Liturgia

Events in Maio 2024

  • S. José, Operário

    S. José, Operário


    1 de Maio, 2024

    A "festa do trabalho", criada pela Internacional Socialista em 1889, é celebrada, na Europa, no dia 1 de Maio. A Igreja quis dar-lhe uma dimensão cristã. Por isso, Pio XII, em 1955, instituiu a festa de S. José Operário, colocando-a nesse dia. Ninguém mais do que o humilde trabalhador de Nazaré pode ensinar aos outros trabalhadores a dignidade do trabalho, e protegê-los com a sua intercessão junto de Deus.

    Lectio

    Primeira leitura: Génesis 1, 26-2, 3

    Disse Deus: «Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.» 27Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. 28Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra.» 29Deus disse: «Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento. 30E a todos os animais da terra, a todas as aves dos céus e a todos os seres vivos que existem e se movem sobre a terra, igualmente dou por alimento toda a erva verde que a terra produzir.» E assim aconteceu.31Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o sexto dia. 1Foram assim terminados os céus e a Terra e todo o seu conjunto.2Concluída, no sétimo dia, toda a obra que tinha feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por Ele realizado.3Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o, visto ter sido nesse dia que Ele repousou de toda a obra da criação.

    A criação do homem é o auge da criação, porque, só ele, foi criado à imagem e semelhança de Deus. Deus invisível reflete-se no rosto frágil do homem. Homem e mulher são imagem de Deus: "Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher." (v. 27). Como Deus trino, o homem é capaz de uma relação interpessoal de amor. Mas a imagem de Deus no homem reflete-se também na autoridade sobre o universo e na inteligência criativa, com que pode dominar a natureza, desenvolvê-la e transformá-la. A capacidade de trabalho permite ao homem tornar-se colaborador de Deus na obra da criação. É sobretudo este aspeto que a liturgia de hoje põe à nossa meditação.

    Evangelho: Mateus 13, 54-58

    Naquele tempo, Jesus foi à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam: «De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? 55Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? 56Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem, pois, tudo isto?» 57E estavam escandalizados por causa dele. Mas Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua pátria e em sua casa.» 58E não fez ali muitos milagres, por causa da falta de fé daquela gente.

    A condição familiar e laboral de Jesus impediu os seus concidadãos de o reconhecerem como enviado de Deus, como profeta. Era "o filho do carpinteiro" (v. 55). Segundo Lucas, ele mesmo era carpinteiro: "Não é Ele o carpinteiro?..." (13, 55). O Filho de Deus feito homem quis ser membro de uma família operária. Os seus conterrâneos não conseguiram ver mais do que isso, desprezando-o, e não o reconhecendo como o Messias. Mas não somos nós que havemos de ditar as condições do Reino, que pode realizar-se em qualquer condição social e em qualquer trabalho. E Deus gosta de surpreender-nos.

    Meditatio

    Na família humilde e operária de Nazaré, o trabalho era expressão de amor. José foi carpinteiro toda a vida. Jesus exerceu também essa profissão durante os anos de vida escondida, em Nazaré. Depois do reencontro com os pais, em Jerusalém, Jesus "desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso" (Lc 2, 51). A submissão e a obediência de Jesus, em Nazaré, deve entender-se como participação no trabalho de José. Se a família de Nazaré é exemplo para as famílias humanas na ordem da salvação e da santidade, também o é no trabalho de Jesus, ao lado do carpinteiro José. O trabalho humano, particularmente o trabalho manual, tem especial acentuação no Evangelho. Com a humanidade do Filho de Deus, o trabalho foi acolhido no mistério da Incarnação, tal como foi particularmente redimido, no mistério da Redenção. Trabalhando ao lado de Jesus, José aproximou o trabalho humano da Redenção. A virtude da laboriosidade teve especial importância no crescimento humano de Jesus "em sabedoria, em estatura e em graça" (Lc 2, 52), uma vez que o trabalho é um bem do homem, que transforma a natureza e torna o homem, em certo sentido, mais homem. O trabalho sincero, humilde, disponível no amor, une-nos a Cristo, filho do carpinteiro, Filho de Deus.
    Como religiosos, pelo nosso trabalho, além do mais, colaboramos na obra do Criador, damos o nosso pequeno contributo pessoal para a transformação do mundo e para a realização do projeto de Deus na história (cf. GS 34). O trabalho é uma das expressões da nossa vida de pobreza. Os pobres trabalham para viver... No trabalho, além do mais, precisamos de estar enamorados por Cristo-pobre, trabalhador, "Filho do carpinteiro" (Mt 13, 55). Assim, como Ele, teremos um coração pobre, sóbrio, com poucas exigências, aberto aos outros, capaz de partilhar o que é e o que tem.

    Oratio

    Ó S. José, que, trabalhando com Jesus, aproximastes o trabalho humano do mistério da Redenção, vinde em auxílio de todos quantos se afadigam nas mais diversas profissões. Ajudai-nos a compreender que o trabalho é um bem para quem o faz, pois, em certo sentido, nos torna mais homens, mais imagem e semelhança de Deus, e é um bem para quem dele beneficia. Ajudai-nos a conhecer e a assimilar os seus conteúdos, para ajudar todos os homens a aproximarem-se mais de Deus, criador e redentor, a participarem nos seus planos de salvação do homem e do mundo, e aprofundarem a própria amizade com Cristo. Ámen.

    Contemplatio

    Na casa do pobre operário, as privações sucediam às privações, e o pão devia faltar muitas vezes. José acabou por encontrar trabalho como carpinteiro, e Maria fiava a lã ou o algodão. Quantas graças prepararam aí para os trabalhadores e para os pobres! Não é que a lei evangélica seja contrária à prosperidade dos povos, ela é, pelo contrário, a condição mais favorável e a garantia, porque recomenda o trabalho, a justiça, a temperança, que são as condições de sucesso; mas ao lado da lei, há os conselhos, propostos às almas generosas. A Sagrada Família caminhou pela via dos conselhos, na obediência, na pobreza, nas privações. O coração de Jesus menino comprazia-se nestas cruzes pela nossa salvação, e as almas generosas seguem hoje o mesmo caminho, completando, como diz S. Paulo, o que falta à Paixão de Jesus, pela salvação do mundo.(L. Dehon, OSP 3, p. 136).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos" (da Liturgia).
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    S. José, Operário (1 Maio)

  • S. Atanásio, Bispo e Doutor da Igreja

    S. Atanásio, Bispo e Doutor da Igreja


    2 de Maio, 2024

    S. Atanásio nasceu em Alexandria do Egito, no ano de 295. De formação grega, foi bispo da sua cidade natal de 328 a 373. Participou no Concílio de Niceia, no ano 325. A sua oposição ao arianismo causou-lhe cinco exílios. Visitou Roma e Tréveris. Visitou os monges que viviam nos desertos do Egito. A vida de Santo Antão, que escreveu, teve enorme influência na difusão do monaquismo e no estilo de vida dos monges. Atanásio faleceu em Alexandria a 2 de Maio de 373.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 5, 1-5

    Caríssimos: Quem acredita que Jesus é o Cristo nasceu de Deus; e todo aquele que ama quem o gerou ama também quem por Ele foi gerado. 2É por isto que reconhecemos que amamos os filhos de Deus: se amamos a Deus e cumprimos os seus mandamentos; 3pois o amor de Deus consiste precisamente em que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são uma carga, 4porque todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo. E este é o poder vitorioso que venceu o mundo: a nossa fé. 5E quem é que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?

    Em João, "mundo" é sinónimo de "mal", indicando tudo o que se opõe à Vida, Luz e Verdade de Deus. O que está em Deus, pertence a Deus e vem de Deus, é amor, é comunhão, harmonia. É como a água fresca que brota borbulhante da fonte, ou como o esplendor de um céu limpo e com sol. Vida é a que venceu o mundo, e é a nossa fé e a verdade que nos mantém em comunhão de amor com Aquele que é Trindade, para onde o Filho nos transferiu. Quem aí se mantém e apoia vence o pecado, as trevas, a mentira: o mundo.

    Evangelho: Mateus 10, 22-25

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo. 23Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo: Não acabareis de percorrer as cidades de Israel, antes de vir o Filho do Homem.» 24«O discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do senhor. 25Basta ao discípulo ser como o mestre e ao servo ser como o senhor. Se ao dono da casa chamaram Belzebu, o que não chamarão eles aos familiares!

    Jesus chamou os seus discípulos para os enviar a anunciar a verdade, o bem e o amor. Mas nunca os iludiu com falsas expetativas. Disse-lhes claramente que teriam de enfrentar fortes oposições, porque o mundo odeia o que não é seu. Mais do que preocupar-se em ser bem acolhido, em ter sucesso nos seus trabalhos apostólicos, o missionário do Evangelho há-de ser humilde, fiel e forte no cumprimento da sua missão.

    Meditatio

    S. Atanásio aparece-nos como um homem de enorme importância para a definição do dogma cristão. Quando alguns quiseram reduzir Jesus a simples criatura humana, o bispo de Alexandria interveio vigorosamente para defender a fé católica. Foi o que sucedeu com a heresia de Ario, que afirmava que Jesus era simplesmente um homem grande, santo, adotado por Deus, mas não Filho de Deus. Havia bispos e imperadores que aceitavam esta teoria, porque era mais fácil de aceitar, porque não exigia, a adesão a um mistério inefável, incompreensível. Atanásio defendeu, sem hesitações, e arcando com as consequências - perseguições, exílios - esta verdade de fé, garantindo que se trata de um mistério do qual depende a nossa salvação. De fato, se Jesus não é Filho de Deus, nós não estamos nem redimidos nem salvos, pois a salvação é obra de Deus. O fiel tem uma existência atribulada e, para cúmulo, sem a evidência humana da vitória. É difícil acreditar que Jesus tenha vencido o mundo quando se sofrem perseguições. Mas não há vitória sem luta, sem passar pela paixão do Senhor. Acreditamos no mistério "total" de Jesus: o mistério de uma morte que desembocou na ressurreição. Um cristão não pode ficar espantado se, como Jesus, for perseguido. É condição para a vitória da fé, isto é, para continuar a acreditar, nas tribulações, que Deus nos ama e, se nos prova, é para nos dar bens maiores.

    Oratio

    Rezemos com S. Atanásio:
    "Os querubins são excelsos, mas, tu, ó Virgem, és mais excelsa do que eles; os querubins sustentam o trono de Deus, mas tu sustentas a Deus, nos teus braços. Os serafins estão diante de Deus, mas tu está mais do que eles: os querubins cobrem com as asas o próprio rosto, porque não pode olhar a glória perfeita, mas tu, não só contemplas o seu rosto, mas o acaricias e amamentas a sua boca santa. (Elogio da Mãe de Deus, de uma homilia de S. Atanásio).

    Contemplatio

    A consolação começa na terra. É inspirada pela fé. É uma consolação nas nossas mágoas, nos nossos sofrimentos, nas nossas provações, pensar que a nossa paciência apaga as nossas faltas e nos prepara graças e uma recompensa sempre crescente. A paciência é sempre encorajada pela esperança, diz S. Paulo: um ligeiro sofrimento prepara uma grande recompensa (2Cor 4, 17). - Se sofremos, se morremos com Jesus, diz-nos muitas vezes, havemos de ressuscitar e seremos glorificados com Ele (Rom 8, 17). Esta santa esperança dá uma verdadeira alegria, um começo de beatitude celeste às almas generosas no sofrimento: «Bendito seja o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação, diz S. Paulo; consola-nos em todas as nossas tribulações, a fim de que também nós possamos consolar aqueles que estão nas angústias, pelos mesmos motivos de encorajamento que Deus nos dá; porque, à medida que os sofrimentos de Cristo abundam em nós, Cristo faz abundar em nós a consolação» (2Cor 1, 3). Mas a consolação definitiva será no céu: «Deus, diz S. João, enxugará todas as lágrimas dos seus eleitos» (Ap 7, 17). Já não haverá incomodidades da terra, da fome, da sede e das intempéries; mas o Cordeiro que reina lá provirá a tudo e abrirá a todos as fontes da vida e da alegria (Ap 7; Is 49). (Leão Dehon, OSP 4 p. 40s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quem acredita que Jesus é o Cristo nasceu de Deus" (1 Jo 5, 1).

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    S. Atanásio, Bispo e Doutor da Igreja (2 Maio)

  • S. Filipe e S. Tiago, Apóstolos

    S. Filipe e S. Tiago, Apóstolos


    3 de Maio, 2024

    Como S. Pedro e S. André, Filipe era natural de Betsaida. O seu nome grego deixa supor que pertencia à comunidade helenista. Foi dos primeiros discípulos a ouvir o chamamento do Senhor: "Segue-me". Pôs-se imediatamente ao serviço do Senhor e, bem depressa, começou a dedicar-se à missão. Segundo a tradição, S. Filipe evangelizou a Turquia, onde morreu mártir.

    S. Tiago, o Menor, filho de Alfeu, era primo de Jesus e escreveu a Carta de Tiago. Foi testemunha privilegiada da ressurreição do Senhor (cf. 1 Cor 17, 7), ocupando um lugar proeminente na comunidade de Jerusalém. Depois da dispersão dos Apóstolos, nos anos 36-37, aparece como chefe da igreja-mãe (At 21, 18-26). Morreu mártir por volta do ano 62, sendo precipitado pelos Judeus do Templo e lapidado como Estêvão. Na sua carta, deixou-nos o testemunho da prática da Unção dos Enfermos já nos tempos apostólicos.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 15, 1-8

    Lembro-vos, irmãos, o evangelho que vos anunciei, que vós recebestes, no qual permaneceis firmes 2e pelo qual sereis salvos, se o guardardes tal como eu vo-lo anunciei; de outro modo, teríeis acreditado em vão. 3Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; 4foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; 5apareceu a Cefas e depois aos Doze. 6Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez, a maior parte dos quais ainda vive, enquanto alguns já morreram. 7Depois apareceu a Tiago e, a seguir, a todos os Apóstolos. 8Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto.

    Paulo deixa-nos perceber a importância que a tradição tinha nos começos da comunidade cristã: "Transmiti-vos o que eu próprio recebi" (v. 3). É através da tradição apostólica que chegam até nós as notícias referentes ao evento histórico-salvífico da Páscoa do Senhor. Através dela, podemos ligar-nos ao fluxo salvífico daquela graça. O nosso texto contém uma profissão de fé que remonta aos primeiros momentos da comunidade cristã: "Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras;apareceu a Cefas e depois aos Doze." (vv. 3-5). Anunciar ao mundo esta Boa Nova é a missão dos Apóstolos e de todos os cristãos. Só pela participação na Páscoa de Cristo, os homens podem ser salvos.

    Evangelho: João 14, 6-14

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim. 7Se ficastes a conhecer-me, conhecereis também o meu Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo.» 8Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» 9Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'?10Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim?As coisas que Eu vos digo não as manifesto por mim mesmo: é o Pai, que, estando em mim, realiza as suas obras.11Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim; crede, ao menos, por causa dessas mesmas obras.12Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai, 13e o que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória do Pai. 14Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu o farei."

    O evangelho transmite-nos o diálogo entre Jesus e Filipe, precedido da autorevelação de Jesus a Tomé: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (v. 6), para chegar ao Pai. Jesus também fala a Filipe do Pai. Por meio de Jesus, podemos conhecer o Pai, desde já, podemos "vê-lo" e assim acreditar na total comunhão que une Jesus a Deus Pai. As palavras de Jesus revelam-nos a comunhão que o liga ao Pai. Acolhê-las é aplanar a estrada para chegar ao Pai. O mesmo se diga das obras de Jesus. Acolhidas na fé, também são caminho para compreender a identidade de Jesus, a sua relação com o Pai e a nossa relação com ambos.

    Meditatio

    "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim." (v. 6). Atraindo-nos para Jesus - "Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair" (Jo 6, 44) - o Pai revela-nos que, para ir para Ele, é preciso passar pelo Filho, porque o Filho é o caminho, Aquele que revela o Pai, comunica a vida do Pai e conduz até Ele.
    No evangelho, Jesus revela-nos o seu coração, o desejo ardente de nos fazer conhecer o Pai, e a consciência que tem de ser o verdadeiro revelador do mesmo Pai: "Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim?" (vv. 9-10).
    Em todo o homem há um desejo vivo de ver a Deus. Os salmos fazem eco desse anseio profundo: "Quando poderei contemplar a face de Deus?" (Sl 42, 3); "Quero contemplar-te... para ver o teu poder e a tua glória." (Sl 63, 3). Conhecer alguém por ouvir dizer, é pouco. Encontrar-se com uma pessoa, vê-la, dá um conhecento mais profundo da mesma. Lemos no seu rosto os seus sentimentos, o seu amor, a sua bondade, tudo o que há de vivo nela. É a partir desta experiência humana que nasce em nós o anseio profundo de ver a Deus.
    O Novo Testamento diz-nos que a visão de Deus, que nos permite contemplar o invisível, o inacessível e continuar vivos, é possível vendo Jesus, o Filho de Deus feito homem, imagem do Deus invisível, rosto humano de Deus. Jesus é o revelador do Pai. É este o seu mistério mais profundo. O Pai está em Jesus e Jesus está no Pai. O Pai manifesta em Jesus, não só na sua presença no meio de nós, mas também, e sobretudo, na sua morte e ressurreição. A primeira leitura sugere esta aproximação. Jesus ressuscitado manifestou-se, apareceu: "Cristo ressuscitou ao terceiro dia e apareceu a Cefas e depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez... apareceu a Tiago. Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto." (vv. 4-8). Jesus ressuscitado mostrou-se e mostrou o Pai. Ele é a mais completa visão de Deus: "Quem me vê, vê o Pai" (v. 9). É claro que, para nós, Jesus ressuscitado não é uma pessoa que se veja como outra qualquer. A nós, aplica-se a frase com que João encerra o seu evangelho: "Felizes os que crêem sem terem visto!" (Jo 20, 29). A nossa visão de Jesus não é uma visão sensível, mas de fé. Contemplar as imagens de Jesus pode ajudar-nos. Mas são os olhos do coração que O alcançam. A visão de Deus é uma visão do coração. Só se pode vê-lo com o coração, o Coração de Jesus!

    Oratio

    Mostrai-nos, Senhor, o vosso rosto e seremos salvos! Queremos acolher a salvação contemplando o vosso rosto, paterno e materno, cheio de misericórdia. Contemplando-o, queremos penetrar na ternura do vosso coração. Procuro o vosso rosto, Senhor! Mostrai-me o vosso rosto. A vossa glória, Senhor, refulge no rosto do vosso Cristo, que tem um rosto humano, semelhante ao meu, semelhante ao dos meus irmãos. Que eu saiba contemplar o vosso rosto também no rosto dos meus irmãos e irmãs, dos que vivem comigo, trabalham comigo, daqueles para quem eu vivo e trabalho. Ámen.

    Contemplatio

    S. Tiago deixou-nos a sua bela epístola dirigida a todas as Igrejas. Nela descreve, de um modo luminoso, a vida cristã, tal como a praticava diariamente. Estabeleceu a necessidade das boas obras, recomenda a constância nas provações, a caridade para com o próximo, o bom uso da língua. Fala do sacramento da Santa Unção, que se dá aos doentes. Resume toda a vida cristã sob o nome de sabedoria que vem do alto, como S. Paulo a resumiu sob o nome de caridade. «A sabedoria é casta, diz, é modesta, pacífica, dócil aos sábios conselhos, cheia de misericórdia, dedicada às boas obras. Evita os juízos temerários, as mentiras, a duplicidade. É sobretudo amiga da paz interior e do recolhimento que são a condição para escutar a voz de Deus e para praticar a justiça na pureza de intenção». Sim, é na paz interior, na união com o Sagrado Coração, que poderei praticar a vida de amor e de reparação que Nosso Senhor espera de mim. (Leão Dehon, OSP 3, p. 506).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quem me vê, vê o Pai!" (Jo 14, 9).

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    S. Filipe e S. Tiago, Apóstolos (3 Maio)

  • 06º Domingo da Páscoa - Ano B

    06º Domingo da Páscoa - Ano B

    5 de Maio, 2024

    06º Domingo da Páscoa - Ano B

    ANO B
    6º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 6º Domingo da Páscoa

    A liturgia do 6º Domingo da Páscoa convida-nos a contemplar o amor de Deus, manifestado na pessoa, nos gestos e nas palavras de Jesus e dia a dia tornado presente na vida dos homens por acção dos discípulos de Jesus.
    A segunda leitura apresenta uma das mais profundas e completas definições de Deus: "Deus é amor". A vinda de Jesus ao encontro dos homens e a sua morte na cruz revelam a grandeza do amor de Deus pelos homens. Ser "filho de Deus" e "conhecer a Deus" é deixar-se envolver por este dinamismo de amor e amar os irmãos.
    No Evangelho, Jesus define as coordenadas do "caminho" que os seus discípulos devem percorrer, ao longo da sua marcha pela história... Eles são os "amigos" a quem Jesus revelou o amor do Pai; a sua missão é testemunhar o amor de Deus no meio dos homens. Através desse testemunho, concretiza-se o projecto salvador de Deus e nasce o Homem Novo.
    A primeira leitura afirma que essa salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo, e levada ao mundo pelos discípulos, se destina a todos os homens e mulheres, sem excepção. Para Deus, o que é decisivo não é a pertença a uma raça ou a um determinado grupo social, mas sim a disponibilidade para acolher a oferta que Ele faz.

    LEITURA I - Act 10,25-26.34-35.44-48

    Leitura dos Actos dos Apóstolos

    Naqueles dias,
    Pedro chegou a casa de Cornélio.
    Este veio-lhe ao encontro
    e prostrou-se a seus pés.
    Mas Pedro levantou-o, dizendo:
    «Levanta-te, que eu também sou um simples homem».
    Pedro disse-lhe ainda:
    «Na verdade, eu reconheço
    que Deus não faz acepção de pessoas,
    mas, em qualquer nação,
    aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável».
    Ainda Pedro falava,
    quando o Espírito desceu
    sobre todos os que estavam a ouvir a palavra.
    E todos os fiéis convertidos do judaísmo,
    que tinham vindo com Pedro,
    ficaram maravilhados ao verem que o Espírito Santo
    se difundia também sobre os gentios,
    pois ouviam-nos falar em diversas línguas e glorificar a Deus.
    Pedro então declarou:
    «Poderá alguém recusar a água do Baptismo
    aos que receberam o Espírito Santo, como nós?»
    E ordenou que fossem baptizados em nome de Jesus Cristo.
    Então, pediram-lhe que ficasse alguns dias com eles.

    AMBIENTE

    O episódio do livro dos Actos dos Apóstolos que a leitura de hoje nos propõe faz parte de uma secção (cf. 9,32-11,18) cujo protagonista é Pedro. O tema central desta secção é a chegada do cristianismo aos pagãos.
    A cena situa-nos em Cesareia, a grande cidade da costa palestina onde residia, habitualmente, o procurador romano da Judeia. No centro da cena está Cornélio, um centurião romano, que era "piedoso e temente a Deus". O episódio refere-se à visita que Pedro faz a Cornélio, durante a qual lhe anuncia Jesus. Como resultado desse anúncio, dá-se a conversão de Cornélio e de toda a sua família.
    Este episódio tem uma especial importância no esquema imaginado por Lucas para a expansão da Igreja... Cornélio é o primeiro pagão oficialmente admitido na comunidade de Jesus (em Act 8,26-40 fala-se de um etíope que foi baptizado por Filipe; mas esse etíope era já "prosélito" - isto é, simpatizante do judaísmo). Em relação ao pagão Cornélio, não há indicação de que ele estivesse ligado à religião judaica. A sua conversão marca uma viragem decisiva na proclamação do Evangelho que, a partir deste momento, se abre também aos pagãos.
    Para os primeiros cristãos (oriundos do mundo judaico), não era claro que os pagãos tivessem acesso à salvação e que pudessem entrar na Igreja de Jesus. O pagão era um ser impuro, em casa de quem o bom judeu estava proibido de entrar, a fim de não se contaminar. Quereria Deus que a salvação fosse também anunciada aos pagãos?
    Para Lucas, é perfeitamente claro que Deus também quer oferecer a salvação aos pagãos. Para deixar isso bem claro, Lucas põe Deus a dirigir toda a trama... É Deus que, numa visão, pede a Cornélio que mande chamar Pedro (cf. Act 10,1-8); e é Deus que arrebata Pedro "em êxtase" e o prepara para ir ao encontro de Cornélio (cf. Act 10,9-23). A conversão de Cornélio será, basicamente, histórica; as "visões" e os detalhes são, provavelmente, o cenário que Lucas monta para apresentar a sua catequese. Fundamentalmente, Lucas está interessado em deixar claro que Deus quer que a sua proposta de salvação chegue a todos os homens, sem excepção.

    MENSAGEM

    Depois de descrever a recepção de Pedro em casa de Cornélio, Lucas põe na boca de Pedro um discurso (do qual, no entanto, a leitura que nos é proposta só apresenta um pequeno extracto) onde ecoa o kerigma primitivo. Nesse discurso, Pedro anuncia Jesus (vers. 38a), a sua actividade ("andou de lugar em lugar fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com Ele" - vers. 38b), a sua morte (vers. 39b), a sua ressurreição (vers. 40) e a dimensão salvífica da acção de Jesus (vers. 43b). É este o anúncio que Jesus encarregou os primeiros discípulos de testemunharem ao mundo inteiro.
    O nosso texto acentua, especialmente, o facto de a mensagem da salvação se destinar a todas as nações, sem distinção de pessoas, de raças ou de povos. Logo no início do discurso, Pedro reconhece que "Deus não faz acepção de pessoas; em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável" (vers. 34-35). Portanto, o anúncio sobre Jesus deve chegar a todos os cantos da terra.
    Depois do anúncio feito por Pedro, há a efusão do Espírito "sobre quantos ouviam a Palavra" (vers. 44), sem distinção de judeus ou pagãos (vers. 45). O resultado do dom do Espírito é descrito com os mesmos elementos que apareceram no relato do dia do Pentecostes: todos "falavam línguas" e "glorificavam a Deus" (vers. 46). É a confirmação directa de que Deus oferece a salvação a todos os homens e mulheres, sem qualquer excepção. Pedro é o primeiro a tirar daí as devidas conclusões e a baptizar Cornélio e toda a sua família.
    Os primeiros cristãos, oriundos do mundo judaico e marcados pela mentalidade judaica, consideravam que a salvação era, sobretudo, um dom de Deus para os judeus; os pagãos poderiam eventualmente ter acesso à salvação, desde que se convertessem ao judaísmo, aceitassem a Lei de Moisés e a circuncisão. O Espírito Santo veio, contudo, mostrar que a salvação oferecida por Deus, trazida por Cristo e testemunhada pelos discípulos, não é património ou monopólio dos judeus ou dos cristãos oriundos do judaísmo, mas um dom oferecido a todos os homens e mulheres que têm o coração aberto às propostas de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    • O nosso texto pretende deixar claro que a salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo é um dom destinado a todos os homens e mulheres. Para Deus, o que é decisivo não é a pertença a uma raça ou a um determinado grupo social, mas sim a disponibilidade para acolher a oferta que Ele faz. A salvação só não chega àqueles que se fecham no orgulho e na auto-suficiência, recusando os dons de Deus. O Baptismo foi, para todos nós, o momento do nosso "sim" a Deus e à salvação que Ele oferece; mas é preciso que, em cada instante, renovemos esse primeiro "sim" e que vivamos numa permanente disponibilidade para acolher Deus, as suas propostas, os seus dons.

    • Para nós, a ideia de que Deus não exclui ninguém da salvação e não faz acepção de pessoas parece um dado perfeitamente lógico e evidente. No entanto, a lógica universalista de Deus deve convidar-nos a reflectir acerca da forma como, na prática, acolhemos os irmãos que caminham ao nosso lado... O Deus que ama todos os homens, sem excepção, convida-nos a acolher todos os irmãos - mesmo os "diferentes", mesmo os incómodos - com bondade, com compreensão, com amor; o Deus que derrama sobre todos a sua salvação convida-nos a não discriminar "bons" e "maus", "santos" e "pecadores" (frequentemente, os nossos juízos acerca da "bondade" ou da "maldade" dos outros falham redondamente); o Deus que convida cada homem e cada mulher a integrar a comunidade da salvação diz-nos que temos de acolher e amar todos, independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua origem, da sua preparação cultural, do seu lugar na escala social. Não apenas em teoria, mas sobretudo nos nossos gestos concretos, somos chamados a anunciar esse mundo de Deus, sem exclusão, sem marginalização, sem intolerância, sem preconceitos.

    • Quando Pedro chega a casa de Cornélio, este veio-lhe ao encontro e prostrou-se a seus pés... Mas Pedro disse-lhe imediatamente: «levanta-te, que eu também sou um simples homem» (vers. 25-26). A atitude humilde de Pedro faz-nos pensar como são ridículas e desprovidas de sentido certas tentativas de afirmação pessoal diante dos irmãos, certas poses de superioridade, a busca de privilégios e de honras, as lutas pelos primeiros lugares... Aqueles a quem, numa comunidade, foi confiada a responsabilidade de presidir, de coordenar, de organizar, de animar, devem sentir-se "simples homens", humildes instrumentos de Deus. A sua missão é testemunhar Jesus e não procurar privilégios ou a adoração dos irmãos.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 97 (98)

    Refrão 1: O Senhor manifestou a salvação a todos os povos.

    Refrão 2: Diante dos povos manifestou Deus a salvação.

    Cantai ao Senhor um cântico novo
    pelas maravilhas que Ele operou.
    A sua mão e o seu santo braço
    Lhe deram a vitória.

    O Senhor deu a conhecer a salvação,
    revelou aos olhos das nações a sua justiça.
    Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
    em favor da casa de Israel.

    Os confins da terra puderam ver
    a salvação do nosso Deus.
    Aclamai o Senhor, terra inteira,
    exultai de alegria e cantai.

    LEITURA II - 1 Jo 4,7-10

    Leitura da Primeira Epístola de São João

    Caríssimos:
    Amemo-nos uns aos outros,
    porque o amor vem de Deus
    e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus.
    Quem não ama não conhece a Deus,
    porque Deus é amor.
    Assim se manifestou o amor de Deus para connosco:
    Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito,
    para que vivamos por Ele.
    Nisto consiste o amor:
    não fomos nós que amámos a Deus,
    mas foi Ele que nos amou
    e enviou o seu Filho
    como vítima de expiação pelos nossos pecados.

    AMBIENTE

    A Primeira Carta de João é, como vimos nos domingos anteriores, um escrito destinado às Igrejas joânicas da Ásia Menor, afectadas pelos ensinamentos de certas seitas heréticas. Essas seitas (que negavam elementos fundamentais da proposta cristã a propósito da encarnação de Cristo e do "mandamento do amor") traziam os cristãos confusos e baralhados, sem saberem o caminho da verdadeira fé. Nesse contexto, o autor da carta vai apresentar uma espécie de síntese da doutrina cristã, detendo-se especialmente a esclarecer as questões mais polémicas.
    Uma dessas questões polémicas (e à qual o autor da Primeira Carta de João dá grande importância) é a questão do amor ao próximo. Os hereges pré-gnósticos afirmavam que o essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus e negligenciavam as realidades do mundo. Achavam que se podia descobrir "a luz" e estar próximo de Deus, mesmo odiando o próximo (cf. 1 Jo 2,9). Ora, de acordo com o autor da Primeira Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência central da experiência cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer que está em comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor.
    O texto que nos é proposto pertence à terceira parte da carta (cf. 1 Jo 4,7-5,12). Aí, o autor estabelece como critério da vida cristã autêntica a relação entre o amor a Deus e o amor aos irmãos. É nessa dupla dimensão que os cristãos devem encontrar a sua identidade.

    MENSAGEM

    Como cenário de fundo da reflexão que o autor da Primeira Carta de João apresenta, está a convicção de que "Deus é amor". A expressão sugere que a característica mais marcante do ser de Deus é o amor; a actividade mais específica de Deus é amar. A prova indesmentível de que Deus é amor é o facto de Ele ter enviado o seu único Filho ao encontro dos homens, para os libertar do egoísmo, do sofrimento e da morte (vers. 9). Jesus Cristo, o Filho, cumprindo o plano do Pai, mostrou em gestos concretos, visíveis, palpáveis, o amor de Deus pelos homens, sobretudo pelos mais pobres, pelos excluídos, pelos marginalizados... Lutou até à morte para libertar os homens da escravidão, da opressão, do egoísmo, do sofrimento; aceitou morrer para nos indicar que o caminho da vida eterna e verdadeira é o caminho do dom da vida, da entrega a Deus e aos irmãos, do amor que se dá completamente sem guardar nada para si. Mais ainda: esse amor derrama-se sobre o homem mesmo quando ele segue caminhos errados e recusa Deus e as suas propostas. O amor de Deus é um amor incondicional, gratuito, desinteressado, que não exige nada em troca (vers. 10).
    Os crentes são "filhos de Deus". É a vida de Deus que circula neles e que deve transparecer nos seus gestos... Ora, se Deus é amor (e amor total, incondicional, radical), o amor deve ser uma realidade sempre presente na vida dos "filhos de Deus. Quem "conhece" Deus - isto é, quem vive numa relação próxima e íntima com Deus - tem de manifestar em gestos concretos essa vida de amor que lhe enche o coração (vers. 8). Os que "nasceram de Deus" devem, pois, amar os irmãos com o mesmo amor incondicional, desinteressado e gratuito que caracteriza o ser de Deus (vers. 7). O amor aos irmãos não é, pois, algo de acessório, de secundário, para o crente; mas é algo de essencial, de obrigatório. Ser "filho de Deus" e viver em comunhão com Deus exige que o amor transpareça nos gestos de todos os dias e nas relações que estabelecemos uns com os outros.

    ACTUALIZAÇÃO

    • "Deus é amor". O autor da Primeira Carta de João não chegou a esta definição de Deus através de raciocínios académicos e abstractos, mas através da constatação do modo de actuar de Deus em relação aos homens. Sobretudo, ele "viu" o que aconteceu com Jesus e como Jesus mostrou, em gestos concretos, esse incrível amor de Deus pela humanidade. João convida-nos a contemplar Jesus e a tirar conclusões sobre o amor de Deus; convida-nos, também, a reparar nessas mil e uma pequenas coisas que trazem à nossa existência momentos únicos de alegria, de felicidade, de paz e a perceber nelas sinais concretos do amor de Deus, da sua presença ao nosso lado, da sua preocupação connosco. A certeza de que "Deus é amor" e que Ele nos ama com um amor sem limites é o melhor caminho para derrubar as barreiras de indiferença, de egoísmo, de auto-suficiência, de orgulho que tantas vezes nos impedem de viver em comunhão com Deus.

    • O que é "nascer de Deus" ou ser "filho de Deus"? É ter sido baptizado e ter passado, por um acto institucional, a pertencer à Igreja? "Nascer de Deus" é receber vida de Deus e deixar que a vida de Deus circule em nós e se transforme em gestos. Não somos "filhos de Deus" porque um dia fomos baptizados; mas somos "filhos de Deus" porque um dia optámos por Deus, porque continuamos dia a dia a acolher essa vida que Ele nos oferece, porque vivemos em comunhão com Ele e porque damos testemunho desse Deus que é amor através dos nossos gestos.

    • Se somos "filhos" desse Deus que é amor, "amemo-nos uns aos outros" com um amor igual ao de Deus - amor incondicional, gratuito, desinteressado. Um crente não pode passar a vida a olhar para o céu, ignorando as dores, as necessidades e as lutas dos irmãos que caminham pela vida ao seu lado... Também não pode fechar-se no seu egoísmo e comodismo e ignorar os dramas dos pobres, dos oprimidos, dos marginalizados... Não pode, tampouco, ser selectivo e amar só alguns, excluindo os outros... A vida de Deus que enche os corações dos crentes deve manifestar-se em gestos concretos de solidariedade, de serviço, de dom, em benefício de todos os irmãos.

    ALELUIA - Jo 14,23

    Aleluia. Aleluia.

    Se alguém Me ama, guardará a minha palavra.
    Meu Pai o amará e faremos nele a nossa morada.

    EVANGELHO - Jo 15,9-17

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    Disse Jesus aos seus discípulos:
    «Assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei.
    Permanecei no meu amor.
    Se guardardes os meus mandamentos,
    permanecereis no meu amor.
    Se guardardes os meus mandamentos,
    permanecereis no meu amor,
    Assim como Eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai
    e permaneço no seu amor.
    Disse-vos estas coisas,
    para que a minha alegria esteja em vós
    e a vossa alegria seja completa.
    É este o meu mandamento:
    que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei.
    Ninguém tem maior amor
    do que aquele que dá a vida pelos amigos.
    Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando.
    Já não vos chamo servos,
    porque o servo não sabe o que faz o seu senhor;
    mas chamo-vos amigos,
    porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi a meu Pai.
    Não fostes vós que Me escolhestes;
    fui eu que vos escolhi e destinei,
    para que vades e deis fruto
    e o vosso fruto permaneça.
    E assim, tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome,
    Ele vo-lo concederá.
    O que vos mando é que vos ameis uns aos outros».

    AMBIENTE

    O Evangelho deste domingo situa-nos, outra vez, em Jerusalém, numa noite de Quinta-feira do mês de Nisan do ano trinta. A festa da Páscoa está muito próxima e a cidade está cheia de forasteiros. Jesus também está na cidade com o seu grupo de discípulos.
    Há já alguns dias que as autoridades judaicas tinham decidido eliminar Jesus (cf. Jo 11,45-57). A morte na cruz é agora mais do que uma probabilidade: é o cenário imediato; e Jesus está plenamente consciente disso. Os discípulos também já perceberam que estão num momento decisivo e que, nas próximas horas, Jesus lhes vai ser tirado. Estão apreensivos e com medo. Será que a aventura com Jesus chegou ao fim?
    É neste contexto que podemos situar a última ceia de Jesus com os discípulos. Trata-se de uma "ceia de despedida" e tudo o que aí é dito por Jesus soa a "testamento final"... Jesus sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos ficarão no mundo, continuando e testemunhando o projecto do "Reino". Nesse momento de despedida, as palavras de Jesus recordam aos discípulos o essencial da mensagem e apresentam-lhes as grandes coordenadas desse projecto que eles devem continuar a concretizar no mundo.
    No texto que nos é proposto, Jesus procura apontar à sua comunidade (de ontem, mas também de hoje e de sempre) o verdadeiro "caminho do discípulo" - o caminho da união a Jesus e ao Pai. Na perícopa anterior (cf. Jo 15,1-8), Jesus tinha usado, para tratar este tema, a imagem dos ramos (discípulos) que hão-de dar fruto (missão) pela sua união com a videira (Jesus), plantada pelo agricultor (Deus); agora, Jesus fala dos discípulos como "os amigos" que Ele escolheu para colaborarem com Ele na missão.

    MENSAGEM

    Neste discurso de despedida de Jesus aos discípulos, João propõe-nos uma catequese onde são apresentadas as principais coordenadas desse "caminho" que os discípulos devem percorrer, após a partida de Jesus deste mundo. João refere-se, de forma especial, à relação de Jesus com os discípulos e à missão que os discípulos serão chamados a desempenhar no mundo.
    1. A relação do Pai com Jesus é o modelo da relação de Jesus com os discípulos. O Pai amou Jesus e demonstrou-Lhe sempre o seu amor; e Jesus correspondeu ao amor do Pai, cumprindo os seus mandamentos... Da mesma forma, Jesus amou os discípulos e demonstrou-lhes sempre o seu amor; e os discípulos devem corresponder ao amor de Jesus, cumprindo os seus mandamentos (vers. 9-10).
    2. Quais são esses mandamentos do Pai que Jesus procurou cumprir com total fidelidade e obediência? João refere-se aqui, evidentemente, ao cumprimento do projecto de salvação que Deus tinha para os homens e que confiou a Jesus. Jesus, com absoluta fidelidade, cumpriu os "mandamentos" do Pai e apresentou aos homens uma proposta de salvação... Libertou os homens da opressão da Lei, lutou contra as estruturas que escravizavam os homens e os mantinham prisioneiros das trevas; ensinou os homens a viver no amor - no amor que se faz serviço, doação, entrega até às últimas consequências. Apresentou-lhes, dessa forma, um caminho de liberdade e de vida plena. Da acção de Jesus nasceu o Homem Novo, livre do egoísmo e do pecado, capaz de estabelecer novas relações com os outros homens e com Deus.
    Os discípulos são o fruto da obra de Jesus. Eles formam uma comunidade de homens livres, que acolheram e assimilaram a proposta salvadora que o Pai lhes apresentou em Jesus. Eles nasceram do amor do Pai, amor que se fez presente na acção, nos gestos, nas palavras de Jesus.
    3. Agora os discípulos, nascidos da acção de Jesus, estão vinculados a Jesus. Devem, portanto, cumprir os "mandamentos" de Jesus como Jesus cumpriu os "mandamentos" do Pai. Eles devem, como Jesus, ser testemunhas da salvação de Deus e levar a libertação aos irmãos. Essa proposta que Jesus faz aos discípulos é uma proposta que conduz à vida, à realização plena, à alegria (vers. 11).
    4. A proposta de salvação que Jesus faz aos homens e da qual nascerá o Homem Novo resume-se no amor ("é este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei" - vers. 12). Jesus amou totalmente, até às últimas consequências, até ao dom da vida (vers. 13). Como Jesus, através do amor, manifestou aos homens a salvação de Deus, assim também devem fazer os discípulos. Eles devem amar-se uns aos outros com um amor que é serviço simples e humilde, doação total, entrega radical. Desse amor nasce a comunidade do Reino, a comunidade do mundo novo, que testemunha, através do amor, a salvação de Deus. Deus faz-Se presente no mundo e age para libertar os homens através desse amor desinteressado, gratuito, total, que tem a marca de Jesus e que os discípulos são chamados a testemunhar.
    5. Como é a relação entre Jesus e esta comunidade de Homens Novos que aprenderam com Jesus a viver no amor e que são as testemunhas no mundo da salvação de Deus?
    Esta comunidade de homens novos, que ama sem medida e que aceita fazer da própria vida um dom total aos irmãos, é a comunidade dos "amigos" de Jesus (vers. 14). A relação que Jesus tem com os membros dessa comunidade não é uma relação de "senhor" e de "servos", mas uma relação de "amigos", pois o amor colocou Jesus e os discípulos ao mesmo nível. Jesus continua a ser o centro do grupo, mas não se põe acima do grupo.
    Estes "amigos" colaboram todos numa tarefa comum. Têm todos a mesma missão (testemunhar, através do amor, a salvação de Deus) e são todos responsáveis para que a missão se concretize. Os discípulos não são servos a soldo de um senhor, mas amigos que, voluntariamente e cheios de alegria e entusiasmo, colaboram na tarefa.
    Entre esses "amigos", há total comunicação e confiança (o "servo" não conhece os planos do "senhor"; mas o "amigo" partilha com o outro "amigo" os seus planos e projectos). Aos seus "amigos", Jesus comunicou-lhes o projecto de salvação que o Pai tinha para os homens e também a forma de realizar esse projecto (através do amor, da entrega, do dom da vida). Jesus revela Deus aos "amigos", não através de enunciados sobre o ser de Deus, mas mostrando, com a sua pessoa e a sua actividade, que o Pai é amor sem limites e trabalha em favor do homem.
    6. Os discípulos (os "amigos") são os eleitos de Jesus, aqueles que Ele escolheu, chamou e enviou ao mundo a dar fruto (vers. 16a). Tal não significa que Jesus chame uns e rejeite outros; significa que a iniciativa não é dos discípulos e que a sua aproximação à comunidade do Reino é apenas uma resposta ao desafio que Jesus apresenta.
    O objectivo desse chamamento é a missão ("escolhi-vos e destinei-vos para que vades e deis fruto" - vers. 16b). Jesus não quer constituir uma comunidade fechada, isolada, voltada para si própria, mas uma comunidade que vá ao encontro do mundo, que continue a sua obra, que testemunhe o amor, que leve a todos os homens o projecto libertador e salvador de Deus. O resultado da acção dos discípulos de Jesus será o nascimento do Homem Novo - isto é, de homens adultos, livres, responsáveis, animados pelo Espírito, que reproduzem os gestos de amor de Jesus no meio do mundo. Dessa forma, concretizar-se-á o projecto salvador de Deus. Esse "fruto" deve permanecer - quer dizer, deve tornar-se uma realidade efectivamente presente no mundo, capaz de transformar o mundo e a vida dos homens. Quanto mais forte for a intensidade do vínculo que une os discípulos a Jesus, mais frutos nascerão da acção dos discípulos.
    Nessa acção, os discípulos não estarão sozinhos. O amor do Pai e a união com Jesus sustentarão os discípulos que, no meio do mundo, se empenham em realizar o projecto de salvar o homem (16c).
    7. O nosso texto termina com uma nova referência ao mandamento de Jesus: "amai-vos uns aos outros" (vers. 17). O amor partilhado é a condição para estar vinculado a Jesus e para dar fruto. Se este mandamento se cumpre, Jesus estará sempre presente ao lado dos seus discípulos; e, essa presença impulsionará a comunidade e sustentá-la-á na sua actividade em favor do homem.

    ACTUALIZAÇÃO

    • As palavras de Jesus aos discípulos na "ceia de despedida" deixam claro, antes de mais, que os discípulos não estão sozinhos e perdidos no mundo, mas que o próprio Jesus estará sempre com eles, oferecendo-lhes em cada instante a sua vida. Este é o primeiro grande ensinamento do nosso texto: a comunidade de Jesus continuará, ao longo da sua marcha pela história, a receber vida de Jesus e a ser acompanhada por Jesus. Nos momentos de crise, de desilusão, de frustração, de perseguição, não podemos esquecer que Jesus continua ao nosso lado, dando-nos coragem e esperança, lutando connosco para vencer as forças da opressão e da morte.

    • Os discípulos são os "amigos" de Jesus. Jesus escolheu-os, chamou-os, partilhou com eles o conhecimento e o projecto do Pai, associou-os à sua missão; estabeleceu com eles uma relação de confiança, de proximidade, de intimidade, de comunhão. Este tipo de relação que Jesus quis estabelecer com os discípulos não exclui, no entanto, que Ele continue a ser o centro e a referência, à volta da qual se constrói a comunidade dos discípulos. Jesus é, de facto, o centro à volta do qual se articula a vida das nossas comunidades? Que lugar é que Ele ocupa na nossa vida? Como é que no dia a dia desenvolvemos e aprofundamos o nosso encontro e a nossa comunhão com Ele?

    • Fazer parte da comunidade dos "amigos" de Jesus não é ficar "a olhar para o céu", contemplando e admirando Jesus; mas é aceitar o convite que Jesus faz no sentido de colaborar na missão que o Pai Lhe confiou e que consiste em testemunhar no mundo o projecto salvador de Deus para os homens. Compete-nos a nós, os "amigos" de Jesus, mostrar em gestos concretos que Deus ama cada homem e cada mulher - e de forma especial os pobres, os marginalizados, os débeis, os pequenos, os oprimidos; compete-nos a nós, os "amigos" de Jesus, eliminar o sofrimento, o egoísmo, a miséria, a injustiça, tudo o que oprime e escraviza os irmãos e desfeia o mundo; compete-nos a nós, os "amigos" de Jesus, sermos arautos da justiça, da paz, da reconciliação, do amor; compete-nos a nós, "amigos" de Jesus, denunciarmos os pseudo-valores que oprimem e escravizam os homens... Nós, os "amigos" de Jesus, temos de ser testemunhas desse mundo novo que Deus quer oferecer aos homens e que Jesus anunciou na sua pessoa, nas suas palavras e nos seus gestos. Estamos, de facto, disponíveis para colaborar com Jesus nessa missão?

    • Sobretudo, os "amigos" de Jesus devem amar como Ele amou. Jesus cumpriu os "mandamentos" do Pai - isto é, o projecto de Deus para salvar e libertar os homens - fazendo da sua vida um dom total de amor, sem limites nem condições; a cruz é a expressão máxima dessa vida vivida exclusivamente para os outros. É esse o caminho que Jesus propõe aos seus discípulos ("é este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei"). É aqui que reside a "identidade" dos discípulos de Jesus... Os cristãos são aqueles que testemunham diante do mundo, com palavras e com gestos, que o mundo novo que Deus quer oferecer aos homens, se constrói através do amor. O que é que condiciona a nossa vida, as nossas opções, as nossas tomadas de posição: o amor, ou o egoísmo? As nossas comunidades são, realmente, cartazes vivos que anunciam o amor, ou são espaços de conflito, de divisão, de luta pelos próprios interesses, de realização de projectos egoístas?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 6º DOMINGO DE PÁSCOA
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 6º Domingo de Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus...

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Jesus não se contentou em dizer: "amai-vos uns aos outros". Antes e depois d'Ele, muitos recomendaram isso. Mas Jesus precisa: "como o Pai Me amou, também Eu vos amei". Tudo está nesta conjunção "como", porque Jesus pede para vivermos o que Ele próprio viveu. É isso um verdadeiro testemunho. É o testemunho que Ele dá algumas horas antes da sua última refeição, quando lava os pés aos seus discípulos, dizendo-lhes: "é um exemplo que vos dei a fim de que vós façais também como Eu fiz". Isso chama-se coerência. Jesus manifestou sempre a coerência entre as suas palavras e os seus actos. Se Ele chama os discípulos "amigos" e não "servos", é porque os faz confidentes do seu pensamento e convivas da sua refeição, e é pelo seu testemunho, o do amor mútuo, que eles serão, por sua vez, autênticos testemunhos.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    O amor, sempre o amor... Não haverá exagero, na Igreja, em falar sempre de amor? Muitos cristãos hoje, incluindo muitos jovens, têm saudade de uma religião forte, que ensine a lei, os mandamentos e a exigência da moral, recorrendo a uma estrita disciplina. Evidentemente, para que isso seja eficaz, é preciso falar mais do pecado e insistir na ameaça das punições divinas! Porém... Nestes nove versículos de São João, as palavras "amar", "amor", "amigo" aparecem doze vezes! Como fugir a isso? Jesus faz depender tudo de uma fonte primeira: "assim como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor". Falando do amor de Deus, cometemos muito facilmente o erro de transpor para Deus a nossa maneira humana de amar. O amor que conhecemos implica sempre uma reciprocidade: ser amado para amar, receber para dar. Imaginamos então que o amor de Deus por nós depende da nossa maneira de o receber e de lhe responder. Ora, fazendo assim, esquecemos a palavra de São João: "não fomos nós que amámos Deus, foi Ele que primeiro nos amou". O amor de Deus por nós existe antes de nós. Eu posso recusar este amor, mas Deus jamais deixará de me amar. Nunca poderei esgotar o seu amor. Somente deixando-me amar por Ele, chegarei, pouco a pouco, a amar como Ele me ama!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Ser verdadeiro... Tenhamos, nesta semana, a coragem de responder em verdade à declaração de amor que o Senhor nos faz. A cada um de nós, Ele diz: "Escolhi-te". Sinceramente, no fundo de mim mesmo, o que respondo? Sou verdadeiramente feliz por isso? Como é que esta escolha do Senhor dá fruto?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • Solenidade da Ascensão - Ano B

    Solenidade da Ascensão - Ano B

    12 de Maio, 2024

    Tempo Pascal

    Ano B - Sétimo Domingo - Solenidade da Ascensão

    TEMA
    A Solenidade da Ascensão de Jesus que hoje celebramos sugere que, no final do caminho percorrido no amor e na doação, está a vida definitiva, a comunhão com Deus. Sugere também que Jesus nos deixou o testemunho e que somos nós, seus seguidores, que devemos continuar a realizar o projecto libertador de Deus para os homens e para o mundo.
    No Evangelho, Jesus ressuscitado aparece aos discípulos, ajuda-os a vencer a desilusão e o comodismo e envia-os em missão, como testemunhas do projecto de salvação de Deus. De junto do Pai, Jesus continuará a acompanhar os discípulos e, através deles, a oferecer aos homens a vida nova e definitiva.
    Na primeira leitura, repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter apresentado ao mundo o projecto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus - a mesma vida que espera todos os que percorrem o mesmo "caminho" que Jesus percorreu. Quanto aos discípulos: eles não podem ficar a olhar para o céu, numa passividade alienante; mas têm de ir para o meio dos homens continuar o projecto de Jesus.
    A segunda leitura convida os discípulos a terem consciência da esperança a que foram chamados (a vida plena de comunhão com Deus). Devem caminhar ao encontro dessa "esperança" de mãos dadas com os irmãos - membros do mesmo "corpo" - e em comunhão com Cristo, a "cabeça" desse "corpo". Cristo reside no seu "corpo" que é a Igreja; e é nela que se torna hoje presente no meio dos homens.

    LEITURA 1- Act 1,1-11
    No meu primeiro livro, ó Teófilo,
    narrei todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar, desde o princípio até ao dia em que foi elevado ao Céu, depois de ter dado, pelo Espírito Santo, as suas instruções aos Apóstolos que escolhera. Foi também a eles que, depois da sua paixão, aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando-lhes do reino de Deus. Um dia em que estava com eles à mesa, mandou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, «da Qual- disse Ele - Me ouvistes falar. Na verdade, João baptizou com água; vós, porém, sereis baptizados no Espírito Santo, dentro de poucos dias».
    Aqueles que se tinham reunido começaram a perguntar: «Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?» Ele respondeu-lhes:
    «Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade; mas recebereis a força do Espírito Santo,
    que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra».
    Dito isto, elevou-Se à vista deles e uma nuvem escondeu-O a seus olhos. E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus se afastava, apresentaram-se-Ihes dois homens vestidos de branco, que disseram: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».

    AMBIENTE
    O livro dos "Actos dos apóstolos" dirige-se a comunidades que vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80, cerca de cinquenta anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa pela vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o "Reino" e há uma certa desilusão. As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece uma vida cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na mediocridade; falta o entusiasmo e o empenhoD O quadro geral é o de um certo sentimento de frustração, porque o mundo continua igual e a esperada intervenção vitoriosa de Deus continua adiada. Quando vai concretizar-¬se, de forma plena e inequívoca, o projecto salvador de Deus?
    É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que o projecto de salvação e de libertação que Jesus veio apresentar passou (após a ida de Jesus para junto do Pai) para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A construção do "Reino" é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso concretizar na história, e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os cristãos são convidados a redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o projecto de Deus, na fidelidade ao "caminho" que Jesus percorreu.

    MENSAGEM
    O nosso texto começa com um prólogo (vers. 1-2) que relaciona os "Actos" com o 3° Evangelho - quer na referência ao mesmo Teófilo a quem o Evangelho era dedicado, quer na alusão a Jesus, aos seus ensinamentos e à sua acção no mundo (tema central do 3° Evangelho). Neste prólogo são também apresentados os protagonistas do livro - o Espírito Santo e os apóstolos, vinculados com Jesus.
    Depois da apresentação inicial, vem o tema da despedida de Jesus (vers. 3-8). O autor começa por fazer referência aos "quarenta dias" que mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos discípulos "a respeito do Reino de Deus" (o que parece estar em contradição com o Evangelho, onde a ressurreição e a ascensão são apresentados no próprio dia de Páscoa - cf. Lc 24). O número quarenta é, certamente, um número simbólico: é o número que define o tempo necessário para que um discípulo possa aprender e repetir as lições do mestre. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.
    As palavras de despedida de Jesus (vers. 4-8) sublinham dois aspectos: a vinda do Espírito e o testemunho que os discípulos vão ser chamados a dar "até aos confins do mundo". Temos resumida aqui a experiência missionária da comunidade de Lucas: o Espírito irá derramar-se sobre a comunidade crente e dará a força para testemunhar Jesus em todo o mundo, desde Jerusalém a Roma. Na realidade, trata-se do programa que Lucas vai apresentar ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar com a sua obra que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus e são impulsionados pelo Espírito.

    o último tema é o da ascensão (vers. 9-11). Evidentemente, esta passagem necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade.
    Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu (vers. 9a). Não estamos a falar de uma pessoa que, literalmente, descola da terra e começa a elevar-se; estamos a falar de um sentido teológico (não é o "repórter", mas sim o "teólogo" a falar): a ascensão é uma forma de expressar simbolicamente que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supra-terrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai.
    Temos, depois, a nuvem (vers. 9b) que subtrai Jesus aos olhos dos discípulos. Pairando a meio caminho entre o céu e a terra, a nuvem é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do divino (cf. Ex 13,21.22; 14,19.24; 24,15b-18; 40,34-38). Ao mesmo tempo, simultaneamente esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto o Povo não pode ver, mas cuja presença adivinha nos acidentes da caminhada. Céu e terra, presença e ausência, luz e sombra, divino e humano, são dimensões aqui sugeridas a propósito de Cristo ressuscitado, elevado à glória do Pai, mas que continua a caminhar com os discípulos.
    Temos ainda os discípulos a olhar para o céu (vers. 10a). Significa a expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda vinda de Cristo, a fim de levar ao seu termo o projecto de libertação do homem e do mundo.
    Temos, finalmente, os dois homens vestidos de branco (vers. 10b). O branco sugere o mundo de Deus, o que indica que o seu testemunho vem de Deus. Eles convidam os discípulos a continuar no mundo, animados pelo Espírito, a obra libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que tem de continuar, na história, a obra de Jesus, embora com a esperança posta na segunda e definitiva vinda do Senhor.
    O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos a admirar a elevação de Jesus; mas é convidar-nos a seguir o "caminho" de Jesus, olhando para o futuro e entregando-nos à realização do seu projecto de salvação no meio do mundo.

    ACTUALIZAÇÃO
    + A ressurreição/ascensão de Jesus garante-nos, antes de mais, que uma vida vivida na fidelidade aos projectos do Pai é uma vida destinada à glorificação, à comunhão definitiva com Deus. Quem percorre o mesmo "caminho" de Jesus subirá, como Ele, à vida plena.
    + A ascensão de Jesus recorda-nos, sobretudo, que Ele foi elevado para junto do Pai e nos encarregou de continuar a tornar realidade o seu projecto libertador no meio dos homens nossos irmãos. É essa a atitude que tem marcado a caminhada histórica da Igreja? Ela tem sido fiel à missão que Jesus, ao deixar este mundo, lhe confiou?
    + O nosso testemunho tem transformado e libertado a realidade que nos rodeia?
    Qual o real impacto desse testemunho na nossa família, no local onde desenvolvemos a nossa actividade profissional, na nossa comunidade cristã ou religiosa?
    + É relativamente frequente ouvirmos dizer que os seguidores de Jesus gostam mais de olhar para o céu do que se comprometerem na transformação da terra. Estamos, efectivamente, atentos aos problemas e às angústias dos homens, ou vivemos de olhos postos no céu, num espiritualismo alienado? Sentimo-nos questionados pelas inquietações, pelas misérias, pelos sofrimentos, pelos sonhos, pelas esperanças que enchem o coração dos que nos rodeiam? Sentimo-nos solidários com todos os homens, particularmente com aqueles que sofrem?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 46 (47)
    Refrão 1: Por entre aclamações e ao som da trombeta, ergue-Se Deus, o Senhor.
    Refrão 2: Ergue-se, Deus, o Senhor,
    em júbilo e ao som da trombeta.
    Povos todos, batei palmas,
    aclamai a Deus com brados de alegria,porque o Senhor, o Altíssimo, é terrível, o Rei soberano de toda a terra.
    Deus subiu entre aclamações,
    o Senhor subiu ao som da trombeta. Cantai hinos a Deus, cantai,
    cantai hinos ao nosso Rei, cantai.
    Deus é Rei do universo: cantai os hinos mais belos. Deus reina sobre os povos,
    Deus está sentado no seu trono sagrado.

    LEITURA II - Ef 1,17-23
    Irmãos:
    O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda um espírito de sabedoria e de luz
    para O conhecerdes plenamente
    e ilumine os olhos do vosso coração,
    para compreenderdes a esperança a que fostes chamados, os tesouros de glória da sua herança entre os santos
    e a incomensurável grandeza do seu poder
    para nós os crentes.
    Assim o mostra a eficácia da poderosa força que exerceu em Cristo,
    que Ele ressuscitou dos mortos
    e colocou à sua direita nos Céus,
    acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania,
    acima de todo o nome que é pronunciado, não só neste mundo, mas também no mundo que há-de vir.
    Tudo submeteu aos seus pés e pô-l'O acima de todas as coisas como Cabeça de toda a Igreja, que é o seu Corpo,
    a plenitude d'Aquele que preenche tudo em todos.

    AMBIENTE
    A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma "carta circular" enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma?). Q seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
    Alguns vêem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente.
    Em concreto, o texto que nos é proposto aparece na primeira parte da carta e faz parte de uma acção de graças, na qual Paulo agradece a Deus pela fé dos efésios e pela caridade que eles manifestam para com todos os irmãos na fé.

    MENSAGEM
    À acção de graças, Paulo une uma fervorosa oração a Deus, para que os destinatários da carta conheçam "a esperança a que foram chamados" (vers. 18). A prova de que o Pai tem poder para realizar essa "esperança" (isto é, conferir aos crentes a vida eterna como herança) é o que Ele fez com Jesus Cristo: ressuscitou-Q e sentou-Q à sua direita (vers. 20), exaltou-Q e deu-Lhe a soberania sobre todos os poderes angélicos (Paulo está preocupado com a perigosa tendência de alguns cristãos em dar uma importância exagerada aos anjos, colocando-os até acima de Cristo - cf. Coi 1,6). Essa soberania estende-se, inclusive, à Igreja - o "corpo" do qual Cristo é a "cabeça". Q mais significativo deste texto é, precisamente, este último desenvolvimento. A ideia de que a comunidade cristã é um "corpo" - o "corpo de Cristo" - formado por muitos membros, já havia aparecido nas "grandes cartas", acentuando-se, sobretudo, a relação dos vários membros do "corpo" entre si (cf. 1 Cor 6,12-20; 10,16-17; 12,12-27; Rom 12,3-8); mas, nas "cartas do cativeiro", Paulo retoma a noção de "corpo de Cristo" para reflectir sobre a relação que existe entre a comunidade e Cristo.
    Neste texto, em concreto, há dois conceitos muito significativos para definir o quadro da relação entre Cristo e a Igreja: o de "cabeça" e o de "plenitude" (em grego, "pleroma").
    Dizer que Cristo é a "cabeça" da Igreja significa, antes de mais, que os dois formam uma comunidade indissolúvel e que há entre os dois uma comunhão total de vida e de destino; significa também que Cristo é o centro à volta do qual o "corpo" se articula, a partir do qual e em direcção ao qual o "corpo" cresce, se orienta e constrói, a origem e o fim desse "corpo"; significa ainda que a Igreja/corpo está submetida à obediência a Cristo/cabeça: só de Cristo a Igreja depende e só a Ele deve obediência.
    Dizer que a Igreja é a "plenitude" ("pleroma") de Cristo significa dizer que nela reside a "plenitude", a "totalidade" de Cristo. Ela é o receptáculo, a habitação, onde Cristo Se torna presente no mundo; é através desse "corpo" onde reside, que Cristo continua todos os dias a realizar o seu projecto de salvação em favor dos homens. Presente nesse "corpo", Cristo enche o mundo e atrai a Si o universo inteiro, até que o próprio Cristo "seja tudo em todos" (vers. 23).

    ACTUALIZAÇÃO
    + Na nossa peregrinação pelo mundo, convém termos sempre presente "a esperança a que fomos chamados". A ressurreição/ascensão/glorificação de Jesus é a garantia da nossa própria ressurreição/glorificação. Formamos com Ele um "corpo" destinado à vida plena. Esta perspectiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e de avançar - apesar das dificuldades - nesse "caminho" do amor e da entrega total que Cristo percorreu.
    + Dizer que fazemos parte do "corpo de Cristo" significa que devemos viver numa comunhão total com Ele e que nessa comunhão recebemos, a cada instante, a vida que nos alimenta. Significa também viver em comunhão, em solidariedade total com todos os nossos irmãos, membros do mesmo "corpo", alimentados pela mesma vida. Estas duas coordenadas estão presentes na nossa existência?
    + Dizer que a Igreja é o "pleroma" de Cristo significa que temos a obrigação de testemunhar Cristo, de torná-l'O presente no mundo, de levar à plenitude o projecto de libertação que Ele começou em favor dos homens. Essa tarefa só estará acabada quando, pelo testemunho e pela acção dos crentes, Cristo for "um em todos".
    (Nota: em vez desta leitura, pode-se escolher a seguinte leitura facultativa: Ef 4,1-13)

    ALELUIA - Mt 28,19a.20b
    Aleluia. Aleluia.
    Ide e ensinai todos os povos, diz o Senhor:
    Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos.

    EVANGELHO - Mc 16,15-20
    Naquele tempo,
    Jesus apareceu aos Doze e disse-lhes: «Ide por todo o mundo
    e pregai o Evangelho a toda a criatura. Quem acreditar e for baptizado será salvo; mas quem não acreditar será condenado.
    Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem: expulsarão os demónios em meu nome;
    falarão novas línguas;
    se pegarem em serpentes ou beberem veneno, não sofrerão nenhum mal;
    e quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados».
    E assim o Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus.
    Eles partiram a pregar por toda a parte e o Senhor cooperava com eles,
    confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam.

    AMBIENTE
    A perícopa de Mc 16,9-20 distingue-se, no conjunto do Evangelho segundo Marcos, por se apresentar com um estilo e com vocabulário muito diferentes do resto do texto. Aliás, os manuscritos mais importantes e mais antigos que conservaram este Evangelho concluíam o texto de Marcos em 16,8, com o medo das mulheres que, na manhã de Páscoa, encontraram o túmulo vazio. Provavelmente, foi assim que Marcos terminou o seu Evangelho, dando-lhe um final "aberto" e como que convidando o leitor a completar o relato com a sua própria experiência pessoal de seguimento de Jesus, superando o medo, "vendo" Jesus e dando testemunho d'Ele.
    No entanto, este final pareceu deixar insatisfeitos os leitores de Marcos e apareceram várias tentativas de dar ao Evangelho segundo Marcos um final mais satisfatório. Algumas dessas tentativas estão, aliás, atestadas em diversos documentos antigos que nos transmitiram o texto do segundo Evangelho. De entre os diversos "finais" que apareceram, houve um que se impôs aos outrosOTrata-se de um texto de meados do séc. II, que apresenta um resumo das aparições de Jesus ressuscitado contadas por outros evangelistas. Embora tardio e não redigido por Marcos, este "final" é, contudo, parte integrante da Escritura Sagrada. A Igreja reconhece-o como canónico, como inspirado por Deus e como Palavra de Deus.
    O texto que nos é proposto é parte da perícopa em causa. Os elementos apresentados no texto são pequenos resumos de relatos feitos por outros evangelistas. Assim, a aparição de Jesus ressuscitado aos Onze depende de Lc 24,36-43 e de Jo 20,19-29; a definição da missão dos apóstolos depende de Mt 28,16- 20 e de Lc 24,44-49; o relato da Ascensão depende de Lc 24,50-53 e de Act 1,4-11.
    O quadro traçado pelo autor da perícopa apresenta os discípulos a reagir de uma forma muito negativa ao facto de Jesus já não estar com eles. Na manhã da ressurreição, eles estavam "em luto e em pranto" (Mc 16,10); depois, receberam o testemunho das mulheres que encontraram Jesus ressuscitado, com incredulidade e com um coração obstinado (cf. Mc 16,14). Num caso e noutro, negam-se a ir em frente e a continuar a aventura que começaram com Jesus. Têm medo de arriscar e preferem ficar comodamente instalados a "lamber as feridas". É o anti-seguimento eD encontro com Jesus ressuscitado vai, porém, obrigá-los a sair do seu letargo e a assumir os seus compromissos e responsabilidades, como membros da comunidade do Reino.

    MENSAGEM
    A questão central abordada no nosso texto é a do papel dos discípulos no mundo, após a partida de Jesus ao encontro do Pai. O texto consta de três cenas: Jesus ressuscitado define a missão dos discípulos; Jesus parte ao encontro do Pai; os discípulos partem ao encontro do mundo, a fim de concretizar a missão que Jesus lhes confiou.
    Na primeira cena (vers. 15-18), Jesus ressuscitado aparece aos discípulos, acorda-os da letargia em que se tinham instalado e define a missão que, doravante, eles serão chamados a desempenhar no mundoD
    A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da universalidade DA missão dos discípulos destina-se a "todo o mundo" e não deverá deter-se diante de barreiras rácicas, geográficas ou culturais. A proposta de salvação que Jesus fez e que os discípulos devem testemunhar destina-se a toda a terra. Depois, Jesus define o conteúdo do anúncio: o "Evangelho". O que é o "Evangelho"? No Antigo Testamento (sobretudo no Deutero-Isaías e no Trito-Isaías), a palavra "evangelho" está ligada à "boa notícia" da chegada da salvação para o Povo de Deus. Depois, na boca de Jesus, a palavra "Evangelho" designa o anúncio de que o "Reino de Deus" chegou à vida dos homens, trazendo-lhes a paz, a libertação, a felicidade. Para os catequistas das primeiras comunidades cristãs, o "Evangelho" é o anúncio de um acontecimento único, capital, fundamental: em Jesus Cristo, Deus veio ao encontro dos homens, manifestou-lhes o seu amor, inseriu-os na sua família, convidou-os a integrar a comunidade do Reino, ofereceu-lhes a vida definitiva. Tal é o único e exclusivo "evangelho", a "boa notícia" que muda o curso da história e que transforma o sentido e os horizontes da existência humana.
    O anúncio do "Evangelho" obriga os homens a uma opção. Quem aderir à proposta que Jesus faz, chegará à vida plena e definitiva ("quem acreditar e for baptizado será salvo"); mas quem recusar essa proposta, ficará à margem da salvação ("quem não acreditar será condenado" - verso 16).
    O anúncio do Evangelho que os discípulos são chamados a fazer vai atingir não só os homens, mas "toda a criatura". Muitas vezes o homem, guiado por critérios de egoísmo, de cobiça e de lucro, explora a criação, destrói esse mundo "bom" e harmonioso que Deus criou D Mas a proposta de salvação que Deus apresenta destina-se a transformar o coração do homem, eliminando o egoísmo e a maldade. Ao transformar o coração do homem, o "Evangelho" apresentado por Jesus e anunciado pelos discípulos vai propor uma nova relação do homem com todas as outras criaturas - uma relação não mais marcada pelo egoísmo e pela exploração, mas pelo respeito e pelo amor. Dessa forma, nascerá uma nova humanidade e uma nova natureza.
    A presença da salvação de Deus no mundo tornar-se-á uma realidade através dos gestos dos discípulos de Jesus DComprometidos com Jesus, os discípulos vencerão a injustiça e a opressão ("expulsarão os demónios em meu nome"), serão arautos da paz e do entendimento dos homens ("falarão novas línguas"), levarão a esperança e a vida nova a todos os que sofrem e que são prisioneiros da doença e do sofrimento ("quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados"); e, em todos os momentos, Jesus estará com eles, ajudando-os a vencer as contrariedades e as oposições.
    Na segunda cena (vers. 19), Jesus sobe ao céu e senta-Se à direita de Deus. A elevação de Jesus ao céu (ascensão) é uma forma de sugerir que, após o cumprimento da sua missão no meio dos homens, Jesus foi ao encontro do Pai e reentrou na comunhão do Pai.
    A intronização de Jesus "à direita de Deus" mostra, por sua vez, a veracidade da proposta de Jesus. Na concepção dos povos antigos, aquele que se sentava à direita de Deus era um personagem distinto, que o rei queria honrar de forma especial D Jesus, porque cumpriu com total fidelidade o projecto de Deus para os homens, é honrado pelo Pai e sentado à sua direita. A proposta que Jesus apresentou, que os discípulos acolheram e que vão ser chamados a testemunhar no mundo, não é uma aventura sem sentido e sem saída, mas é o projecto de salvação que Deus quer oferecer aos homens.
    Na terceira cena (vers. 20), descreve-se resumidamente a acção missionária dos discípulos: eles partiram (quer dizer, deixaram para trás as seguranças e afectos humanos por causa da missão) a pregar (quer dizer, a anunciar com palavras e com gestos concretos essa vida nova que Deus ofereceu aos homens através de Jesus) por toda a parte (propondo a todos os homens, sem excepção, a proposta salvadora de Deus).
    O autor desta catequese assegura aos discípulos que não estão sozinhos ao longo durante a missão DJesus, vivo e ressuscitado, está com eles, coopera com eles e manifesta-Se ao mundo nas palavras e nos gestos dos discípulos.
    A festa da Ascensão de Jesus é, sobretudo, o momento em que os discípulos tomam consciência da sua missão e do seu papel no mundo. A Igreja (a comunidade dos discípulos, reunida à volta de Jesus, animada pelo Espírito) é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio trazer aos homens.

    ACTUALIZAÇÃO
    + Jesus foi ao encontro do Pai, depois de uma vida gasta ao serviço do "Reino"; deixou aos seus discípulos a missão de anunciar o "Reino" e de torná-lo uma proposta capaz de renovar e de transformar o mundo. Celebrar a ascensão de Jesus significa, antes de mais, tomar consciência da missão que foi confiada aos discípulos e sentir-se responsável pela presença do "Reino" na vida dos homens. Estou consciente de que a Igreja - a comunidade dos discípulos de Jesus, a que eu pertenço também - é hoje a presença libertadora e salvadora de Jesus no meio dos homens? Como é que eu procuro testemunhar o "Reino" na minha vida de todos os dias - em casa, no trabalho ou na escola, na paróquia, na comunidade religiosa?
    + A missão que Jesus confiou aos discípulos é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas não podem ser obstáculos para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Tenho consciência de que a missão que foi confiada aos discípulos é uma missão universal? Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os homens - sem distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas - a anunciar-lhes a libertação, a salvação, a vida definitiva? Tenho consciência de que sou responsável pela vida, pela felicidade e pela liberdade de todos os meus irmãos - mesmo que eles habitem no outro lado do mundo?
    + Tornar-se discípulo é, em primeiro lugar, aprender os ensinamentos de Jesus - a partir das suas palavras, dos seus gestos, da sua vida oferecida por amor. É claro que o mundo do século XXI apresenta, todos os dias, desafios novos; mas os discípulos, formados na escola de Jesus, são convidados a ler os desafios que hoje o mundo coloca, à luz dos ensinamentos de Jesus. Preocupo-me em conhecer bem os ensinamentos de Jesus e em aplicá-los à vida de todos os dias?
    + No dia em que fui baptizado, comprometi-me com Jesus e vinculei-me com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A minha vida tem sido coerente com esse compromisso?
    + É um tremendo desafio testemunhar, hoje, no mundo os valores do "Reino" (esses valores que, muitas vezes, estão em contradição com aquilo que o mundo defende e que o mundo considera serem as prioridades da vida). Com frequência, os discípulos de Jesus são objecto da irrisão e do escárnio dos homens, porque insistem em testemunhar que a felicidade está no amor e no dom da vida; com frequência, os discípulos de Jesus são apresentados como vítimas de uma máquina de escravidão, que produz escravos, alienados, vítimas do obscurantismo, porque insistem em testemunhar que a vida plena está no perdão, no serviço, na entrega da vida. O confronto com o mundo gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustraçãoDNos momentos de decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de Jesus: "Eu estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA ASCENSÃO (adaptadas de "Signes d'eujcurd'hui"}

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 6° Domingo da Ascensão, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemploDEscolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosaD Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de DeusD

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Estar com o RessuscitadoO Jesus ressuscitado apareceu aos seus Apóstolos e manifestou-Se de modo diferente, consoante a sua fé lhes permitia reconhecê-I'O. Agora que eles O viram, escutaram e tocaram, Ele podia desaparecer aos seus olhos. Doravante, é com os olhos da fé que O verão. Mas Cristo quer assegurar-lhes a sua presença, uma outra presença, mas real: "o Senhor cooperava com eles, confirmando a sua palavra com os milagres que a acompanhavam". Assim, os Apóstolos tomam-se "cheios de poder" e "porta-vozes" de Cristo, mas os seus actos são ao mesmo tempo actos de Cristo, as palavras que pronunciam são ao mesmo tempo palavras do seu Mestre. Ele está com eles até ao fim dos tempos. Os Apóstolos desapareceram, a Igreja permanece e o Ressuscitado está sempre com ela, trabalha connosco e confirma as nossas palavras. É necessário que também nós estejamos com EleO

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Olhar para o céu Oe partir! No livro dos Actos, Lucas diz que os Apóstolos, vendo Jesus elevar-Se à vista delesOestavam de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava. E que se apresentaram dois homens vestidos de branco, que disseram:
    "Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu?" Conhecemos bem esta tentação de "ficar aí", aqui e agora. Dito de outro modo: mantermo-nos e, se possível, instalarmo-nos naquilo que temos, naquilo que somos. É mais seguro apoiarmo-nos na nossa experiência, não mudando os nossos hábitos, as nossas opiniões! Os Apóstolos passaram por isso! Eles imaginaram que a sua aventura duraria muito tempo, que poderiam instalar-se no reino que Jesus iria certamente estabelecer. Com o convite do Ressuscitado a irem pelo mundo inteiro pregar a Boa Nova, com a pergunta dos anjos, eles têm que partir, deixar os seus hábitos, o seu cantinho de terra. Que transformação! Não poderão mais parar. Devem ir até aos confins da terra. No seguimento dos Apóstolos, os cristãos não podem instalar-se. A Igreja não pode parar nem fixar-se num momento do tempo, muito menos andar para trás. Não basta olhar para o céu para encontrar solução para os problemas. Acabou a nostalgia do passado. Os cristãos devem ser homens do seu tempo, sem medo das novidades. Jesus lança-nos para lá das nossas rotinas, para que inventemos hoje os meios de tornar compreensível a Boa Nova, como os Apóstolos souberam fazê-lo, ao irem para além da Lei de Moisés. Os cristãos? Homens que se deixam levar pelo grande sopro do Espíritoo

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUEO
    SinaisONão é evidente, é certo, termos sinais tangíveis e visíveis da nossa acção apostólica O Entretanto, de tempos a tempos, Deus concede-nos esses sinais. Procurando bem, procuremos anotá-los e dar graças deles: uma palavra de agradecimento que nos surpreendeu pela sua verdade, um encorajamento recebido de alguém que pudemos ajudar a retomar o caminhoO

    Grupo Dinamizador
    Pe. Joaquim Garrido - Pe. Manuel Barbosa - Pe. Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos) Rua Cidade de Tele, 10:: 1800-129 Lisboa - Portugal
    Tel: 218 540 900:: Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • Nossa Senhora de Fátima

    Nossa Senhora de Fátima


    13 de Maio, 2024

    A 13 de Maio de 1917, Nossa Senhora apareceu aos Três Pastorinhos, Lúcia, Francisco e Jacinta. Nos meses seguintes, até Outubro inclusive, a Virgem Maria voltaria a manifestar-se nos dias 13, exceto em Agosto, quando se manifestou no dia 19, nos Valinhos. Nesses encontros, Nossa Senhora recordou, em linguagem muito simples, acessível aos pastorinhos, as verdades fundamentais do Evangelho. A sua mensagem pode resumir-se nos termos de "oração e penitência", oração e conversão. As aparições foram reconhecidas pela Igreja como dignas de fé. Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI foram peregrinos de Fátima.
    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 21, 1-5a

    Eu, João, vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham desaparecido e o mar já não existia. 2E vi descer do céu, de junto de Deus, a cidade santa, a nova Jerusalém, já preparada, qual noiva adornada para o seu esposo. 3E ouvi uma voz potente que vinha do trono e dizia:«Esta é a morada de Deus entre os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo e o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. 4Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos; e não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Porque as primeiras coisas passaram.» 5O que estava sentado no trono afirmou: «Eu renovo todas as coisas.»

    A grande utopia da ressurreição do homem e do mundo chegará a ser realidade. A cidade nova não tem nada da antiga: nem da Jerusalém israelita, nem sequer da Igreja cristã. É algo de novo que integra aquilo que o antigo tinha de melhor numa espécie de continuidade descontínua. João admira-se de não haver templo na cidade nova. Para o cristianismo, todo o universo é templo: Deus pode revelar-se onde quiser.
    A liturgia aplica este texto a Maria. Deus revelou-se nela. Ela foi a verdadeira Arca de Deus no meio do seu povo. Glorificada no Céu, não esquece aqueles que lhe foram confiados como filhos. Daí, as suas numerosas intervenções ao longo da história, como as de Fátima, em 1917. Ela faz tudo para que, em cada um dos seus filhos, se realize o que já se realizou n´Ela.

    Evangelho: João 19, 25-27

    Naquele tempo, estavam junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua mãe e a irmã da sua mãe, Maria, a mulher de Clopas, e Maria Madalena. 26Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: «Mulher, eis o teu filho!» 27Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua.

    A mãe de Jesus aparece no princípio e no fim da vida pública de Jesus, ou seja, nas bodas de caná (Jo 2, 1ss.) e junto à cruz do Senhor (Jo 19, 1ss.). Nas bodas de Caná, Jesus dirige-lhe palavras que devem entender-se no sentido de separação: Jesus diz-lhe que não intervenha na fase da sua vida pública, que estava a iniciar. A partir desse momento, Maria como que desaparece de cena. Mas, agora que chegou a hora de Jesus, Maria reaparece, pois é também a sua hora. Em ambas as situações Jesus se lhe dirige chamando-a "mulher" e não mãe, como seria normal. O Senhor parece querer apresentá-la como a mulher estreitamente unida a Ele na realização da obra da redenção, a mulher de que se fala no Génesis (Gn 3, 15) e no Apocalipse (Ap 12). As palavras que Jesus dirige a Maria: "Eis o teu filho!" têm um sentido mais profundo do que o imediatamente literal. A Igreja encarregou-se de aprofundá-lo. O afeto e a relação maternal - a maternidade espiritual de Maria - concentrar-se-ão naqueles por quem o seu Filho está a dar a vida. João personifica todos os seguidores de Jesus. Segundo a teologia paulina, os crentes são "irmãos" de Cristo, participantes da sua filiação.

    Meditatio
    "Por ocasião das cerimónias religiosas que têm lugar nestes dias em Fátima, Portugal, em honra da Virgem Mãe de Deus, onde acorrem numerosas multidões de fiéis para venerarem o seu coração maternal e compassivo, desejamos mais uma vez chamar a atenção de todos os filhos da Igreja para o inseparável vínculo que existe entre a maternidade espiritual de Maria e os deveres que têm para com Ela os homens resgatados. Julgamos ser de grande utilidade para as almas dos fiéis considerar duas verdades muito importantes para a renovação da vida cristã. A primeira verdade é esta: Maria é Mãe da Igreja, não só por ser Mãe de Jesus Cristo e sua íntima colaboradora na nova economia da graça, quando o Filho de Deus n'Ela assumiu a natureza humana para libertar o homem do pecado mediante os mistérios da sua carne, mas também porque brilha à comunidade dos eleitos como admirável modelo de virtude. Depois de ter participado no sacrifício redentor de seu Filho, e de maneira tão íntima que mereceu ser por Ele proclamada Mãe não somente do discípulo João, mas - seja consentido afirmá-lo - do género humano, por este de algum modo representado, Ela continua agora no Céu a desempenhar a sua função materna de cooperadora no nascimento e desenvolvimento da vida divina em cada alma dos homens remidos. Mas de que modo coopera Maria no crescimento da vida da graça nos membros do Corpo Místico? Antes de tudo, pela sua oração incessante, inspirada por uma ardentíssima caridade. A Virgem Santa, de facto, gozando embora da contemplação da Santíssima Trindade, não esquece os seus filhos que caminham, como Ela outrora, na peregrinação da fé; pelo contrário, contemplando-os em Deus e conhecendo bem as suas necessidades, em comunhão com Jesus Cristo que está sempre vivo para interceder por nós, deles se constitui Advogada, Auxiliadora, Amparo e Medianeira. No entanto, a cooperação da Mãe da Igreja no desenvolvimento da vida divina nas almas não consiste apenas na sua intercessão junto do Filho. Ela exerce sobre os homens remidos outra influência importantíssima, a do exemplo, segundo a conhecida máxima: as palavras movem, o exemplo arrasta. Realmente, tal como os ensinamentos dos pais adquirem maior eficácia quando são acompanhados pelo exemplo duma vida conforme as normas da prudência humana e cristã, assim também a suavidade e o encanto das excelsas virtudes da Imaculada Mãe de Deus atraem irresistivelmente as almas para a imitação do divino modelo, Jesus Cristo, de que Ela foi a mais perfeita imagem. Mas nem a graça do divino Redentor nem a poderosa intercessão de sua e nossa Mãe espiritual poderiam conduzir-nos ao porto da salvação, se a tudo isso não correspondesse a nossa perseverante vontade de honrar Jesus Cristo e a Virgem Mãe de Deus com a fiel imitação das suas sublimes virtudes. É, pois, dever de todos os cristãos imitar religiosamente os exemplos de bondade que lhes deixou a Mãe do Céu. É esta a segunda verdade sobre a qual nos agrada chamar a vossa atenção. É em Maria que os cristãos podem admirar o exemplo que lhes mostra como realizar, com humildade e magnanimidade, a missão que Deus confiou a cada um neste mundo, em ordem à sua eterna salvação e à do próximo. Uma mensagem de suma utilidade parece chegar hoje aos fiéis da parte d'Aquela que é a Imaculada, a toda santa, a cooperadora do Filho na restauração da vida sobrenatural das almas. A santa contemplação de Maria incita-os, de facto, à oração confiante, à prática da penitência, ao santo temor de Deus, e recorda-lhes com frequência aquelas palavras com que Jesus Cristo anunciava estar perto o reino dos Céus: Arrependei-vos e acreditai no Evangelho, bem como a sua severa advertência: Se não vos arrependerdes, perecereis todos de maneira semelhante. Comemorando-se este ano o vigésimo quinto aniversário da solene consagração da Igreja a Maria Mãe de Deus e ao seu Coração Imaculado, feita pelo Nosso Predecessor Pio XII no dia 31 de Outubro de 1942, por ocasião da Radiomensagem à Nação Portuguesa - consagração que Nós mesmo renovámos no dia 21 de Novembro de 1964 - exortamos todos os filhos da Igreja a renovar pessoalmente a sua própria consagração ao Coração Imaculado da Mãe da Igreja e a viver este nobilíssimo ato de culto com uma vida cada vez mais conforme à vontade divina, em espírito de serviço filial e devota imitação da sua celeste Rainha. (Paulo VI, 13 de Maio de 1967).

    Oratio

    Pai Santo, nós vos louvamos e bendizemos, ao celebrarmos a festa da Virgem Santa Maria. Recebendo o vosso Verbo em seu Coração Imaculado, ela mereceu concebê-lo em seu seio virginal e, dando à luz o Criador do universo, preparou o nascimento da Igreja. Junto à cruz, aceitou o testamento da caridade divina e recebeu todos os homens como seus filhos, pela morte de Cristo gerados para a vida eterna. Enquanto esperava, com os Apóstolos, a vinda do Espírito Santo, associando-se às preces dos discípulos, tornou-se modelo admirável da Igreja em oração. Elevada à glória do Céu, assiste com amor materno a Igreja ainda peregrina sobre a terra, protegendo misericordiosamente os seus passos a caminho da pátria celeste, enquanto espera a vinda gloriosa do Senhor. Nós vos louvamos e bendizemos, Senhor! Ámen. (cf. Prefácio da Missa).

    Contemplatio

    Ó Coração sagrado do meu Jesus, eu vos adoro e vos dou graças infinitas por terdes dirigido para a minha salvação o martírio que suportastes à vista dos sofrimentos do santíssimo Coração de Maria ao pé da cruz, porque ma destes como soberana e como mãe. Tal é o vosso amor por mim que lhe pedistes para me tomar como seu filho em vosso lugar, para me amar, para ter compaixão das minhas misérias, para me assistir, para me proteger, para me guardar e para me governar como seu filho. Talvez, ó meu Salvador, não encontrastes maior consolação para a vossa divina Mãe do que dar-lhe filhos perversos e pecadores, a fim de que ela empregue o seu poder e a imensa caridade do seu Coração em conseguir a sua conversão e salvação. Sede bendito e louvado para sempre, ó Coração sagrado do meu Redentor, por terdes querido que nenhum dos vossos sofrimentos, e os de vossa santa Mãe, fosse perdido por mim, mas que todos servissem para curar as minhas feridas e enriquecer-me com verdadeiros bens. (Leão Dehon, OSP 4, p. 262s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Esta é a morada de Deus entre os homens." (Ap 21, 3).

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    Nossa Senhora de Fátima  (13 Maio)

  • S. Matias

    S. Matias


    14 de Maio, 2024

    S. Matias não pertencia ao grupo dos Doze escolhidos por Jesus para seus companheiros e mensageiros (Mc 3, 14). Mas provavelmente era um dos setenta e dois discípulos que Jesus enviou em missão (Lc 10, 1ss.). De qualquer modo, como firma S. Pedro, estava entre aqueles que, após o batismo de Jesus por João Batista, não tinham deixado de acompanhar os Apóstolos e haviam sido testemunhas da Ressurreição (At 1, 22-23). Quando após a Ascensão se tornou necessário escolher um substituto para Judas, Matias foi agregado ao Colégio Apostólico. O seu nome encontra-se no segundo elenco do Cânon Romano.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos dos Apóstolos 1, 15-17, 20-26

    Por aqueles dias, Pedro levantou-se no meio dos irmãos - encontravam-se reunidas cerca de cento e vinte pessoas - e disse: 16«Irmãos, era necessário que se cumprisse o que o Espírito Santo anunciou na Escritura pela boca de David a respeito de Judas, que foi o guia dos que prenderam Jesus. 20Está realmente escrito no Livro dos Salmos:'Fique deserta a sua habitação e não haja quem nela resida'. E ainda: 'Receba outro o seu encargo.'21Portanto, de entre os homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu no meio de nós, 22a partir do baptismo de João até ao dia em que nos foi arrebatado para o Alto, é indispensável que um deles se torne, connosco, testemunha da sua ressurreição.»23Designaram dois: José, de apelido Barsabas, chamado Justo, e Matias. 24Fizeram, então, a seguinte oração: «Senhor, Tu que conheces o coração de todos, indica-nos qual destes dois escolheste  25para ocupar, no ministério apostólico, o lugar abandonado por Judas, que foi para o lugar que merecia.» 26Depois, tiraram à sorte, e a sorte caiu em Matias, que foi incluído entre os onze Apóstolos.

    Pedro, ao iniciar o seu ministério, preocupa-se em recompor o número dos apóstolos, - Doze -, explicando à comunidade as motivações de tal preocupação. Para entrar no Colégio Apostólico, o candidato deve ter partilhado as experiências do ministério público de Jesus. Exige-o o testemunho eficaz da Ressurreição do Senhor. Para o cristão, a fé enxerta-se na história e a história abre-se a Deus que visita e salva. A oração dos Apóstolos (vv. 24-25) sugere claramente que a escolha não é obra deles, mas é confiada à vontade e à intervenção do Senhor.

    Segunda leitura: João 15, 9-17

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. 10Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, também permaneço no seu amor. 11Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa. 12É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei. 13Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos. 14Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando. 15Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. 16Não fostes vós que me escolhes-tes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. 17É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros.

    O apóstolo partilha a missão de Jesus, que o escolhe e envia. Mas, ainda antes disso, Jesus e os seus discípulos partilham o mesmo amor que Deus, o Pai, lhes deu. O primeiro dever do apóstolo é permanecer no amor, no amor de Jesus para com ele, e no amor de Jesus para com o Pai. É viver na comunhão simultaneamente horizontal e vertical, isto é, com os irmãos na fé e com Deus, meta última do nosso amor. O discípulo de Jesus, porque se sente amado e partilha com Jesus o amor do Pai, sabe que tem um mandamento a observar, o mandamento do amor. Este mandamento não inibe a nossa liberdade, mas exalta-a. O verdadeiro discípulo de Jesus tem plena consciência de ser seu amigo, e sente-se chamado a viver essa amizade "até ao fim", até ao dom de si mesmo.

    Meditatio

    S. Matias foi escolhido para ser amigo de Jesus e seu apóstolo. Como aos Onze, que restavam do Colégio Apostólico, Jesus diz: "És meu amigo, se fizeres o que Eu te mando." (cf. v. 14). Os temas do mandamento e o do amor repetem-se, hoje, no evangelho: "Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor." (vv. 9-10); "É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei." (v. 12). Esta insistência no mandamento, a propósito do amor, pode causar-nos estranheza. O amor, pensamos, só pode ser livre, uma vez que é algo de espontâneo e se desenvolve por leis próprias. Não são precisos mandamentos para o observar. Mas o cristão sabe que o verdadeiro amor não é pura espontaneidade, mas dom de Deus, derramado nos nossos corações. Para Jesus o verdadeiro amor leva a cumprir a vontade do outro: "Eu tenho guardado os mandamentos do meu Pai, e permaneço no seu amor" cf. (v. 10). Para amar o Pai, Jesus vive em permanente adesão à sua vontade. O Pai, e Jesus, querem que também nós amemos. Trata-se de uma espécie de círculo, que não é vicioso, mas de progresso no amor. A verdadeira adesão à vontade de Deus realiza-se no amor e, para que o nosso amor progrida, é preciso que seja adesão à vontade divina. Esta é a lei fundamental da vida espiritual: para amar, procuramos a vontade de Jesus, a vontade do Pai; procurando e cumprindo esta vontade, progredimos no amor.
    A oblação de amor, a que somos chamados, como dehonianos, concretiza-se na obediência amorosa à vontade de Deus. Lemos nas Constituições: "Jesus submeteu-Se amorosamente à vontade do Pai: disponibilidade particularmente manifesta na sua atenção e abertura às necessidades e aspirações dos homens. "O meu alimento é fazer a vontade d'Aquele que Me enviou e realizar a sua obra" (Jo 4,34). Queremos, a seu exemplo, pela profissão da obediência, fazer o sacrifício de nós mesmos a Deus e unir-nos, de uma maneira mais firme, à sua vontade de salvação". (Cst 53).

    Oratio

    Senhor Jesus, quero ser teu amigo. Não olhes para os meus méritos, mas para a misericórdia do teu coração. Perdoa o meu pecado e olha-me com predileção. Sei que precisas de colaboradores livres e alegres. Quero ser um deles. Tenho muito que aprender de ti e tu tens muito para me ensinar e entregar. Eis-me aqui! Quero ser teu amigo, um dos teus prediletos, um daqueles a quem confias quanto tens no coração e, como tu, fazer em tudo a vontade do Pai. Ámen.

    Contemplatio

    É preciso, diz S. Pedro, substituir o traidor e escolher um outro apóstolo. Procuremos, portanto, um discípulo fiel, um discípulo que tenha estado todo o tempo connosco, desde o começo da vida pública do Salvador até à sua morte. E escolheram dois, os mais fiéis, os mais zelosos discípulos do Salvador, José Barsabas, chamado o Justo, e Matias. Este não tinha o sobrenome de Justo, mas tinha a sua reputação. Ambos tinham seguido assiduamente o Salvador; não o tinham deixado; tinha escutado e posto em prática os seus ensinamentos. Eram os mais dedicados, os mais assíduos, os mais fiéis depois dos doze. Tinham visto tudo, ouvido tudo, meditado tudo... Podiam receber a imposição das mãos, o sacerdócio, o carácter episcopal e a missão apostólica. Mas, qual dos dois vão escolher? ... S. Pedro tem a piedosa inspiração de confiar a escolha a Deus reportando-se à sorte. E a sorte caiu em Matias. É, portanto, ele o fiel por excelência, o discípulo perfeito, que melhor ensinará a doutrina de Cristo e que melhor reproduzirá as virtudes do seu divino Coração. Se quero ter os favores divinos, eis o caminho: seguir fielmente Jesus, meditar em todos os seus mistérios, do começo até ao fim, deixar-me compenetrar dos sentimentos do seu Coração sagrado e reproduzir as suas virtudes. (Leão Dehon, OSP 3, p. 213).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Permanecei no meu amor" (Jo 15, 9).

    (14 maio)

  • Solenidade do Pentecostes - Ano B

    Solenidade do Pentecostes - Ano B

    19 de Maio, 2024

    ANO A
    SOLENIDADE DO PENTECOSTES

    Tema do Domingo de Pentecostes

    O tema deste domingo é, evidentemente, o Espírito Santo. Dom de Deus a todos os crentes, o Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Homem Novo.
    O Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, nova, a partir do dom do Espírito. É o Espírito que permite aos crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que Jesus viveu até às últimas consequências.
    Na primeira leitura, Lucas sugere que o Espírito é a lei nova que orienta a caminhada dos crentes. É Ele que cria a nova comunidade do Povo de Deus, que faz com que os homens sejam capazes de ultrapassar as suas diferenças e comunicar, que une numa mesma comunidade de amor, povos de todas as raças e culturas.
    Na segunda leitura, Paulo avisa que o Espírito é a fonte de onde brota a vida da comunidade cristã. É Ele que concede os dons que enriquecem a comunidade e que fomenta a unidade de todos os membros; por isso, esses dons não podem ser usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao serviço de todos.

    LEITURA I - Actos 2,1-11

    Leitura dos Actos dos Apóstolos

    Quando chegou o dia de Pentecostes,
    os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar.
    Subitamente, fez se ouvir, vindo do Céu,
    um rumor semelhante a forte rajada de vento,
    que encheu toda a casa onde se encontravam.
    Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
    que se iam dividindo,
    e poisou uma sobre cada um deles.
    Todos ficaram cheios do Espírito Santo
    e começaram a falar outras línguas,
    conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem.
    Residiam em Jerusalém judeus piedosos,
    procedentes de todas as nações que há debaixo do céu.
    Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu se
    e ficou muito admirada,
    pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua.
    Atónitos e maravilhados, diziam:
    «Não são todos galileus os que estão a falar?
    Então, como é que os ouve cada um de nós
    falar na sua própria língua?
    Partos, medos, elamitas,
    habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
    do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília,
    do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene,
    colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos,
    cretenses e árabes,
    ouvimo los proclamar nas nossas línguas
    as maravilhas de Deus».

    AMBIENTE

    Já vimos, no comentário aos textos dos domingos anteriores, que o livro dos "Actos" não pretende ser uma reportagem jornalística de acontecimentos históricos, mas sim ajudar os cristãos - desiludidos porque o "Reino" não chega - a redescobrir o seu papel e a tomar consciência do compromisso que assumiram, no dia do seu baptismo.
    No que diz respeito ao texto que nos é proposto e que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes, não existem dúvidas de que é uma construção artificial, criada por Lucas com uma clara intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens, aos símbolos, à linguagem poética das metáforas. Resta-nos descodificar os símbolos para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva, pela palavra de Lucas, nos deixa. Uma interpretação literal deste relato seria, portanto, uma boa forma de passarmos ao lado do essencial da mensagem; far-nos-ia reparar na roupagem exterior, no folclore, e ignorar o fundamental. Ora, o interesse fundamental do autor é apresentar a Igreja como a comunidade que nasce de Jesus, que é assistida pelo Espírito e que é chamada a testemunhar aos homens o projecto libertador do Pai.

    MENSAGEM

    Antes de mais, Lucas coloca a experiência do Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma festa judaica, celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma festa agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, no séc. I, tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas sugere que o Espírito é a lei da nova aliança (pois é Ele que, no tempo da Igreja, dinamiza a vida dos crentes) e que, por Ele, se constitui a nova comunidade do Povo de Deus - a comunidade messiânica, que viverá da lei inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo (cf. Ez 36,26-28).
    Vem, depois, a narrativa da manifestação do Espírito (Act 2,2-4). O Espírito é apresentado como "a força de Deus", através de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus (cf. Ex 19,16.18; Dt 4,36). Estes símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao encontro do homem, comunica com o homem e que, dando ao homem o Espírito, constitui a comunidade de Deus.
    O Espírito (força de Deus) é apresentado em forma de língua de fogo. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de criar comunidade. "Falar outras línguas" é criar relações, é a possibilidade de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização... Aqui, temos o reverso de Babel (cf. Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram o orgulho, a ambição desmedida que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde a acção de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.
    É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito (cf. Act 2,5-13): todos "os ouviam proclamar na sua própria língua as maravilhas de Deus". O elenco dos povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaan, pela Ásia Menor, pelo norte de África, até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus, que faz de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de Jesus é assim capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel. A possibilidade de
    ouvir na própria língua "as maravilhas de Deus" outra coisa não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal. Sem deixarem a sua cultura e as suas diferenças, todos os povos escutarão a proposta de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse amor e essa comunhão que tornam povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações da terra.
    O Pentecostes dos "Actos" é, podemos dizê-lo, a página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da acção das "testemunhas" de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da acção do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes indicações:

    • Temos, neste texto, os elementos essenciais que definem a Igreja: uma comunidade de irmãos reunidos por causa de Jesus, animada pelo Espírito do Senhor ressuscitado e que testemunha na história o projecto libertador de Jesus. Desse testemunho resulta a comunidade universal da salvação, que vive no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e étnicas. A Igreja de que fazemos parte é uma comunidade de irmãos que se amam, apesar das diferenças? Está reunida por causa de Jesus e à volta de Jesus? Tem consciência de que o Espírito está presente e que a anima? Testemunha, de forma efectiva e coerente, a proposta libertadora que Jesus deixou?

    • Nunca será demais realçar o papel do Espírito na tomada de consciência da identidade e da missão da Igreja... Antes do Pentecostes, tínhamos apenas um grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume como comunidade de amor e de liberdade. Temos consciência de que é o Espírito que nos renova, que nos orienta e que nos anima? Damos suficiente espaço à acção do Espírito, em nós e nas nossas comunidades?

    • Para se tornar cristão, ninguém deve ser espoliado da própria cultura: nem os africanos, nem os europeus, nem os sul-americanos, nem os negros, nem os brancos; mas todos são convidados, com as suas diferenças, a acolher esse projecto libertador de Deus, que faz os homens deixarem de viver de costas voltadas, para viverem no amor. A Igreja de que fazemos parte é esse espaço de liberdade e de fraternidade? Nela todos encontram lugar e são acolhidos com amor e com respeito - mesmo os de outras raças, mesmo aqueles de quem não gostamos, mesmo aqueles que não fazem parte do nosso círculo, mesmo aqueles que a sociedade marginaliza e afasta?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 103 (104)

    Refrão 1: Enviai, Senhor, o vosso Espírito
    e renovai a face da terra.

    Refrão 2: Mandai, Senhor, o vosso Espírito
    e renovai a terra.

    Refrão 3: Aleluia.

    Bendiz, ó minha alma, o Senhor.
    Senhor, meu Deus, como sois grande!
    Como são grandes, Senhor, as vossas obras!
    A terra está cheia das vossas criaturas.

    Se lhes tirais o alento, morrem
    e voltam ao pó donde vieram.
    Se mandais o vosso espírito, retomam a vida
    e renovais a face da terra.

    Glória a Deus para sempre!
    Rejubile o Senhor nas suas obras.
    Grato Lhe seja o meu canto
    e eu terei alegria no Senhor.

    LEITURA II - 1 Cor 12,3b-7.12-13

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor»
    a não ser pela acção do Espírito Santo.
    De facto, há diversidade de dons espirituais,
    mas o Senhor é o mesmo.
    Há diversas operações,
    mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
    Em cada um se manifestam os dons do Espírito
    para o bem comum.
    Assim como o corpo é um só e tem muitos membros
    e todos os membros, apesar de numerosos,
    constituem um só corpo,
    assim também sucede com Cristo.
    Na verdade, todos nós
    – judeus e gregos, escravos e homens livres –
    fomos baptizados num só Espírito,
    para constituirmos um só Corpo.
    E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.

    AMBIENTE

    A comunidade cristã de Corinto era viva e fervorosa, mas não era uma comunidade exemplar no que diz respeito à vivência do amor e da fraternidade: os partidos, as divisões, as contendas e rivalidades perturbavam a comunhão e constituíam um contra-testemunho. As questões à volta dos "carismas" (dons especiais concedidos pelo Espírito a determinadas pessoas ou grupos para proveito de todos) faziam-se sentir com especial acuidade: os detentores desses dons carismáticos consideravam-se os "escolhidos" de Deus, apresentavam-se como "iluminados" e assumiam com frequência atitudes de autoritarismo e de prepotência que não favorecia a fraternidade e a liberdade; por outro lado, os que não tinham sido dotados destes dons eram desprezados e desclassificados, considerados quase como "cristãos de segunda", sem vez nem voz na comunidade.
    Paulo não pode ignorar esta situação. Na Primeira Carta aos Coríntios, ele corrige, admoesta, dá conselhos, mostra a incoerência destes comportamentos, incompatíveis com o Evangelho. No texto que nos é proposto, Paulo aborda a questão dos "carismas".

    MENSAGEM

    Em primeiro lugar, Paulo acha que é preciso saber ajuizar da validade dos dons carismáticos, para que não se fale em "carismas" a propósito de comportamentos que pretendem apenas garantir os privilégios de certas figuras. Segundo Paulo, o verdadeiro "carisma" é o que leva a confessar que "Jesus é o Senhor" (pois não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito) e que é útil para o bem da comunidade.
    De resto, é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que actua em todos; que apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em todos; que apesar da diversidade de acções, é o mesmo Deus que age em todos. Não há, portanto, "cristãos de primeira" e "cristãos de segunda". O que é importante é que os dons do Espírito resultem no bem de todos e sejam usados - não para melhorar a própria posição ou o próprio "ego" - mas para o bem de toda a comunidade.
    Paulo conclui o seu raciocínio comparando a
    comunidade cristã a um "corpo" com muitos membros. Apesar da diversidade de membros e de funções, o "corpo" é um só. Em todos os membros circula a mesma vida, pois todos foram baptizados num só Espírito e "beberam" um único Espírito.
    O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que alimenta e que dá vida ao "corpo de Cristo"; dessa forma, Ele fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros que formam a comunidade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir e actualizar a Palavra, considerar os seguintes elementos:

    • Temos todos consciência de que somos membros de um único "corpo" - o corpo de Cristo - e é o mesmo Espírito que nos alimenta, embora desempenhemos funções diversas (não mais dignas ou mais importantes, mas diversas). No entanto, encontramos, com alguma frequência, cristãos com uma consciência viva da sua superioridade e da sua situação "à parte" na comunidade (seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas "qualidades" humanas), que gostam de mandar e de fazer-se notar. Às vezes, vêem-se atitudes de prepotência e de autoritarismo por parte daqueles que se consideram depositários de dons especiais; às vezes, a Igreja continua a dar a impressão - mesmo após o Vaticano II - de ser uma pirâmide no topo da qual há uma elite que preside e toma as decisões e em cuja base está o rebanho silencioso, cuja função é obedecer. Isto faz algum sentido, à luz da doutrina que Paulo expõe?

    • Os "dons" que recebemos não podem gerar conflitos e divisões, mas devem servir para o bem comum e para reforçar a vivência comunitária. As nossas comunidades são espaços de partilha fraterna, ou são campos de batalha onde se digladiam interesses próprios, atitudes egoístas, tentativas de afirmação pessoal?

    • É preciso ter consciência da presença do Espírito: é Ele que alimenta, que dá vida, que anima, que distribui os dons conforme as necessidades; é Ele que conduz as comunidades na sua marcha pela história. Ele foi distribuído a todos os crentes e reside na totalidade da comunidade. Temos consciência da presença do Espírito e procuramos ouvir a sua voz e perceber as suas indicações? Temos consciência de que, pelo facto de desempenharmos esta ou aquela função, não somos as únicas vozes autorizadas a falar em nome do Espírito?

    SEQUÊNCIA DO PENTECOSTES

    Vinde, ó santo Espírito,
    vinde, Amor ardente,
    acendei na terra
    vossa luz fulgente.

    Vinde, Pai dos pobres:
    na dor e aflições,
    vinde encher de gozo
    nossos corações.

    Benfeitor supremo
    em todo o momento,
    habitando em nós
    sois o nosso alento.

    Descanso na luta
    e na paz encanto,
    no calor sois brisa,
    conforto no pranto.

    Luz de santidade,
    que no Céu ardeis,
    abrasai as almas
    dos vossos fiéis.

    Sem a vossa força
    e favor clemente,
    nada há no homem
    que seja inocente.

    Lavai nossas manchas,
    a aridez regai,
    sarai os enfermos
    e a todos salvai.

    Abrandai durezas
    para os caminhantes,
    animai os tristes,
    guiai os errantes.

    Vossos sete dons
    concedei à alma
    do que em Vós confia:

    Virtude na vida,
    amparo na morte,
    no Céu alegria.

    ALELUIA

    Aleluia. Aleluia.

    Vinde, Espírito Santo,
    enchei os corações dos vossos fiéis
    e acendei neles o fogo do vosso amor.

    EVANGELHO - Jo 20,19-23

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
    estando fechadas as portas da casa
    onde os discípulos se encontravam,
    com medo dos judeus,
    veio Jesus, colocou Se no meio deles e disse lhes:
    «A paz esteja convosco».
    Dito isto, mostrou lhes as mãos e o lado.
    Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
    Jesus disse lhes de novo:
    «A paz esteja convosco.
    Assim como o Pai Me enviou,
    também Eu vos envio a vós».
    Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
    «Recebei o Espírito Santo:
    àqueles a quem perdoardes os pecados ser lhes ão perdoados;
    e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».

    AMBIENTE

    Este texto (lido já no segundo domingo da Páscoa) situa-nos no cenáculo, no próprio dia da ressurreição. Apresenta-nos a comunidade da nova aliança, nascida da acção criadora e vivificadora do Messias. No entanto, esta comunidade ainda não se encontrou com Cristo ressuscitado e ainda não tomou consciência das implicações da ressurreição. É uma comunidade fechada, insegura, com medo... Necessita de fazer a experiência do Espírito; só depois, estará preparada para assumir a sua missão no mundo e dar testemunho do projecto libertador de Jesus.
    Nos "Actos", Lucas narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa (sem dúvida por razões teológicas e para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do Pentecostes, a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus); mas João situa no anoitecer do dia de Páscoa a recepção do Espírito pelos discípulos.

    MENSAGEM

    João começa por pôr em relevo a situação da comunidade. O "anoitecer", as "portas fechadas", o "medo" (vers. 19 a), são o quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar.
    Entretanto, Jesus aparece "no meio deles" (vers. 19b). João indica desta forma que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
    Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes "a paz" ("shalom", em hebraico). A "paz" é um dom messiânico; mas, neste contexto, significa, sobretudo, a transmissão da serenidade, da tranquilidade, da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a insegurança: a partir de agora, nem o sofrimento, nem a morte, nem a hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado está "no meio deles".
    Em seguida, Jesus "mostrou-lhes as mãos e o lado". São os "sinais" que evocam a entrega de Jesus, o amor to
    tal expresso na cruz. É nesses "sinais" (na entrega da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue) que os discípulos reconhecem Jesus. O facto de esses "sinais" permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.
    Vem, depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila (João utiliza, aqui, precisamente o mesmo verbo do texto grego de Gn 2,7). Com o "sopro" de Deus de Gn 2,7, o homem tornou-se um "ser vivente"; com este "sopro", Jesus transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o Homem Novo. Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados - como Jesus - para fazerem da sua vida um dom de amor aos homens. Animados pelo Espírito, eles formam a comunidade da nova aliança e são chamados a testemunhar - com gestos e com palavras - o amor de Jesus.
    Finalmente, Jesus explicita qual a missão dos discípulos (ver. 23): a eliminação do pecado. As palavras de Jesus não significam que os discípulos possam ou não - conforme os seus interesses ou a sua disposição - perdoar os pecados. Significam, apenas, que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos os homens. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte (isto é, de pecado). A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta de salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes coordenadas:

    • A comunidade cristã só existe de forma consistente, se está centrada em Jesus. Jesus é a sua identidade e a sua razão de ser. É n'Ele que superamos os nossos medos, as nossas incertezas, as nossas limitações, para partirmos à aventura de testemunhar a vida nova do Homem Novo. As nossas comunidades são, antes de mais, comunidades que se organizam e estruturam à volta de Jesus? Jesus é o nosso modelo de referência? É com Ele que nos identificamos, ou é num qualquer ídolo de pés de barro que procuramos a nossa identidade? Se Ele é o centro, a referência fundamental, têm algum sentido as discussões acerca de coisas não essenciais, que às vezes dividem os crentes?

    • Identificar-se como cristão significa dar testemunho diante do mundo dos "sinais" que definem Jesus: a vida dada, o amor partilhado. É esse o testemunho que damos? Os homens do nosso tempo, olhando para cada cristão ou para cada comunidade cristã, podem dizer que encontram e reconhecem os "sinais" do amor de Jesus?

    • As comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço simples e humilde... É Ele que nos faz vencer os medos, superar as cobardias e fracassos, derrotar o cepticismo e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus questionamentos.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DO PENTECOSTES
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo do Pentecostes, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. EVIDENCIAR OS CARISMAS.
    O Pentecostes é a festa do nascimento da Igreja. Seria, pois, importante fazer uma liturgia em que aos variados carismas pudessem aparecer. Seria necessário pensar em fazer-se apelo aos talentos de leitores, de salmista, de músico, de director do canto, de decorador, etc... Importa que a assembleia apareça como una e diversa.

    3. NÃO OMITIR A SEQUÊNCIA.
    Não omitir a sequência de Pentecostes depois da segunda leitura e antes da aclamação ao Evangelho. Pode ser lida por duas pessoas (com um fundo musical) ou, melhor ainda, cantada.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Deus de luz e de vida, sopro criador e fogo de amor. Nós Te louvamos pelo dom do teu Espírito, que chama todos os povos da terra a proclamar, cada um na sua língua, as maravilhas da tua bondade.
    Nós Te pedimos por todos os membros do teu Povo: torna-nos receptivos às múltiplas linguagens dos nossos irmãos e confiantes no teu espírito de unidade.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te bendizemos, Pai, pelo novo corpo do teu Filho, que é a Igreja, e nós Te damos graças por nos teres permitido ser os seus membros, cada um na sua parte e na diversidade das funções confiadas.
    Nós Te pedimos, Espírito Santo, Tu que ages em nós para o bem de todos: nós acolhemos o teu sopro; manifesta em nós a tua presença.

    No final do Evangelho:
    Nós Te damos graças, Pai, pela maravilha realizada por Jesus ressuscitado, porque Ele deu nova força aos seus apóstolos, tirando-os do medo e da paralisia, comunicando-lhes o sopro da sua ressurreição.
    Nós Te suplicamos: que a tua Paz esteja connosco, por Jesus, vencedor de todas as formas de morte, e pelo teu Espírito, que é perdão e santificação.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, que contém uma oração própria para o Pentecostes e que evoca o Espírito...

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Tempestade! Fogo! Portas arrombadas! O Pentecostes é a irrupção do Espírito Santo na vida dos discípulos que vão deixar-se transformar em todas as dimensões do seu ser. O Pentecostes continua! Mas não estamos muitas vezes, face a este Espírito Santo, como diante de uma ameaça nuclear? Ousamos, enfim, deixar-nos irradiar por Ele sem qualquer protecção?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Solenidade da Santíssima Trindade - Ano B

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano B

    26 de Maio, 2024

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano B
    TEMA
    A Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
    Na primeira leitura, Jahwéh revela-se como o Deus da relação, empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira.
    A segunda leitura confirma a mensagem da primeira: o Deus em quem acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que se demitiu do seu papel de Criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que não desiste de oferecer aos homens a vida plena e definitiva.
    No Evangelho, Jesus dá a entender que ser seu discípulo é aceitar o convite para se vincular com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar a sua proposta de vida no meio do mundo e são enviados a apresentar, a todos os homens e mulheres, sem excepção, o convite de Deus para integrar a comunidade trinitária.
    LEITURA I - Deut 4,32-34.39-40
    Moisés falou ao povo, dizendo:
    «Interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Dum extremo ao outro dos céus,
    sucedeu alguma vez coisa tão prodigiosa? Ouviu-se porventura palavra semelhante? Que povo escutou como tu a voz de Deus a falar do meio do fogo
    e continuou a viver?
    Qual foi o deus que formou para si uma nação no seio de outra nação,
    por meio de provas, sinais, prodígios e combates, com mão forte e braço estendido,
    juntamente com tremendas maravilhas,
    como fez por vós o Senhor vosso Deus no Egipto, diante dos vossos olhos?
    Considera hoje e medita no teu coração que o Senhor é o único Deus,
    no alto dos céus e cá em baixo na terra, e não há outro.
    Cumprirás as suas leis e os seus mandamentos, que hoje te prescrevo,
    para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti,
    e tenhas longa vida na terra que o Senhor teu Deus te vai dar para sempre».
    AMBIENTE
    o Livro do Deuteronómio é aquele "livro da Lei" ou "livro da Aliança" descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de Josias (622 a.C., cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas - originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios - apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
    Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de "testamento espiritual": lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
    O texto que hoje nos é proposto apresenta-se como parte do primeiro discurso de Moisés (cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf. Dt 1,6-3,29), em estilo narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um resumo da história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Pisga, na Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt 4,1-43), o autor apresenta, em estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas exigências. Esta secção final do primeiro discurso de Moisés começa com a expressão "e agora, Israel 0, que enlaça esta secção com a precedente: mostra-se que o compromisso que agora se pede a Israel se apoia nos acontecimentos históricos anteriormente expostosoA acção de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.
    O capítulo 4 do Livro do Deuteronómio é um texto redigido, muito provavelmente, na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilónia. Perdido numa terra estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava afirmar a sua fé em Jahwéh e celebrá-Ia através do culto, impressionado com o esplendor ritual e as solenidades do culto babilónico, o Povo bíblico corria o risco de trocar Jahwéh pelos deuses babilónicos. É neste contexto que os teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo a olhar para a sua história, a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Jahwéh e a comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança.
    MENSAGEM
    No trecho que nos é proposto, o autor deuteronomista começa por convidar Israel a contemplar a história "desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra"oO resultado dessa contemplação é a constatação do contínuo empenho de Jahwéh no sentido de oferecer ao seu Povo a vida e a salvação.
    Toda a história da relação entre Deus e Israel é uma extraordinária história de relação, na qual se manifesta o amor de um Deus empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. Jahwéh escolheu Israel de entre todos os povos da terra, veio ao seu encontro, falou-lhe ao coração e realizou gestos destinados a trazer ao Povo ao encontro da vida. De mil formas, Deus fez ouvir a sua voz, indicou caminhos, conduziu o seu Povo da escravidão para a liberdade.
    Como é que Israel se deve situar diante deste Deus? Como é que o Povo deve responder aos apelos de Deus?
    Na perspectiva do teólogo deuteronomista, Israel deve, em primeiro lugar, reconhecer que "só o Senhor é DeusOe que não há outro". D'Ele e só d'Ele brotam a vida, a salvação, a felicidade, a liberdade. Esta constatação convida o Povo a não colocar a sua esperança e a sua realização noutros deuses, noutras propostas ilusórias e enganadoras. Israel deve, em segundo lugar, cumprir as leis e os mandamentos de Deus, pois essas leis e mandamentos são o caminho seguro para a felicidade.
    Este "caminho" aqui apontado aos crentes de Israel (e aos crentes de todas as épocas e lugares) não é um caminho de dependência e de servidão; mas é um caminho de felicidade. Deus não se imiscui na vida dos homens para os tornar dependentes, mas para os libertar e para os levar à vida verdadeira, à felicidade plena.
    ACTUALIZAÇÃO
    + Quem é Deus? Como é Ele? Qual a sua relação com os homens? O Deus em quem acreditamos é um Deus sensível aos problemas dos homens e que Se preocupa em percorrer com eles um caminho de amor e de relação, ou é um Deus insensível e distante, que olha com enfado e indiferença o caminho que percorremos e que Se recusa a sujar as mãos com a nossa humanidade? Trata-se de um Deus capaz de amar os homens e de aceitar, com misericórdia, as nossas falhas, ou de um Deus intolerante, duro e insensível, que castiga sem piedade qualquer deslize do homem? A Solenidade da Santíssima Trindade é, antes de mais, um convite a descobrir o verdadeiro rosto de Deus. A primeira leitura deste domingo dá-nos algumas pistas para perceber Deus e para reconhecer o seu verdadeiro rostoo
    + Nesta catequese do livro do Deuteronómio, Jahwéh revela-Se como o Deus da relação, empenhado em estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao encontro dos homens, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira. Por vezes, ao longo da nossa caminhada pela vida, sentimo-nos sós e perdidos, afogados nas nossas dúvidas, misérias e dramas, assustados e inquietos face ao rumo que a história segueo Mas a certeza da presença amorosa, salvadora e reconfortante de Deus deve ser uma luz de esperança que ilumina o nosso caminho e que nos permite encarar cada passo da nossa existência com alegria e serenidade.
    + O catequista deuteronomista garante que Jahwéh é o único Deus capaz de realizar estas obras em favor do homem e que só n'Ele o homem encontra a verdadeira vida e a verdadeira liberdade. Esta afirmação convida-nos a reflectir sobre o papel que outros "deuses" (bem mais falíveis, bem menos dignos de confiança) desempenham na nossa existênciaOEm quem é que pomos a nossa esperança? Esses "deuses" que tantas vezes nos seduzem (o dinheiro, o poder, a fama, o sucesso, o reconhecimento social, os valores da rnodaü que tantas vezes atraem a nossa atenção e condicionam as nossas opções, são verdadeiramente garantia de vida e de felicidade? Esses "deuses" trazem-nos liberdade e esperança ou escravidão e alienação?
    + O autor do texto que nos é proposto convida o Povo a cumprir as leis e os mandamentos que Deus propõe; e garante que as propostas de Deus são o caminho seguro para a felicidade e para a realização plena do homem. Os mandamentos não são propostas destinadas a limitar a nossa liberdade e a prender-nos a um deus ciumento e castrador; mas são sugestões de um Deus que nos ama, que quer a nossa felicidade e realização plena e que, no respeito absoluto pela nossa liberdade, não desiste de nos indicar o caminho para a verdadeira vida.
    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 32 (33)
    Refrão: Feliz o povo que o Senhor escolheu para sua herança.
    A palavra do Senhor é recta,
    da fidelidade nascem as suas obras.
    Ele ama a justiça e a rectidão:
    a terra está cheia da bondade do Senhor.
    A palavra do Senhor criou os céus,
    o sopro da sua boca os adornou.
    Ele disse e tudo foi feito,
    Ele mandou e tudo foi criado.
    Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,
    para os que esperam na sua bondade,
    para libertar da morte as suas almas
    e os alimentar no tempo da fome.
    A nossa alma espera o Senhor:
    Ele é o nosso amparo e protector.
    Venha sobre nós a vossa bondade,
    porque em Vós esperamos, Senhor.
    LEITURA 11- Romanos 8,14-17
    Irmãos:
    Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.
    Vós não recebestes um espírito de escravidão para recair no temor,
    mas o Espírito de adopção filial, pelo qual exclamamos: «Abba, Pai». O próprio Espírito dá testemunho, em união com o nosso espírito,
    de que somos filhos de Deus.
    Se somos filhos, também somos herdeiros, herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo; se sofrermos com Ele,
    também com ele seremos glorificados.
    AMBIENTE
    A Carta aos Romanos é um texto sereno e amadurecido, escrito por Paulo por volta do ano 57/58 e no qual o apóstolo apresenta uma síntese da sua mensagem e da sua pregação. O pretexto para a carta é um projecto de passagem por Roma, a caminho de Espanha (cf. Rom 16,23-24): Paulo sente que terminou a sua missão no oriente e quer anunciar o Evangelho de Jesus no ocidente.
    Na verdade, esse projecto de passagem por Roma parece ser, sobretudo, um pretexto para Paulo se dirigir aos Romanos e para lhes expor as suas ideias acerca da salvação. Na comunidade cristã de Roma - como, aliás, em quase todas as comunidades cristãs de então - havia divergências entre cristãos vindos do judaísmo e cristãos vindos do paganismo acerca do caminho cristão. Para os judeo-cristãos, a salvação dependia, além da fé em Cristo, da prática da Lei de Moisés; para os pagano-cristãos, a adesão a Cristo bastava. A uns e a outros, Paulo vai apresentar o essencial da mensagem cristãCO apóstolo insiste, sobretudo, no facto de a salvação não ser uma conquista do homem (que resulta dos actos ou dos méritos do homem), mas um dom do amor de Deus. Na verdade, todos os homens vivem mergulhados no pecado, pois o pecado é uma realidade universal (cf. Rom 1,18-3,20); mas Deus, na sua bondade, a todos "justifica" e salva (cf. Rom 3,1-5,11); e essa salvação é oferecida por Deus ao homem através de Jesus Cristo; ao homem, resta aderir a essa proposta de salvação, na fé (cf. Rom 5,12-8,39).
    O texto que hoje nos é proposto faz parte de um capítulo em que Paulo reflecte sobre a vida nova que Deus oferece ao baptizado e que Paulo chama "a vida no Espírito". O pensamento teológico de Paulo atinge, neste capítulo, um dos seus pontos culminantes, pois todos os grandes temas paulinos (o projecto salvador de Deus em favor dos homens; a acção libertadora de Cristo, através da sua vida de doação, da sua morte e da sua ressurreição; a nova vida que faz dos crentes Homens Novos e os torna filhos de Deus) se cruzam aqui.
    Paulo procura, de forma especial, mostrar que os cristãos, libertos da Lei, do pecado e da morte por Jesus Cristo, deixaram a vida velha da "carne" (que é viver em oposição a Deus, numa vida da egoísmo, de auto-suficiência, de orgulho, de fechamento) para viverem a vida nova do Espírito (que é viver em relação com Deus, escutando as suas propostas e sugestões, na obediência aos projectos de Deus e na doação da própria vida aos irmãos).
    MENSAGEM
    O crente que acolhe a proposta de salvação que Deus faz em Jesus vive "no Espírito". Aceitar essa proposta de vida é aceitar uma vida de relação e de comunhão com Deus. Nessa relação, o crente é alimentado com a vida de Deus.
    Os que aceitam receber a vida de Deus e vivem "no Espírito" são "filhos de Deus":
    Deus é, para eles, um Pai que continuamente os cria e lhes dá vida. A partir de então, os crentes integram a "família de Deus". Não são escravos que vivem no medo de um patrão ciumento e exigente (como era a Lei de Moisés); mas são "filhos" queridos, que Deus ama com amor infinito. Ao dirigirem-se a Deus, os crentes podem usar, com propriedade, a palavra "abba" (a palavra com que, familiarmente, as crianças se dirigem ao pai e que pode traduzir-se como "papá") - expressão de intimidade filial, que define uma relação marcada pelo amor, pela familiaridade, pela confiança, pela ternura.
    A condição de "filhos" equipara os crentes com Cristo. Eles tornam-se, assim, "herdeiros de Deus e herdeiros com Cristo". Qual é essa "herança" que lhes está reservada? É a vida plena e definitiva, que Deus oferece àqueles que aceitaram a proposta de Cristo e percorreram com Ele o caminho do amor, da doação, da entrega da vida.
    O nosso Deus é, de acordo com a catequese de Paulo, o Deus da relação, apostado em vir ao encontro dos homens, em oferecer-lhes vida, em integrá-los na sua família, em amá-los com amor de Pai, em torná-los herdeiros da vida plena e definitiva.
    ACTUALIZAÇÃO
    + Mais uma vez a Palavra que nos é proposta reafirma esta realidade: o Deus em quem acreditamos não é um Deus distante e inacessível, que Se demitiu do seu papel de criador e que assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas dos homens; mas é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que não desiste de oferecer aos homens a vida plena e verdadeira. Há, ao longo da nossa caminhada pela vida, momentos de solidão e de desespero, em que procuramos Deus e não conseguimos descortinar a sua presença; mas, sobretudo nesses momentos dramáticos, é preciso não esquecer que Deus nunca desiste dos seus filhos e que nenhum de nós Lhe é indiferente.
    + À oferta de vida que Deus faz, o homem pode responder positiva ou negativamente. Se o homem preferir recusar a vida que Deus oferece e trilhar caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência, está a rejeitar a possibilidade de aceder à vida plena e verdadeira; se o homem estiver disponível para acolher a salvação que Deus oferece em Jesus, torna-se herdeiro da vida eterna. Em que situação é que eu me coloco, diante dos dons de Deus?
    + Os membros da comunidade cristã, que pelo Baptismo aderiram ao projecto de salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada pelo Espírito, integram a família de Deus. O fim último da nossa caminhada é a pertença à família trinitária.
    + Esta "vocação" deve expressar-se na nossa vida comunitária. A nossa relação com os irmãos deve reflectir o amor, a ternura, a misericórdia, a bondade, o perdão, o serviço, que são as consequências práticas do nosso compromisso com a comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas relações comunitárias reflectem esse amor que é a marca da "família de Deus"?
    ALELUIA - Ap 1,8
    Aleluia. Aleluia.
    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    ao Deus que é, que era e que há-de vir.
    EVANGELHO - Mt 28,16-20
    Naquele tempo, os onze discípulos partiram para a Galileia, em direcção ao monte que Jesus lhes indicara.
    Quando O viram, adoraram-n'O;
    mas alguns ainda duvidaram.
    Jesus aproximou-Se e disse-lhes:
    «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e fazei discípulos de todas as nações,
    baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei.
    Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».
    AMBIENTE
    O texto situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não se diga se é muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio - cf. Mt 28,1-15). De acordo com Mateus, Jesus, pouco antes de ser preso, havia marcado encontro com os discípulos na Galileia (cf. Mt 26,32); na manhã da Páscoa, os anjos que apareceram às mulheres no sepulcro (cf. Mt 28,7) e o próprio Jesus, vivo e ressuscitado (cf. Mt 28,10), renovam o convite para que os discípulos se dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.
    A Galileia - região setentrional da Palestina - era uma região próspera e bem povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia desta região o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número importante de pagãos fazia parte da sua população. A coabitação de populações pagãs e judias fazia, certamente, com que os judeus da Galileia vivessem a religião de uma maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judeia: a presença diária dos pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a interpretar mais amplamente as regras que se referiam, por exemplo, às impurezas rituais contraídas pelo contacto com os não judeus. No entanto, isto fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da Galileia e considerassem que da Galileia "não podia sair nada de bom".
    No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi também na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do "Reino" e que começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt 4,12-22). Para Mateus, esse facto sugere que a o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos.
    Mateus situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos, num "monte que Jesus lhes indicara". Trata-se, no entanto, de uma montanha da Galileia que é impossível identificar geograficamente, mas que talvez Mateus ligue com a montanha da tentação (cf. Mt 4,8) e com a montanha da transfiguração (cf. Mt 17,1). De qualquer forma, o "monte" é sempre, no Antigo Testamento, o lugar onde Deus se revela aos homens.
    MENSAGEM
    o texto que descreve o encontro final entre Jesus e os discípulos divide-se em duas partes.
    Na primeira (vers. 16-18), descreve-se o encontro. Jesus, vivo e ressuscitado, revela­-se aos discípulos; e os discípulos reconhecem-n'O como "o Senhor" e adoram-n'O. Depois de descrever a adoração, Mateus acrescenta uma expressão que alguns traduzem como "alguns ainda duvidaram" e outros como "eles que tinham duvidado" (gramaticalmente, ambas as traduções são possíveis). No primeiro caso, a expressão significaria que a fé não é uma certeza científica e que não exclui a dúvida; no segundo caso, a expressão aludiria a essa dúvida constante dos discípulos - expressa em vários momentos, ao longo da caminhada para Jerusalém - e que aqui perde qualquer razão de ser.
    Ao reconhecimento e à adoração dos discípulos, segue-se uma manifestação do mistério de Jesus, que reflecte a fé da comunidade de Mateus: Jesus é o "Kyrios", que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história; Jesus é "o mestre", cujo ensinamento será sempre uma referência para os discípulos; Jesus é o "Deus­ connosco", que acompanhará, a par e passo, a caminhada dos discípulos pela história.
    Na segunda (vers. 19-20), Mateus descreve o envio dos discípulos em missão pelo mundo. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio trazer aos homens e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos. A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da universalidade da missão dos discípulos destina-se a "todas as nações".
    A segunda nota dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas da comunidade de Mateus: o ensino e o baptismo. Começava-se pela catequese, cujo conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus (o discípulo começava sempre pelo catecumenato, que lhe dava as bases da proposta de Jesus). Quando os discípulos estavam informados da proposta de Jesus, vinha o baptismo - que selava a íntima vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo (era a adesão à proposta anteriormente feita).
    Uma última nota: Jesus estará sempre com os discípulos, "até ao fim dos tempos". Esta afirmação expressa a convicção - que todos os crentes da comunidade mateana possuíam - que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história, ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.
    ACTUALIZAÇÃO
    + Este texto evangélico foi escolhido para o dia da Santíssima Trindade, pois nele aparece uma fórmula trinitária usada no baptismo cristão ("em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo"). O nosso texto sugere, antes de mais, que ser baptizado é estabelecer uma relação pessoal com a comunidade trinitária... No dia em que fomos baptizados, comprometemo-nos com Jesus e vinculamo-nos com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A minha vida tem sido coerente com esse compromisso?
    + Quem acolheu o convite de Deus (apresentado em Jesus) para integrar a comunidade trinitária, torna-se testemunha, no meio dos homens, dessa vida nova que Deus oferece. O papel dos discípulos é continuar a missão de Jesus, testemunhar o amor de Deus pelos homens e convidar os homens a integrar a família de Deus. Os irmãos com quem nos cruzamos pelos caminhos da vida recebem essa mensagem? As nossas palavras e os nossos gestos testemunham esse amor com que Deus ama todos os homens? As nossas comunidades são a imagem viva da família de Deus e apresentam um convite credível e convincente aos homens para que integrem a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo?
    + A missão que Jesus confiou aos discípulos - introduzir todos os homens na família de Deus - é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas, não podem ser obstáculo para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Todos os homens e mulheres, sem excepção, têm lugar na família de Deus. Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os homens - sem distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas - a anunciar-lhes o amor de Deus e a convocá-los para integrar a comunidade trinitária? Tenho consciência de que sou chamado a apresentar a todos os homens - mesmo àqueles que habitam no outro lado do mundo - o convite para integrar a família de Deus?
    + Num mundo onde Deus nem sempre faz parte dos planos e das preocupações dos homens, testemunhar o amor de Deus e apresentar aos homens o convite para integrar a família de Deus é um enorme desafio. O confronto com o mundo gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração... Nos momentos de decepção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de Jesus:
    "Eu estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.
    + A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de "um em três". Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família - pai, mãe e filho - é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é também negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-Se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue "dizer" o indizível, não consegue definir cabalmente o mistério de Deus.
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS
    PARA A SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE (adaptadas de "Signes d'eujcurd'hui"}
    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-Ia pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus...
    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Se na montanha da Galileia alguns dos onze tiveram dúvidas, é talvez porque eles pensavam tomar a iniciativa do encontro com o Ressuscitado, só contavam com eles para acreditar: a sua inteligência procurava compreender, os seus olhos queriam ver, as suas mãos procuravam tocar, o seu coração desejava amar, mas não esqueciam então que era o Ressuscitado que tinha a iniciativa? Então Jesus assegura-lhes, é Ele que os envia: "Ide!" É em nome de Deus Pai, Filho e Espírito que deverão baptizar; e os mandamentos que farão observar são os mesmos que o próprio Jesus lhes deu. Enfim, Jesus não reprova as suas dúvidas, apenas lhes assegura: "Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos". Duvidar, não será falta de confiança? Ter medo, não será esquecer uma presença?
    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Trindade, Movimento de Amor! Um mais um igual a um! As matemáticas divinas não obedecem à nossa lógica! Para além da expressão um pouco técnico da palavra, a fé na Trindade é o coração absoluto do cristianismo. Está na concepção mais fundamental que temos de Deus. Quando São Mateus escreve: "Baptizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo", utiliza uma antiga fórmula baptismal muito precisa. Trata-se de ser mergulhado, imerso num movimento, aquele que diz o próprio Nome de um Deus que é Pai, Filho e Espírito. São João diz também, no final do seu prólogo, que "o Filho único está no seio do Pai". Longe de ficar estático, "instalado", o Filho só encontra a verdade última do seu ser na medida em que está ligado ao Pai por um movimento de amor. Com efeito, a grande revelação que Cristo veio trazer, é que "Deus é Amor". O Ser de Deus é o Amor em estado puro, mais precisamente ainda, é amar. Deus nada pode fazer senão amar. Ora, o amor não existe se não for movimento, reciprocidade, dom e acolhimento. Deus, Aquele que Jesus chama "Abba", "papá", só pode existir como fonte de amor. Ele não se pode definir unicamente como o "Ser Supremo". O Pai é a fonte que Se dá, eternamente, gratuitamente. O Filho surge deste dom como a perfeita Imagem do Pai. Quanto ao Espírito, Ele é este mesmo Movimento de Amor que liga eternamente o Pai e o Filho. O Espírito é o "peso" que, brotando do Coração do Pai, O faz "abanar" no dom total de Si mesmo ao Filho. Isto só se pode aceitar na fé, proclamando um Deus que só é Amor e nada mais. É neste Movimento que são mergulhados os baptizados. A vida dos cristãos não é uma realidade estática, nem simples conformidade aos mandamentos. É movimento de amor, aberto aos outros, no próprio movimento de amor que é Deus. "Assim como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros".
    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE
    Ver em cada um... Não é preciso questionarmo-nos muito tempo sobre como fazer para amar os outros... Basta ver Jesus em todo o ser humano, junto de cada um, e saber que o Reino se constrói nos gestos humildes de hoje!
    Grupo Dinamizador
    Pe. Joaquim Garrido - Pe. Manuel Barbosa - Pe. Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos) Rua Cidade de Tele, 10:: 1800-129 Lisboa - Portugal
    Tel: 218 540 900:: Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org :: www.dehonianos.org

  • Visitação da Virgem Santa Maria

    Visitação da Virgem Santa Maria


    31 de Maio, 2024

    A Festa de Visitação começou a ser celebrada no século XIII, pelos Franciscanos. Bonifácio IX (1389-1384) introduziu-a no calendário universal da Igreja. Tradicionalmente celebrada a 2 de Julho, a festa foi antecipada pelo novo calendário para o dia 31 de Maio, ficando assim entre a Solenidade da Anunciação (25 de Março) e o Nascimento de João Batista (24 de Junho). Depois da Anunciação, Maria foi visitar a prima Isabel, partilhando com ela a alegria que experimentava perante as "maravilhas" n´Ela operadas pelo Senhor. Impele-a também a essa visita a sua caridade feita disponibilidade e discrição. Para Lucas, Maria é a verdadeira Arca da Aliança, a morada de Deus entre os homens. Isabel reconhece esse fato e reverencia-o. Toda a visitação de Maria é um acontecimento de Jesus.

    Lectio

    Primeira leitura: Sofonias 3, 14-18ª

    Rejubila, filha de Sião,solta gritos de alegria, povo de Israel! Alegra-te e exulta com todo o coração, filha de Jerusalém!15O Senhor revogou as sentenças contra ti, e afastou o teu inimigo. O Senhor, rei de Israel, está no meio de ti. Não temerás mais a desgraça. 16Naquele dia, dir-se-á a Jerusalém: «Não temas, Sião! Não se enfraqueçam as tuas mãos! 17O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa, 18como nos dias de festa.»

    O reinado de Josias (séc. VI a. C.) foi marcado por permanentes infidelidades de Israel a Deus. O povo, esquecendo a Aliança com Deus, fazia alianças humanas e deixava-se levar pelas modas, cedendo ao culto de deuses estrangeiros. Perante esta situação, Sofonias ergue a voz para proclamar "o dia terrível de Javé" em que o pecado dos povos, também de Judá, seria manifestado e julgado. Mas o profeta sabe que o juízo de Deus é sempre um convite à conversão. Assim, abre uma perspetiva de luz e de esperança. A "filha de Sião" deve alegrar-se com a perspetiva desse dia (cf. 16b), o dia messiânico, dia de misericórdia e de um amor novo entre Deus e o seu povo. A presença de Deus entre o seu povo será motivo de renovada esperança, porque Deus é "poderoso salvador" (v. 17).

    Evangelho: Lucas 1, 39-56

    Por aqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se à pressa para a montanha, a uma cidade da Judeia. 40Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe de alegria no seio e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. 42Então, erguendo a voz, exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.43E donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? 44Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio. 45Feliz de ti que acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor.» 46Maria disse, então: «A minha alma glorifica o Senhor47e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. De hoje em diante, me chamarão bem-aventurada todas as gerações. 49O Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome.50A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem.51Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos.52Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. 53Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.54Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia,55como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência, para sempre.» 56Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois regressou a sua casa.

    Maria e Isabel acolhem em si a ação de Deus. Maria acolhe-a de modo ativo, dando o seu consenso. Isabel acolhe-a de modo passivo. Ambas experimentam a ação poderosa do Espírito Santo. Isabel tem no ventre o Precursor. Graças a essa presença, pode já indicar, na Mãe, o Filho e proclamar bendita Aquela que "acreditou" (v. 45). Maria responde ao cântico de Isabel com o Magnificat, que revela a ação poderosa de Deus nela, aquela ação que realiza as promessas feitas a Abraão e à sua descendência. O Magnificat é a primeira manifestação pública de Jesus, ainda escondido, mas atuante naqueles que, como Maria, o acolhem na fé e com amor.

    Meditatio

    Maria ensina-nos a acolher o Senhor. Acolhe-o com louvor: "A minha alma glorifica o Senhor!" Assim fizera David que acolheu a Arca de Deus com exultação e a colocou na sua cidade, Jerusalém, no meio do júbilo do seu povo.
    Como David e, sobretudo, como Maria, precisamos de acolher a Deus e dar-lhe o lugar a que tem direito na nossa vida. Somos pequenos e fracos, é certo. Mas Deus chama-nos a acolhê-lo, a recebê-lo em nossa casa com alegria e disponibilidade. Não podemos deixá-lo à porta. Não podemos recebê-lo continuando fechados nas nossas preocupações, nos nossos interesses mais ou menos egoístas. Não podemos receber a Deus como se recebe alguém que vem negociar connosco, ou como se recebe um fornecedor, um cobrador, ou um qualquer serviçal. Há que recebê-lo com a honra a que tem direito, com alegria, com cânticos de júbilo, com exultação. Maria acolheu o Senhor, não para ser servida, mas para servir. Acolheu-o cantando: "A minha alma glorifica o Senhor!". Maria e Isabel ensinam-nos também a acolher os outros. Para acolher alguém, precisamos de sair de nós mesmos. Maria saiu fisicamente de sua casa e deslocou-se à montanha da Judeia para visitar Isabel. Isabel, para acolher a Maria, saiu de si mesma e reconheceu, na jovem mulher que a visitava, a Mãe do seu Senhor. Maria acolhera a palavra do Anjo acerca da prima e foi visitá-la como a alguém abençoado pelo Senhor. Acolher uma pessoa é sempre acolher aquilo que Deus realiza nessa pessoa, acolher a sua vocação profunda.
    Peçamos a Maria que, como o Pe. Dehon, e no seu "seguimento", saibamos contribuir para instaurar o reino da justiça e da caridade cristã no mundo (cf. Souvenirs XI). Um sinal dos tempos muito apreciado, pelos crentes e pelos não crentes, é a solidariedade com os carenciados, sejam eles da nossa família ou vivam mais perto ou mais longe de nós. O mesmo se diga da ajuda aos povos em vias de desenvolvimento, muitas vezes atormentados pela fome, causada por guerras crónicas ou por catástrofes e calamidades naturais (Cf. A.A., n. 14).

    Oratio

    Senhor, hoje, quero rezar-te com o P. Dehon: "A minha alma glorifica o Senhor por todos os seus benefícios: pela sua vinda na Incarnação, pelos seus ensinamentos luminosos, pela efusão do seu sangue, pela instituição da Eucaristia, pelo dom do seu Coração, sobretudo, e pelas graças pessoais com que me cumula todos os dias." (OSP 3, p. 22s.)

    Contemplatio

    Maria entoa o cântico de ação de graças que ficará como expressão de ação de graças de todos os filhos de Deus. Como dizer o enlevo do seu Coração? Ela atribui tudo à glória de Deus, esquecendo-se de si mesma. É o sentido de todo o cântico. Foi Deus quem fez nela grandes coisas. É a obra da sua misericórdia. Veio no poder do seu braço para humilhar os soberbos e para levantar os pequenos. Veio despojar os que se agarravam aos bens da terra e enriquecer com os seus dons os que estavam em necessidade. - Veio cumprir as promessas feitas aos patriarcas. Em todo este mistério da Visitação transbordam a caridade do Coração de Jesus que derrama as suas graças sobre aqueles que visita, e o humilde reconhecimento do coração de Maria, que nos ensina a dizer a Deus toda a nossa gratidão atribuindo-lhe fielmente todo o bem que opera em nós, seus pobres servidores bem humildes e bem pequenos. O Magnificat servir-nos-á de cântico de ação de graças para agradecermos ao Sagrado Coração de Jesus as suas visitas e a sua permanência em nós pela Eucaristia e pela graça. (Leão Dehon, OSP 3, p. 22).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "A minha alma glorifica o Senhor" (Lc 1, 46).

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    Visitação da Virgem Santa Maria (31 Maio)

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