou em seguida a Derbe e, depois, a Listra.Havia ali um discípulo chamado Timóteo, filho de uma judia crente e de pai grego, 2que era muito estimado pelos irmãos de Listra e de Icónio. 3Paulo resolveu levá-lo consigo e, tomando-o, circuncidou-o, por causa dos judeus existentes naquelas regiões, pois todos sabiam que o pai dele era grego. 4Nas cidades por onde passavam, transmitiam e recomendavam aos irmãos que cumprissem as decisões tomadas pelos Apóstolos e pelos Anciãos de Jerusalém. 5Dessa forma, as igrejas eram confirmadas na fé e cresciam em número, de dia para dia. 6Paulo e Silas atravessaram a Frígia e o território da Galácia, pois o Espírito Santo impediu-os de anunciar a Palavra na Ásia. 7Chegando à fronteira da Mísia, tentaram dirigir-se à Bitínia, mas o Espírito de Jesus não lho permitiu. 8Atravessaram, então, a Mísia e desceram para Tróade. 9Ora, durante a noite, Paulo teve uma visão: um macedónio estava de pé diante dele e fazia-lhe este pedido: «Passa à Macedónia e vem ajudar-nos!» 10Logo que Paulo teve esta visão, procurámos partir para a Macedónia, persuadidos de que Deus nos chamava, para aí anunciar a Boa-Nova.

    A partir do capítulo 16 do livro dos Actos, Lucas centra a sua atenção na actividade missionária de Paulo. O texto que escutamos hoje apresenta-nos a segunda viagem missionária do Apóstolo, já sem a companhia de Barnabé, com quem se desentendera devido a uma diferente avaliação da pessoa de João Marcos. Mas Paulo não parte sozinho para a nova viagem, mais alargada que a primeira. Vai com Timóteo, seu discípulo, que lhe permanecerá sempre fiel. Para evitar conflitos com os judeus, fá- lo circuncidar, embora reconhecesse que isso não era necessário.
    O Espírito Santo é o guia dos missionários, corrigindo-lhes mesmo a rota. Para Lucas, o Espírito Santo é o grande protagonista e estratega da evangelização. Os seus planos nem sempre coincidem com os dos homens. É o caso em que impele Paulo a passar à Europa, em vez de penetrar nas regiões da Ásia menor. Na acção missionária de Paulo não havia muita organização, mas havia muita disponibilidade à acção do Espírito. Um exemplo sempre actual!

    Evangelho: João 15, 18-21

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 18«Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a mim. 19Se viésseis do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, como não vindes do mundo, pois fui Eu que vos escolhi do meio do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. 20Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é mais que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós. Se cumpriram a minha palavra, também hão-de cumprir a vossa. 21Mas tudo isto vos farão por causa de mim, porque não reconhecem aquele que me enviou.

    Os discípulos de Jesus terão de enfrentar o ódio do mundo, tal como Ele o enfrentou. Esse ódio caracteriza o mundo (v. 18), tal como o amor caracteriza a comunidade cristã. Os discípulos serão perseguidos pelo mundo, porque ele não suporta aqueles que se opõem aos seus princípios. Os que optaram por Cristo são considerados estranhos e inimigos pelo mundo. A sua vida é uma acusação permanente às obras perversas do mundo. É por isso que o homem de fé é odiado. O ódio do mundo manifesta-se na perseguição contra a comunidade dos discípulos de Cristo. Mas estes não devem desanimar na sua vida de fé e no cumprimento da missão de evangelizar. A perseguição e o sofrimento hão-de ser vividos em união com o Senhor. A sorte dos discípulos é idêntica à de Cristo: «Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós» (v. 20).

    Meditatio

    É o Espírito Santo que conduz a Igreja e a sua acção missionária. Paulo e Timóteo atravessavam a Frigia e a Galácia, mas o Espírito Santo proibiu-lhes pregar a palavra na Ásia (cf. v. 6). Depois tentaram dirigir-se à Bitínia, «mas o Espírito de Jesus não lho permitiu» (v. 7). O Espírito Santo parece criar obstáculos à acção dos apóstolos. Mas, em Tróade, irão compreender que o Espírito tinha um plano muito mais ambicioso e vasto: «Passa à Macedónia e vem ajudar-nos!», diz-lhe um macedónio. E, assim, Paulo entra na Europa.
    A docilidade de Paulo ao Espírito Santo é uma lição para nós, que nem sempre nos damos conta que as dificuldades ao nosso apostolado e a nossa acção pastoral podem vir de Deus. É que os nossos projectos podem não coincidir com os projectos de Deus, porque não fizemos um bom discernimento, ou por causa de outros nossos limites. Também é possível que os nossos bons projectos estejam inquinados de ambição, de egoísmo, de vaidade. As dificuldades, postas por Deus às nossas obras, são boa ocasião para trabalharmos com generosidade, mas também com desinteresse, deixando-nos a alegria de servir a Deus com docilidade e rectidão.
    O evangelho lembra-nos que «o servo não é mais que o seu senhor» (v. 20). Não devemos espantar-nos se, ao nosso lado, verificarmos indiferença e hostilidade. É sinal de que somos fiéis a Cristo perseguido e à sua palavra de cruz. Não devemos entrar em crise se muitos não pensam como nós, se nos atacam por todos os meios antigos e modernos. A fé é sempre algo fora de moda. Por isso, há-de ser procurada e vivida na oblatividade, que consiste no apelo à cruz, ao sacrifício, a saber amar, à justiça paga com a própria pele. A hostilidade, mais ou menos aberta, do mundo que nos rodeia, não há-de levar-nos a um testemunho soft, a abaixar o nível das exigências da fé, ou a silenciar o que mais compromete ou é impopular.
    Fortalecidos pela presença de Cristo, e dóceis ao seu Espírito, devemos empenhar-nos, como dehonianos, em denunciar o pecado, em trabalhar para que o mundo dos homens, o nosso mundo actual, com as suas forças, os seus dramas, se abra ao Reino de Deus.
    A Eucaristia que celebramos, comungamos e adoramos, sugere-nos espontaneamente a ideia e a realidade da imolação da vítima, e é um tácito e insistente convite a vivermos a nossa vocação baptismal (cf. Cst 13) e a nossa profissão religiosa de oblação, reparação, imolação em união com a Vítima divina e com o Sacerdote eterno, para fazermos da nossa vida &ldq uo;uma missa permanente" (Cst. 5; cf. nn. 6.22.24). Porque é tempo que o nosso pão se torne Corpo de Cristo e o nosso vinho Seu Sangue e nós, que dele comemos e bebemos, nos tornemos Corpo de Cristo.

    Oratio

    «Ó Jesus, Sacerdote soberano, multiplica os sacerdotes santos, os sacerdotes segundo o teu Coração. Quero rezar por essa intenção, como Tu mesmo pediste. Contigo tenho piedade dos rebanhos sem pastores. Envia-lhes pastores que juntem a fecundidade das obras à santidade da vida». Assim rezava o teu servo, Leão Dehon. Que acrescentarei às suas palavras? Peço-te que me ajudes a viver como Tu queres, no meio das dificuldades produzidas pela hostilidade do mundo. Que jamais me acobarde quando for preciso dar testemunho de Ti. Que jamais me falte a coragem perante as reacções que vêm do facto de eu dizer o que Tu mesmo dirias, e de fazer as coisas que Tu mesmo farias. Que a hostilidade do mundo jamais me leve a diluir a tua mensagem e o testemunho que devo ao teu santo nome. Amen.

    Contemplatio

    Durante três anos, o Salvador envolve os seus apóstolos com os mais assíduos cuidados. Está totalmente dedicado à sua formação, à sua preparação. No fim, pode dizer-lhes: «Não vos chamo meus servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Vós sois meus amigos: transmiti-vos tudo o que meu Pai me disse. Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi, e que vos estabeleci para que deis fruto e que este fruto permaneça». O bom Mestre acrescenta: «Tudo o que pedirdes a meu Pai em meu nome, Ele vo-lo dará. Se o mundo vos odeia, não vos admireis, odiou-me primeiro. Ele odiar-vos-á, porque não sois do mundo, porque vos constituí acima do mundo. - Enviar-vos-ei o meu espírito, o espírito de verdade que será o vosso guia. - Sofrereis perseguições. Expulsar-vos-ão das vossas casas e dos vossos santuários, porque os perseguidores não conhecem o meu Pai e não me conhecem. Mas antes de vos deixar, previno-vos, a fim de que nada vos surpreenda» (Jo 15).
    O bom Mestre instruiu os seus discípulos até ao fim, com uma caridade inefável.
    Que sorte invejável esta de serem os amigos de Jesus, os seus íntimos, os ministros das suas obras e mesmo os seus companheiros de labor e de expiação sob a cruz! (Leão Dehon, OSP 4, p. 256).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O servo não é mais que o seu senhor» (Jo 15, 20).

  • 06º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    06º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    5 de Maio, 2024

    ANO B

    6.º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 6.º Domingo da Páscoa

    A liturgia do sexto Domingo da Páscoa expõe, diante dos nossos olhos, a “rede” de amor que atravessa toda a história da salvação: Deus é a fonte primeira do amor; Ele ama o seu Filho Jesus, comunica-lhe o seu amor e envia-o ao encontro dos homens; Jesus mostrou aos homens, em gestos e palavras, o amor de Deus; os discípulos de Jesus acompanharam-no desde a Galileia até Jerusalém e foram testemunhas do seu amor “até ao extremo”; transformados em Homens Novos pelo amor de Jesus, os discípulos são agora no mundo os arautos do amor de Deus.

    A segunda leitura confirma que Deus é a origem do amor (“Deus é amor”) e que foi d’Ele que partiu essa corrente de amor que nos alcançou, em Jesus e por Jesus. Nós, transformados por esse amor, podemos agora aproximar-nos de Deus, conhecer a Deus e tornarmo-nos filhos de Deus.

    No Evangelho Jesus, em contexto de despedida, deixa aos discípulos “o seu” mandamento fundamental: “amai-vos como Eu vos amei”. Eles são os “amigos” a quem Jesus amou até ao fim e revelou o amor do Pai. A missão dos discípulos é testemunhar, no mundo e na história, esse jeito de viver que aprenderam com Jesus.

    A primeira leitura afirma que a salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo, e levada ao mundo pelos discípulos, se destina a todos os homens e mulheres, sem exceção. Para Deus, o que é decisivo não é a pertença a uma raça ou a um determinado grupo social, mas sim a disponibilidade para acolher o amor de Deus e para dar testem unho desse amor.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 10,25-26.34-35.44-48

    Naqueles dias,
    Pedro chegou a casa de Cornélio.
    Este veio-lhe ao encontro
    e prostrou-se a seus pés.
    Mas Pedro levantou-o, dizendo:
    «Levanta-te, que eu também sou um simples homem».
    Pedro disse-lhe ainda:
    «Na verdade, eu reconheço
    que Deus não faz aceção de pessoas,
    mas, em qualquer nação,
    aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável».
    Ainda Pedro falava,
    quando o Espírito desceu
    sobre todos os que estavam a ouvir a palavra.
    E todos os fiéis convertidos do judaísmo,
    que tinham vindo com Pedro,
    ficaram maravilhados ao verem que o Espírito Santo
    se difundia também sobre os gentios,
    pois ouviam-nos falar em diversas línguas e glorificar a Deus.
    Pedro então declarou:
    «Poderá alguém recusar a água do Batismo
    aos que receberam o Espírito Santo, como nós?»
    E ordenou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo.
    Então, pediram-lhe que ficasse alguns dias com eles.

     

    CONTEXTO

    O texto que a liturgia deste sexto domingo da Páscoa nos propõe como primeira leitura integra uma secção do livro dos Atos dos Apóstolos (cf. 9,32-11,18) cujo protagonista é o apóstolo Pedro. Essa secção refere a atividade missionária de Pedro no litoral da costa palestina, entre Jope e Cesareia Marítima, onde Pedro, assumindo o papel de pregador itinerante, vai visitando diversas comunidades cristãs.

    O episódio que nos é proposto situa-nos em Cesareia Marítima, uma cidade construída por Herodes, o Grande, no séc. I a. C., num lugar antigamente designado por “Torre de Estraton”. Cesareia era a sede do poder romano na Palestina, pois era aí que residiam os procuradores romanos da Judeia. No centro da cena está um centurião romano, chamado Cornélio, que era “piedoso e temente a Deus” (At 10,2). Pedro estava em Jope (atual Jafa), um pouco mais a sul, hospedado em casa de Simão, o curtidor (cf. At 9,43); mas, convidado por Cornélio, vai até Cesareia, dirige-se à casa do centurião romano e, encontrando-o reunido com diversos familiares e amigos (cf. At 10,24), anuncia-lhes Jesus.

    A atitude de Pedro deve ter gerado alguma polémica nas comunidades cristãs primitivas, particularmente na comunidade cristã de Jerusalém (cf. At 11,2-3). Para os primeiros cristãos, oriundos do mundo judaico, não era claro que os pagãos pudessem entrar na comunidade cristã. O pagão era considerado um ser impuro, em casa de quem o bom judeu estava proibido de entrar, a fim de não se contaminar. Quereria Deus que a salvação fosse também anunciada aos pagãos?

    Para o autor dos Atos dos Apóstolos, é perfeitamente claro que Deus também quer oferecer a salvação aos pagãos. Para deixar isso bem claro, ele põe Deus a dirigir toda a trama: é Deus que, numa visão, pede a Cornélio que mande chamar Pedro (cf. At 10,1-8); e é Deus que arrebata Pedro “em êxtase” e lhe sugere que poderá ir ao encontro de Cornélio sem ficar contaminado pelo contacto com um pagão (cf. At 10,9-23). A decisão de Pedro de apresentar a proposta de Jesus a uma família pagã será, pouco depois, aprovada pela Igreja de Jerusalém (cf. At 11,18).

    Este episódio tem uma especial importância no esquema imaginado por Lucas para a expansão da Igreja… Cornélio é o primeiro pagão oficialmente admitido na comunidade de Jesus. A conversão de Cornélio marca uma viragem decisiva na proclamação do Evangelho que, a partir deste momento, se abre também aos pagãos.

    A conversão de Cornélio será, basicamente, histórica; as “visões” e os detalhes são, provavelmente, o cenário que Lucas monta para apresentar a sua catequese.

     

    MENSAGEM

    Depois de descrever a receção de Pedro em casa de Cornélio, Lucas põe na boca de Pedro um discurso – do qual, no entanto, a leitura que nos é proposta só apresenta um pequeno extrato – onde ecoa o kerigma (primeiro anúncio, que proclama as verdades fundamentais sobre Jesus) primitivo. Nesse discurso, Pedro anuncia Jesus (vers. 38a), a sua atividade (“andou de lugar em lugar fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com Ele” – vers. 38b), a sua morte (vers. 39b), a sua ressurreição (vers. 40) e a dimensão salvífica da sua ação (vers. 43b). É este o anúncio que Jesus encarregou os primeiros discípulos de testemunharem ao mundo inteiro.

    O nosso texto acentua, especialmente, o facto de a mensagem da salvação se destinar a todas as nações, sem distinção de pessoas, de raças ou de povos. Logo no início do discurso, Pedro reconhece que “Deus não faz aceção de pessoas; em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável” (vers. 34-35). Portanto, o anúncio sobre Jesus deve chegar a todos os cantos da terra; a salvação de Deus é para todos os homens e mulheres, sem exceção.

    Depois do anúncio feito por Pedro, acontece a efusão do Espírito “sobre quantos ouviam a Palavra” (vers. 44), sem distinção de judeus ou pagãos (vers. 45). O resultado do dom do Espírito é descrito com os mesmos elementos que apareceram no relato do dia do Pentecostes: todos “falavam línguas” e “glorificavam a Deus” (vers. 46). É a confirmação direta de que Deus oferece a salvação a todos os homens e mulheres, sem distinguir raças, culturas ou nações. Pedro tira, desse facto, as conclusões que se impõem e batiza Cornélio e toda a sua família.

    Os primeiros cristãos, oriundos do mundo judaico e marcados pela mentalidade judaica, consideravam que a salvação era, sobretudo, um dom de Deus para os judeus; os pagãos poderiam eventualmente ter acesso à salvação, desde que se convertessem ao judaísmo, aceitassem a Lei de Moisés e a circuncisão. Mas o Espírito Santo, derramado sobre Cornélio e a sua família, veio mostrar que a salvação oferecida por Deus, trazida por Jesus e testemunhada pelos discípulos, não é património ou monopólio dos judeus ou dos cristãos oriundos do judaísmo; mas é um dom oferecido a todos os que têm o coração aberto às propostas de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Deus vê todos os homens e mulheres como seus filhos e suas filhas muito queridos. Ele não os discrimina pela cor da pele, pela raça, pela nação a que pertencem, pela posição de que disfrutam na sociedade: Ele ama a todos por igual, com um amor sem limites. O seu grande desejo é vê-los caminhar pela vida, livres e felizes, até ao encontro final com Ele. Por isso, Ele oferece-lhes a salvação: chama-os, fala-lhes, abraça-os, indica-lhes os caminhos que devem percorrer, apoia-os e sustenta-os ao longo da caminhada, mostra-lhes a meta a alcançar… A salvação que Ele oferece só não chega àqueles que se fecham no orgulho e na autossuficiência, recusando os dons de Deus. O Batismo foi, para todos nós, o momento do nosso “sim” a Deus e à sua oferta de salvação; mas é preciso que, em cada instante, renovemos esse primeiro “sim” e que vivamos numa permanente disponibilidade para acolher Deus, as suas propostas, os seus dons, o seu amor. Depois do nosso “sim” inicial, continuamos disponíveis para acolher a salvação que Deus nos oferece? Procuramos escutar as indicações que Ele nos dá e caminhar de acordo com elas? Acreditamos firmemente que as propostas de Deus nos conduzem na direção da Vida verdadeira, da Vida eterna, da felicidade sem fim?
    • A ideia de que Deus não exclui ninguém da salvação e não faz aceção de pessoas parece-nos um dado perfeitamente lógico e evidente. Mas, aceitar essa lógica, traz consequências à nossa vida, particularmente à forma como vemos os outros homens e mulheres com quem nos cruzamos nos caminhos da vida. O Deus que ama todos os seus filhos e filhas, sem exceção, convida-nos a acolher todos os irmãos – mesmo os “diferentes”, mesmo os incómodos – com bondade, com compreensão, com amor; o Deus que derrama sobre todos a sua salvação convida-nos a não discriminar “bons” e “maus”, “santos” e “pecadores” (frequentemente, os nossos juízos acerca da “bondade” ou da “maldade” dos outros falham redondamente); o Deus que convida cada homem e cada mulher a integrar a comunidade da salvação diz-nos que temos de acolher e amar todos, independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua origem, da sua preparação cultural, do seu lugar na escala social. Não apenas em teoria, mas sobretudo nos nossos gestos concretos, somos chamados a anunciar esse mundo de Deus, sem exclusão, sem marginalização, sem intolerância, sem preconceitos. Como vemos e como lidamos com os “diferentes”? Nós, filhos amados de um Deus que não faz aceção de pessoas, alinhamos em preconceitos, em conclusões precipitadas, em juízos defeituosos, em posições ideológicas que dividem, que marginalizam, que segregam pessoas ou grupos humanos?
    • Quando Pedro chega a casa de Cornélio, este veio-lhe ao encontro e prostrou-se a seus pés… Mas Pedro disse-lhe imediatamente: “levanta-te, que eu também sou um simples homem” (vers. 25-26). A atitude humilde de Pedro faz-nos pensar como são ridículas e desprovidas de sentido certas tentativas de afirmação pessoal diante dos irmãos, certas poses de superioridade, a busca de privilégios e de honras, as lutas pelos primeiros lugares… Aqueles a quem, numa comunidade – civil ou religiosa – foi confiada a responsabilidade de presidir, de coordenar, de organizar, de animar, devem sentir-se “simples homens”, humildes instrumentos de Deus. A sua missão é servir, ajudar, cuidar, não procurar privilégios, honrarias, situações que satisfaçam as suas ambições pessoais. Quando sou chamado a uma determinada missão na comunidade, como a encaro? Como é que trato aqueles a quem devo servir no contexto da missão que me foi confiada?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)

    Refrão 1: O Senhor manifestou a salvação a todos os povos.

    Refrão 2: Diante dos povos manifestou Deus a salvação.

    Cantai ao Senhor um cântico novo
    pelas maravilhas que Ele operou.
    A sua mão e o seu santo braço
    Lhe deram a vitória.

    O Senhor deu a conhecer a salvação,
    revelou aos olhos das nações a sua justiça.
    Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
    em favor da casa de Israel.

    Os confins da terra puderam ver
    a salvação do nosso Deus.
    Aclamai o Senhor, terra inteira,
    exultai de alegria e cantai.

     

    LEITURA II – 1 João 4,7-10

    Caríssimos:
    Amemo-nos uns aos outros,
    porque o amor vem de Deus
    e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus.
    Quem não ama não conhece a Deus,
    porque Deus é amor.
    Assim se manifestou o amor de Deus para connosco:
    Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito,
    para que vivamos por Ele.
    Nisto consiste o amor:
    não fomos nós que amámos a Deus,
    mas foi Ele que nos amou
    e enviou o seu Filho
    como vítima de expiação pelos nossos pecados.

     

    CONTEXTO

    Como vimos nos domingos anteriores, a Primeira Carta de João é uma instrução escrita destinada a algumas Igrejas da Ásia Menor nascidas em contexto joânico (quer dizer, ligadas à figura do apóstolo João, que passou os últimos anos da sua vida em Éfeso, cidade situada na costa da Jónia, junto da moderna Selçuk, na atual Turquia). Combate as doutrinas heréticas de seitas pré-gnósticas que, pelo final do séc. I, lançavam a confusão nas comunidades cristãs; e define os princípios fundamentais da vida cristã autêntica.

    Neste contexto de confronto com as heresias pré-gnósticas, uma das questões mais controversas (e à qual o autor da Primeira Carta de João dá uma importância fundamental) era a questão do amor ao próximo. Os hereges pré-gnósticos afirmavam que o essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus e negligenciavam as realidades do mundo. Achavam que se podia descobrir “a luz” e estar próximo de Deus, mesmo odiando o próximo (cf. 1 Jo 2,9). Ora, de acordo com o autor da Primeira Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência central da experiência cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer que está em comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor.

    O texto que nos é proposto pertence à terceira parte da carta (cf. 1 Jo 4,7-5,12). Aí, o autor estabelece como critério da vida cristã autêntica a relação entre o amor a Deus e o amor aos irmãos. É nessa dupla dimensão que os cristãos devem encontrar a sua identidade.

     

    MENSAGEM

    Para o autor da Primeira Carta de João há um “dogma” fundamental que se impõe com uma força irresistível e que marca toda a existência cristã: a certeza de que “Deus é amor”. Isso significa que a característica mais marcante do ser de Deus é o amor e que a atividade mais específica de Deus é amar. A prova indesmentível de que Deus é amor é o facto de Ele ter enviado o seu único Filho ao encontro dos homens para lhes dar a Vida (vers. 9). Jesus Cristo, o Filho de Deus que incarnou na história humana, cumprindo o plano do Pai, mostrou em gestos concretos de cura e de cuidado o amor de Deus pelos homens, sobretudo pelos mais pobres, pelos excluídos, pelos marginalizados… Por amor, Ele lutou até à morte para libertar os homens da escravidão, da opressão, do egoísmo, do sofrimento; por amor, Ele caminhou para a cruz e entregou a sua vida até à última gota de sangue; por amor, Ele enfrentou o sepulcro e venceu a morte. Toda a vida de Jesus afirma e garante o imenso amor que Deus nos tem.

    Mais ainda: Deus não esperou que o amássemos para nos amar; amou-nos quando estávamos longe d’Ele, amou-nos apesar do nosso pecado, das nossas escolhas erradas, da nossa indiferença, das nossas revoltas. Deus amou-nos quando o não merecíamos. O amor de Deus é um amor incondicional, gratuito, desinteressado, que não exige nada em troca; é um amor que nos purifica, que nos reabilita e que nos salva (vers. 10).

    Nós, discípulos de Jesus, conhecemos bem o amor de Deus. Vimo-lo presente em Jesus, na sua vida, nas suas palavras, nos seus gestos, na sua morte. E, batizados em Cristo, tornamo-nos filhos queridos desse Deus que ama sem medida. Agora é a Vida de Deus que circula em nós. Ora, se Deus é amor, esse amor deve circular em nós, encher o nosso coração e transparecer nos nossos gestos. A Vida de Deus que circula em nós traduz-se, portanto, em gestos concretos de amor aos irmãos. Para os que nasceram de Deus só há uma forma de viver: amando os irmãos com o mesmo amor incondicional, desinteressado e gratuito que caracteriza o ser de Deus (vers. 7).

     

    INTERPELAÇÕES

    • “Deus é amor” – diz o autor da Primeira Carta de João. Não se trata de uma definição abstrata ou de uma tese académica; é uma constatação que se impõe a partir da contemplação das ações e das intervenções de Deus na história e na vida dos homens. Deus começou por criar o universo, o mundo e os seres humanos com amor e cuidado de artista. Depois, ao longo da história humana, Ele procurou sempre fazer-se presente no caminho dos seus filhos e dar-lhes o seu amor: revelou-lhes o seu rosto, comprometeu-se com eles numa aliança, indicou-lhes os caminhos que eles deviam percorrer para encontrar Vida, avisou-os repetidamente para não enveredarem por caminhos de morte… Chegou mesmo a enviar o seu Filho Unigénito ao encontro dos homens para lhes oferecer a salvação. É verdade: a história da salvação é uma extraordinária história de amor que tem Deus como protagonista. E esta história não está terminada, pois o amor de Deus pelos seus filhos nunca se esgota. Nós continuamos hoje, a cada passo do caminho, a experimentar a realidade desse amor. E é com a certeza do amor sempre fiel de Deus que avançamos, enfrentando as crises, as incertezas, as tempestades e as vicissitudes que marcam a história do nosso tempo. Estamos conscientes disto? Sentimo-nos amparados pelo amor de Deus ao longo do caminho que todos os dias percorremos? Damos testemunho diante dos outros homens e mulheres que caminham ao nosso lado da nossa confiança inquebrantável num Deus que nos ama?
    • “Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus”. É uma afirmação extraordinária, que talvez nos obrigue a rever alguns dos nossos esquemas mentais. Convida-nos a ver como nossos irmãos, membros da família de Deus, todos aqueles que, por amor, fazem o bem. Os seus nomes podem nem constar nos livros de registos dos batizados que guardamos nos nossos cartórios paroquiais; mas eles “conhecem a Deus”, estão muito próximos de Deus, são de Deus. Como vemos os nossos irmãos e irmãs que estão fora da comunidade cristã ou que levam vidas condenáveis do ponto de vista da moral vigente, mas que procuram servir, amar e cuidar os seres humanos que sofrem? Como consideramos aqueles que, dizendo-se ateus ou agnósticos, defendem os mais fracos, lutam pelos direitos e pela dignidade dos seus irmãos?
    • Se somos “filhos” desse Deus que é amor, “amemo-nos uns aos outros” com um amor igual ao de Deus – amor incondicional, gratuito, desinteressado. Ser “filho de Deus” não significa passar a vida a olhar para o céu, ignorando as dores, as necessidades e as lutas dos irmãos que caminham ao nosso lado; ser “filho de Deus” não é ter apreço pelas “coisas da religião” e ignorar os dramas dos pobres, dos oprimidos, dos marginalizados; ser “filho de Deus” não é tratar bem algumas pessoas que nos “calham bem” ou com as quais nos identificamos mais, e passar ao lado daqueles que não nos agradam ou com as quais não nos identificamos. A vida de Deus que enche os corações dos crentes deve manifestar-se em gestos concretos de solidariedade, de serviço, de dom, em benefício de todos os irmãos. É assim que eu vivo a minha filiação divina, amando todos, sem distinção, em gestos concretos de serviço, de entrega, de doação?

     

    ALELUIA – João 14,23

    Aleluia. Aleluia.

    Se alguém Me ama, guardará a minha palavra.
    Meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.

     

    EVANGELHO – João 15,9-17

    Naquele tempo,
    Disse Jesus aos seus discípulos:
    «Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei.
    Permanecei no meu amor.
    Se guardardes os meus mandamentos,
    permanecereis no meu amor,
    assim como Eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai
    e permaneço no seu amor.
    Disse-vos estas coisas,
    para que a minha alegria esteja em vós
    e a vossa alegria seja completa.
    É este o meu mandamento:
    que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei.
    Ninguém tem maior amor
    do que aquele que dá a vida pelos amigos.
    Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando.
    Já não vos chamo servos,
    porque o servo não sabe o que faz o seu senhor;
    mas chamo-vos amigos,
    porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi a meu Pai.
    Não fostes vós que Me escolhestes;
    fui eu que vos escolhi e destinei,
    para que vades e deis fruto
    e o vosso fruto permaneça.
    E assim, tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome,
    Ele vo-lo concederá.
    O que vos mando é que vos ameis uns aos outros».

     

    CONTEXTO

    O Evangelho do sexto domingo da Páscoa situa-nos, outra vez, em Jerusalém, numa noite de quinta-feira do mês de Nisan do ano trinta, um dia antes da celebração da Páscoa judaica. Jesus está à mesa com os seus discípulos, numa inolvidável ceia de despedida. É o mesmo cenário do Evangelho que escutamos no passado domingo.

    Sobre Jesus e o seu grupo de discípulos paira a sombra da cruz. Nessa noite, após a ceia, Jesus atravessará o Vale do Cedron, a oriente da cidade, e dirigir-se-á ao Getsemani (“lagar de azeite”), um jardim situado no sopé do Monte das Oliveiras, onde estará alguns momentos em oração. Aí será preso pelos soldados do Templo. Durante essa noite comparecerá diante do Sinédrio, será julgado e condenado à morte. Na manhã do dia seguinte, depois de a sentença ser confirmada pelo governador romano, será crucificado.

    Enquanto convive, à mesa, com os discípulos, Jesus está perfeitamente consciente do que o espera nas próximas horas. Não está preocupado com o que lhe vai acontecer: quando aceitou o projeto do Pai e começou a anunciar o Reino, Ele sabia os riscos que iria correr; mas preocupa-se com aqueles discípulos que estão com Ele à mesa nessa noite de quinta-feira… Que será deles quando o seu Mestre lhes for tirado? Poderão, sem Jesus a mostrar-lhes o caminho a cada passo, levar para a frente o projeto do Reino? Saberão discernir, no meio das crises e tempestades que terão de enfrentar, o que é importante e o que é secundário? Conseguirão manter-se em relação com Jesus?

    Depois da ceia, Jesus fala longamente com os discípulos e deixa-lhes as suas últimas indicações. Relembra-lhes o essencial da mensagem que procurou transmitir-lhes enquanto percorria com eles os caminhos da Galileia e da Judeia; anima-os com a promessa do Espírito; diz-lhes como é que poderão, pelo tempo fora, manter a ligação a Ele e continuar a receber d’Ele Vida. Tudo o que foi dito nessa noite, à volta da mesa, soa a “testamento final”. Os discípulos nunca mais esquecerão aquilo que Jesus disse nessa ceia de despedida.

     

    MENSAGEM

    O texto evangélico deste domingo dá sequência ao que escutamos no domingo anterior. Na “alegoria da videira e dos ramos” (Jo 15,1-8), os discípulos eram convidados a “permanecer em Jesus”; esse “permanecer em Jesus” concretiza-se agora no “permanecer no amor” (Jo 15,9-17): os discípulos devem manter-se unidos a Jesus pelo vínculo do amor.

    A relação do Pai com Jesus é o modelo da relação que Jesus pretende manter com os discípulos. O Pai amou Jesus e demonstrou-Lhe sempre o seu amor; e Jesus correspondeu ao amor do Pai, cumprindo os seus mandamentos. Da mesma forma, Jesus amou os discípulos e demonstrou-lhes sempre o seu amor; e os discípulos devem corresponder ao amor de Jesus, cumprindo os seus mandamentos (vers. 9-10).

    Quais são esses mandamentos do Pai que Jesus procurou cumprir com total fidelidade e obediência? João refere-se aqui, evidentemente, ao cumprimento do projeto de salvação que Deus tinha para os homens e que confiou a Jesus. Jesus, em obediência ao projeto do Pai, veio ao encontro dos homens e caminhou com eles; libertou-os da opressão da Lei e de tudo aquilo que os mantinha prisioneiros das trevas; livrou-os do sofrimento e da doença; salvou-os do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência, do comodismo; ensinou-os a escolher a justiça, a verdade, a liberdade; abriu-lhes os olhos para que pudessem caminhar na luz; ensinou-os a viver no amor, a servir, a dar a vida para que todos tenham Vida. O Pai, fonte de amor, “mandou” o Filho salvar os homens de tudo aquilo que lhes roubava a Vida; e o Filho amou os homens “até ao extremo” e deu a sua própria vida para que os homens tivessem Vida em abundância. Por amor, Jesus cumpriu integralmente os “mandamentos” do Pai.

    Da ação de Jesus nasceu o Homem Novo, livre do egoísmo e do pecado, capaz de estabelecer novas relações com os outros homens e com Deus. Os discípulos são o fruto da obra de Jesus. Eles formam uma comunidade de homens livres, que acolheram e assimilaram a proposta salvadora que o Pai lhes apresentou em Jesus. Eles nasceram do amor do Pai, amor que se fez presente na ação, nos gestos, nas palavras de Jesus.

    Agora os discípulos, nascidos da ação salvadora e libertadora de Jesus, estão vinculados a Jesus. Devem, portanto, cumprir os “mandamentos” de Jesus como Jesus cumpriu os “mandamentos” do Pai. Como Jesus, os discípulos devem ser testemunhas da salvação de Deus e levar a libertação aos seus irmãos. Como Jesus, os discípulos devem amar, até ao dom total de si mesmos, para que os seus irmãos tenham Vida. Se o fizerem, estarão sempre em relação com Jesus, ligados a Jesus. Essa relação será fonte permanente de alegria, de realização plena, de Vida verdadeira (vers. 11).

    Assim, a grande indicação que Jesus deixa aos discípulos, o seu grande “mandamento”, é que vivam no amor (“é este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei” – vers. 12). Jesus amou totalmente, até às últimas consequências, até ao dom da vida (vers. 13). Os discípulos devem viver da mesma forma que Jesus viveu: devem amar-se uns aos outros com um amor que é serviço, doação total, entrega radical. Desse amor nasce a comunidade do Reino, a comunidade do mundo novo, que testemunha, através do amor, a salvação de Deus. Deus faz-Se presente no mundo e age para libertar os homens através desse amor desinteressado, gratuito, total, que tem a marca de Jesus e que os discípulos são chamados a testemunhar.

    Como é a relação entre Jesus e esta comunidade de Homens Novos que aprenderam com Jesus a viver no amor e que, amando até ao extremo, são as testemunhas no mundo da salvação de Deus?

    A comunidade de Jesus e dos discípulos é uma comunidade dos “amigos” de Jesus (vers. 14). A relação que Jesus tem com os membros dessa comunidade não é uma relação de “senhor” e de “servos”, mas uma relação de “amigos”, pois o amor colocou Jesus e os discípulos no mesmo plano. Jesus continua a ser o centro do grupo, mas não se põe acima do grupo. Ele é e será sempre o companheiro dos discípulos. Une-os a lealdade e o afeto próprio dos “amigos”.

    Estes “amigos” colaboram todos numa tarefa comum. Têm todos a mesma missão (testemunhar, através do amor, a salvação de Deus) e são todos responsáveis para que a missão se concretize. Os discípulos não são servos a soldo de um senhor, mas amigos que, voluntariamente e cheios de alegria e entusiasmo, colaboram numa tarefa que lhes traz alegria infinita.

    Entre esses “amigos”, há total comunicação e confiança (o “servo” não conhece os planos do “senhor”; mas o “amigo” partilha com o outro “amigo” os seus planos e projetos). Aos seus “amigos”, Jesus comunicou-lhes o projeto de salvação que o Pai tinha para os seres humanos e também a forma de realizar esse projeto (através do amor, da entrega, do dom da vida). Jesus revela Deus aos “amigos”, não através de enunciados sobre o ser de Deus, mas mostrando, com a sua pessoa e a sua atividade, que o Pai é amor sem limites e trabalha em favor do Homem.

    Os discípulos (os “amigos”) são os eleitos de Jesus, aqueles que Ele escolheu, chamou e enviou ao mundo a dar fruto (vers. 16a). Tal não significa que Jesus chame uns e rejeite outros; significa que a iniciativa não é dos discípulos e que a sua aproximação à comunidade do Reino é apenas uma resposta ao desafio que Jesus apresenta.

    O objetivo desse chamamento é a missão (“escolhi-vos e destinei-vos para que vades e deis fruto” – vers. 16b). Jesus não quer constituir uma comunidade fechada, isolada, voltada para si própria, mas uma comunidade que vá ao encontro do mundo, que continue a sua obra, que testemunhe o amor, que leve a todos os homens o projeto libertador e salvador de Deus. O resultado da ação dos discípulos de Jesus será o nascimento do Homem Novo – isto é, de homens adultos, livres, responsáveis, animados pelo Espírito, que reproduzem os gestos de amor de Jesus no meio do mundo. Dessa forma, concretizar-se-á o projeto salvador de Deus. Esse “fruto” deve permanecer – quer dizer, deve tornar-se uma realidade efetivamente presente no mundo, capaz de transformar o mundo e a vida dos homens. Quanto mais forte for a intensidade do vínculo que une os discípulos a Jesus, mais frutos nascerão da ação dos discípulos.

    Nessa ação, os discípulos não estarão sozinhos. O amor do Pai e a união com Jesus sustentarão os discípulos que, no meio do mundo, se empenham em realizar o projeto de salvar o Homem (16c).

    O texto termina com uma nova referência ao mandamento de Jesus: “amai-vos uns aos outros” (vers. 17). O amor partilhado é a condição para estar vinculado a Jesus e para dar fruto. Se este mandamento se cumpre, Jesus estará sempre presente ao lado dos seus discípulos; e, essa presença impulsionará a comunidade e sustentá-la-á na sua atividade em favor do homem.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A primeira grande certeza que fica para os discípulos na sequência do que Jesus lhes disse naquela memorável ceia de despedida é que eles não vão andar sozinhos na sua marcha pela história. Jesus acompanhá-los-á em cada pedaço do caminho, sustentando-os com o seu amor, com a sua presença amiga, com as suas palavras luminosas e reconfortantes. Não é fácil para nós, homens e mulheres do séc. XXI, fazermos caminho carregando às costas o fardo pesado dos desafios e dos obstáculos que o nosso tempo nos traz; não é fácil, num contexto hostil e crítico, sentirmo-nos um “pequeno rebanho”, sem influência e sem poder, ignorados pelo mundo e aparentemente incapazes de mudar o rumo da história… Mas há uma coisa que não podemos esquecer: Jesus caminha ao nosso lado, dando-nos coragem e esperança, lutando connosco para vencer as forças da opressão, da injustiça, da violência e da morte. Sentimos que Jesus, vivo e ressuscitado, nos acompanha no caminho e alimenta a nossa esperança? Sentimo-nos pessoalmente ligados a Ele e alimentados pelo seu amor?
    • “É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei” – disse Jesus aos discípulos ao despedir-se deles. Jesus deu testemunho do amor de Deus em cada gesto que fez e diante de cada homem ou mulher que com Ele se cruzou; por amor aos seus irmãos, Jesus lutou contra tudo aquilo que os fazia sofrer e os impedia de ter Vida; por amor a todos os homens e mulheres de ontem, de hoje e de amanhã, Jesus deu a vida até à última gota de sangue… Ele amou “até ao extremo”, numa doação total. Quem é “de Jesus” é convidado a viver do mesmo jeito, amando e doando a própria vida como Ele fez. É isto que fazemos, é assim que vivemos? Os homens e as mulheres que se cruzam connosco na estrada da vida veem brilhar em nós o amor de Jesus? As nossas comunidades, nascidas do amor de Jesus, são, realmente, cartazes vivos que anunciam e testemunham o amor, ou são espaços de conflito, de divisão, de luta pelos próprios interesses, de realização de projetos egoístas? As pessoas feridas e magoadas que se aproximam das nossas comunidades cristãs são acolhidas com o amor que aprendemos de Jesus, ou são tratadas com indiferença e arrogância?
    • Há quem ache que o caminho apontado por Jesus aos seus discípulos é um caminho de renúncia, de sofrimento, de sacrifício, que obriga a viver alheado de tudo aquilo que é belo, interessante e agradável. Mas não é assim. Tudo o que Jesus propôs aos discípulos vai no sentido de os ajudar a serem felizes: “Disse-vos estas coisas, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa” – disse-lhes Ele. Segundo Jesus, a verdadeira alegria não está nos bens efémeros, nos valores fúteis que não matam a sede de felicidade do ser humano; mas está no dom de si mesmo, no serviço simples e humilde aos irmãos, no cuidado dos mais frágeis, na vida oferecida por amor. Acreditamos nisto? Já fizemos a comparação entre a alegria titubeante que resulta dos valores efémeros e a alegria profunda e duradoura que brota de gestos autênticos de doação, de serviço, de cuidado aos irmãos?
    • Os discípulos são os “amigos” de Jesus. Jesus escolheu-os, chamou-os, partilhou com eles o conhecimento e o projeto do Pai, associou-os à sua missão; estabeleceu com eles uma relação de confiança, de proximidade, de intimidade, de comunhão. A comunidade cristã é uma comunidade de “amigos” reunidos à volta de Jesus. Pode ter irmãos a quem foi confiado o serviço da autoridade; mas não é uma comunidade de “senhores” e de “servos”, de “gente que manda” e “gente que obedece”, de “superiores” e de “súbditos”. É a comunidade dos “amigos” de Jesus, uma comunidade de “iguais”. E Jesus continua, apesar de tudo, a ser o centro e a referência, à volta da qual se constrói a comunidade dos discípulos. A Igreja de Jesus funciona realmente como uma família de “amigos” que se amam, que se ajudam mutuamente no caminho, que partilham projetos e ideais? A Igreja é uma comunidade de “irmãos”, onde todos têm voz, onde a opinião de todos conta e onde todos colaboram na descoberta dos caminhos apontados pelo Espírito? Jesus é, de facto, o centro à volta do qual se articula a vida dos seus “amigos”? Como é que no dia a dia nós, amigos de Jesus, desenvolvemos e aprofundamos o nosso encontro e a nossa comunhão com Ele?
    • “Fui eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça” – disse Jesus aos discípulos. Jesus não chamou os discípulos para os fechar nas sacristias; mas chamou-os para que dessem testemunho no mundo do projeto salvador de Deus. Os “amigos” de Jesus são chamados a mostrar em gestos concretos que Deus ama cada homem e cada mulher – e de forma especial os pobres, os marginalizados, os débeis, os pequenos, os oprimidos; os “amigos” de Jesus são convidados a eliminar o sofrimento, o egoísmo, a miséria, a injustiça, tudo o que oprime e escraviza os irmãos e desfeia o mundo; os “amigos” de Jesus são desafiados a ser arautos da justiça, da paz, da reconciliação, do amor; os “amigos” de Jesus têm como tarefa denunciar os pseudovalores que oprimem e escravizam os homens… Os membros da comunidade do Reino de Deus, transformados em Homens Novos pelo amor de Jesus, têm como missão testemunhar esse mundo novo que Deus quer oferecer aos homens e que Jesus anunciou na sua pessoa, nas suas palavras e nos seus gestos. Estamos, de facto, disponíveis para colaborar com Jesus nessa missão?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 6.º DOMINGO DE PÁSCOA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

     

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 6.º Domingo de Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus…

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Jesus não se contentou em dizer: “amai-vos uns aos outros”. Antes e depois d’Ele, muitos recomendaram isso. Mas Jesus precisa: “como o Pai Me amou, também Eu vos amei”. Tudo está nesta conjunção “como”, porque Jesus pede para vivermos o que Ele próprio viveu. É isso um verdadeiro testemunho. É o testemunho que Ele dá algumas horas antes da sua última refeição, quando lava os pés aos seus discípulos, dizendo-lhes: “é um exemplo que vos dei a fim de que vós façais também como Eu fiz”. Isso chama-se coerência. Jesus manifestou sempre a coerência entre as suas palavras e os seus actos. Se Ele chama os discípulos “amigos” e não “servos”, é porque os faz confidentes do seu pensamento e convivas da sua refeição, e é pelo seu testemunho, o do amor mútuo, que eles serão, por sua vez, autênticos testemunhos.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    O amor, sempre o amor… Não haverá exagero, na Igreja, em falar sempre de amor? Muitos cristãos hoje, incluindo muitos jovens, têm saudade de uma religião forte, que ensine a lei, os mandamentos e a exigência da moral, recorrendo a uma estrita disciplina. Evidentemente, para que isso seja eficaz, é preciso falar mais do pecado e insistir na ameaça das punições divinas! Porém… Nestes nove versículos de São João, as palavras “amar”, “amor”, “amigo” aparecem doze vezes! Como fugir a isso? Jesus faz depender tudo de uma fonte primeira: “assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor”. Falando do amor de Deus, cometemos muito facilmente o erro de transpor para Deus a nossa maneira humana de amar. O amor que conhecemos implica sempre uma reciprocidade: ser amado para amar, receber para dar. Imaginamos então que o amor de Deus por nós depende da nossa maneira de o receber e de lhe responder. Ora, fazendo assim, esquecemos a palavra de São João: “não fomos nós que amámos Deus, foi Ele que primeiro nos amou”. O amor de Deus por nós existe antes de nós. Eu posso recusar este amor, mas Deus jamais deixará de me amar. Nunca poderei esgotar o seu amor. Somente deixando-me amar por Ele, chegarei, pouco a pouco, a amar como Ele me ama!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Ser verdadeiro… Tenhamos, nesta semana, a coragem de responder em verdade à declaração de amor que o Senhor nos faz. A cada um de nós, Ele diz: “Escolhi-te”. Sinceramente, no fundo de mim mesmo, o que respondo? Sou verdadeiramente feliz por isso? Como é que esta escolha do Senhor dá fruto?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 6ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    6ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    6 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 16, 11-15

    Naqueles dias, embarcámos em Tróade e fomos directamente a Samotrácia; no dia seguinte, fomos a Neápoles 12e de lá, a Filipos, cidade de primeira categoria deste distrito da Macedónia, e colónia. Estivemos aí durante alguns dias. 13No dia de sábado, saímos fora de portas, em direcção à margem do rio, onde era costume haver oração. Depois de nos sentarmos, começámos a falar às mulheres que lá se encontravam reunidas. 14Uma das mulheres chamada Lídia, negociante de púrpura, da cidade de Tiatira e temente a Deus, pôs-se a escutar. O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia. 15Depois de ter sido baptizada, bem como os de sua casa, fez este pedido: «Se me considerais fiel ao Senhor, vinde ficar a minha casa.» E obrigou-nos a isso.

    Deus conduziu Paulo e seus companheiros para um novo campo de acção, a Macedónia, já na Europa. Em Filipos, os missionários sentem-se como estranhos. A cidade tinha um acentuado carácter romano, pois se tornara colónia do Império desde o ano 42 aC. Com o grego, também se falava o latim. A administração civil ajustava-se ao padrão romano, e não ao grego. Os judeus eram muito poucos, como denota o facto de não haver sinagoga e o costume de se reunirem, no dia de sábado, junto ao rio. Paulo parece encontrar lá apenas mulheres. Entre elas, destaca-se Lídia, uma rica comerciante de púrpura, que parece ter aderido ao judaísmo, pelo menos como ouvinte. Para Lucas, ela é o paralelo feminino de Cornélio, é «uma crente em Deus».
    Ao contrário do que acontecera em Antioquia da Pisídia, onde algumas mulheres tinham tomado parte na revolta contras os missionários, Lídia acolhe-os na sua casa, provavelmente espaçosa, pois «o Senhor lhe abriu o coração para aderir ao que Paulo dizia» (v. 14). É sempre o Senhor que acompanha os seus missionários e torna eficaz a sua palavra.

    Evangelho: João 15, 26 - 16, 4a

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 26Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, e que Eu vos hei-de enviar da parte do Pai, Ele dará testemunho a meu favor. 27E vós também haveis de dar testemunho, porque estais comigo desde o princípio.» 1«Dei-vos a conhecer estas coisas para não vos perturbardes. 2Sereis expulsos das sinagogas; há-de chegar mesmo a hora em que quem vos matar julgará que presta um serviço a Deus! 3E farão isto por não terem conhecido o Pai nem a mim. 4Deixo-vos ditas estas coisas, para que, quando chegar a hora, vos lembreis de que Eu vo-las tinha dito.

    A perseguição é praticamente a primeira experiência da Igreja. Os discípulos de Jesus foram perseguidos, primeiro pelos judeus e, depois, também pelos pagãos. Jesus tinha-os advertido para essas situações. O mundo opôs-se a Cristo, e irá opor-se também aos cristãos, porque não são do mundo, porque são de Cristo. Além disso, o servo não é mais do que o seu senhor. O ódio do mundo e a perseguição dos discípulos são considerados inevitáveis. Até se julgam fazerem parte daquela intensificação do mal, que preludia o juízo.
    Jesus viveu entre a animosidade e a perseguição. Que podem esperar os seus discípulos, chamados a anunciar a mensagem que O levou à morte? É verdade que nem todos recusaram Jesus e a sua palavra. Alguns amaram-no por causa do testemunho de João Batista, e por causa do testemunho que o próprio Jesus deu de Si mesmo. Por isso, é preciso continuar a testemunhar o Senhor, para que aumente o número dos que O amam. Nessa tarefa, os discípulos são ajudados pelo testemunho do Espírito de verdade que Jesus enviará do Pai. E a poderosa acção do Espírito irá manifestar-se exactamente nas perseguições. Há que não esquecê-lo, quando chegar a hora.

    Meditatio

    Paulo, depois da visão do macedónio que lhe suplicava: «Vem ajudar-nos!» (Act 16, 9), embarca em Tróade e vai para Neápoles, cidade próxima de Filipos, na Macedónia. As primeiras pessoas que escutam a palavra de Deus são mulheres. Entre elas destaca-se «Lídia, negociante de púrpura, e temente a Deus» (v. 14). Esta mulher, não só aderiu às palavras de Paulo e dos seus companheiros, mas, uma vez baptizada, recebeu-os em sua casa.
    A primeira criatura humana a acolher a Palavra foi Maria. Quando a Palavra chegou à Europa, foi também uma mulher, Lídia, que, por primeira, a acolheu, com outras mulheres. Isto é bonito e dá alegria, principalmente às próprias mulheres.
    A vida cristã é tempo de tentação e tempo de testemunho, tempo de luta e tempo de colaboração com o Espírito no testemunho de Cristo Ressuscitado. Como Cristo foi incompreendido, também os seus discípulos o são. Como Cristo foi perseguido e morto, também os cristãos estão sujeitos a sê-lo. O texto evangélico que escutamos hoje dá-nos uma perspectiva «heróica» da vida cristã. O cristão é chamado a dar testemunho em sentido pleno. É chamado a ser «mártir». A realidade de Cristo é tão decisiva para a humanidade e, ao mesmo tempo, tão estranha ao modo comum de pensar, que todo aquele que alinha por Cristo é quase inevitavelmente marginalizado e, por vezes, chega a ser eliminado. A história dos mártires mostra claramente essa realidade.
    Também hoje, os discípulos de Cristo, particularmente os missionários, sofrem, não só pelas dificuldades normais da vida e do apostolado, mas também pela incompreensão e pela hostilidade do mundo, em nome do progresso, da emancipação e da modernização, da libertação de tabus, dos direitos humanos, etc., etc.
    Já o Pe. Dehon recordava, no seu Diário, os seus muitos missionários que sacrificaram a vida: «Alguns morreram generosamente na missão, no Congo, no Brasil» (Diário XLV, 41: Fevereiro de 1925.). E, em Março de 1912, escreve nas Memórias: «Os nossos mortos do Congo, do Brasil, do Equador! No Congo 17 deram a vida pela conversão dos negros. Um santo cardeal dizia-me que só pelo simples facto de irem lá para baixo, expondo-se ao perigo de uma morte iminente, merecer-lhe-ia a palma do martírio» (LC n. 381).
    Se todo o nosso apostolado deve ser «uma oblação agradável a Deus» (Cst. 31), deve sê-lo, de modo muito particular, o apostolado missionário. Se o convite do n. 22 das Constituições: «oferecer-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável», vale para todos os religiosos do Pe. Dehon, deve realizar-se, de modo particular, naqueles que se consagram ao apostolado missionário.

    Oratio

    Senhor, quero hoje, mais uma vez rezar-te com o teu servo Leão Dehon: Dá- me, a força de que preciso. Toca o meu coração pelo teu amor, a fim de que esteja preparado para ultrapassar todas as dificuldades e todas as provações. Sei que nada custa àquele que ama. Para me fortalecer, procurarei o teu amor e recordar-me-ei constantemente das bondades do teu divino Coração. Amen. (OSP 3, p. 447).

    Contemplatio

    O Espírito Santo recordar-nos-á o exemplo de Nosso Senhor o qual nos sustentará.
    Nosso Senhor escolheu-nos como seus apóstolos, para espalharmos o seu amor, para trabalharmos no reino do seu Coração. Atacaremos a corrupção do mundo, o mundo corrompido levantar-se-á contra nós. Mas, se o mundo nos odeia, sabemos que primeiro odiou Nosso Senhor. O servo não é maior que o seu senhor.
    Se perseguiram Nosso Senhor, também nos hão-de perseguir. Como ele, havemos de suportar com paciência as perseguições. As provações hão-de servir para o nosso avanço na virtude, para a nossa santificação.
    As promessas de Nosso Senhor suster-nos-ão também. Sabemos que o socorro nos virá em tempo conveniente e que seremos recompensados por tudo o que tivermos sofrido.
    Nosso Senhor preveniu-nos para que não nos escandalizemos, e para que as provas não nos desencorajem nem nos abatam. O Espírito Santo fortificar-nos-á, iluminar-nos-á. Convencerá o mundo do pecado. Propagando a verdade e a virtude pelos ministros do Evangelho, manifestará a iniquidade do mundo e a justiça cristã.
    Confessaremos a sua doutrina, seguiremos os seus ensinamentos, imitaremos os seus exemplos. Confessá-lo-emos com o coração, com a boca e com a acção. Dirigiremos os nossos pensamentos, os nossos desejos, os nossos projectos para tudo o que possa contribuir para a glória de Deus e para a salvação das almas. Regularemos as nossas palavras segundo a sua lei, evitando tudo o que fira a caridade, a verdade, a humildade. Agiremos como ele fazendo unicamente a vontade do Pai.
    Tenhamos coragem na acção e no sofrimento. As tentações virão e as quedas também. O demónio e o mundo não repousam. A vida tem as suas provas inevitáveis. O Espírito Santo fortificar-nos-á para a luta e para a paciência. Dar-nos-á a força da lei, a da esperança e sobretudo a do amor. Recordar-nos-á a necessidade da expiação, a brevidade da vida, a recompensa do céu; mas acima de tudo unir-nos-á a Nosso Senhor pela caridade. Amando-o, conformar-nos-emos aos seus sentimentos. Sofreremos de boamente com ele e por ele. Nada custa àquele que ama.
    Tenhamos coragem. A vida de amor exclui a tristeza. Vivamos no fervor e no puro amor. O Espírito de amor nos sustentará, se soubermos ir buscá-lo ao Coração de Jesus (Leão Dehon, OSP 3, p. 446s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Dei-vos a conhecer estas coisas para não vos perturbardes» (Jo 16, 1).

  • 6ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    6ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    7 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 16, 22-34

    Naqueles dias, 22a multidão amotinou-se contra eles; e os estrategos, arrancando-lhes as vestes, mandaram-nos açoitar. 23Depois de lhes terem dado muitas vergastadas, lançaram-nos na prisão, recomendando ao carcereiro que os tivesse sob atenta vigilância. 24Ao receber tal ordem, este meteu-os no calabouço interior e prendeu-lhes os pés no cepo.
    25Cerca da meia-noite, Paulo e Silas, em oração, entoavam louvores a Deus, e os presos escutavam-nos. 26De repente, sentiu-se um violento tremor de terra que abalou os alicerces da prisão. Todas as portas se abriram e as cadeias de todos se desprenderam. 27Acordando em sobressalto, o carcereiro viu as portas da prisão abertas e puxou da espada para se matar, pensando que os presos se tinham evadido. 28Paulo, então, bradou com voz forte: «Não faças nenhum mal a ti mesmo, porque nós estamos todos aqui.» 29O carcereiro pediu luz, correu para dentro da masmorra e lançou-se a tremer, aos pés de Paulo e de Silas. 30Depois, trouxe-os para fora e perguntou: «Senhores, que devo fazer para ser salvo?» 31Eles responderam:
    «Acredita no Senhor Jesus e serás salvo tu e os teus.» 32E anunciaram-lhe a palavra do Senhor, assim como aos que estavam na sua casa. 33O carcereiro, tomando-os consigo, àquela hora da noite, lavou-lhes as feridas e imediatamente se baptizou, ele e todos os seus. 34Depois, levando-os para cima, para a sua casa, pôs-lhes a mesa e entregou-se, com a família, à alegria de ter acreditado em Deus.

    Lucas quer suscitar nos seus leitores a confiança em Deus, que tem mais poder que os homens, e pode transformar as dificuldades em graça. Por isso, «romanceia» muito o seu relato. Paulo e Silas tinham expulsado o espírito pitónico de uma escrava bruxa. Os seus senhores, que assim viram desaparecer uma fonte de rendimento, arrastaram os missionários à presença dos magistrados, e acusaram-nos de criar desordem na cidade, apregoando usos contrários aos dos romanos. Os magistrados, sem grandes investigações, mandaram açoitar os acusados e puseram-nos na prisão, bem vigiados. Mais tarde, invocando a sua cidadania romana, Paulo irá protestar contra os abusos cometidos contra ele. Entretanto, dá-se a clamorosa conversão narrada no texto que hoje escutamos. O testemunho sereno dos prisioneiros, a sua lealdade, a série de eventos extraordinários, impressionam o carcereiro, que pergunta aos apóstolos:
    «Senhores, que devo fazer para ser salvo?» (v. 30). A resposta é simples e directa:
    «Acredita no Senhor Jesus» (v. 31). Assim, depois de Lídia, prosélita judaica, um funcionário romano, entra a fazer parte da comunidade de Filipos, tão cara a Paulo.

    Evangelho: João 16, 5-11

    «Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 5«Agora vou para aquele que me enviou, e ninguém de vós me pergunta: 'Para onde vais?' 6Mas, por vos ter anunciado estas coisas, o vosso coração ficou cheio de tristeza. 7Contudo, digo-vos a verdade: é melhor para vós que Eu vá, pois, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas, se Eu for, Eu vo-lo enviarei. 8E, quando Ele vier, dará ao mundo provas irrefutáveis de uma culpa, de uma inocência e de um julgamento: 9de uma culpa, pois não creram em mim; 10de uma inocência, pois Eu vou para o Pai, e já não me vereis; 11de um julgamento, pois o dominador deste mundo ficou condenado.»

    Jesus anuncia a sua partida deste mundo, e afirma que ela é conveniente para os discípulos. Jesus fala da sua morte, que só poderá ser entendida à luz do Espírito Santo. O testemunho de Jesus, que os discípulos hão-de dar, só será possível depois de entenderem quem é Jesus, o que significou a sua presença no meio de nós, e qual foi o sentido da sua morte e da sua ressurreição. E só o Espírito lhes pode dar esse entendimento. Os discípulos hão-de sofrer perseguições. Mas elas serão intoleráveis se não estiverem convencidos e seguros daquilo pelo qual serão perseguidos.
    Além de dar testemunho de Jesus, o Espírito também acusará o mundo de pecado por O ter rejeitado. Os crentes ficarão esclarecidos sobre o erro do mundo, sobre o seu pecado de incredulidade. A condenação de Cristo foi inconsistente. A sua ressurreição condenou o príncipe deste mundo para sempre. Jesus, morto e ressuscitado, é o verdadeiro vencedor.

    Meditatio

    A pregação, em Filipos, teve um começo prometedor. Mas acabou de modo desastroso, quando se levantou um motim contra os missionários, que foram acusados perante as autoridades e lançados na prisão. Paulo, como cidadão romano, estava isento destes processos sumários feitos pelas autoridades locais. Mas, dessa vez, não invocou tal direito. E seguiu-se todo o episódio descrito por Lucas. Enquanto Paulo e Silas cantam os louvores de Deus na prisão, dá-se um terramoto que escancara as portas da mesma. Os apóstolos podiam ter fugido, como pensou o carcereiro. Mas permaneceram na prisão, confiando em Deus e no seu poder para transformar as dificuldades e problemas dos seus missionários em ocasiões de graça. E foi o que aconteceu. O carcereiro converteu-se. E a Igreja teve o primeiro encontro com Roma, representada pelas autoridades da colónia romana de Filipos. Lucas quer mostrar que o cristianismo nunca foi um perigo para a lei e para a ordem no Império. Por isso, Roma deve reconhecer-lhe liberdade para pregar o Evangelho.
    A acção missionária da Igreja está sempre sujeita a vicissitudes idênticas às que Paulo e Silas tiveram de enfrentar. Mas há que prosseguir a missão, confiando em Deus e no seu poder. A história da Igreja mostra-nos como Deus, pela persistência e pela fé dos missionários, faz maravilhas. Lembro-me concretamente da Igreja que está em Moçambique e do que teve de enfrentar, seja durante a guerra colonial, seja durante os primeiros anos da independência do país. Não faltaram dificuldades de toda a ordem, incluindo acusações de colaborar com uma ou outra força durante a guerra colonial, ou de ser um instrumento do imperialismo, depois da independência. Mas a Igreja não se deixou impressionar e permaneceu em nome da fidelidade a Deus, e em nome da fidelidade ao povo. O seu notável papel acabou por ser reconhecido.
    O evangelho faz-nos ver como, enquanto o mundo condena os discípulos de Jesus, o Espírito inverte a situação, revelando o verdadeiro ser do mundo, o seu erro, a sua nulidade. É uma luz que emerge no critério do juízo divino, diferente e até oposto ao do mundo. Perseguidos e condenados pelos tribunais do mundo, os discípulos podem julgar e condenar o mundo, enquanto esperam o juízo final que revelará os termos exactos do entendimento divino.
    Precisamos muito, hoje, deste Espírito que reforça os corações, que torna evidentes as razões para crer, e que dá coragem para nos opormos à mentalidade deste mundo cada vez mais seguro de si, e mais sedutor. Precisamos, sobretudo, que o Espírito nos mostre que muitos sectores do mundo «mundano» têm em si componentes diabólicas, que a batalha entre Cristo e o príncipe deste mundo continua, e que somos chamados a participar nessa luta decisiva dentro de nós, entre nós e à nossa volta.
    É verdade que todos somos criaturas frágeis, cansadas e fatigadas: "cansadas" pela luta contra o mal; "fatigadas" pelo peso da nossa carne fraca, e pelo peso das nossas culpas. Mas Cristo, com misericordiosa bondade, convida-nos a ir a Ele para termos força na luta: «Vinde a Mim, todos vós, que vos estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei... Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração e achareis alívio para as vossas almas, pois o Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve» (Mt 11, 28-30).
    A nossa luta contra o mal passa pelo anúncio do Evangelho, mas também pelo empenhamento em favor da justiça e da paz entre os homens. Foi que fez o Pe. Dehon, com o seu intenso apostolado social, em S. Quintino. Isto é importante para as pessoas pobres e desprotegidas, mas também é importante para a Igreja, frequentemente sentida como "um corpo estranho", mas que se torna credível quando se compromete seriamente em favor do homem, e na luta pela sua libertação de todas as formas de opressão.

    Oratio

    Veni Sancte Spiritus! Vem Espírito Santo, para que resistamos ao poder do mundo. Vê como somos fracos, como somos tímidos, e como as razões do mundo avançam na conquista dos corações dos jovens e dos menos jovens. Que poderemos fazer, se não vieres em nosso auxílio? Os nossos argumentos passam ao lado de muitos dos nossos contemporâneos, sem lhes beliscar a couraça das seguranças em que põem a sua confiança. Sem o teu Espírito, tornamo-nos como o sal que não salga, ou como a luz que não alumia. Sem o teu Espírito, corremos o risco de nos sentir defensores de uma causa perdida. Enche-nos do teu Paráclito, do teu Advogado, do teu Arguente, do teu Defensor, do teu Consolador, para que não fujamos à luta, não fiquemos desarmados, não nos afoguemos no difuso paganismo que nos envolve. Faz- nos profetas críticos deste mundo, profetas entusiastas do teu mundo, da tua verdade. Amen.

    Contemplatio

    Também neste ponto Nosso Senhor não nos deixará órfãos. Suster-nos-á pelo seu Espírito. As provas virão e muito grandes. Estaremos à mercê do ódio do mundo e das perseguições, mas não tenhamos medo, as perseguições não impedirão nem o cumprimento dos desígnios de Deus nem o estabelecimento do seu reino. O Espírito Santo dará testemunho a Nosso Senhor pela verdade que há-de propagar e pelas obras que há-de inspirar; e nós, fortificados pelo Espírito Santo, daremos também testemunho a Nosso Senhor pregando a verdade e suportando por ela todas as provas e contradições.
    Devemos ser os instrumentos do Espírito Santo para a renovação do mundo. Encontraremos nele todos os socorros necessários para cumprirmos dignamente a nossa missão apostólica. Fortificar-nos-á na verdade, no zelo e na paciência.
    A oração será o canal da nossa força. Rezaremos a Deus com uma fé íntegra e uma viva confiança pelo sucesso das nossas obras, pela salvação das almas e pelo reino do Sagrado Coração. «Pedi e recebereis, diz-nos Nosso Senhor, e a vossa alegria será completa. Pedi em meu nome, com a ajuda do Espírito Santo, meu Pai vos ama, porque vós me amais e vos atenderá» (Leão Dehon, OSP 3, p. 445).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    ,,Se Eu for, Eu enviar-vos-ei O Consolador,,: (Jo 16, 7).

  • 6ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    6ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    8 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Act 17, 15. 22-18,1

    Naqueles dias, 15os que acompanhavam Paulo levaram-no a Atenas e regressaram, incumbidos de transmitir a Silas e a Timóteo a ordem de irem reunir-se a Paulo o mais rapidamente possível.
    22De pé, no meio do Areópago, Paulo disse, então: «Atenienses, vejo que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens. 23Percorrendo a vossa cidade e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: 'Ao Deus desconhecido.' Pois bem! Aquele que venerais sem o conhecer é esse que eu vos anuncio. 24O Deus que criou o mundo e tudo quanto nele se encontra, Ele, que é o Senhor do Céu e da Terra, não habita em santuários construídos pela mão do homem, 25nem é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa, Ele, que a todos dá a vida, a respiração e tudo mais. 26Fez, a partir de um só homem, todo o género humano, para habitar em toda a face da Terra; e fixou a sequência dos tempos e os limites para a sua habitação, 27a fim de que os homens procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo, mesmo tacteando, embora não se encontre longe de cada um de nós. 28É nele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos, como também o disseram alguns dos vossos poetas: 'Pois nós somos também da sua estirpe.'
    29Se nós somos da raça de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e engenho do homem. 30Sem ter em conta estes tempos de ignorância, Deus faz saber, agora, a todos os homens e em toda a parte, que todos têm de se arrepender, 31pois fixou um dia em que julgará o universo com justiça, por intermédio de um Homem, que designou, oferecendo a todos um motivo de crédito, com o facto de o ter ressuscitado de entre os mortos.» 32Ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos, uns começaram a troçar, enquanto outros disseram: «Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez.» 33Foi assim que Paulo saiu do meio deles. 34Alguns dos homens, no entanto, concordaram com ele e abraçaram a fé, entre os quais Dionísio, o areopagita, e também uma mulher de nome Dâmaris e outros com eles. 1Depois disso, Paulo afastou-se de Atenas e foi para Corinto.

    Em Atenas, Paulo utiliza uma nova técnica para anunciar o Evangelho. Não começa por citar as Escrituras, como entre os judeus, mas começa por referir a religiosidade dos gregos. O discurso no Areópago de Atenas é um exemplo de inculturação, que não atraiçoa a originalidade da mensagem cristã. Mesmo dirigindo-se a estóicos e epicuristas, mesmo citando poetas gregos, Paulo faz um discurso de profeta, anunciando um homem «ressuscitado de entre os mortos» (v. 31). Ainda que se insira na linha dos filósofos e dos poetas, que tinham criticado a idolatria, diz o que eles nem sequer podiam imaginar: a verdade alcança-se por meio de um homem ressuscitado de entre os mortos, que também será o juiz final, isto é, o critério definitivo do bem e do mal.
    Um discurso, tão pouco racional, divide, mais uma vez, o auditório. Muitos afastam-se de riso nos lábios. Mas alguns aderem à mensagem.
    Ao citar este discurso de Paulo, Lucas quer dar um exemplo de como se pode apresentar o Kerygma aos pagãos cultos. Os resultados são sempre idênticos: há quem acolha a Palavra e quem a rejeite. Apesar de tudo, nasce uma comunidade cristã na capital da cultura daquele tempo.

    Evangelho: Jo 16, 12-15

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 12«Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender por agora. 13Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa. Ele não falará por si próprio, mas há-de dar-vos a conhecer quanto ouvir e anunciar-vos o que há-de vir.
    14Ele há-de manifestar a minha glória, porque receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer. 15Tudo o que o Pai tem é meu; por isso é que Eu disse: 'Receberá do que é meu e vo-lo dará a conhecer'.»

    Jesus, durante a sua vida terrena, não pôde ensinar muitas coisas aos discípulos, porque não eram capazes de as entender, pelo menos em profundidade. Só o Espírito Santo é o mestre interior e o guia para a verdade completa. A vinda do Espírito Santo inaugurará uma nova fase do conhecimento da palavra de Jesus. O seu ensinamento será dado no íntimo do coração de cada discípulo. Por ele, hão-de conhecer os segredos da verdade de Cristo e interiorizá-los.
    A missão do Espírito será semelhante à de Jesus, mas dirigida para o passado e para o futuro. Como durante a sua vida terrena o Filho nada fez sem o consenso e a unidade do Pai, assim também o Espírito há-de agir em perfeita dependência de Jesus, na Igreja pós-pascal. O Espírito será guia na compreensão da palavra de Jesus e do próprio Jesus; fará ver a realidade de Deus e dos homens como o Pai e o Filho a vêem; fará conhecer a mundo e a história na perspectiva da novidade iniciada com a morte e a ressurreição de Cristo.

    Meditatio

    Paulo verifica que os atenienses são muito religiosos, que sabem muito de religião, que se tinham preocupado em honrar todos os deuses e que, entre muitos erros, tinham tido uma boa inspiração, ao de dedicar um altar «ao Deus desconhecido» (v. 23). A consciência da sua ignorância podia ser uma preparação para acolher a revelação do verdadeiro Deus. Mas, para isso, ainda precisavam do Espírito de verdade, que só é dado por meio do Ressuscitado. Muitos, todavia, não estavam preparados para isso. De facto, «ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos, uns começaram a troçar, enquanto outros disseram: «Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez» (v. 32). Mas houve quem estivesse preparado para acolher o Espírito de verdade, concordando com Paulo: «Alguns dos homens, no entanto, concordaram com ele e abraçaram a fé» (v. 34).
    Uma coisa é saber muito sobre religião e repeti-lo como uma teoria qualquer, e outra é fazer experiência de fé, tomando consciência profunda do que é ser salvo por Jesus. Essa experiência e essa consciência são uma graça do Espírito Santo, o Espírito de verdade, segundo as palavras de Jesus. É o Espírito que nos permite fazer a exegese das palavras do Senhor, para caminharmos pela história com a «mente de Deus», isto é, com o seu modo de ver e de julgar, de sentir e de actuar. Essa «mente de Deus» coloca, muitas vezes, os discípulos em confronto com a mentalidade do mundo. O verdadeiro sentido das coisas, da história, dos acontecimentos está reservado àqueles que têm o Espírito, o deixam falar e escutam a sua voz num coração purificado: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt. 5, 8). As épocas mais criativas da história, para a fé, foram aquelas em que os cristãos se empenharam seriamente na libertação interior, na oração, na santidade.

    As palavras do Senhor realizam-se maximamente nos santos, e são eles que melhorem compreendem as coisas de Deus e o momento histórico em que vivem. Conhecer a realidade segundo Deus é algo de diferente do conhecimento simplesmente racional: é deixar que o Espírito fale num coração vazio de coisas demasiadamente terrenas.
    O Pe. Dehon foi um desses homens que soube ler a realidade à luz de Deus.
    Estudou atentamente as causas dos males da Igreja e da sociedade do seu tempo. Mas não o fez como simples sociólogo ou pastoralista. Fê-lo como verdadeiro místico. Daí que tenha visto no pecado, entendido como recusa do amor, que Deus a todos oferece, e com que pretende ser amado, e quer que nos amemos uns aos outros, a causa mais profunda das deficiências da Igreja e das injustiças sociais. Por essa razão é que, ao falar aos noviços, chegou a afirmar que «a reparação por meio do amor puro é a salvação da Igreja e dos povos, é a solução da actual questão social» (CF III, 46: 25.7.1880). Esta afirmação, desligada da experiência de vida e especialmente do intenso apostolado social do Pe. Dehon, pode-nos parecer, hoje, espiritualismo abstracto. Mas não se trata disso: o Pe. Dehon tinha um sentido muito concreto das realidades que o rodeavam. O seu olhar místico permitia-lhe ver a realidade, mas também os meios concretos, as iniciativas mais adequadas para a transformar segundo Deus.

    Oratio

    Senhor, purifica o meu coração, pela infusão do teu Espírito. Assim poderei compreender «Verdade completa», não só sobre Ti e sobre os teus projectos, mas também sobre o mundo e sobre a história. Purifica o meu olhar interior para que possa ver os teus caminhos, e o meu ouvido interior para que possa escutar a tua vontade. Purifica o meu instinto, para que se oriente para Ti.
    Dá-me um coração desapegado e vazio para Te deixar falar. Dá-me um coração humilde para escutar a voz da tua Igreja. Dá-me a tua luz divina para que saiba julgar o mundo, a sua mentalidade e as suas obras. Purifica-me e ilumina-me, Senhor. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor prodigalizou-nos os dons do Espírito como os dons do coração. Enquanto vivia com os seus discípulos, iniciava-os ele mesmo na verdade: Eu sou a verdade. Deixando-os, prometeu-lhes o Espírito da verdade, que os consolaria da sua ausência. É para nós um dom totalmente celeste. Não é somente o dom da fé, é a inteligência e o gosto das verdades reveladas, cuja contemplação luminosa e completa fará a nossa felicidade no céu. É uma luz acrescentada à nossa razão, um horizonte novo e infinito, aberto diante dela, para que ela aí encontre não apenas a resposta às questões do nosso futuro eterno, mas mesmo a solução de uma multidão de problemas naturais. Este dom é múltiplo, compreende a inteligência, a sabedoria e a ciência. É uma participação na vida dos espíritos celestes.
    «Se me amais, guardai os meus mandamentos, disse Nosso Senhor, e enviar-vos-ei o Espírito de verdade, o Espírito santificador, cheio de todas as luzes, de todas as graças e de toda a vida espiritual, o Espírito de verdade, que une os homens a Deus pelo conhecimento e pelo amor. O mundo culpado e corrompido não o pode receber. Sendo dominado pelos sentidos, não o vê nem o conhece; mas vós, vós o conhecereis, ele permanecerá convosco e estará em vós para vos iluminar, vos dirigir, vos fortificar» (Leão Dehon, OSP 3, p. 430).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    ,,Q Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa .. (Jo 16, 13).

  • 6ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    6ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    9 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 18, 1-8

    Naqueles dias, 1Paulo afastou-se de Atenas e foi para Corinto. 2Encontrou ali um judeu chamado Áquila, natural do Ponto, recentemente chegado da Itália com Priscila, sua mulher, porque um édito de Cláudio ordenara que todos os judeus se afastassem de Roma. Paulo foi procurá-los 3e, como eram da mesma profissão - isto é, fabricantes de tendas - ficou em casa deles e começou a trabalhar. 4Todos os sábados dissertava na sinagoga e esforçava-se por convencer, tanto a judeus como a gregos. 5Quando Silas e Timóteo chegaram da Macedónia, Paulo entregou-se à pregação, afirmando e provando aos judeus que Jesus era o Messias. 6Mas, perante a oposição e as blasfémias deles, sacudiu as suas vestes e disse-lhes: «Que o vosso sangue recaia sobre as vossas cabeças. Eu não sou responsável por isso. De futuro, dirigir-me-ei aos pagãos.» 7Retirou-se dali e foi para casa de um certo Tício Justo, homem temente a Deus, cuja casa era contígua à sinagoga. 8No entanto, Crispo, o chefe da sinagoga, acreditou no Senhor, ele e todos os da sua casa; e muitos dos coríntios que ouviam Paulo pregar abraçavam também a fé e recebiam o Baptismo.

    Corinto era uma cidade cosmopolita, mais romana do que grega. Com uma boa situação geográfica, era notável pelo seu comércio, mas também pela sua corrupção. Pela Palavra que lá foi anunciada, surgiu uma das comunidades cristãs mais florescentes. Todavia, essa mesma comunidade, também veio a dar grandes desgostos a Paulo.
    A actividade de Paulo em Corinto foi mais complicada do que Lucas deixa supor. Neste texto, o autor do Actos revela-nos alguns pormenores da vida quotidiana de Paulo e dos primeiros evangelizadores. O Apóstolo sabe um ofício e exerce-o, coisa considerada indigna de um homem culto entre os gregos, mas habitual entre os rabis de Israel, para quem o trabalho era uma boa ocasião para estar com as pessoas e ensinar. Paulo habita com um casal de judeus expulsos de Roma por Cláudio, pelos anos 49-50 da nossa era. Com a chegada de Silas e de Timóteo, Paulo dedica-se exclusivamente à pregação. Começa sempre pelos judeus e, só depois de ser recusado, mais uma vez, é que se volta para os pagãos. Lucas parece continuar preocupado em justificar a passagem aos pagãos. Mas, como sempre acontece, há alguém, mesmo entre os judeus, que acolhe a Palavra. Desta vez é o próprio chefe da sinagoga, com a sua família. E começa a colheita abundante entre os pagãos.

    Evangelho: João 16, 16-20

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 16«Ainda um pouco, e deixareis de me ver; e um pouco mais, e por fim me vereis.» 17Disseram entre si alguns dos discípulos: «Que é isso que Ele nos diz: 'Ainda um pouco, e deixareis de me ver, e um pouco mais, e por fim me vereis'? E também: 'Eu vou para o Pai'?» 18Diziam, pois:
    «Que quer Ele dizer com isto: 'Ainda um pouco'? Não sabemos o que Ele está a anunciar!» 19Jesus, percebendo que o queriam interrogar, disse-lhes: «Estais entre vós a inquirir acerca disto que Eu disse: 'Ainda um pouco, e deixareis de me ver, e um pouco mais, e por fim me vereis'? 20Em verdade, em verdade vos digo: haveis de chorar e lamentar-vos, ao passo que o mundo há-de gozar. Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria!

    «Ainda um pouco, e deixareis de me ver; e um pouco mais, e por fim me vereis» (v. 16). Estas frases são, no mínimo, ambíguas. Como entendê-las correctamente? Elas referem-se à morte-ressurreição de Jesus, à sua glorificação pelo Pai, à vinda do Espírito e à nova ordem de coisas criada pelo acontecimento de Jesus. João recorre à incompreensão dos discípulos para provocar um esclarecimento posterior das palavras de Jesus. A vida terrena do Mestre está a terminar. A sua vida gloriosa vai começar na ressurreição. O regresso de Jesus não acontecerá só com as aparições depois da ressurreição, mas vai prolongar-se pela sua presença no coração dos crentes. Os discípulos não entendem as palavras de Jesus. Fazem perguntas (cf. v. 17). Jesus responde tentando remover-lhes da alma a tristeza que os assalta e procurando infundir-lhes confiança com uma nova revelação: «a vossa tristeza há-de converter-se em alegria» (v. 20). Depois da tormenta virá a acalmia. A alegria surgirá da mesma causa que provocou a tristeza.

    Meditatio

    As palavras de Jesus, como noutras ocasiões são susceptíveis de várias aplicações. Com uma frase enigmática, Jesus falou de um tempo em que os discípulos não O hão-de ver e de outro tempo em que O hão-de ver, porque Ele vai para o Pai.
    Estas palavras são pronunciadas durante o «discurso de adeus» e aplicam-se, em primeiro lugar, à paixão e à morte de Jesus. Os discípulos vão deixar de vê-lo brevemente porque estará no sepulcro. Será um tempo de tristeza para os amigos de Jesus, e um tempo de triunfo para os seus inimigos: «haveis de chorar e lamentar-vos, ao passo que o mundo há-de gozar» (v. 20). Todavia a ausência de Jesus durará pouco: ao terceiro dia ressuscitará. «Os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor», anota João ao descrever a aparição de Jesus na tarde do primeiro dia da semana (Jo 20, 20).
    Estas palavras também se aplicam ao mistério da Ascensão e do Pentecostes.
    Ao subir ao Céu, Jesus deixa de estar visivelmente entre os seus, mas, no Pentecostes, inaugura uma nova forma de presença no meio deles, na Igreja. O Espírito santo torna Jesus presente no coração dos fiéis e na comunidade dos mesmos. Já não O vêem como durante a vida terrena, nem sequer como nas aparições depois da Ressurreição, mas vêem-no com o olhar do coração, onde o Espírito O torna presente. E, mais uma vez, a tristeza se transforma em alegria.
    As formas de presença de Jesus entre os seus discípulos vão-se transformando, tornando-se cada vez menos gratificantes sob o ponto de vista humano, mas bem mais profundas, produzindo alegria e paz cada vez maiores. A presença do Espírito estabelece os discípulos na alegria, na paz e no amor.
    Mas as palavras do Senhor podem aplicar-se também à nossa vida: a ausência-presença de Cristo marca o ritmo da nossa vida espiritual. Se é verdade que temos fases em que sentimos a sua ausência, também é verdade que, depois de cada uma delas, voltamos a sentir a sua presença de um modo novo. Essas fases de ausência- presença fazem crescer a nossa relação com Ele. Quando experimentamos a tristeza da sua ausência, interrogamo-nos sobre as razões da mesma e lançamos mão dos meios para O reencontrar. Por outro lado, Jesus quer dar-nos a alegria de reencontrarmos a sua presença. A tristeza da ausência produz a alegria do reencontro: «a vossa tristeza há-de converter-se em alegria!» (v. 20). Há que lembrar- nos deste ritmo quando estamos alegres e quando estamos tristes. Nem a alegria nem a tristeza duram sempre. Sucedem-se para nos fazer caminhar na união a Cristo e, por Ele, na união com o Pai. A meta é o Pai: quando a atingirmos, então sim, a nossa alegria será total e eternamente duradoira.
    O dehoniano, como todo o cristão vive alegre, manifestando a alegria e a bondade de Deus para com todos os homens, porque o Senhor está perto (cf. Fil 4, 4-
    5), o esposo, logo que chegue, o há-de introduzir na alegre festa das núpcias (cf. Mt 25, 10).
    A nossa alegria, e a alegria de Deus, é certamente consequência de uma vida boa, vivida para glória de Deus, nos bons e nos maus momentos, quando sentimos a presença do Senhor e quando sofremos com a sua ausência.
    Paulo lembra-nos a predilecção de Deus por aqueles que, em todas as circunstâncias, são generosos e viver o amor oblativo na relação com Ele e com os irmãos: «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7). Viver e irradiar a alegria é a nossa missão de filhos «do Deus da esperança que nos enche de toda a alegria no Espírito Santo» (Rom 15, 13); que quer ser servido «na alegria» (Sl 100(99), 2) e espera ser agradecido «com alegria» (Col 1, 12), porque «o Reino de Deus... não é questão de comida ou de bebida, mas é justiça, paz e alegria no Espírito Santo» (Rom 14, 17).
    É esta, de modo especial, a nossa missão, o nosso estilo de vida de dehonianos, tendo presente o exemplo do Pe. Dehon.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pela alegria das tuas visitas. Obrigado pela tristeza das tuas ausências. Sê bendito para sempre, porque me conheces e sabes orientar a minha vida e atrair-me para Ti. Mas tem compaixão de mim: não me abandones demoradamente à provação para que não desespere da tua consolação. Vem em meu auxílio também quando este mundo me causa excessiva satisfação, para que não me deixe inebriar por ele. Ajuda-me a buscar em Ti a minha consolação e a minha alegria, em todo o tempo e lugar. Amen.

    Contemplatio

    Não vos deixarei sem apoio, sem conselho, sem guia, sem afecto. Prometo-vos o Espírito Santo para me substituir, e, além disso, eu próprio virei de diversos modos. Virei visitar-vos depois da minha ressurreição. O mundo não me verá mais, a minha missão terrestre está terminada; mas vós, vós me vereis ainda vivente.
    Hei-de visitar-vos também pela graça. Iluminados pelo Espírito Santo, acreditareis na minha divindade, reconhecereis que eu estou no meu Pai, que sou um só com Ele na unidade da essência divina; e vós estareis em mim, estareis unidos a mim pela vida da graça, como os membros estão unidos ao seu chefe, como os ramos da vinha estão unidos à cepa, cuja seiva os alimenta; e eu estarei em vós, iluminando-vos, dirigindo-vos, santificando-vos pelo Espírito Santo que vos hei-de enviar.
    Ao deixar-vos corporalmente e segundo as aparências, não vos abandono por isso, fico ainda convosco de diversas maneiras, pela fé, pelo amor, pela graça santificante e pela Eucaristia. Não vos deixo órfãos (Leão Dehon, OSP 3, p. 451).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A vossa tristeza há-de converter-se em alegria» (Jo 16, 20).

  • 6ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    6ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    10 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Act 18, 9-18

    Quando Paulo estava em Corinto, 9certa noite, o Senhor disse a Paulo, numa visão: «Nada temas, continua a falar e não te cales, 10porque Eu estou contigo e ninguém porá as mãos em ti para te fazer mal, pois tenho um povo numeroso nesta cidade.» 11Então, ele ficou lá durante um ano e seis meses, a ensinar-lhes a palavra de Deus.
    12Sendo Galião procônsul da Acaia, levantaram-se os judeus, de comum acordo, contra Paulo e levaram-no ao tribunal. 13«Este homem - disseram eles - induz as pessoas a prestar culto a Deus de uma forma contrária à Lei.» 14Paulo ia abrir a boca, quando Galião disse aos judeus: «Se se tratasse de uma injustiça ou grave delito, escutaria as vossas queixas, ó judeus, como é meu dever. 15Mas como se
    trata de um conflito doutrinal sobre palavras e nomes e acerca de vossa própria Lei, o assunto é convosco. Recuso-me a ser juiz em semelhante questão.» 16E mandou-os sair do tribunal. 17Então todos se apoderaram de Sóstenes, o chefe da sinagoga, e puseram-se a bater-lhe diante do tribunal. E Galião não se importou nada com isso.
    18Depois de se ter demorado ainda algum tempo em Corinto, Paulo despediu- se dos irmãos e embarcou para a Síria, com Priscila e Áquila, rapando a cabeça em Cêncreas, por causa de um voto que tinha feito.

    Galião foi procônsul, isto é, governador da província da Acaia, a partir de Maio do ano 51. Paulo esteve em Corinto até ao Verão de 51. O episódio narrado por Lucas situa-se nesse breve espaço de tempo. Os judeus querem captar a benevolência do governador, acusando Paulo. Mas Galião actua de modo inteligente e diplomático, recusando intrometer-se em questões internas ao judaísmo. Lucas quer, mais uma vez, mostrar a neutralidade do Império em relação aos cristãos. Inicialmente não há hostilidade das autoridades romanas, e Paulo é mesmo salvo por elas, algumas vezes. Estava ainda longe o tempo das perseguições.
    Paulo continua a ter uma vida difícil, mas o Senhor confirma-o na missão que lhe confiou entre os pagãos. Discretamente, o Apóstolo, acompanhado pelo casal de Priscila e Áquila, que lhe dera trabalho, embarca para a Síria, rumo a Jerusalém e a Antioquia. Permanecera 18 meses em Corinto, onde teve algum sucesso, entre os judeus e entre os pagãos. O Senhor afirmou ter lá «um povo numeroso» (v. 9). Mas Paulo não tinha feitio para se demorar muito tempo no mesmo lugar.

    Evangelho: Jo 16, 20-23a

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 20Em verdade, em verdade vos digo: haveis de chorar e lamentar-vos, ao passo que o mundo há-de gozar. Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria! 21A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque chegou a sua hora; mas, quando deu à luz o menino, já não se lembra da sua aflição, com a alegria de ter vindo um homem ao mundo. 22Também vós vos sentis agora tristes, mas Eu hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria. 23Nesse dia, já não me perguntareis nada. Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará.

    A alegria dos discípulos vem da liberdade que o afastamento do mundo lhes dá (cf. Jo 8, 32). O encontro «espiritual» com Cristo ressuscitado produz a liberdade e a alegria nos crentes. E nada nem ninguém lhas podem tirar. Essa liberdade e essa alegria, que vem da reconciliação do homem com Deus, realizada por Cristo, e expressa sobretudo na oração comunitária, vêem-se ilustradas nos capítulos 20-21 de João. Tal como acontece à mulher, que deu à luz, está feliz porque terminaram os seus sofrimentos, e deu ao mundo uma nova criatura, também o cristão está contente porque a sua alegria, fundada na dor, desabrochou na nova vida que é a páscoa do Senhor. A morte infame de Jesus transformou-se em alegria retumbante, alegria que ninguém pode tirar aos discípulos, porque se fundamenta na fé n´Aquele que vive glorioso à direita de Deus. A partir da ressurreição, a comunidade cristã, iluminada pelo Espírito, terá uma visão nova da vida e das coisas, e o mesmo Espírito lhe fará compreender tudo quanto precisar.

    Meditatio

    Paulo experimenta a presença de Jesus. Experimenta-a na forma inaugurada com o Pentecostes. Experimenta-a em si mesmo, pela força que sente no anúncio do Evangelho, mesmo quando as circunstâncias são difícieis. Sente-a nas comunidades que estão vivas e crescem: «Nada temas, continua a falar e não te cales, porque Eu estou contigo e ninguém porá as mãos em ti para te fazer mal, pois tenho um povo numeroso nesta cidade» (v. 10). O sofrimento do missionário é condição necessária e lugar privilegiado da alegria eclesial. Paulo será mestre e protagonista dessa alegria:
    «Estou cheio de consolação e transbordo de alegria no meio de todas as nossas tribulações» (2 Cor 7, 4). A seu exemplo, os convertidos acolhem «a Palavra em plena tribulação, com a alegria do Espírito Santo» (1 Ts 1, 6). Os ministros da Palavra são tidos «por tristes, nós que estamos sempre alegres;por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo» (2 Cor 6, 10).
    Jesus, ao subir ao Céu, não se afastou dos discípulos, mas inaugurou uma forma de presença mais profunda no meio deles. A Ascensão libertou-O dos limites da condição terrena e possibilitou-Lhe um contacto pessoal e íntimo com cada um de nós, possibilitou-Lhe estar connosco, com todos, todos os dias: «Eu estou contigo».
    «Hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (v. 22). É a alegria da intimidade com o Senhor, da vida com o Senhor: amar com Ele, actuar com Ele, estar sempre com Ele. «Com Jesus e como Ele», sintetizam as nossas Constituições (n. 21).
    Sabemos da importância que o Pe. Dehon dava à vida de união com Cristo, presente em nós. A «união permanente com Jesus» (Diário, 2 Janeiro de 1867) foi o seu caminho de santidade. «Deixemos viver em nós Nosso Senhor. Ele continua a viver na terra em cada um dos seus membros» (Diário, 25 de Abril de 1867). Esta união íntima com Cristo, como vara unida à cepa, era a sua vida e a força do seu apostolado.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pela tua presença, de tantos modos, no meio de nós. Posso encontrar-te na Palavra, na Eucaristia, na comunidade fraterna, na hierarquia da Igreja, no necessitado, e também na tua presença cósmica, que agora enche o universo. Posso viver na alegria da liberdade porque estou repleto da tua presença. Posso dar testemunho corajoso de Ti, porque o teu Espírito é a minha força.
    Perdoa-me, porque nem sempre vivo e actuo consciente desta realidade. Perdoa-me porque não Te dou suficientes graças por ela. Perdoa-me porque não me empenho suficientemente na missão, temendo o fracasso.
    Dá-me um coração atento às necessidades dos meus irmãos, especialmente à necessidade de Ti. Ajuda-me a levar a todos a tua alegria e a tua paz, para que esses dons da tua Ressurreição também possam crescer em mim. Amen.

    Contemplatio

    «Chorareis e gemereis». - «O vosso coração encheu-se de tristeza», diz Nosso Senhor aos seus apóstolos. Anunciou-lhes, de facto, acontecimentos bem tristes: a sua partida para o céu, a sua morte próxima, a traição de Judas, a negação de Pedro. Estão tristes e acabrunhados. Consola-os e anuncia-lhes que voltará.
    Temos também as nossas tristezas: A ausência de Nosso Senhor que por vezes deixa a nossa alma na obscuridade e na aridez, - os nossos pecados passados, que se representam à nossa memória. - O perigo contínuo de pecar e a nossa fraqueza, que nos é conhecida, - os escândalos que reinam no mundo, - as mágoas e provações desta vida.
    Suportemos estas provas com coragem. Os filhos de Deus guardam a serenidade nas suas mágoas. Oferecem-nas a Deus, unem-nas aos sofrimentos do Coração de Jesus, e tornam-se-lhes leves. Oferecem-nas para a reparação, pela expiação dos seus pecados e dos do mundo. Se são fervorosos, vão até ao ponto de se alegrarem levando a cruz com Jesus.
    «A vossa tristeza mudar-se-á em alegria». - Esta promessa devia ter cumprimento próximo para os apóstolos. Três dias, e eles veriam Jesus ressuscitado. Poderiam apalpar as feridas das suas mãos e do seu coração. Vê-lo-iam muitas vezes durante quarenta dias. Depois um outro consolador viria enchê-los de uma alegria sobrenatural, de uma alegria que ultrapassa todas as deste mundo, é o Espírito Santo, o grande dom do Coração de Jesus. E alguns anos mais tarde seria o triunfo do martírio e a entrada triunfal no céu.
    Para nós também, a alegria sucederá à tristeza. A tristeza das nossas almas culpadas apaga-se, quando nós quisermos, pelo arrependimento e pela penitência. A tristeza da aridez e da provação passa bastante rapidamente; Jesus não estava longe e volta.
    Há uma santa tristeza, a que vem de um coração penitente; esta é acompanhada por uma real doçura que nos faz conhecer que Deus é o seu autor.
    O mesmo se passa com aquela que tem por causa os pecados do mundo. Esta tristeza é agradável a Deus o qual no-la inspira.
    A tristeza que vem do sofrimento, da doença ou dos acidentes da vida é de ordem natural, mas pode ser santificada pela virtude da paciência e do sacrifício.
    A tristeza do mundo, pelo contrário, não tem remédio, e a sua alegria não é sã. O mundo alegra-se com os prazeres maus e a sua alegria termina na amargura.
    Senhor, mudai a minha tristeza em alegria pelo dom do arrependimento, do sacrifício, do espírito de imolação e de reparação. (Leão Dehon, OSP 4, p. 466s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A vossa tristeza há-de converter-se em alegria!» (Jo 16, 20).

  • 6ª Semana - Sábado - Páscoa

    6ª Semana - Sábado - Páscoa

    11 de Maio, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 18, 23-28

    23Depois de ter passado algum tempo em Antioquia, Paulo voltou a partir e percorreu sucessivamente a Galácia e a Frígia, fortalecendo todos os discípulos. 24Entretanto, chegara a Éfeso um judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, homem eloquente e muito versado nas Escrituras. 25Fora instruído na «Via» do Senhor e, com o espírito cheio de fervor, pregava e ensinava com precisão o que dizia respeito a Jesus, embora só conhecesse o baptismo de João. 26Começou a falar desassombradamente na sinagoga. Priscila e Áquila, que o tinham ouvido, tomaram- no consigo e expuseram-lhe, com mais precisão, a «Via» do Senhor. 27Como ele queria partir para a Acaia, os irmãos encorajaram-no e escreveram aos discípulos, para que o recebessem amigavelmente. Quando lá chegou, pela graça de Deus, prestou grande auxílio aos fiéis; 28pois refutava energicamente os judeus, em público, demonstrando pelas Escrituras que Jesus era o Messias.

    Paulo prossegue a sua viagem missionária pela Galácia e pela Frigia. Os seus companheiros, Priscila e Áquila, ficam em Éfeso, onde conhecem Apolo, notável pregador, teólogo e missionário que, todavia, não tinha uma boa formação cristã. A sua pregação sobre Jesus era incompleta. E é o casal amigo de Paulo que lhe expõe «com mais precisão, a «Via» do Senhor» (v. 26). É interessante esta intervenção de dois leigos, em relação a um teólogo missionário com a envergadura de Apolo. Toda a Igreja participa na obra da evangelização, cada um com os seus limites, mas sempre com o apoio e as achegas dos irmãos. Apolo, uma vez «actualizado» vai dar um contributo notável para o enraizamento da fé na Grécia.

    Evangelho: Jo 16, 23b-28

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 23Nesse dia, já não me perguntareis nada. Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai em meu nome, Ele vo-la dará. 24Até agora não pedistes nada em meu nome; pedi e recebereis. Assim, a vossa alegria será completa.» 25«Até aqui falei-vos por meio de comparações. Está a chegar a hora em que já não vos falarei por comparações, mas claramente vos darei a conhecer o que se refere ao Pai. 26Nesse dia, apresentareis em meu nome os vossos pedidos ao Pai, e não vos digo que rogarei por vós ao Pai, 27pois é o próprio Pai que vos ama, porque vós já me tendes amor e já credes que Eu saí de Deus. 28Saí do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai.»

    Os discípulos não estavam acostumados a rezar em nome de Jesus (v. 24). A vinda do Espírito Santo inaugura um tempo novo no qual poderão dirigir-se ao Pai em nome de Jesus, porque o seu Senhor, em força da sua passagem para o Pai, se tornou verdadeiro mediador entre Deus e os homens.
    Depois, Jesus lança um olhar ao passado, para dizer que se serviu de palavras e imagens, que encerravam um significado profundo, que nem sempre os discípulos podiam compreender. Mas, de futuro, depois da páscoa, as suas palavras serão compreendidas e atingirão o íntimo dos corações, graças à intervenção do Espírito Santo.
    A oração será o «lugar» onde os discípulos conhecerão a relação profunda que existe entre Jesus e o Pai, e de Jesus e do Pai com eles. O perfeito entendimento no amor e na fé com Jesus, fará com que a oração dos discípulos seja feita de modo conveniente e, por isso, aceite pelo Pai.

    Meditatio

    «Pedi e recebereis... a vossa alegria será completa». Estas palavras de Jesus mostram-nos o seu amor por nós. Ele está disposto a dar-nos tudo o que desejamos. Só temos que apresentar os nossos pedidos ao Pai, em seu nome. E garante-nos que Pai nos ama, porque nós amamos a Ele, Jesus, e acreditamos que Ele saiu de Deus (cf. v. 27).
    «Saí do Pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e vou para o Pai», afirma Jesus (v. 28).
    Jesus volta para o Pai, levando-nos com Ele. Assim, a nossa oração de súplica é uma entrada no amor recíproco do Pai e do Filho. O que pedimos ao Pai é-nos concedido em nome do Filho. E nós devemos pedir em nome do Filho, porque Ele está junto do Pai, vivo a interceder por nós. O Pai escuta-nos, mas também o Filho nos escuta: «O que me pedirdes, Eu o farei». Estamos envolvidos no amor do Pai e do Filho. É essa a nossa alegria.
    Esta página de João provoca-me: porque alcanço tão pouco? Porque sou tão pouco eficaz? Porque é que a minha alegria é tão raramente plena? Mais: como é que o mistério da união do Filho com o Pai me atrai tão pouco? Como é que sinto tão pouco o poder de Deus na minha acção? Não estarão os meus olhos demasiadamente voltados para a realidade deste mundo e pouco voltados para o mistério de Deus, para o amor do Pai para com o Filho e do Filho para com os discípulos? O olhar para o mundo é certamente necessário; mas não me ajudará a salvá-lo, se não o olhar com os olhos e com o coração do Pai que deu o Filho para salvar o mundo e quer envolver-nos nessa aventura decisiva. O olhar de Deus levar-me-á a ver as necessidades muitas vezes escondidas das pessoas e a encontrar, para elas, não só remédio humano, mas também remédio divino, a alegria completa de lhes apresentar o amor que tudo redime.
    A oração perene tem a sua fonte na oração de intimidade, que é a experiência pessoal do amor de Deus: sentir-se amados e possuídos por Ele. É a oração contemplativa. E se o meu problema central fosse um défice de contemplação? A amorosa contemplação das relações intra-trinitárias, e a contemplação do mistério de Cristo, particularmente do seu Lado aberto e do seu Coração trespassado, é para nós um chamamento à confiança, ao abandono, à oblação. Ao mesmo tempo, é uma poderosa fonte de força para o nosso apostolado. Contemplando o amor oblativo de Deus, sentimo-nos estimulados a vivê-lo, não só na relação com Deus, mas também na relação com os nossos irmãos.

    Oratio

    Ó Jesus: Tu ensinas-me a pedir em teu nome, a fazer minha a tua causa, a ver o mundo com os teus olhos, e dar-me como Tu te deste ao Pai pelos homens. Como estou longe de tudo isso! É por essa razão que tantas vezes me sinto desiludido na minha oração, e desanimo no meu apostolado e no serviço aos meus irmãos.
    Olha, Jesus, com piedade, as minhas veleidades em Te servir. Vem ao encontro das minhas ilusórias esperanças de gratificação. Ampara-me, purifica-me.

    Dá-me um coração semelhante ao teu. Dá-me o impulso desinteressado do teu amor. Ajuda-me a amar Contigo e como Tu. Amen.

    Contemplatio

    O encorajamento à oração é um dos primeiros ensinamentos do Sermão da montanha.
    Nosso Senhor rezava muito. Juntava o exemplo às suas exortações. Retirava-se para a solidão para rezar. Passava lá muitas vezes a noite. Passou quarenta dias no deserto a rezar.
    Rezava por nós; rezava também para nos dar o exemplo da oração. Muitas vezes recomendava-a aos seus discípulos. Dizia-lhes como é preciso rezar sempre e sem cessar.
    A fim de lhes mostrar como a perseverança na oração é eficaz para obter o que se pede, propunha-lhes a parábola do juiz e da viúva.
    A pobre viúva viera várias vezes pedir justiça, mas em vão. No fim, o juiz diz para consigo mesmo: «Se bem que eu não queira saber nem de Deus nem dos homens, porque esta viúva me importuna, vou fazer-lhe justiça, com receio que no fim ela não venha fazer-me alguma afronta».
    Pensais, acrescentava o Salvador, que Deus não fará justiça aos seus eleitos que clamam para Ele de dia e de noite?
    Propunha-lhes também este outro exemplo do amigo o qual pela sua importunidade pede ao seu amigo que lhe empreste os pães de que tem necessidade (Lc 11).
    Encorajava a sua confiança dizendo-lhe: «Pedi e recebereis» (Leão Dehon, OSP 3, p. 69).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Pedi e recebereis... a vossa alegria será completa». (Jo 16, 24).

  • Solenidade da Ascensão - Ano B

    Solenidade da Ascensão - Ano B

    12 de Maio, 2024

    Tempo Pascal

    Ano B - Sétimo Domingo - Solenidade da Ascensão

    TEMA
    A Solenidade da Ascensão de Jesus que hoje celebramos sugere que, no final do caminho percorrido no amor e na doação, está a vida definitiva, a comunhão com Deus. Sugere também que Jesus nos deixou o testemunho e que somos nós, seus seguidores, que devemos continuar a realizar o projecto libertador de Deus para os homens e para o mundo.
    No Evangelho, Jesus ressuscitado aparece aos discípulos, ajuda-os a vencer a desilusão e o comodismo e envia-os em missão, como testemunhas do projecto de salvação de Deus. De junto do Pai, Jesus continuará a acompanhar os discípulos e, através deles, a oferecer aos homens a vida nova e definitiva.
    Na primeira leitura, repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter apresentado ao mundo o projecto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus - a mesma vida que espera todos os que percorrem o mesmo "caminho" que Jesus percorreu. Quanto aos discípulos: eles não podem ficar a olhar para o céu, numa passividade alienante; mas têm de ir para o meio dos homens continuar o projecto de Jesus.
    A segunda leitura convida os discípulos a terem consciência da esperança a que foram chamados (a vida plena de comunhão com Deus). Devem caminhar ao encontro dessa "esperança" de mãos dadas com os irmãos - membros do mesmo "corpo" - e em comunhão com Cristo, a "cabeça" desse "corpo". Cristo reside no seu "corpo" que é a Igreja; e é nela que se torna hoje presente no meio dos homens.

    LEITURA 1- Act 1,1-11
    No meu primeiro livro, ó Teófilo,
    narrei todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar, desde o princípio até ao dia em que foi elevado ao Céu, depois de ter dado, pelo Espírito Santo, as suas instruções aos Apóstolos que escolhera. Foi também a eles que, depois da sua paixão, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando-lhes do reino de Deus. Um dia em que estava com eles à mesa, mandou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, «da Qual- disse Ele - Me ouvistes falar. Na verdade, João baptizou com água; vós, porém, sereis baptizados no Espírito Santo, dentro de poucos dias».
    Aqueles que se tinham reunido começaram a perguntar: «Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?» Ele respondeu-lhes:
    «Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade; mas recebereis a força do Espírito Santo,
    que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra».
    Dito isto, elevou-Se à vista deles e uma nuvem escondeu-O a seus olhos. E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus se afastava, apresentaram-se-Ihes dois homens vestidos de branco, que disseram: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».

    AMBIENTE
    O livro dos "Actos dos apóstolos" dirige-se a comunidades que vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80, cerca de cinquenta anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa pela vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o "Reino" e há uma certa desilusão. As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece uma vida cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na mediocridade; falta o entusiasmo e o empenhoD O quadro geral é o de um certo sentimento de frustração, porque o mundo continua igual e a esperada intervenção vitoriosa de Deus continua adiada. Quando vai concretizar-¬se, de forma plena e inequívoca, o projecto salvador de Deus?
    É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que o projecto de salvação e de libertação que Jesus veio apresentar passou (após a ida de Jesus para junto do Pai) para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A construção do "Reino" é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso concretizar na história, e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os cristãos são convidados a redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o projecto de Deus, na fidelidade ao "caminho" que Jesus percorreu.

    MENSAGEM
    O nosso texto começa com um prólogo (vers. 1-2) que relaciona os "Actos" com o 3° Evangelho - quer na referência ao mesmo Teófilo a quem o Evangelho era dedicado, quer na alusão a Jesus, aos seus ensinamentos e à sua acção no mundo (tema central do 3° Evangelho). Neste prólogo são também apresentados os protagonistas do livro - o Espírito Santo e os apóstolos, vinculados com Jesus.
    Depois da apresentação inicial, vem o tema da despedida de Jesus (vers. 3-8). O autor começa por fazer referência aos "quarenta dias" que mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos discípulos "a respeito do Reino de Deus" (o que parece estar em contradição com o Evangelho, onde a ressurreição e a ascensão são apresentados no próprio dia de Páscoa - cf. Lc 24). O número quarenta é, certamente, um número simbólico: é o número que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e repetir as lições do mestre. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.
    As palavras de despedida de Jesus (vers. 4-8) sublinham dois aspectos: a vinda do Espírito e o testemunho que os discípulos vão ser chamados a dar "até aos confins do mundo". Temos resumida aqui a experiência missionária da comunidade de Lucas: o Espírito irá derramar-se sobre a comunidade crente e dará a força para testemunhar Jesus em todo o mundo, desde Jerusalém a Roma. Na realidade, trata-se do programa que Lucas vai apresentar ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar com a sua obra que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus e são impulsionados pelo Espírito.

    o último tema é o da ascensão (vers. 9-11). Evidentemente, esta passagem necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade.
    Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu (vers. 9a). Não estamos a falar de uma pessoa que, literalmente, descola da terra e começa a elevar-se; estamos a falar de um sentido teológico (não é o "repórter", mas sim o "teólogo" a falar): a ascensão é uma forma de expressar simbolicamente que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supra-terrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai.
    Temos, depois, a nuvem (vers. 9b) que subtrai Jesus aos olhos dos discípulos. Pairando a meio caminho entre o céu e a terra, a nuvem é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do divino (cf. Ex 13,21.22; 14,19.24; 24,15b-18; 40,34-38). Ao mesmo tempo, simultaneamente esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto o Povo não pode ver, mas cuja presença adivinha nos acidentes da caminhada. Céu e terra, presença e ausência, luz e sombra, divino e humano, são dimensões aqui sugeridas a propósito de Cristo ressuscitado, elevado à glória do Pai, mas que continua a caminhar com os discípulos.
    Temos ainda os discípulos a olhar para o céu (vers. 10a). Significa a expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda vinda de Cristo, a fim de levar ao seu termo o projecto de libertação do homem e do mundo.
    Temos, finalmente, os dois homens vestidos de branco (vers. 10b). O branco sugere o mundo de Deus, o que indica que o seu testemunho vem de Deus. Eles convidam os discípulos a continuar no mundo, animados pelo Espírito, a obra libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que tem de continuar, na história, a obra de Jesus, embora com a esperança posta na segunda e definitiva vinda do Senhor.
    O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos a admirar a elevação de Jesus; mas é convidar-nos a seguir o "caminho" de Jesus, olhando para o futuro e entregando-nos à realização do seu projecto de salvação no meio do mundo.

    ACTUALIZAÇÃO
    + A ressurreição/ascensão de Jesus garante-nos, antes de mais, que uma vida vivida na fidelidade aos projectos do Pai é uma vida destinada à glorificação, à comunhão definitiva com Deus. Quem percorre o mesmo "caminho" de Jesus subirá, como Ele, à vida plena.
    + A ascensão de Jesus recorda-nos, sobretudo, que Ele foi elevado para junto do Pai e nos encarregou de continuar a tornar realidade o seu projecto libertador no meio dos homens nossos irmãos. É essa a atitude que tem marcado a caminhada histórica da Igreja? Ela tem sido fiel à missão que Jesus, ao deixar este mundo, lhe confiou?
    + O nosso testemunho tem transformado e libertado a realidade que nos rodeia?
    Qual o real impacto desse testemunho na nossa família, no local onde desenvolvemos a nossa actividade profissional, na nossa comunidade cristã ou religiosa?
    + É relativamente frequente ouvirmos dizer que os seguidores de Jesus gostam mais de olhar para o céu do que se comprometerem na transformação da terra. Estamos, efectivamente, atentos aos problemas e às angústias dos homens, ou vivemos de olhos postos no céu, num espiritualismo alienado? Sentimo-nos questionados pelas inquietações, pelas misérias, pelos sofrimentos, pelos sonhos, pelas esperanças que enchem o coração dos que nos rodeiam? Sentimo-nos solidários com todos os homens, particularmente com aqueles que sofrem?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 46 (47)
    Refrão 1: Por entre aclamações e ao som da trombeta, ergue-Se Deus, o Senhor.
    Refrão 2: Ergue-se, Deus, o Senhor,
    em júbilo e ao som da trombeta.
    Povos todos, batei palmas,
    aclamai a Deus com brados de alegria,porque o Senhor, o Altíssimo, é terrível, o Rei soberano de toda a terra.
    Deus subiu entre aclamações,
    o Senhor subiu ao som da trombeta. Cantai hinos a Deus, cantai,
    cantai hinos ao nosso Rei, cantai.
    Deus é Rei do universo: cantai os hinos mais belos. Deus reina sobre os povos,
    Deus está sentado no seu trono sagrado.

    LEITURA II - Ef 1,17-23
    Irmãos:
    O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda um espírito de sabedoria e de luz
    para O conhecerdes plenamente
    e ilumine os olhos do vosso coração,
    para compreenderdes a esperança a que fostes chamados, os tesouros de glória da sua herança entre os santos
    e a incomensurável grandeza do seu poder
    para nós os crentes.
    Assim o mostra a eficácia da poderosa força que exerceu em Cristo,
    que Ele ressuscitou dos mortos
    e colocou à sua direita nos Céus,
    acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania,
    acima de todo o nome que é pronunciado, não só neste mundo, mas também no mundo que há-de vir.
    Tudo submeteu aos seus pés e pô-l'O acima de todas as coisas como Cabeça de toda a Igreja, que é o seu Corpo,
    a plenitude d'Aquele que preenche tudo em todos.

    AMBIENTE
    A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma "carta circular" enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma?). Q seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
    Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente.
    Em concreto, o texto que nos é proposto aparece na primeira parte da carta e faz parte de uma acção de graças, na qual Paulo agradece a Deus pela fé dos efésios e pela caridade que eles manifestam para com todos os irmãos na fé.

    MENSAGEM
    À acção de graças, Paulo une uma fervorosa oração a Deus, para que os destinatários da carta conheçam "a esperança a que foram chamados" (vers. 18). A prova de que o Pai tem poder para realizar essa "esperança" (isto é, conferir aos crentes a vida eterna como herança) é o que Ele fez com Jesus Cristo: ressuscitou-Q e sentou-Q à sua direita (vers. 20), exaltou-Q e deu-Lhe a soberania sobre todos os poderes angélicos (Paulo está preocupado com a perigosa tendência de alguns cristãos em dar uma importância exagerada aos anjos, colocando-os até acima de Cristo - cf. Coi 1,6). Essa soberania estende-se, inclusive, à Igreja - o "corpo" do qual Cristo é a "cabeça". Q mais significativo deste texto é, precisamente, este último desenvolvimento. A ideia de que a comunidade cristã é um "corpo" - o "corpo de Cristo" - formado por muitos membros, já havia aparecido nas "grandes cartas", acentuando-se, sobretudo, a relação dos vários membros do "corpo" entre si (cf. 1 Cor 6,12-20; 10,16-17; 12,12-27; Rom 12,3-8); mas, nas "cartas do cativeiro", Paulo retoma a noção de "corpo de Cristo" para reflectir sobre a relação que existe entre a comunidade e Cristo.
    Neste texto, em concreto, há dois conceitos muito significativos para definir o quadro da relação entre Cristo e a Igreja: o de "cabeça" e o de "plenitude" (em grego, "pleroma").
    Dizer que Cristo é a "cabeça" da Igreja significa, antes de mais, que os dois formam uma comunidade indissolúvel e que há entre os dois uma comunhão total de vida e de destino; significa também que Cristo é o centro à volta do qual o "corpo" se articula, a partir do qual e em direcção ao qual o "corpo" cresce, se orienta e constrói, a origem e o fim desse "corpo"; significa ainda que a Igreja/corpo está submetida à obediência a Cristo/cabeça: só de Cristo a Igreja depende e só a Ele deve obediência.
    Dizer que a Igreja é a "plenitude" ("pleroma") de Cristo significa dizer que nela reside a "plenitude", a "totalidade" de Cristo. Ela é o receptáculo, a habitação, onde Cristo Se torna presente no mundo; é através desse "corpo" onde reside, que Cristo continua todos os dias a realizar o seu projecto de salvação em favor dos homens. Presente nesse "corpo", Cristo enche o mundo e atrai a Si o universo inteiro, até que o próprio Cristo "seja tudo em todos" (vers. 23).

    ACTUALIZAÇÃO
    + Na nossa peregrinação pelo mundo, convém termos sempre presente "a esperança a que fomos chamados". A ressurreição/ascensão/glorificação de Jesus é a garantia da nossa própria ressurreição/glorificação. Formamos com Ele um "corpo" destinado à vida plena. Esta perspectiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e de avançar - apesar das dificuldades - nesse "caminho" do amor e da entrega total que Cristo percorreu.
    + Dizer que fazemos parte do "corpo de Cristo" significa que devemos viver numa comunhão total com Ele e que nessa comunhão recebemos, a cada instante, a vida que nos alimenta. Significa também viver em comunhão, em solidariedade total com todos os nossos irmãos, membros do mesmo "corpo", alimentados pela mesma vida. Estas duas coordenadas estão presentes na nossa existência?
    + Dizer que a Igreja é o "pleroma" de Cristo significa que temos a obrigação de testemunhar Cristo, de torná-l'O presente no mundo, de levar à plenitude o projecto de libertação que Ele começou em favor dos homens. Essa tarefa só estará acabada quando, pelo testemunho e pela acção dos crentes, Cristo for "um em todos".
    (Nota: em vez desta leitura, pode-se escolher a seguinte leitura facultativa: Ef 4,1-13)

    ALELUIA - Mt 28,19a.20b
    Aleluia. Aleluia.
    Ide e ensinai todos os povos, diz o Senhor:
    Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos.

    EVANGELHO - Mc 16,15-20
    Naquele tempo,
    Jesus apareceu aos Doze e disse-lhes: «Ide por todo o mundo
    e pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem acreditar e for baptizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado.
    Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem: expulsarão os demónios em meu nome;
    falarão novas línguas;
    se pegarem em serpentes ou beberem veneno, não sofrerão nenhum mal;
    e quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados».
    E assim o Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus.
    Eles partiram a pregar por toda a parte e o Senhor cooperava com eles,
    confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam.

    AMBIENTE
    A perícopa de Mc 16,9-20 distingue-se, no conjunto do Evangelho segundo Marcos, por se apresentar com um estilo e com vocabulário muito diferentes do resto do texto. Aliás, os manuscritos mais importantes e mais antigos que conservaram este Evangelho concluíam o texto de Marcos em 16,8, com o medo das mulheres que, na manhã de Páscoa, encontraram o túmulo vazio. Provavelmente, foi assim que Marcos terminou o seu Evangelho, dando-lhe um final "aberto" e como que convidando o leitor a completar o relato com a sua própria experiência pessoal de seguimento de Jesus, superando o medo, "vendo" Jesus e dando testemunho d'Ele.
    No entanto, este final pareceu deixar insatisfeitos os leitores de Marcos e apareceram várias tentativas de dar ao Evangelho segundo Marcos um final mais satisfatório. Algumas dessas tentativas estão, aliás, atestadas em diversos documentos antigos que nos transmitiram o texto do segundo Evangelho. De entre os diversos "finais" que apareceram, houve um que se impôs aos outrosOTrata-se de um texto de meados do séc. II, que apresenta um resumo das aparições de Jesus ressuscitado contadas por outros evangelistas. Embora tardio e não redigido por Marcos, este "final" é, contudo, parte integrante da Escritura Sagrada. A Igreja reconhece-o como canónico, como inspirado por Deus e como Palavra de Deus.
    O texto que nos é proposto é parte da perícopa em causa. Os elementos apresentados no texto são pequenos resumos de relatos feitos por outros evangelistas. Assim, a aparição de Jesus ressuscitado aos Onze depende de Lc 24,36-43 e de Jo 20,19-29; a definição da missão dos apóstolos depende de Mt 28,16- 20 e de Lc 24,44-49; o relato da Ascensão depende de Lc 24,50-53 e de Act 1,4-11.
    O quadro traçado pelo autor da perícopa apresenta os discípulos a reagir de uma forma muito negativa ao facto de Jesus já não estar com eles. Na manhã da ressurreição, eles estavam "em luto e em pranto" (Mc 16,10); depois, receberam o testemunho das mulheres que encontraram Jesus ressuscitado, com incredulidade e com um coração obstinado (cf. Mc 16,14). Num caso e noutro, negam-se a ir em frente e a continuar a aventura que começaram com Jesus. Têm medo de arriscar e preferem ficar comodamente instalados a "lamber as feridas". É o anti-seguimento eD encontro com Jesus ressuscitado vai, porém, obrigá-los a sair do seu letargo e a assumir os seus compromissos e responsabilidades, como membros da comunidade do Reino.

    MENSAGEM
    A questão central abordada no nosso texto é a do papel dos discípulos no mundo, após a partida de Jesus ao encontro do Pai. O texto consta de três cenas: Jesus ressuscitado define a missão dos discípulos; Jesus parte ao encontro do Pai; os discípulos partem ao encontro do mundo, a fim de concretizar a missão que Jesus lhes confiou.
    Na primeira cena (vers. 15-18), Jesus ressuscitado aparece aos discípulos, acorda-os da letargia em que se tinham instalado e define a missão que, doravante, eles serão chamados a desempenhar no mundoD
    A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da universalidade DA missão dos discípulos destina-se a "todo o mundo" e não deverá deter-se diante de barreiras rácicas, geográficas ou culturais. A proposta de salvação que Jesus fez e que os discípulos devem testemunhar destina-se a toda a terra. Depois, Jesus define o conteúdo do anúncio: o "Evangelho". O que é o "Evangelho"? No Antigo Testamento (sobretudo no Deutero-Isaías e no Trito-Isaías), a palavra "evangelho" está ligada à "boa notícia" da chegada da salvação para o Povo de Deus. Depois, na boca de Jesus, a palavra "Evangelho" designa o anúncio de que o "Reino de Deus" chegou à vida dos homens, trazendo-lhes a paz, a libertação, a felicidade. Para os catequistas das primeiras comunidades cristãs, o "Evangelho" é o anúncio de um acontecimento único, capital, fundamental: em Jesus Cristo, Deus veio ao encontro dos homens, manifestou-lhes o seu amor, inseriu-os na sua família, convidou-os a integrar a comunidade do Reino, ofereceu-lhes a vida definitiva. Tal é o único e exclusivo "evangelho", a "boa notícia" que muda o curso da história e que transforma o sentido e os horizontes da existência humana.
    O anúncio do "Evangelho" obriga os homens a uma opção. Quem aderir à proposta que Jesus faz, chegará à vida plena e definitiva ("quem acreditar e for baptizado será salvo"); mas quem recusar essa proposta, ficará à margem da salvação ("quem não acreditar será condenado" - verso 16).
    O anúncio do Evangelho que os discípulos são chamados a fazer vai atingir não só os homens, mas "toda a criatura". Muitas vezes o homem, guiado por critérios de egoísmo, de cobiça e de lucro, explora a criação, destrói esse mundo "bom" e harmonioso que Deus criou D Mas a proposta de salvação que Deus apresenta destina-se a transformar o coração do homem, eliminando o egoísmo e a maldade. Ao transformar o coração do homem, o "Evangelho" apresentado por Jesus e anunciado pelos discípulos vai propor uma nova relação do homem com todas as outras criaturas - uma relação não mais marcada pelo egoísmo e pela exploração, mas pelo respeito e pelo amor. Dessa forma, nascerá uma nova humanidade e uma nova natureza.
    A presença da salvação de Deus no mundo tornar-se-á uma realidade através dos gestos dos discípulos de Jesus DComprometidos com Jesus, os discípulos vencerão a injustiça e a opressão ("expulsarão os demónios em meu nome"), serão arautos da paz e do entendimento dos homens ("falarão novas línguas"), levarão a esperança e a vida nova a todos os que sofrem e que são prisioneiros da doença e do sofrimento ("quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados"); e, em todos os momentos, Jesus estará com eles, ajudando-os a vencer as contrariedades e as oposições.
    Na segunda cena (vers. 19), Jesus sobe ao céu e senta-Se à direita de Deus. A elevação de Jesus ao céu (ascensão) é uma forma de sugerir que, após o cumprimento da sua missão no meio dos homens, Jesus foi ao encontro do Pai e reentrou na comunhão do Pai.
    A intronização de Jesus "à direita de Deus" mostra, por sua vez, a veracidade da proposta de Jesus. Na concepção dos povos antigos, aquele que se sentava à direita de Deus era um personagem distinto, que o rei queria honrar de forma especial D Jesus, porque cumpriu com total fidelidade o projecto de Deus para os homens, é honrado pelo Pai e sentado à sua direita. A proposta que Jesus apresentou, que os discípulos acolheram e que vão ser chamados a testemunhar no mundo, não é uma aventura sem sentido e sem saída, mas é o projecto de salvação que Deus quer oferecer aos homens.
    Na terceira cena (vers. 20), descreve-se resumidamente a acção missionária dos discípulos: eles partiram (quer dizer, deixaram para trás as seguranças e afectos humanos por causa da missão) a pregar (quer dizer, a anunciar com palavras e com gestos concretos essa vida nova que Deus ofereceu aos homens através de Jesus) por toda a parte (propondo a todos os homens, sem excepção, a proposta salvadora de Deus).
    O autor desta catequese assegura aos discípulos que não estão sozinhos ao longo durante a missão DJesus, vivo e ressuscitado, está com eles, coopera com eles e manifesta-Se ao mundo nas palavras e nos gestos dos discípulos.
    A festa da Ascensão de Jesus é, sobretudo, o momento em que os discípulos tomam consciência da sua missão e do seu papel no mundo. A Igreja (a comunidade dos discípulos, reunida à volta de Jesus, animada pelo Espírito) é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio trazer aos homens.

    ACTUALIZAÇÃO
    + Jesus foi ao encontro do Pai, depois de uma vida gasta ao serviço do "Reino"; deixou aos seus discípulos a missão de anunciar o "Reino" e de torná-lo uma proposta capaz de renovar e de transformar o mundo. Celebrar a ascensão de Jesus significa, antes de mais, tomar consciência da missão que foi confiada aos discípulos e sentir-se responsável pela presença do "Reino" na vida dos homens. Estou consciente de que a Igreja - a comunidade dos discípulos de Jesus, a que eu pertenço também - é hoje a presença libertadora e salvadora de Jesus no meio dos homens? Como é que eu procuro testemunhar o "Reino" na minha vida de todos os dias - em casa, no trabalho ou na escola, na paróquia, na comunidade religiosa?
    + A missão que Jesus confiou aos discípulos é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas não podem ser obstáculos para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Tenho consciência de que a missão que foi confiada aos discípulos é uma missão universal? Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os homens - sem distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas - a anunciar-lhes a libertação, a salvação, a vida definitiva? Tenho consciência de que sou responsável pela vida, pela felicidade e pela liberdade de todos os meus irmãos - mesmo que eles habitem no outro lado do mundo?
    + Tornar-se discípulo é, em primeiro lugar, aprender os ensinamentos de Jesus - a partir das suas palavras, dos seus gestos, da sua vida oferecida por amor. É claro que o mundo do século XXI apresenta, todos os dias, desafios novos; mas os discípulos, formados na escola de Jesus, são convidados a ler os desafios que hoje o mundo coloca, à luz dos ensinamentos de Jesus. Preocupo-me em conhecer bem os ensinamentos de Jesus e em aplicá-los à vida de todos os dias?
    + No dia em que fui baptizado, comprometi-me com Jesus e vinculei-me com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A minha vida tem sido coerente com esse compromisso?
    + É um tremendo desafio testemunhar, hoje, no mundo os valores do "Reino" (esses valores que, muitas vezes, estão em contradição com aquilo que o mundo defende e que o mundo considera serem as prioridades da vida). Com frequência, os discípulos de Jesus são objecto da irrisão e do escárnio dos homens, porque insistem em testemunhar que a felicidade está no amor e no dom da vida; com frequência, os discípulos de Jesus são apresentados como vítimas de uma máquina de escravidão, que produz escravos, alienados, vítimas do obscurantismo, porque insistem em testemunhar que a vida plena está no perdão, no serviço, na entrega da vida. O confronto com o mundo gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustraçãoDNos momentos de decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de Jesus: "Eu estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA ASCENSÃO (adaptadas de "Signes d'eujcurd'hui"}

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 6° Domingo da Ascensão, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemploDEscolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosaD Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de DeusD

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Estar com o RessuscitadoO Jesus ressuscitado apareceu aos seus Apóstolos e manifestou-Se de modo diferente, consoante a sua fé lhes permitia reconhecê-I'O. Agora que eles O viram, escutaram e tocaram, Ele podia desaparecer aos seus olhos. Doravante, é com os olhos da fé que O verão. Mas Cristo quer assegurar-lhes a sua presença, uma outra presença, mas real: "o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam". Assim, os Apóstolos tomam-se "cheios de poder" e "porta-vozes" de Cristo, mas os seus actos são ao mesmo tempo actos de Cristo, as palavras que pronunciam são ao mesmo tempo palavras do seu Mestre. Ele está com eles até ao fim dos tempos. Os Apóstolos desapareceram, a Igreja permanece e o Ressuscitado está sempre com ela, trabalha connosco e confirma as nossas palavras. É necessário que também nós estejamos com EleO

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Olhar para o céu Oe partir! No livro dos Actos, Lucas diz que os Apóstolos, vendo Jesus elevar-Se à vista delesOestavam de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava. E que se apresentaram dois homens vestidos de branco, que disseram:
    "Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu?" Conhecemos bem esta tentação de "ficar aí", aqui e agora. Dito de outro modo: mantermo-nos e, se possível, instalarmo-nos naquilo que temos, naquilo que somos. É mais seguro apoiarmo-nos na nossa experiência, não mudando os nossos hábitos, as nossas opiniões! Os Apóstolos passaram por isso! Eles imaginaram que a sua aventura duraria muito tempo, que poderiam instalar-se no reino que Jesus iria certamente estabelecer. Com o convite do Ressuscitado a irem pelo mundo inteiro pregar a Boa Nova, com a pergunta dos anjos, eles têm que partir, deixar os seus hábitos, o seu cantinho de terra. Que transformação! Não poderão mais parar. Devem ir até aos confins da terra. No seguimento dos Apóstolos, os cristãos não podem instalar-se. A Igreja não pode parar nem fixar-se num momento do tempo, muito menos andar para trás. Não basta olhar para o céu para encontrar solução para os problemas. Acabou a nostalgia do passado. Os cristãos devem ser homens do seu tempo, sem medo das novidades. Jesus lança-nos para lá das nossas rotinas, para que inventemos hoje os meios de tornar compreensível a Boa Nova, como os Apóstolos souberam fazê-lo, ao irem para além da Lei de Moisés. Os cristãos? Homens que se deixam levar pelo grande sopro do Espíritoo

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUEO
    SinaisONão é evidente, é certo, termos sinais tangíveis e visíveis da nossa acção apostólica O Entretanto, de tempos a tempos, Deus concede-nos esses sinais. Procurando bem, procuremos anotá-los e dar graças deles: uma palavra de agradecimento que nos surpreendeu pela sua verdade, um encorajamento recebido de alguém que pudemos ajudar a retomar o caminhoO

    Grupo Dinamizador
    Pe. Joaquim Garrido - Pe. Manuel Barbosa - Pe. Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos) Rua Cidade de Tele, 10:: 1800-129 Lisboa - Portugal
    Tel: 218 540 900:: Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • Nossa Senhora de Fátima

    Nossa Senhora de Fátima


    13 de Maio, 2024

    A 13 de Maio de 1917, Nossa Senhora apareceu aos Três Pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta. Nos meses seguintes, até Outubro inclusive, a Virgem Maria voltaria a manifestar-se nos dias 13, exceto em Agosto, quando se manifestou no dia 19, nos Valinhos. Nesses encontros, Nossa Senhora recordou, em linguagem muito simples, acessível aos pastorinhos, as verdades fundamentais do Evangelho. A sua mensagem pode resumir-se nos termos de "oração e penitência", oração e conversão. As aparições foram reconhecidas pela Igreja como dignas de fé. Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI foram peregrinos de Fátima.
    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 21, 1-5a

    Eu, João, vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia. 2E vi descer do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, já preparada, qual noiva adornada para o seu esposo. 3E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia:«Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo e o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. 4Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas passaram.» 5O que estava sentado no trono afirmou: «Eu renovo todas as coisas.»

    A grande utopia da ressurreição do homem e do mundo chegará a ser realidade. A cidade nova não tem nada da antiga: nem da Jerusalém israelita, nem sequer da Igreja cristã. É algo de novo que integra aquilo que o antigo tinha de melhor numa espécie de continuidade descontínua. João admira-se de não haver templo na cidade nova. Para o cristianismo, todo o universo é templo: Deus pode revelar-se onde quiser.
    A liturgia aplica este texto a Maria. Deus revelou-se nela. Ela foi a verdadeira Arca de Deus no meio do seu povo. Glorificada no Céu, não esquece aqueles que lhe foram confiados como filhos. Daí, as suas numerosas intervenções ao longo da história, como as de Fátima, em 1917. Ela faz tudo para que, em cada um dos seus filhos, se realize o que já se realizou n´Ela.

    Evangelho: João 19, 25-27

    Naquele tempo, estavam junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua mãe e a irmã da sua mãe, Maria, a mulher de Clopas, e Maria Madalena. 26Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: «Mulher, eis o teu filho!» 27Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua.

    A mãe de Jesus aparece no princípio e no fim da vida pública de Jesus, ou seja, nas bodas de caná (Jo 2, 1ss.) e junto à cruz do Senhor (Jo 19, 1ss.). Nas bodas de Caná, Jesus dirige-lhe palavras que devem entender-se no sentido de separação: Jesus diz-lhe que não intervenha na fase da sua vida pública, que estava a iniciar. A partir desse momento, Maria como que desaparece de cena. Mas, agora que chegou a hora de Jesus, Maria reaparece, pois é também a sua hora. Em ambas as situações Jesus se lhe dirige chamando-a "mulher" e não mãe, como seria normal. O Senhor parece querer apresentá-la como a mulher estreitamente unida a Ele na realização da obra da redenção, a mulher de que se fala no Génesis (Gn 3, 15) e no Apocalipse (Ap 12). As palavras que Jesus dirige a Maria: "Eis o teu filho!" têm um sentido mais profundo do que o imediatamente literal. A Igreja encarregou-se de aprofundá-lo. O afeto e a relação maternal - a maternidade espiritual de Maria - concentrar-se-ão naqueles por quem o seu Filho está a dar a vida. João personifica todos os seguidores de Jesus. Segundo a teologia paulina, os crentes são "irmãos" de Cristo, participantes da sua filiação.

    Meditatio
    "Por ocasião das cerimónias religiosas que têm lugar nestes dias em Fátima, Portugal, em honra da Virgem Mãe de Deus, onde acorrem numerosas multidões de fiéis para venerarem o seu coração maternal e compassivo, desejamos mais uma vez chamar a atenção de todos os filhos da Igreja para o inseparável vínculo que existe entre a maternidade espiritual de Maria e os deveres que têm para com Ela os homens resgatados. Julgamos ser de grande utilidade para as almas dos fiéis considerar duas verdades muito importantes para a renovação da vida cristã. A primeira verdade é esta: Maria é Mãe da Igreja, não só por ser Mãe de Jesus Cristo e sua íntima colaboradora na nova economia da graça, quando o Filho de Deus n'Ela assumiu a natureza humana para libertar o homem do pecado mediante os mistérios da sua carne, mas também porque brilha à comunidade dos eleitos como admirável modelo de virtude. Depois de ter participado no sacrifício redentor de seu Filho, e de maneira tão íntima que mereceu ser por Ele proclamada Mãe não somente do discípulo João, mas - seja consentido afirmá-lo - do género humano, por este de algum modo representado, Ela continua agora no Céu a desempenhar a sua função materna de cooperadora no nascimento e desenvolvimento da vida divina em cada alma dos homens remidos. Mas de que modo coopera Maria no crescimento da vida da graça nos membros do Corpo Místico? Antes de tudo, pela sua oração incessante, inspirada por uma ardentíssima caridade. A Virgem Santa, de facto, gozando embora da contemplação da Santíssima Trindade, não esquece os seus filhos que caminham, como Ela outrora, na peregrinação da fé; pelo contrário, contemplando-os em Deus e conhecendo bem as suas necessidades, em comunhão com Jesus Cristo que está sempre vivo para interceder por nós, deles se constitui Advogada, Auxiliadora, Amparo e Medianeira. No entanto, a cooperação da Mãe da Igreja no desenvolvimento da vida divina nas almas não consiste apenas na sua intercessão junto do Filho. Ela exerce sobre os homens remidos outra influência importantíssima, a do exemplo, segundo a conhecida máxima: as palavras movem, o exemplo arrasta. Realmente, tal como os ensinamentos dos pais adquirem maior eficácia quando são acompanhados pelo exemplo duma vida conforme as normas da prudência humana e cristã, assim também a suavidade e o encanto das excelsas virtudes da Imaculada Mãe de Deus atraem irresistivelmente as almas para a imitação do divino modelo, Jesus Cristo, de que Ela foi a mais perfeita imagem. Mas nem a graça do divino Redentor nem a poderosa intercessão de sua e nossa Mãe espiritual poderiam conduzir-nos ao porto da salvação, se a tudo isso não correspondesse a nossa perseverante vontade de honrar Jesus Cristo e a Virgem Mãe de Deus com a fiel imitação das suas sublimes virtudes. É, pois, dever de todos os cristãos imitar religiosamente os exemplos de bondade que lhes deixou a Mãe do Céu. É esta a segunda verdade sobre a qual nos agrada chamar a vossa atenção. É em Maria que os cristãos podem admirar o exemplo que lhes mostra como realizar, com humildade e magnanimidade, a missão que Deus confiou a cada um neste mundo, em ordem à sua eterna salvação e à do próximo. Uma mensagem de suma utilidade parece chegar hoje aos fiéis da parte d'Aquela que é a Imaculada, a toda santa, a cooperadora do Filho na restauração da vida sobrenatural das almas. A santa contemplação de Maria incita-os, de facto, à oração confiante, à prática da penitência, ao santo temor de Deus, e recorda-lhes com frequência aquelas palavras com que Jesus Cristo anunciava estar perto o reino dos Céus: Arrependei-vos e acreditai no Evangelho, bem como a sua severa advertência: Se não vos arrependerdes, perecereis todos de maneira semelhante. Comemorando-se este ano o vigésimo quinto aniversário da solene consagração da Igreja a Maria Mãe de Deus e ao seu Coração Imaculado, feita pelo Nosso Predecessor Pio XII no dia 31 de Outubro de 1942, por ocasião da Radiomensagem à Nação Portuguesa - consagração que Nós mesmo renovámos no dia 21 de Novembro de 1964 - exortamos todos os filhos da Igreja a renovar pessoalmente a sua própria consagração ao Coração Imaculado da Mãe da Igreja e a viver este nobilíssimo ato de culto com uma vida cada vez mais conforme à vontade divina, em espírito de serviço filial e devota imitação da sua celeste Rainha. (Paulo VI, 13 de Maio de 1967).

    Oratio

    Pai Santo, nós vos louvamos e bendizemos, ao celebrarmos a festa da Virgem Santa Maria. Recebendo o vosso Verbo em seu Coração Imaculado, ela mereceu concebê-lo em seu seio virginal e, dando à luz o Criador do universo, preparou o nascimento da Igreja. Junto à cruz, aceitou o testamento da caridade divina e recebeu todos os homens como seus filhos, pela morte de Cristo gerados para a vida eterna. Enquanto esperava, com os Apóstolos, a vinda do Espírito Santo, associando-se às preces dos discípulos, tornou-se modelo admirável da Igreja em oração. Elevada à glória do Céu, assiste com amor materno a Igreja ainda peregrina sobre a terra, protegendo misericordiosamente os seus passos a caminho da pátria celeste, enquanto espera a vinda gloriosa do Senhor. Nós vos louvamos e bendizemos, Senhor! Ámen. (cf. Prefácio da Missa).

    Contemplatio

    Ó Coração sagrado do meu Jesus, eu vos adoro e vos dou graças infinitas por terdes dirigido para a minha salvação o martírio que suportastes à vista dos sofrimentos do santíssimo Coração de Maria ao pé da cruz, porque ma destes como soberana e como mãe. Tal é o vosso amor por mim que lhe pedistes para me tomar como seu filho em vosso lugar, para me amar, para ter compaixão das minhas misérias, para me assistir, para me proteger, para me guardar e para me governar como seu filho. Talvez, ó meu Salvador, não encontrastes maior consolação para a vossa divina Mãe do que dar-lhe filhos perversos e pecadores, a fim de que ela empregue o seu poder e a imensa caridade do seu Coração em conseguir a sua conversão e salvação. Sede bendito e louvado para sempre, ó Coração sagrado do meu Redentor, por terdes querido que nenhum dos vossos sofrimentos, e os de vossa santa Mãe, fosse perdido por mim, mas que todos servissem para curar as minhas feridas e enriquecer-me com verdadeiros bens. (Leão Dehon, OSP 4, p. 262s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Esta é a morada de Deus entre os homens." (Ap 21, 3).

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    Nossa Senhora de Fátima  (13 Maio)

  • S. Matias

    S. Matias


    14 de Maio, 2024

    S. Matias não pertencia ao grupo dos Doze escolhidos por Jesus para seus companheiros e mensageiros (Mc 3, 14). Mas provavelmente era um dos setenta e dois discípulos que Jesus enviou em missão (Lc 10, 1ss.). De qualquer modo, como firma S. Pedro, estava entre aqueles que, após o batismo de Jesus por João Batista, não tinham deixado de acompanhar os Apóstolos e haviam sido testemunhas da Ressurreição (At 1, 22-23). Quando após a Ascensão se tornou necessário escolher um substituto para Judas, Matias foi agregado ao Colégio Apostólico. O seu nome encontra-se no segundo elenco do Cânon Romano.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos dos Apóstolos 1, 15-17, 20-26

    Por aqueles dias, Pedro levantou-se no meio dos irmãos - encontravam-se reunidas cerca de cento e vinte pessoas - e disse: 16«Irmãos, era necessário que se cumprisse o que o Espírito Santo anunciou na Escritura pela boca de David a respeito de Judas, que foi o guia dos que prenderam Jesus. 20Está realmente escrito no Livro dos Salmos:'Fique deserta a sua habitação e não haja quem nela resida'. E ainda: 'Receba outro o seu encargo.'21Portanto, de entre os homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu no meio de nós, 22a partir do baptismo de João até ao dia em que nos foi arrebatado para o Alto, é indispensável que um deles se torne, connosco, testemunha da sua ressurreição.»23Designaram dois: José, de apelido Barsabas, chamado Justo, e Matias. 24Fizeram, então, a seguinte oração: «Senhor, Tu que conheces o coração de todos, indica-nos qual destes dois escolheste  25para ocupar, no ministério apostólico, o lugar abandonado por Judas, que foi para o lugar que merecia.» 26Depois, tiraram à sorte, e a sorte caiu em Matias, que foi incluído entre os onze Apóstolos.

    Pedro, ao iniciar o seu ministério, preocupa-se em recompor o número dos apóstolos, - Doze -, explicando à comunidade as motivações de tal preocupação. Para entrar no Colégio Apostólico, o candidato deve ter partilhado as experiências do ministério público de Jesus. Exige-o o testemunho eficaz da Ressurreição do Senhor. Para o cristão, a fé enxerta-se na história e a história abre-se a Deus que visita e salva. A oração dos Apóstolos (vv. 24-25) sugere claramente que a escolha não é obra deles, mas é confiada à vontade e à intervenção do Senhor.

    Segunda leitura: João 15, 9-17

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. 10Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, também permaneço no seu amor. 11Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa. 12É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. 13Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos. 14Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. 15Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. 16Não fostes vós que me escolhes-tes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. 17É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros.

    O apóstolo partilha a missão de Jesus, que o escolhe e envia. Mas, ainda antes disso, Jesus e os seus discípulos partilham o mesmo amor que Deus, o Pai, lhes deu. O primeiro dever do apóstolo é permanecer no amor, no amor de Jesus para com ele, e no amor de Jesus para com o Pai. É viver na comunhão simultaneamente horizontal e vertical, isto é, com os irmãos na fé e com Deus, meta última do nosso amor. O discípulo de Jesus, porque se sente amado e partilha com Jesus o amor do Pai, sabe que tem um mandamento a observar, o mandamento do amor. Este mandamento não inibe a nossa liberdade, mas exalta-a. O verdadeiro discípulo de Jesus tem plena consciência de ser seu amigo, e sente-se chamado a viver essa amizade "até ao fim", até ao dom de si mesmo.

    Meditatio

    S. Matias foi escolhido para ser amigo de Jesus e seu apóstolo. Como aos Onze, que restavam do Colégio Apostólico, Jesus diz: "És meu amigo, se fizeres o que Eu te mando." (cf. v. 14). Os temas do mandamento e o do amor repetem-se, hoje, no evangelho: "Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor." (vv. 9-10); "É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei." (v. 12). Esta insistência no mandamento, a propósito do amor, pode causar-nos estranheza. O amor, pensamos, só pode ser livre, uma vez que é algo de espontâneo e se desenvolve por leis próprias. Não são precisos mandamentos para o observar. Mas o cristão sabe que o verdadeiro amor não é pura espontaneidade, mas dom de Deus, derramado nos nossos corações. Para Jesus o verdadeiro amor leva a cumprir a vontade do outro: "Eu tenho guardado os mandamentos do meu Pai, e permaneço no seu amor" cf. (v. 10). Para amar o Pai, Jesus vive em permanente adesão à sua vontade. O Pai, e Jesus, querem que também nós amemos. Trata-se de uma espécie de círculo, que não é vicioso, mas de progresso no amor. A verdadeira adesão à vontade de Deus realiza-se no amor e, para que o nosso amor progrida, é preciso que seja adesão à vontade divina. Esta é a lei fundamental da vida espiritual: para amar, procuramos a vontade de Jesus, a vontade do Pai; procurando e cumprindo esta vontade, progredimos no amor.
    A oblação de amor, a que somos chamados, como dehonianos, concretiza-se na obediência amorosa à vontade de Deus. Lemos nas Constituições: "Jesus submeteu-Se amorosamente à vontade do Pai: disponibilidade particularmente manifesta na sua atenção e abertura às necessidades e aspirações dos homens. "O meu alimento é fazer a vontade d'Aquele que Me enviou e realizar a sua obra" (Jo 4,34). Queremos, a seu exemplo, pela profissão da obediência, fazer o sacrifício de nós mesmos a Deus e unir-nos, de uma maneira mais firme, à sua vontade de salvação". (Cst 53).

    Oratio

    Senhor Jesus, quero ser teu amigo. Não olhes para os meus méritos, mas para a misericórdia do teu coração. Perdoa o meu pecado e olha-me com predileção. Sei que precisas de colaboradores livres e alegres. Quero ser um deles. Tenho muito que aprender de ti e tu tens muito para me ensinar e entregar. Eis-me aqui! Quero ser teu amigo, um dos teus prediletos, um daqueles a quem confias quanto tens no coração e, como tu, fazer em tudo a vontade do Pai. Ámen.

    Contemplatio

    É preciso, diz S. Pedro, substituir o traidor e escolher um outro apóstolo. Procuremos, portanto, um discípulo fiel, um discípulo que tenha estado todo o tempo connosco, desde o começo da vida pública do Salvador até à sua morte. E escolheram dois, os mais fiéis, os mais zelosos discípulos do Salvador, José Barsabas, chamado o Justo, e Matias. Este não tinha o sobrenome de Justo, mas tinha a sua reputação. Ambos tinham seguido assiduamente o Salvador; não o tinham deixado; tinha escutado e posto em prática os seus ensinamentos. Eram os mais dedicados, os mais assíduos, os mais fiéis depois dos doze. Tinham visto tudo, ouvido tudo, meditado tudo... Podiam receber a imposição das mãos, o sacerdócio, o carácter episcopal e a missão apostólica. Mas, qual dos dois vão escolher? ... S. Pedro tem a piedosa inspiração de confiar a escolha a Deus reportando-se à sorte. E a sorte caiu em Matias. É, portanto, ele o fiel por excelência, o discípulo perfeito, que melhor ensinará a doutrina de Cristo e que melhor reproduzirá as virtudes do seu divino Coração. Se quero ter os favores divinos, eis o caminho: seguir fielmente Jesus, meditar em todos os seus mistérios, do começo até ao fim, deixar-me compenetrar dos sentimentos do seu Coração sagrado e reproduzir as suas virtudes. (Leão Dehon, OSP 3, p. 213).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Permanecei no meu amor" (Jo 15, 9).

    (14 maio)

  • Solenidade do Pentecostes - Ano B

    Solenidade do Pentecostes - Ano B

    19 de Maio, 2024

    ANO A
    SOLENIDADE DO PENTECOSTES

    Tema do Domingo de Pentecostes

    O tema deste domingo é, evidentemente, o Espírito Santo. Dom de Deus a todos os crentes, o Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Homem Novo.
    O Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, nova, a partir do dom do Espírito. É o Espírito que permite aos crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que Jesus viveu até às últimas consequências.
    Na primeira leitura, Lucas sugere que o Espírito é a lei nova que orienta a caminhada dos crentes. É Ele que cria a nova comunidade do Povo de Deus, que faz com que os homens sejam capazes de ultrapassar as suas diferenças e comunicar, que une numa mesma comunidade de amor, povos de todas as raças e culturas.
    Na segunda leitura, Paulo avisa que o Espírito é a fonte de onde brota a vida da comunidade cristã. É Ele que concede os dons que enriquecem a comunidade e que fomenta a unidade de todos os membros; por isso, esses dons não podem ser usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao serviço de todos.

    LEITURA I - Actos 2,1-11

    Leitura dos Actos dos Apóstolos

    Quando chegou o dia de Pentecostes,
    os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar.
    Subitamente, fez se ouvir, vindo do Céu,
    um rumor semelhante a forte rajada de vento,
    que encheu toda a casa onde se encontravam.
    Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
    que se iam dividindo,
    e poisou uma sobre cada um deles.
    Todos ficaram cheios do Espírito Santo
    e começaram a falar outras línguas,
    conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem.
    Residiam em Jerusalém judeus piedosos,
    procedentes de todas as nações que há debaixo do céu.
    Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu se
    e ficou muito admirada,
    pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua.
    Atónitos e maravilhados, diziam:
    «Não são todos galileus os que estão a falar?
    Então, como é que os ouve cada um de nós
    falar na sua própria língua?
    Partos, medos, elamitas,
    habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
    do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília,
    do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene,
    colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos,
    cretenses e árabes,
    ouvimo los proclamar nas nossas línguas
    as maravilhas de Deus».

    AMBIENTE

    Já vimos, no comentário aos textos dos domingos anteriores, que o livro dos "Actos" não pretende ser uma reportagem jornalística de acontecimentos históricos, mas sim ajudar os cristãos - desiludidos porque o "Reino" não chega - a redescobrir o seu papel e a tomar consciência do compromisso que assumiram, no dia do seu baptismo.
    No que diz respeito ao texto que nos é proposto e que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes, não existem dúvidas de que é uma construção artificial, criada por Lucas com uma clara intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens, aos símbolos, à linguagem poética das metáforas. Resta-nos descodificar os símbolos para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva, pela palavra de Lucas, nos deixa. Uma interpretação literal deste relato seria, portanto, uma boa forma de passarmos ao lado do essencial da mensagem; far-nos-ia reparar na roupagem exterior, no folclore, e ignorar o fundamental. Ora, o interesse fundamental do autor é apresentar a Igreja como a comunidade que nasce de Jesus, que é assistida pelo Espírito e que é chamada a testemunhar aos homens o projecto libertador do Pai.

    MENSAGEM

    Antes de mais, Lucas coloca a experiência do Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma festa judaica, celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma festa agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, no séc. I, tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas sugere que o Espírito é a lei da nova aliança (pois é Ele que, no tempo da Igreja, dinamiza a vida dos crentes) e que, por Ele, se constitui a nova comunidade do Povo de Deus - a comunidade messiânica, que viverá da lei inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo (cf. Ez 36,26-28).
    Vem, depois, a narrativa da manifestação do Espírito (Act 2,2-4). O Espírito é apresentado como "a força de Deus", através de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus (cf. Ex 19,16.18; Dt 4,36). Estes símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao encontro do homem, comunica com o homem e que, dando ao homem o Espírito, constitui a comunidade de Deus.
    O Espírito (força de Deus) é apresentado em forma de língua de fogo. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de criar comunidade. "Falar outras línguas" é criar relações, é a possibilidade de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização... Aqui, temos o reverso de Babel (cf. Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram o orgulho, a ambição desmedida que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde a acção de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.
    É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito (cf. Act 2,5-13): todos "os ouviam proclamar na sua própria língua as maravilhas de Deus". O elenco dos povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaan, pela Ásia Menor, pelo norte de África, até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus, que faz de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de Jesus é assim capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel. A possibilidade de
    ouvir na própria língua "as maravilhas de Deus" outra coisa não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal. Sem deixarem a sua cultura e as suas diferenças, todos os povos escutarão a proposta de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse amor e essa comunhão que tornam povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações da terra.
    O Pentecostes dos "Actos" é, podemos dizê-lo, a página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da acção das "testemunhas" de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da acção do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes indicações:

    • Temos, neste texto, os elementos essenciais que definem a Igreja: uma comunidade de irmãos reunidos por causa de Jesus, animada pelo Espírito do Senhor ressuscitado e que testemunha na história o projecto libertador de Jesus. Desse testemunho resulta a comunidade universal da salvação, que vive no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e étnicas. A Igreja de que fazemos parte é uma comunidade de irmãos que se amam, apesar das diferenças? Está reunida por causa de Jesus e à volta de Jesus? Tem consciência de que o Espírito está presente e que a anima? Testemunha, de forma efectiva e coerente, a proposta libertadora que Jesus deixou?

    • Nunca será demais realçar o papel do Espírito na tomada de consciência da identidade e da missão da Igreja... Antes do Pentecostes, tínhamos apenas um grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume como comunidade de amor e de liberdade. Temos consciência de que é o Espírito que nos renova, que nos orienta e que nos anima? Damos suficiente espaço à acção do Espírito, em nós e nas nossas comunidades?

    • Para se tornar cristão, ninguém deve ser espoliado da própria cultura: nem os africanos, nem os europeus, nem os sul-americanos, nem os negros, nem os brancos; mas todos são convidados, com as suas diferenças, a acolher esse projecto libertador de Deus, que faz os homens deixarem de viver de costas voltadas, para viverem no amor. A Igreja de que fazemos parte é esse espaço de liberdade e de fraternidade? Nela todos encontram lugar e são acolhidos com amor e com respeito - mesmo os de outras raças, mesmo aqueles de quem não gostamos, mesmo aqueles que não fazem parte do nosso círculo, mesmo aqueles que a sociedade marginaliza e afasta?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 103 (104)

    Refrão 1: Enviai, Senhor, o vosso Espírito
    e renovai a face da terra.

    Refrão 2: Mandai, Senhor, o vosso Espírito
    e renovai a terra.

    Refrão 3: Aleluia.

    Bendiz, ó minha alma, o Senhor.
    Senhor, meu Deus, como sois grande!
    Como são grandes, Senhor, as vossas obras!
    A terra está cheia das vossas criaturas.

    Se lhes tirais o alento, morrem
    e voltam ao pó donde vieram.
    Se mandais o vosso espírito, retomam a vida
    e renovais a face da terra.

    Glória a Deus para sempre!
    Rejubile o Senhor nas suas obras.
    Grato Lhe seja o meu canto
    e eu terei alegria no Senhor.

    LEITURA II - 1 Cor 12,3b-7.12-13

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor»
    a não ser pela acção do Espírito Santo.
    De facto, há diversidade de dons espirituais,
    mas o Senhor é o mesmo.
    Há diversas operações,
    mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
    Em cada um se manifestam os dons do Espírito
    para o bem comum.
    Assim como o corpo é um só e tem muitos membros
    e todos os membros, apesar de numerosos,
    constituem um só corpo,
    assim também sucede com Cristo.
    Na verdade, todos nós
    – judeus e gregos, escravos e homens livres –
    fomos baptizados num só Espírito,
    para constituirmos um só Corpo.
    E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.

    AMBIENTE

    A comunidade cristã de Corinto era viva e fervorosa, mas não era uma comunidade exemplar no que diz respeito à vivência do amor e da fraternidade: os partidos, as divisões, as contendas e rivalidades perturbavam a comunhão e constituíam um contra-testemunho. As questões à volta dos "carismas" (dons especiais concedidos pelo Espírito a determinadas pessoas ou grupos para proveito de todos) faziam-se sentir com especial acuidade: os detentores desses dons carismáticos consideravam-se os "escolhidos" de Deus, apresentavam-se como "iluminados" e assumiam com frequência atitudes de autoritarismo e de prepotência que não favorecia a fraternidade e a liberdade; por outro lado, os que não tinham sido dotados destes dons eram desprezados e desclassificados, considerados quase como "cristãos de segunda", sem vez nem voz na comunidade.
    Paulo não pode ignorar esta situação. Na Primeira Carta aos Coríntios, ele corrige, admoesta, dá conselhos, mostra a incoerência destes comportamentos, incompatíveis com o Evangelho. No texto que nos é proposto, Paulo aborda a questão dos "carismas".

    MENSAGEM

    Em primeiro lugar, Paulo acha que é preciso saber ajuizar da validade dos dons carismáticos, para que não se fale em "carismas" a propósito de comportamentos que pretendem apenas garantir os privilégios de certas figuras. Segundo Paulo, o verdadeiro "carisma" é o que leva a confessar que "Jesus é o Senhor" (pois não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito) e que é útil para o bem da comunidade.
    De resto, é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que actua em todos; que apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em todos; que apesar da diversidade de acções, é o mesmo Deus que age em todos. Não há, portanto, "cristãos de primeira" e "cristãos de segunda". O que é importante é que os dons do Espírito resultem no bem de todos e sejam usados - não para melhorar a própria posição ou o próprio "ego" - mas para o bem de toda a comunidade.
    Paulo conclui o seu raciocínio comparando a
    comunidade cristã a um "corpo" com muitos membros. Apesar da diversidade de membros e de funções, o "corpo" é um só. Em todos os membros circula a mesma vida, pois todos foram baptizados num só Espírito e "beberam" um único Espírito.
    O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que alimenta e que dá vida ao "corpo de Cristo"; dessa forma, Ele fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros que formam a comunidade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir e actualizar a Palavra, considerar os seguintes elementos:

    • Temos todos consciência de que somos membros de um único "corpo" - o corpo de Cristo - e é o mesmo Espírito que nos alimenta, embora desempenhemos funções diversas (não mais dignas ou mais importantes, mas diversas). No entanto, encontramos, com alguma frequência, cristãos com uma consciência viva da sua superioridade e da sua situação "à parte" na comunidade (seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas "qualidades" humanas), que gostam de mandar e de fazer-se notar. Às vezes, vêem-se atitudes de prepotência e de autoritarismo por parte daqueles que se consideram depositários de dons especiais; às vezes, a Igreja continua a dar a impressão - mesmo após o Vaticano II - de ser uma pirâmide no topo da qual há uma elite que preside e toma as decisões e em cuja base está o rebanho silencioso, cuja função é obedecer. Isto faz algum sentido, à luz da doutrina que Paulo expõe?

    • Os "dons" que recebemos não podem gerar conflitos e divisões, mas devem servir para o bem comum e para reforçar a vivência comunitária. As nossas comunidades são espaços de partilha fraterna, ou são campos de batalha onde se digladiam interesses próprios, atitudes egoístas, tentativas de afirmação pessoal?

    • É preciso ter consciência da presença do Espírito: é Ele que alimenta, que dá vida, que anima, que distribui os dons conforme as necessidades; é Ele que conduz as comunidades na sua marcha pela história. Ele foi distribuído a todos os crentes e reside na totalidade da comunidade. Temos consciência da presença do Espírito e procuramos ouvir a sua voz e perceber as suas indicações? Temos consciência de que, pelo facto de desempenharmos esta ou aquela função, não somos as únicas vozes autorizadas a falar em nome do Espírito?

    SEQUÊNCIA DO PENTECOSTES

    Vinde, ó santo Espírito,
    vinde, Amor ardente,
    acendei na terra
    vossa luz fulgente.

    Vinde, Pai dos pobres:
    na dor e aflições,
    vinde encher de gozo
    nossos corações.

    Benfeitor supremo
    em todo o momento,
    habitando em nós
    sois o nosso alento.

    Descanso na luta
    e na paz encanto,
    no calor sois brisa,
    conforto no pranto.

    Luz de santidade,
    que no Céu ardeis,
    abrasai as almas
    dos vossos fiéis.

    Sem a vossa força
    e favor clemente,
    nada há no homem
    que seja inocente.

    Lavai nossas manchas,
    a aridez regai,
    sarai os enfermos
    e a todos salvai.

    Abrandai durezas
    para os caminhantes,
    animai os tristes,
    guiai os errantes.

    Vossos sete dons
    concedei à alma
    do que em Vós confia:

    Virtude na vida,
    amparo na morte,
    no Céu alegria.

    ALELUIA

    Aleluia. Aleluia.

    Vinde, Espírito Santo,
    enchei os corações dos vossos fiéis
    e acendei neles o fogo do vosso amor.

    EVANGELHO - Jo 20,19-23

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
    estando fechadas as portas da casa
    onde os discípulos se encontravam,
    com medo dos judeus,
    veio Jesus, colocou Se no meio deles e disse lhes:
    «A paz esteja convosco».
    Dito isto, mostrou lhes as mãos e o lado.
    Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
    Jesus disse lhes de novo:
    «A paz esteja convosco.
    Assim como o Pai Me enviou,
    também Eu vos envio a vós».
    Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
    «Recebei o Espírito Santo:
    àqueles a quem perdoardes os pecados ser lhes ão perdoados;
    e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».

    AMBIENTE

    Este texto (lido já no segundo domingo da Páscoa) situa-nos no cenáculo, no próprio dia da ressurreição. Apresenta-nos a comunidade da nova aliança, nascida da acção criadora e vivificadora do Messias. No entanto, esta comunidade ainda não se encontrou com Cristo ressuscitado e ainda não tomou consciência das implicações da ressurreição. É uma comunidade fechada, insegura, com medo... Necessita de fazer a experiência do Espírito; só depois, estará preparada para assumir a sua missão no mundo e dar testemunho do projecto libertador de Jesus.
    Nos "Actos", Lucas narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa (sem dúvida por razões teológicas e para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do Pentecostes, a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus); mas João situa no anoitecer do dia de Páscoa a recepção do Espírito pelos discípulos.

    MENSAGEM

    João começa por pôr em relevo a situação da comunidade. O "anoitecer", as "portas fechadas", o "medo" (vers. 19 a), são o quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar.
    Entretanto, Jesus aparece "no meio deles" (vers. 19b). João indica desta forma que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
    Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes "a paz" ("shalom", em hebraico). A "paz" é um dom messiânico; mas, neste contexto, significa, sobretudo, a transmissão da serenidade, da tranquilidade, da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a insegurança: a partir de agora, nem o sofrimento, nem a morte, nem a hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado está "no meio deles".
    Em seguida, Jesus "mostrou-lhes as mãos e o lado". São os "sinais" que evocam a entrega de Jesus, o amor to
    tal expresso na cruz. É nesses "sinais" (na entrega da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue) que os discípulos reconhecem Jesus. O facto de esses "sinais" permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.
    Vem, depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila (João utiliza, aqui, precisamente o mesmo verbo do texto grego de Gn 2,7). Com o "sopro" de Deus de Gn 2,7, o homem tornou-se um "ser vivente"; com este "sopro", Jesus transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o Homem Novo. Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados - como Jesus - para fazerem da sua vida um dom de amor aos homens. Animados pelo Espírito, eles formam a comunidade da nova aliança e são chamados a testemunhar - com gestos e com palavras - o amor de Jesus.
    Finalmente, Jesus explicita qual a missão dos discípulos (ver. 23): a eliminação do pecado. As palavras de Jesus não significam que os discípulos possam ou não - conforme os seus interesses ou a sua disposição - perdoar os pecados. Significam, apenas, que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos os homens. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte (isto é, de pecado). A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta de salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes coordenadas:

    • A comunidade cristã só existe de forma consistente, se está centrada em Jesus. Jesus é a sua identidade e a sua razão de ser. É n'Ele que superamos os nossos medos, as nossas incertezas, as nossas limitações, para partirmos à aventura de testemunhar a vida nova do Homem Novo. As nossas comunidades são, antes de mais, comunidades que se organizam e estruturam à volta de Jesus? Jesus é o nosso modelo de referência? É com Ele que nos identificamos, ou é num qualquer ídolo de pés de barro que procuramos a nossa identidade? Se Ele é o centro, a referência fundamental, têm algum sentido as discussões acerca de coisas não essenciais, que às vezes dividem os crentes?

    • Identificar-se como cristão significa dar testemunho diante do mundo dos "sinais" que definem Jesus: a vida dada, o amor partilhado. É esse o testemunho que damos? Os homens do nosso tempo, olhando para cada cristão ou para cada comunidade cristã, podem dizer que encontram e reconhecem os "sinais" do amor de Jesus?

    • As comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço simples e humilde... É Ele que nos faz vencer os medos, superar as cobardias e fracassos, derrotar o cepticismo e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus questionamentos.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DO PENTECOSTES
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo do Pentecostes, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. EVIDENCIAR OS CARISMAS.
    O Pentecostes é a festa do nascimento da Igreja. Seria, pois, importante fazer uma liturgia em que aos variados carismas pudessem aparecer. Seria necessário pensar em fazer-se apelo aos talentos de leitores, de salmista, de músico, de director do canto, de decorador, etc... Importa que a assembleia apareça como una e diversa.

    3. NÃO OMITIR A SEQUÊNCIA.
    Não omitir a sequência de Pentecostes depois da segunda leitura e antes da aclamação ao Evangelho. Pode ser lida por duas pessoas (com um fundo musical) ou, melhor ainda, cantada.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Deus de luz e de vida, sopro criador e fogo de amor. Nós Te louvamos pelo dom do teu Espírito, que chama todos os povos da terra a proclamar, cada um na sua língua, as maravilhas da tua bondade.
    Nós Te pedimos por todos os membros do teu Povo: torna-nos receptivos às múltiplas linguagens dos nossos irmãos e confiantes no teu espírito de unidade.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te bendizemos, Pai, pelo novo corpo do teu Filho, que é a Igreja, e nós Te damos graças por nos teres permitido ser os seus membros, cada um na sua parte e na diversidade das funções confiadas.
    Nós Te pedimos, Espírito Santo, Tu que ages em nós para o bem de todos: nós acolhemos o teu sopro; manifesta em nós a tua presença.

    No final do Evangelho:
    Nós Te damos graças, Pai, pela maravilha realizada por Jesus ressuscitado, porque Ele deu nova força aos seus apóstolos, tirando-os do medo e da paralisia, comunicando-lhes o sopro da sua ressurreição.
    Nós Te suplicamos: que a tua Paz esteja connosco, por Jesus, vencedor de todas as formas de morte, e pelo teu Espírito, que é perdão e santificação.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, que contém uma oração própria para o Pentecostes e que evoca o Espírito...

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Tempestade! Fogo! Portas arrombadas! O Pentecostes é a irrupção do Espírito Santo na vida dos discípulos que vão deixar-se transformar em todas as dimensões do seu ser. O Pentecostes continua! Mas não estamos muitas vezes, face a este Espírito Santo, como diante de uma ameaça nuclear? Ousamos, enfim, deixar-nos irradiar por Ele sem qualquer protecção?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Solenidade da Santíssima Trindade - Ano B

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano B

    26 de Maio, 2024

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano B
    TEMA
    A Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
    Na primeira leitura, Jahwéh revela-se como o Deus da relação, empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira.
    A segunda leitura confirma a mensagem da primeira: o Deus em quem acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que se demitiu do seu papel de Criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que não desiste de oferecer aos homens a vida plena e definitiva.
    No Evangelho, Jesus dá a entender que ser seu discípulo é aceitar o convite para se vincular com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar a sua proposta de vida no meio do mundo e são enviados a apresentar, a todos os homens e mulheres, sem excepção, o convite de Deus para integrar a comunidade trinitária.
    LEITURA I - Deut 4,32-34.39-40
    Moisés falou ao povo, dizendo:
    «Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Dum extremo ao outro dos céus,
    sucedeu alguma vez coisa tão prodigiosa? Ouviu-se porventura palavra semelhante? Que povo escutou como tu a voz de Deus a falar do meio do fogo
    e continuou a viver?
    Qual foi o deus que formou para si uma nação no seio de outra nação,
    por meio de provas, sinais, prodígios e combates, com mão forte e braço estendido,
    juntamente com tremendas maravilhas,
    como fez por vós o Senhor vosso Deus no Egipto, diante dos vossos olhos?
    Considera hoje e medita no teu coração que o Senhor é o único Deus,
    no alto dos céus e cá em baixo na terra, e não há outro.
    Cumprirás as suas leis e os seus mandamentos, que hoje te prescrevo,
    para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti,
    e tenhas longa vida na terra que o Senhor teu Deus te vai dar para sempre».
    AMBIENTE
    o Livro do Deuteronómio é aquele "livro da Lei" ou "livro da Aliança" descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de Josias (622 a.C., cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas - originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
    Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de "testamento espiritual": lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
    O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do primeiro discurso de Moisés (cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf. Dt 1,6-3,29), em estilo narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um resumo da história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Pisga, na Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt 4,1-43), o autor apresenta, em estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas exigências. Esta secção final do primeiro discurso de Moisés começa com a expressão "e agora, Israel 0, que enlaça esta secção com a precedente: mostra-se que o compromisso que agora se pede a Israel se apoia nos acontecimentos históricos anteriormente expostosoA acção de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.
    O capítulo 4 do Livro do Deuteronómio é um texto redigido, muito provavelmente, na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilónia. Perdido numa terra estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava afirmar a sua fé em Jahwéh e celebrá-Ia através do culto, impressionado com o esplendor ritual e as solenidades do culto babilónico, o Povo bíblico corria o risco de trocar Jahwéh pelos deuses babilónicos. É neste contexto que os teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo a olhar para a sua história, a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.
    MENSAGEM
    No trecho que nos é proposto, o autor deuteronomista começa por convidar Israel a contemplar a história "desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra"oO resultado dessa contemplação é a constatação do contínuo empenho de Jahwéh no sentido de oferecer ao seu Povo a vida e a salvação.
    Toda a história da relação entre Deus e Israel é uma extraordinária história de relação, na qual se manifesta o amor de um Deus empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. Jahwéh escolheu Israel de entre todos os povos da terra, veio ao seu encontro, falou-lhe ao coração e realizou gestos destinados a trazer ao Povo ao encontro da vida. De mil formas, Deus fez ouvir a sua voz, indicou caminhos, conduziu o seu Povo da escravidão para a liberdade.
    Como é que Israel se deve situar diante deste Deus? Como é que o Povo deve responder aos apelos de Deus?
    Na perspectiva do teólogo deuteronomista, Israel deve, em primeiro lugar, reconhecer que "só o Senhor é DeusOe que não há outro". D'Ele e só d'Ele brotam a vida, a salvação, a felicidade, a liberdade. Esta constatação convida o Povo a não colocar a sua esperança e a sua realização noutros deuses, noutras propostas ilusórias e enganadoras. Israel deve, em segundo lugar, cumprir as leis e os mandamentos de Deus, pois essas leis e mandamentos são o caminho seguro para a felicidade.
    Este "caminho" aqui apontado aos crentes de Israel (e aos crentes de todas as épocas e lugares) não é um caminho de dependência e de servidão; mas é um caminho de felicidade. Deus não se imiscui na vida dos homens para os tornar dependentes, mas para os libertar e para os levar à vida verdadeira, à felicidade plena.
    ACTUALIZAÇÃO
    + Quem é Deus? Como é Ele? Qual a sua relação com os homens? O Deus em quem acreditamos é um Deus sensível aos problemas dos homens e que Se preocupa em percorrer com eles um caminho de amor e de relação, ou é um Deus insensível e distante, que olha com enfado e indiferença o caminho que percorremos e que Se recusa a sujar as mãos com a nossa humanidade? Trata-se de um Deus capaz de amar os homens e de aceitar, com misericórdia, as nossas falhas, ou de um Deus intolerante, duro e insensível, que castiga sem piedade qualquer deslize do homem? A Solenidade da Santíssima Trindade é, antes de mais, um convite a descobrir o verdadeiro rosto de Deus. A primeira leitura deste domingo dá-nos algumas pistas para perceber Deus e para reconhecer o seu verdadeiro rostoo
    + Nesta catequese do livro do Deuteronómio, Jahwéh revela-Se como o Deus da relação, empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira. Por vezes, ao longo da nossa caminhada pela vida, sentimo-nos sós e perdidos, afogados nas nossas dúvidas, misérias e dramas, assustados e inquietos face ao rumo que a história segueo Mas a certeza da presença amorosa, salvadora e reconfortante de Deus deve ser uma luz de esperança que ilumina o nosso caminho e que nos permite encarar cada passo da nossa existência com alegria e serenidade.
    + O catequista deuteronomista garante que Jahwéh é o único Deus capaz de realizar estas obras em favor do homem e que só n'Ele o homem encontra a verdadeira vida e a verdadeira liberdade. Esta afirmação convida-nos a reflectir sobre o papel que outros "deuses" (bem mais falíveis, bem menos dignos de confiança) desempenham na nossa existênciaOEm quem é que pomos a nossa esperança? Esses "deuses" que tantas vezes nos seduzem (o dinheiro, o poder, a fama, o sucesso, o reconhecimento social, os valores da rnodaü que tantas vezes atraem a nossa atenção e condicionam as nossas opções, são verdadeiramente garantia de vida e de felicidade? Esses "deuses" trazem-nos liberdade e esperança ou escravidão e alienação?
    + O autor do texto que nos é proposto convida o Povo a cumprir as leis e os mandamentos que Deus propõe; e garante que as propostas de Deus são o caminho seguro para a felicidade e para a realização plena do homem. Os mandamentos não são propostas destinadas a limitar a nossa liberdade e a prender-nos a um deus ciumento e castrador; mas são sugestões de um Deus que nos ama, que quer a nossa felicidade e realização plena e que, no respeito absoluto pela nossa liberdade, não desiste de nos indicar o caminho para a verdadeira vida.
    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 32 (33)
    Refrão: Feliz o povo que o Senhor escolheu para sua herança.
    A palavra do Senhor é recta,
    da fidelidade nascem as suas obras.
    Ele ama a justiça e a rectidão:
    a terra está cheia da bondade do Senhor.
    A palavra do Senhor criou os céus,
    o sopro da sua boca os adornou.
    Ele disse e tudo foi feito,
    Ele mandou e tudo foi criado.
    Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,
    para os que esperam na sua bondade,
    para libertar da morte as suas almas
    e os alimentar no tempo da fome.
    A nossa alma espera o Senhor:
    Ele é o nosso amparo e protector.
    Venha sobre nós a vossa bondade,
    porque em Vós esperamos, Senhor.
    LEITURA 11- Romanos 8,14-17
    Irmãos:
    Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.
    Vós não recebestes um espírito de escravidão para recair no temor,
    mas o Espírito de adopção filial, pelo qual exclamamos: «Abba, Pai». O próprio Espírito dá testemunho, em união com o nosso espírito,
    de que somos filhos de Deus.
    Se somos filhos, também somos herdeiros, herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo; se sofrermos com Ele,
    também com ele seremos glorificados.
    AMBIENTE
    A Carta aos Romanos é um texto sereno e amadurecido, escrito por Paulo por volta do ano 57/58 e no qual o apóstolo apresenta uma síntese da sua mensagem e da sua pregação. O pretexto para a carta é um projecto de passagem por Roma, a caminho de Espanha (cf. Rom 16,23-24): Paulo sente que terminou a sua missão no oriente e quer anunciar o Evangelho de Jesus no ocidente.
    Na verdade, esse projecto de passagem por Roma parece ser, sobretudo, um pretexto para Paulo se dirigir aos Romanos e para lhes expor as suas ideias acerca da salvação. Na comunidade cristã de Roma - como, aliás, em quase todas as comunidades cristãs de então - havia divergências entre cristãos vindos do judaísmo e cristãos vindos do paganismo acerca do caminho cristão. Para os judeo-cristãos, a salvação dependia, além da fé em Cristo, da prática da Lei de Moisés; para os pagano-cristãos, a adesão a Cristo bastava. A uns e a outros, Paulo vai apresentar o essencial da mensagem cristãCO apóstolo insiste, sobretudo, no facto de a salvação não ser uma conquista do homem (que resulta dos actos ou dos méritos do homem), mas um dom do amor de Deus. Na verdade, todos os homens vivem mergulhados no pecado, pois o pecado é uma realidade universal (cf. Rom 1,18-3,20); mas Deus, na sua bondade, a todos "justifica" e salva (cf. Rom 3,1-5,11); e essa salvação é oferecida por Deus ao homem através de Jesus Cristo; ao homem, resta aderir a essa proposta de salvação, na fé (cf. Rom 5,12-8,39).
    O texto que hoje nos é proposto faz parte de um capítulo em que Paulo reflecte sobre a vida nova que Deus oferece ao baptizado e que Paulo chama "a vida no Espírito". O pensamento teológico de Paulo atinge, neste capítulo, um dos seus pontos culminantes, pois todos os grandes temas paulinos (o projecto salvador de Deus em favor dos homens; a acção libertadora de Cristo, através da sua vida de doação, da sua morte e da sua ressurreição; a nova vida que faz dos crentes Homens Novos e os torna filhos de Deus) se cruzam aqui.
    Paulo procura, de forma especial, mostrar que os cristãos, libertos da Lei, do pecado e da morte por Jesus Cristo, deixaram a vida velha da "carne" (que é viver em oposição a Deus, numa vida da egoísmo, de auto-suficiência, de orgulho, de fechamento) para viverem a vida nova do Espírito (que é viver em relação com Deus, escutando as suas propostas e sugestões, na obediência aos projectos de Deus e na doação da própria vida aos irmãos).
    MENSAGEM
    O crente que acolhe a proposta de salvação que Deus faz em Jesus vive "no Espírito". Aceitar essa proposta de vida é aceitar uma vida de relação e de comunhão com Deus. Nessa relação, o crente é alimentado com a vida de Deus.
    Os que aceitam receber a vida de Deus e vivem "no Espírito" são "filhos de Deus":
    Deus é, para eles, um Pai que continuamente os cria e lhes dá vida. A partir de então, os crentes integram a "família de Deus". Não são escravos que vivem no medo de um patrão ciumento e exigente (como era a Lei de Moisés); mas são "filhos" queridos, que Deus ama com amor infinito. Ao dirigirem-se a Deus, os crentes podem usar, com propriedade, a palavra "abba" (a palavra com que, familiarmente, as crianças se dirigem ao pai e que pode traduzir-se como "papá") - expressão de intimidade filial, que define uma relação marcada pelo amor, pela familiaridade, pela confiança, pela ternura.
    A condição de "filhos" equipara os crentes com Cristo. Eles tornam-se, assim, "herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo". Qual é essa "herança" que lhes está reservada? É a vida plena e definitiva, que Deus oferece àqueles que aceitaram a proposta de Cristo e percorreram com Ele o caminho do amor, da doação, da entrega da vida.
    O nosso Deus é, de acordo com a catequese de Paulo, o Deus da relação, apostado em vir ao encontro dos homens, em oferecer-lhes vida, em integrá-los na sua família, em amá-los com amor de Pai, em torná-los herdeiros da vida plena e definitiva.
    ACTUALIZAÇÃO
    + Mais uma vez a Palavra que nos é proposta reafirma esta realidade: o Deus em quem acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que Se demitiu do seu papel de criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que não desiste de oferecer aos homens a vida plena e verdadeira. Há, ao longo da nossa caminhada pela vida, momentos de solidão e de desespero, em que procuramos Deus e não conseguimos descortinar a sua presença; mas, sobretudo nesses momentos dramáticos, é preciso não esquecer que Deus nunca desiste dos seus filhos e que nenhum de nós Lhe é indiferente.
    + À oferta de vida que Deus faz, o homem pode responder positiva ou negativamente. Se o homem preferir recusar a vida que Deus oferece e trilhar caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência, está a rejeitar a possibilidade de aceder à vida plena e verdadeira; se o homem estiver disponível para acolher a salvação que Deus oferece em Jesus, torna-se herdeiro da vida eterna. Em que situação é que eu me coloco, diante dos dons de Deus?
    + Os membros da comunidade cristã, que pelo Baptismo aderiram ao projecto de salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada pelo Espírito, integram a família de Deus. O fim último da nossa caminhada é a pertença à família trinitária.
    + Esta "vocação" deve expressar-se na nossa vida comunitária. A nossa relação com os irmãos deve reflectir o amor, a ternura, a misericórdia, a bondade, o perdão, o serviço, que são as consequências práticas do nosso compromisso com a comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas relações comunitárias reflectem esse amor que é a marca da "família de Deus"?
    ALELUIA - Ap 1,8
    Aleluia. Aleluia.
    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    ao Deus que é, que era e que há-de vir.
    EVANGELHO - Mt 28,16-20
    Naquele tempo, os onze discípulos partiram para a Galileia, em direcção ao monte que Jesus lhes indicara.
    Quando O viram, adoraram-n'O;
    mas alguns ainda duvidaram.
    Jesus aproximou-Se e disse-lhes:
    «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e fazei discípulos de todas as nações,
    baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei.
    Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».
    AMBIENTE
    O texto situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não se diga se é muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio - cf. Mt 28,1-15). De acordo com Mateus, Jesus, pouco antes de ser preso, havia marcado encontro com os discípulos na Galileia (cf. Mt 26,32); na manhã da Páscoa, os anjos que apareceram às mulheres no sepulcro (cf. Mt 28,7) e o próprio Jesus, vivo e ressuscitado (cf. Mt 28,10), renovam o convite para que os discípulos se dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.
    A Galileia - região setentrional da Palestina - era uma região próspera e bem povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia desta região o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número importante de pagãos fazia parte da sua população. A coabitação de populações pagãs e judias fazia, certamente, com que os judeus da Galileia vivessem a religião de uma maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judeia: a presença diária dos pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a interpretar mais amplamente as regras que se referiam, por exemplo, às impurezas rituais contraídas pelo contacto com os não judeus. No entanto, isto fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da Galileia e considerassem que da Galileia "não podia sair nada de bom".
    No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi também na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do "Reino" e que começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt 4,12-22). Para Mateus, esse facto sugere que a o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos.
    Mateus situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos, num "monte que Jesus lhes indicara". Trata-se, no entanto, de uma montanha da Galileia que é impossível identificar geograficamente, mas que talvez Mateus ligue com a montanha da tentação (cf. Mt 4,8) e com a montanha da transfiguração (cf. Mt 17,1). De qualquer forma, o "monte" é sempre, no Antigo Testamento, o lugar onde Deus se revela aos homens.
    MENSAGEM
    o texto que descreve o encontro final entre Jesus e os discípulos divide-se em duas partes.
    Na primeira (vers. 16-18), descreve-se o encontro. Jesus, vivo e ressuscitado, revela­-se aos discípulos; e os discípulos reconhecem-n'O como "o Senhor" e adoram-n'O. Depois de descrever a adoração, Mateus acrescenta uma expressão que alguns traduzem como "alguns ainda duvidaram" e outros como "eles que tinham duvidado" (gramaticalmente, ambas as traduções são possíveis). No primeiro caso, a expressão significaria que a fé não é uma certeza científica e que não exclui a dúvida; no segundo caso, a expressão aludiria a essa dúvida constante dos discípulos - expressa em vários momentos, ao longo da caminhada para Jerusalém - e que aqui perde qualquer razão de ser.
    Ao reconhecimento e à adoração dos discípulos, segue-se uma manifestação do mistério de Jesus, que reflecte a fé da comunidade de Mateus: Jesus é o "Kyrios", que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história; Jesus é "o mestre", cujo ensinamento será sempre uma referência para os discípulos; Jesus é o "Deus­ connosco", que acompanhará, a par e passo, a caminhada dos discípulos pela história.
    Na segunda (vers. 19-20), Mateus descreve o envio dos discípulos em missão pelo mundo. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio trazer aos homens e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos. A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da universalidade da missão dos discípulos destina-se a "todas as nações".
    A segunda nota dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas da comunidade de Mateus: o ensino e o baptismo. Começava-se pela catequese, cujo conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus (o discípulo começava sempre pelo catecumenato, que lhe dava as bases da proposta de Jesus). Quando os discípulos estavam informados da proposta de Jesus, vinha o baptismo - que selava a íntima vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo (era a adesão à proposta anteriormente feita).
    Uma última nota: Jesus estará sempre com os discípulos, "até ao fim dos tempos". Esta afirmação expressa a convicção - que todos os crentes da comunidade mateana possuíam - que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história, ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.
    ACTUALIZAÇÃO
    + Este texto evangélico foi escolhido para o dia da Santíssima Trindade, pois nele aparece uma fórmula trinitária usada no baptismo cristão ("em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"). O nosso texto sugere, antes de mais, que ser baptizado é estabelecer uma relação pessoal com a comunidade trinitária... No dia em que fomos baptizados, comprometemo-nos com Jesus e vinculamo-nos com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A minha vida tem sido coerente com esse compromisso?
    + Quem acolheu o convite de Deus (apresentado em Jesus) para integrar a comunidade trinitária, torna-se testemunha, no meio dos homens, dessa vida nova que Deus oferece. O papel dos discípulos é continuar a missão de Jesus, testemunhar o amor de Deus pelos homens e convidar os homens a integrar a família de Deus. Os irmãos com quem nos cruzamos pelos caminhos da vida recebem essa mensagem? As nossas palavras e os nossos gestos testemunham esse amor com que Deus ama todos os homens? As nossas comunidades são a imagem viva da família de Deus e apresentam um convite credível e convincente aos homens para que integrem a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo?
    + A missão que Jesus confiou aos discípulos - introduzir todos os homens na família de Deus - é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas, não podem ser obstáculo para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Todos os homens e mulheres, sem excepção, têm lugar na família de Deus. Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os homens - sem distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas - a anunciar-lhes o amor de Deus e a convocá-los para integrar a comunidade trinitária? Tenho consciência de que sou chamado a apresentar a todos os homens - mesmo àqueles que habitam no outro lado do mundo - o convite para integrar a família de Deus?
    + Num mundo onde Deus nem sempre faz parte dos planos e das preocupações dos homens, testemunhar o amor de Deus e apresentar aos homens o convite para integrar a família de Deus é um enorme desafio. O confronto com o mundo gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração... Nos momentos de decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de Jesus:
    "Eu estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.
    + A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de "um em três". Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família - pai, mãe e filho - é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é também negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-Se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue "dizer" o indizível, não consegue definir cabalmente o mistério de Deus.
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS
    PARA A SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE (adaptadas de "Signes d'eujcurd'hui"}
    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus...
    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Se na montanha da Galileia alguns dos onze tiveram dúvidas, é talvez porque eles pensavam tomar a iniciativa do encontro com o Ressuscitado, só contavam com eles para acreditar: a sua inteligência procurava compreender, os seus olhos queriam ver, as suas mãos procuravam tocar, o seu coração desejava amar, mas não esqueciam então que era o Ressuscitado que tinha a iniciativa? Então Jesus assegura-lhes, é Ele que os envia: "Ide!" É em nome de Deus Pai, Filho e Espírito que deverão baptizar; e os mandamentos que farão observar são os mesmos que o próprio Jesus lhes deu. Enfim, Jesus não reprova as suas dúvidas, apenas lhes assegura: "Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos". Duvidar, não será falta de confiança? Ter medo, não será esquecer uma presença?
    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Trindade, Movimento de Amor! Um mais um igual a um! As matemáticas divinas não obedecem à nossa lógica! Para além da expressão um pouco técnico da palavra, a fé na Trindade é o coração absoluto do cristianismo. Está na concepção mais fundamental que temos de Deus. Quando São Mateus escreve: "Baptizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", utiliza uma antiga fórmula baptismal muito precisa. Trata-se de ser mergulhado, imerso num movimento, aquele que diz o próprio Nome de um Deus que é Pai, Filho e Espírito. São João diz também, no final do seu prólogo, que "o Filho único está no seio do Pai". Longe de ficar estático, "instalado", o Filho só encontra a verdade última do seu ser na medida em que está ligado ao Pai por um movimento de amor. Com efeito, a grande revelação que Cristo veio trazer, é que "Deus é Amor". O Ser de Deus é o Amor em estado puro, mais precisamente ainda, é amar. Deus nada pode fazer senão amar. Ora, o amor não existe se não for movimento, reciprocidade, dom e acolhimento. Deus, Aquele que Jesus chama "Abba", "papá", só pode existir como fonte de amor. Ele não se pode definir unicamente como o "Ser Supremo". O Pai é a fonte que Se dá, eternamente, gratuitamente. O Filho surge deste dom como a perfeita Imagem do Pai. Quanto ao Espírito, Ele é este mesmo Movimento de Amor que liga eternamente o Pai e o Filho. O Espírito é o "peso" que, brotando do Coração do Pai, O faz "abanar" no dom total de Si mesmo ao Filho. Isto só se pode aceitar na fé, proclamando um Deus que só é Amor e nada mais. É neste Movimento que são mergulhados os baptizados. A vida dos cristãos não é uma realidade estática, nem simples conformidade aos mandamentos. É movimento de amor, aberto aos outros, no próprio movimento de amor que é Deus. "Assim como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros".
    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE
    Ver em cada um... Não é preciso questionarmo-nos muito tempo sobre como fazer para amar os outros... Basta ver Jesus em todo o ser humano, junto de cada um, e saber que o Reino se constrói nos gestos humildes de hoje!
    Grupo Dinamizador
    Pe. Joaquim Garrido - Pe. Manuel Barbosa - Pe. Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos) Rua Cidade de Tele, 10:: 1800-129 Lisboa - Portugal
    Tel: 218 540 900:: Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org :: www.dehonianos.org

  • Visitação da Virgem Santa Maria

    Visitação da Virgem Santa Maria


    31 de Maio, 2024

    A Festa de Visitação começou a ser celebrada no século XIII, pelos Franciscanos. Bonifácio IX (1389-1384) introduziu-a no calendário universal da Igreja. Tradicionalmente celebrada a 2 de Julho, a festa foi antecipada pelo novo calendário para o dia 31 de Maio, ficando assim entre a Solenidade da Anunciação (25 de Março) e o Nascimento de João Batista (24 de Junho). Depois da Anunciação, Maria foi visitar a prima Isabel, partilhando com ela a alegria que experimentava perante as "maravilhas" n´Ela operadas pelo Senhor. Impele-a também a essa visita a sua caridade feita disponibilidade e discrição. Para Lucas, Maria é a verdadeira Arca da Aliança, a morada de Deus entre os homens. Isabel reconhece esse fato e reverencia-o. Toda a visitação de Maria é um acontecimento de Jesus.

    Lectio

    Primeira leitura: Sofonias 3, 14-18ª

    Rejubila, filha de Sião,solta gritos de alegria, povo de Israel! Alegra-te e exulta com todo o coração, filha de Jerusalém!15O Senhor revogou as sentenças contra ti, e afastou o teu inimigo. O Senhor, rei de Israel, está no meio de ti. Não temerás mais a desgraça. 16Naquele dia, dir-se-á a Jerusalém: «Não temas, Sião! Não se enfraqueçam as tuas mãos! 17O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa, 18como nos dias de festa.»

    O reinado de Josias (séc. VI a. C.) foi marcado por permanentes infidelidades de Israel a Deus. O povo, esquecendo a Aliança com Deus, fazia alianças humanas e deixava-se levar pelas modas, cedendo ao culto de deuses estrangeiros. Perante esta situação, Sofonias ergue a voz para proclamar "o dia terrível de Javé" em que o pecado dos povos, também de Judá, seria manifestado e julgado. Mas o profeta sabe que o juízo de Deus é sempre um convite à conversão. Assim, abre uma perspetiva de luz e de esperança. A "filha de Sião" deve alegrar-se com a perspetiva desse dia (cf. 16b), o dia messiânico, dia de misericórdia e de um amor novo entre Deus e o seu povo. A presença de Deus entre o seu povo será motivo de renovada esperança, porque Deus é "poderoso salvador" (v. 17).

    Evangelho: Lucas 1, 39-56

    Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. 40Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Então, erguendo a voz, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.43E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? 44Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. 45Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor.» 46Maria disse, então: «A minha alma glorifica o Senhor47e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações. 49O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome.50A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.51Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos.52Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. 53Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.54Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia,55como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.» 56Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois regressou a sua casa.

    Maria e Isabel acolhem em si a ação de Deus. Maria acolhe-a de modo ativo, dando o seu consenso. Isabel acolhe-a de modo passivo. Ambas experimentam a ação poderosa do Espírito Santo. Isabel tem no ventre o Precursor. Graças a essa presença, pode já indicar, na Mãe, o Filho e proclamar bendita Aquela que "acreditou" (v. 45). Maria responde ao cântico de Isabel com o Magnificat, que revela a ação poderosa de Deus nela, aquela ação que realiza as promessas feitas a Abraão e à sua descendência. O Magnificat é a primeira manifestação pública de Jesus, ainda escondido, mas atuante naqueles que, como Maria, o acolhem na fé e com amor.

    Meditatio

    Maria ensina-nos a acolher o Senhor. Acolhe-o com louvor: "A minha alma glorifica o Senhor!" Assim fizera David que acolheu a Arca de Deus com exultação e a colocou na sua cidade, Jerusalém, no meio do júbilo do seu povo.
    Como David e, sobretudo, como Maria, precisamos de acolher a Deus e dar-lhe o lugar a que tem direito na nossa vida. Somos pequenos e fracos, é certo. Mas Deus chama-nos a acolhê-lo, a recebê-lo em nossa casa com alegria e disponibilidade. Não podemos deixá-lo à porta. Não podemos recebê-lo continuando fechados nas nossas preocupações, nos nossos interesses mais ou menos egoístas. Não podemos receber a Deus como se recebe alguém que vem negociar connosco, ou como se recebe um fornecedor, um cobrador, ou um qualquer serviçal. Há que recebê-lo com a honra a que tem direito, com alegria, com cânticos de júbilo, com exultação. Maria acolheu o Senhor, não para ser servida, mas para servir. Acolheu-o cantando: "A minha alma glorifica o Senhor!". Maria e Isabel ensinam-nos também a acolher os outros. Para acolher alguém, precisamos de sair de nós mesmos. Maria saiu fisicamente de sua casa e deslocou-se à montanha da Judeia para visitar Isabel. Isabel, para acolher a Maria, saiu de si mesma e reconheceu, na jovem mulher que a visitava, a Mãe do seu Senhor. Maria acolhera a palavra do Anjo acerca da prima e foi visitá-la como a alguém abençoado pelo Senhor. Acolher uma pessoa é sempre acolher aquilo que Deus realiza nessa pessoa, acolher a sua vocação profunda.
    Peçamos a Maria que, como o Pe. Dehon, e no seu "seguimento", saibamos contribuir para instaurar o reino da justiça e da caridade cristã no mundo (cf. Souvenirs XI). Um sinal dos tempos muito apreciado, pelos crentes e pelos não crentes, é a solidariedade com os carenciados, sejam eles da nossa família ou vivam mais perto ou mais longe de nós. O mesmo se diga da ajuda aos povos em vias de desenvolvimento, muitas vezes atormentados pela fome, causada por guerras crónicas ou por catástrofes e calamidades naturais (Cf. A.A., n. 14).

    Oratio

    Senhor, hoje, quero rezar-te com o P. Dehon: "A minha alma glorifica o Senhor por todos os seus benefícios: pela sua vinda na Incarnação, pelos seus ensinamentos luminosos, pela efusão do seu sangue, pela instituição da Eucaristia, pelo dom do seu Coração, sobretudo, e pelas graças pessoais com que me cumula todos os dias." (OSP 3, p. 22s.)

    Contemplatio

    Maria entoa o cântico de ação de graças que ficará como expressão de ação de graças de todos os filhos de Deus. Como dizer o enlevo do seu Coração? Ela atribui tudo à glória de Deus, esquecendo-se de si mesma. É o sentido de todo o cântico. Foi Deus quem fez nela grandes coisas. É a obra da sua misericórdia. Veio no poder do seu braço para humilhar os soberbos e para levantar os pequenos. Veio despojar os que se agarravam aos bens da terra e enriquecer com os seus dons os que estavam em necessidade. - Veio cumprir as promessas feitas aos patriarcas. Em todo este mistério da Visitação transbordam a caridade do Coração de Jesus que derrama as suas graças sobre aqueles que visita, e o humilde reconhecimento do coração de Maria, que nos ensina a dizer a Deus toda a nossa gratidão atribuindo-lhe fielmente todo o bem que opera em nós, seus pobres servidores bem humildes e bem pequenos. O Magnificat servir-nos-á de cântico de ação de graças para agradecermos ao Sagrado Coração de Jesus as suas visitas e a sua permanência em nós pela Eucaristia e pela graça. (Leão Dehon, OSP 3, p. 22).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "A minha alma glorifica o Senhor" (Lc 1, 46).

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    Visitação da Virgem Santa Maria (31 Maio)

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