Liturgia

Week of Out 10th

  • 28º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    28º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    10 de Outubro, 2021

    ANO B
    28º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 28º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 28º Domingo do Tempo Comum convida-nos a reflectir sobre as escolhas que fazemos; recorda-nos que nem sempre o que reluz é ouro e que é preciso, por vezes, renunciar a certos valores perecíveis, a fim de adquirir os valores da vida verdadeira e eterna.
    Na primeira leitura, um "sábio" de Israel apresenta-nos um "hino à sabedoria". O texto convida-nos a adquirir a verdadeira "sabedoria" (que é um dom de Deus) e a prescindir dos valores efémeros que não realizam o homem. O verdadeiro "sábio" é aquele que escolheu escutar as propostas de Deus, aceitar os seus desafios, seguir os caminhos que Ele indica.
    O Evangelho apresenta-nos um homem que quer conhecer o caminho para alcançar a vida eterna. Jesus convida-o renunciar às suas riquezas e a escolher "caminho do Reino" - caminho de partilha, de solidariedade, de doação, de amor. É nesse caminho - garante Jesus aos seus discípulos - que o homem se realiza plenamente e que encontra a vida eterna.
    A segunda leitura convida-nos a escutar e a acolher a Palavra de Deus proposta por Jesus. Ela é viva, eficaz, actuante. Uma vez acolhida no coração do homem, transforma-o, renova-o, ajuda-o a discernir o bem e o mal e a fazer as opções correctas, indica-lhe o caminho certo para chegar à vida plena e definitiva.

    LEITURA I - Sab 7,7-11

    Leitura do Livro da Sabedoria

    Orei e foi-me dada a prudência;
    implorei e veio a mim o espírito de sabedoria.
    Preferi-a aos ceptros e aos tronos
    e, em sua comparação, considerei a riqueza como nada.
    Não a equiparei à pedra mais preciosa,
    pois todo o ouro, à vista dela, não passa de um pouco de areia
    e, comparada com ela, a prata é considerada como lodo.
    Amei-a mais do que a saúde e a beleza
    e decidi tê-la como luz,
    porque o seu brilho jamais se extingue.
    Com ela me vieram todos os bens
    e, pelas suas mãos, riquezas inumeráveis.

    AMBIENTE

    O "Livro da Sabedoria" é o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento (aparece durante o séc. I a.C.). O seu autor - um judeu de língua grega, provavelmente nascido e educado na Diáspora (Alexandria?) - exprimindo-se em termos e concepções do mundo helénico, faz o elogio da "sabedoria" israelita, traça o quadro da sorte que espera o "justo" e o "ímpio" no mais-além e descreve (com exemplos tirados da história do Êxodo) as sortes diversas que tiveram os pagãos (idólatras) e os hebreus (fiéis a Jahwéh).
    Estamos em Alexandria (Egipto), num meio fortemente helenizado. As outras culturas - nomeadamente a judaica - são desvalorizadas e hostilizadas. A enorme colónia judaica residente na cidade conhece mesmo, sobretudo nos reinados de Ptolomeu Alexandre (106-88 a.C.) e de Ptolomeu Dionísio (80-52 a.C.), uma dura perseguição. Os sábios helénicos procuram demonstrar, por um lado, a superioridade da cultura grega e, por outro, a incongruência do judaísmo e da sua proposta de vida... Os judeus são encorajados a deixar a sua fé, a "modernizar-se" e a abrir-se aos brilhantes valores da cultura helénica.
    É neste ambiente que o sábio autor do Livro da Sabedoria decide defender os valores da fé e da cultura do seu Povo. O seu objectivo é duplo: dirigindo-se aos seus compatriotas judeus (mergulhados no paganismo, na idolatria, na imoralidade), convida-os a redescobrirem a fé dos pais e os valores judaicos; dirigindo-se aos pagãos, convida-os a constatar o absurdo da idolatria e a aderir a Jahwéh, o verdadeiro e único Deus... Para uns e para outros, o autor pretende deixar este ensinamento fundamental: só Jahwéh garante a verdadeira "sabedoria" e a verdadeira felicidade.
    O texto que nos é proposto integra a segunda parte do livro (cf. Sab 6,1-9,18). Aí, o autor apresenta o "elogio da sabedoria". Este "elogio da sabedoria" pode dividir-se em três pontos... No primeiro (cf. Sab 6,1-21), há uma exortação aos reis no sentido de adquirirem a "sabedoria"; no segundo (cf. Sab 6,22-8,21), há uma descrição da natureza e das propriedades da "sabedoria", aqui apresentada como o valor mais importante entre todos os valores que o homem pode adquirir; no terceiro (cf. Sab 9,1-18), aparece uma longa oração do autor, implorando de Jahwéh a "sabedoria".
    O que é esta "sabedoria" de que aqui se fala? É, fundamentalmente, a capacidade de fazer as escolhas correctas, de tomar as decisões certas, de escolher os valores verdadeiros que conduzem o homem ao êxito, à realização, à felicidade. Na perspectiva dos "sábios" de Israel, esta "sabedoria" vem de Deus e é um dom que Deus oferece a todos os homens que tiverem o coração disponível para o acolher. É preciso, portanto, ter os ouvidos atentos para escutar e o coração disponível para acolher a "sabedoria" que Deus quer oferecer a todos os homens.
    O autor deste "elogio da sabedoria" apresenta-se a si próprio como o rei Salomão (embora o nome do rei nunca seja referido explicitamente). Na realidade, o "Livro da Sabedoria" não vem de Salomão (já vimos que é um texto escrito no séc. I a.C., por um judeu da Diáspora, possivelmente de Alexandria); mas Salomão, o protótipo do rei sábio era, para os israelitas, a pessoa indicada para apresentar a "sabedoria" e para a recomendar a todos os homens. Usando uma ficção literária, o autor coloca, pois, na boca de Salomão este discurso sapiencial.

    MENSAGEM

    Salomão pediu a Deus a "sabedoria" e ela foi-lhe concedida (vers. 7). Há aqui uma alusão discreta ao episódio narrado em 1 Re 3,5-15, que conta como Salomão, ainda um jovem rei inexperiente, se dirigiu a um santuário em Guibeon e pediu a Deus "um coração cheio de entendimento para governar o povo, para discernir entre o bem e o mal" (1 Re 3,9); e Deus, correspondendo a este pedido, deu-lhe "um coração sábio e perspicaz" (1 Re 3,12).
    Para o rei, a "sabedoria" tornou-se o valor mais apreciado, superior ao poder, à riqueza, à saúde, à beleza, a todos os bens terrenos (vers. 8-10a). Ela é a "luz" que indica caminhos e que permite discernir as opções correctas a tomar. Ao contrário dos bens terrenos, ela não se extingue nem perde o brilho (vers. 10b): é um valor duradouro, que vem de Deus e que conduz o homem ao encontro da vida verdadeira, da felicidade perene.
    Contudo, a "sabedoria" não afastou este rei dos outros bens... Pelo contrário, a opção pela "sabedoria" fê-lo encontrar "todos os bens" e "riquezas inumeráveis" (vers. 11), pois a "sabedoria" está na base de todos eles. É ela que lhe permite gozar os bens terrenos com maturidade e equilíbrio, sem obsessão e sem cobiça, colocando-os no seu devido lugar e não deixando que sejam eles a conduzir a sua vida e a ditar as suas opções.

    ACTUALIZAÇÃO

    • A "sabedoria" é um dom de Deus que o homem deve acolher com humildade e disponibilidade. Ela não chega a quem se situa diante de Deus numa atitude de orgulho e de auto-suficiência; ela não atinge quem se fecha em si próprio e constrói uma vida à margem de Deus; ela não encontra lugar no coração e na vida de quem ignora Deus, os seus desafios, as suas propostas. O "sábio" é aquele que, reconhecendo a sua finitude e debilidade, se coloca nas mãos de Deus, escuta as suas propostas, aceita os seus desafios, segue os caminhos que Ele indica. Talvez um dos grandes dramas do homem do século XXI seja o prescindir de Deus e de passar com total indiferença ao lado das propostas de Deus. Dessa forma, construímos com frequência esquemas de egoísmo, de violência, de exploração, de ódio, que desfeiam o mundo e magoam aqueles que caminham ao nosso lado. Em que é que eu aposto: na minha "sabedoria" (que tantas vezes me conduz por caminhos de injustiça, de divisão, de sofrimento, de infelicidade) ou na "sabedoria" de Deus (que sempre me conduz ao encontro da vida plena e da felicidade sem fim)?

    • Todos nós temos determinados valores que dirigem e condicionam as nossas opções, as nossas atitudes, os nossos comportamentos. A uns damos mais importância; a outros damos menos significado... O nosso texto convida-nos a ter cuidado com a forma como hierarquizamos os valores sobre os quais construímos a nossa vida... Há valores efémeros e passageiros (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda, o reconhecimento social...) que não podem ser absolutizados. Eles não são maus, por si próprios; não podemos é deixar que eles tomem conta da nossa vida, condicionem todas as nossas opções, nos escravizem de tal modo que nos levem a esquecer outros valores mais importantes e mais duradouros. Os valores efémeros não servem para encher completamente a nossa vida de significado e não nos garantem a vida verdadeira. Têm o seu lugar na nossa existência; mas não podem crescer de tal forma que açambarquem todo o espaço livre no nosso coração e na nossa vida.

    • O "sábio" autor do nosso texto garante-nos que escolher a "sabedoria" não significa prescindir de outros valores mais materiais e efémeros. Por vezes, existe a ideia de que acolher as propostas de Deus e seguir os seus caminhos significa renunciar a tudo aquilo que nos pode tornar felizes e realizados... Não é verdade. Há valores, mesmo efémeros, que são perfeitamente compatíveis com a nossa opção pelos valores de Deus e do Reino. Não se trata de nos fecharmos ao mundo, de renunciarmos definitivamente às coisas belas que o mundo nos pode oferecer e que nos dão segurança e estabilidade; trata-se de darmos prioridade àquilo que é realmente importante e que nos assegura, não momentos efémeros, mas momentos eternos de felicidade e de vida plena.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 89 (90)

    Refrão 1: Saciai-nos, Senhor, com a vossa bondade
    e exultaremos de alegria.

    Refrão 2: Enchei-nos da vossa misericórdia:
    será ela a nossa alegria.

    Ensinai-nos a contar os nossos dias,
    para chegarmos à sabedoria do coração.
    Voltai, Senhor! Até quando?
    tende piedade dos vossos servos.

    Saciai-nos, desde a manhã, com a vossa bondade,
    para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias.
    Compensai em alegria os dias de aflição,
    os anos em que sentimos a desgraça.

    Manifestai a vossa obra aos vossos servos
    e aos seus filhos a vossa majestade.
    Desça sobre nós a graça do Senhor.
    confirmai em nosso favor a obra das nossas mãos.

    LEITURA II - Heb 4,12-13

    Leitura da Epístola aos Hebreus

    A palavra de Deus é viva e eficaz,
    mais cortante que uma espada de dois gumes:
    ela penetra até ao ponto de divisão da alma e do espírito,
    das articulações e medulas,
    e é capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração.
    Não há criatura que possa fugir à sua presença:
    tudo está patente e descoberto a seus olhos.
    É a ela que devemos prestar contas.

    AMBIENTE

    Já vimos, no passado domingo, que a Carta aos Hebreus é um sermão destinado a comunidades cristãs instaladas na monotonia e na mediocridade, que se deixaram contaminar pelo desânimo e começaram a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos... O objectivo do autor deste "discurso" é estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a viver uma fé mais coerente e empenhada.
    Nesse sentido, o autor apresenta o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência, cuja missão é pôr os crentes em relação com o Pai e inseri-los nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã. Uma vez comprometidos com Cristo, os crentes devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela acomodação, pela monotonia e pelo arrefecimento do entusiasmo inicial.
    O texto que nos é proposto está incluído na segunda parte da Carta aos Hebreus (cf. Heb 3,1-5,10). Aí, o autor apresenta Jesus como o sacerdote fiel e misericordioso que o Pai enviou ao mundo para mudar os corações dos homens e para os aproximar de Deus. Aos crentes pede-se que "acreditem" em Jesus - isto é, que escutem atentamente as propostas que Cristo veio fazer, que as acolham no coração e que as transformem em gestos concretos de vida.
    O texto que nos é proposto é uma espécie de hino a essa Palavra de Deus que Jesus Cristo veio trazer aos homens. O objectivo do autor, com esta reflexão, é levar os crentes a escutar atentamente a Palavra proposta por Jesus.

    MENSAGEM

    A Palavra de Deus transmitida aos homens por Jesus não é um conjunto de frases ocas, vagas, estéreis, que se derramam sobre os homens mas que "entram por um ouvido e saem por outro", e que não têm impacto na vida daqueles que as escutam; mas é uma Palavra viva, actuante, transformadora e eficaz, que uma vez escutada, entra no coração do homem como uma espada afiada e transforma os seus sentimentos, os seus pensamentos, os seus valores, as suas opções, as suas atitudes.
    Ao entrar nos corações, a Palavra de Deus torna-se também o juiz das acções do homem. Aí, no centro onde se formam os sentimentos, onde nascem os pensamentos, onde se definem os valores, onde são feitas as opções (de acordo com a antropologia judaica, é no coração que tudo isto acontece), a Palavra de Deus confronta-se com os desejos secretos do homem, com as suas verdadeiras intenções, com os valores a que o homem dá prioridade, com a sinceridade das posições que o homem assume na sua relação com Deus, com o mundo e com os outros homens... E a Palavra de Deus aprecia, discerne, pesa e pronuncia o seu julgamento sobre o homem.
    A Palavra de Deus, mesmo que pareça frágil e débil, é uma força decisiva que enche a história e que traz ao homem a vida e a salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    • O autor do nosso texto pretende levar os seus interlocutores a escutar e a valorizar a Palavra de Deus que chega aos homens através de Jesus, pois só essa Palavra é salvadora e libertadora; só ela indica ao homem o caminho certo para chegar à vida plena e definitiva. Qual o lugar e o papel que a Palavra de Deus assume na minha vida? Sou capaz de encontrar tempo para escutar a Palavra de Deus, disponibilidade para a discutir e partilhar, vontade de confrontar a minha vida com as suas exigências?

    • A Palavra de Deus é viva, actuante, eficaz e renovadora - diz o nosso texto. Ela deveria ter um impacto positivo e transformador nas nossas vidas, nas nossas famílias, nas nossas comunidades, na sociedade à nossa volta... No entanto, a Palavra de Deus é proclamada diariamente nas nossas liturgias e continuamos a escolher valores errados, a erguer barreiras de separação entre pessoas, a marcar a nossa relação comunitária pela inveja, pelo ciúme, pela discórdia, a perpetuar mecanismos de injustiça, de violência, de exploração, de ódio... Será que a Palavra de Deus, depois de dois mil anos, perdeu a sua eficácia e a sua força transformadora? Não. O que acontece é que escutamos, acolhemos e apreendemos outras "palavras" e passamos com indiferença ao lado da Palavra de Deus. É preciso voltarmos a "escutar" a Palavra de Deus - isto é, a ouvi-la com os nossos ouvidos, a acolhê-la no nosso coração, a deixarmos que ela nos transforme e se expresse em gestos concretos de vida nova. Sem o nosso "sim", a Palavra de Deus não encontra lugar no nosso coração e na nossa vida.

    • A Palavra de Deus ajuda-nos a discernir o bem e o mal e a fazer as opções correctas. Ela ecoa no nosso coração, confronta-nos com as nossas infidelidades, critica os nossos falsos valores, denuncia os nossos esquemas de egoísmo e de comodismo, mostra-nos o sem sentido das nossas opções erradas, grita-nos que é preciso corrigir a nossa rota, desperta a nossa consciência, indica-nos o caminho para Deus. Para que esta Palavra seja eficaz é preciso, contudo, que não nos fechemos nessa atitude de auto-suficiência que nos torna surdos àquilo que põe em causa os nossos esquemas pessoais; mas é preciso que, com humildade e simplicidade, aceitemos questionar-nos, transformarmo-nos, convertermo-nos.

    • A nossa vivência de fé desenrola-se, muitas vezes, à volta de fórmulas de oração repetitivas, de práticas devocionais, de ritos fixos e imutáveis, de tradições cheias de pó, de grandes manifestações que, no entanto, têm pouca profundidade... E a Palavra de Deus é relegada, na experiência de fé de tantos crentes, para um papel muito secundário. É preciso que a Palavra de Deus esteja no centro da nossa experiência de fé e da nossa caminhada existencial. É ela que nos questiona, que nos transforma, que nos indica caminhos, que nos permite discernir a vontade de Deus a nosso respeito.

    ALELUIA - Mt 5,3

    Aleluia. Aleluia.

    Bem-aventurados os pobres em espírito,
    porque deles é o reino dos Céus.

    EVANGELHO - Mc 10,17-30

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

    Naquele tempo,
    ia Jesus pôr-Se a caminho,
    quando um homem se aproximou correndo,
    ajoelhou diante d'Ele e Lhe perguntou:
    «Bom Mestre, que hei-de fazer para alcançar a vida eterna?»
    Jesus respondeu:
    «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus.
    Tu sabes os mandamentos:
    'Não mates; não cometas adultério;
    não roubes; não levantes falso testemunho;
    não cometas fraudes; honra pai e mãe'».
    O homem disse a Jesus:
    «Mestre, tudo isso tenho eu cumprido desde a juventude».
    Jesus olhou para ele com simpatia e respondeu:
    «Falta-te uma coisa: vai vender o que tens,
    dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no Céu.
    Depois, vem e segue-Me».
    Ouvindo estas palavras, anuviou-se-lhe o semblante
    e retirou-se pesaroso,
    porque era muito rico.
    Então Jesus, olhando à volta, disse aos discípulos:
    «Como será difícil para os que têm riquezas
    entrar no reino de Deus!»
    Os discípulos ficaram admirados com estas palavras.
    Mas Jesus afirmou-lhes de novo:
    «Meus filhos, como é difícil entrar no reino de Deus!
    É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha
    do que um rico entrar no reino de Deus».
    Eles admiraram-se ainda mais e diziam uns aos outros:
    «Quem pode então salvar-se?»
    Fitando neles os olhos, Jesus respondeu:
    «Aos homens é impossível, mas não a Deus,
    porque a Deus tudo é possível».
    Pedro começou a dizer-Lhe:
    «Vê como nós deixámos tudo para Te seguir».
    Jesus respondeu:
    «Em verdade vos digo:
    Todo aquele que tenha deixado casa,
    irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras,
    por minha causa e por causa do Evangelho,
    receberá cem vezes mais, já neste mundo,
    em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras,
    juntamente com perseguições,
    e, no mundo futuro, a vida eterna».

    AMBIENTE

    Depois de deixar "a casa" (cf. Mc 10,10), Jesus continua o seu caminho através da Judeia e da Transjordânia, em direcção a Jericó (cf. Mc 10,46), percorrendo um percurso geográfico que constitui a penúltima etapa da sua viagem para Jerusalém. Contudo, o caminho que Jesus faz com os discípulos é também um caminho espiritual, durante o qual Jesus vai completando a sua catequese aos discípulos sobre as exigências do Reino e as condições para integrar a comunidade messiânica. Desta vez, a questão posta por um homem rico acerca das condições para alcançar a vida eterna dá a Jesus a oportunidade para avisar os discípulos acerca da incompatibilidade entre o Reino e o apego às riquezas.
    Na perspectiva dos teólogos de Israel, as riquezas são uma bênção de Deus (cf. Dt 28,3-8); mas a catequese tradicional também está consciente de que colocar a confiança e a esperança nos bens materiais envenena o coração do homem, torna-o orgulhoso e auto-suficiente e afasta-o de Deus e das suas propostas (cf. Sal 49,7-8; 62,11). Jesus vai retomar a catequese tradicional, mas desta vez na perspectiva do Reino.

    MENSAGEM

    A primeira parte do nosso texto (vers. 17-27) é uma catequese sobre as exigências do Reino e do seguimento de Jesus.
    Um homem ajoelha-se diante de Jesus e pergunta-Lhe o que tem de fazer para "alcançar a vida eterna" (vers. 17). Não se trata, desta vez, de alguém que vem questionar Jesus para O experimentar: a postura do homem, a sua atitude de respeito, denunciam-no como alguém sincero e bem-intencionado, realmente preocupado com essa questão vital que é a vida eterna.
    No Antigo Testamento, a ideia de vida eterna aparece, pela primeira vez, em Dn 12,2 e é retomada noutros textos tardios... Para alguns teólogos da época do judaísmo helenístico, os justos que se mantiverem fiéis a Deus e à Lei não serão condenados ao sheol (onde os espíritos dos mortos levam uma existência obscura, no reino das sombras), mas ressuscitarão para uma vida nova, de alegria e de felicidade sem fim, com Deus (cf. 2 Mac 7,9.14.36). A vida eterna de que falam os teólogos desta época parece já incluir a ideia de imortalidade (cf. Sab 3,4; 15,3). É provavelmente isto que inquieta o tal homem que se encontra com Jesus: o que é necessário fazer para ter acesso a essa vida imortal que Deus reserva aos justos?
    A primeira resposta de Jesus não traz nada de novo e remete o homem para os mandamentos da Torah: "não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe" (vers. 19). De acordo com a catequese feita pelos mestres de Israel, quem vivesse de acordo com os mandamentos da Lei, receberia de Deus a vida eterna. O viver de acordo com as propostas de Deus é, também na perspectiva de Jesus, um primeiro patamar para chegar à vida eterna.
    O homem explica, porém, que desde sempre a sua vida foi vivida em consonância com os mandamentos da Lei (vers. 20). É uma afirmação segura e serena, que o próprio Jesus não contesta. O homem não é um hipócrita, mas um crente religiosamente empenhado e sincero. Não há aqui, por parte deste homem, qualquer sinal de orgulho e de auto-suficiência; mas a sua atitude e as questões que ele põe mostram a sua inquietação, a sua procura, a sua busca da definição do verdadeiro caminho para a vida eterna. Jesus reconhece a sinceridade, a honestidade, a verdade da busca deste homem; por isso, olha para ele "com simpatia" (vers. 21) e resolve convidá-lo a subir a um outro patamar nesse caminho para a vida eterna: convida-o a integrar a comunidade do Reino.
    Ora, esse novo patamar tem um outro grau de exigência... Jesus aponta três requisitos fundamentais que devem ser assumidos por quem quiser integrar a comunidade do Reino: não centrar a própria vida nos bens passageiros deste mundo, assumir a partilha e a solidariedade para com os irmãos mais pobres, seguir o próprio Jesus no seu caminho de amor e de entrega (vers. 21). Apesar de toda a sua boa vontade, o homem não está preparado para a exigência deste caminho e afasta-se triste. Marcos explica que ele estava demasiado preso às suas riquezas e não estava disposto a renunciar a elas (vers. 22). O homem de que se fala nesta cena é um piedoso observante da Lei; mas não tem coragem para renunciar às suas seguranças humanas, aos seus esquemas feitos, aos bens terrenos que lhe escravizam o coração. A sua incapacidade para assumir a lógica do dom, da partilha, do amor, da entrega, tornam-no inapto para o Reino. O Reino é incompatível com o egoísmo, com o fechamento em si próprio, com a lógica do "ter", com a obsessão pelos bens deste mundo.
    A história do homem rico que não está disposto a integrar a comunidade do Reino, pois não está preparado para viver no amor, na partilha, na entrega da própria vida aos irmãos, serve a Jesus para oferecer aos discípulos mais uma catequese sobre o Reino e as suas exigências. O "caminho do Reino" é um caminho de despojamento de si próprio, que tem de ser percorrido no dom da vida, na partilha com os irmãos, na entrega por amor. Ora, quem não é capaz de renunciar aos bens passageiros deste mundo - ao dinheiro, ao sucesso, ao prestígio, às honras, aos privilégios, a tudo isso que prende o homem e o impede de dar-se aos irmãos - não pode integrar a comunidade do Reino. Não se trata apenas de uma dificuldade, mas de uma verdadeira impossibilidade ("é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus" - vers. 25): os bens do mundo impõem ao homem uma lógica de egoísmo, de fechamento, de escravidão que são incompatíveis com a adesão plena ao Reino e aos seus valores. O discípulo que quer integrar a comunidade do Reino deve estar sempre numa atitude radical de partilha, de solidariedade, de doação.
    Marcos propõe-nos, depois, a reacção alarmada, ansiosa, desorientada, dos discípulos face a esta exigência de radicalidade: "quem pode, então, salvar-se?" (vers. 26). Em resposta, Jesus pronuncia palavras de conforto, apresentando o poder de Deus como incomparavelmente maior do que a debilidade humana ("aos homens é impossível, mas não a Deus; porque a Deus tudo é possível" - vers. 27). A acção de Deus - gratuita e misericordiosa - pode mudar o coração do homem e fazê-lo acolher as exigências do Reino. É preciso, no entanto, que o homem esteja disponível para escutar Deus e para se deixar desafiar por Ele.
    Na segunda parte do nosso texto (vers. 28-30) os discípulos, pela voz de Pedro, recordam a Jesus que deixaram tudo para o seguir. A renúncia dos discípulos não é, contudo, uma renúncia que se justifica por si mesma e que tem valor em si mesma... Os discípulos de Jesus não escolhem a pobreza porque a pobreza, em si, é uma coisa boa; nem deixam as pessoas que amam pelo gosto de deixá-las... Quando os discípulos de Jesus renunciam a determinados valores (muitas vezes valores legítimos e importantes), é em vista de um bem maior - o seguimento de Jesus e o anúncio do Evangelho. Jesus confirma a validade desta opção e assegura aos discípulos que o caminho escolhido por eles não é um caminho de perda, de solidão, de morte, mas é um caminho de ganho, de comunhão, de vida.
    Esta opção dos discípulos será sempre incompreendida e recusada pelo mundo. Por isso, os discípulos conhecerão também a perseguição e o sofrimento. As tribulações não são um drama imprevisto e sem sentido: os discípulos devem estar preparados para as enfrentar, pois sabem que terão sempre de viver com a oposição do mundo, enquanto se mantiverem fiéis a Jesus e ao Evangelho.
    Aconteça o que acontecer, os discípulos devem estar conscientes de que a opção pelo Reino e pelos seus valores lhes garantirá uma vida cheia e feliz nesta terra e, no mundo futuro, a vida eterna.

    ACTUALIZAÇÃO

    • O que é preciso fazer para alcançar a vida eterna? Trata-se de uma questão que inquieta todos os crentes e que certamente já pusemos a nós próprios, com estas ou com outras palavras semelhantes. Jesus responde: é preciso, antes de mais, viver de acordo com as propostas de Deus (mandamentos); e é preciso também assumir os valores do Reino e seguir Jesus no caminho do amor a Deus e da entrega aos irmãos. Isto não significa, contudo, que a vida eterna seja algo que o homem conquista, com o seu esforço, ou que resulte dos méritos que o homem adquire ao percorrer um caminho religiosamente correcto. A vida eterna é sempre um dom gratuito de Deus, fruto da sua bondade, da sua misericórdia, do seu amor pelo homem; no entanto, é um dom que o homem aceita, acolhe e com o qual se compromete. Quando o homem vive de acordo com os mandamentos de Deus e segue Jesus, não está a conquistar a vida eterna; está, sim, a responder positivamente à oferta de vida que Deus lhe faz e a reconhecer que o caminho que Deus lhe indica é um caminho de vida e de felicidade.

    • Quando falamos em vida eterna, não estamos a falar apenas na vida que nos espera no céu; mas estamos a falar de uma vida plena de qualidade, de uma vida que leva o homem à sua plena realização, de uma vida de paz e de felicidade. Deus oferece-nos essa vida já neste mundo e convida-nos a acolhê-la e a escolhê-la em cada dia da nossa caminhada nesta terra; no entanto, sabemos que só atingiremos a plenitude da vida quando nos libertarmos da nossa finitude, da nossa debilidade, das limitações que a nossa humanidade nos impõem. A vida eterna é uma realidade que deve marcar cada passo da nossa existência terrena e que atingirá a plenitude na outra vida, no céu.

    • Na perspectiva de Jesus, a vida eterna passa pela adesão a esse Reino que Ele veio anunciar. Jesus, com a sua vida, com as suas propostas, com os seus valores, veio propor aos homens o caminho da vida eterna. Quem quiser "alcançar a vida eterna" tem de olhar para Jesus, aprender com Ele, segui-l'O, fazer da própria vida - como Jesus fez da sua vida - uma escuta atenta das propostas de Deus e um dom de amor aos irmãos. Toda a nossa caminhada, todos os nossos esforços, toda a nossa busca visam alcançar a vida eterna. Muitas vezes, a lógica do mundo sugere que a vida eterna está na acumulação de dinheiro, na concretização dos nossos sonhos de "ter" mais coisas, na conquista de poder, no reconhecimento social, nos privilégios que conquistamos, nos cinco minutos de exposição mediática que a televisão proporciona... Nós, crentes, sabemos, contudo, que os bens deste mundo, embora nos proporcionem bem estar e segurança, não nos oferecem a vida eterna; essa vida eterna que buscamos ansiosamente está nesse caminho de amor, de serviço, de dom da vida que Cristo nos ensinou a percorrer.

    • A história do homem rico, que buscava a vida eterna mas não estava disposto a prescindir da sua riqueza, alerta-nos para a impossibilidade de conjugar a vida eterna com o amor aos bens deste mundo. A riqueza escraviza o coração do homem, absorve todas as suas energias, desenvolve o egoísmo e a cobiça, leva o homem à injustiça, à exploração, à desonestidade, ao abuso dos irmãos... É, portanto, incompatível com o "caminho do Reino", que é um caminho que deve ser percorrido no amor, na solidariedade, no serviço, na partilha, na verdade, no dom da vida aos irmãos. Podemos levar vidas religiosamente correctas, frequentar a Igreja, dar o nosso contributo na comunidade, ocupar lugares significativos na estrutura paroquial; mas, se o nosso coração vive obcecado com os bens deste mundo e fechado ao amor, à partilha, à solidariedade, não podemos fazer parte da comunidade do Reino.

    • Jesus confirma, no final do texto que nos é proposto, a validade desse caminho de renúncia e de desprendimento que os discípulos aceitaram percorrer. Mais: Jesus garante que não se trata de um caminho de fracasso e de perda, mas de um caminho que realiza plenamente os sonhos e as necessidades dos homens que O escolheram. Seguir o "caminho do Reino" não é, portanto, aceitar viver infeliz e sacrificado nesta terra, com a esperança de uma recompensa no mundo que há-de vir; mas é, livre e conscientemente, escolher um caminho de vida plena, de realização, de alegria, de felicidade. O cristão não é um pobre coitado condenado a passar ao lado da vida e da felicidade; mas é uma pessoa que renunciou a certas propostas falíveis e parciais de felicidade, pois sabe que a vida plena está em viver de acordo com os valores eternos propostos por Jesus.

    • Jesus avisa aos discípulos que o "caminho do Reino" é um caminho contra a corrente, que gerará inevitavelmente o ódio do mundo e que se traduzirá em perseguições e incompreensões. É uma realidade que conhecemos bem... Quantas vezes as nossas opções cristãs são criticadas, incompreendidas, apresentadas como realidades incompreensíveis e ultrapassadas por aqueles que representam a ideologia dominante, que fazem a opinião pública, que definem o socialmente correcto... Precisamos, todavia, de estar conscientes de que a perseguição e a incompreensão são realidades inevitáveis, que não podem desviar-nos das opções que fizemos. Para nós, seguidores de Jesus, o que é realmente importante é a certeza de que o "caminho do Reino" é um caminho de vida eterna.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 28º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 28º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Um homem corre, põe-se de joelhos, questiona. Jesus lança sobre ele um olhar de amizade. E é porque o ama que Jesus é exigente, pedindo-lhe para renunciar a tudo para O seguir. Golpe de teatro: o homem vira-se, o seu rosto está triste. Se este relato ficasse por aí, seria desencorajante, como pensam os apóstolos, testemunhas da cena. Mas uma palavra de esperança pode levar a imaginar que este homem poderá reencontrar o seu sorriso e a sua espontaneidade: "Aos homens é impossível, mas não a Deus, porque a Deus tudo é possível". As exigências que Jesus propõe só podem ser realizadas à força de impulsos do homem, mas com Deus tudo é possível. Se o homem tivesse respondido: "Sozinho, nunca chegarei, Senhor, mas com a tua ajuda, creio que é possível!" Se assim fosse, teríamos nesse dia mais um discípulo, um discípulo feliz!

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Os apóstolos tinham com que ficar desconcertados... e nós com eles! É verdadeiramente necessário abandonar tudo, nada possuir, ser "pobre como Job", ou como Francisco de Assis, para ser discípulo de Cristo? Mas isso é irrealista e impossível! Olhemos um pouco mais de perto! Na primeira parte do diálogo, o jovem comete o mesmo erro dos fariseus. Fica-se pelo "fazer". Para eles, a Lei era a norma suprema e a sua observação escrupulosa, o único meio para obter de Deus a salvação. Religião severa e exigente, sem dúvida, que tinha a sua grandeza. Ora, Jesus convida o homem rico a passar para outro registo. De repente, não se trata de vida eterna a ganhar, mas de seguir Jesus. Como se a vida eterna fosse estar com Jesus! Eis a grande transformação que Jesus vem provocar. Não se trata primeiro de fazer esforços para obedecer a mandamentos, trata-se primeiro de entrar numa relação de amor com Jesus. Mais profundamente ainda, trata-se primeiro de descobrir que Jesus, Ele em primeiro lugar, nos ama. Eis porque a referência de Marcos é fundamental: "Jesus olhou para ele com simpatia (amor)". É este olhar que transforma tudo. Jesus quer fazer compreender ao homem rico que lhe falta o essencial: deixar-se amar em primeiro lugar, descobrir que todos os seus bens materiais nunca poderão preencher esta necessidade vital para todo o homem de ser amado. Senão, é impossível aprender a amar. As riquezas são mesmo um obstáculo ao amor, porque este, para ser verdadeiro, diz ao outro: "Preciso de ti. Sem ti, serei pobre em humanidade". As riquezas do homem impediram-no de ler tudo isto no olhar de Jesus. O homem partiu. Mas Jesus não lhe retirou o seu amor, acompanhou-o sempre com o seu olhar de amor, como o pai do filho pródigo.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Qual é o meu tesouro? No princípio desta Semana Missionária, em que queremos anunciar o Evangelho, tomemos a resolução de perguntar em cada dia da semana: qual é o meu tesouro? O que me faz viver? E sejamos verdadeiros na nossa resposta...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

     

    https://youtu.be/NeFr_AaNoTw

  • S. Teresa de Jesus, Virgem e Doutora da Igreja

    S. Teresa de Jesus, Virgem e Doutora da Igreja


    15 de Outubro, 2021

    Santa Teresa de Jesus nasceu em Ávila, Espanha, no ano de 1515. Entrou no Carmelo da Incarnação em 1535. Depois de um longo período de tibieza, começou a sua "conversão", com uma intensa vida mística em contato com Cristo, que a levou ao forte desejo de servir a Igreja do seu tempo, dilacerada pela Reforma protestante. Em 1562, fundou o Carmelo de S. José, em Ávila, onde deu início à reforma da Ordem. Seguiram-se diversas fundações de conventos reformados em Castela e na Andaluzia. A reforma estendeu-se também aos conventos carmelitas masculinos, graças à colaboração de S. João da Cruz, seu diretor espiritual, a partir de 1567. No leito de morte declarou-se feliz por morrer "filha da Igreja". Faleceu a 4 de Outubro de 1582. Foi canonizada por Gregório XV, em 1623, e declarada Doutora da Igreja por Paulo VI, em 1970.

    Lectio

    Primeira leitura: Romanos 8, 22-27

    Irmãos: Nós sabemos como toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente.23Não só ela. Também nós, que possuímos as primícias do Espírito, nós próprios gememos no nosso íntimo, aguardando a adopção filial, a libertação do nosso corpo. 24De facto, foi na esperança que fomos salvos. Ora uma esperança naquilo que se vê não é esperança. Quem é que vai esperar aquilo que já está a ver? 25Mas, se é o que não vemos que esperamos, então é com paciência que o temos de aguardar. 26É assim que também o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza, pois não sabemos o que havemos de pedir, para rezarmos como deve ser; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis. 27E aquele que examina os corações conhece as intenções do Espírito, porque é de acordo com Deus que o Espírito intercede pelos santos.

    O capítulo 8 da carta aos Romanos foi chamado o capítulo dos contemplativos. Por isso, é muito adequado para iluminar a figura de Teresa de Jesus. Este texto permite-nos verificar a ligação entre a mensagem teresiana e a experiência da oração interior no Espírito Santo. O Espírito Santo é, efetivamente, como que o motor da esperança de toda a criação no coração dos filhos de Deus. De fato, é na vida cristã que se experimenta a salvação alcançada e a esperança da redenção final no corpo e no cosmos. Do Espírito Santo, intérprete dos nossos desejos e necessidades, brota a oração e a intercessão mais profunda. A oração é um dom da amizade divina, que supõe a presença dos Espírito Santo, que nos impele a rezar e a interceder pela salvação de todos e, sobretudo, solicita a empreender um caminho de perfeição e a passar o limiar das diversas moradas do castelo interior, até à fonte viva da vida divina.

    Evangelho: da féria ou do Comum

    Meditatio

    Teresa de Jesus deixou-nos um precioso testemunho da sua caminhada de fé no livro da sua Vida, onde revela uma infância religiosamente precoce, uma juventude vivida na crise, uma recuperação vocacional aos vinte anos, seguida ainda por uma experiência de vida religiosa com altos e baixos, até à "conversão" definitiva, quando já se aproximava dos quarenta anos. É a lenta caminhada de uma história de salvação que, desde os limites do pecado, se desenvolve numa conversão sincera e total, com uma determinada determinação, com uma opção total e definitiva pelo Senhor, que dá azo a uma experiência mística em que Deus opera maravilhas. A vida de Teresa testemunha o processo de transformação da sua pessoa, o desejo de salvação, a efetiva mudança de vida, a graça do Espírito Santo que a penetra e conduz a uma intensa experiência de fé cristã. Nela notamos a graça mística como iluminação interior e como experiência de salvação e de transformação, a presença de Deus, a força da Palavra e dos Sacramentos, a revelação de Cristo Ressuscitado, na sua santa humanidade, a efusão do Espírito Santo e dos seus dons. A experiência da inabitação trinitária, da comunhão total com Cristo esposo, orientada para o serviço da Igreja, meta ideal da santidade cristã, coroou a sua caminhada. Foi um itinerário em que a oração interior, divina amizade com Deus, foi a chave de compreensão. Tudo desembocou na mística do serviço, numa forte unidade de vida vivida e ensinada pela santa, num grande amor pela Igreja, demonstrado concretamente na promoção da santidade da vida e no serviço da vida contemplativa para renovação da Igreja.

    Oratio

    Santa esposa do Salvador, ensinai-nos a contemplar convosco o Lado ferido do Salvador, que nos deixa ver o seu Coração e que nos revela o seu amor. Convosco, encontrarei nessa chaga sagrada um ninho e um refúgio, e uma porta para entrar na arca no tempo das tentações e sobretudo na hora da minha morte. Ámen. (Leão Dehon, OSP 4, p. 359).

    Contemplatio

    Santa Teresa tem o seu lugar entre as almas que, antes das revelações do séc. XVII, fixaram os seus olhares no Coração de Jesus. Ela escrevia ao bispo de Osma, que lhe pedia um método de oração: «Colocareis diante dos vossos olhos, os do corpo e os da alma, a imagem de Jesus crucificado que haveis de considerar atentamente e em pormenor, com todo o recolhimento e amor de que fordes capaz... A chaga do seu lado, pela qual vos deixará ver o seu Coração a descoberto, revelar-vos-á o indizível amor que nos marcou, quando quis que esta chaga sagrada fosse o nosso ninho e o nosso asilo, e que nos servisse de porta para entrarmos na arca no tempo das tentações». Ela tinha recebido esta orientação dos Padres da Igreja e dos santos dos séculos XII e XIII. Uma das suas práticas mais caras era a de se transportar em espírito, à noite, ao tomar o seu repouso, ao jardim da agonia. Meditava sobre as angústias do Salvador, compadecia, unia-se a ele. Não era isto a Hora santa?E o seu coração trespassado pelo dardo inflamado do Serafim, que lhe causava um tão suave martírio, não a fazia pensar sem cessar na chaga de amor do seu Jesus crucificado? (Leão Dehon, OSP 4, p. 358s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "A oração e a vida não consistem em muito sofrer,
    mas em muito amar" (S. Teresa de Jesus).

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    S. Teresa de Jesus, Virgem e Doutora da Igreja (15 Outubro)

  • S. Margarida Maria Alacoque, Virgem

    S. Margarida Maria Alacoque, Virgem


    16 de Outubro, 2021

    Santa Margaria Maria Alacoque nasceu em Autún, França, no ano de 1647. Entrou no mosteiro da Visitação, em Paray-le-Monial, quando tinha 27 anos de idade. Na capela desse mosteiro teve revelações do Sagrado Coração de Jesus, recebendo a missão de divulgar a devoção ao mesmo Sagrado Coração, com o apoio e a ajuda de S. Cláudio de La Colombière. Faleceu em 1690, sendo canonizada por Bento XV, em 1920. S. Margarida Maria é um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 3, 14-19

    Irmãos: Eu eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Paulo, prisioneiro de Cristo, reafirmara a transcendência e a gratuidade do seu ministério: "A mim, o menor de todos os santos, foi dada a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo" (v. 8). Essa gratuidade é visível, não só na sua tardia integração na Igreja, mas sobretudo no fato de este "mistério estar escondido desde séculos em Deus, o criador de todas as coisas" (Ef 3, 9). É algo de transcendente, cuja realidade não se pode verificar apenas através de uma simples investigação racional ou científica, pois se trata de amor por parte de Cristo, um amor gratuito, um amor "ultrapassa todo o conhecimento" (v. 19). A meta de tudo isto é que os cristãos fiquem "repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus" (v. 19). Margarida Maria fez experiência desse amor de Cristo, ao contemplar o seu Coração trespassado. E tornou-se apóstola desse amor.

    Evangelho: da féria ou do Comum

    Meditatio

    Santa Margarida Maria escreve no caderno de um dos seus retiros: «Em tudo o que fizer, entrarei no Sagrado Coração de Jesus para aí colher as suas intenções, me unir a ele e pedir a sua ajuda. Depois de cada ação, oferecê-la-ei a este divino Coração para reparar tudo o que aí encontrar de defeituoso, sobretudo nas minhas orações. Quando cometer faltas, depois de as ter punido em mim pela penitência, oferecerei ao Pai Eterno uma das virtudes deste divino Coração para pagar o ultraje que lhe tiver feito. À noite, colocarei neste Coração adorável tudo o que tiver feito durante o dia, a fim de que purifique o que houver de impuro e de imperfeito nas minhas ações, para as tornar dignas de lhe serem apropriadas e de as introduzir no seu divino Coração, deixando-lhe o cuidado de dispor de tudo segundo o seu desejo, não me reservando senão o de o amar e de o contentar». Eis o programa de uma união completa e de toda a jornada. As ações são oferecidas ao Coração de Jesus como tantos atos de amor e de reparação. São-lhe ainda apresentadas depois da sua realização para que as purifique.
    Num outro retiro, escrevia esta resolução: «Esforçar-me-ei, Senhor, por vos submeter tudo o que está em mim, e de fazer o que julgar mais perfeito, mais glorioso para o vosso Sagrado Coração ao qual prometo nada poupar de tudo o que estiver no meu poder, e de nada recusar fazer ou sofrer para o dar a conhecer, amar e glorificar».
    Aliás, sobre o desejo expresso pelo próprio Nosso Senhor, ela já tinha feito, em favor do Sagrado Coração, um testamento ou doação total, sem reserva, e isto por escrito, assinado com o seu sangue, de tudo o que ela pudesse fazer ou sofrer, doação à qual Nosso Senhor respondeu com o dom do seu próprio Coração, expresso por estas palavras: «Constituo-te herdeira do meu Coração e de todos os seus tesouros, para o tempo e para a eternidade, permitindo-te usar deles segundo os teus desejos». Que doação admirável! Como Nosso Senhor responde generosamente ao que se faz por Ele! É bem o que Ele prometeu em S. João (14, 23): «Se alguém me ama, meu Pai amá-lo-á e eu também o amarei e me manifestarei a ele».
    As palavras de Nosso Senhor a Margarida Maria mostram-nos também como a intercessão desta fiel discípula do Sagrado Coração é poderosa para o tempo e para a eternidade...
    Margarida Maria morreu prematuramente vítima do Sagrado Coração. Era necessário, de facto, que ela deixasse a terra para que se pudesse falar das suas revelações. Nada anunciava a proximidade da sua morte. No entanto, no começo do ano de 1690, ela dizia: «Morrerei seguramente este ano para não impedir os grandes frutos que o meu divino Salvador pretende tirar do livro da devoção ao Sagrado Coração de Jesus». O Padre Croiset estava, de facto, ocupado a compor este livro, do qual não tinha falado a ninguém.
    Três meses antes da sua morte, que ela previa, pediu para fazer um retiro de 40 dias para se preparar. Neste retiro, diante do que ela chamava a imensidão da sua malícia, lançou-se no Sagrado Coração. «Sou insolvente, Senhor, diz nas suas notas, vós o sabeis, colocai-me na prisão, consinto nisso desde que seja no vosso Sagrado Coração; e quando lá estiver, conservai-me lá bem cativa, ligada com as cadeias do vosso amor até que vos tenha pagado tudo o que vos devo; e como nunca o poderei, assim desejaria nunca mais sair desta prisão».
    Caiu doente, como o tinha previsto. Repetia que a sua morte era necessária para a glória do Sagrado Coração, e declarava, para admiração de todos, que estava à porta do túmulo. O Coração de Jesus era como sempre o objeto dos seus pensamentos. Aos cuidados que lhe são propostos, prefere, diz, abismar-se no Coração de Jesus. Depois de três dias de uma doença que ninguém conseguia explicar, deu a sua alma a Deus morrendo de amor, segundo a expressão do médico do mosteiro. (Leão Dehon, OSP 4, p. 367s.).

    Oratio

    Viver e morrer no Coração de Jesus, é todo o meu desejo. Não está aí o paraíso de toda a beleza, de toda a virtude, de toda a bondade? Contemplar os sentimentos do Coração de Jesus, admirá-los e unir-se a eles, essa é a ocupação dos eleitos. Quero que seja a minha desde agora. (Leão Dehon, OSP 4, p. 368).

    Contemplatio

    A devoção ao Sagrado Coração arrasta consigo a devoção ao Santíssimo Sacramento. Pode dizer-se que Margarida Maria vivia do Santíssimo Sacramento. Desde a sua mais tenra infância, uma atração extraordinária a levava para o altar. Quando não estava em casa de seus pais, era seguro poderem encontrá-la diante do Sacrário, que ela olhava com amor, mantendo-se lá sem dizer nada, contente de pensar que Nosso Senhor estava lá. Longe de diminuir com os anos, esta atracão crescia cada vez mais. Ela dizia: «Teria aí passado dias e noites sem beber nem comer, e sem saber o que fazer, senão consumir-me como um círio ardente na sua presença, para lhe dar amor por amor. Teria julgado ser a mais feliz do mundo, se tivesse podido passar as noites, sozinha, diante dele». Depois da sua entrada em religião, Margarida Maria deu livre curso ao seu amor pelo hóspede do Sacrário. Encontravam-na sempre ocupada com este divino objeto, com uma paixão tal, que temiam que esta aplicação lhe prejudicasse a saúde. Ela organizava o seu tempo tanto quanto podia, a fim de ter mais momentos livres para ficar na capela, onde a viam numa adoração profunda, com as mãos juntas, sem fazer nenhum movimento. (Leão Dehon, OSP 4, pp. 364).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quero viver e morrer no Coração de Jesus" (Leão Dehon).

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    S. Margarida Maria Alacoque, Virgem (16 Outubro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXVIII Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXVIII Semana - Sábado


    16 de Outubro, 2021

    Lectio

    Primeira leitura: Romanos 4, 13.16-18

    Irmãos: não foi em virtude da Lei, mas da justiça obtida pela fé que a Abraão, ou à sua descendência, foi feita a promessa de que havia de receber o mundo em herança. 16Por isso, é da fé que depende a herança. Só assim é que esta é gratuita, de tal modo que a promessa se mantém válida para todos os descendentes: não apenas para aqueles que o são em virtude da Lei, mas também para os que o são em virtude da fé de Abraão, pai de todos nós, 17conforme o que está escrito: Fiz de ti o pai de muitos povos. Pai diante daquele em quem acreditou, o Deus que dá vida aos mortos e chama à existência o que não existe. 18Foi com uma esperança, para além do que se podia esperar, que ele acreditou e assim se tornou pai de muitos povos, conforme o que tinha sido dito: Assim será a tua descendência.

    Depois de ter aludido a Abraão, nosso pai na fé, Paulo desenvolve a ideia sublinhando a diferença entre a lei e a justiça que vem da fé. A promessa de Deus feita a Abraão não depende da lei: «não foi em virtude da Lei, mas da justiça obtida pela fé que a Abraão, ou à sua descendência, foi feita a promessa de que havia de receber o mundo em herança. Por isso, é da fé que depende a herança» (vv. 13.16). Assim fica claro que a promessa de Deus é livre e gratuita, preveniente e incondicionada. Por outro lado, a fé é o único caminho que leva à justiça. Por isso, são filhos de Abraão, não os que vivem de acordo com as exigências da lei, mas os que acolhem o dom da fé. São genuínos herdeiros de Abraão os que aprenderam dele a fé, e não apenas a obediência à lei.
    A fé de Abraão, uma vez que está ligada à promessa divina, pode também ser chamada esperança: «Foi com uma esperança, para além do que se podia esperar, que ele acreditou» (v. 18). Com essa atitude, Abraão acolheu plenamente na perspectiva de Deus, «que dá vida aos mortos e chama à existência o que não existe» (v. 17b). Pela fé, todos podemos tornar-nos destinatários de eventos tão extraordinários, que só a Deus podem ser atribuídos.

    Evangelho: Lucas 12, 8-12

    Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: 8Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, também o Filho do Homem se declarará por ele diante dos anjos de Deus. 9Aquele, porém, que me tiver negado diante dos homens, será negado diante dos anjos de Deus. 10E a todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do Homem, há-de perdoar-se; mas, a quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo, jamais se perdoará. 11Quando vos levarem às sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos preocupeis com o que haveis de dizer em vossa defesa, 12pois o Espírito Santo vos ensinará, no momento próprio, o que deveis dizer.»

    Lucas provavelmente reúne neste texto um conjunto de palavras de Jesus para encorajar os cristãos que enfrentam as perseguições e os desafios do mundo. Também lhes oferece critérios de comportamento. É preciso enfrentar o presente com uma perspectiva escatológica, porque o «hoje» determina a eternidade. Uma vez que «não há outro nome (além do de Jesus) dado aos homens ... para que sejam salvos» (cf. Act 4, 12), a salvação oferecida por Deus depende do reconhecimento público de Jesus.
    Isto parece estar em contradição com o que se diz no versículo seguinte (v. 10). Há que distinguir. Alguns autores pensam que Lucas compreenda a dificuldade que alguns sentem em reconhecer no Jesus terreno o Salvador. Por isso, acha admissível que se «fale contra o Filho do homem»; mas não há perdão para quem blasfemar «contra o Espírito Santo», isto é, quando a liberdade humana recusa aderir à verdade que lhe é interiormente revelada pela graça de Deus. Neste caso, não dar testemunho diante dos homens, torna-se infidelidade e motivo de condenação. Pelo contrário, quando a acção do Espírito é acolhida pelo crente, este pode estar certo do apoio do Espírito no momento em que for chamado a dar testemunho diante dos homens.

    Meditatio

    Paulo continua a insistir na afirmação de que a acção e a generosidade de Deus precedem as nossas obras. Tudo começa com uma promessa de Deus. É o que verificamos na história de Abraão: antes que ele faça qualquer coisa, há uma promessa divina: «Não foi em virtude da Lei, mas da justiça obtida pela fé que a Abraão, ou à sua descendência, foi feita a promessa», escreve Paulo (v. 13). A lei só veio a ser dada quatrocentos e trinta anos depois de Abraão, como afirma o Apóstolo na carta aos Gálatas (3, 17). A primeira condição, portanto, não é observar a lei, mas acolher a promessa com plena fé. Desse modo, deixamos a Deus total liberdade e pomos a nossa vida à sua disposição. Abrir-nos a Deus é uma atitude simples, mas importante.
    No evangelho, Jesus afirma que é preciso confessar a fé, também diante dos homens, para ser recebidos por Deus no céu: «Todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, também o Filho do Homem se declarará por ele diante dos anjos de Deus» (v. 8). Mais do que preocupar-nos em adquirir méritos diante de Deus, com as nossas boas obras, havemos de testemunhar decidida e corajosamente a nossa fé em Jesus e em Deus por Jesus Cristo. Mas não devemos precipitar-nos a julgar aqueles que não mostram a sua fé. É o que também lemos no evangelho: «Todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do Homem, há-de perdoar-se; mas, a quem tiver blasfemado contra o Espírito Santo, jamais se perdoará» (v. 10). São dois aspectos da fé. Há uma manifestação exterior, mas a fé é fundada sobre uma manifestação interior do Espírito Santo. Pode suceder que uma pessoa encontre dificuldade em professar publicamente a sua fé, em aceitar as manifestações exteriores da fé no Filho do homem, isto é, a fé cristã. Mas não se pode dizer que tal atitude é imperdoável. Imperdoável é resistir ao Espírito Santo, isto é, não aceitar dentro de nós o testemunho de Deus, que nos impele para o seu Filho. A docilidade a Deus prepara e desenvolve em nós a fé. Quanto há esta íntima relação com o Espírito Santo, chega-se à fé. «Quem é dócil a Deus aproxima-se da Luz», (cf. Jo 3, 21). Numa vida fundada na fé, desenvolve-se o fruto do Espírito, e a fé pode chegar ao testemunho heróico, que admiramos nos mártires. Esse testemunho não é obra humana, mas fruto do Espírito, dom de Deus a quem lhe abre o coração de par em par, e se deixa guiar docilmente pelo Espírito Santo.

    Oratio

    Senhor, faz com que aumente em mim a estima pela fé e a docilidade ao Espírito Santo. Faz-me acreditar firmemente que é a tua mão que me conduz, e que nenhum mal me poderá atingir, porque me amas de verdade. Mas faz-me também compreender e aceitar que, ter fé, é também ter dúvidas e incertezas, é fraqueza e medo, é morte que dá vida. Faz-me compreender e aceitar que a fé é um permanente processo de aprender e reaprender o que é amar a Deus, amar o próximo, amar a mim mesmo. Que a minha fé leve calor a quem tem a alma gelada, leve pão a quem tem fome, ofereça um horizonte de esperança a quem vive desesperado. Amen.

    Contemplatio

    O bom Mestre propõe em seguida aos seus discípulos motivos de encorajamento para sofrerem corajosamente as provações e mesmo o martírio, se tal acontecer. Estes encorajamentos constituem ainda hoje a força dos nossos missionários, que vão tão de boamente enfrentar todos os perigos, com o secreto desejo de derramarem o seu sangue pelo Salvador. O primeiro encorajamento que nos dá o bom Mestre é o seu próprio exemplo: «O discípulo, diz, não está acima do Mestre; se me perseguiram, também vos há-de perseguir». Depois do exemplo de Nosso Senhor, diz S. Bernardo, já não há perseguições nem sofrimentos que possam assustar um cristão; é uma honra que Deus lhe faz torná-lo participante do cálice do seu divino Filho. Nosso Senhor acrescenta que não devemos temer, porque a verdade sairá sempre vitoriosa da mentira e da calúnia; e, aliás, se os nossos inimigos podem atingir o nosso corpo, são impotentes contra a nossa alma e não podem separá-la de Deus. E depois a Providência divina vela sobre os seus servos e em particular sobre os apóstolos do Evangelho. Nosso Senhor confessará e glorificará diante de seu Pai os que o tiverem confessado sobre a terra. O último encorajamento e o mais tocante é a alta dignidade dos apóstolos, que são os representantes de Nosso Senhor e outros ele mesmo. Ele vingá-los-á dos seus inimigos como recompensará os que os recebem, os que lhes testemunham respeito e dedicação. (Leão Dehon, OSP 4, p. 268s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje esta palavra:
    «O Espírito Santo vos ensinará o que deveis dizer» (Lc 12, 11).

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