Events in Setembro 2022

  • XXII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    1 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 3, 18-23

    Irmãos: 18Ninguém se engane a si mesmo: se algum de entre vós se julga sábio à maneira deste mundo, torne-se louco para ser sábio. 19Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Com efeito, está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia. 20E ainda: O Senhor conhece os pensamentos dos sábios e sabe que são fúteis. 21Portanto, ninguém se glorie nos homens, pois tudo é vosso: 22Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente ou o futuro. Tudo é vosso. 23Mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus.

    Paulo retoma a reflexão sobre o binómio «sabedoria-loucura» e adorna-o com referências ao Antigo Testamento. A sua atenção concentrara-se na loucura da pregação, na loucura da cruz, na loucura da fé. Agora o discurso alarga-se e aplica-se a toda a existência cristã: «viver em Cristo» comporta assumir a novidade de vida que Cristo pregou e que a sua cruz anuncia, ainda que isso pareça paradoxal e escandaloso ao mundo em que vivemos. Depois Paulo aperfeiçoa a escala dos valores, apresentando-a de modo eloquente: Tudo é vosso - Paulo refere-se a todos os crentes e a toda a comunidade dos crentes; mas vós sois de Cristo - todos, nós e vós, diz o Apóstolo, pertencemos a Cristo por meio da fé; ser de Cristo significa ter uma relação especial com Ele, por um chamamento recebido, pela Palavra escutada, pelo dom da graça acolhido; e Cristo é de Deus - é novamente reafirmado o primado de Deus Pai, origem e fim de tudo e de todos. Paulo esboça diante de nós um itinerário teológico persuasivo e englobante.

    Evangelho: Lucas 5, 1-11

    Naquele tempo, 1encontrando-se junto do lago de Genesaré, e comprimindo-se à volta dele a multidão para escutar a palavra de Deus, 2Jesus viu dois barcos que se encontravam junto do lago. Os pescadores tinham descido deles e lavavam as redes. 3Entrou num dos barcos, que era de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra e, sentando-se, dali se pôs a ensinar a multidão. 4Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo; e vós, lançai as redes para a pesca.» 5Simão respondeu: «Mestre, trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos; mas, porque Tu o dizes, lançarei as redes.» 6Assim fizeram e apanharam uma grande quantidade de peixe. As redes estavam a romper-se, 7e eles fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para que os viessem ajudar. Vieram e encheram os dois barcos, a ponto de se irem afundando. 8Ao ver isto, Simão caiu aos pés de Jesus, dizendo: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador.» 9Ele e todos os que com ele estavam encheram-se de espanto por causa da pesca que tinham feito; o mesmo acontecera 10a Tiago e a João, filhos de Zebedeu e companheiros de Simão.Jesus disse a Simão: «Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens.» 11E, depois de terem reconduzido os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus

    Lucas realça o modo como a multidão escutava «a palavra de Deus». Deste modo, remete-nos para a comunidade eclesial que vive a sua fé colocando no centro de si mesma «a palavra de Deus» e, ao mesmo tempo, Jesus como Palavra da revelação e a pregação apostólica. Lucas também realça que Jesus, «sentando se, dali se pôs a ensinar a multidão». Também este pormenor nos leva a considerar a narração evangélica como intimamente ligada à vida da primitiva comunidade cristã, em que a passagem da evangelização à catequese era normal e permanente.
    «Porque Tu o dizes, lançarei as redes»: Lucas sublinha a autoridade da palavra de Jesus. Sabemos que toda a palavra que saía da boca de Jesus, para os Apóstolos ou para a multidão, estava carregada de especial autoridade: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» (4, 36).
    «Depois de terem reconduzido as barcas para terra, dei¬xaram tudo e seguiram no». Esta expressão alerta para o radicalismo evangélico. Lucas quer indicar que o seguimento de Jesus implica, não só uma opção pessoal, mas também a decisão de se desapegar de tudo aquilo que, de algum modo, possa enfraquecer a adesão a Jesus.

    Meditatio

    As leituras de hoje convidam-nos a ultrapassar os nossos estreitos limites humanos, para nos abrirmos à imensidade do amor de Deus.
    Paulo exorta os Coríntios a irem além da sabedoria humana, que, muitas vezes, se deixar guiar por simpatias e preferências, e acaba por erguer barreiras que nos separam de Deus e uns dos outros. O Apóstolo indica-lhes horizontes bem mais amplos: «Tudo é vosso. Mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (vv. 22b-23).
    O mesmo acontece no evangelho. Jesus quis que Pedro compreendesse que o apostolado não é coisa humana. A pesca milagrosa leva Pedro a ultrapassar o senso comum, a curtas vistas humanas: ao ver a pesca inesperada, o apóstolo diz: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador» (v. 8). Há pormenores que marcam este encontro entre Jesus e Simão Pedro. Facilmente reconhecemos neles aspectos importantes da nossa experiência de vida cristã. Por exemplo: a passagem da desilusão à confiança: um pescador experimentado como Pedro sabe que, depois de certas noites de faina, não tem muito a esperar; a experiência é sempre uma referência em que nos apoiamos para fazer opções ou tomar decisões. Geralmente, não estamos muito inclinados a arriscar em coisas em que já experimentamos o fracasso. Mas Pedro acredita na palavra de Jesus e confia na sua eficácia. Do espanto ao reconhecimento da sua condição de pecador: a consciência de Pedro ilumina-se no contacto com Jesus, e não só diante do milagre. É verdade que o milagre sacode as consciências e as interpela drasticamente, mas a referência principal e última é a pessoa de Jesus. Diante dele, Pedro reconhece a sua condição de pobre pecador, idêntica à dos outros. De pecador a pescador de homens: Pedro dá-se conta de que Jesus entrou na sua vida, não para o atrair, mas também para ganhar, por meio dele, outras pessoas para a novidade cristã. Dá-se uma transformação da sua qualidade de pescador. Do abandono de todo ao seguimento de Jesus: a vocação qualifica-se, não tanto pelo que deixa, mas por Aquele a Quem se adere. Também Pedro de deu conta da necessidade de deixar tudo para seguir a Cristo. E não hesitou!
    Para responder à vocação, é preciso conhecer o rosto d'Aquele que chama. Toda a resposta vocacional implica um reconhecimento de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Aí, no amor dado e recebido, na identidade salvadora acolhida, pode-se dar um salto de confiança para os braços d'Aquele que chama porque se reconhece n'Ele a misericórdia e a salvação, a vida e a paz, a verdade e a beleza.
    A motivação consistente para
    vida consagrada só pode ser Cristo e o Evangelho (cf. Mc 10, 29). Só o amor a Cristo justifica uma vida de castidade, de pobreza, de obediência, vivida em fraternidade e ao serviço da missão.
    «Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem" (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança; uma fé que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo; no meio dos desafios do mundo, devemos consolidá-la, vivendo-a na caridade. Com todos os nossos irmãos cristãos confessamos, por meio do Espírito, que Cristo é o Senhor, no qual o Pai nos manifestou o seu amor e que continua presente no mundo para o salvar. "Ninguém pode dizer - Jesus é o Senhor - senão sob a acção do Espírito Santo" (1 Cor 12,3) (Cst 9).

    Oratio

    Seduziste-me, Senhor, e eu deixei-me seduzir. Procurava algo de significativo numa vida fácil e sem brio, no tédio mortal de muitos dias sempre iguais. O teu amor arcano e misterioso atemorizava-me e, por isso, resisti muito tempo. Agora, sinto-me rendido à tua irresistível sedução. Puseste-me numa nova forma de existência, mostrando-me uma missão que, a partir de agora, dá consistência à minha vida, mesmo no meio das dificuldades, e das contradições. Seguir-Te tornou-se uma maravilhosa oportunidade para Pedro e para mim, como para todos os que são chamados. Que a saiba aproveitar, para glória do teu Nome. Amen.

    Contemplatio

    A vocação sacerdotal é muitas vezes preparada por piedosos antepassados. Há muitas vezes entre as causas determinantes da nossa vocação os exemplos, as orações, os méritos de uma mãe, de uma avó ou de outros familiares. Não vemos também aqui, como prelúdio ao Ecce venio de Jesus, o Ecce Ancilla de Maria, e a vida santa e pura da Virgem imaculada, a humildade de José, pai adoptivo do Salvador, a dignidade de Santa. Ana e de S. Joaquim? Jesus quer que nós guardemos a recordação destas santas preparações. S. Paulo diz a Timóteo: «Recorda-te da fé da tua avó e da tua mãe» (2Tim 1). Muitas vezes também, houve nas gerações precedentes da família do sacerdote, outras vocações de sacerdotes, de religiosos, de religiosas. Jesus, por Maria, descendia simultaneamente da família de Judá e da tribo de Levi. Muito frequentemente os piedosos antepassados do sacerdote passaram por provações. As graças compram-se. Sta. Ana e S. Joaquim foram desprezados, Maria e José viveram na pobreza.
    Se nós reconhecemos o toque divino na origem da nossa vocação, exprimamos a nossa gratidão ao divino Coração de Jesus... Regressemos em pensamento à nossa infância. Agradeçamos a Deus as graças recebidas e peçamos-Lhe perdão pelas falhas que nos escaparam.
    Quais eram as disposições do Coração de Jesus durante a sua infância e a sua juventude? ... Oferecia sem cessar um sacrifício perfeito ao seu Pai... Crescia em graça, crescia em sabedoria...
    Perdão por todos os abusos que cometi dos vossos dons! Obrigado por todos os proveitos espirituais que deles pude colher! (Leão Dehon, OSP 2, pp. 544ss.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 23).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    2 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 4, 1-5

    Irmãos: 1Considerem-nos, pois, servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. 2Ora, o que se requer dos administradores é que sejam fiéis. 3Quanto a mim, pouco me importa ser julgado por vós ou por um tribunal humano. Nem eu me julgo a mim mesmo. 4De nada me acusa a consciência, mas nem por isso me dou por justificado; quem me julga é o Senhor. 5Por conseguinte, não julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor. Ele é quem há-de iluminar o que se esconde nas trevas e desvendar os desígnios dos corações. E então cada um receberá de Deus o louvor que merece.

    Na comunidade de Corinto, havia alguns que contestavam a autoridade de Paulo. O Apóstolo começa por afirmar: somos "servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus"; nada mais. Estas palavras lembram-nos o que Jesus disse: «Quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: 'Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer'» (Lc 17, 10). Fica assim realçada a identidade do Apóstolo, em relação a Cristo que o chamou.
    Também somos «administradores dos mistérios de Deus», isto é, ecónomos, porque responsáveis por aquela economia que vê actuar a Deus que dispensa os seus ministérios, mas também os apóstolos que são chamados a dar o que receberam. Este segundo aspecto caracteriza o ministério apostólico em relação com os fiéis, que têm direito a receber aquilo que Deus, por meio dos seus ministros, dispensa generosamente. Aos servos-administradores requerer-se que sejam fiéis ao Senhor e ao serviço que lhes é confiado. Paulo sente-se submetido ao juízo de todos; mas sente-se livre. Mas também se sente objecto do juízo de Deus a Quem se rendeu de uma vez para sempre. E, sendo assim, não se sente livre, mas obrigado a cumprir a sua missão.

    Evangelho: Lucas 5, 33-39

    Naquele tempo, os fariseus e os escribas 33disseram a Jesus: «Os discípulos de João jejuam frequentemente e recitam orações; o mesmo fazem também os dos fariseus. Os teus, porém, comem e bebem!» 34Jesus respondeu-lhes: «Podeis vós fazer jejuar os companheiros do esposo, enquanto o esposo está com eles? 35Virão dias em que o Esposo lhes será tirado; então, nesses dias, hão-de jejuar.» 36Disse-lhes também esta parábola: «Ninguém recorta um bocado de roupa nova para o deitar em roupa velha; aliás, irá estragar-se a roupa nova, e também à roupa velha não se ajustará bem o remendo que vem da nova. 37E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho novo rompe os odres e derrama-se, e os odres ficarão perdidos. 38Mas deve deitar-se vinho novo em odres novos. 39E ninguém, depois de ter bebido o velho, quer do novo, pois diz: 'o velho é que é bom!'».

    A partir de hoje, a liturgia apresenta-nos três polémicas de Jesus com os discípulos de João Baptista: uma sobre a prática do jejum e duas sobre a observância do sábado.
    A esmola, a oração e o jejum são três compromissos indeclináveis para os discípulos de Cristo (cf. Mt 6, 1-18). Mas o que preocupa a Jesus é o modo como os seus discípulos praticam a esmola, a oração e o jejum. Esta página realça o espírito com que deve ser praticado o jejum. A alegoria esponsal leva-nos a considerar Jesus como "o esposo", cuja presença é motivo de alegria e cuja ausência será motivo de tristeza. A espiritualidade cristã não pode deixar de dar atenção a estas expressões muito pessoais que podem configurar uma relação, não só de filhos com o pai, mas também da esposa com o esposo. O Antigo Testamento desenvolve muito esta alegoria esponsal para iluminar as relações de Israel com o seu Senhor e a relação de cada crente com Deus.
    Este texto distingue também os tempos de Jesus dos tempos da Igreja. A Igreja é representada pelos convidados que participam da alegria do esposo; mas algumas vezes é apresentada na imagem da esposa, ou do amigo do esposo que lhe está próximo e a escuta (cf. Jo 25, 30).

    Meditatio

    A filosofia grega procurava, sobretudo, explicar o Universo. A Bíblia, pelo contrário, ensina-nos a estar atentos às pessoas e às relações interpessoais. A filosofia grega distinguia os quatro elementos: o ar, a água, o fogo e a terra. A Bíblia, pelo contrário, ensina-nos a entrar em contacto com o Ser pessoal que criou a matéria: Deus. As leituras de hoje mostram que Jesus e, depois d´Ele, os apóstolos confirmaram e aprofundaram essa orientação.
    É sempre útil reflectir sobre a novidade trazida por Cristo e testemunhada pelo Evangelho. A parábola de Lucas sobre a roupa nova e o vinho novo evidencia essa novidade. Tomemos nota, em primeiro lugar, do estilo paradoxal com que Lucas narra a primeira parábola. Não fala simplesmente de um pedaço de pano a coser em roupa velha. Fala, sim, do gesto de alguém que «recor¬ta um bocado de roupa nova para o deitar em roupa velha». É evidente que Lucas quer estigmatizar a atitude daqueles que, recusando a novidade do Evangelho, acabam por arruinar o que é novo sem realizar o que é velho.
    "Novo" pode entender-se em referência ao Antigo Testamento: neste caso, o verdadeiro discípulo de Jesus, desde o princípio entende da sua experiência de fé intui que apalavra de Jesus chega como cumprimento das profecias e que a adesão de fé a Jesus o põe na linha de todos quantos, antes de Jesus Cristo, se abriram à escuta da Palavra de Deus e se deixaram guiar pelos profetas.
    "Novo" pode entender-se em referência aos mestres alternativos que faziam prosélitos por todos os meios, no tempo de Jesus; neste caso, os apóstolos e os discípulos encontraram-se na situação de ter que fazer opções drásticas (cfr. Jo 6, 60-69) para não se deixarem hipnotizar pelos falsos mestres e por guias cegas e hipócritas (cfr. Mt 23, 15-17).
    "Novo", finalmente, pode entender-se em referência a algumas atitudes que caracterizam a vida dos discípulos de Jesus antes do seu encontro com o Mestre: neste caso, o discípulo de Jesus adverte a necessidade de deixar-se agarrar, de se abandonar para receber, de perder para encontrar.
    Para aqueles que são chamados à vida religiosa, a profissão dos conselhos evangélicos é um sinal «que manifesta a todos os crentes os benefícios celestiais...; testemunha a vida nova e eterna...; preanuncia a futura ressurreição e a glória do Reino celeste... O estado religioso representa na Igreja a forma de vida que o Filho de Deus abraçou...; manifesta a elevação do Reino de Deus acima de todas as coisas terrestres...; demonstra... o infinito poder do Espírito Santo, admiravelmente operante na Igreja» (Cf. Lumen Gentium, 44).
    As nossas Constituições dizem que somos "disc&iac
    ute;pulos do Padre Dehon..." (n. 17). Mas há que esclarecer: "Discípulos", por meio do P. Dehon, de Cristo, porque o único Mestre é sempre e somente Ele: "Um só é o vosso mestre e todos vós sois irmãos" (Mt 23, 8). Todavia, o P. Dehon é sempre nosso modelo. A sua experiência de fé, o modo como abandonou tudo, aderiu e se abandonou a Cristo, tem para nós um valor constitutivo (Cf. Cst nn. 2-5). É ao seu jeito que queremos seguir a Cristo, o único Mestre.

    Oratio

    Senhor, arranca-nos do sulco dos nossos costumes! A tarefa principal da pessoa que quer amadurecer é paradoxalmente alcançar a inocência de uma criança. Senhor, dá-me uma mente fresca, inocente, aberta e capaz de conhecimento infinito.
    «Ninguém recor¬ta um bocado de roupa nova para o deitar em roupa velha»! Senhor, dá-me o sentido do bom gosto, que não me fecha no "velho" mas, ainda que valorizando-o, sabe colher a novidade da graça, sempre dotada de originalidade e elegância espiritual. Os discípulos de João jejuam. Os teus, comem e bebem. Ó Senhor, dá-me aquele sentido de equilíbrio que não me amarra a normas e práticas decaídas e ultrapassadas, mas, por intuições felizes, leva-me a fazer opções espontâneas e adequadas a todos os tipos de situação. Amen.

    Contemplatio

    A Bem Aventurada Margarida Maria mantinha-se diante de Nosso Senhor como uma tela vazia, tela muito branca, muito bela, bem purificada neste purgatório de amor. Sobre esta tela, Nosso Senhor como um hábil pintor, desenhava a imagem do seu Coração. Não era uma pintura morta, mas uma imagem viva que produzia os traços do divino Mestre; esta alma, iluminada e purificada pelo Coração de Jesus, era tão semelhante ao seu adorável modelo, que realizava esta unidade mística que é o último limite de união com o Coração de Jesus. Nós também, estejamos diante de Nosso Senhor como uma tela bem branca onde ele há-de imprimir o selo do seu Coração; ele nos há-de purificar, iluminar, nos há-de elevar enfim a este união perfeita na qual não fazemos mais do que um só com ele. Então havemos de poder dizer com S. Paulo: «Vivo, non ego, vivit vero in me Christus. - Já não sou eu, mas Jesus Cristo, o seu Coração quem vive em mim» (Gal 2, 20). Permaneçamos, portanto, aos pés de Nosso Senhor com um olhar de ternura, com um esforço de amor, na amargura das nossas faltas e na alegria do perdão, sob um raio de luz e de bênção (Leão Dehon, OSP 2, p. 187).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus.» (1 Cor 4, 1).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    3 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 4, 6-15

    Irmãos: 6Se apliquei tudo isto a mim e a Apolo, irmãos, foi por vossa causa, para que aprendais de nós mesmos a «não ir além do que está escrito», e para que ninguém se vanglorie, tomando o partido de um contra o outro. 7Pois, quem te faz superior aos outros? Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias, como se não o tivesses recebido? 8Já estais saciados! Já sois ricos! Sem nós, já vos tornastes reis! Oxalá o tivésseis conseguido, para que também nós pudéssemos reinar convosco. 9De facto, parece-me que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, no último lugar, como se fôssemos condenados à morte, porque nos tornámos espectáculo para o mundo, para os anjos e para os homens. 10Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo! Nós somos fracos, e vós, fortes! Vós, honrados, e nós, desprezados! 11Até este momento, sofremos fome, sede e nudez, somos esbofeteados, andamos errantes, 12e cansamo-nos a trabalhar com as nossas próprias mãos. Amaldiçoados, abençoamos; perseguidos, aguentamos; 13caluniados, consolamos! Tornámo-nos, até ao presente, como o lixo do mundo e a escória do universo. 14Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas para vos admoestar, como a meus filhos muito queridos. 15Na verdade, ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não teríeis muitos pais, porque fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, pelo Evangelho.

    Paulo desenvolve o discurso sobre a verdadeira identidade dos ministros de Cristo e dos administradores dos mistérios de Deus.
    Os apóstolos, em primeiro lugar, estão ligados aos fiéis-irmãos: por isso não podem avançar sozinhos e, muito menos, chegar à meta sem eles. Paulo sente-se ligado aos seus fiéis porque, como eles, sabe que foi salvo pela graça de Cristo. Por outro lado, não quer chegar à meta sem eles. A expressão "reinar convosco " (v. 8) exprime claramente o seu desejo de partilhar com todos a alegria da salvação
    Os apóstolos são "condenados à morte " (v. 9), como Cristo, depois de Cristo. É o que espera Paulo, desde que encontrou a Cristo no caminho de Damasco. Desde então, sabe que não há outro caminho senão o da cruz, outra perspectiva senão a do Calvário.
    Os apóstolos também se sentem pais em relação aos fiéis que consideram "filhos muito queridos" (v. 14). Trata-se de uma paternidade espiritual não menos comprometedora que a paternidade física. É uma paternidade sem fronteiras. É essa a experiência de Paulo.

    Evangelho: Lucas 6, 1-5

    1Num dia de sábado, passando Jesus através das searas, os seus discípulos puseram-se a arrancar e a comer espigas, desfazendo-as com as mãos. 2Alguns fariseus disseram: «Porque fazeis o que não é permitido fazer ao sábado?» 3Jesus respondeu: «Não lestes o que fez David, quando teve fome, ele e os seus companheiros? 4Como entrou na casa de Deus e, tomando os pães da oferenda, comeu e deu aos seus companheiros esses pães que só aos sacerdotes era permitido comer?» 5E acrescentou: «O Filho do Homem é Senhor do sábado.»

    Lucas apresenta-nos hoje, e nos textos seguintes, algumas polémicas de Jesus com os fariseus acerca do sábado e das práticas permitidas ou não permitidas nesse dia. Impressiona o modo positivo e propositivo como Jesus entra na polémica: tenta desamarrar os seus interlocutores de uma mentalidade excessivamente jurídica, servilmente ligada a aspectos que levaram os fariseus, do tempo de Jesus, a compilar um elenco de 613 preceitos, além dos 10 mandamentos, a que queriam ser fiéis. Jesus tenta tirá-los dessa mentalidade lembrando um acontecimento vetero-testamentário da vida de David: uma opção de liberdade diante de uma tradição que parece não admitir excepções. David era uma referência para todos, também para Jesus. Mais uma razão para, neste caso, o aceitar como modelo de liberdade perante tradições que, não sendo bem interpretadas, ameaçam sujeitar o homem à lei, em vez de o libertar.
    A afirmação final é clara: «O Filho do Homem é Senhor do sábado» (v. 5). Por um lado, Jesus compara-se a David; por outro lado, afirma a sua superioridade e, implicitamente, enquanto "Senhor do sábado", a sua divindade.

    Meditatio

    A primeira leitura leva-nos a meditar como Deus nos quer unidos na caridade: «Irmãos - escreve Paulo - ninguém se vanglorie, tomando o partido de um contra o outro... Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias» (vv. 6-7). É uma palavra profunda: tudo recebemos; não devemos usar os dons de Deus para criar divisões entre nós, mas para nos construirmos como uma só coisa.
    O Evangelho leva-nos a reflectir sobre o «novo» trazido por Cristo. Este «novo» não significa «inédito», jamais visto, mas «original», no sentido em que Jesus veio restabelecer o projecto de Deus criador e entregá-lo a todos os que aceitam segui-l´O no caminho da verdade. Em Mt 19, 1-12, temos um exemplo claro deste projecto de Jesus. Na polémica com os fariseus sobre a espiritualidade conjugal, Jesus convida a ultrapassar a lógica das concessões de Moisés por causa da dureza dos corações e a assumir a lógica do dom recíproco total, de acordo com o projecto original de Deus.
    O «novo», segundo o Evangelho, também não significa «actual»", mas «autêntico», no sentido em que Jesus, com as suas propostas de vida nova tende a acordar na pessoa, em cada pessoa, aquilo que nela há de genuíno e de válido. Jesus veio libertar... a liberdade. Por isso, quando foi preciso, não hesitou em contrapor a sua proposta às propostas alternativas dos outros falsos Messias, que prometiam liberdade fácil e barata.
    Finalmente, «novo», segundo o Evangelho, não significa «genial», mas «essencial», no sentido que Jesus veio retirar ou, pelo menos, aligeirar os demasiados pesos que ameaçam entristecer e talvez também mortificar o coração das pessoas. Sobre isto, são extremamente iluminadoras as palavras de Jesus: «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve» (Mt 11, 28-30).
    Abramo-nos à humildade, na oração ao Espírito, para obtermos, com a experiência da cruz, o grande dom da liberdade interior, a liberdade do coração e dizermos com o Apóstolo: «Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruíd
    os. Trazemos sempre no nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo» (2Cor 4, 8-10). Somos vasos frágeis, mas levamos dentro de nós um tesouro infinito: Jesus, o Seu Espírito. Deixemos que Jesus limpe quando queira este nosso vaso, por vezes tão encrostado, tão opaco, para que se torne transparente como o cristal, deixe irradiar a vida de Cristo e os frutos do Espírito. Rezemos como Newman: «Senhor Jesus, ajuda-me a espalhar por todo o lado o Teu perfume... Brilha por meio de mim... Faz com que eu levante os olhos e já não me veja a mim, mas a Jesus».
    Se a oblação é um «ser para os outros», um «viver para os outros» e, antes de mais nada para o Outro, o Pai, Cristo, e para os outros, os irmãos, é inevitável a renúncia ao nosso egoísmo, às nossas comodidades e aos nossos interesses; é, portanto, inevitável a experiência da imolação do nosso "eu". Só assim se colabora no advento de uma humanidade menos egoísta, de um mundo novo; realiza-se a reparação, típica do homem de coração novo da civilização do amor. E tudo isto «por Cristo, com Cristo e em Cristo».

    Oratio

    Senhor, o sofrimento assusta-me. Mas não posso negá-lo, escapar dele, porque faz parte da vida de todo o homem, também do religioso, do apóstolo. Tenho medo do sofrimento físico causado pelas doenças, pelas privações, pelo cansaço, por um corpo frágil que se deteriora com o passar dos anos. Tenho medo do sofrimento psicológico que deriva das incompreensões, das resistências sem razão diante de realidades claras, das limitações escondidas e não aceites que se tornam violência irracional, dos jogos obscuros para alcançar os próprios objectivos. Tenho medo do sofrimento espiritual velado por dúvidas, aridez, incertezas, indiferença. Mas foi esse o caminho dos discípulos e amigos. Assim é também para nós que decidimos seguir-Te. Infunde em nós o teu Espírito de coragem e confiança. Amen.

    Contemplatio

    Depois do pecado original o homem citado ao tribunal de Deus viu-se condenado aos sofrimentos, ao trabalho, à dor, às doenças e à morte. É uma lei da natureza à qual ninguém escapa. Todo o homem, pelo facto mesmo de ser filho de Adão, sofre e morre. Tal é a pena indelével do pecado. Mas na sua misericórdia infinita, Deus quis conceder-nos um Redentor. O Verbo consentiu em fazer-se homem, para de novo nos tornar participantes da divindade. Então levanta-se este problema: Era necessário reconduzir o homem resgatado às alegrias do paraíso terrestre ou então fazer com que ele comprasse o céu com o sofrimento? A sabedoria divina deteve-se neste último modo; somente o sofrimento foi transformado. Antes era apenas uma punição, um castigo, torna-se desde então uma reparação, um meio de purificação e, como diz Tertuliano, o carro de triunfo que conduz os eleitos ao céu.
    A cruz do Salvador transformou os espinhos em rosas e as pedras ásperas dos sofrimentos em ouro e em diamante. O mistério da Redenção está todo aí.
    É necessário, diz S. Paulo, que unicamente nos glorifiquemos na cruz do Salvador. Só ela nos pode trazer a salvação, a vida e a ressurreição. É por isso que a Igreja exclama num transporte de amor: O crux, ave, spes única! Salve! Ó Cruz, nossa única esperança. Foi de facto sobre esta árvore que o Salvador pregou a nossa própria condenação, que Ele anulou no seu sangue e no seu amor. A cruz tornou-se amável, porque ela é redentora e fonte de graças (Leão Dehon, OSP 2, p. 344).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O Filho do Homem é Senhor do sábado» (Lc 6, 5).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 23º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    23º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    4 de Setembro, 2022

    ANO C

    23º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 23º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo convida-nos a tomar consciência de quanto é exigente o caminho do "Reino". Optar pelo "Reino" não é escolher um caminho de facilidade, mas sim aceitar percorrer um caminho de renúncia e de dom da vida.
    É, sobretudo, o Evangelho que traça as coordenadas do "caminho do discípulo": é um caminho em que o "Reino" deve ter a primazia sobre as pessoas que amamos, sobre os nossos bens, sobre os nossos próprios interesses e esquemas pessoais. Quem tomar contacto com esta proposta tem de pensar seriamente se a quer acolher, se tem forças para a acolher... Jesus não admite meios-termos: ou se aceita o "Reino" e se embarca nessa aventura a tempo inteiro e "a fundo perdido", ou não vale a pena começar algo que não vai levar a lado nenhum (porque não é um caminho que se percorra com hesitações e com "meias tintas").
    A primeira leitura lembra a todos aqueles que não conseguem decidir-se pelo "Reino" que só em Deus é possível encontrar a verdadeira felicidade e o sentido da vida. Há, portanto, aí, um encorajamento implícito a aderir ao "Reino": embora exigente, é um caminho que leva à felicidade plena.
    A segunda leitura recorda que o amor é o valor fundamental, para todos os que aceitam a dinâmica do "Reino"; só ele permite descobrir a igualdade de todos os homens, filhos do mesmo Pai e irmãos em Cristo. Aceitar viver na lógica do "Reino" é reconhecer em cada homem um irmão e agir em consequência.

    LEITURA I - Sab 9,13-19

    Leitura do Livro da Sabedoria

    Qual o homem que pode conhecer os desígnios de Deus?
    Quem pode sondar as intenções do Senhor?
    Os pensamentos dos mortais são mesquinhos
    e inseguras as nossas reflexões,
    porque o corpo corruptível deprime a alma
    e a morada terrestre oprime o espírito que pensa.
    Mal podemos compreender o que está sobre a terra
    e com dificuldade encontramos o que temos ao alcance da mão.
    Quem poderá então descobrir o que há nos céus?
    Quem poderá conhecer, Senhor, os vossos desígnios,
    se Vós não lhe dais a sabedoria
    e não lhe enviais o vosso espírito santo?
    Deste modo foi corrigido o procedimento dos que estão em terra,
    os homens aprenderam as coisas que Vos agradam
    e pela sabedoria foram salvos.

    AMBIENTE

    O Livro da Sabedoria é um texto de carácter sapiencial (isto é, cujo objectivo é transmitir a "sabedoria", identificada com a arte de bem viver, de ter êxito e de ser feliz). O autor apresenta-se como um "rei", apaixonado pela "sabedoria" e que construiu um templo na "montanha santa" e um altar na "cidade da habitação de Deus" (Sab 9,6-8). Tudo indica, pois, que o autor quer apresentar-se como sendo o rei Salomão; mas trata-se de um livro escrito na primeira metade do séc. I a.C. (Salomão é da primeira metade do séc. X a.C.) por um judeu piedoso, provavelmente pertencente à comunidade judaica de Alexandria. O objectivo do autor é duplo: por um lado, dirige-se aos seus compatriotas, mergulhados no paganismo, na idolatria e na imoralidade, e mostra-lhes as vantagens de perseverar na fé e de viver na justiça; por outro lado, dirige-se aos pagãos e apresenta-lhes a superioridade da fé e dos valores israelitas. O autor exprime-se em termos e concepções do mundo helénico, esforçando-se por exprimir a sua fé e as suas convicções numa linguagem actualizada, erudita, bem ao gosto da cultura grega da época.
    O texto que nos é apresentado é o final da segunda parte do livro (cf. Sab 6,1-9,18). Aí, o autor coloca na boca de um rei (Salomão, embora o nome nunca seja referido explicitamente) o elogio da "sabedoria".

    MENSAGEM

    A questão fundamental para o autor do texto é esta: só essa sabedoria que é um dom de Deus permite ao homem compreender tudo, fazer o que agrada a Deus e ser salvo.
    O autor parte da constatação da nossa finitude, das nossas limitações, das nossas dificuldades típicas de seres humanos, para concluir: por nós, não conseguimos compreender o alcance das coisas, não conseguimos descobrir o verdadeiro sentido da nossa vida, apercebermo-nos dos valores que nos levam, verdadeiramente, pelo caminho da vida e da felicidade. Como chegar, portanto, a "conhecer os desígnios de Deus"?
    O autor só encontra uma resposta: o homem tem de acolher a "sabedoria", dom de Deus para todos aqueles que estão interessados em dar um verdadeiro sentido à sua vida. Só a acção de Deus que derrama sobre os homens a "sabedoria" permite encontrar o sentido da vida e discernir o verdadeiro do falso, o importante do inútil.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes dados:

    • Face ao contínuo cruzamento de perspectivas, de desafios, de teorias, ficamos confusos e sem saber, tantas vezes, como escolher. Por outro lado, as nossas escolhas acabam, tantas vezes, por ser condicionadas pelos "media", pelo politicamente correcto, pela ideologia dominante, pela moda, pelos valores que as telenovelas impõem, pelas ideias das pessoas que nos rodeiam, pela filosofia da empresa que nos paga ao fim do mês... Será que esses caminhos que nos são mais ou menos impostos nos conduzem no sentido da vida plena, da realização total, da felicidade?

    • Para os crentes, o critério que serve para julgar a validade ou a não validade dessas propostas é o Evangelho - embora, muitas vezes, ele se apresente em absoluta contradição com os valores que a sociedade propõe e impõe. Como é que eu me situo face a isto? O que é que vale mais, quando tenho de decidir: os valores do Evangelho, ou as propostas dessa máquina trituradora, impositiva, limitadora das escolhas individuais que é a opinião pública?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 89 (90)

    Refrão: Senhor, tendes sido o nosso refúgio
    através das gerações.

    Vós reduzis o homem ao pó da terra
    e dizeis: «Voltai, filhos de Adão».
    Mil anos a vossos olhos são como o dia de ontem que passou
    e como uma vigília da noite.

    Vós os arrebatais como um sonho,
    como a erva que de manhã reverdece;
    de manhã floresce e viceja,
    à tarde ela murcha e seca.

    Ensinai-nos a contar os nossos dias,
    para chegarmos à sabedoria do coração.
    Voltai, Senhor! Até quando...
    Tende piedade dos vossos servos.

    Saciai-nos desde a manhã com a vossa bondade,
    para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias.
    Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus.
    Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos.

    LEITURA II - Flm 9b-
    10.12-17

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo a Filémon

    Caríssimo:
    Eu, Paulo, prisioneiro por amor de Cristo Jesus,
    rogo-te por este meu filho, Onésimo, que eu gerei na prisão.
    Mando-o de volta para ti, como se fosse o meu próprio coração.
    Quisera conservá-lo junto de mim,
    para que me servisse, em teu lugar,
    enquanto estou preso por causa do Evangelho.
    Mas, sem o teu consentimento, nada quis fazer,
    para que a tua boa acção não parecesse forçada,
    mas feita de livre vontade.
    Talvez ele se tenha afastado de ti durante algum tempo,
    a fim de o recuperares para sempre,
    não já como escravo, mas muito melhor do que escravo:
    como irmão muito querido.
    É isto que ele é para mim
    e muito mais para ti, não só pela natureza,
    mas também aos olhos do Senhor.
    Se me consideras teu amigo,
    recebe-o como a mim próprio.

    AMBIENTE

    A Carta a Filémon é a mais breve e pessoal das cartas de Paulo. É endereçada a um tal Filémon, aparentemente um membro destacado da Igreja de Colossos.
    A partir dos dados da carta, podemos reconstruir as circunstâncias em que o texto aparece. Onésimo, escravo de Filémon, fugiu de casa do seu senhor. Encontrou Paulo, ligou-se a ele e tornou-se cristão. Paulo, que nessa altura estava na prisão (em Éfeso? Em Roma?), fê-lo seu colaborador e manteve-o junto de si. No entanto, a situação podia tornar-se delicada se Filémon se ofendesse com Paulo; e, do ponto de vista legal, ao dar guarida a um escravo fugitivo, Paulo era cúmplice de uma grave infracção ao direito privado. Enfim, Onésimo corria o risco de ser preso, devolvido ao seu senhor e severamente castigado.
    É neste contexto que Paulo resolve enviar Onésimo a Filémon. Onésimo leva consigo uma carta, em que Paulo explica a Filémon a situação e intercede pelo escravo fugitivo. Com extrema delicadeza, Paulo insinua a Filémon que, sendo possível, lhe devolva Onésimo, já que este lhe vem sendo de grande utilidade; no entanto, Paulo pede, sugere, mas sem impor nada e deixando a decisão nas mãos de Filémon.
    É um texto belíssimo, carregado de sentimentos, "verdadeira obra-prima de tacto e de coração".

    MENSAGEM

    O que está em causa neste texto é muito mais do que um problema privado, embora com alcance social; é, sobretudo, um problema eclesial (embora com implicações sociais), e que deve ser resolvido a partir desse valor supremo da ética cristã que é o amor.
    Para Paulo, o amor deverá ser a suprema e insubstituível norma que dirige e condiciona as palavras, os comportamentos, as decisões dos crentes. Ora, o amor tem consequências bem práticas, que os membros da comunidade cristã não podem olvidar: implica o ver em cada homem um irmão - independentemente da sua raça, da sua cor, ou do seu estatuto social. Vistas as coisas nesta perspectiva, não é de estranhar que Paulo solicite a Filémon que receba Onésimo não como o que era antes (um escravo), mas sim como é agora - um irmão em Cristo. Se Filémon é, de facto, cristão, é essa a atitude que deve assumir para com Onésimo.
    O problema da escravatura deve ter-se posto, desde muito cedo, à comunidade eclesial. Mas os cristãos cedo perceberam que a solução não estava na violência ou na revolta, mas no levar até às últimas consequências a fraternidade que une todos os homens e que resulta do facto de todos serem "filhos de Deus" e irmãos em Cristo. A violência, quando muito, serviria para substituir uns escravos por outros, sem alterar a situação; só o amor poderia mudar o coração dos homens, de forma a acabar com a exploração do homem pelo outro homem. A conversão ao amor - exigência fundamental para integrar a comunidade eclesial - exige o reconhecimento da igualdade fundamental de todos os homens ("sem distinção entre judeu ou grego, entre escravo ou homem livre, entre homem ou mulher, porque todos são um só em Cristo Jesus", dirá Paulo - Gal 3,28). A partir do amor, o "dono" do escravo descobre a igualdade profunda de todos os homens, filhos do mesmo Deus e irmãos em Cristo; a partir do amor, o escravo descobre a afirmação clara da sua dignidade de homem. É esta a questão fundamental que o texto nos apresenta.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes questões:

    • O amor - elemento que está no centro da experiência cristã - exige ao cristão o reconhecimento efectivo da igualdade de todos as pessoas, apesar das diferenças de cor da pele, de estatuto social, de sexo, de opções políticas. O meu comportamento para com aqueles que comigo se cruzam é sempre consequente com esta exigência? A cor da pele alguma vez me levou a discriminar alguém? O facto de uma pessoa ser pobre ou rica já alguma vez me levou a tratá-la com mais ou menos consideração? O facto de uma pessoa ser homem ou mulher já alguma vez me levou a dar-lhe mais ou menos importância ou dignidade?

    • O amor - elemento que está no centro da experiência cristã - exige que as nossas comunidades sejam espaços de comunhão, de fraternidade, de acolhimento, sejam quais forem os defeitos dos irmãos. As nossas comunidades têm facilidade em acolher? Como são tratados os "diferentes" ou, então, aqueles que se afastaram ou que cometeram alguma falta? Acolhemo-los com amor, ou marcamo-los toda a vida com o estigma da suspeita e da desconfiança?

    ALELUIA - Salmo 118 (119), 135

    Aleluia. Aleluia.

    Fazei brilhar sobre mim, Senhor, a luz do vosso rosto
    e ensinai-me os vossos mandamentos.

    EVANGELHO - Lc 14,25-33

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    seguia Jesus uma grande multidão.
    Jesus voltou-Se e disse-lhes:
    «Se alguém vem ter comigo,
    sem Me preferir ao pai, à mãe,
    à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs
    e até à própria vida,
    não pode ser meu discípulo.
    Quem não toma a sua cruz para Me seguir,
    não pode ser meu discípulo.
    Quem de entre vós, que, desejando construir uma torre,
    Não se senta primeiro a calcular a despesa,
    para ver se tem com que terminá-la?
    Não suceda que, depois de assentar os alicerces,
    se mostre incapaz de a concluir
    e todos os que olharem comecem a fazer troça, dizendo:
    'Esse homem começou a edificar,
    mas não foi capaz de concluir'.
    E qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei
    e não se senta primeiro a considerar
    se é capaz de se opor, com dez mil soldados,
    àquele que vem contra com ele com vinte mil?
    Aliás, enquanto o outro ainda está longe,
    mand
    a-lhe uma delegação a pedir as condições de paz.
    Assim, quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens,
    não pode ser meu discípulo».

    AMBIENTE

    Estamos, ainda, no "caminho para Jerusalém". Desta vez, o ensinamento de Jesus dirige-se "às multidões", quer dizer, a todos os discípulos presentes e futuros de Jesus.
    A parábola anterior (cf. Lc 14,15-24) havia sugerido que o "banquete do Reino" estava aberto a todos os que aceitassem o convite de Jesus, inclusive aos pobres, estropiados, cegos e coxos... Agora, Lucas vai apresentar algumas exigências que devem cumprir todos aqueles que entram no "banquete do Reino". A "instrução" reúne diversos ensinamentos de Jesus sobre a condição dos discípulos, predominando o tema da renúncia.

    MENSAGEM

    Quais são então, na perspectiva de Jesus, as exigências fundamentais para quem quer seguir o "caminho do discípulo" e chegar a sentar-se à mesa do "Reino"? Jesus põe três exigências, todas elas subordinadas ao tema da renúncia.
    A primeira exige o preferir Jesus à própria família (vers. 26). A este propósito, Lucas põe na boca de Jesus uma expressão muito forte. Literalmente, podemos traduzir o verbo "misséô" aqui utilizado como "odiar" ("quem não odeia o pai, a mãe... não pode ser meu discípulo"). Para ser discípulo, é preciso odiar alguém? Não. Segundo a maneira oriental de falar, "odiar" significa "pôr em segundo lugar algo porque, entretanto, apareceu na vida da pessoa um valor que ainda é mais importante". É evidente que Jesus não está a pedir o ódio a ninguém, muito menos a esses a quem nos ligam laços de amor... Está, sim, a exigir que as relações familiares não nos impeçam de aderir ao "Reino". Se for necessário escolher, a prioridade deve ser do "Reino".
    A segunda exige a renúncia à própria vida (vers. 27). O discípulo de Jesus não pode viver a fazer opções egoístas, colocando em primeiro lugar os seus interesses, os seus esquemas, aquilo que é melhor para ele; mas tem de colocar a sua vida ao serviço do "Reino" e fazer da sua vida um dom de amor aos irmãos, se necessário até à morte. Foi esse, de facto, o caminho de Jesus; e o discípulo é convidado a imitar o mestre.
    A terceira exige a renúncia aos bens (vers. 33). Jesus sabe que os bens podem facilmente transformar-se em deuses, tornando-se uma prioridade, escravizando o homem e levando-o a viver em função deles; assim sendo, que espaço fica para o "Reino"? Por outro lado, dar prioridade aos bens significa viver de forma egoísta, esquecendo as necessidades dos irmãos; ora, viver na dinâmica do "Reino" implica viver no amor e deixar que a vida seja dirigida por uma lógica de amor e de partilha... Pode, então, viver-se no "Reino" sem renunciar aos bens?
    Com este rol de exigências, fica claro que a opção pelo "Reino" não é um caminho de facilidade e, por isso, talvez não seja um caminho que todos aceitem seguir. É por isso que Jesus recomenda o pesar bem as implicações e as consequências da opção pelo "Reino". A parábola do homem que, antes de construir uma torre, pensa se tem com que terminá-la (vers. 28-30) e a parábola do rei que, antes de partir para a guerra, pensa se pode opor-se a outro rei com forças superiores (vers. 31-32) convidam os candidatos a discípulos tomar consciência da sua força, da sua vontade, da sua decisão em corresponder aos desafios do Evangelho e em assumir, com radicalidade, as exigências do "Reino".

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir e partilhar, considerar as seguintes questões:

    • Jesus não é um demagogo que faz promessas fáceis e cuja preocupação é juntar adeptos ou atrair multidões a qualquer preço. Ele é o Deus que veio ao nosso encontro com uma proposta de salvação, de vida plena; no entanto, essa proposta implica uma adesão séria, exigente, radical, sem "paninhos quentes" ou "meias tintas". O caminho que Jesus propõe não é um caminho de "massas", mas um caminho de "discípulos": implica uma adesão incondicional ao "Reino", à sua dinâmica, à sua lógica; e isso não é para todos, mas apenas para os discípulos que fazem séria e conscientemente essa opção. Como é que eu me situo face a isto? O projecto de Jesus é, para mim, uma opção radical, que eu abracei com convicção e a tempo inteiro ou um projecto em que eu vou estando, sem grande esforço ou compromisso, por inércia, por comodismo, por tradição?

    • A forma exigente como Jesus põe a questão da adesão ao "Reino" e à sua dinâmica faz-nos pensar na nossa pastoral - vocacionada para ser uma pastoral de massas - e na tentação que sentem os agentes da pastoral no sentido de facilitar as coisas, de não serem exigentes... Às vezes, interessa mais que as estatísticas da paróquia apresentem um grande número de baptizados, de casamentos, de crismas, de comunhões, do que propor, com exigência, a radicalidade do Evangelho e dos valores de Jesus... O caminho cristão é um caminho de facilidade, onde cabe tudo, ou é um caminho verdadeiramente exigente, onde só cabem aqueles que aceitam a radicalidade de Jesus? A nossa pastoral deve facilitar tudo, ou ir pelo caminho da exigência?

    • Às vezes, as pessoas procuram a comunidade cristã por tradição, por influências do meio social ou familiar, porque "a cerimónia religiosa fica bonita nas fotografias"... Sem recusarmos nada, devemos, contudo, fazê-las perceber que a opção pelo baptismo ou pelo casamento religioso é uma opção séria e exigente, que só faz sentido no quadro de um compromisso com o "Reino" e com a proposta de Jesus.

    • Dentro do quadro de exigências que Jesus apresenta aos discípulos, sobressai a exigência de preferir Jesus à própria família. Isso não significa, evidentemente, que devamos rejeitar os laços que nos unem àqueles que amamos... No entanto, significa que os laços afectivos, por mais sagrados que sejam, não devem afastar-nos dos valores do "Reino". As pessoas têm mais importância para mim do que o "Reino"? Já me aconteceu renunciar aos valores do "Reino" por causa de alguém?

    • Outra exigência que Jesus faz aos discípulos é a renúncia à própria vida e o tomar a cruz do amor, do serviço, do dom da vida. O que é mais importante para mim: os meus interesses, os meus valores egoístas, ou o serviço d
    os irmãos e o dom da vida?

    • Uma terceira exigência de Jesus pede aos candidatos a discípulos a renúncia aos bens. Os bens, a procura da riqueza são, para mim, uma prioridade fundamental? O que é mais importante: a partilha, a solidariedade, a fraternidade, o amor aos outros, ou o ter mais, o juntar mais?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 23º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. CONVIDAR A CONTEMPLAR A CRUZ.
    Se houver uma cruz bem situada, pode-se enfeitá-la com flores ou iluminá-la com um projector... No momento penitencial, o presidente da assembleia pode convidar os fiéis a olhar para a cruz... Pode ainda aproveitar todo esse simbolismo durante a homilia.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai do céu, quem pode descobrir as tuas intenções e descobrir a tua vontade? Mas nós podemos bendizer-Te por Jesus, por quem comunicaste a tua Sabedoria, e pelo Espírito Santo, que Tu nos deste.
    Nós Te pedimos pelos pais e educadores, catequistas e pregadores. Que o teu Espírito seja a sua Sabedoria, que Ele os sustente e os guie".

    No final da segunda leitura:
    "Deus nosso Pai, nós Te damos graças pelo baptismo, que é um novo nascimento. Por ele deste-nos a vida no teu Filho Jesus.
    Nós Te pedimos pelos mediadores e conciliadores, que se dedicam a restaurar o diálogo nos conflitos profissionais e noutros conflitos. Pelo teu Espírito, orienta os nossos pensamentos e os nossos esforços na procura da conciliação".

    No final do Evangelho:
    "Deus nosso Pai, como bom empreendedor Tu construíste pacientemente a nova torre que nos liga a Ti e une o céu e a terra. Colocaste as fundações e pelo teu Espírito acabas em nós a obra começada.
    Nós Te pedimos por todos nós, teu povo, que chamas a seguir-Te. Confiamos-Te todos aqueles que levam cruzes pesadas".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    O que Jesus critica nos dois heróis das parábolas é o facto de não terem tomado tempo para se sentar. Ora, Ele propõe estas duas parábolas no momento em que convida os seus discípulos a segui-l'O sem condições, e mesmo a levar a sua cruz, isto é, a aceitar as provas que seguirão ao seu compromisso. Quer dizer que, antes de seguir Jesus, é preciso reservar tempo para a reflexão. Jesus não esconde as exigências, mas é preciso perguntar porque O seguimos, até onde O podemos seguir. É a maneira de Jesus respeitar a liberdade do homem. Ele não quer discípulos que decidem segui-l'O sem mais nem menos. Ele não pede a mesma coisa a toda a gente, mas a cada um Ele pede para segui-l'O em função dos seus carismas. Mais uma razão para nos sentarmos e perguntar: quais são os meus carismas que quero pôr ao serviço do Reino?

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Podemos ainda comentar esta página do Evangelho? Jesus, decididamente, é demasiado duro, as suas exigências demasiado radicais: "Se alguém vem ter comigo, sem Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo... Quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo». Sem contar com este convite ao sofrimento: "Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo". Parece que Jesus quer desencorajar quem quer ser seu discípulo. Como compreender? Primeiro, é preciso compreender que Lucas escreve o seu Evangelho num contexto de perseguições. Alguns cristãos preferiam morrer a renegar a sua fé. Outros, talvez os mais numerosos, escolhiam colocar, pelo menos momentaneamente, a sua fé entre parêntesis para salvar os seus bens, a sua família e a sua própria vida. São Lucas quis, não tanto condenar estas fraquezas na fé, mas sobretudo dar um forte encorajamento àqueles que se mantinham firmes na fé, até à morte. Eram esses, os mártires, que tinham razão em seguir Jesus até no mistério da sua morte na cruz. O que nos podem estas palavras dizer hoje? O nosso mundo é duro em tantos domínios. Por exemplo, talvez não se possa dizer que o sentido do casamento e da família, o valor da palavra dada para ser fiel ao seu marido, à sua esposa, sejam referências maiores da nossa cultura. Querer, neste mundo, ter em conta estes valores não somente "espirituais", mas propriamente cristãos, fazer referência ao Evangelho, afirmar-se como crente em Jesus, numa sociedade "descristianizada", não é evidente hoje. A maior parte tomou as suas distâncias em relação a Deus, à fé cristã. Então, a palavra de hoje é-nos dada para nos despertar e, ao mesmo tempo, para nos encorajar. Aqueles que, apesar de tudo e contra tudo, continuam a dar um lugar importante na sua vida a Jesus, têm razão. O Evangelho de hoje é um convite urgente a mantermo-nos na nossa fé, por mais que isso custe!

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III que evoca, particularmente, a oblação de Cristo.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Como O seguimos? No caminho, grandes multidões à procura de Jesus, com interesses muito variados! Era ontem! E nós, hoje, como o seguimos? Como um líder político? Uma estrela da canção? Um ídolo do futebol? "Jesus voltou-Se", indicando claramente os desafios. Tornar-se seu discípulo é uma questão de preferência absoluta, num caminho que passa pela cruz.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

     

  • XXIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    5 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 5, 1-8
    Irmãos: 1ouve-se dizer por toda a parte que existe entre vós um caso de imoralidade, e uma imoralidade como não se encontra nem mesmo entre os pagãos: um de vós vive com a mulher de seu pai. 2E continuais cheios de orgulho, em vez de andardes de luto, a fim de que seja retirado do meio de vós o autor de tal acção. 3Quanto a mim, ausente de corpo mas presente em espírito, já julguei, como se estivesse presente, aquele que assim procedeu: 4em nome do Senhor Jesus e com o seu poder, por ocasião de uma assembleia onde eu estarei presente em espírito, que 5tal homem seja entregue a Satanás para mortificação da sua carne, a fim de que o seu espírito seja salvo no Dia do Senhor. 6Não é digno o vosso motivo de orgulho! Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? 7Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos. Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. 8Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da pureza e da verdade.
    A primeira carta de S. Paulo aos Coríntios pode ser considerada um conjunto de respostas a questões levantadas por essa comunidade. Para dar uma resposta unificada a essas questões, o Apóstolo apela para o núcleo da fé cristã, o mistério pascal de Jesus.
    O texto de hoje trata de um caso de imoralidade que não pode passar em claro. Um cristão de Corinto tinha cometido um grave pecado de incesto unindo-se com a «mulher de seu pai», provavelmente já viúva. A comunidade não o tinha expulsado do seu seio, correndo o grave risco de corrupção interna, e com escândalo dos próprios pagãos, uma vez que as leis romanas proibiam essas uniões conjugais. O que mais impressiona é que Paulo, em vez de amontoar proibições e recomendações mais ou menos paternalistas, apela para o evento pascal que, tendo caracterizado a vida de Jesus, deve também caracterizar a vida de todos os cristãos e a das respectivas comunidades: «Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos» (v. 7). A imagem é de fácil compreensão: temos diante de nós o binómio «velho/novo». Com ele, Paulo quer afastar, não só uma certa preguiça espiritual, mas também e sobretudo a adesão estática e nostálgica àquilo que foi definitivamente ultrapassado com a vinda de Cristo. Não se pode ficar parados, nem os cristãos, nem as comunidades. Há que acertar o passo com Jesus Cristo.
    «Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos a festa» (v. 7b-8): é a motivação pascal oferecida por Paulo a uma comunidade que deve viver a fé em termos de alegre novidade, em novidade de vida, esquecendo o que está para trás.
    Evangelho: Lucas 6, 6-11
    Naquele tempo, Jesus 6entrou na sinagoga a um sábado e começou a ensinar. Encontrava-se ali um homem cuja mão direita estava paralisada. 7Os doutores da Lei e os fariseus observavam-no, a ver se iria curá-lo ao sábado, para terem um motivo de acusação contra Ele. 8Conhecendo os seus pensamentos, Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e põe-te de pé, aí no meio.» Ele levantou-se e ficou de pé. 9Disse-lhes Jesus: «Vou fazer-vos uma pergunta: O que é preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê-la?» 10Então, olhando-os a todos em volta, disse ao homem: «Estende a tua mão.» Ele estendeu-a, e a mão ficou sã. 11Os outros encheram-se de furor e falavam entre si do que poderiam fazer contra Jesus.
    Lucas volta à polémica sobre o sábado. A ocasião é-lhe proporcionada por um milagre de Jesus em favor de um homem paralítico, que desencadeia críticas dos seus adversários. O choque é ainda mais forte do que fora quando os discípulos colheram e comeram espigas de trigo, ao sábado. Uma certa mentalidade farisaica queria, não só parar os discípulos de Jesus, mas também pôr fim à actividade taumatúrgica do seu Mestre. Jesus não pode aceitar a pretensão dos escribas e fariseus, e aponta-lhes, não só o criticismo, mas também a perversidade. Jesus lê o coração do homem: daquele que o escuta e segue, mas também daquele que O espia e quer apanhar em falso...
    Realizado o milagre, Jesus enfrenta os adversários colocando a questão do seguinte modo: «O que é preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê¬ la?» (v. 9). Jesus está tão seguro da sua certeza que nem espera a resposta. Cura o doente, e desencadeia uma reacção de fúria contra Si. A intolerância e a violência dos adversários levam Jesus à morte espiritual, ainda antes da morte física.

    Meditatio
    Os cristãos correm o risco de se deixar iludir. Os da comunidade de Corinto pensavam ter atingido o cume da perfeição e orgulhavam-se disso, não se dando conta de que havia entre eles «uma imoralidade como não se encontra nem mesmo entre os pagãos» (v. 1). Havia, pois, temas a esclarecer, nomeadamente no que se refere à liberdade humana. Até que ponto obriga a própria lei divina? Todas as leis valem o mesmo? Há espaço para interpretações libertadoras? Como harmonizar no dia a dia autoridade e liberdade, norma escrita e autodeterminação? As páginas evangélicas sobre a observância do sábado oferecem-nos alguns raios de luz.
    Toda a lei quer ser considerada com dom de Deus ao seu povo, e a todo o homem e mulher que queira dar ouvidos à Palavra, portadora de vida. Se conseguirmos considerar a lei, toda a lei, como dom, teremos diante de nós um caminho de liberdade genuína, autêntica. A lei, toda a lei, é-nos oferecida como luz para os nossos passos, como lâmpada para o nosso caminho. Devemos confessar que precisamos de uma luz capaz de iluminar mesmo o mais recôndito da nossa vida, capaz de orientar as nossas opções no devir da história.
    A lei, toda a lei, é-nos oferecida como pedagogo, isto, como instituição capaz de nos educar no exercício da liberdade: a liberdade psicológica, pela qual afirmamos a nossa dignidade diante de toda a tentativa de instrumentalização; a liberdade evangélica, pela qual reconhecemos o primado de Deus e a prioridade de Cristo em todas as nossas opções.
    «Cristo...pela sua morte e ressurreição, abriu-nos ao dom do Espírito e à liberdade dos Filhos de Deus (cf. Rom 8,21). Ele é para nós o Primeiro e o Último, Aquele que vive (cf. Apoc 1,17-18)» (Cst 11). O Espírito de Cristo é um Espírito de amor e "onde está o Espírito há liberdade" (2 Cor 3, 17). Os preciosos frutos do Espírito (cf. Gal 5, 22) tornam o homem verdadeiramente livre, inclusivamente de si mesmo, pe
    lo "auto-domínio", quando, nos seus pensamentos, desejos, afectos, palavras, acções não se deixa guiar pelo seu eu, pelo egoísmo, mas pelo Espírito de Deus.

    Oratio
    Senhor Jesus, ver-Te actuar segundo a lei do amor, mesmo na certeza de que os teus adversários iriam reagir negativamente, é para mim uma lufada de ar fresco! Que alegria observar a tua certeza, apoiada apenas no teu amor libertador, em contraste com a mesquinhez dos fariseus, apenas preocupados em mostrar a sua impecável observância! Que luz perceber uma nova lei que respeita a liberdade, uma autoridade solícita em promover a responsabilidade dos outros! Que conforto ver Paulo sacudir a comunidade de Corinto, para que substitua o velho fermento pelo novo, o da sinceridade e da verdade!
    Ó Senhor, liberta-nos da cegueira dos fariseus que, por amor da lei, chegaram a matar-te e, em defesa das suas tradições não tinha escrúpulos em espezinhar o próximo. Amen.

    Contemplatio
    Deus conhece-se, ama-se, goza a perfeição das suas perfeições infinitas, nada lhe falta, não tem necessidade de nenhum ser fora dele. Mas como a bondade é difusiva por natureza, Deus quis expandir-se para fora pela efusão da sua bondade. As criaturas inanimadas são como que o vestígio do seu Ser. As criaturas dotadas apenas da vida vegetal ou animal já são um reflexo da vida divina. Mas, só as criaturas inteligentes, os anjos e os homens, são verdadeiramente a imagem e a semelhança de Deus. Pela sua vida, inteligência e vontade, o homem é a imagem da santa Trindade; cada uma das três pessoas divinas imprimiu na sua alma o seu traço característico; vivendo, a nossa alma reproduz a vida divina e o poder do Pai; sendo inteligente, ela imita a inteligência do Verbo; amando, ela exprime o amor do Espírito Santo. O homem tem semelhança com família com Deus.
    Deus é espírito; a nossa alma é espírito. - Deus é um na natureza e triplo nas pessoas; a nossa alma é una segundo a natureza e múltipla nas suas faculdades. - Deus é eterno; o homem é imortal. - Deus é livre; o homem é livre. Por esta liberdade, nós merecemos o céu; e por isso Deus comunica-nos, na medida do possível, a mais incomunicável das suas perfeições, a sua qualidade de ser e de ter por si mesmo tudo o que Ele é e tudo o que tem.
    Deus colocou todas as criaturas ao nosso serviço, mas fez ainda mais ao nos dar a sua própria semelhança e ao se nos dar a si mesmo, para fazer a nossa felicidade pelo seu conhecimento e pelo seu amor. Porque as nossas faculdades naturais, a nossa inteligência, a nossa razão, já nos permitem conhecer a Deus como nosso Criador e amá-lo como nosso remunerador, fora mesmo da revelação e dos dons sobrenaturais (Leão Dehon, OSP 2, pp.189-190).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (1 Cor 5, 7).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Terça-feira
    Lectio
    Primeira leitura: 1 Coríntios 6, 1-11
    Irmãos: 1Quando algum de vós entra em litígio com outro, como é que se atreve a submetê-lo ao juízo dos injustos e não ao dos santos? 2Ou não sabeis que os santos é que hão-de julgar o mundo? E, se é por vós que o mundo há-de ser julgado, sereis indignos de julgar questões menores? 3Não sabeis que havemos de julgar os anjos? Quanto mais, as pequenas coisas da vida! 4Quando, pois, tendes questões menores, porque escolheis como juízes aqueles que a Igreja menospreza? 5Digo isto para vossa vergonha. Não haverá, entre vós, ninguém suficientemente sábio para poder julgar entre irmãos? 6No entanto, um irmão processa o seu irmão, e isto diante dos não crentes! 7Ora, a existência de questões entre vós é já um sinal de inferioridade. Porque não preferis, antes, sofrer uma injustiça? Porque não preferis ser prejudicados? 8Mas, pelo contrário, sois vós que cometeis injustiças e causais danos, e isto contra os próprios irmãos! 9Ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos iludais: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os pedófilos, 10nem os ladrões, nem os avarentos, nem os beberrões, nem os caluniadores, nem os salteadores herdarão o Reino de Deus. 11E alguns de vós eram assim. Mas vós cuidastes de vos purificar; fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus.
    Nesta página emerge outra situação da comunidade de Corinto: alguns cristãos, na tentativa de dirimirem algumas questões surgidas entre eles, apelaram para tribunais pagãos. Paulo intervém com autoridade e clareza. Começa por usar um tom provocador (vv. 1.1-3) para levar os seus interlocutores a darem-se conta da gravidade e da delicadeza da situação de certas atitudes. Quer, sobretudo, recordar-lhes que o juízo entre irmãos na fé deveria obedecer a critérios que a própria fé sugere e é capaz de formular. Caso contrário, seria preciso concluir que a fé daquela comunidade era incapaz de orientar a vida dos crentes e de iluminar as suas opções. Depois, o Apóstolo recorre a um tom irónico: com isso, quer que os cristãos de Corinto se sintam envergonhados por não encontrarem entre eles uma pessoa sábia para arbitrar as suas questões. É uma ironia cheia de tristeza e mesmo, talvez, de uma certa raiva, semelhantes às que Paulo manifesta noutras cartas. Finalmente, passa a um discurso teológico (v. 11). O Apóstolo retoma o núcleo da sua doutrina e, referindo-se ao baptismo, lembra a novidade do dom recebido: «Vós cuidastes de vos purificar; fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus». Da novidade do dom, depende obviamente a novidade de vida.
    Evangelho: Lucas 6, 12-19
    12Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a Deus. 13Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos: 14Simão, a quem chamou Pedro, e André, seu irmão; Tiago, João, Filipe e Bartolomeu; 15Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado o Zelote; 16Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que veio a ser o traidor. 17Descendo com eles, deteve-se num sítio plano, juntamente com numerosos discípulos e uma grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, 18que acorrera para o ouvir e ser curada dos seus males. Os que eram atormentados por espíritos malignos ficavam curados; 19e toda a multidão procurava tocar-lhe, pois emanava dele uma força que a todos curava.
    Como outras vezes, Lucas refere que Jesus se retira para a montanha a fim de rezar, passando lá toda a noite (v. 12). Ainda que não haja uma referência explícita à relação entre a oração de Jesus e a escolha dos Doze, é possível, à luz da fé, estabelecer essa relação. O gesto que Jesus está para realizar tem uma enorme importância. Daí a necessidade de dialogar com o Pai. A escolha dos Doze inclui um chamamento: «convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles». Vocação e missão são inseparáveis. Sem a vocação, a missão não é mais que profissão. Por outro lado, a vocação, sem a missão, seria um gesto incompleto.
    «Aos quais deu o nome de Apóstolos» (v. 13b): parece um anacronismo, pois "apóstolo" é um nome tipicamente pós-pascal. Mas é a luz da Páscoa já projectada sobre o tempo do ministério público de Jesus, como que a dizer-nos que essa luz também se projecta sobre a nossa vida e a nossa história.
    Finalmente, a relação de Jesus com a multidão é, mais uma vez caracterizada de duas maneiras: as multidões vêm para escutar Jesus e para ser curadas das suas doenças (v. 18). Em ambos os casos, trata-se, na perspectiva de Lucas, de uma "força" que dá autoridade à sua doutrina e eficácia aos seus gestos taumatúrgicos.
    Meditatio
    A escolha dos Apóstolos é um tema central no texto evangélico que a liturgia hoje nos propõe. Por isso, parece oportuno deter-nos um pouco a meditar na apostolicidade da Igreja. Como se sabe, trata-se de uma das características da Igreja de Cristo, juntamente com a unidade, a santidade e a catolicidade.
    Em primeiro lugar, notemos que não se trata de notas simplesmente jurídicas. Pelo contrário, são notas espirituais, dadas à Igreja pelo Espírito de Deus e do Senhor ressuscitado. A Igreja de Cristo não se torna apostólica a certo ponto do seu caminho, mas nasce apostólica. A razão fundamental de tudo isto é que o próprio Jesus é o apóstolo por excelência, o missionário do Pai. Antes de ser o fundador da Igreja, Jesus é o seu salvador: a Igreja nasce do Lado aberto do Crucificado, no poder do "espírito" que Ele dá na cruz (cfr. Jo 19, 30). À missão que Jesus confiou aos Doze durante o seu ministério público (cfr. Mt 10, 1ss.) corresponde a missão bem mais importante que lhes confiou depois da Ressurreição (cfr. Mt 28, 16-20).
    É preciso não confundir a apostolicidade da Igreja com a sua missionaridade, ainda que haja entre eles uma ligação íntima e profunda. A primeira nasceu da Igreja e está ligada ao colégio dos Doze, enquanto esta é tarefa da Igreja e está ligada à pessoa de todos os seus membros. A primeira é um artigo da nossa fé: «Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica»; a segunda é objecto do nosso testemunho.
    A nossa congregação é um instituto religioso apostólico, isto é, um instituto chamado a participar na acção missionária da Igreja, concretam
    ente na missão "ad gentes". De início o Pe. Dehon excluiu a actividade apostólica nas missões longínquas porque lhe parecia difícil harmonizá-la com a espiritualidade do instituto. Mas, já em 1882, numa carta a Leão XIII, manifesta o desejo de trabalhar nas missões. A 8 de Novembro de 1888 partem os primeiros missionários dehonianos para o Equador. De facto, depois da audiência com Leão XIII, a 6 de Setembro de 1888, o Pe. Dehon considera o apostolado nas missões longínquas, com a pregação das encíclicas do Papa, a oração e a ajuda aos sacerdotes e a adoração eucarística, como parte essencial da "missão que nos foi confiada pelo Papa".
    Os motivos são: fazer conhecer o amor do Coração de Jesus nas terras infiéis; o espírito de sacrifício e, portanto, de imolação, a alegria de Nosso Senhor e da Igreja.
    Oratio
    Senhor Jesus, é próprio do sábio assumir comportamentos cada vez mais honestos, ligados à progressiva transparência da vida: dá-me a graça de envelhecer desse modo! É próprio do sábio ser ponderado nos seus juízos, o que o torna imparcial para com todos e livre da corrupção: dá-me a graça de me relacionar assim com os outros. É próprio do sábio ter um profundo respeito pelos outros: dá-me a graça de assim me alegrar! É próprio do sábio valorizar a vida com todas as suas luzes e sombras: dá-me a graça de crescer desse modo! É próprio do sábio favorecer o crescimento da pessoa sem pressões, sem castigos, sem preconceitos: dá-me a graça de agir assim!
    Senhor, dá-me a sabedoria, a ciência prática da vida e da fé que me torna livre emocionalmente, capaz de um discernimento correcto e justo no juízo, para indicar a todos o caminho do bem. Amen.
    Contemplatio
    A devoção ao Papa e a docilidade a todas as suas orientações deve ser o carácter próprio da devoção ao Sagrado Coração. Não há analogias tocantes entre o Papa e a Eucaristia? Não é Nosso Senhor quem nos dirige e nos instrui pelo seu Vigário? Ele vive nele por uma assistência especial. Ensina, fala pelo seu Vigário. Disse aos apóstolos: «Quem vos escuta a mim escuta e quem vos despreza a mim despreza». Isto deve entender-se também do Papa, ao qual S. Pedro transmitiu a plenitude da autoridade apostólica.
    A Eucaristia, é Jesus que se imola, Jesus que permanece connosco, que se dá a nós, que nos escuta e nos consola. O Papa, é Jesus que nos dirige e nos ensina. Na Eucaristia, é a presença real de Jesus; no Papa, é a sua autoridade e o seu ensinamento, com uma assistência especial.
    Admiro, ó meu bom Mestre, mais do que compreendo, a imensidade do amor pelo qual vos entregastes a vós mesmo aos cismáticos. Oh! Como gostaria de vos consolar com um amor sem limites (Leão Dehon, OSP 2, p. 478).
    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vós fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e pelo Espírito do nosso Deus» (1 Cor 6, 11).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    7 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 7, 25-31
    Irmãos: 25A respeito de quem é solteiro, não tenho nenhum preceito do Senhor, mas dou um conselho, como homem que, pela misericórdia do Senhor, é digno de confiança. 26Julgo, pois, que essa condição é boa, por causa das angústias presentes; sim, é bom para o homem continuar assim. 27Estás comprometido com uma mulher? Não procures romper o vínculo. Não estás comprometido? Não procures mulher. 28Todavia, se te casares, não pecas; e se uma virgem se casar, também não peca. Mas estes terão de suportar as tribulações corporais e eu quisera poupar-vos a elas. 29Eis o que vos digo, irmãos: o tempo é breve. De agora em diante, os que têm mulher, vivam como se não a tivessem; 30e os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem; os que compram, como se não possuíssem; 31os que usam deste mundo, como se não o usufruíssem plenamente. Porque este mundo de aparências está a terminar.
    Paulo lembra às pessoas virgens uma verdade fundamental: «o tempo é breve» (v. 29), que poderia traduzir-se literalmente: o tempo já embrulhou as velas, lembrando uma expressão das artes náuticas dos gregos, usada ao aproximar-se de um porto. Paulo parece pensar o seguinte: qualquer que seja o tempo que falta para o regresso glorioso do Senhor, o mundo futuro já está presente no meio de nós, graças ao Ressuscitado; pela morte e ressurreição de Jesus, Deus já inaugurou em nós, e no meio de nós, a novidade do seu reino. A esta luz, a virgindade, livre e alegremente escolhida pelo Reino (cfr. Mt 19, 12), longe de ser um desprezo pelo matrimónio, constitui um sinal escatológico que tende a orientar a nossa esperança, e a dos outros, para a alegria definitiva. As exortações são consequências lógicas da verdade anunciada. Em primeiro lugar, é preciso viver a espiritualidade do «como se» (vv. 29-31). Depois vem da lógica de «o que é melhor» (cfr. 7, 9: «é melhor casar-se do que ficar abrasado»; 7, 38.40: «quem a não desposa ainda faz melhor»). Paulo pretende propor à nossa liberdade aquilo que ele, por experiência pessoal e pelo que o liga a Cristo, está convencido de que é o melhor a desejar e a realizar.
    Em segundo lugar - mas é apenas um conselho seu - quando alguém chega à fé em Cristo, continue a viver como casado ou como virgem, na situação em que se encontrava. Mas o mais importante - e é nisso que Paulo se apoia - é a consciência de que fomos «comprados por um alto preço» (7, 23), por Cristo Jesus, pela sua morte e ressurreição. É sempre o mistério pascal que projecta luz sobre a nossa vida.

    Evangelho: Lucas 6, 20-26
    Naquele tempo, Jesus 20Erguendo os olhos para os discípulos, pôs-se a dizer: «Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. 21Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados. Felizes vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. 22Felizes sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem. 23Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu. Era precisamente assim que os pais deles tratavam os profetas». 24«Mas ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação! 25Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter fome! Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! 26 Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas».
    Lucas reduz as bem-aventuranças a quatro, acrescentando os quatro «ai de vós». Segundo os exegetas, o texto de Lucas seria mais próximo da verdade histórica das palavras de Jesus, o que lhe daria especial relevo. Mas convém recordar que as mediações dos vários evangelistas, ao referirem os ensinamentos de Jesus, não atraiçoam a verdade da mensagem. Pelo contrário, focalizam-no e relêem-na para bem das suas comunidades.
    Tanto as oito bem-aventuranças de Mateus, como as quatro de Lucas, podem reduzir-se a uma só: a bem-aventurança de quem acolhe a palavra de Deus na pregação de Jesus e procura adequar a vida a essa palavra. O verdadeiro discípulo de Jesus é, ao mesmo tempo, pobre, manso, misericordioso, fazedor de paz, puro de coração, etc. Pelo contrário, quem não acolhe a novidade do Evangelho merece todas as ameaças que, na boca de Jesus, correspondem a profecias de tristeza e de infelicidade. O texto de Lucas caracteriza-se pela contraposição ente o «já» e o «ainda não», entre o presente histórico e o futuro escatológico. Obviamente a comunidade para a qual Lucas escrevia precisava de ser alertada para a necessidade de traduzir a sua fé em gestos de caridade evangélica, mas também para a de manter viva a esperança, pela total adesão à doutrina, ainda que radical, das bem-aventuranças evangélicas.

    Meditatio
    A Palavra de Deus oferece, hoje, um tema forte e actual para a nossa meditação: que é melhor para um cristão: o matrimónio ou a virgindade. O que é mandamento e o que é só conselho?
    Paulo oferece à comunidade de Corinto, e a todos nós, uma doutrina clara e equilibrada. Até que ponto a sua experiência pessoal teve influência nesta doutrina? Não sabemos. Mas sabemos que o encontro com Jesus no caminho de Damasco deu uma nova orientação à sua vida, fez nascer nele uma nova mentalidade e, portanto, uma nova capacidade de julgar.
    Uma doutrina clara: o Apóstolo leva-nos a considerar, tanto o matrimónio como a virgindade, duas opções de vida dignas da pessoa humana, ambas boas de acordo com a economia da criação, ambas em sintonia com a novidade de vida de quem acredita em Cristo, ambas ricas de espiritualidade, ambas "lugares" onde viver a caridade em sumo grau, ambas capazes de conduzirem os crentes aos cumes da santidade.
    Uma doutrina equilibrada: Paulo não impõe nada a ninguém, sabendo que se trata de uma opção pessoal livre e alegre, digna da pessoa humana. Ninguém, nem sequer Deus, pode fazer violência ao santuário da consciência humana.
    Pela profissão religiosa e pela prática dos conselhos evangélicos, concretamente do celibato consagrado, devemos ser as testemunhas por excelência, no meio do povo de Deus, desta exigência das bem-aventuranças na prática de uma autêntica vida cristã.
    Se reflectirmos com atenção, as bem-aventuranças, tal como as lemos no Evangelho de Mateus (cf. 5, 3-13), ultrapassam o campo moral, para envolverem toda a nossa vida: damos espaço a Jesus para que seja pobre em espírito na nossa pobreza, manso na nossa mansidão, sofredor pelos males do mundo na nossa aflição, faminto e sedento de justiça, misericordioso, puro de coração, obreiro de paz, perseguido em nós perseguidos...
    Se também reflectirmos no facto de que as bem-aventuranças se vivem praticando todas as virtudes teologais e morais de modo habitual, com facilidade, sob o influxo dos dons do Espírito Santo e irradiando os seus frutos saborosos (cf. Gl 5, 22), então compreenderemos como viver as bem-aventuranças seja viver o mandamento do Senhor, a caridade: o amor de Deus e o amor do próximo (cf. Mt 22, 37-39; 1Jo 4, 7-21). Se isto é válido para todos os cristãos e para todos os religiosos, é especialmente válido para os «Oblatos, Sacerdotes do Coração de Jesus» (Cst. 6), que têm como «carisma profético» (Cst. 27) a oblação de amor unida «à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens» (Cst. 6). Desse modo, também praticamos os nossos votos religiosos, nas «perspectiva espiritual» do Pe. Dehon «reconhecida pela Igreja», isto é, «procurar... como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» e realizar «o nosso carisma profético» que nos coloca «ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje» (Cst. 27). «Professamos os conselhos evangélicos com os votos de celibato consagrado, de pobreza e de obediência (cf. LG 44, PC 1)» (Cst. 40). Mais do que os votos de pobreza e de obediência, é o voto de celibato consagrado que caracteriza o estado religioso como forma de vida. Mas também os outros votos, sendo vividos «segundo o espírito das bem-aventuranças» (Cst. 40), que são a vida de Cristo pobre, manso, aflito... em nós, são reais estados de vida, de acordo com as exigências radicais do Evangelho; não são, portanto, apenas obrigações jurídicas que temos de cumprir.
    É assim que o Pe. Dehon quer que compreendamos e vivamos os nossos votos religiosos. Escreve nas Cst de 1885: «Os votos de pobreza, de castidade e de obediência, que constituem formalmente o estado religioso, são comuns a todas as congregações; mas diversificam-se na sua aplicação prática, conforme o fim especial que se propõe cada uma das congregações. Os Sacerdotes do Coração de Jesus compreenderão que... estes votos, constituem já (por si mesmos) o religioso em estado de vítima, em união com Jesus Cristo».

    Oratio
    Senhor Jesus, obrigado por nos teres escolhido e chamado a professar os conselhos evangélicos com os votos de celibato consagrado, de pobreza e de obediência, que nos libertam para um amor autêntico, segundo o espírito das Bem-aventuranças. Agradecemos-te, hoje, de modo particular o dom do celibato consagrado, que intimamente nos aproxima da tua caridade total e oblativa. Com ele queremos expressar a nossa doação integral ao Pai, a consagração total da mente, do coração, da alma e do corpo: "Seduziste-me, Senhor, e eu deixei-me seduzir"(Jer 20, 7). Mas queremos também significar o dom de nós mesmos aos irmãos, em pobreza, mansidão, pureza de coração, trabalho pela justiça e pela paz.
    Dá-nos o teu Espírito para que, vivendo a nossa condição de redimidos e de chamados a partilhar o teu estilo de vida, e a tua missão, sejamos teus cooperadores na construção do mundo novo. Amen.

    Contemplatio
    A virgindade é mais do que a castidade. Ela dá às almas o privilégio de ter no céu uma intimidade particular com o Sagrado Coração. «As virgens, diz S. João, seguem o cordeiro onde quer que Ele vá» (Ap 14).
    A Bem-Aventurada Margarida Maria vai-nos ensinar, pelos seus exemplos, mais ainda do que pelas suas palavras, como é preciso responder ao apelo do Esposo das virgens, que modelo é preciso seguir e que meios é preciso empregar.
    O apelo que Nosso Senhor dirige a algumas almas privilegiadas, de se alistarem sob o estandarte virginal, quer no sacerdócio, quer na vida religiosa, quer no meio do mundo é uma graça de predilecção. As almas que o escutam devem apressar-se a responder-lhe, depois de terem consultado os seus directores.
    ... Felizes as almas generosas e vigilantes que, escutando o apelo do Esposo divino: Ecce sponsus venit, se levantam imediatamente para O seguirem! Fá-las-á entrar no seu divino Coração, verdadeira sala do festim nupcial: Intraverunt cum eo ad nuptias.
    Felizes também as almas que, depois de se terem dado, perseveram e progridem nesta virtude cara ao Coração de Jesus!... O templo do Senhor é a alma santificada pela virgindade. Deus queria que no templo da antiga lei tudo brilhasse pela pureza... A este preço, o Senhor estava lá especialmente presente. E o mesmo se passa com a alma virgem. Se ela é fiel, Deus promete-lhe uma presença especial de protecção e de amor.
    A alma virgem tem, portanto, como modelo a pureza do próprio Jesus e as suas imolações, simbolizadas pela branca hóstia do tabernáculo (Leão Dehon, OSP 2, p. 449s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O tempo é breve» (1 Cor 7, 29).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 8, 2-7.11-13
    Irmãos: A ciência incha, mas a caridade edifica. 2Se alguém pensa que sabe alguma coisa, ainda não sabe como deveria saber. 3Mas se alguém ama a Deus, esse é conhecido por Deus. 4Portanto, quanto ao consumo de carnes imoladas aos ídolos, sabemos que um ídolo não é nada no mundo, e que não há outro deus a não ser o Deus único. 5Pois, embora haja pretensos deuses, quer no céu quer na terra - e há muitos deuses e muitos senhores - 6para nós, contudo, um só é Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só é o Senhor Jesus Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos. 7Mas nem todos têm esta ciência. Alguns, acostumados até há pouco ao culto dos ídolos, comem a carne como se fosse um verdadeiro sacrifício aos ídolos, e a sua consciência, fraca como é, fica manchada. 11E assim, pela tua ciência, vai perder-se quem é fraco, um irmão pelo qual Cristo morreu. 12Pecando contra os próprios irmãos e ferindo a consciência deles que é débil, é contra Cristo que pecais. 13Por isso, se um alimento for motivo de queda para o meu irmão, nunca mais voltarei a comer carne, para não causar a queda do meu irmão.
    Paulo apresenta-nos outro caminho para atingirmos a centralidade do mistério pascal de Cristo: a caridade fraterna. Havia em Corinto cristãos, seguros de si mesmos, facilmente provocavam escândalos na comunidade, sobretudo entre os crentes mais fracos. Ostentavam comer carnes sacrificadas aos ídolos, coisa que, não sendo totalmente proibida, era muito inconveniente. Assim, na comunidade, contrapunham-se "os fortes" e "os fracos", semeando escândalo e ruína espiritual. A uns e outros, Paulo lembra duas verdades fundamentais: os ídolos são deuses falsos e mentirosos, invejosos da nossa liberdade e déspotas em relação a nós, enquanto que «para nós, há um só é Deus, o Pai, de quem tudo procede e para quem nós somos, e um só é o Senhor Jesus Cristo, por meio do qual tudo existe e mediante o qual nós existimos (v. 6)». Não estamos perante um monoteísmo filosófico, fruto do esforço humano, mas perante a revelação de Deus como o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, de Quem nos vem, não só o mandamento do amor, mas também a capacidade para o observar. A segunda verdade é, mais uma vez, a do mistério pascal de Cristo: «Assim, pela tua ciência, vai perder¬ se quem é fraco, um irmão pelo qual Cristo morreu» (v. 11). A morte e a ressurreição de Jesus contrastam com a atitude de quem, na comunidade, pelo escândalo, provoca a morte, ainda que só espiritual, de um irmão na fé, talvez sem esperança de ressurreição.

    Evangelho: Lucas 6, 27-38
    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: 27«Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, 28abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam. 29A quem te bater numa das faces, oferece-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, não impeças de levar também a túnica. 30Dá a todo aquele que te pede e, a quem se apoderar do que é teu, não lho reclames. 31O que quiserdes que os outros vos façam, fazei-lho vós também. 32Se amais os que vos amam, que agradecimento mereceis? Os pecadores também amam aqueles que os amam. 33Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. 34E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem outro tanto. 35Vós, porém, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca. Então, a vossa recompensa será grande e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom até para os ingratos e os maus. 36Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso.» 37«Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. 38Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.»
    Esta página evangélica é uma verdadeira ressonância das bem-aventuranças, ajudando-nos mesmo a descobrir o seu fundamento.
    «Amai os vossos inimigos» (vv. 27.35): o discurso não podia ser mais claro. Jesus, como mestre e guia, distancia-se de todos os rabis do seu tempo: não só contrapõe o amor ao ódio, mas exige que o amor dos seus discípulos se concentre exactamente sobre aqueles que os odeiam. Jamais um mestre usara propor um ideal de vida tão exigente e sublime. Não se trata de um amor abstracto, mas de um amor que se concretiza, dia a dia, em inúmeros pequenos gestos, que são a prova da sua autenticidade. Seria ridículo, sob o ponto de vista de Jesus, amar só aqueles que nos amam: não teríamos qualquer mérito e, sobretudo, o nosso amor não seria sinal da nossa exclusiva e inequívoca pertença a Cristo: «Os pecadores também amam aqueles que os amam» (v. 32).
    O ensinamento de Jesus termina com a famosa expressão em que Lucas escreve "misericórdia" onde Mateus escreve "perfeição": «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (v. 36). Segundo a lógica da espiritualidade evangélica, não há perfeição senão a do amor fraterno que revela a nossa identidade filial em relação a Deus; não há outra meta a perseguir, senão a de um amor que sabe perdoar porque experimentou o perdão; não há outro mandamento a observar, senão o de tender à imitação de Deus, que é amor misericordioso, por meio de gestos de bondade e de misericórdia.

    Meditatio
    As leituras de hoje falam-nos de caridade. O Evangelho lança uma preciosa luz sobre as nossas relações interpessoais, que hão-de ser vividas na caridade, que também é misericórdia, e que é o vínculo da perfeição.
    «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso», escreve Lucas; Mateus, pelo contrário, escreve: «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está no céu» (Mt 5, 48). Será uma contradição? Será um convite a procurar outra direcção? Esta diferença pode ter a seguinte explicação: Mateus, como bom judeu convertido, tende a apontar aos seus destinatários uma meta de perfeição correspondente às exigências da nova lei, inaugurada por Jesus. Estaria assim na linha da espiritualidade veterotestamentária... Os exegetas acham que a versão de Lucas deve ser mais próxima da palavra pronunciada pelo Jesus histórico. O terceiro evangelista gosta de recordar explicitamente uma doutrina, que até já encontramos difus
    a no Antigo Testamento, e que caracteriza Deus como amor misericordioso (cfr. Ex 34, 6; Dt 4, 31; Sl 78, 38; 86, 15). Ao fim e ao cabo, é essa a mensagem central de todo o ensinamento de Jesus de Nazaré. Todas as suas palavras, todos os seus gestos, evidenciam a verdade de Deus-amor, amor imenso e misericordioso, amor paciente e indulgente, amor proveniente e incondicional.
    Sublinhemos também que, em Deus se identificam perfeição e misericórdia e que Lucas, como bom pedagogo, quer que a perfeição do discípulo atinja o nível da do Mestre: amor até ao dom de si mesmo, sem reservas nem interesses; amor até ao limite das próprias forças, sem arrependimentos e sem desforras; amor a todos e sempre, sem excepção.
    Os ensinamentos de Jesus sobre o amor e a misericórdia, são recordados por João Paulo II na Dives in misericórdia. Esse documento pontifício indica um vasto campo onde nós, dehonianos, podemos estar presentes e desenvolver a nossa missão: «A mentalidade contemporânea, talvez mais do que a do homem do passado, parece opor-se ao Deus da misericórdia e tende, por outro lado, a marginalizar da vida e a tirar do coração humano a própria ideia de misericórdia» (n. 2). Neste mundo que se orienta para ser um mundo «sem esperança» e «sem coração» nós, a exemplo do Pe. Dehon, podemos viver a nossa oblação e dar toda a nossa colaboração para testemunhar e anunciar o primado do amor.

    Oratio
    Senhor Jesus, para ti, o amor não foi conversa fiada, nem um sonho vago e abstracto; não foi simples qualidade ou ornamento para satisfazeres o ego ou Te gabares; também não foi um sentimento mais ou menos romântico. Não o definiste porque não é algo de estático. Pelo contrário. Para Ti, o amor é um arco-íris de cores que se abraçam sem barreiras entre brancos e negros, judeus e pagãos, gregos e romanos, jovens e velhos, amigos e inimigos, bons e maus. É um sentimento dinâmico e indefinível porque, como a vida, gera permanentemente algo de novo, e está na base de toda a relação: Pedro, a viúva, o ladrão, Zaqueu, os pequenos, a adúltera, Lázaro e tantos outros. Ó Senhor, para Ti, viver é amar: e é esse o maior dom que nos deixaste! Obrigado, Senhor! Amen.

    Contemplatio
    Enquanto nós estivermos nesta pobre vida, não estamos irremediavelmente perdidos. A nossa alma pode voltar a levantar-se, salvar-se, santificar-se, Nosso Senhor ama-a sempre. Ela considera-a, solicita-a, emprega as habilidades da graça para a salvar, Ele ama-a.
    Foi pelos pecadores que Ele ofereceu a sua vida. S. Paulo não cessava de admirar esta generosidade: «Com dificuldade, dizia ele, encontraria um homem que desse a sua vida por justos, mas o Homem-Deus deu a sua mesmo por culpados: Vix pro justo quis moritur, commendat autem caritatem suam Deus in nobis, quoniam cum adhuc peccatores essemus, Christus pro nobis mortuus est» (Rom 5, 8). S. Paulo repete isto aos Coríntios, aos Efésios: «Deus é tão rico em misericórdia, diz ele a estes, que por causa do seu grande amor, embora nós fôssemos pecadores, nos deu a vida da graça por Cristo, para nos mostrar toda a extensão da sua misericórdia e da sua bondade a nosso respeito: ut ostenderet abundantes divitias gratiae suae in bonitate super nos in Christo Jesu (Ef 2).
    Jesus ama-nos ainda como nos amava no Calvário, mesmo depois dos nossos pecados e das nossas recaídas. Ele daria ainda a sua vida por nós, se isso fosse necessário. Vamos, portanto, até Ele com uma confiança sem limites. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 302-303).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Pecar contra os próprios irmãos é pecar contra Cristo» (cfr. 1 Cor 8, 12).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    9 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 9, 16-19.22b-27
    Irmãos: 16Porque, se eu anuncio o Evangelho, não é para mim motivo de glória, é antes uma obrigação que me foi imposta: ai de mim, se eu não evangelizar! 17Se o fizesse por iniciativa própria, mereceria recompensa; mas, não sendo de maneira espontânea, é um encargo que me está confiado. 18Qual é, portanto, a minha recompensa? É que, pregando o Evangelho, eu faço-o gratuitamente, sem me fazer valer dos direitos que o seu anúncio me confere. 19De facto, embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo. 23E tudo faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante. 24Não sabeis que os que correm no estádio correm todos, mas só um ganha o prémio? Correi, pois, assim, para o alcançardes. 25Os atletas impõem a si mesmos toda a espécie de privações: eles, para ganhar uma coroa corruptível; nós, porém, para ganhar uma coroa incorruptível. 26Assim, também eu corro, mas não às cegas; dou golpes, mas não no ar. 27Castigo o meu corpo e mantenho-o submisso, para que não aconteça que, tendo pregado aos outros, venha eu próprio a ser eliminado.
    Mais uma vez, Paulo se vê obrigado a defender, não tanto a sua pessoa, mas a sua acção de apóstolo no meio da comunidade cristã de Corinto. Havia quem o acusasse de interesse próprio no exercício do seu ministério: busca de bens materiais, afirmação pessoal. O Apóstolo reage afirmando que, para ele, evangelizar é "um dever". Quem livremente se põe ao serviço de um senhor, não pode furtar-se a esse serviço. É o que acontece com Paulo. Por isso afirma: «ai de mim, se eu não evangelizar!» (v. 16b). Sabe que está sujeito ao juízo de Deus, e espera d´Ele um veredicto de fidelidade ou de infidelidade. A ameaça que pende sobre ele, longe de o inibir, estimula-o a novas iniciativas apostólicas. A única recompensa que espera é a de poder pregar gratuitamente o Evangelho que lhe foi confiado (cf. Mt 10, 8).
    A sua maior preocupação é o santo orgulho de poder dizer: «Tudo faço por causa do Evangelho» (v. 23). Paulo está concentrado física, psíquica e espiritualmente no seu ministério, cada vez mais generoso, mais desinteressado, mais consagrado (cf. 2 Cor 6, 3-10; Fil 3, 7-14). Isto é para nós instrutivo e estimulante.

    Evangelho: Lucas 6, 39-42
    Naquele tempo, Jesus disse lhes ainda esta parábola: 39«Um cego pode guiar outro cego? Não cairão os dois nalguma cova? 40Não está o discípulo acima do mestre, mas o discípulo bem formado será como o mestre. 41Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista? 42Como podes dizer ao teu irmão: 'Irmão, deixa-me tirar o argueiro da tua vista', tu que não vês a trave que está na tua? Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás para tirar o argueiro da vista do teu irmão.»
    O argueiro e a trave: podia ser este o título da página evangélica de hoje. Jesus trata desse tema e procura alertar para o perigo da presunção de que pecavam os fariseus. A parábola não precisa de grandes explicações, pois desmascara uma possível atitude interior de quem deve exercer o ministério de guia dos seus irmãos. Em contraluz, emerge um forte convite de Jesus à humildade. O verdadeiro guia não julga os irmãos, mas submete-se à correcção fraterna.
    Do discurso em parábolas, Jesus passa ao discurso propositivo: «Não está o discípulo acima do mestre» e ao discurso provocatório: «Por que reparas no argueiro ... Como podes dizer ao teu irmão... Hipó¬crita!» (vv. 41 ss.). Jesus quer suscitar atitudes de vida comunitária naqueles a quem confia o Evangelho, isto é, a sua proposta de vida nova. A verdadeira espiritualidade cristã verifica-se na prática dos mandamentos e, mais ainda, na adesão total à novidade evangélica. Jesus convida os ouvintes a assumirem as suas responsabilidades, e a não caírem nas ratoeiras em que estavam presos os fariseus.

    Meditatio
    Impressionam, no texto evangélico de hoje, o convite a ser como o mestre e a acusação de hipocrisia que vem logo a seguir. É a tensão em que vive - e de que não é fácil libertar-se - todo o discípulo de Cristo.
    Por um lado, é convidado a pôr os olhos no mestre Jesus como o único que merece ser ouvido e seguido; por outro lado, é tentado a ver n´Ele um modelo dificilmente imitável: «Não está o discípulo acima do mestre» (v. 40). Não podemos, certamente, procurar uma perfeição divina. Seria um atrevimento impróprio do verdadeiro discípulo. Todavia, somos chamados a seguir bem de perto, e o mais possível, o nosso Mestre. O fundamental é que, quem é chamado a ser guia dos outros, persevere no seguimento de Jesus, até Jerusalém, até ao Calvário.
    Depois, Jesus chama aos fariseus guias estultas e «hipócritas», termo que na Bíblia tem amplo significado. Pode indicar dissimulação voluntária (cf. Mt 22, 18), incoerência entre o pensamento e a acção (cf. Mt 15, 7; 23, 25.27) ou, como nesta página, falsidade mais ou menos consciente naqueles a quem Jesus se dirige. Trata-se de uma falsidade repassada de soberba e que transpira presunção. A advertência é clara: só sabe mandar quem aprende a obedecer; só sabe julgar bem os outros quem se colocou docilmente à escuta do Evangelho e do Mestre.
    A lei fundamental do apostolado é: antes de "fazer", é preciso "ser"; antes de "pregar", é preciso "viver" (cf. Evangelii Nuntiandi, n. 21). O exemplo vem-nos de Cristo, que primeiro começa a "fazer" e, depois, a "ensinar" (cf. Act 1, 1).
    Tal como para o Pe. Dehon, a evangelização, realizada gratuitamente, generosamente, zelosamente, é um modo privilegiado para viver «o nosso carisma profético»" que «nos coloca ao serviço da missão salvífica do Povo de Deus no mundo de hoje (cf. LG 12)» (Cst. 27) e nos insere no «movimento de amor redentor» (Cst. 21) «na missão eclesial», e nos permite, de modo muito especial, «desenvolver as riquezas da nossa vocação» (Cst. 34) de oblatos-reparadores. Como S. Paulo, o primeiro grande missionário da Igreja, os nossos missionários devem alegrar-se por pôr em prática o preceito do Senhor: «Há maior alegria em dar do que em receber» (Act 20, 35). Assim mostram a sua amizade para com os povos que evangelizam. Como S. Paulo, cada um deles deve poder dizer: «Tenho servido o Senhor com toda a humildade e com lágrimas, no meio das provações que as ciladas dos judeus me acarretaram. Jamais recuei perante qualquer coisas que vos pudesse ser útil. Preguei e instrui-vos, tanto publicamente como em vossas casas, afirmando a judeus e a gregos a necessidade de se converterem a Deus e de acreditarem em Nosso Senhor Jesus Cristo» (Act 20, 19-21).

    Oratio
    Senhor, para Ti, servir o Pai foi uma manifestação do teu amor. Ensina-me o espírito de serviço, na abnegação, na pobreza, na perseguição, na obediência, até ao dom total de mim mesmo. Para Ti, servir os irmãos, foi a tua alegria. Ensina-me a levar lenitivo às feridas dos outros, a consolar os aflitos, a dar ânimo aos deprimidos, a acalmar os violentos, a instruir os ignorantes, a pregar o Evangelho sem presunção mas com humildade. Para Ti, servir foi uma opção que marcou a tua existência e qualificou a tua vida.
    Ensina-me a compreender que, também para mim, a decisão de servir não é opcional, mas constitutiva da minha vida cristã, da minha vida religiosa apostólica: ajuda-me a servir para levar a Cristo o maior número possível de irmãos e de irmãs. Amen.

    Contemplatio
    Amarás a Deus com toda a tua força. Isto quer dizer, em primeiro lugar, que devendo amar a Deus com toda a força que te dá a graça actual e esta graça aumentando sempre pelo exercício do amor, deves também de dia para dia amar a Deus sempre mais.
    Isto quer dizer ainda que deves consagrar a Deus todos os teus projectos, todos os teus desígnios, todas as tuas acções, não tendo outra intenção senão a de lhe agradar; cumprir por amor todos os teus deveres; empregar os teus talentos, os teus bens, o teu crédito para o fazer amar; ter um zelo ardente pela sua glória e procurá-la com todo o teu poder, tanto quanto a graça para aí te incline, o teu estado o autorize e sábios conselhos te regulem e te dirijam (Leão Dehon, OSP 2, p. 57).

    Actio
    Repete muitas vezes e vive hoje a Palavra:
    "Ai de mim se não pregar o Evangelho!" (1 Cor 9, 16).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    10 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIII Semana - Sábado

    Lectio
    Primeira leitura: Coríntios 10, 14-22
    14Meus caros, fugi da idolatria. 15Falo-vos como a pessoas sensatas; julgai vós mesmos o que digo. 16O cálice de bênção, que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? 17Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão. 18Vede o Israel segundo a carne: os que comem as vítimas não estão em comunhão com o altar? 19Que vos hei-de dizer, pois? Que a carne imolada aos ídolos tem algum valor, ou que o próprio ídolo é alguma coisa? 20Não! Mas aquilo que os pagãos sacrificam, sacrificam-no aos demónios e não a Deus. E eu não quero que estejais em comunhão com os demónios. 21Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demónios; não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demónios. 22Ou queremos provocar a ira do Senhor? Acaso somos mais fortes do que Ele?
    Paulo faz considerações sobre a vida sacramental da comunidade cristã de Corinto. As coisas não correm bem. Tal como nos vv. 1-13 alertou para o carácter fundamental do baptismo, trata, agora, da celebração eucarística, a que aludem as expressões «cálice de bênção, que abençoamos» e «o pão que partimos» (v. 16).
    Em primeiro lugar, o Apóstolo, lembra as notas características da eucaristia: é sacrifício agradável a Deus, pelo qual, quem o oferece entra em comunhão com Aquele a Quem é feita a oferta. Paulo dá grande importância a esta fundamental experiência mística, sem a qual toda a celebração não passa de exterioridade e cria divisão. Em segundo lugar, a eucaristia é sacramento de unidade: por sua natureza, tende a edificar a Igreja como corpo místico de Cristo. Um só cálice e «um só pão»: portanto, uma só Igreja! Esta dimensão eclesiológica - também sacramental - está intimamente ligada à primeira: entra-se a fazer parte da Igreja porque se pertence a Deus, porque se está radicado em Cristo. A eucaristia, para Paulo, é também sinal distintivo da comunidade crente, sinal distintivo dos verdadeiros crentes.

    Evangelho: Lucas 6, 43-49
    Naquele tempo, disse Jesus aos discípulos: 43«Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto. 44Cada árvore conhece-se pelo seu fruto; não se colhem figos dos espinhos, nem uvas dos abrolhos. 45O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o que é bom; e o mau, do mau tesouro tira o que é mau; pois a boca fala da abundância do coração.» 46«Porque me chamais 'Senhor, Senhor', e não fazeis o que Eu digo? 47Vou mostrar-vos a quem é semelhante todo aquele que vem ter comigo, escuta as minhas palavras e as põe em prática. 48É semelhante a um homem que edificou uma casa: cavou, aprofundou e assentou os alicerces sobre a rocha. Sobreveio uma inundação, a torrente arremessou-se com violência contra aquela casa mas não a abalou, por ter sido bem edificada. 49Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a terra, sem alicerces. A torrente arremessou-se contra ela, e a casa imediatamente se desmoronou. E foi grande a sua ruína!»
    Estes versículos podem ser considerados variações sobre o tema das bem-aventuranças. Nota-se isso no contraste entre a «árvore boa» e a «árvore má» (v. 43), tal como no da casa construída sobre a rocha e a casa construída sobre a areia (vv. 48s.)
    Para Jesus, toda a pessoa é comparável a uma árvore, seja porque pode dar «bons frutos», seja porque não se lhe podem exigir bons frutos se for «má». As palavras de Jesus orientam-se do interior para o exterior (do coração para os actos), mas também do exterior para o interior (dos actos para o coração).
    Palavras como estas devem ter feito tremer os discípulos e os outros ouvintes. Jesus sabe o que há no coração dos homens e fala com um conhecimento muito próprio. Diante d´Ele, todos se sentem como cadernos abertos. Para Jesus há, pois, um «tesouro bom» e um «tesouro mau» (v. 45): em ambos os casos se trata do coração da pessoa humana, fonte dos seus pensamentos e nascente das suas acções.
    Para concluir, observemos como Jesus exige que a profissão de fé: 'Senhor, Senhor!' (v. 46) exija concretos actos de obediência. Mas o acto de obediência também deve ser inspirado pelo dom recebido, a fé.

    Meditatio
    Aprofundemos mais um pouco a palavra central desta página evangélica: «O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o que é bom; e o mau, do mau tesouro tira o que é mau; pois a boca fala da abundância do coração».
    É a motivação que queremos relevar: o coração humano experimenta uma plenitude que, de certo modo, não pode conter. Sobe-lhe do coração à boca. Não é fácil separar os pensamentos das palavras. O coração é a "central" da pessoa humana. Nele nascem e dele brotam pensamentos bons e pensamentos maus, projectos bons e projectos maus, acções boas e acções más.
    Uma pessoa, que tira o bem do bom tesouro do seu coração, é «semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a rocha». O bom coração que ele recebeu como dom, e que procura cultivar com todas as suas forças, oferece-lhe permanentemente material para construir, tijolo a tijolo, a casa onde habitar com o seu Senhor, a morada da intimidade.
    Pelo contrário, uma pessoa que tira o mal do «mau tesouro» é como aquele que constrói sobre a areia. O coração mau que construiu para si, subtraindo-se à escuta da Palavra, e negando-se ao diálogo com o Senhor, não só o afasta cada vez mais da intimidade com Deus, mas também das relações fraternas. Arranja mesmo conflitos com aqueles que Deus convoca para a Sua casa.
    A nossa união com Cristo, «no seu amor pelo Pai e pelos homens», manifesta-se, não só «na escuta da Palavra e na partilha do Pão», mas também «na disponibilidade e no amor para com todos» (cf. Cst 17-18). A "Palavra", e sobretudo a "partilha do Pão", são um convite diário, eucarístico para nós, dehonianos, a sermos pão bom, partido pelos irmãos, de modo especial para os mais fracos e carenciados: «os pequenos e os que sofrem» (Cst. 18). As palavras de Cristo na instituição da eucaristia «Fazei isto em memória de Mim» (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 24-25), não se referem apenas à Eucaristia como memorial, mas são
    um convite para todo o discípulo de Jesus para que seja "pão partido" e "sangue derramado" por todos.
    A Eucaristia é o máximo sacramento da união com Cristo e entre nós, edifica-nos na caridade como indivíduos e como comunidade: «Testamento do amor de Cristo que se entrega para que a Igreja se realize na unidade e assim anuncie a esperança ao mundo, a Eucaristia reflecte-se em tudo o que somos e vivemos» (Cst. 81). Cada celebração eucarística deve levar a um aumento de caridade fraterna no único amor do Coração de Jesus: «O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão» (1 Cor 10, 16-17). Se a Igreja faz a Eucaristia, também é verdade que a Eucaristia faz a Igreja. A comunidade religiosa é a nossa pequena Igreja; constrói-se, desenvolve-se e floresce à volta de um único centro: o altar do Senhor, Cristo-Eucaristia. Se a Eucaristia brotou do amor do Coração de Cristo, o amor entre nós brota da Eucaristia: «Discípulos do Padre Dehon, queremos fazer da nossa união com Cristo, no seu amor pelo Pai e pelos homens, o princípio e o centro da nossa vida» (Cst. 17).

    Oratio
    Ó Senhor, aparecer mascarado com um "eu" que não se tem, é enganar; prometer um bem que não foi cultivado, é desilusão; falar das próprias qualidades sem as traduzir em obras, é vanglória; escutar sem pôr em prática, é perda de tempo.
    Ó Senhor, só quem maturou o próprio "eu" no íntimo do seu coração, poderá propô-lo original e apetecível para bem de todos; só quem cultivou os seus pontos fortes, no silêncio do seu eu profundo, pode oferecê-los, com força e coragem, para dar apoio a quem precisa; só quem vive no silêncio pode captar e avaliar a realidade que é e a que está à sua volta, aprendendo a exteriorizá-la com poucas palavras verdadeiras e muitas acções.
    Ensina-me, Senhor, que só posso apresentar aos outros, o que recolhi na quietude, na tua presença. Amen.

    Contemplatio
    O cardeal de Lugo faz-nos observar: Toda a matéria num sacramento exprime uma graça essencial especial. Ora, na sagrada Eucaristia, há uma matéria dupla: o pão e o vinho. Portanto, uma graça muito especial está ligada a cada uma das espécies, embora cada uma delas contenha todo o corpo, todo o sangue, toda a divindade, todo o Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Há portanto uma graça ligada à Comunhão do cálice, distinta da do pão eucarístico. O santo e sábio cardeal acrescenta que esta graça consiste na embriaguez espiritual: et calix meus inebrians quam praeclarus est, na alegria forte e generosa: bonum vinum laetificat cor hominum, na própria acção de graças, porque o padre não encontra outro meio de exprimir o seu reconhecimento pelo amor tão grande do Salvador senão tomar e beber o cálice de sangue: quid retribuam Domino pro omnibus quae retribuit mihi? Calicem salutaris accipiam...
    O corpo, a alma, a inteligência, o coração, devemos tudo esquecer diante do Sagrado Coração eucarístico e sacerdotal; porque Ele se torna louco de amor por nós, porque não O imitaríamos nesta santa loucura? O Sagrado Coração de Jesus não gera senão alegria, esta alegria que inebriava os mártires no momento dos seus suplícios, esta alegria que arrebata para fora de si mesmos as almas das crianças, cheias de simplicidade e de rectidão e que é o fruto da comunhão no Sangue do Salvador. (Leão Dehon, OSP 2, pp.503-505).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo.» (1 Cor 10, 17).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • 24º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    24º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    11 de Setembro, 2022

    ANO C

    24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 24º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo centra a nossa reflexão na lógica do amor de Deus. Sugere que Deus ama o homem, infinita e incondicionalmente; e que nem o pecado nos afasta desse amor...
    A primeira leitura apresenta-nos a atitude misericordiosa de Jahwéh face à infidelidade do Povo. Neste episódio - situado no Sinai, no espaço geográfico da aliança - Deus assume uma atitude que se vai repetir vezes sem conta ao longo da história da salvação: deixa que o amor se sobreponha à vontade de punir o pecador.
    Na segunda leitura, Paulo recorda algo que nunca deixou de o espantar: o amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Esse amor derrama-se incondicionalmente sobre os pecadores, transforma-os e torna-os pessoas novas. Paulo é um exemplo concreto dessa lógica de Deus; por isso, não deixará de testemunhar o amor de Deus e de Lhe agradecer.
    O Evangelho apresenta-nos o Deus que ama todos os homens e que, de forma especial, Se preocupa com os pecadores, com os excluídos, com os marginalizados. A parábola do "filho pródigo", em especial, apresenta Deus como um pai que espera ansiosamente o regresso do filho rebelde, que o abraça quando o avista, que o faz reentrar em sua casa e que faz uma grande festa para celebrar o reencontro.
    LEITURA I - Ex 32,7-11.13-14

    Leitura do Livro do Êxodo

    Naqueles dias,
    O Senhor falou a Moisés, dizendo:
    «Desce depressa,
    porque o teu povo, que tiraste da terra do Egipto, corrompeu-se.
    Não tardaram em desviar-se do caminho que lhes tracei.
    Fizeram um bezerro de metal fundido,
    prostraram-se diante dele,
    ofereceram-lhe sacrifícios e disseram:
    'Este é o teu Deus, Israel,
    que te fez sair da terra do Egipto'».
    O Senhor disse ainda a Moisés:
    «Tenho observado este povo:
    é um povo de dura cerviz.
    Agora deixa que a minha indignação se inflame contra eles
    e os destrua.
    De ti farei uma grande nação».
    Então Moisés procurou aplacar o Senhor seu Deus, dizendo:
    «Por que razão, Senhor,
    se há-de inflamar a vossa indignação contra o vosso povo,
    que libertastes da terra do Egipto
    com tão grande força e mão tão poderosa?
    Lembrai-Vos dos vossos servos Abraão, Isaac e Israel,
    a quem jurastes pelo vosso nome, dizendo:
    'Farei a vossa descendência tão numerosa
    como as estrelas do céu
    e dar-lhe-ei para sempre em herança
    toda a terra que vos prometi'».
    Então o Senhor desistiu do mal
    com que tinha ameaçado o seu povo.

    AMBIENTE

    O texto que nos é proposto está integrado na segunda parte do Livro do Êxodo; aí, apresentam-se as tradições que dizem respeito ao compromisso de amor e de comunhão que Israel aceitou estabelecer com Jahwéh. São as "tradições sobre a aliança" (cf. Ex 19-40).
    O texto situa-nos em frente de um monte, no deserto do Sinai. Em si, o nome "Sinai" designa uma enorme península em forma triangular, com mais ou menos 420 Km de extensão norte/sul, estendendo-se entre o golfo do Suez, no Mediterrâneo e o golfo da Áqaba, no mar Vermelho. A península inteira é um deserto árido, com vegetação escassa (excepto em alguns raros oásis), semeada de montanhas que chegam a atingir os 2400 metros de altitude. As hipóteses de situar exactamente o "monte da aliança" são ténues; no entanto, uma tradição cristã do séc. IV d.C. identifica o "monte da aliança" com o "Gebel Musa" ("monte de Moisés"), uma montanha com 2244 metros de altitude, situada a sul da península sinaítica. Embora a identificação do "monte da aliança" com este lugar seja problemática, o "Gebel Musa" é, ainda hoje, um lugar de peregrinação para judeus e cristãos.
    Seja qual for o lugar da aliança, o facto é que o texto nos situa em frente de um "monte" não identificado da península sinaítica, onde Israel celebrou uma aliança com o seu Deus. Depois de Moisés subir ao monte para receber de Deus as tábuas da Lei (cf. Ex 31,18), o Povo, reunido no sopé da montanha à espera de Moisés, construiu um bezerro de ouro e infringiu, dessa forma, os termos da aliança (cf. Ex 32,1-6).

    MENSAGEM

    O tema fundamental que o texto nos propõe gira à volta da resposta de Deus ao pecado do Povo.
    A primeira parte (vers. 7-10) descreve o pecado do Povo e uma primeira reacção de Deus. Perante a ausência de Moisés no monte sagrado, o Povo constrói um bezerro de oiro. O bezerro de ouro não pretende ser um novo deus, mas uma imagem de Jahwéh ("este é o teu Deus, Israel, que te fez sair da terra do Egipto" - vers. 8); de qualquer forma, o Povo "desviou-se do caminho" que Deus lhe havia ordenado, pois infringiu o segundo mandamento do Decálogo (segundo o qual, Israel não devia fazer imagens de Jahwéh: por um lado, o não representar Deus permitia salvaguardar a transcendência de Jahwéh, já que a "imagem" era uma definição de Deus e Deus não pode ser definido pelo homem; por outro lado, a luta contra os deuses e cultos pagãos era impossível se não se proibiam também os seus símbolos e imagens). O pedido de Deus a Moisés ("agora deixa-Me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruí-los-ei; mas farei de ti uma grande nação" - vers. 10) pode ser posto em paralelo com a promessa a Abraão de Gn 12,2: Deus fala de tudo recomeçar com Moisés, como fez com Abraão.
    Na segunda parte (vers. 11-14), descreve-se a intercessão de Moisés e a misericórdia de Deus. O texto começa com a referência a Moisés que "deitou água na fervura" (literalmente: "acalmou a face de Deus" - vers. 11a). As palavras de intercessão de Moisés (vers. 11b-13) não fazem referência aos méritos do Povo, mas à honra de Deus e à sua fidelidade às promessas assumidas para com o Povo no âmbito da aliança.
    A resposta final de Deus (vers. 14) põe em relevo a sua misericórdia. Não são os méritos do Povo que sustêm o castigo; mas é o amor de Deus, a sua lealdade aos compromissos, a sua "justiça" (que é misericórdia, ternura, bondade) que acabam por triunfar. O amor infinito de Deus pelo seu Povo acaba sempre por falar mais alto do que a sua vontade de castigar os desvios e infidelidades.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão do texto, considerar os seguintes elementos:

    • Antes de mais, o texto sublinha a lealdade de Deus para com o seu Povo, a "justiça" que marca a relação de Jahwéh com Israel (entendida como fidelidade aos compromissos assumidos por Deus para com os homens). Fica, aqui, claro que a essência de Deus é esse amor gratuito que Ele derrama gratuitamente sobre os homens, qualquer que seja o seu pecado... Deus ama infinitamente, seja qual for a resposta do homem; e esse amor nunca será desmentido. É à luz desta perspectiva que devemos encarar Deus e a sua relação connosco.

    • O pecado dos israelitas (a construção de uma imagem deturpada de Deus) leva-nos a questionar as imagens que, às vezes, construímos e transmitimos de Deus... O Deus em Quem acreditamos e que testemunhamos, quem é? É o Deus que Se revelou como amor, bondade, misericórdia, ao longo da história da salvação, ou é um Deus vingativo e cruel, que não desculpa as faltas dos homens e que anda à cata de qualquer comportamento faltoso para deixar cair sobre eles a sua cólera e a sua crueldade? Não esqueçamos: testemunhar um Deus vingativo, impositivo, sem coração e sem misericórdia, é fabricar uma falsa imagem de Deus.

    • Atente-se na atitude de Moisés, face à indignação de Deus: intercede pelo Povo e não deixa que a ambição pessoal se sobreponha ao interesse de Israel (de acordo com o texto, Deus propôs-lhe: "deixa que a minha indignação se inflame contra eles e os destrua; de ti farei uma grande nação"; mas Moisés não aceitou a proposta). A atitude de Moisés é uma atitude "fácil", à luz dos critérios dos homens? Quantas vezes os homens são capazes de "vender a alma ao diabo" para subir, para ter êxito, para chegar a presidir a qualquer coisa? Quantas vezes os homens são capazes de sacrificar os valores mais sagrados para serem conhecidos, famosos, invejados, ou para adquirir uma fatia mais de poder e de influência?
    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 50 (51)

    Refrão: Vou partir e vou ter com meu pai.

    Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade,
    pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados.
    Lavai-me de toda a iniquidade
    e purificai-me de todas as faltas.

    Criai em mim, ó Deus, um coração puro
    e fazei nascer dentro de mim um espírito firme.
    Não queirais repelir-me da vossa presença
    e não retireis de mim o vosso espírito de santidade.

    Abri, Senhor, os meus lábios
    e a minha boca anunciará o vosso louvor.
    Sacrifício agradável a Deus é um espírito arrependido:
    não desprezeis, Senhor, um espírito humilhado e contrito.
    LEITURA II - 1 Tim 1,12-17

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo

    Caríssimo:
    Dou graças Àquele que me deu força,
    Jesus Cristo, Nosso Senhor,
    que me julgou digno de confiança
    e me chamou ao seu serviço,
    a mim que tinha sido blasfemo, perseguidor e violento.
    Mas alcancei misericórdia,
    porque agi por ignorância, quando ainda era descrente.
    A graça de Nosso Senhor superabundou em mim,
    com a fé e a caridade que temos em Cristo Jesus.
    É digna de fé esta palavra
    e merecedora de toda a aceitação:
    Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores
    e eu sou o primeiro deles.
    Mas alcancei misericórdia,
    para que, em mim primeiramente,
    Jesus Cristo manifestasse toda a sua magnanimidade,
    como exemplo para os que hão-de acreditar n'Ele,
    para a vida eterna.
    Ao Rei dos séculos, Deus imortal, invisível e único,
    honra e glória pelos séculos dos séculos. Amen.

    AMBIENTE

    O Timóteo aqui referenciado era natural de Listra (Licaónia), filho de pai grego e de mãe judeo-cristã. Aparece no Livro dos Actos como companheiro inseparável de Paulo, a partir da segunda viagem missionária. Paulo teria confiado a Timóteo missões importantes entre os tessalonicenses (cf. 1 Tess 3,2.6) e entre os coríntios (cf. 1 Cor 4,1.17;16,10-11). Ainda muito jovem Timóteo recebeu de Paulo a responsabilidade pastoral das Igrejas da província da Ásia (cf. 1 Tim 4,12). A tradição considera-o como o primeiro bispo de Éfeso.
    Esta carta apresenta-se como escrita por Paulo a Timóteo, quando este está encarregado da animação da Igreja de Éfeso. Contém uma série de instruções que versam, fundamentalmente, sobre três temas: a organização da comunidade, a forma de combater os hereges e a vida cristã dos fiéis. Convém, no entanto, acrescentar que a maior parte dos comentadores não considera esta carta de autoria paulina: a linguagem e a teologia não parecem ser paulinas; e, sobretudo, a carta supõe um modelo de organização eclesial que é dos finais do séc. I d.C. (Paulo teria morrido na perseguição de Nero, por volta de 66/67 d.C.).

    MENSAGEM

    No texto que nos é proposto, Paulo recorda, agradecido, a sua história de vocação. O apóstolo afirma que recebeu de Cristo o seu ministério; e proclama que isso se deve, não aos seus méritos, mas à misericórdia de Deus.
    Paulo tem consciência do seu passado de perseguidor violento da Igreja de Cristo. É verdade que Paulo actuou dessa forma por ignorância; no entanto, isso não o exime de culpa... Apesar desse passado duvidoso, Deus, na sua bondade, cumulou-o da sua graça.
    Paulo reconhece que Cristo "veio ao mundo para salvar os pecadores", entre os quais Paulo se inclui. Pelo exemplo de Paulo, fica evidente a misericórdia e a magnanimidade de Deus, que se derrama sobre todos os homens, sejam quais forem as faltas cometidas. A partir deste exemplo, todos os homens são convidados a tomar consciência da bondade de Deus e a responder-lhe da mesma forma que Paulo: com o dom da vida e com o empenho sério no testemunho desse projecto de amor que Deus tem para oferecer. O profundo reconhecimento que Paulo sente diante da misericórdia com que Deus o distinguiu leva-o a um canto de louvor que, neste texto, apresenta contornos litúrgicos ("ao rei dos séculos, Deus imortal, invisível e único, honra e glória pelos séculos dos séculos, amén" - vers. 17).

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão e partilha, considerar as seguintes linhas:

    • Antes de mais, somos convidados a tomar consciência do amor que Deus oferece a todos os homens, sem excepção, sejam quais forem as suas faltas... Foi esse Deus que Paulo experimentou e que testemunhou; é esse, também, o Deus que experimentamos e testemunhamos?

    • Entre os cristãos existe, muitas vezes, a convicção de que a "justiça de Deus" é a aplicação rigorosa da lei; assim, Deus trataria bem os bons, enquanto que castigaria, natural e objectivamente, os maus... A história de Paulo - e a história de tantos homens e mulheres, ao longo dos séculos - é um desmentido desta lógica: o amor de Deus derrama-se sobre todos os homens, mesmo sobre aqueles que têm vidas duvidosas e pecadoras. Bons e maus, a todos Deus ama, sem excepção. E nós? Somos filhos deste Deus e amamos os nossos irmãos, sem distinções? Às vezes ouvem-se - mesmo entre os cristãos - expressões de ódio e de desprezo em relação àqueles que cometem desacatos ou que têm comportamentos que reprovamos... Como conciliar essas atitudes com o exemplo de amor sem restrições que Deus nos oferece?

    • O nosso texto termina com um hino de louvor ao Deus que ama, sem excepções... Sentimo-nos agradecidos a Deus por esse amor nunca desmentido, que se derrama sobre nós, sejam quais forem as circunstâncias?
    ALELUIA - 2 Cor 5,19

    Em Cristo, Deus reconcilia o mundo consigo
    e confiou-nos a palavra da reconciliação.
    EVANGELHO - Lc 15,1-32

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    os publicanos e os pecadores
    aproximaram-se todos de Jesus, para O ouvirem.
    Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo:
    «Este homem acolhe os pecadores e come com eles».
    Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:
    «Quem de vós, que possua cem ovelhas
    e tenha perdido uma delas,
    não deixa as outras noventa e nove no deserto,
    para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar?
    Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros
    e, ao chegar a casa,
    chama os amigos e vizinhos e diz-lhes:
    'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida'.
    Eu vos digo:
    Assim haverá mais alegria no Céu
    por um só pecador que se arrependa,
    do que por noventa e nove justos,
    que não precisam de arrependimento.
    Ou então, qual é a mulher
    que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma,
    não acende uma lâmpada, varre a casa
    e procura cuidadosamente a moeda até a encontrar?
    Quando a encontra, chama as amigas e vizinhas e diz-lhes:
    'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida'.
    Eu vos digo:
    Assim haverá alegria entre os Anjos de Deus
    por um pecador que se arrependa».

    Jesus disse-lhes ainda:
    «Um homem tinha dois filhos.
    O mais novo disse ao pai:
    'Pai, dá-me parte da herança que me toca'.
    O pai repartiu os bens pelos filhos.
    Alguns dias depois, o filho mais novo,
    juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante
    e por lá esbanjou quanto possuía,
    numa vida dissoluta.
    Tendo gasto tudo,
    houve uma grande fome naquela região
    e ele começou a passar privações.
    Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra
    que o mandou para os seus campos guardar porcos.
    Bem desejava ele matar a fome
    com as alfarrobas que os porcos comiam,
    mas ninguém lhas dava.
    Então, caindo em si, disse:
    'Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância,
    e eu aqui a morrer de fome!
    Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
    Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
    Já não mereço ser chamado teu filho,
    mas trata-me como um dos teus trabalhadores'.
    Pôs-se a caminho e foi ter com o pai.
    Ainda ele estava longe, quando o pai o viu:
    Enchendo-se de compaixão,
    correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
    Disse-lhe o filho:
    'Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
    Já não mereço ser chamado teu filho'.
    Mas o pai disse aos servos:
    'Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha.
    Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
    Trazei o vitelo gordo e matai-o.
    Comamos e festejemos,
    porque este meu filho estava morto e voltou à vida,
    estava perdido e foi reencontrado'.
    E começou a festa.
    Ora o filho mais velho estava no campo.
    Quando regressou,
    ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
    Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
    O servo respondeu-lhe:
    'O teu irmão voltou
    e teu pai mandou matar o vitelo gordo,
    porque ele chegou são e salvo'.
    Ele ficou ressentido e não queria entrar.
    Então o pai veio cá fora instar com ele.
    Mas ele respondeu ao pai:
    'Há tantos anos que eu te sirvo,
    sem nunca transgredir uma ordem tua,
    e nunca me deste um cabrito
    para fazer uma festa com os meus amigos.
    E agora, quando chegou esse teu filho,
    que consumiu os teus bens com mulheres de má vida,
    mataste-lhe o vitelo gordo'.
    Disse-lhe o pai:
    'Filho, tu estás sempre comigo
    e tudo o que é meu é teu.
    Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos,
    porque este teu irmão estava morto e voltou à vida,
    estava perdido e foi reencontrado'».

    AMBIENTE

    No "caminho para Jerusalém" aparece, em dado momento, uma catequese sobre a misericórdia de Deus... Com efeito, todo o capítulo 15 de Lucas é preenchido com as chamadas "parábolas da misericórdia".
    Trata-se de um tema caro a Lucas. Para este evangelista, Jesus é o Deus que veio ao encontro dos homens para lhes oferecer, em gestos concretos, a salvação. As parábolas da misericórdia expressam, de forma privilegiada, o amor de Deus que se derrama sobre os pecadores.
    A parábola da ovelha perdida - a primeira que o Evangelho de hoje nos propõe - é comum a Lucas e Mateus (cf. Mt 18,12-14), embora em Mateus apareça em contexto diverso: trata-se de material que provém, provavelmente, da "fonte Q" (colecção de "ditos" de Jesus, que Mateus e Lucas utilizaram na composição dos respectivos evangelhos). As parábolas da dracma perdida e do filho pródigo (as outras duas parábolas que completam este capítulo) são exclusivas de Lucas.
    O discurso de Jesus apresentado em Lc 15 é enquadrado, pelo evangelista, numa situação concreta. Ao ver que alguns infractores notórios da moral pública (como os cobradores de impostos) se aproximavam de Jesus e eram acolhidos por Ele, os fariseus e os escribas (que não admitiam qualquer contacto com os pecadores e os desclassificados e até mudavam de passeio para não se cruzar com eles) expressaram a sua admiração por Jesus os acolher e por (atitude inaudita!) Se sentar à mesa com eles (o sentar-se à mesa expressava familiaridade, comunhão de vida e de destinos). É essa crítica que vai provocar o discurso de Jesus sobre a atitude misericordiosa de Deus.

    MENSAGEM

    As três parábolas da misericórdia pretendem, portanto, justificar o comportamento de Jesus para com os publicanos e pecadores. Elas definem a "lógica de Deus" em relação a esta questão.

    A primeira parábola (vers. 4-7) é a da ovelha perdida. Trata-se de uma parábola que, lida à luz da razão, é ilógica e incoerente, pois não é normal abandonar noventa e nove ovelhas por causa de uma; também não faz sentido todo o espalhafato criado à volta de um facto banal como é o reencontro com uma ovelha que se extraviou... Nesses exageros e nessas reacções desproporcionadas revela-se, contudo, a mensagem essencial da parábola... O "deixar as noventa e nove ovelhas para ir ao encontro da que estava perdida" mostra a preocupação de Deus com cada homem que se afasta da comunidade da salvação; o "pôr a ovelha aos ombros" significa o cuidado e a solicitude de Deus, que trata com cuidado e com amor os filhos que se afastaram e que necessitam de cuidados especiais; a alegria desproporcionada do pastor que encontrou a ovelha mostra a alegria de Deus, sempre que encontra um filho que se afastou da comunhão com Ele.
    A segunda parábola (vers. 8-10) reafirma o ensinamento da primeira. O amor misericordioso e constante de Deus busca aquele que se perdeu e alegra-se quando o encontra. A imagem da mulher preocupada, que varre a casa de cima a baixo, ilustra a preocupação de Deus em reencontrar aqueles que se afastaram da comunhão com Ele. Também aqui há, como na parábola anterior, a referência à alegria do reencontro: essa alegria manifesta a felicidade de Deus diante do pecador que volta.
    A terceira parábola (vers. 11-32) apresenta o quadro de um pai (Deus), em cujo coração triunfa sempre o amor pelo filho, aconteça o que acontecer. Ele continua a amar o filho rebelde e ingrato, apesar da sua ausência, do seu orgulho e da sua auto-suficiência; e esse amor acaba por revelar-se na forma emocionada como recebe o filho, quando ele resolve voltar para a casa paterna. Esta parábola apresenta a lógica de Deus, que respeita absolutamente a liberdade e as decisões dos seus filhos, mesmo que eles usem essa liberdade para buscar a felicidade em caminhos errados; e, aconteça o que acontecer, continua a amar, a esperar ansiosamente o regresso do filho, preparado para o acolher com alegria e amor. É essa a lógica que Jesus quer propor aos fariseus e escribas (os "filhos mais velhos") que, a propósito dos pecadores que tinham abandonado a "casa do Pai", professavam uma atitude de intolerância e de exclusão.
    O que está, portanto, em causa nas três parábolas da misericórdia é a justificação da atitude de Jesus para com os pecadores. Jesus deixa claro que a sua atitude se insere na lógica de Deus em relação aos filhos afastados. Deus não os rejeita, não os marginaliza, mas ama-os com amor de Pai... Preocupa-se com eles, vai ao seu encontro, solidariza-Se com eles, estabelece com eles laços de familiaridade, abraça-os com emoção, cuida deles com solicitude, alegra-Se e faz festa quando eles voltam à casa do Pai. Esta é a forma de Deus actuar em relação aos seus filhos, sem excepção; e é essa atitude de Deus que Jesus revela ao acolher os pecadores e ao sentar-Se com eles à mesa. Por muito que isso custe aos fariseus, essa é a lógica de Deus; e todos os "filhos de Deus" devem acolher esta lógica e actuar da mesma forma.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:

    • Essencialmente, as parábolas da misericórdia revelam-nos um Deus que ama todos os seus filhos, sem excepção, mas que tem um "fraco" pelos marginalizados, pelos excluídos, pelos pecadores... O seu amor não é condicional: Ele ama, apesar do pecado e do afastamento do filho. Esse amor manifesta-se em atitudes exageradas, desproporcionadas, de cuidado, de solicitude; revela-se também na "festa" que se sucede a cada reencontro... Não é que Deus pactue com o pecado; Deus abomina o pecado, mas não deixa de amar o pecador. É este Deus - "escandaloso" para os que se consideram justos, perfeitos, irrepreensíveis, mas fascinante e amoroso para todos aqueles que estão conscientes da sua fragilidade e do seu pecado - que somos convidados a descobrir.

    • Se essa é a lógica de Deus em relação aos pecadores, é essa mesma lógica que deve marcar a minha atitude face àqueles que me ofendem e, mesmo, face àqueles que têm vidas duvidosas ou moralmente reprováveis. Como é que eu acolho aqueles que me ofendem, ou que assumem comportamentos considerados reprováveis: com intolerância e fanatismo, ou com respeito pela sua dignidade de pessoas?

    • Face ao aumento da criminalidade e da violência cria-se, por vezes, um clima social de alguma histeria e radicalismo. Exigem-se castigos mais severos e os adeptos das soluções definitivas chegam a falar na pena de morte para certos crimes. Que sentido é que isto faz, à luz da lógica de Deus?

    • Ser testemunha da misericórdia e do amor de Deus no mundo não significa, no entanto, pactuar com o pecado... O pecado - tudo o que gera ódio, egoísmo, injustiça, opressão, mentira, sofrimento - é mau e deve ser combatido e vencido. Distingamos claramente as coisas: Deus convida-me a amar o pecador e a acolhê-lo sempre como um irmão; mas convida-me também a lutar objectivamente contra o mal - todo o mal - pois ele é uma negação desse amor de Deus que eu devo testemunhar.
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 24º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. DESENVOLVER O RITO PENITENCIAL.
    O Evangelho deste domingo incide particularmente na caminhada de penitência e de conversão. Esta poderia ser sublinhada no rito penitencial, utilizando a primeira fórmula da recitação do "Confesso a Deus" e cântico do Kyrie: tempo de silêncio após a introdução do rito; tempo de silêncio entre o final de "Confesso a Deus" e a fórmula de conclusão; tempo de silêncio antes da recitação do Kyrie. A seguir, canta-se o "Glória a Deus" para exprimir a alegria da conversão.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Deus de Israel, Deus das promessas renovadas e da Aliança fiel, Tu que guiaste Moisés para que ele conduzisse o teu povo fora do Egipto, nós Te bendizemos pela paciência e pelo perdão que nos revelas.
    Nós invocamos o teu perdão para as nossas infidelidades para contigo, para o esquecimento dos teus ensinamentos e para os nossos afastamentos do caminho da vida".

    No final da segunda leitura:
    "Nosso Pai, honra e glória a Ti, Rei dos séculos, Deus único, invisível e imortal, pelos séculos dos séculos. Nós, pecadores, afirmamos o nosso reconhecimento pelo teu perdão, que nos faz levantar todos os dias.
    Nós Te pedimos pelos nossos irmãos e irmãs abatidos pelos seus afastamentos e que duvidam do perdão que Tu concedes a todos os que vêm a Ti".

    No final do Evangelho:
    "Nosso Pai, Tu que fazes bom acolhimento aos pecadores como nós e que nos convidas à mesa do teu Filho, nós Te bendizemos. Alegras-te pela ovelha e pela moeda reencontradas e pelo regresso do filho perdido.
    Nós Te pedimos. Pelo teu Espírito, inspira as nossas intenções. Dá-nos o desejo de voltar para Ti. Partilha connosco a tua alegria pelo regresso dos teus filhos que se afastaram".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Quando somos incomodados, geralmente recriminamos ou acusamos. Os fariseus e os escribas recriminam Jesus porque acolheu bem os pecadores. O filho mais velho da parábola recrimina o seu pai porque acolhe, com os braços abertos, o filho mais novo. Recriminam porque os seus corações estão fechados, recriminam porque eles próprios não podem acolher. De facto, não estarão eles a recriminar-se a si mesmos? O caminho está em acolher e deixar-se acolher...

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    A parábola do filho pródigo é a mais conhecida das três "parábolas da misericórdia". Mas as duas primeiras dão-nos também uma grande luz. Recordemos que as ovelhas tinham grande importância para o pastor. Não se pode aceitar que ele perdesse uma. Quanto à dracma, era uma soma importante. Basta pensar que uma família inteira podia viver um dia com duas dracmas. Compreende-se que a mulher que a perdeu, tudo faça para a encontrar. Jesus precisa: o pastor procura a sua ovelha perdida "até a encontrar"; a mulher procura a dracma perdida "até a encontrar". Através destas duas personagens, é o Pai que Jesus nos quer mostrar. Eis como o nosso Pai age: diante dos homens que se afastam d'Ele, que vão por caminhos de perdição, Ele parte à sua procura, mas nunca pára esta procura. Quando há um naufrágio, efectuam-se procuras para encontrar as vítimas. Mas, ao fim de um certo tempo, acabam-se estas procuras: já não há mais esperança! Mas não para Deus. Ele vai até ao fim, Ele encontrará de qualquer modo a sua criatura perdida. Mas onde? É na morte, consequência última da recusa do amor, que cai o homem. É na morte que Jesus irá para encontrar a humanidade perdida. E aí, no fundo das nossas trevas, que faz o pastor? Enche-se de cólera, bate na sua ovelha infiel, obriga-a a subir todo o caminho pelos seus próprios meios? Não! Nada disso! Quando a encontra, leva-a aos ombros. Jesus pega o homem aos ombros, poupa-lhe a dificuldade da subida para a luz. Como dizer mais explicitamente a gratuidade da salvação que Ele nos vem trazer? É a mesma luz do Pai que acolhe o seu filho sem nada lhe pedir, que lhe dá gratuitamente a sua dignidade de homem livre o seu lugar de filho, como se nada se tivesse passado. Como não transbordar de alegria diante de um tal Deus?

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística I para a Reconciliação. As orações que precedem a consagração referem-se aos temas do Evangelho.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Entrar na alegria do nosso Pai... No Evangelho de hoje, Lucas oferece-nos três parábolas para nos falar da Misericórdia de Deus nosso Pai: a ovelha perdida, a moeda perdida, o filho pródigo. Ser beneficiários deste perdão pleno de amor do nosso Pai é o desejo de todos nós. Mas não nos acontece, tal como o filho mais velho, considerar que alguns dos nossos irmãos são imperdoáveis e, por vezes, acolher com cólera sanções da justiça que nos parecem demasiado clementes? Vamos recusar entrar na alegria do nosso Pai, que Se compraz a conceder a sua graça?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

     

  • XXIV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    12 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 11, 17-26
    Irmãos: 17 Não posso louvar-vos: reunis-vos, não para vosso proveito, mas para vosso dano. 18Em primeiro lugar, ouço dizer que, quando vos reunis em assembleia, há divisões entre vós, e em parte eu acredito. 19É mesmo necessário que haja divisões entre vós, para que se tornem conhecidos aqueles que de entre vós resistem a esta provação. 20Quando, pois, vos reunis, não é a ceia do Senhor que comeis, 21pois cada um se apressa a tomar a sua própria ceia; e enquanto um passa fome, outro fica embriagado. 22Porventura não tendes casas para comer e beber? Ou desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm? Que vos direi? Hei-de louvar-vos? Nisto, não vos louvo. 23Com efeito, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus na noite em que era entregue, tomou pão 24e, tendo dado graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim». 25Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim.» 26Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha.
    Paulo recebeu da tradição apostólica o ensinamento sobre a instituição da Eucaristia por Jesus (v. 23) e deve transmiti-lo às várias comunidades, pois a celebração eucarística tem grande importância para a vida delas.
    A eucaristia é, em primeiro lugar um chamamento, uma vocação divina: não pode reduzir-se a um simples encontro de indivíduos, ainda que motivado por razões louváveis. Pelo contrário, todas as vezes que a comunidade se reúne, obedece a um convite-mandamento do Senhor Jesus. Mais ainda: celebrar a eucaristia é fazer memória do Senhor morto e ressuscitado, para entrarmos em comunhão pessoal com Ele. A fórmula: «fazei isto em memória de mim» (v. 24 s.), também usada por Lucas, não deixa margem para dúvidas. Jesus não deixa aos discípulos um simples testamento, mas um verdadeiro memorial (de acordo com a linguagem técnica hebraica: zikkarôn). Em termos mais teológicos, diríamos: "memória eficaz e actualizante", capaz de produzir o que significa.
    A eucaristia é também comer a ceia do Senhor: não pode nem deve ser alterada esta dimensão convivial da eucaristia. Foi esse o sinal escolhido por Jesus, sinal escrupulosamente respeitado pela tradição apostólica; faltando este sinal, não temos o fruto da presença sacramental de Jesus, nem a eficácia salvífica da sua morte e ressurreição.

    Evangelho: Lucas 7, 1-10
    Naquele tempo, 1Quando acabou de dizer todas as suas palavras ao povo, Jesus entrou em Cafarnaúm. 2Ora um centurião tinha um servo a quem dedicava muita afeição e que estava doente, quase a morrer. 3Ouvindo falar de Jesus, enviou-lhe alguns judeus de relevo para lhe pedir que viesse salvar-lhe o servo. 4Chegados junto de Jesus, suplicaram-lhe insistentemente: «Ele merece que lhe faças isso, 5pois ama o nosso povo e foi ele quem nos construiu a sinagoga.» 6Jesus acompanhou-os. Não estavam já longe da casa, quando o centurião lhe mandou dizer por uns amigos: «Não te incomodes, Senhor, pois não sou digno de que entres debaixo do meu tecto, pelo que 7nem me julguei digno de ir ter contigo. Mas diz uma só palavra e o meu servo será curado. 8Porque também eu tenho os meus superiores a quem devo obediência e soldados sob as minhas ordens, e digo a um: 'Vai', e ele vai; e a outro: 'Vem', e ele vem; e ao meu servo: 'Faz isto', e ele faz.» 9Ouvindo estas palavras, Jesus sentiu admiração por ele e disse à multidão que o seguia: «Digo-vos: nem em Israel encontrei tão grande fé.» 10E, de regresso a casa, os enviados encontraram o servo de perfeita saúde.
    Nesta narrativa, Lucas centra mais a sua atenção na fé, que alcança o milagre, do que no próprio milagre. A figura do centurião pagão assume um papel emblemático.
    A fé do centurião compõe-se de humildade e confiança. Essas duas atitudes tornam-no aberto ao dom que está para receber e tornam aberta a comunidade dos discípulos de Jesus, que pode receber e incluir pessoas das mais diversas origens étnicas e sociais. Há um pormenor que suscita a nossa atenção, até pela sua actualidade. Enquanto os anciãos recomendam o centurião a Jesus por alguns méritos que, a seus olhos, tinha adquirido («Ele merece que lhe faças isso, pois ama o nosso povo e foi ele quem nos construiu a sinagoga» (v. 4), o próprio centurião manda dizer a Jesus: «Não te incomodes, Senhor, pois não sou digno de que entres debaixo do meu tecto» (v. 6). Naturalmente, para Jesus são mais importantes estas palavras, que indicam uma grande e sincera humildade, do que as dos anciãos interesseiros.
    Lucas, como Mateus, considera este acontecimento um prelúdio da chegada dos pagãos à Igreja. Isso interessa-lhe ainda mais porque ele, e só ele, há-de sentir a necessidade de dedicar a segunda parte da sua obra, os Actos dos Apóstolos, a este grande evento. Vislumbra-se a dimensão universal da salvação trazida por Jesus.

    Meditatio
    Ambas as leituras de hoje nos nos levam a pensar na Eucaristia, no lugar central que ela tem na vida da Igreja, e nas disposições de fé de e amor que exige.
    Na primeira leitura, Paulo entrega às suas comunidades um precioso bem testamentário por meio de dois verbos técnico-teológicos ("receber" - "transmitir": cf. também 1 Cor 15, 3). Que podemos aprender, para sermos comunidade eucarística, com estes dois verbos?
    Em primeiro lugar, verificamos a auto-consciência apostólica de Paulo: um aspecto auto-biográfico, digamos, mas no mais elevado sentido do termo. O que interessa ao Apóstolo não é dar-se a conhecer pelas suas características pessoais, mas sim pela sua missão, de que não pode eximir-se. A transmissão da memória daquilo que o Senhor disse e fez na vigília da sua paixão é elemento essencial e irrenunciável dessa missão apostólica.
    Em segundo lugar, verificamos a centralidade da Eucaristia no tesouro de verdades que os apóstolos sentem obrigação de transmitir. É como que afirmar que as comunidades cristãs, e cada um dos discípulos, não podem viver nem testemunhar a fé, se não tiverem no centro da sua vida a Eucaristia, memória actualizante do mistério pascal, capaz de produzir a graça que significa.
    Em terceiro lugar percebe-se concretamente a verdade da expressão: "A Eucaristia faz a Igreja". Seria pouco pensar que a Igreja "faz", isto é, celebra, a Eucaristia. Há que ir mais longe, até ao evento da Páscoa de Cris
    to, de que a Eucaristia é "memória" fiel e actualizante. A celebração eucarística, memorial da Páscoa do Senhor, é o princípio da nossa comunhão fraterna e a fonte do nosso serviço apostólico, como escreve o Pe. Dehon no seu Testamento Espiritual (cf. DSP nn. 276-284).
    «A celebração do Memorial da morte e ressurreição do Senhor constitui para nós o momento privilegiado da nossa fé e da nossa vocação de Sacerdotes do Coração de Jesus», dizem as Constituições (n. 80). «Fazei isto em memória de Mim» (Lc 22, 19; cf. 1 Cor 11, 24-25). É o mandamento de Jesus para trazermos ao presente o Seu mistério pascal, para actualizarmos a última Ceia e a morte de Cristo na Cruz, para nos tornarmos participantes da Ressurreição. Tudo isto acontece por obra do Espírito Santo: «O Espírito Santo recordar-vos-á tudo aquilo que vos disse» (Jo 14, 26).
    «Fazei isto em memória de Mim» (Lc 22, 19) é um forte convite de Jesus para vivermos o mistério da Sua oblação: "constitui para nós o momento privilegiado da nossa fé e da nossa vocação de Sacerdotes do Coração de Jesus" (Cst. 80); a eucaristia é um convite a participarmos no sacerdócio de Cristo e no Seu estado de vítima: «Com um só sacrifício, - afirma o autor da Carta aos Hebreus - tornou perfeitos para sempre os que foram santificados» (10, 14; cf. Heb 5, 7-10).
    No evangelho, escutamos a oração do centurião, que a Igreja nos faz repetir antes da sagrada comunhão: «Senhor, eu não sou digno de que entres debaixo do meu tecto» (v. 6). Jesus ficou admirado com a fé do centurião (v. 9), que de tal modo acreditava no poder da sua Palavra, que julgava desnecessária a sua presença para que o servo ficasse curado. Nós acreditamos que o poder da Palavra de Jesus O torna presente sob as espécies eucarísticas.

    Oratio
    Obrigado, Senhor, pelos teus dons gratuitos. Quero, hoje agradecer-Te particularmente o dom da tua graça, que me dás sempre antecipadamente e ultrapassando as minhas expectativas. Que aprenda a alegrar-me contigo e com o meu próximo, por todos os teus dons, por todos os sinais da tua paterna bondade. A tua graça é sempre experimentada num tempo e num espaço concreto do nosso dia a dia. Que eu Te reconheça, Senhor, no caminho em que me acompanhas.
    Dá-me um coração livre de pretensões, de preconceitos, de rancores e de orgulho para estar pronto a receber a tua graça. Faz-me capaz de Te receber, de apreciar as tuas surpresas: só então poderei experimentar o teu amor. Amen.

    Contemplatio
    Olhai para Jesus à mesa da Ceia, abençoando o Pão, que Ele muda substancialmente no seu corpo. Vêde-O elevando ao céu os seus olhos divinos. Todo o seu rosto brilha com uma doçura inefável. Ele está num êxtase de amor. É que neste momento o Sagrado Coração realiza o ideal da sua vida. Ele quis oferecer-nos uma nascente de graças, onde pudéssemos colher todas as bênçãos e todas as alegrias. Quis também dar-se a nós para viver na intimidade com cada um de nós. Realiza tudo isto instituindo a Eucaristia, e está como que inebriado de alegria e de amor.
    «Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco» (Lc 22). Durante toda a sua vida, Jesus tinha fome e sede de ver o dia desta páscoa. Queria abrir-nos esta nascente de vida, queria começar esta intimidade connosco.
    A Eucaristia era a nascente de todos os dons que o seu Coração nos abria. Não é apenas um dom especial, um favor particular que este Coração liberal quer fazer às almas que ama; são todos os dons ao mesmo tempo, são todas as graças concentradas num só dom. Sejam quais possam ser as necessidades de uma alma nesta vida, é aqui que ela encontra o socorro, o remédio, os biblioteca para tudo. É um resumo de todos os seus dons que nos deixou o Deus de misericórdia, dando-nos este pão de vida: Memoriam fecit mirabilium suorum misericors et miserator dominus, escam dedit timentibus se (Leão Dehon, OSP 2, p. 416).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Isto é o meu corpo entregue por vós» (1 Cor 11, 24).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    13 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 12, 12-14.27-31a
    Irmãos: 12Como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, constituem um só corpo, assim também Cristo. 13De facto, num só Espírito, fomos todos baptizados para formar um só corpo, judeus e gregos, escravos ou livres, e todos bebemos de um só Espírito. 14O corpo não é composto de um só membro, mas de muitos.
    27Vós sois o corpo de Cristo e cada um, pela sua parte, é um membro. 28E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo, profetas; em terceiro, mestres; em seguida, há o dom dos milagres, depois o das curas, o das obras de assistência, o de governo e o das diversas línguas. 29Porventura são todos apóstolos? São todos profetas? São todos mestres? Fazem todos milagres? 30Possuem todos o dom das curas? Todos falam línguas? Todos as interpretam? 31Aspirai, porém, aos melhores dons.
    O Apóstolo tratou dos sacramentos do baptismo e da eucaristia, como eventos centrais na vida dos cristãos. Agora, dedica três capítulos da sua carta à problemática das relações entre carismas e ministérios na comunidade, questão muito viva na comunidade de Corinto, mas sempre mais ou menos presente na vida da Igreja.
    Logo no começo do capítulo 12, Paulo afirma que a autenticidade dos carismas depende da pureza da profissão de fé: «Ninguém, falando sob a acção do Espírito Santo, pode dizer: «Jesus seja anátema», e ninguém pode dizer: «Jesus é Senhor», senão pelo Espírito Santo» (vv. 1-3). Há pluralidade de carismas, mas uma só fonte: a Trindade (vv. 4-6). Logo depois, o Apóstolo afirma que a manifestação do Espírito, por meio dos vários carismas, é dada a cada um para o bem de toda a comunidade. E começa o discurso mais genuinamente teológico. Paulo quer fazer compreender que os dons que recebemos e os serviços que somos chamados a prestar têm o seu fundamento na graça que recebemos por meio dos sacramentos, em força dos quais formamos um só corpo, o corpo de Cristo que é a Igreja. Todos, de facto, «fomos baptizados para formar um só corpo, judeus e gregos, escravos ou livres, e todos bebemos de um só Espírito» para formar um só corpo (v. 139.
    A unidade não exclui a diversidade dos membros, dos dons, dos ministérios, mas garante-a e exalta-a reconduzindo-a à sua fonte divina, à Trindade, e orientando-a para o bem da comunidade eclesial.

    Evangelho: Lucas 7, 11-17
    Naquele tempo, 11Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim, indo com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. 12Quando estavam perto da porta da cidade, viram que levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva; e, a acompanhá-la, vinha muita gente da cidade. 13Vendo-a, o Senhor compadeceu-se dela e disse-lhe: «Não chores.» 14Aproximando-se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Disse então: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!» 15O morto sentou-se e começou a falar. E Jesus entregou-o à sua mãe. 16O temor apoderou-se de todos, e davam glória a Deus, dizendo: «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» 17E a fama deste milagre espalhou-se pela Judeia e por toda a região.
    Lucas gosta de estabelecer relações entre Jesus e o profeta Elias (cf. 1 Re 17, 10-24), entre Jesus e o profeta Eliseu (2 Re 4, 18-37). O terceiro evangelista narra a ressurreição do filho único de uma certa mãe viúva, natural de Naim. Prodígios idênticos foram também realizados por Elias e Eliseu. Sabemos que Lucas também dá particular atenção às mulheres, no terceiro evangelho e nos Actos. Também a figura da mãe viúva que perdeu o seu filho único sensibiliza Jesus que, «Vendo a, se compadeceu¬ dela e lhe disse: «Não chores» (v. 13). Este episódio não nos revela só um aspecto da psicologia de Jesus, a sua sensibilidade, mas também, a sua opção em favor dos fracos e dos marginalizados. Aquela mulher, na sociedade a que pertencia, estava incluída nessas categorias de pessoas.
    Finalmente, Jesus é aclamado como «um grande profeta» (v. 16). Para Lucas, este título tem especial significado: Jesus é profeta, não só pelo que "diz", mas também pelo que "faz" (acções, gestos, milagres) e, sobretudo, pelo modo como se comporta: sente compaixão, comove-se interiormente e partilha a dor daquela mãe. Assim se manifesta Jesus como profeta no sentido mais integral do termo: não só traz a Palavra de Deus, mas também se coloca ao lado dos homens.

    Meditatio
    Uma leitura atenta de 1 Cor 12, revela-nos a genialidade do pensamento de Paulo. Como já dissemos, o primeiro pensamento de Paulo refere-se à relação entre carismas e ministérios, por um lado, e à ortodoxia da fé, por outro lado. Deve ser este o ponto de referência da ortopraxe.
    Em segundo lugar, Paulo evidencia a relação entre os carismas recebidos e a sua origem trinitária. Estamos sempre no âmbito da fé, mas é evidente que Paulo fala, não de uma Trindade abstracta, que está acima dos céus, mas da Trindade "económica", isto, considerada na relação com a nossa vida e com a vida da comunidade. Depois tratará da relação entre a dimensão pessoal e a dimensão comunitária dos carismas: isto para deitar por terra qualquer tentativa de privatizar o dom divino ou de cada um os pôr ao serviço de si mesmo ou da sua categoria social.
    Depois da relação entre carismas, ministérios e vida sacramental, Paulo ilustra o seu pensamento com dois apólogos: no primeiro, fazendo falar os membros do corpo humano, leva-nos a compreender que a beleza e a harmonia de uma comunidade se fundamenta na variedade dos seus membros, tão solícitos em contribuir para o bem-estar da própria comunidade. Fica assim expresso o princípio da complementaridade em ordem à unidade.
    No segundo apólogo, o Apóstolo ilustra outra lei, típica do corpo humano e de toda a comunidade, também da cristã. É o princípio da subsidiariedade, pelo qual, todos os membros, também os mais nobres, precisam dos outros, mesmo dos mais humildes. Por isso, não pode haver divisões na comunidade, tal como não pode haver divisões no corpo humano (12, 15-26).
    A comunidade religiosa, tal como toda a comunidade cristã, tem Cristo como centro e constrói-se à volta do altar: é uma comunidade eucarística. Recordemos que a eucaristia, nova Páscoa, no momento da sua instituição, realiza o verdadeiro Êxodo e convida-nos a sair do nosso egoísmo, a ultrapassar todas as divisões, a curar todas as feridas. A celebração eucarística, memorial da Páscoa do Senhor, é o princípio da nossa comunh
    ão fraterna e a fonte do nosso serviço apostólico, como nos diz o Pe. Dehon no Testamento Espiritual.
    Tudo aquilo que provoque divisões na comunidade, é absurdo para nós, Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus, que «fazemos profissão de tender à caridade perfeita, consagrando-nos inteiramente ao amor de Deus e dos nossos irmãos» (Cst. 14). Sem caridade nem sequer vivemos a «fé que dá fundamento à nossa esperança, a fé que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo» (Cst. 9; cf. n. 42). Devemos implorar sempre ao Coração de Jesus que renove o nosso coração: «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja» (n. 3).
    Os carismas são para o serviço (cf. 1 Cor 12, 7; Ef 4, 12). Daqui se compreende o espírito de serviço que deve caracterizar todo o discípulo do Senhor, não por sede de lucro ou por orgulho, mas unicamente animado pela oblação de amor: «Jesus... tendo amado os Seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (Jo 13, 1).
    Para servir, conforme o exemplo de Jesus, é preciso amar «não só com palavras e com língua, mas com obras e em verdade» (1 Jo 3, 18; Cst n. 18).

    Oratio
    Senhor, ao dar-nos a vida, confiaste-nos uma missão a realizar, mas também a defender contra quem, por ignorância ou por interesse tenta impor-nos outra. Torna-nos fortes, Senhor!
    Senhor, ao dar-nos a vida, confiaste-nos qualidades únicas e irrepetíveis, que nos tornam idóneos o serviço, que somos chamados a realizar no mundo e na Igreja, para a tua glória, para nossa realização pessoal e para o bem dos irmãos. Torna-nos disponíveis, Senhor!
    Senhor, ao dar-nos a vida, mergulhaste-nos no mundo que, cada um de nós, com as suas notas características, deve contribuir para tornar melhor, conscientes de que notas diferentes levam a uma harmonia belíssima, e são indispensáveis para a realização do teu desígnio de salvação. Torna-nos solidários, Senhor!
    Senhor, ao dar-nos a vida, tornaste-nos participantes da tua vida: tornaste-nos ícone vivo da tua vida de amor e de comunhão, senhores da criação para tua glória. Senhor, dá-nos um coração agradecido e humilde! Amen.

    Contemplatio
    O primeiro prodígio que nos impressiona no mistério da Incarnação é a habitação de Deus connosco, como um de nós: «Emmanuel: Deus nobiscum». - «Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis». Pela sua omnipresença, Deus habita sempre connosco, mas o infinito separa-o da nossa pobre humanidade. Ele não tem um coração de homem para sentir por experiência o que é a compaixão. E eis o que o Verbo realizou fazendo-se homem; tornou-se nosso amigo, nosso companheiro, nosso irmão; é nosso Pai e como nosso Filho. Tais são os segredos que nos revelaram Belém e Nazaré. Lá, vimos o Deus omnipotente, a sabedoria eterna tornada um encantador, mas frágil menino, humilde, submisso, fazendo-se o pequeno servo das suas criaturas e mais tarde continuando na sua vida apostólica, por amor, esta servidão do seu Coração a respeito dos homens. Não era Ele o nosso servidor, aquele cuja ocupação era toda curar as doenças da nossa alma e do nosso corpo? Oh! Como é verdadeira esta palavra do nosso doce Salvador: «O Filho do Homem veio para servir, e não para ser servido!» «Desceu do céu e fez-se homem!» Eis os prodígios que este Coração adorável realizou! Não pensa senão em fazer-nos subir e Ele não sonha senão em descer até nós (Leão Dehon, OSP 2, p. 418).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vós sois o corpo de Cristo e cada um, pela sua parte, é um membro» (1 Cor 12, 27.
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIV Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    14 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 12, 31-13,13
    Irmãos: 31Aspirai, porém, aos melhores dons.Aliás, vou mostrar-vos um caminho que ultrapassa todos os outros. 1Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine. 2Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou. 3Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita. 4O amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, 5nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. 6Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade. 7Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. ? amor jamais passará. As profecias terão o seu fim, o dom das línguas terminará e a ciência vai ser inútil. 9Pois o nosso conhecimento é imperfeito e também imperfeita é a nossa profecia. 10Mas, quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. 11Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Mas, quando me tornei homem, deixei o que era próprio de criança. 12Agora, vemos como num espelho, de maneira confusa; depois, veremos face a face. Agora, conheço de modo imperfeito; depois, conhecerei como sou conhecido. 13Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor; mas a maior de todas é o amor.
    Paulo insere o chamado "Hino do amor" no centro dos capítulos dedicados à relação entre carismas e ministérios. Este hino é, sem dúvida, uma das mais belas páginas das suas cartas e, talvez, de todo o Novo Testamento.
    O Apóstolo apresenta, em primeiro lugar, o amor como o maior carisma, como o melhor caminho. Mas o "Hino do amor" não é uma saída espiritual evasiva. Paulo insere-o no concreto de uma vida cristã pessoal e comunitária, que, além de um fundamento, precisa de um centro. É preciso aprender a amar como Deus ama: pelos mesmos motivos, com a mesma intensidade, de modo linear e incondicionado, com uma carga afectiva inesgotável.
    Em segundo lugar, os cristãos devem amar como Cristo ama: em total disponibilidade pessoal, em total abertura aos outros, no desejo de caminhar juntos. O amor cristão, ou caridade, por sua natureza, está indissoluvelmente ligado à fé e à esperança. Mas, em relação às outras duas virtudes teologais, o amor é claramente superior, devido à sua origem divina, pela sua carga cristológica e por estar destinado à comunidade.

    Evangelho: Lucas 7, 31-35
    Naquele tempo, disse Jesus: 31«A quem, pois, compararei os homens desta geração? A quem são semelhantes? 32Assemelham-se a crianças que, sentadas na praça, se interpelam umas às outras, dizendo:'Tocámos flauta para vós, e não dançastes! Entoámos lamentações, e não chorastes!' 33Veio João Baptista, que não come pão nem bebe vinho, e dizeis: 'Está possesso do demónio!' 34Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizeis: 'Aí está um glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e de pecadores!' 35Mas a sabedoria foi justificada por todos os seus filhos.»
    Depois de estabelecer uma relação entre Jesus e o profeta Elias, Lucas compara-O a João Baptista. As diferenças entre os dois são evidentes e significativas. O objectivo de Lucas e sublinhar a simpatia com que o povo simples acolhe Jesus, em contraste com a atitude dos fariseus e doutores da lei. Por isso, é bom ler os vv. 29 ss. Que precedem esta página evangélica.
    Jesus usa uma comparação que deixa transparecer o seu duro juízo acerca dos seus contemporâneos. A pergunta inicial é certamente retórica. Não se refere a todos os contemporâneos de Jesus, mas apenas àqueles que, não tendo prestado atenção ao Precursor, também agora O não querem ouvir. Essas pessoas são como as crianças que se recusam a participar tanto na alegria dos casamentos como na tristeza dos funerais. Parece tratar-se da obstinação com que alguns Judeus recusaram a Palavra de Deus, personificada em Jesus. Revelam um coração impermeável a todo e qualquer convite à penitência e à conversão.
    Sob o ponto de vista histórico, demos atenção a duas expressões, uma dirigida a João: «Está possesso do demónio!» (v. 33) e outra dirigida a Jesus: «Aí está um glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e pecadores!» (v. 34). Duas desculpas fáceis, que revelam uma mentalidade fechada e unicamente capaz de condenar sem piedade. A expressão final relativa à sabedoria que foi justificada «por todos os seus filhos» (Mt escreve «pelas suas obras») leva-nos a pensar noutra categoria de pessoas diametralmente oposta: aqueles que buscam a verdade e que se deixam interpelar por toda a verdadeira pregação, abrindo-se ao de espírito de Deus que actua nas palavras e nas obras de Jesus.

    Meditatio
    O «Hino do amor» suscita a nossa admiração e entusiasmo. Que belo ideal de vida cristã nos apresenta o Apóstolo! Sentimos de certo movidos a agradecer-lhe. Mas também tomamos consciência do amor que existe entre nós, e queremos dar graças ao Senhor por esse precioso carisma.
    Que significa a exortação de Paulo: «Aspirai aos melhores dons. Aliás, vou mostrar-vos um caminho que ultrapassa todos os outros»? Porque é que o Apóstolo apresenta o amor como «um caminho que ultrapassa todos os outros»? Em primeiro lugar porque, contempla, em pano de fundo, a caridade com que Cristo nos amou até à morte e à ressurreição. Estamos novamente diante do mistério pascal. É a via crucis que se torna via lucis para quem se mantém fiel às regras do discipulado e, portanto, a lei fundamental do amor. Também Lucas, nos Actos (cf 9, 2; 22, 4; 24, 22) apresenta o cristianismo, não como uma doutrina, mas como um caminho, «o caminho». A comunidade dos discípulos é formada por aqueles que escolheram avançar pelos caminhos do mundo para lembrar a todos que só Cristo Jesus é o caminho a percorrer para chegar à salvação.
    Assim compreendemos melhor todo o sentido e todo o alcance da auto-definição de Jesus: «Eu sou o caminho» (cf. Jo 14, 6). É deste modo que a reflexão teológica do Novo Testamento atinge o cume, sobretudo porque João deixa entender que Jesus é «o caminho», uma vez que é «a verdade e a vida».
    «O seu Caminho é o nosso caminho» lembram-nos as nossas Constituições (n. 12). Trata-se do caminho do
    amor oblativo percorrido por Jesus Cristo, e que passou pelo Calvário, pela imolação. É o caminho que Paulo aponta a todos os cristãos no capítulo 12 da Carta aos Coríntios e, de modo ainda mais directo, na Carta aos Efésios: «Caminhai na caridade - exorta-nos S. Paulo - como Cristo nos amou e se entregou a Si mesmo por nós, oferecendo-Se a Deus em sacrifício de suave odor» (Ef 5, 2; TOB). É a perspectiva vitimal, tão cara ao Pe. Dehon e que as Constituições nos apontam claramente (cf.Cst 12).

    Oratio
    Senhor, liberta-nos, de um coração endurecido, de um coração semelhante ao dos fariseus e doutores da lei, fechados nos seus preconceitos e na sua presunção, cegos pelo poder, pelas ambições e pelo orgulho. Abre o nosso coração à tua luz! Então, a nossa inteligência, activada por um bem melhor, já descoberto mas ainda não experimentado, poderá remover os obstáculos que a bloqueiam no seu egoísmo, e a nossa vontade poderá orientar-se para Ti, sem se perder atrás de medos injustificados.
    Dá-nos, Senhor, um coração simples! Não seremos, desse modo, comparados a crianças caprichosas que recusam todo o convite. Seremos, sim, como crianças corajosas, capazes de nos aventurar pelo mundo das tuas maravilhas, encantados com o teu amor misterioso e surpreendente.
    Dá-nos, Senhor, um coração semelhante ao teu, para que possamos conhecer os teus pensamentos, partilhar os teus projectos, percorrer os teus caminhos. Amen.

    Contemplatio
    O amor ultrapassa o temor e a esperança. O amor não destrói o temor nem a esperança, mas retira-lhes o que o amor-próprio lhe pode misturar de visões mercenárias.
    O amor não conhece habitualmente outro temor senão o temor filial, isto é, o medo de desagradar a um Pai bem-amado. Sendo filho do amor, este temor é de uma atenção e delicadeza totalmente diferentes do medo da justiça divina e dos seus castigos. Leva a evitar as mínimas faltas, as mais pequenas imperfeições voluntárias. Em vez de comprimir e de gelar o coração, alarga-o e aquece-o. Não causa nenhuma perturbação, nenhum alarme; e mesmo quando escapa alguma falta, reconduz docemente a alma ao seu Deus através de um arrependimento tranquilo e sincero. Procura acalmar-se e reparar abundantemente da mágoa que se lhe pôde causar. De resto, não se inquieta nem perde a confiança.
    O amor tira também à esperança o que ela tem de demasiado pessoal. Aquele que ama não sabe outra coisa senão contar com Deus, nem fazer boas obras principalmente com o objectivo de acumular méritos; e por este nobre desinteresse, merece incomparavelmente mais. Esquecendo tudo o que fez por Deus, não pensa noutra coisa senão em fazer ainda mais. Não se apoia sobre si mesmo; visa a recompensa celeste menos sob o título de recompensa do que como uma garantia de amar o seu Deus com todas as suas forças e de ser por Ele amado durante a eternidade. Sem excluir a esperança, que lhe é natural, considera a felicidade mais do lado do bom agrado do seu Deus e da sua glória que lhe pertence do que do lado do seu próprio interesse. E quando o amor está no seu ponto mais elevado de perfeição, estaria disposto a sacrificar a sua felicidade própria à vontade divina, se exigisse dele este sacrifício. Coloca a sua felicidade no cumprimento desta vontade (Leão Dehon, OSP 2, p. 16-17).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança, o amor; mas a maior de todas é o amor» (1 Cor 13, 13).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    15 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 15, 1-11
    Irmãos: 1Lembro-vos, irmãos, o evangelho que vos anunciei, que vós recebestes, no qual permaneceis firmes 2e pelo qual sereis salvos, se o guardardes tal como eu vo-lo anunciei; de outro modo, teríeis acreditado em vão. 3Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; 4foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; 5apareceu a Cefas e depois aos Doze. 6Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez, a maior parte dos quais ainda vive, enquanto alguns já morreram. 7Depois apareceu a Tiago e, a seguir, a todos os Apóstolos. 8Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto. 9É que eu sou o menor dos apóstolos, nem sou digno de ser chamado Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus. 10Mas, pela graça de Deus, sou o que sou e a graça que me foi concedida, não foi estéril. Pelo contrário, tenho trabalhado mais do que todos eles: não eu, mas a graça de Deus que está comigo. 11Portanto, tanto eu como eles, assim é que pregamos e assim também acreditastes.
    Parece que circulavam, entre os cristãos de Corinto, dúvidas acerca da verdade da ressurreição de Cristo, o que punha em causa a integridade da fé e a unidade da Igreja. Paulo intervém decididamente O evento da ressurreição é objecto do testemunho apostólico: são muitos, e dignos de fé, aqueles que viram o sepulcro vazio e o Senhor Ressuscitado. O próprio Paulo fez experiência do Ressuscitado e, por isso afirma: «pela graça de Deus sou o que sou» (v. 10). O evento da ressurreição de Jesus entrou na pregação apostólica. A partir dele os Apóstolos, não só aderiram à novidade de Cristo com todas as forças, mas fizeram dele sua tarefa missionária. Se Cristo não tivesse ressuscitado, seria vã a sua pregação e o seu trabalho, como afirma o Apóstolo. O mesmo evento da ressurreição de Cristo é objecto directo e imediato da fé dos primeiros cristãos: se Cristo não tivesse ressuscitado, seria vã a nossa fé - afirma Paulo - e nós seríamos os mais infelizes do mundo: infelizes porque enganados e iludidos. É, pois, claro que, ao serviço desta verdade fundante do cristianismo, não está só a tradição apostólica, mas também o testemunho da comunidade crente e de todo o verdadeiro discípulo de Jesus.

    Evangelho: Lucas 7, 36-50
    Naquele tempo, 36Um fariseu convidou Jesus para comer consigo. Entrou em casa do fariseu, e pôs-se à mesa. 37Ora certa mulher, conhecida naquela cidade como pecadora, ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume. 38Colocando-se por detrás dele e chorando, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas; enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume. 39Vendo isto, o fariseu que o convidara disse para consigo: «Se este homem fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que lhe está a tocar, porque é uma pecadora!» 40Então, Jesus disse-lhe: «Simão, tenho uma coisa para te dizer.» «Fala, Mestre» - respondeu ele. 41«Um prestamista tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e o outro cinquenta. 42Não tendo eles com que pagar, perdoou aos dois. Qual deles o amará mais?» 43Simão respondeu: «Aquele a quem perdoou mais, creio eu.» Jesus disse-lhe: «Julgaste bem.» 44E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; ela, porém, banhou-me os pés com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cabelos. 45Não me deste um ósculo; mas ela, desde que entrou, não deixou de beijar-me os pés. 46Não me ungiste a cabeça com óleo, e ela ungiu-me os pés com perfume. 47Por isso, digo-te que lhe são perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas àquele a quem pouco se perdoa pouco ama.» 48Depois, disse à mulher: «Os teus pecados estão perdoados.» 49Começaram, então, os convivas a dizer entre si: «Quem é este que até perdoa os pecados?» 50E Jesus disse à mulher: «A tua fé te salvou. Vai em paz.»
    No evangelho de hoje, cruzam-se dois temas de fundo: em tom polémico, a oposição de Jesus a um fariseu; em tom de proposta, a relação entre Jesus e a pecadora. Mas, observando melhor, vemos que os dois temas se cruzam e se iluminam mutuamente. Ao fariseu, Jesus quer ensinar que uma pessoa não se considera só a partir do exterior, ou das suas experiências passadas. Uma mulher, notoriamente pecadora, é sempre capaz de tomar um novo rumo. Precisa apenas de encontrar irmãos, não hipercríticos e invejosos, mas alguém que a compreenda e redima. Jesus veio para isso! À mulher, Jesus quer ajudar a compreender que a vida vale, não pela soma das experiências passadas, ainda por cima negativas e deletérias, mas pelo encontro central e decisivo com a Sua pessoa, que não é só capaz de compreender e de perdoar, mas também de resgatar e de renovar. Foi para isso que Ele veio!
    A nós, destinatários do Evangelho, Jesus quer fazer-nos compreender que é a fé que nos salva: a fé n´Ele, verdadeiro homem, amigos dos homens, sobretudo dos pecadores, e verdadeiro Deus, feito homem, feito amigo dos publicanos, dos pecadores e das meretrizes, Deus capaz de remeter todos os nossos pecados, um Deus com uma palavra consoladora e eficaz para cada um de nós: «A tua fé salvou te. Vai em paz.» (v. 50).

    Meditatio
    Vamos hoje dar particular atenção à primeira leitura. Mas não podemos deixar de sublinhar a fé da mulher de que nos fala o evangelho. É uma fé viva na misericórdia de Deus. O próprio Jesus a sublinha: «A tua fé te salvou. Vai em paz» (v. 50). São muitos os obstáculos entre esta pobre mulher e Deus. Mas, graças à sua fé, Jesus pode destruí-los e devolver-lhe a paz!
    Paulo recorda o núcleo central da fé da Igreja, a Ressurreição de Jesus, que alguns pareciam estar a pôr em causa, em Corinto. Se a Eucaristia é o centro da fé cristã, a Ressurreição de Jesus é o culminar da vida de Jesus e de toda a história da salvação e, portanto, também do nosso caminho de fé. Na verdade, para usar as palavras do próprio Apóstolo, se tal evento fosse irreal, cairiam por terra o testemunho apostólico e a nossa fé. Para aprofundar esta verdade, podemos realçar algumas expressões da página paulina.
    A ressurreição é, antes de mais, um evangelho, uma alegre notícia, porque nela se manifesta, de modo estrondoso, o poder de Deus para salvação da humanidade. Esta boa notícia destina-se a tornar bela a nossa história pessoal e comunitária, e a difundir beleza e ha
    rmonia no próprio universo. A ressurreição é o ponto de chegada da vida de Jesus, e o ponto de partida da história da Igreja: é cume e fonte! Nela se enxerta a história de Cristo e a história da Igreja, criando entre elas uma unidade indissolúvel. Não acreditamos, pois, numa verdade abstracta, mas num evento histórico que nos envolve pessoalmente, comunitariamente. O evento da ressurreição de Jesus é também uma promessa, porque abre permanentemente, para todo o homem e para toda a mulher de boa vontade, uma perspectiva de novidade de vida e de renovação da história. Sob este aspecto, a ressurreição de Jesus pode ser considerada também como um evento incompleto enquanto nós próprios não ressuscitarmos.
    De acordo com as nossas Constituições, é na Eucaristia que nós, dehonianos, haurimos a inspiração e a força para anunciar a Boa Nova da Ressurreição de Cristo, para sermos testemunho de esperança entre os homens (cf. Cst. 81). É a Eucaristia, celebrada e adorada, que nos impele a lançar-nos «incessantemente, pelos caminhos do mundo ao serviço do Evangelho» (Cst. 82), para sermos testemunhas e arautos da misericórdia e do amor de Deus, «para a reconciliação dos homens com Deus» (Cst. 83) e «para promover a unidade dos cristãos e de todos os homens» (Cst. 84).

    Oratio
    Senhor, a pecadora alerta-nos, de forma forte e discreta, para um amor incondicional. Perdoaste-lhe os pecados gratuitamente, ensinando-nos a lógica do dom, sem razões nem interesses. É bonito dar, mas, sobretudo, dar-se! Senhor, é eterna a tua misericórdia!
    Perdoaste muito à pecadora apenas porque ela confiou no teu amor, e ignoraste a lógica do perdão, que avalia cada um pelo dom que é. É bonito doar, mas é bonito, sobretudo, perdoar. Senhor, é eterna a tua misericórdia!
    Ofereceste à pecadora a tua paz, porque, com fé, acreditou em Ti, ensinando-nos a lógica do abandono, que oferece compaixão a quem confia. É bonito abandonar o supérfluo, mas é bonito, sobretudo, abandonar-se a Ti! Senhor, é eterna a tua misericórdia! Amen.

    Contemplatio
    Que misericórdia o Coração sacerdotal de Jesus mostrou também pela mulher adúltera! Ela é acusada, conforme a lei. Jesus afasta habilmente os seus acusadores, depois diz-lhe: «Não há mais ninguém para te condenar, Eu também não te condenarei. Vai, mas renuncia ao pecado».
    Em todas estas circunstâncias, Jesus antecipava-nos no confessionário.
    E Madalena? Era uma grande pecadora, conhecida em toda a região pelas suas desordens e pelos seus escândalos. Foi ganha pela bondade de Jesus. Foi liberta de sete demónios. Vai sem respeito humano fazer um acto público de humildade em casa de Simão, o fariseu.
    Abraça os pés de Jesus. O celeste médico lança um olhar de compaixão nesta alma doente. Perdoa a esta penitente, que se tornará o modelo ideal do arrependimento e da gratidão.
    Ó Padres, como o nosso ministério junto dos pecadores é delicado! Como é preciso ser bom, zeloso e dedicado para os reconduzir a Jesus Cristo! (Leão Dehon, OSP 2, p. 563).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Cristo morreu pelos nossos pecados, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras» (1 Cor 15, 3ss.).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    16 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 15, 12-20
    Irmãos: 12Se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de entre vós dizem que não há ressurreição dos mortos? 13Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. 14Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé. 15E resulta até que acabamos por ser falsas testemunhas de Deus, porque daríamos testemunho contra Deus, afirmando que Ele ressuscitou a Cristo, quando não o teria ressuscitado, se é que, na verdade, os mortos não ressuscitam. 16Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. 17E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé e permaneceis ainda nos vossos pecados. 18Por conseguinte, aqueles que morreram em Cristo, perderam-se. 19E se nós temos esperança em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens.
    Paulo afirma com total convicção que a ressurreição de Cristo é fundamento da nossa fé e da nossa esperança. Foi isso que ele intuiu no caminho de Damasco. Foi essa a certeza que o amparou na dura vida apostólica. O Apóstolo encontrou-se verdadeiramente com Cristo vivo, com Cristo vencedor da morte. Dessa vitória, brota para todo o crente o dom de esperar, para além de toda as possibilidades humanas. De facto, Cristo ressuscitado é «primícias dos que morreram», é «o primogénito de muitos irmãos» (Rm 8, 29). Todos quantos acolherem, pela fé, a Cristo como Salvador, farão a experiência da ressurreição.
    A esperança cristã baseia-se na certeza de que a morte foi vencida, de que a vida nova em Cristo foi inaugurada, de que, em Cristo, viveremos sempre a plenitude da vida, na totalidade do nosso ser humano: corpo, alma, espírito. A esperança cristã é uma esperança-dom, penhor de um bem futuro, que ultrapassará todas as previsões.

    Evangelho: Lucas 8, 1-3
    Naquele tempo, 1Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze 2e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; 3Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens.
    Ao terminar esta secção do seu evangelho (6, 20-8,3), Lucas dá-nos algumas informações sobre quem acompanhava Jesus no seu ministério público. Acompanhavam-no os Doze, como bem sabemos. Mas, segundo uma informação exclusiva de Lucas, acompanhava-no também «algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades» (v. 2). Lucas indica os nomes delas.
    Estas notícias não devem espantar-nos. Lucas, como sabemos, devido à sua formação e à sua sensibilidade, dava grande atenção à presença das mulheres na vida de Jesus. Aqui, elas não são apenas ouvintes da sua Palavra ou destinatárias dos seus milagres: colaboram com Ele, apoiando o seu ministério. Isto tem grande interesse: Jesus sabia redimir e libertar algumas mulheres da sua situação espiritual negativa, atraindo-as para junto de si e confiando-lhes tarefas de assistência em relação a Ele e aos apóstolos.
    Jesus soube, pois, valorizar a presença e o serviço de algumas mulheres durante a sua vida pública, o que provavelmente desencadeou a crítica e a malevolência de alguns seus contemporâneos, apenas habituados a instrumentalizar e a explorar as mulheres. Também sobre este aspecto, tão actual, Jesus é apresentado por Lucas como o libertador de que a humanidade precisava.

    Meditatio
    Paulo evidencia, na primeira leitura, a solidariedade entre Cristo e nós, e entre nós e Cristo: «Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou» (v. 13). A ressurreição de Cristo não existe sem a nossa ressurreição: «Se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou» (v. 16). Ele ressuscitou por nós, tal como incarnou por nós. «Por nós». Pensemos frequentemente nesta solidariedade, que nos faz sepultados com Ele, ressuscitados com Ele, amados, com Ele, pelo Pai, e nos dá a força e a alegria para dizermos: «Por ti, Senhor!». Por ti, este trabalho, este sofrimento, esta alegria, este repouso.
    A certeza da ressurreição de Cristo é garantia da nossa esperança. A esperança é, pois, em primeiro lugar um dom, um dom do alto, um dom gratuito, imerecido, um dom que revela o coração do doador: Deus, de facto, em Jesus Cristo ressuscitado dos mortos, quer dar, dia a dia, a todos e a cada um motivos sempre novos para esperar na sua divina e omnipotente misericórdia. Acreditar na ressurreição significa refundar a nossa esperança em Deus. A esperança cristã é profundamente cristológica: «Cristo, minha esperança, ressuscitou!», exclama, segundo a liturgia, Maria Madalena, ao dirigir-se aos apóstolos. Neste seu grito, podemos reconhecer o nosso, que sai do nosso coração todas as vezes que o pecado tenta fechá-lo na tristeza.
    A esperança cristã é também uma virtude, uma atitude a assumir diante de Deus em sinal de reconhecimento e de acção de graças. Neste sentido, esperar, para nõs, significa viver em plenitude a nossa fé, mantendo-a aberta não só ao passado da ressurreição de Cristo, mas também ao futuro da nossa própria ressurreição. A esperança - foi dito - é a mais pequena, mas também a mais preciosa das virtudes: feliz apresentação de um dom excepcional de deus às suas criaturas, pelo qual podemos manter aberto o nosso coração às surpresas de Deus.
    Lemos nas nossas Constituições: «Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: «Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem» (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança; uma fé que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo; no meio dos desafios do mundo, devemos consolidá-la, vivendo-a na caridade...» (n. 9). Note-se a interdependência das três virtudes teologais: «o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança», a consolidar «vivendo-a na caridade».
    A nossa esperança é marcadamente cristológica: «O Pai enviou-nos o seu Filho... Pela ressurreição, constituiu-O Senhor, Coração da humanidade e do mundo, esperança de salvação para quantos ouvem a sua voz» (Cst. 19).

    Oratio
    Obrigado, Senhor, porque, desafiando a mentalidade do teu tempo, arrancaste a mulher do túmulo da desumanização, restabelecendo o seu valor de pessoa humana. Obrigado, Senhor, porque, ul
    trapassando os preconceitos e os abusos da cultura em que vivias, libertaste a mulher do túmulo da subordinação, valorizando a sua presença e o seu serviço. Obrigado, Senhor, porque, envolvendo a mulher no teu ministério público, a ergueste do túmulo da descriminação, prevendo o seu actual papel profético no campo social, Professional, político, eclesial. Obrigado, Senhor, por todas aquelas mulheres que, seguindo o teu exemplo, colaboraram na obra de redenção, restituindo à mulher o lugar que lhe fora dado por Deus. Que eu saiba olhar a mulher com olhos semelhantes aos teus. Amen.

    Contemplatio
    O terceiro fruto da devoção às cinco chagas é a esperança. Jesus Cristo está preso à cruz para nos esperar, as suas mãos querem-nos abraçar, o seu lado aberto deixa escaparem-se correntes de sangue de graça. Devemos portanto alegrar-nos, porque destas chagas santas saem a salvação, a vida e a ressurreição. S. Tomé, ao meter os dedos nestas chagas santas, delas retirou a fé e graças abundantes. Nós também, delas retiraremos todos os socorros de que temos necessidade.
    Ao adorarmos, ao contemplarmos as chagas do Salvador, mesmo a do lado, não entramos ainda necessariamente na via do amor, se não subirmos até ao Coração de Jesus, fonte de todos os seus sacrifícios. É lá que devemos entrar, se quisermos imolar uma hóstia plena e inteiramente agradável a Deus.
    Para nós, o amor tudo abarca, domina e contém todas as outras devoções. Não as exclui, mas transforma-as todas em devoção de amor.
    Nosso Senhor mesmo dizia à Bem-Aventurada Margarida Maria: «Não penses nem te apliques senão a amar perfeitamente, a agradar-me em tudo e em todas as ocasiões. Que o meu amor seja o objecto de todas as tuas acções, de todos os teus pensamentos e de todos os teus desejos. Não estejas aplicada a amar-me senão para te tornares digna de me amar todos os dias cada vez mais. Asseguro-te que, sem te inquietares com outra coisa, far-me-ás ainda mais pelo exercício do santo amor do que pelo que me prometeste pelos teus votos. A unidade do meu puro amor te proporcionará lugar de atenção na multiplicidade de todas estas coisas». (Leão Dehon, OSP 2, p. 353-355).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram» (1 Cor 15, 20).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXIV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    17 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXIV Semana - Sábado
    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 15, 35-37.42-49

    Irmãos: 35Mas dir-se-á: Como ressuscitam os mortos? Com que corpo regressam? 36Insensato! O que semeias não volta à vida, se primeiro não morrer. 37E o que semeias não é o corpo que há-de vir, mas um simples grão, por exemplo, de trigo ou de qualquer outra espécie. 42Assim também acontece com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo é ressuscitado incorruptível; 43semeado na desonra, é ressuscitado na glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; 44semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual. Se há um corpo terreno, também há um corpo espiritual. 45Assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito um ser vivente e o último Adão, um espírito que vivifica. 46Mas o primeiro não foi o espiritual, mas o terreno; o espiritual vem depois. 47O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre; o segundo vem do céu. 48Tal como era o terrestre, assim são também os terrestres; tal como era o celeste, assim são também os celestes. 49E assim como trouxemos a imagem do homem da terra, assim levaremos também a imagem do homem celeste.

    Ao concluir o ensinamento sobre a ressurreição de Jesus e sobre a nossa ressurreição, Paulo faz uma pergunta: «como ressuscitam os mortos? Com que corpo regressam?» (v.35). Nota-se a tristeza do Apóstolo, motivada pela mentalidade materialista em que se tinham deixado envolver alguns cristãos de Corinto, e que os levava a dissociar o corpo do espírito. Não tinham em conta a ressurreição de Cristo, nem dela tiravam as devidas consequências. Isto era insuportável para Paulo, para quem o mistério pascal era uma verdade irrenunciável
    A ressurreição inaugura uma novidade absoluta na vida de Cristo e dos cristãos: a passagem de um corpo animal a um corpo espiritual estava prevista no desígnio salvífico de Deus. Não podemos, pois, reflectir sobre o corpo espiritual à maneira como, a partir das nossas experiências, pensamos o nosso corpo animal. A relação entre o primeiro homem, Adão e Cristo, último Adão, ilumina-nos: a novidade de Cristo não consiste em ter a vida, mas em dar a vida nova a todos. Será um dom integral, que envolverá todo o homem - corpo, alma e espírito - numa experiência d vida nova e eterna. Depois de termos sido irmãos do primeiro homem, Adão, tendo levado connosco a imagem do homem terreno, também seremos irmãos do último Adão, Cristo, levando connosco a imagem do homem celeste.

    Evangelho: Lucas 8, 4-15

    Naquele tempo, 4Como estivesse reunida uma grande multidão, e de todas as cidades viessem ter com Ele, disse esta parábola: 5«Saiu o semeador para semear a sua semente. Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, foi pisada e as aves do céu comeram-na. 6Outra caiu sobre a rocha e, depois de ter germinado, secou por falta de humidade. 7Outra caiu no meio de espinhos, e os espinhos, crescendo com ela, sufocaram-na. 8Uma outra caiu em boa terra e, uma vez nascida, deu fruto centuplicado.»Dizendo isto, clamava: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça!» 9Os discípulos perguntaram-lhe o significado desta parábola. 10Disse-lhes: «A vós foi dado conhecer os mistérios do Reino de Deus; mas aos outros fala-se-lhes em parábolas, a fim de que, vendo, não vejam e, ouvindo, não entendam.» 11«O significado da parábola é este: a semente é a Palavra de Deus. 12Os que estão à beira do caminho são aqueles que ouvem, mas em seguida vem o diabo e tira-lhes a palavra do coração, para não se salvarem, acreditando. 13Os que estão sobre a rocha são os que, ao ouvirem, recebem a palavra com alegria; mas, como não têm raiz, acreditam por algum tempo e afastam-se na hora da provação. 14A que caiu entre espinhos são aqueles que ouviram, mas, indo pelo seu caminho, são sufocados pelos cuidados, pela riqueza, pelos prazeres da vida e não chegam a dar fruto. 15E a que caiu em terra boa são aqueles que, tendo ouvido a palavra, com um coração bom e virtuoso, conservam-na e dão fruto com a sua perseverança.»

    Lucas transmite-nos abundantes ensinamentos de Jesus em parábolas. Aqui, apresenta-nos a primeira e, para ele, a mais importante: a parábola do bom semeador. Com maior rigor, diríamos: a "parábola da semente". De facto, a atenção do narrador parece concentrar-se, não tanto nos gestos do semeador, mas no destino das sementes lançadas. O começo da parábola leva-nos também nessa linha: «A semente é a palavra de Deus» (v. 11).
    Porque terá Jesus querido marcar o começo do seu ministério público com esta parábola? Já se teria dado conta da dificuldade dos seus contemporâneos em escutar a sua pregação? Parece que sim... Mas a parábola talvez tenha um alcance mais vasto: nos diferentes destinos da semente lançada, podemos entrever, não só os diferentes modos de reacção dos seus ouvintes à sua Palavra, mas também as diferentes atitudes com que, ao longo da história da salvação, a humanidade reagiu e reage à presença das testemunhas de Deus e à sua pregação. Lida assim, a parábola da semente prolonga a sua mensagem ao longo de todos os séculos, antes e depois de Cristo, e chega até nós.

    Meditatio

    Neste dia de sábado, para renovarmos o nosso interesse por esta parábola, podemos invocar Maria. Ela foi «terra boa», em que a semente da Palavra produziu precioso fruto. Maria é, na verdade, modelo «daqueles que, tendo escutado a Palavra com um coração bom e perfeito, produzem fruto na perseverança» Um fruto que se multiplica, porque Maria é mãe de todos os discípulos de Cristo, e forma em cada um de nós atitudes de vida cristã, levando-nos a produzir fruto na adesão à vontade de Deus.
    Depois de uma referência, sempre útil a Maria, voltamo-nos para a mensagem de Paulo sobre a ressurreição de Cristo. A ressurreição do Senhor envolve todo o homem e o homem todo. Por isso, pode levar-nos a meditar sobre o valor do corpo na vida cristã e na história da salvação. É uma meditação oportuna, pois vivemos numa sociedade que, se, por um lado, exalta o corpo humano até idolatrá-lo, por outro, o instrumentaliza e explora até destruí-lo. Por isso, é bom e oportuno recordar a mensagem bíblica sobre o corpo humano.
    O corpo é, em primeiro lugar, um bem da criação: Deus deu-o a nós como sinal da sua bondade paterna, capaz de falar d´Ele, além de ser capaz de falar de nós. Segundo a mente do Criador, nós somos o nosso corpo: somos um corpo animado, ou também um espírito encarnado. Já sob este ponto de vista o corpo humano é um bem precioso e digno do máximo respeito. O corpo humano também está no ce
    ntro da nossa fé, desde que Deus, para remir a humanidade, quis encarnar, isto é, assumir, de uma mulher (cf. Gal 4, 4), um corpo em tudo semelhante ao nosso. A encarnação de Deus é a mais clara prova de que, também depois do pecado original, e depois de todos os pecados da humanidade, o corpo humano constitui para Ele um instrumento sempre válido para alcançar os mais elevados objectivos da sua providência.
    O corpo humano, em força da ressurreição de Cristo, também está no vértice da nossa fé. Enquanto corpo ressuscitado, o corpo de Cristo é primícias de todos os nossos corpos destinados à novidade de vida pela ressurreição final. O corpo humano leva em si os germes da esperança de vida sem fim. É uma realidade sacrossanta por causa das bênçãos recebidas, e por causa do destino que o espera.
    Para nós religiosos, o nosso corpo consagrado, dado completamente a Cristo, torna-se o "lugar" de uma sua especial presença. Paulo diz que «a virgem se preocupa com as coisas do Senhor para ser santa (isto é, consagrada, reservada para Cristo) no corpo e no espírito» (1Cor 7, 34). Assim, «o corpo é para o Senhor e o Senhor é para o corpo» (1 Cor 6, 13), isto é, na castidade consagrada, o corpo é sinal e efeito do amor por Cristo e do amor de Cristo.
    No corpo do consagrado renova-se, de algum modo, o mistério da Encarnação. O corpo de Cristo era o lugar e a manifestação da Sua divindade. Além disso, Jesus ofereceu o Seu corpo como oblação santa ao Pai: «Não quiseste sacrifícios nem holocaustos, mas deste-Me um corpo... Então Eu disso: Eis-Me aqui, ó Deus... para fazer a Tua vontade» (Hbr 10, 5.7). Em Cristo, o consagrado é, com o seu corpo, uma oblação santa ao Pai; pode realizar permanentemente a exortação de Paulo «a oferecer os vossos corpos, como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o vosso culto espiritual» (Rom 12, 1). Dizem as nossas Constituições «queremos unir-nos a Cristo presente na vida do mundo e, em solidariedade com Ele... oferecer-nos ao Pai como oblação viva, santa e agradável (cf. Rom 12,1)... como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2).

    Oratio

    Senhor, a tua palavra cai no meu caminho para me mostrar o rumo a dar à minha vida. Mas os meus pontos de vista não me permitem escutá-la e acolhê-la no íntimo do coração, no centro da minha existência. A tua palavra quer germinar na minha vida, mas os meus medos, muitas vezes, sufocam-na e matam-na. A tua palavra bate à porta do meu coração, mas uma densa rede de negatividade não a deixa respirar.
    Senhor, torna fértil este meu terreno, para que a tua palavra possa viver em mim e, por meio de mim, nos outros, no ambiente em que vivo e procuro servir a causa do Reino. Alimenta esta minha existência, para que a tua palavra cresça em mim e à minha volta, para bem do meu próximo e para glória do teu nome. Reforça a minha vontade e a minha perseverança, para que a tua palavra produza frutos abundantes e duradouros neste segmento da minha existência e no horizonte amplo da história presente e futura, tal como os produziu na vida de tantos santos e santas, na vida de Leão Dehon.
    Senhor, a tua palavra é luz dos meus passos e fogo que inflama; é água que refresca e sacia, é espada afiada e penetrante, é viático para o meu caminho: obrigado, Senhor!

    Contemplatio

    O reino dos céus é semelhante a um campo onde o mestre lança uma semente fecunda. Toda a vida terrestre de Jesus foi um tempo de sementeira, como Ele mesmo nos disse na sua parábola. Ele semeava os seus méritos, semeava as suas orações, os seus labores, as suas lágrimas, os seus suores e o seu sangue, semeava todas as graças; e o campo da Igreja tem diante dele todos os séculos da cristandade, até ao fim dos tempos, para ver desabrochar e crescer as searas.
    Jesus semeava a graça do martírio todos os dias da sua vida, em todos os seus labores e em todas as suas provações, mas Ele quis colher logo um ramo de flores destes mártires, e este ramo, é o grupo destas crianças que são a alegria do Cordeiro divino no céu atirando-se aos pés do seu altar glorioso. A liturgia, inspirando-se no Apocalipse e no profeta Jeremias, colocou a bela festa dos santos Inocentes logo muito próxima da do Natal.
    Estes pequenos mártires são também as primícias das vítimas do Sagrado Coração. Foram vítimas inocentes. O espírito de vítima de Jesus transbordava sobre as suas jovens almas e revestia-as com a graça do martírio. Jesus há-de ajudar-nos também, mas Ele pede a nossa cooperação. Correspondamos à graça de vítimas do Sagrado Coração que Ele nos quer dar.
    O celeste semeador, ao colher este ramo de rosas purpúreas, entrevia a santidade nas crianças em todos os séculos da Igreja. Ele preparava as graças dos santos crianças. Ele preparava para si um cortejo celeste no qual haviam de brilhar S. Ciro de Tarso, o intrépido menino de três anos, S. Tarcísio e S. Pancrácio de Roma, Sto. Agapito de Palestrina, S. Sinfório de Autun, os santos Donaciano e Rogaciano de Nantes; Inês, a jovem virgem de Roma; Filomeno, o taumaturgo do séc. XIX, e tantos outros mártires; pois todas estas crianças santas que conservaram na adolescência a inocência das crianças, S. Estasnislau, S. Luís de Gonzaga, S. Berchmans, S. Carlos Espínola de Génova, S. Casimiro da Polónia, Santa Hermenegilda de Espanha, S. Pedro de Luxemburgo, e, nos nossos dias, os veneráveis Gabriel das Dores, Núncio Sulpício, etc..
    (Leão Dehon, OSP 2, p. 223-224).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Como trouxemos a imagem do homem da terra, assim levaremos também a imagem do homem celeste» (1 Cor 15, 20).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 25º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    25º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    18 de Setembro, 2022

    ANO C
    25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 25º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia sugere-nos, hoje, uma reflexão sobre o lugar que o dinheiro e os outros bens materiais devem assumir na nossa vida. De acordo com a Palavra de Deus que nos é proposta, os discípulos de Jesus devem evitar que a ganância ou o desejo imoderado do lucro manipulem as suas vidas e condicionem as suas opções; em contrapartida, são convidados a procurar os valores do "Reino".
    Na primeira leitura, o profeta Amós denuncia os comerciantes sem escrúpulos, preocupados em ampliar sempre mais as suas riquezas, que apenas pensam em explorar a miséria e o sofrimento dos pobres. Amós avisa: Deus não está do lado de quem, por causa da obsessão do lucro, escraviza os irmãos. A exploração e a injustiça não passam em claro aos olhos de Deus.
    O Evangelho apresenta a parábola do administrador astuto. Nela, Jesus oferece aos discípulos o exemplo de um homem que percebeu como os bens deste mundo eram caducos e precários e que os usou para assegurar valores mais duradouros e consistentes... Jesus avisa os seus discípulos para fazerem o mesmo.
    Na segunda leitura, o autor da Primeira Carta a Timóteo convida os crentes a fazerem do seu diálogo com Deus uma oração universal, onde caibam as preocupações e as angústias de todos os nossos irmãos, sem excepção. O tema não se liga, directamente, com a questão da riqueza (que é o tema fundamental da liturgia deste domingo); mas o convite a não ficar fechado em si próprio e a preocupar-se com as dores e esperanças de todos os irmãos, situa-nos no mesmo campo: o discípulo é convidado a sair do seu egoísmo para assumir os valores duradouros do amor, da partilha, da fraternidade.

    LEITURA I - Am 8,4-7

    Leitura da Profecia de Amos

    Escutai bem, vós que espezinhais o pobre
    e quereis eliminar os humildes da terra.
    Vós dizeis:
    «Quando passará a lua nova,
    para podermos vender o nosso grão?
    Quando chegará o fim de sábado,
    para podermos abrir os celeiros de trigo?
    Faremos a medida mais pequena,
    aumentaremos o preço,
    arranjaremos balanças falsas.
    Compraremos os necessitados por dinheiro
    e os indigentes por um par de sandálias.
    Venderemos até as cascas do nosso trigo».
    Mas o Senhor jurou pela glória de Jacob:
    «Nunca esquecerei nenhuma das suas obras».

    AMBIENTE

    Amós, o "profeta da justiça social", exerceu o seu ministério profético no reino do Norte (Israel) em meados do séc. VIII a.C., durante o reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade económica e de tranquilidade política: as conquistas de Jeroboão II alargaram consideravelmente os limites do reino e permitiram a entrada de tributos dos povos vencidos; o comércio e a indústria (mineira e têxtil) desenvolveram-se significativamente... As construções da burguesia urbana atingiram um luxo e magnificência até então desconhecidos.
    A prosperidade e o bem-estar das classes favorecidas contrastavam, porém, com a miséria das classes baixas. O sistema de distribuição estava nas mãos de comerciantes sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar económico, especulavam com os preços. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as famílias de menores recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das suas terras em favor dos grandes latifundiários. A classe dirigente, rica e poderosa, dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse justiça aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos poderosos.
    É neste contexto que aparece o profeta Amós. Natural de Técua (uma pequena aldeia situada no deserto de Judá), Amós não é profeta profissional; mas, chamado por Deus, deixa a sua terra e parte para o reino vizinho para gritar à classe dirigente a sua denúncia profética. A rudeza do seu discurso, aliada à integridade e afoiteza da sua fé, traz algo do ambiente duro do deserto e contrasta com a indolência e o luxo da sociedade israelita da época.

    MENSAGEM

    O oráculo que nos é proposto é uma denúncia das actividades desses que "espezinham o pobre" e querem "eliminar os humildes da terra". Quem são, em concreto, esses que o profeta denuncia?
    Trata-se de comerciantes sem escrúpulos, dominados pelo espírito do lucro, em cujos olhos só brilham cifrões. Eles compram aos agricultores os produtos da terra a preços irrisórios e revendem-nos aos pobres a preços exorbitantes, especulando com as necessidades dos humildes; roubam os clientes pobres, usando pesos, medidas e balanças falsas; aldrabam a qualidade dos produtos, misturando as cascas com o trigo; nos dias de sábado e de lua nova (dias sagrados, em que as actividades lucrativas eram suspensas), em lugar de se preocuparem com o louvor de Deus, eles estão ansiosos por recomeçarem os seus negócios de especulação e de exploração do pobre, a fim de aumentarem os seus lucros.
    Que é que Deus tem a ver com isto? Tudo isto configura uma violação grosseira dos mandamentos da aliança. Jahwéh não está disposto a ser cúmplice da injustiça e da exploração do pobre. Qualquer crime cometido contra os pobres é um crime contra Deus... Por isso, Amós anuncia que Deus não esquece (quer dizer, não deixa passar em claro) este comportamento; ora, dizer que Deus não esquece significa que Deus vai intervir e acabar com a exploração e a injustiça. A fórmula solene de juramento ("o Senhor jura pelo orgulho de Jacob" - vers. 7) exprime o carácter irrevogável da decisão de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir, considerar as seguintes questões:

    • Os esquemas de exploração descritos por Amós não são uma infeliz recordação de um passado que não volta; pelo contrário, trata-se de uma realidade que os pobres dos nossos dias conhecem bem... A única coisa que é diferente é a sofisticação das técnicas utilizadas pelos maníacos do lucro. De resto, especula-se com bens de primeira necessidade, que as multinacionais vendem a preços exorbitantes (basta pensar naquilo que se passa em relação a certos medicamentos, indispensáveis para combater certas doenças e que são vendidos a peso de ouro aos países do quarto mundo); basta pensar na publicidade, que gera necessidades nos pobres, que lhes promete paraísos ilusórios, que os leva a endividarem-se até porem em causa o seu futuro; basta pensar nos produtos adulterados, impróprios, que são introduzidos pelos especuladores na cadeia alimentar e que põem em causa a saúde pública e a vida das pessoas...

    • Amós garante: Deus não esquece este quadro e não pactua com quem explora as necessidades dos outros, a miséria, o sofrimento, a ignorância. Na realidade, o nosso Deus não suporta a injustiça e a opressão. Ele não está do lado dos opressores, mas dos oprimidos; e qualquer crime contra o irmão é um crime contra Deus. Se há entre os cristãos quem explora estes esquemas desumanos de lucro, quem oprime e explora os pobres (embora ao domingo vá à missa, faça parte do conselho económico da paróquia e dê quantias significativas para as obras da Igreja), convém que tenha isto em conta.

    • Que podemos fazer para denunciar estes esquemas desumanos? Hoje fala-se cada vez mais em boicotar os produtos de certas multinacionais que se distinguem pelo seu envolvimento em questões injustas... Não será um caminho possível? Somos sensíveis a estas questões e estaremos dispostos a dar o nosso contributo? A Igreja não devia ter uma voz clara e firme (tão clara e tão firme como a que usa para denunciar outras situações, nem sempre tão graves) para gritar aos homens que a exploração e o lucro desmedido não fazem parte do projecto de Deus?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 112 (113)

    Refrão 1: Louvai o Senhor, que levanta os fracos.

    Refrão 2: Louvai o Senhor, que exalta os humildes.

    Refrão 3: Aleluia.

    Louvai, servos do Senhor,
    louvai o nome do Senhor.
    Bendito seja o nome do Senhor,
    agora e para sempre.

    O Senhor domina sobre todos os povos,
    a sua glória está acima dos céus.
    Quem se compara ao Senhor nosso Deus, que tem o seu trono nas alturas
    e Se inclina lá do alto a olhar o céu e a terra.

    Levanta do pó o indigente
    e tira o pobre da miséria,
    para o fazer sentar com os grandes,
    com os grandes do seu povo.

    LEITURA II - 1 Tim 2,1-8

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo

    Caríssimo:
    Recomendo, antes de tudo,
    que se façam preces, orações, súplicas e acções de graças
    por todos os homens, pelos reis e por todas as autoridades,
    para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica,
    com toda a piedade e dignidade.
    Isto é bom e agradável aos olhos de Deus, nosso Salvador;
    Ele quer que todos os homens se salvem
    e cheguem ao conhecimento da verdade.
    Há um só Deus
    e um só mediador entre Deus e os homens,
    o homem Jesus Cristo,
    que Se entregou à morte pela redenção de todos.
    Tal é o testemunho que foi dado a seu tempo
    e do qual fui constituído arauto e apóstolo
    – digo a verdade, não minto –
    mestre dos gentios na fé e na verdade.
    Quero, portanto, que os homens rezem em toda a parte,
    erguendo para o Céu as mãos santas,
    sem ira nem contenda.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a Primeira Carta a Timóteo. Recordamos aquilo que já dissemos no passado domingo: este Timóteo, nascido em Listra, de pai grego e de mãe judeo-cristã, é um companheiro inseparável de Paulo, a quem Paulo confiou importantes missões e a quem encarregou da responsabilidade pastoral das Igrejas da Ásia Menor. Segundo a tradição, foi o primeiro bispo da comunidade cristã de Éfeso.
    Esta carta - já o dissemos, também, no passado domingo - dificilmente provirá de Paulo (a linguagem, o estilo, a teologia sugerem que este texto está longe de Paulo; além disso, há um factor mais decisivo: esta carta apresenta um modelo de organização da Igreja que é, claramente, posterior a Paulo); no entanto, apresenta-se como escrita por Paulo a Timóteo, instruindo-o acerca da forma de organizar a comunidade cristã e a vida cristã dos fiéis.

    MENSAGEM

    Nos versículos que hoje nos são propostos, o autor da carta dá a Timóteo normas sobre a oração litúrgica. Começa com um convite a rezar por todos os homens (vers. 1), particularmente pelos que estão investidos de autoridade: deles depende o bem-estar social e a paz, condições necessárias para que os cristãos possam viver com tranquilidade, na fidelidade à sua fé (vers. 2).
    De resto, a oração dos cristãos deve ser universal, pois é universal a proposta da salvação que Deus oferece: todos - judeus e gregos, escravos e livres, homens e mulheres, maus e bons - são convidados por Deus a fazer parte da comunidade da salvação (vers. 3-4). Duas razões apoiam este universalismo: a unicidade de Deus, criador de todos e a mediação universal de Cristo, que derramou o seu sangue por todos... A propósito, o autor da carta insere uma fórmula (vers. 5-6a) que parece reproduzir uma confissão de fé, em uso na comunidade primitiva, e que proclama essas verdades (há um só Deus, e Cristo - o único mediador entre Deus e os homens - trouxe, pela sua morte, a redenção a todos).
    Dando-Se em redenção por todos, Jesus deu testemunho do projecto de salvação que Deus tem e que se destina a todos os homens; e Paulo sente que foi escolhido por Deus para continuar a anunciar aos homens esse testemunho que Jesus deu (vers. 6b-7).
    O texto termina com um apelo a que esta oração universal se faça em todo o lugar onde o Evangelho é anunciado, "erguendo para o céu as mãos santas, sem cólera nem disputa" (vers. 8) - o que pode fazer referência a uma condição que, na perspectiva de Jesus, era necessária para rezar: estar em paz com todos, estar verdadeiramente reconciliado com os irmãos ("se fores apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai, primeiro, reconciliar-te com o teu irmão; depois volta, para apresentar a tua oferta" - Mt 5,23-24).

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e partilha podem fazer-se a partir das seguintes linhas:

    • O autor da Primeira Carta a Timóteo deixa claro que a oração não pode ser a expressão de uma vida vivida em "circuito fechado", em que o crente apresenta a Deus, exclusivamente, os seus problemas, as suas questões, os seus desejos, os seus pedidos, e em que, eventualmente, lembra a Deus aqueles que lhe são próximos; mas a oração tem de ser a expressão da comunhão e da solidariedade do crente com todos os irmãos espalhados pelo mundo inteiro - conhecidos e desconhecidos, amigos e inimigos, bons e maus, negros e brancos... Todo o crente, no seu diálogo com Deus, tem de deixar transparecer a ilimitada capacidade de amar e de ser solidário com todos os homens. É assim a nossa oração?

    • A oração só faz sentido se for a expressão de uma vida de comunhão - comunhão com Deus e comunhão com os irmãos. Portanto, não é impossível rezar e, ao mesmo tempo, cultivar sentimentos de ódio, de intolerância, de racismo, de divisão. Como me situo face a isto?

    • Também fica claro, neste texto, que a salvação não é monopólio ou privilégio de alguns, mas um dom universal que Deus oferece a todos os homens, sem excepção. Esta universalidade acentua a nossa ligação a todos os homens, a nossa solidariedade com todos. Sinto-me, verdadeiramente, irmão de todos, responsável por todos? As dores e as esperanças de todos os homens - mesmo aqueles que eu nunca vi - são as minhas dores e esperanças?

    ALELUIA - 2 Cor 8,9

    Aleluia. Aleluia

    Jesus Cristo, sendo rico, fez-Se pobre,
    para nos enriquecer na sua pobreza.

    EVANGELHO - Lc 16,1-13

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    EVANGELHO - Lc 16,1-13

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Um homem rico tinha um administrador,
    que foi denunciado por andar a desperdiçar os seus bens.
    Mandou chamá-lo e disse-lhe:
    'Que é isto que ouço dizer de ti?
    Presta contas da tua administração,
    porque já não podes continuar a administrar'.
    O administrador disse consigo:
    'Que hei-de fazer,
    agora que o meu senhor me vai tirar a administração?
    Para cavar não tenho força,
    de mendigar tenho vergonha.
    Já sei o que hei-de fazer,
    para que, ao ser despedido da administração,
    alguém me receba em sua casa'.
    Mandou chamar um por um os devedores do seu senhor e disse ao primeiro:
    'Quanto deves ao meu senhor?'.
    Ele respondeu: 'Cem talhas de azeite'.
    O administrador disse-lhe:
    'Toma a tua conta: senta-te depressa e escreve cinquenta'.
    A seguir disse a outro: 'E tu quanto deves?'.
    Ele respondeu: 'Cem medidas de trigo'.
    Disse-lhe o administrador:
    'Toma a tua conta e escreve oitenta'.
    E o senhor elogiou o administrador desonesto,
    por ter procedido com esperteza.
    De facto, os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz,
    no trato com os seus semelhantes.
    Ora Eu digo-vos:
    Arranjai amigos com o vil dinheiro,
    para que, quando este vier a faltar,
    eles vos recebam nas moradas eternas.
    Quem é fiel nas coisas pequenas também é fiel nas grandes;
    e quem é injusto nas coisas pequenas também é injusto nas grandes.
    Se não fostes fiéis no que se refere ao vil dinheiro,
    quem vos confiará o verdadeiro bem?
    E se não fostes fiéis no bem alheio,
    quem vos entregará o que é vosso?
    Nenhum servo pode servir a dois senhores,
    porque, ou não gosta de um deles e estima o outro,
    ou se dedica a um e despreza o outro.
    Não podeis servir a Deus e ao dinheiro».

    AMBIENTE

    O Evangelho que nos é proposto apresenta-nos mais um passo do "caminho para Jerusalém". Desta vez, Jesus não Se dirige aos fariseus, mas aos discípulos e, através deles, aos crentes de todos os tempos... Com uma história que apresenta contornos de caso real, tirado da vida, Jesus instrui os discípulos acerca da forma como se hão-de situar face aos bens deste mundo.

    MENSAGEM

    A mensagem essencial aqui apresentada gira, portanto, à volta da sábia utilização dos bens deste mundo: eles devem servir para garantir outros bens, mais duradouros.
    Na primeira parte do nosso texto (vers. 1-9) apresenta-se a parábola de um administrador sagaz. A parábola conta-nos a história de um homem que é acusado de administrar de forma incompetente (possivelmente desonesta) os bens do patrão. Chamado a contas e despedido, este homem tem a preocupação de assegurar o futuro. Chama os devedores do patrão e reduz-lhes consideravelmente as quantias em dívida. Dessa forma - supõe ele - os devedores beneficiados não esquecerão a sua generosidade e, mais tarde, manifestar-lhe-ão a sua gratidão e acolhê-lo-ão em sua casa. Como justificar o proceder deste administrador, que assegura o futuro à custa dos bens do seu senhor? Porque é que o senhor, prejudicado nos seus interesses, não tem uma palavra de reprovação ao inteirar-se do prejuízo recebido? Como pode Jesus dar como exemplo aos discípulos as aldrabices de um tal administrador?
    Estas dificuldades desaparecem se entendemos esta história tendo em conta as leis e costumes da Palestina nos tempos de Jesus. O administrador de uma propriedade actuava em nome e em lugar do seu senhor; como não recebia remuneração, podia ressarcir-se dos seus gastos a expensas dos devedores.
    Habitualmente, ele fornecia um determinado número de bens, mas o devedor ficava a dever muito mais; a diferença era a "comissão" do administrador. Deve ser isso que serve de base à nossa história... Dos cem "baths" de azeite (uns 3.700 litros) consignados no recibo (vers. 6), só uns cinquenta haviam sido, na realidade, emprestados; os outros cinquenta constituíam o reembolso dos gastos do administrador e a exorbitante "comissão" que lhe devia ser paga pela operação. Provavelmente, o que este administrador sagaz fez foi renunciar ao lucro que lhe era devido, a fim de assegurar a gratidão dos devedores: renunciou a um lucro imediato, a fim de assegurar o seu futuro. Este administrador (se ele é chamado "desonesto" - vers. 8 - não o é por este gesto, mas pelos actos anteriores, que até levaram o patrão a despedi-lo) é um exemplo pela sua habilidade e sagacidade: ele sabe que o dinheiro tem um valor relativo e troca-o por outros valores mais significativos - a amizade, a gratidão. Jesus conclui a história convidando os discípulos a serem tão hábeis como este administrador (vers. 9): os discípulos devem usar os bens deste mundo, não como um fim em si mesmo, mas para conseguir algo mais importante e mais duradouro (o que, na lógica de Jesus, tem a ver com os valores do "Reino").
    Na segunda parte do texto (vers. 10-13), Lucas apresenta-nos uma série de "sentenças" de Jesus sobre o uso do dinheiro (originariamente, estas "sentenças" não tinham nada a ver com o contexto desta parábola). No geral, essas "sentenças" avisam os discípulos para o bom uso dos bens materiais: se sabemos utilizá-los tendo em conta as exigências do "Reino", seremos dignos de receber o verdadeiro bem, quando nos encontrarmos definitivamente com o Senhor ressuscitado. O nosso texto termina com um aviso de Jesus acerca da deificação do dinheiro (vers. 13): Deus e o dinheiro representam mundos contraditórios e procurar conjugá-los é impossível... Os discípulos são, portanto, convidados a fazer a sua opção entre um mundo de egoísmo, de interesses mesquinhos, de exploração, de injustiça (dinheiro) e um mundo de amor, de doação, de partilha, de fraternidade (Deus e o "Reino"). Onde é que estão, aqui, os valores eternos e duradouros?

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e partilha podem considerar as seguintes linhas:

    • O mundo em que vivemos decidiu que o dinheiro é o deus fundamental e que tudo deixa de ter importância, desde que se possam acrescentar mais uns números à conta bancária. Para ganhar mais dinheiro, há quem trabalhe doze ou quinze horas por dia, num ritmo de escravo, e prescinda da família e dos amigos; por dinheiro, há quem sacrifique a sua dignidade e apareça a expor, diante de uma câmara de televisão, a sua intimidade e a sua privacidade; por dinheiro, há quem venda a sua consciência e renuncie a princípios em que acredita; por dinheiro, há quem não tenha escrúpulos em sacrificar a vida dos seus irmãos e venda drogas e armas que matam; por dinheiro, há quem seja injusto, explore os seus operários, se recuse a pagar o salário do mês porque o trabalhador é ilegal e não se pode queixar às autoridades... Que pensamos disto? Ser escravo dos bens é algo que só acontece aos outros? Talvez não cheguemos, nunca, a estes casos extremos; mas até onde seríamos capazes de ir por causa do dinheiro?

    • Jesus avisa os discípulos de que a aposta obsessiva no "deus dinheiro" não é o caminho mais seguro para construir valores duradouros, geradores de vida plena e de felicidade. É preciso - sugere Ele - que saibamos aquilo em que devemos apostar... O que é, para nós, mais importante: os valores do "Reino" ou o dinheiro? Na nossa actividade profissional, o que é que nos move: o dinheiro, ou o serviço que prestamos e a ajuda que damos aos nossos irmãos? O que é que nos torna mais livres, mais humanos e mais felizes: a escravidão dos bens ou o amor e a partilha?

    • Todo este discurso não significa que o dinheiro seja uma coisa desprezível e imoral, do qual devamos fugir a todo o custo. O dinheiro (é preciso ter os pés bem assentes na terra) é algo imprescindível para vivermos neste mundo e para termos uma vida com qualidade e dignidade... No entanto, Jesus recomenda que o dinheiro não se torne uma obsessão, uma escravidão, pois Ele não nos assegura (e muitas vezes até perturba) a conquista dos valores duradouros e da vida plena.
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 25º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. EVITAR CULPABILIZAR.
    O dinheiro ou Deus... No momento penitencial, será bom evitar algumas tiradas de tipo culpabilizante e demasiado ligeiras contra o dinheiro que corrompe, que explora... A terceira fórmula do rito penitencial convida a aclamar o Deus bom e misericordioso.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Pai dos pobres, justiça dos oprimidos, nós Te bendizemos pelo teu Espírito Santo, que deste aos profetas, encarregando-os de proclamar sempre e em toda a parte as exigências da justiça.
    Nós Te pedimos: que o teu Espírito purifique os nossos pensamentos e os nossos corações. Somos testemunhas de tantas injustiças! Que Ele nos inspire as iniciativas que se impõem".

    No final da segunda leitura:
    "Deus nosso Pai, Tu que és o único Deus e queres que todos os homens sejam salvos e cheguem a conhecer a verdade, nós Te damos graças por Jesus, que nos revelaste como o único mediador fiável entre Ti e a humanidade.
    Unidos a todos os cristãos que elevam para Ti as suas mãos e Te dirigem as suas orações, intercedemos por todos os homens e pedimos-Te pela paz".

    No final do Evangelho:
    "Deus Pai, único mestre digno de ser servido, nós Te damos graças pela confiança que depositas em nós; Confias-nos o teu Reino, que é infinitamente mais precioso que todos os bens da terra.
    Nós Te pedimos: pelo teu Espírito, faz de nós filhos da luz, inspira-nos o bom uso dos bens da terra e a aptidão que convém ao teu Reino".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Quanto se trata de viver, e sobretudo de sobreviver, estamos prontos a tudo, todos os meios parecem bons para pôr a cabeça de fora. O administrador da parábola vai perder os seus meios de viver, procura a maneira de se sair. Reconhece que não tem a força de trabalhar, nem de mendigar. Então, tomando consciência que não pode conseguir sozinho, procura amigos a todo o preço, mesmo com o preço da desonestidade. O mestre faz o elogio, não da sua desonestidade, mas da sua habilidade. O objectivo da parábola é fazer reflectir aqueles que se reclamam cidadãos do Reino: estão dispostos a tudo para procurar o essencial e vivê-lo? A sua habilidade é também como a dos filhos deste mundo que, para as coisas materiais, estão dispostos a sacrificar a dimensão espiritual da sua vida? Jesus não pede para imitar o administrador nos seus gestos, mas para ser como Ele na procura do essencial.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Eis Jesus que Se põe a dissertar sobre a economia, mas uma economia que parece envolver falsários... Como compreender tal parábola na boca de Jesus? Podemos logo pensar que Ele não quer dar o administrador desonesto como exemplo, mesmo se o mestre deste faz o seu elogio. Jesus chama-o explicitamente "administrador desonesto, com esperteza". Jesus conhece o coração do homem, um coração perverso. Mas Jesus não fica nesta dimensão do coração do homem. Ele sabe que em todo o homem, por mais pervertido que seja, há sempre um cantinho positivo. Ele vê a prova de habilidade do administrador para conseguir safar-se. Esta habilidade é colocada ao serviço de um mal. Mas, em si mesma, pode ser posta ao serviço do bem. Então, diz Jesus, se vós, meus discípulos, que sois chamados "filhos da luz", sabeis ser tão habilidosos a respeito da vossa vida cristã, quantas coisas poderão mudar! Jesus aproveita para recordar o seu ensino constante sobre o dinheiro e a riqueza material. Não podemos viver sem dinheiro. Mas saibamos utilizá-lo com habilidade, para o bem. Que ele não se torne um mestre tirânico. Saibamos utilizá-lo, não para nos enriquecermos egoisticamente, mas para o pôr ao serviço do bem dos outros, a começar pelos mais pobres. Aqui, a nossa habilidade deve estar ao serviço do bem! Não levaremos dinheiro no nosso caixão. Mas o bem que com ele tivermos feito seguirá para além da morte, "nas moradas eternas". A lição continua sempre válida hoje!

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III para Assembleias com Crianças... Parte da oração ilustra a situação evocada pelo Evangelho.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Deus ou o dinheiro? Amós e Lucas convidam-nos a um sério exame de consciência sobre a nossa maneira de praticar a justiça social e de utilizar o dinheiro. Quantos pobres, hoje no mundo, são explorados com meia dúzia de euros por alguns que enriquecem sobre a sua miséria? Não acusemos ninguém! Nesta semana, retomemos estes textos para fazer o ponto da situação em toda a verdade. A que mestre estamos amarrados: a Deus ou ao dinheiro?
    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehnianos.org - www.dehonianos.org

  • XXV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    19 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Provérbios 3, 27-35
    Meu filho: 27Não negues um benefício a quem dele precisa, se estiver nas tuas mãos oder concedê-lo. 28Não digas ao teu próximo: «Vai, e volta depois, amanhã te darei», quando o puderes logo atender. 29Não maquines o mal contra teu próximo, quando ele deposita confiança em ti. 30Não litigues contra ninguém, sem motivo, quando não te fez mal algum. 31Não invejes o homem violento, nem adoptes o seu procedimento, 32porque o Senhor abomina o homem perverso, mas reserva para os rectos a sua intimidade. 33A maldição do Senhor cai sobre a casa do ímpio, mas Ele abençoa a morada dos justos. 34Ele escarnece dos escarnecedores, mas concede a sua graça aos humildes. 35A glória será a herança dos sábios, mas os insensatos suportarão a ignomínia.
    O Livro dos Provérbios, cobre vários séculos de história, durante os quais os sábios se dedicaram à reflexão sapiencial. Por isso, se nota um certo progresso doutrinal. Aparentemente trata-se de um livro humilde. Perpassa nele a convicção de que a sabedoria presente no mundo, nas coisas e nos homens, é um traço da sabedoria de Deus. As próprias formas da sabedoria humilde e quotidiana - as do bom senso, da razão, da experiência - vêm de Deus. Segui-las é obedecer a Deus; ignorá-las é atraiçoar o projecto de Deus. A esta, luz profundamente religiosa, é que devemos compreender as máximas do Livro dos Provérbios, reconhecendo o valor de imperativo moral, não só às palavras dos profetas, mas também ao significado das coisas e à força da experiência.
    O texto de hoje insiste nas relações com o próximo: não negar um benefício, não dizer «amanhã to darei» (v. 28), não adiar, não litigar, não invejar, não seguir o perverso (vv. 29-32). No meio destes imperativos, aparece, repentinamente, uma afirmação muito bonita: «Deus reserva para os rectos a sua intimidade» (v. 32b). Fica assim traçado o esboço do sábio nas suas coordenadas fundamentais: a correcção e a benevolência nas relações com o próximo, a convicção de que a amizade de Deus vale mais do que tudo.

    Evangelho: Lucas 8, 16-18
    Naquele tempo, Jesus disse à multidão: 16«Ninguém acende uma candeia para a cobrir com um vaso ou para a esconder debaixo da cama; mas coloca-a no candelabro, para que vejam a luz aqueles que entram. 17Porque não há coisa oculta que não venha a manifestar-se, nem escondida que não se saiba e venha à luz. 18Vede, pois, como ouvis, porque àquele que tiver, ser-lhe-á dado; mas àquele que não tiver, ser-lhe-á tirado mesmo o que julga possuir.»
    A perícopa que escutamos inclui três pequenas unidades, recolhidas por Lucas, e incluídas numa sessão (8, 4-21) que tem por tema a Palavra de Deus. É nesta perspectiva que as lemos.
    A primeira unidade (v. 16) parece temer o risco do anonimato: não se põe a luz debaixo da cama. É uma advertência aos cristãos que - por medo ou porque julgam inútil fazê-lo - não se expõe publicamente. A Palavra é pública e visível: escondê-la é fazê-la morrer. A segunda unidade (v. 17) parece temer o risco do segredo. É uma advertência aos grupos de cristãos que se fecham em si mesmos, anunciando a Palavra em segredo, apenas aos iniciados. Mas a Palavra é para todos, pela sua natureza missionária. A terceira unidade (v. 18) é mais difícil. É certo que chama a atenção para a importância da escuta, ou para o modo como se escuta: «Vede, pois, como ouvis». Há quem não escuta, mas também há quem escuta mal. Que significa a expressão: «porque àquele que tiver, ser-lhe-á dado; mas àquele que não tiver, ser lhe á tirado mesmo o que julga possuir»? E que significa o "porque"? (v. 18) que condiciona o crescimento ou a perda da palavra? Significa talvez que é preciso escutar bem, porque é a escuta que enriquece. Quem não escuta ou escuta mal, empobrece. Não só não cresce, mas também perde o que julga possuir. A escuta da Palavra é, pois, o caminho necessário para crescer na fé. Se falta a escuta, a fé definha e morre.

    Meditatio
    Com a primeira leitura de hoje, iniciamos o Livro dos Provérbios. Jesus também usa provérbios susceptíveis de várias aplicações. «Não há coisa oculta que não venha a manifestar-se, nem escondida que não se saiba e venha à luz», lemos no evangelho de hoje. É necessário iluminar. Mas, antes, é preciso acender o candeeiro. O discípulo deve iluminar o mundo. Mas só o pode fazer com a luz que vem de Cristo Senhor, pois não tem luz própria. Se assim não for, corre-se o risco de confundir as ideias próprias, os gostos próprios, as opções próprias com as de Cristo e de propor coisas e realidades que nada têm a ver com o Senhor. É preciso acender, cada dia, a própria lâmpada, na lâmpada de Cristo. É o lumen Christi (luz de Cristo) que ilumina o mundo, não a minha luz. A minha luz só ilumina se for reflexo da de Cristo.
    Notemos também que a luz de que fala Cristo não é só doutrina, mas também testemunho, isto é, doutrina que se torna vida, que transforma a vida: que toca o meu modo de ser, de julgar as coisas. Eu sou luz quando difundo a luz de Cristo, com os critérios de Cristo, isto é, com humildade e pobreza. Quando, por exemplo, não falo de humildade a partir de uma posição de poder, quando não anuncio a pobreza com meios que revelam abundância de bens... Sou luz sobre o candelabro quando represento, o mais aproximadamente possível, o modo de ser, de agir, de pensar, de falar de Jesus. É bom pensarmos nisto, porque podemos cair em grandes ilusões. Pensar que iluminamos só porque repetimos palavras de Jesus, sem deixar iluminar a nossa vida pela de Jesus, é como cobrir a lâmpada com um alqueire. É doutrinar, não evangelizar.
    Os Santos são aqueles que melhor reflectem a luz de Cristo. As nossas Constituições recordam-nos a vocação à santidade. Recordam-na numa perspectiva ampla e eclesial: «Com todos os nossos irmãos cristãos...» (Cst 13). A vocação à santidade é universal (Cf. 1 Tes 4, 7; 1 Pe 2, 21; LG 40). Mas nós, religiosos, devemos ser as testemunhas, os "especialistas" da santidade junto dos nossos irmãos cristãos. Mergulhados nas preocupações da vida de cada dia, do trabalho, das necessidades diárias, facilmente esquecem a sua vocação à santidade. Por "vocação", por "um dom particular" (n. 13), nós religiosos devemos brilhar diante deles com a santidade da nossa vida: «Brilhe a vossa luz diante dos
    homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus» (Mt 5, 16), para que se lembrem da sua meta suprema: a transformação em Cristo da sua vida.

    Oratio
    Senhor, olha como estou mais preocupado em transmitir doutrina, do que em testemunhá-la com a minha vida. Olha como esqueço o teu modo de ser, que tanto impacto deu às tuas palavras, pensando que evangelizar, que guiar os meus irmãos e irmãs, é questão de conhecimentos e de transmissão de ideias.
    Mas és tu que deves viver em mim, para que eu possa dizer as tuas palavras e guiar os outros. Se Tu, meu amigo e Senhor, não viveres em mim, as tuas palavras sairão sem efeito dos meus "lábios impuros", porque o meu coração não será semelhante ao teu, e os meus critérios, não serão os teus. Que eu Te encontre, antes de procurar as tuas palavras; que eu me torne semelhante a Ti, antes de Te usar para dizer aquilo que devo dizer.
    É por isso que preciso de Te sentir junto a mim, mais íntimo, mais amigo, mais familiar, mais presente na minha vida. Não me abandones, não me deixes nas minhas ilusões, não me deixes perder nos atalhos, na tentação de Te reduzir a uma ideia ou a simples mensagem. Amen.

    Contemplatio
    Instruir e exortar não era suficiente; era preciso ainda ganhar os corações e prender os homens a Deus por um laço de amor. Aqui estava a obra própria do Coração sacerdotal de Jesus. É verdade que Jesus tinha a seu favor o encanto da sua pessoa e da sua beleza divina. Ele semeava os milagres e distribuía os benefícios. Mas também expunha muitas vezes toda a bondade de Deus no mistério da redenção e é isto que nós podemos imitar. Todo o ensinamento de Jesus se resume na palavra Evangelho que significa «a boa nova»; prega o evangelho do reino, isto é, a feliz notícia da salvação pela redenção, de todos os benefícios da misericórdia divina. S. João reteve melhor que os outros estes apelos do Coração sacerdotal de Jesus. Repete-os várias vezes. «Deus amou de tal modo o mundo, que enviou o seu Filho único para o salvar» (Jo 3, 16). «Como o meu Pai me amou, eu vos amo; permanecei no nosso amor» (Jo 15, 9). Como Nosso Senhor mesmo o disse, era o seu Coração que falava pela sua boca: Ex abundantia cordis os loquitur (Mt 12, 34); e o seu Coração ganhava todos os corações. Cabe a nós mostrar também como a bondade divina resplandece nos mistérios da Incarnação e da Redenção. É isto pregar o Sagrado Coração. Esta era a força de S. Paulo. Quantas vezes repete: «Cristo amou-me até ao ponto de se entregar por mim!» Preguemos o Sagrado Coração e ganharemos as almas para Jesus Cristo. (Leão Dehon, OSP 2, p. 554).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vede como ouvis» (Lc 8, 18).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    20 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura Provérbios 21, 1-6.10-13
    1O coração do rei é como água corrente nas mãos do Senhor,Ele o dirigirá para onde quiser. 2Os caminhos do homem parecem-lhe sempre rectos, mas é o Senhor quem pesa os corações. 3A prática da justiça e da equidade é mais agradável ao Senhor que os sacrifícios. 4Olhares altivos, coração soberbo: a lâmpada dos ímpios é o pecado. 5Os projectos do homem diligente têm êxito, mas quem se precipita cai certamente na ruína. 6Os tesouros adquiridos pela mentira são vaidade passageira e laço de morte. 10A alma do ímpio deseja o mal; não terá compaixão do seu próximo. 11Com o castigo do insolente, o ingénuo ficará mais sábio; quando se adverte o sábio, ele adquire mais saber. 12O justo está atento à família do ímpio, e precipita os maus na desventura. 13Aquele que se faz surdo ao clamor do pobre, também um dia clamará e não será ouvido.
    O Livro dos Provérbios é uma ampla recolha de máximas e de sentenças, independentes entre si, sem qualquer espécie de fio condutor ideológico, onde está depositada a sabedoria das várias gerações de Israel. O seu objectivo é fazer de todo o israelita um verdadeiro homem: forte, senhor de si mesmo, interiormente livre, trabalhador, hábil, leal. Não é ainda o retrato do homem evangélico. Mas é a base para o ser. Não nos tornamos discípulos sem ser homens. Está aqui o valor deste livro. É bom fazer esta verificação porque, à primeira vista, muitos provérbios poderiam deixar-nos desiludidos. Que valer têm hoje? Há muitos, que espelham o simples bom-senso e que continuam actuais. Mas é importante, sobretudo, o seu valor global. Sugerem comportamentos próprios da fase anterior à Aliança e à sua moral. Mas estamos perante um são humanismo que tem por objectivo criar um homem apto para as opções morais e para os compromissos da Aliança.
    As virtudes sugeridas no texto de hoje são as habituais: não presumir de si mesmo, nem da própria rectidão; praticar a justiça, a humildade e a diligência; não ser mentiroso nem violento nos negócios, não fechar os ouvidos ao grito dos pobres. Na Bíblia, o grito do pobre é sempre dirigido ao Senhor. Escutá-lo é, pois, responder em nome do Senhor.

    Evangelho: Lucas 8, 19-21
    Naquele tempo, 19sua mãe e seus irmãos vieram ter com Ele, mas não podiam aproximar-se por causa da multidão. 20Anunciaram-lhe: «Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem ver-te.» 21Mas Ele respondeu-lhes: «Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática.»
    Lucas apresenta-nos um quadro de rara finura e profundidade. Não denota polémica em relação à família de Jesus, como acontece nos textos paralelos de Mateus e de Marcos. A atenção de Lucas vai para aquilo que, de facto, interessa: a escuta e a prática da Palavra, que criam e definem o verdadeiro sentido de família de Jesus.
    Um dia, «Sua mãe e seus irmãos vieram ter com Ele» (v. 19). Lucas usa um verbo que exprime o desejo de ver Jesus. A forma singular realça a figura da Mãe, que é o sujeito. Para o evangelista, a vinda dos familiares é uma ocasião que permite a Jesus pronunciar a sentença sobre os seus verdadeiros parentes: a escuta e a prática da Palavra cria laços mais fortes do que os do sangue. Esta possibilidade, todavia, não exclui os parentes que vieram visitá-l´O. Lucas exalta a família gerada pela Palavra. Mas não menospreza os laços com a família de sangue.

    Meditatio
    As palavras de Jesus dirigidas àqueles que Lhe anunciam a chegada da sua mãe e dos seus familiares, parecem duras. Mas explicam-se com a sua missão de semeador da Palavra de Deus. Naquele momento, mais do que atender àqueles que Lhe são familiares pelos laços do sangue, o Mestre queria sublinhar os laços que realizam a sua nova «família»: a escuta da Palavra, e o pô-la em prática. São essas atitudes que produz o milagre de nos tornar mãe, irmãos e irmãs de Jesus. Tal como Maria escutou a Palavra e, depois, de tornou Mãe, o mesmo pode acontecer comigo hoje, se acolher a Palavra que me é dirigida. Jesus quer crescer no mundo e o caminho privilegiado sou eu, porque quer crescer em mim, quer que a minha existência seja cada vez mais cristiforme, quer que eu O represente cada vez melhor. Se acolho a sua Palavra, se a contemplo, se a conservo, se lhe deixo espaço, se procuro não esquece-la durante o dia, se faço dela a luz dos meus caminhos, Jesus cresce em mim, à minha volta, no mundo. E posso adquirir a dignidade de Maria, porque O gerarei novamente para o nosso tempo. Quero, pois, ser devoto da Virgem, para que me ensine a receber a Palavra, a dar-lhe carne, a dar-lhe vida, a transformar toda a minha acção em nova geração, em novo crescimento de Jesus em mim e à minha volta.
    Maria é o modelo de como se escuta e acolhe na vida a Palavra e: «Feliz d´Aquela que acreditou no cumprimento das palavras do Senhor...» (Lc 1, 45). É a primeira bem-aventurança que ecoa no Evangelho e desce sobre Maria, por meio da palavra de Isabel, cheia de Espírito Santo; é a bem-aventurança da fé, que acolhe a Palavra de Deus e adere a ela com toda a vida. É a bem-aventurança que Jesus, um dia, proclamará: «Felizes... aqueles que escutam a Palavra de Deus e a põe em prática!» (Lc 11, 28); é a «melhor parte» que Maria de Betânia escolheu, sentada aos pés do Senhor, na escuta da sua palavra, e que não lhe será tirada (cf. Lc 10, 38-42).
    Não é suficiente escutar a Palavra, é preciso guardá-la e pô-la em prática, como fez a Virgem Maria: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a Tua palavra» (Lc 1, 38). «Sede daqueles que põem em prática a palavra - exorta S. Tiago - e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós mesmos» (1, 22). É inútil ver-se ao espelho, ver o próprio rosto e depois esquecer-se dele (cf. Tg 1, 23-24).
    "Escutar", em sentido bíblico, é "compreender", "acolher" na vida, "ir a Jesus"; é "acreditar", "guardar no coração"; é "obedecer" e "fazer". A verdadeira "escuta da Palavra" realiza-se quando se ama, não por palavras, mas "com obras e em verdade" (1 Jo 3, 18).

    Oratio
    Quero, suplicar-Te, hoje, ó Virgem Santa Maria, que me ajudes a receber a Palavra para lhe dar carne, para lhe dar vida. Sabes como estou longe deste ideal de ver a minha vida como geração de Jesus no mundo. Eu, pobre pecador, mergulhado em tantas coisas, posso aproximar-me de Ti, Mãe do meu Salvador, e tornar-me também "mãe" d&acut
    e;Aquele que me salva! Parece-me um ideal demasiado elevado, inatingível!
    Conduz-me docemente por esse mistério, abre os meus olhos para que vejam as maravilhas que a Palavra pode realizar em mim; dá-me um coração capaz de compreender este mundo novo em que são introduzidos os ouvintes da Palavra. Fica junto a mim, ó Mãe, para que possa continuar, sem medo nem tremor, mas com espanto e gratidão, a tua obra, no começo do novo milénio. Amen.

    Contemplatio
    O abandono a Deus e à vontade divina é a regra de vida de Maria e nós vemo-la na perturbação e na dúvida fixar-se nesta disposição: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra». Estas palavras exprimem o abandono, a docilidade à graça, a conformidade à vontade divina, o sacrifício e a imolação. Com esta resposta, com o seu consentimento, Maria aceitava a dignidade e a honra da maternidade divina, mas ao mesmo tempo também os sofrimentos, os sacrifícios que lhe estavam ligados. Declarava-se pronta a cumprir a vontade de Deus em tudo como sua serva. Era como um voto de vítima e de abandono. Esta disposição é a mais perfeita, é a fonte dos maiores méritos e das melhores graças. Maria proclamou-o mesmo no seu Magnificat: A minha alma louva o Senhor, porque olhou com favor a humildade da sua serva. Deus encontrou muita alegria nesta disposição de Maria. Ela acrescentava: Todas as gerações me hão-de proclamar bem-aventurada.
    Durante a sua vida mortal, poucas pessoas a proclamaram bem-aventurada, excepto Isabel e aquela mulher que ergueu a voz no meio do povo, e à qual Jesus respondeu: Bem-aventurados são aqueles que escutam a minha palavra e que a praticam.
    A felicidade de Maria durante a sua vida mortal era o sacrifício com Jesus, por Jesus e pelas almas. Ela não era, como o seu Filho, senão um objecto de desprezo, de humilhação e de ignomínia da parte dos inimigos de Deus. Para aqueles que estavam bem dispostos, era um objecto de compaixão e de piedade. O ecce Ancilla era a disposição do seu coração em todos os sacrifícios que teve de fazer: quando da Apresentação no Templo, quando ofereceu o seu Filho em sacrifício e escutou a profecia do velho Simeão; na fuga para o Egipto e assim por diante, em todas as ocasiões, até debaixo da cruz do seu Filho moribundo. Do mesmo modo para o resto da sua vida, consentiu em ser a mãe da Igreja nova fundada no sangue do seu Filho.
    A sua graça e os seus méritos aumentavam sempre pela sua fiel cooperação, pela sua pureza, pelo santo e perfeito amor com o qual cumpria a missão que se tornara a sua. (Leão Dehon, OSP 3, p. 328 s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 8, 21).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXV Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    21 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura Provérbios 30, 5-9

    5Toda a palavra de Deus é provada ao fogo, é um escudo para aqueles que confiam ele. 6Nada acrescentes às suas palavras, para que não te repreenda e sejas achado mentiroso. 7Peço-te duas coisas, não mas negues antes da minha morte: 8Afasta de mim a falsidade e a mentira, não me dês pobreza nem riqueza, concede-me o pão que me é necessário, 9para que, saciado, não te renegue, e não diga: «Quem é o Senhor?» Ou, empobrecido, não roube e não profane o nome do meu Deus.
    A nossa leitura começa com uma reflexão sobre a palavra de Deus. Depois, vem uma prece sapiencial que tem por tema a pobreza e a riqueza. O Livro dos Provérbios reflecte atentamente sobre a pobreza e sobre a riqueza. O ideal da sabedoria não é a pobreza, mas o bem-estar, que é uma bênção de Deus. Procurá-lo é um dever. O Livro dos Provérbios condena duramente a preguiça e a falta de empenho. Mas, se o bem-estar é uma bênção, não quer dizer que o pobre seja um maldito ou castigado. São muitas, no Livro dos Provérbios as recomendações em favor dos pobres. Ajudá-los é um dever. É preciso também lembrar que a felicidade não se encontra só na riqueza, mas na riqueza acompanhada pelo temor de Deus, pela justiça e pela concórdia: «Na casa do justo há riqueza abundante; mas o rendimento dos maus é fonte de perturbação» (15, 6). Finalmente, o Livro dos Provérbios admite que a excessiva riqueza pode trazer grandes perigos morais, tais como a auto-suficiência, que julga não precisar de Deus nem dos outros. A riqueza material facilmente se torna riqueza de espírito. Por isso, o sábio pede a Deus que, nem lhe dê a miséria que leva à rebelião nem lhe dê excessiva riqueza que leva a esquecê-l´O.

    Evangelho: Lucas 9, 1-6
    Naquele tempo, Jesus, 1tendo convocado os Doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demónios e para curarem doenças. 2Depois, enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar os doentes, 3e disse-lhes: «Nada leveis para o caminho: nem cajado, nem alforge, nem pão, nem dinheiro; nem tenhais duas túnicas. 4Em qualquer casa em que entrardes, ficai lá até ao vosso regresso. 5Quanto aos que vos não receberem, saí dessa cidade e sacudi o pó dos vossos pés, para servir de testemunho contra eles.» 6Eles puseram-se a caminho e foram de aldeia em aldeia, anunciando a Boa-Nova e realizando curas por toda a parte.
    Jesus pregou a conversão, expulsou demónios e curou os doentes. Essa é também a tarefa do discípulo missionário (v. 1s.).
    Antes de mais nada, Jesus ordena ao missionário que leve consigo apenas o estritamente necessário, e nada mais (v. 3). É um convite à pobreza entendida como liberdade (deixar para seguir) e fé (o próprio Senhor tomará conta dos seus discípulos). Depois, vem uma norma de bom senso: o discípulo itinerante não ande de casa em casa, mas escolha uma casa digna e hospitaleira, ficando nela o tempo necessário (v. 4). Finalmente, uma sugestão sobre o comportamento em caso de recusa. A recusa está, de facto, prevista: é confiado ao discípulo uma missão; mas não lhe é garantido o sucesso. Diante da recusa, deve comportar-se como Jesus: quando é recusado num lugar, vai para outro (v. 5). «Sacudir o pó» é um gesto de juízo, não de maldição: serve para sublinhar a gravidade da recusa, da ocasião perdida.

    Meditatio
    O Livro dos Provérbios ensina-nos, hoje, a pedir a Deus o dom da verdade, da sinceridade: «afasta de mim a falsidade e a mentira» (v. 8). Ensina-nos também a pedir o dom da moderação, que não exige privilégios espectaculares, nem presume dispensar os dons de Deus: «não me dês pobreza nem riqueza» (v. 8). O sábio está consciente da sua fragilidade e dos perigos da riqueza, mas também dos perigos da pobreza. Por isso, pede o pão da cada dia, para que não chegue a renegar a Deus nem se torne ladrão. Uma bela oração, cheia de equilíbrio, de bom senso. Tudo o que pedirmos a Deus há-de ter por objectivo aumentar a nossa união com Ele!
    Felizes os Doze que tinham «poder e autori¬dade sobre todos os demónios e para cura¬rem doenças». E nós, por que razão temos tão pouco poder e autoridade? Talvez porque levamos connosco demasiadas coisas? Não estará o poder do Senhor amarrado por tantas coisas de que nos rodeamos e nas quais confiamos mais do que n´Ele? Ate onde deve ir a nossa confiança em Deus? Onde começa o nosso empenho pessoal? São questões que nos deixam pensativos e que parecem sem resposta, a não ser que surja uma lufada do Espírito Santo. Uma coisa é certa: fazer apostolado não é fácil, uma vez que estamos expostos a tantos ventos e marés, a tantas modas e tentações. Se nos sentimos fracos, somos tentados a lançar mão de apoios humanos ou a refugiar-nos em falsas seguranças. Se a acção apostólica é "poderosa", facilmente caímos na auto-complacência, como se tudo fosse mérito nosso. É fácil deprimir-se nos fracassos e exaltar-se nos sucessos. A nossa fraqueza está, talvez, no individualismo: só o que eu faço é bem feito, só o que eu penso está certo. Uma comunidade, com que nos confrontemos, pode ajudar-nos a crescer e a avaliar a qualidade evangélica das nossas acções, não de modo abstracto, mas na realidade do dia a dia.
    Jesus realiza a missão na pobreza. Aliás, a sua pobreza é em vista da missão. Ele vive em efectivo despojamento voluntário: «que não tem onde reclinar a cabeça» (Lc 9, 58) e é no absoluto despojamento da cruz que é professado como Filho de Deus (cf. Mc 15, 39).
    Longe de depender do ter, o poder do homem, é, antes mais, dom do Pai a quem é suficientemente pobre para o receber: «Eu Te bendigo, ó Pai, porque revelaste estas coisas aos pobres...» (Mt 11, 25ss).
    Quanto à importância da comunidade, na missão, as nossas Constituições lembram-nos que, na escolha dos compromissos apostólicos concretos, devem ser salvaguardadas duas exigências: a comunhão com a própria comunidade: «cada um, na sua função, tenha consciência de ser o enviado da sua comunidade e que todos se considerem interessados e comprometidos na actividade e na missão de cada um, sobretudo quando uma comunidade deve assumir diversos serviços» (n. 62); a comunhão com os responsáveis da Igreja local: realizamos assim «o nosso serviço do Evangelho na Igreja universal, em comunhão com os responsáveis das Igrejas locais» (n. 34).
    São princípios muito genéricos, mas que é importante ter presentes para nos inserirmos com o «nosso carisma profético» na «missão salvífica do Povo de Deus n
    o mundo de hoje» (Cst. 27), para a realização da «nossa oblação reparadora» (Cst. 6). É também assim que acolhemos o Espírito (cf. Cst. 23), que é uno e é princípio de unidade, para a «edificação do Corpo de Cristo», «para Glória e Alegria de Deus» (Cst. 25).

    Oratio
    Senhor, olha como nós, teus discípulos nos sentimos desarmados diante do mundo. Sentimo-nos desorientados, não sabemos por onde começar, nem sempre somos tomados a sério, especialmente quando dizemos as tuas palavras. Os nossos grupos de catequese, os nossos grupos de jovens são muito reduzidos. A maior parte dos adolescentes e jovens preferem outras ocupações à catequese, preferem outros conhecimentos ao conhecimento de Ti. Os que vêm, muitas vezes não se apresentam com verdadeiro interesse. Vêm porque são mandados, porque querem receber um sacramento, que dá direito a uma festa de família. Não nos deixes cair na tentação do desânimo. Dá-nos o dom do discernimento, para que saibamos descobrir a tua vontade nas próprias dificuldades que se nos apresentam, e encontrar os meios para tornar cativante a apresentação da tua Palavra. Mais do que de meios técnicos, precisamos de Ti, do teu Espírito. Que a nossa voz, ao anunciarmos a tua ressurreição, tenha o timbre da do Anjo do sepulcro vazio.
    Livra-nos da tentação do sucesso humano. Ilumina-nos! Salva-nos! Faz-nos instrumentos eficazes da tua salvação. Amen.

    Contemplatio
    «Ide, diz aos seus discípulos, anunciai o reino de Deus. Não leveis nem ouro nem dinheiro. Confiai-vos à Providência. Se não vos receberem, sacudi o pó das vossas sandálias, e passai adiante... Abençoarei aqueles que vos receberem em meu nome, nem que vos dessem apenas um copo de água... Tende confiança, Deus cuida dos pardais, terá cuidado de vós» (Mt 10).
    E ainda: «Não podeis procurar ao mesmo tempo Deus e o dinheiro. Não estejais inquietos com o que haveis de comer, nem com o vestuário que levareis. Deus alimenta os pássaros e dá às flores o seu vestido. Deixai os pagãos viver para o dinheiro. O vosso Pai celeste sabe o que vos faz falta. Procurai antes de mais o reino de Deus e a sua justiça, e o resto vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 24 ss).Jesus põe em prática o que aconselha. Vai pelas cidades e pelas aldeias a pregar o reino de Deus. Os seus doze apóstolos estão com Ele. Levam pouca coisa consigo: algumas provisões para comerem nos lugares desertos, e uma pequena bolsa mais para fazer esmola do que para comprar víveres. Pessoas generosas oferecem-lhes o necessário. Há também algumas benfeitoras.
    Algumas mulheres que tinha curado, diz S. Marcos, Maria Madalena, Joana, mulher de Cusa procurador de Herodes, Susana e várias outras seguiam o Mestre e os seus apóstolos para os escutarem, e ajudavam-nos com os seus bens (cf. Mc 8). (Leão Dehon, OSP 2, pp. 573s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Nada leveis nada para o caminho» (Lc 8, 21).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    22 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Qohélet 1, 2-11
    2Ilusão das ilusões - disse Qohélet- ilusão das ilusões: tudo é ilusão. 3Que proveito pode tirar o homem de todo o esforço que faz debaixo do Sol? 4Uma geração passa, outra vem; e a terra permanece sempre. 5O Sol nasce e o Sol põe-se e visa o ponto donde volta a despontar. 6O vento vai em direcção ao sul, depois ruma ao norte; e gira, torna a girar e passa, e recomeça as suas idas e vindas. 7Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche. Para onde sempre correram, continuam os rios a correr. 8Todas as palavras estão gastas, o homem não consegue já dizê-las. A vista não se sacia com o que vê, nem o ouvido se contenta com o que ouve. 9Aquilo que foi é aquilo que será; aquilo que foi feito, há-de voltar a fazer-se: e nada há de novo debaixo do Sol! 10Se de alguma coisa alguém diz: «Eis aí algo de novo!», ela já existia nas eras que nos precederam. 11Não há memória das coisas antigas; e também não haverá memória do que há-de suceder depois; nem ficará disso memória entre aqueles que hão-de vir mais tarde.
    Ao interrogar-se sobre o sentido da vida, o Livro de Qohélet responde: «Tudo é ilusão» (v. 2), ou, mais exactamente, «vacuidade». As traduções gregas e latinas da Bíblia escrevem «vaidade». Mas a palavra hebraica hevel, traduzida em português por ilusão, ou por vaidade, significa neblina, fumo, algo de vácuo, de inconsistente: ao longe pode encantar, mas, ao perto, desilude. Tal é a vida do homem: realidade enganosa, caduca, absurda. O Qohélet é realmente drástico e provocador. Porquê? Porque, de facto, é grande o contraste entre a precariedade do homem e o permanecer da natureza: «Uma geração passa, outra vem; e a terra permanece sempre» (v. 4). Todos dizem que o homem é mais importante do que as coisas; mas as coisas permanecem e o homem passa. Se olharmos para além das aparências, verificamos que o homem como que se debate dentro de um círculo do qual não consegue sair. Tudo se move, mas tudo continua igual. Tudo volta ao ponto de partida, tal como o sol no seu movimento diurno, tal como o vento ou a água dos rios. Também o afadigar-se do homem é como que um rodopiar à volta de si mesmo, fazendo e desfazendo, sem jamais chegar à meta definitiva. O mundo novo que o homem procura construir escapa-lhe continuamente das mãos, como areia por entre os dedos.
    Talvez Qohélet esteja a falar da própria esperança messiânica. Era uma esperança religiosa, mas rodeada de muitas conotações terrenas. Por isso Qohélet a contesta. Haverá sempre o limite da morte. O homem jamais se saciará de ver, de ouvir. Sempre lhe escapará o sentido do conjunto. Portanto, tudo é vaidade? O Novo Testamento irá esclarecer-nos devidamente: tudo é vaidade, excepto a caridade.

    Evangelho: Lucas 9, 7-9
    Naquele tempo, 7o tetrarca Herodes ouviu dizer tudo o que se passava; e andava perplexo, pois alguns diziam que João ressuscitara dos mortos; outros, 8que Elias aparecera, e outros, que um dos antigos profetas ressuscitara. 9Herodes disse: «A João mandei-o eu decapitar, mas quem é este de quem oiço dizer semelhantes coisas?» E procurava vê-lo.
    Herodes está perplexo: quem é Jesus de quem todos falam? Fazem-se diversas conjecturas: é João ressuscitado, é Elias, é um profeta. O povo apercebe-se da grandeza de Jesus. Mas erra ao compará-lo com figuras do passado. Jesus é uma novidade absoluta. Para compreendê-lo é preciso olhar para Ele, e mais ninguém.
    Herodes é um homem culto e prático. Quer encontrar Jesus e dar-se pessoalmente conta da sua identidade. Se fosse movido por boas intenções, como no caso de Zaqueu (cf. Lc 19, 3), seria uma atitude positiva. Mas não era esse o caso. Já o confessar a si mesmo, cinicamente e sem remorsos, ter matado João Baptista, para calar a sua voz incómoda, mostra como a sua vontade de ver Jesus era apenas curiosidade superficial. Tudo isso ficará claro na narrativa da paixão (cf. Lc 23, 8-10). Herodes representa o homem curioso que não quer tornar-se discípulo de Jesus, mas apenas quer ver fenómenos extraordinários, talvez até realizados por Jesus. É o prurido de ouvir novidades, que também Paulo condenará.

    Meditatio
    Como compreender a página do Qohélet, que hoje escutamos? Essa compreensão não dependerá da situação em que nos encontramos. Se estamos cheios de forças, ou empenhados em tarefas muito absorventes, parece-nos amarga e até inoportuna. Se nos sentimos desconfortáveis, em fase de avaliação da nossa existência, parece-nos impiedosamente verdadeira. Mas, para além dos estados de espírito, revela-se uma página realista e necessária, porque fotografa a situação do que existe e está destinado a passar, a desvanecer-se, a não deixar rasto. Trata-se de uma página que os poetas e pensadores retomaram, e muitas vezes actualizaram com acentos tocantes, por vezes, desesperados. Mas, para o cristão é apenas o primeiro passo, necessariamente seguido pelo segundo: a certeza de que é a partir deste nada, que se pode construir tudo, se o recebermos de Deus e o usarmos de acordo com a sua vontade. Podemos pois fazer uma dupla meditação: sobre o nada e sobre o tudo; sobre o modo como não nos deixarmos absorver pelo nada e sobre o modo como dar consistência a estas aparências tão frágeis. Esta meditação é possível com o concurso do realismo da razão e do realismo da fé. O livro do Qohélet é importante para a formação da consciência cristã. Desde que não seja o único. O mistério pascal, fundamento da fé, junta a morte e a ressurreição, derrota e vitória, fracasso e reconhecimento da perenidade de quem permanece fiel a Deus.
    O texto evangélico mostra-nos como Jesus suscitava interrogações à sua volta. Levanta-se até a questão da ressurreição: terá João ressuscitado dos mortos? Terá aparecido Elias? Terá ressuscitado um dos antigos profetas? Estamos perante um conceito de ressurreição que daria razão a Qohélet: seria um regresso a coisas já vistas. Os profetas voltariam a viver a vida que já viveram. Mas a ressurreição de Cristo é algo de completamente novo e abre-nos a uma esperança nova. Não voltaremos à vida mortal, mas seremos transformados pela força do Espírito que ressuscitou Jesus: «Se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; eis que sugiram coisas novas» (2 Cor 5, 17).
    O Qohélet dizia que não havia novidades sobre a terra. No nosso tempo até há muitas novidades: viagens interplanetárias, descobertas científicas, novos meios de comunicação e transporte.... Mas o homem continua o mesmo, e usa tudo isso
    para objectivos que são os de sempre: afirmar-se, dominar os outros, acumular bens para si, que acabam por ser roubados, apodrecer ou ser deixados a outros que nada fizeram por eles... Mas há uma novidade maravilhosa, que dá gosto à vida, que dá optimismo e alegria ao coração e nos enche de profunda confiança: Jesus Cristo ressuscitado, Coração da Humanidade e do Mundo, Princípio de um Mundo Novo! Conhecendo esta novidade, capaz de transformar o mundo, temos o dever de a comunicar a todos os que, como o Qohélet proclamam: «tudo é ilusão» (v. 2). Cristo Ressuscitado é uma novidade maravilhosa, que dá gosto novo à vida e enche o coração de optimismo, de alegria, de confiança.

    Oratio
    Senhor, são muitas as ocasiões que pões ao meu dispor para meditar na "infinita vaidade de todas as coisas". Não queres que me agarre a nada porque, fora de Ti, tudo é inconsistente. Agradeço-te porque, hoje, Te serviste do Qohélet para mo lembrar. Quero louvar-te e dar-te graças por tudo quanto me ofereces na natureza e nos irmãos. Quero louvar-te e dar-te graças por tudo quanto de bom pões ao meu dispor. Mas só Tu és a minha verdadeira e definitiva riqueza, a minha verdadeira e única felicidade.
    Faz-me sentir o teu amor eterno, para que não me detenha em nada deste mundo, e mantenha o olhar fixo em Ti, origem e fim de todas as coisas. Não me deixes cair no pessimismo em que a caducidade das coisas e da vida me podem induzir. Se me fizeres sentir a vacuidade de quanto me rodeia, que eu busque preenchê-la em Ti, e só de Ti, que és o meu Ontem, o meu Hoje e o meu Amanhã! Amen.

    Contemplatio
    O que é o pó e a cinza? É o sinal da destruição; é o selo que o tempo, o incêndio e a morte imprimem nas coisas da terra. Que resta dos monumentos mais famosos da antiguidade, das capitais mais ilustres, da Roma antiga, de Atenas, de Tebas, de Babilónia? Cinza e pó. Onde estão estes edifícios sumptuosos, estas obras-primas da arte que se chamava as maravilhas do mundo? Cinza e pó. Onde estão os restos dos heróis e dos sábios de outrora? Cinza e pó.
    A Igreja quer que... nos recordemos da vaidade das coisas humanas; mas quer sobretudo que meditemos sobre a nossa origem, sobre a nossa criação, sobre o pecado do primeiro homem e das suas consequências: «Lembra-te que saíste do pó e que a ele tornarás». É a sentença divina depois da queda. O homem foi tirado do barro, não devia voltar a ele. Devia ser confirmado em graça e glorificado no seu corpo tal como na alma. Pecou e com o pecado a morte entrou no mundo: Per peccatum, mors (Rom 5, 12). Que estragos! ... Que sou eu? Cinza e pó. O pó é levado pelo vento. Assim acontece com a minha pobre natureza. Sou acessível a todo o vento da tentação. A minha vontade é tão móvel como o pó. Em que é então que me posso orgulhar? Que lição de humildade!
    Porque é que o barro e a cinza se orgulham, pergunta o Sábio (Eccli 10, 8). Todos os homens, diz ainda, são apenas terra e cinza (17, 31). Os povos, depois de um rápido brilho, são como um amontoado de cinza depois do incêndio, diz Isaías (33, 12).
    A nossa vida desaparecerá como se extingue uma faúlha, diz o Sábio, e o nosso corpo cairá feito em cinzas (Sab 2, 3).
    Abraão dizia: «Ousarei falar a Deus, eu que não sou senão cinza e pó?» (Gen 18, 27). No entanto, falou a Deus com humildade e confiança... Sou apenas nada, no entanto irei ter com Deus... Irei com a consciência da minha fraqueza, mas mesmo assim confiante, porque Deus é bom, porque o Filho de Deus tomou um coração para me amar... (Leão Dehon, OSP 2, pp. 195 ss.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Dai-me, Senhor, a sabedoria do coração» (Lc 8, 21).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    23 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Qohélet 3, 1-11
    1Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu: 2tempo para nascer e tempo para morrer, tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou, 3tempo para matar e tempo para curar, tempo para destruir e tempo para edificar, 4tempo para chorar e tempo para rir, tempo para se lamentar e tempo para dançar, 5tempo para atirar pedras e tempo para as ajuntar, tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço, 6tempo para procurar e tempo para perder, tempo para guardar e tempo para atirar fora, 7tempo para rasgar e tempo para coser, tempo para calar e tempo para falar, 8tempo para amar e tempo para odiar, tempo para guerra e tempo para paz. 9Que proveito tira das suas fadigas aquele que trabalha? 10Eu vi a tarefa que Deus impôs aos filhos dos homens para que dela se ocupem. 11Todas as coisas que Deus fez, são boas a seu tempo. Até a eternidade colocou no coração deles, sem que nenhum ser humano possa compreender a obra divina do princípio ao fim.
    A primeira leitura, que hoje escutamos, é, para alguns autores, uma meditação sobre a morte, que marca antecipadamente toda a nossa vida, ou, para outros, uma meditação sobre o «tempo propício» para cada coisa. Outros ainda acham que se trata de uma reflexão sobre a irreversibilidade do curso do tempo, com o seu carácter fatídico e incoerente. Não há dúvida que Qohélet está impressionado com o mistério do tempo. Tudo tem a sua duração e para tudo há o momento próprio, a ocasião propícia... Mas, como conhecer esse momento, essa ocasião? O homem parece incapaz de influir na engrenagem do tempo. No fundo, a existência é simples, feita de poucas atitudes de base que se repropõem permanentemente; nascer e morrer, amar e odiar, sofrer e gozar, juntar-se e separar-se, calar e falar, salvar e perder, etc... O homem, com todo o seu afã e desejos, está encerrado na trama destas situações que se sucedem irreversivelmente. A existência humana está encerrada num círculo inquebrável.
    Haverá um sentido para tudo, mas o homem não o alcança. Deus pôs-lhe no coração a exigência de uma visão de conjunto e a necessidade de se interrogar sobre a sua existência, para além da caducidade dos momentos que se sucedem. Mas é um anseio que continuar por satisfazer. Há contradições de que o homem se dá conta. O presente nem sempre corresponde ao passado. Sonha-se e deseja-se antecipar o futuro, mas ele escapa-nos. Resta confiar em Deus. Nisso consiste, para o Qohélet, o temor de Deus. Mas é uma atitude sábia não perder o presente, o único tempo que possuímos. O passado é passado; o futuro ainda não é nosso.

    Evangelho: Lucas 9, 18-22
    18Um dia, quando Jesus orava em particular, estando com Ele apenas os discípulos, perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?» 19Responderam-lhe: «João Baptista; outros, Elias; outros, um dos antigos profetas ressuscitado.» 20Disse-lhes Ele: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «O Messias de Deus.»
    Lucas apresenta-nos um dos relatos mais centrais da tradição cristã. Para isso, retoma o tema do evangelho de ontem. A pergunta é idêntica. Agora, porém, é o próprio Jesus que a faz aos discípulos. Quem é Jesus? A resposta do povo é variada: anda no ar a suspeita de um qualquer "mistério", mas não há quem consiga sair dos esquemas religiosos comuns. Também os discípulos respondem de modo incompleto: pelo menos, a sua resposta pode ser mal entendida; por isso, Jesus lhes proíbe falar cf. V. 21). De facto, não é suficiente reconhecer Jesus como Messias. Que Messias? Só a cruz afastará qualquer mal-entendido. «O Filho do Homem tem de sofrer muito» (v. 22): a cruz não foi um acidente de percurso, mas de querido, de planeado por Deus. É esta a novidade inesperada e que escandalizará tanta gente. A presença de Deus manifestou no caminho da cruz, isto é, no dom de Si mesmo, não por uma qualquer imposição, mas por um amor que aceita ser contradito e derrotado. Se esse dom de Si tivesse sido inútil e definitivamente derrotado, não seria certamente um sinal de Deus. Mas a ressurreição fez dele esse sinal. É no dom de Si mesmo, que não recua perante o sofrimento e a morte, que está encerrada a vitória de Deus.

    Meditatio
    Qohélet continua a reflectir, com um sentido de desilusão, sobre a vaidade das coisas. Na Terra não há estabilidade: ao tempo de alegria, segue o tempo de sofrimento, ao nascimento segue a morte. E assim acontece com todas as coisas, situações, acções. A sorte humana sofre alternância: um dia está em cima, outro está em baixo; um dia há prosperidade, e no outro há carestia; num dia é-se aclamado, e noutro é-se esquecido. Os ecrãs da televisão são palco deste tipo de vaidade: pessoas aplaudidas e invejadas são lançadas à lama de um momento para o outro. Os rostos aparecem e desaparecem. Novos rostos fazem esquecer os anteriores, que talvez até lhes preparam o caminho. De vez em quando, chega a notícia da morte deste ou daquela. Há uns momentos de comoção e... o espectáculo continua! Terá valido a pena aparecer tanto, para desaparecer tão rapidamente? O circo dos meios de comunicação social precisa de mitos para exaltar e esquecer; precisa de personagens novas e interessantes, que respondam aos gostos do momento e mudem quando os gostos mudarem. A mobilidade dos sentimentos marca igualmente a mobilidade da sorte de quem os acaricia. Quantas vezes nos sentimos ridículos por nos termos deixado levar por este ou por aquele sentimento. Queira Deus que, um dia, não seja obrigado a rever o filme da minha vida, com as minhas vaidades e o meu auto comprazimento. Por isso, é bom reflectir sobre a fragilidade e a fugacidade do que é humano, para nos aproximarmos um pouco da sabedoria do coração.
    A fé diz-nos que o mistério pascal, com os seus diferentes tempos, ilumina todos os tempos da vida humana. O Filho do homem «ressuscitará ao terceiro dia» e o projecto de Deus irá realizar-se. Em todas as peripécias humanas há sempre o tempo da graça, porque o mistério de Cristo em todas colocou graças profundas. Caminhemos pois na luz, unidos ao seu mistério de morte e de vida, para a eternidade feliz que o nosso coração deseja e Ele já nos conquistou.
    Qohélet oferece-nos pensamentos salutares sobre a caducidade das coisas e sobre a nossa própria caducidade que tem a sua máxima expressão na morte. Assim nos podemos tornar pensadores e sábios, sem ficarmos desconsolados ou, pior ainda, desesperados, porque «fomos salvos na esperança» (Rm 8, 24), e «a esperança não desilude» (Rm 5, 5). Cristo em nós é «esperança da glória» (Col 1, 27). Nós vivemos «em vista da esperança que (nos) espera nos c&
    eacute;us» (Col 1, 5).

    Oratio
    Senhor, também eu sou tentado a lançar-me avidamente para aproveitar as ocasiões em que a vida parece poder dar-me algo que me satisfaz, ainda que momentaneamente, pois tudo parece caminhar para se desfazer como bola de sabão. Mas, hoje, apontas-me uma rocha segura a que me agarrar, a rocha de «Cristo Deus», perenemente proclamada por Pedro, no meio das ondas do tempo, das modas, dos pensamentos, da variedade das aventuras humanas. Tudo na vida pode mudar. Mas o teu Filho, «o Cristo de Deus», permanece. Contemplando-o, Cordeiro degolado, mas de pé, morto e ressuscitado, estou certo de que vale a pena viver.
    Imprime no meu coração a profissão de fé de Pedro. Vencerá as minhas angústias e os meus medos. Não me deixará afogar no turbilhão do inexorável fluir e do imprevisível correr de todas as coisas. Amen.

    Contemplatio
    O Coração de Jesus é o nosso doce refúgio. É desde os Padres da Igreja que a tradição interpreta neste sentido o nosso texto do Cântico dos Cânticos (Cant 2, 13-14). Santo Agostinho diz no seu Manual (c. 2): «Longuinhos abriu-me com a sua lança o lado de Jesus, e eu entrei e repouso lá em segurança». - S. Bernardo tem páginas deliciosas no seu tratado da Paixão (c. 3): «O vosso coração foi ferido, diz a Nosso Senhor, para que eu possa nele e em vós habitar... como é bom habitar neste coração!...». S. Boaventura dizia: «Penetrando nas chagas de Jesus, chego até ao fundo do seu amor... entremos lá todos inteiros, aí encontraremos o nosso repouso e uma inefável doçura» (Stim. Div. Amoris, c.1). Nosso Senhor dizia a Santa Matilde: «Dar-te-ei o meu coração como um lugar de refúgio». S. Francisco de Sales escrevia a uma visitandina (Carta 64): «Não sei onde estareis nesta Quaresma, segundo o corpo; segundo o espírito, espero que estejais na caverna da rola e no lado ferido de Nosso Senhor; quero esforçar-me por estar lá muitas vezes convosco; Deus, pela sua soberana bondade, nos faça essa graça!... Como este Senhor é bom, minha muito querida filha, como o seu coração é amável! Permaneçamos nesse santo domicílio!». O P. Cláudio de la Colombière tem portanto razão ao dizer que o Coração de Jesus é o retiro de todas as almas santas. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 195 ss.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O meu Coração é o teu refúgio» (Jesus a Santa Matilde).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    24 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXV Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Qohélet 11, 9-12,8
    9Jovem, regozija-te na tua mocidade e alegra o teu coração na flor dos teus anos. Segue os impulsos do teu coração e o que agradar aos teus olhos, mas sabe que, de tudo isso, Deus te pedirá contas. 10Lança fora do teu coração a tristeza, poupa o sofrimento ao teu corpo: também a meninice e a juventude são ilusão. 1Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que venham os dias maus e cheguem os anos, dos quais dirás: «Não sinto neles prazer algum»; 2antes que escureçam o Sol e a luz, a Lua e as estrelas, e voltem as nuvens depois da chuva; 3quando os guardas da tua casa começarem a tremer, e os homens robustos, a vergar; quando as mós deixarem de moer por serem poucas, e se escurecer a vista dos que olham pela janela; 4quando se fecham as portas da rua, quando enfraquece a voz do moinho, quando se acorda com o piar de um pássaro e emudecem as canções. 5Então, também haverá o medo das subidas, e haverá sobressaltos no caminho, enquanto a amendoeira abre em flor, o gafanhoto engorda, e a alcaparra perde as suas propriedades. Então, o homem encaminha-se para a sua casa da eternidade, e as carpideiras percorrem as ruas; 6antes que se rompa o cordão de prata e se quebre a bacia de oiro; antes que se parta a bilha na fonte, e se desenrole a roldana sobre a cisterna. 7Então o pó voltará à terra de onde saiu e o espírito voltará para Deus que o concedeu. 8Ilusão das ilusões - disse Qohélet - tudo é ilusão.
    Que sentido tem a vida, se tudo corre tão depressa para a velhice e para a morte? É a questão posta por Qohélet, que descreve impiedosamente o irromper da velhice. Numa das páginas mais célebres, usa a imagem de um palácio nobre, outrora cheio de vida e actividade, e agora inexoravelmente em ruínas.
    Naturalmente a velhice também é um risco, e pode apresentar-se com um rosto dramático, sobretudo se for a conclusão de uma vida vazia, dispersa. Por isso, Qohélet começa por dizer: «Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude» (12, 1). Não se trata de um carpe diem em sentido hedonístico e pagão. Mas sempre é verdade que a vida é uma só. É preciso vivê-la intensamente. Uma velhice que concluiu uma vida cheia é qualitativamente diferente de uma velhice que encerra uma vida vazia.
    Com maior profundidade, o homem bíblico, a começar por Qohélet, sabe que não só a velhice constitui uma situação de risco. O mesmo pode suceder com o resto da vida. A velhice está envolta num problema mais geral. É uma janela virada para a vida contemplada na sua verdade. A velhice não é isolável. Só se resolve o problema da velhice, se se resolver o problema da vida.

    Evangelho: Lucas 9, 43b-45
    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: 44«Prestai bem atenção ao que vou dizer-vos: o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens.» 45Eles, porém, não entendiam aquela linguagem, porque lhes estava velada, de modo que não compreendiam e tinham receio de o interrogar a esse respeito.
    O povo, e os próprios discípulos, estão admirados com as maravilhas que Jesus faz. Mas Ele interrompe a euforia dos mais próximos, os Apóstolos, para lhes falar novamente da cruz que O espera. A diferença é clamorosa: o que deve interessar aos discípulos não é a glória do Mestre, mas o seu «ser entregue nas mãos dos homens» (v. 44). É isso que devem compreender, sob pena de não perceberem correctamente a identidade de Jesus e a verdade da sua revelação. Compreender a cruz significa compreender o lado mais luminoso, novo e imprevisível do rosto de Deus revelado em Jesus. Não se trata de um qualquer pormenor, mas do centro, do essencial.

    Meditatio
    As leituras de hoje dão razão a S. Inácio de Loiola, que, no livro do Exercícios Espirituais, nos ensina que, no tempo da consolação, havemos de preparar o da desolação. Qohélet fala a um jovem e faz-lhe entrever a velhice, a morte, o juízo de Deus, com uma descrição cheia de melancolia. Jesus experimentou durante a sua vida tempos de consolação, por exemplo, quando todos se maravilhavam com as suas obras (cf. Lc 8, 12). Mas exactamente neles, pensava na sua paixão: «o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens» (v. 44).
    Mas também é certo que a brevidade da vida e a perspectiva de dias tristes não podem nem devem tirar-nos a capacidade de apreciar as pequenas e grandes alegrias, que havemos de receber com reconhecimento e gratidão. Joga-se aí muita da plausibilidade da nossa fé. O desafio com o novo paganismo joga-se também na questão da "felicidade": somos mais "felizes" com fé ou sem fé? Podemos apreciar melhor a criação, olhando o Criador, ou fixando-nos exclusivamente na criatura? Mais: existe, de verdade, "o bem-estar da fé"? O cristão está destinado a ser um eterno choramingas ou desmancha-prazeres, ou é chamado a espalhar a boa nova, a alegria de se sentir envolvido, acolhido e amado pelo Mistério adorável que o rodeia? A difusão e aceitação do Evangelho também dependem da capacidade do cristão em testemunhar alegria. Mas isso comporta uma correcta relação com as criaturas, uma capacidade de gozar com as coisas boas e belas que nos são dadas, de viver com espírito alegre, grato, exultante, louvando o Criador. Comporta a maturidade da fé, que não idolatra nem teme as criaturas, companheiras da nossa viagem rumo à plenitude.
    O texto evangélico mostra-nos, mais uma vez, que o sucesso da vida pública de Jesus é apenas a primeira etapa para o Reino de Deus. A vitória virá pela Paixão. No seu ministério, não procura o sucesso, mas a vontade de Deus, que hoje quer o sucesso e amanhã quer os sofrimentos e a morte. Por isso, quando chega «a sua hora», Jesus enfrenta-a com coragem e com o mesmo amor.
    Fixemo-nos, pois, nos valores fundamentais, e não nos superficiais e efémeros. Se procuramos observar o mandamento do amor de deus e do próximo, e progredir nesse amor, jamais seremos desiludidos.
    A radicalidade da nossa "adesão" a Cristo consiste em segui-l´O «virgem e pobre», ele «que, pela sua obediência até à morte de cruz, redimiu e santificou os homens (PC 1)»: casto (renuncia aos bens da pessoa), pobre (renuncia aos bens materiais), obediente (renuncia à própria livre vontade). Mas Jesus não nos quer pobres para ser pobres, mortificados para sofrermos. Não seria uma boa proposta! O homem que compra o campo com o tesouro escondido faz um bom negócio, tal como o mercador que compra a «pérola de grande valor», renunciam efectivamente a todos os seus "haveres" (Mt 13, 44-46). Mas sentem «grande alegria» (Mt 13, 44), porque obtêm algo de mais precioso. Evangelho é uma alegre notícia, não um anúncio fúnebre; é vid
    a e não morte. Jesus propõe-nos a renúncia a bens inferiores, transitórios, efémeros, para nos dar bens superiores, estáveis, eternos; propõe-nos que demos lugar ao que vale mais, ao melhor, ao Tudo, ao Amor: «Quem perder a sua vida por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á» (Mc 8, 35; Cf. Mt 10, 39; Lc 17, 33; Jo 12, 25).
    Escreve S. Paulo: «A paz de Deus (isto é, o conjunto de todos os bens messiânicos), que sobrepuja todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus» (Fil 4, 7).

    Oratio
    Obrigado, Senhor, pela beleza, pela grandeza e pela riqueza da tua criação. Ela fala-me de Ti. Obrigado porque «maravilhosamente criaste, e mais maravilhosamente renovaste» este nosso mundo. Louvo-te e admiro-te em cada criatura. Mas não quero deixar-me amargurar pelo facto de que tudo passa. Agradeço-te o que me dás, porque mo ofereces. Agradeço-te a alegria e a utilidade de quanto me dás. Que jamais me esqueça que tudo vem de Ti e me leva para Ti. Então, a minha felicidade será plena, porque participarei na tua alegria, agora e sempre. Amen.

    Contemplatio
    Lemos duas vezes no Evangelho que Jesus chorou e só lemos uma vez que se alegrou no Espírito Santo (Lc 10, 21). Chorou junto ao túmulo de Lázaro e sobre a ingrata Jerusalém. Alegrou-se dando graças ao seu Pai, porque tinha revelado os mistérios do seu reino aos humildes e aos pequenos.
    Também o padre terá mais motivos de tristeza do que de alegria, o discípulo não se encontra acima do seu mestre. Se o seu olhar esclarecido pela fé lhe descobre a torpeza dos pecados que se cometem no mundo e se tem um coração bastante compassivo para se emocionar perante o aspecto dos desastres que o pecado e a morte produzem nos corpos e nas almas, o padre participará necessariamente nas angústias do nosso divino Redentor.
    Mas trinta e três anos de mágoas interiores, misturadas com sofrimentos físicos e provações não tiveram por efeito tornar o nosso divino Mestre soturno ou melancólico. Os frutos do Espírito Santo enchiam-no em toda a sua amplitude, e estes frutos são «a caridade, a alegria e a paz» (Gal 5, 22). Jamais algum rosto humano brilhou de amor divino e de uma alegria celeste como o rosto do Homem-Deus. E nós não nos pareceríamos ao nosso Mestre, se o nosso espírito fosse sombrio e a nossa voz lúgubre. (Leão Dehon, OSP 2, p. 601).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Dai-me, Senhor, a verdadeira sabedoria» (da Liturgia).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • 26º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    26º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    25 de Setembro, 2022

    ANO C

    26º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 26º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo propõe-nos, de novo, a reflexão sobre a nossa relação com os bens deste mundo... Convida-nos a vê-los, não como algo que nos pertence de forma exclusiva, mas como dons que Deus colocou nas nossas mãos, para que os administremos e partilhemos, com gratuidade e amor.
    Na primeira leitura, o profeta Amós denuncia violentamente uma classe dirigente ociosa, que vive no luxo à custa da exploração dos pobres e que não se preocupa minimamente com o sofrimento e a miséria dos humildes. O profeta anuncia que Deus não vai pactuar com esta situação, pois este sistema de egoísmo e injustiça não tem nada a ver com o projecto que Deus sonhou para os homens e para o mundo.
    O Evangelho apresenta-nos, através da parábola do rico e do pobre Lázaro, uma catequese sobre a posse dos bens... Na perspectiva de Lucas, a riqueza é sempre um pecado, pois supõe a apropriação, em benefício próprio, de dons de Deus que se destinam a todos os homens... Por isso, o rico é condenado e Lázaro recompensado.
    A segunda leitura não apresenta uma relação directa com o tema deste domingo... Traça o perfil do "homem de Deus": deve ser alguém que ama os irmãos, que é paciente, que é brando, que é justo e que transmite fielmente a proposta de Jesus. Poderíamos, também, acrescentar que é alguém que não vive para si, mas que vive para partilhar tudo o que é e que tem com os irmãos?
    LEITURA I - Am 6,1a.4-7

    Leitura da Profecia de Amós

    Eis o que diz o Senhor omnipotente:
    «Ai daqueles que vivem comodamente em Sião
    e dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria.
    Deitados em leitos de marfim,
    estendidos nos seus divãs,
    comem os cordeiros do rebanho
    e os vitelos do estábulo.
    Improvisam ao som da lira
    e cantam como David as suas próprias melodias.
    Bebem o vinho em grandes taças
    e perfumam-se com finos unguentos,
    mas não os aflige a ruína de José.
    Por isso, agora partirão para o exílio à frente dos deportados
    e acabará esse bando de voluptuosos».

    AMBIENTE

    Continuamos com Amós, o profeta de Técua, de quem já falámos no passado domingo. Estamos em meados do séc. VIII a.C. (por volta de 762 a.C.), no reino do Norte (Israel). As conquistas de Jeroboão II criaram bem-estar, riqueza, prosperidade; no entanto, a situação de desafogo não beneficia toda a nação, mas um grupo privilegiado (no qual podemos incluir os nobres, os cortesãos, os militares, os grandes latifundiários e os comerciantes sem escrúpulos). Nasce, assim, uma classe dirigente poderosa, cada vez mais rica, que vive instalada no luxo, que explora os pobres e que, apoiada por juízes corruptos, comete ilegalidades e prepotências... Do outro lado, estão os pobres, vítimas inocentes e silenciosas de um sistema que gera injustiça, miséria, sofrimento, opressão. É neste contexto que o "profeta da justiça social" vai fazer ouvir a sua denúncia profética.
    O texto que hoje nos é proposto pertence ao género literário dos "ais" (vers. 1). Começa com uma interjeição ("hwy") que é, habitualmente, usada em lamentações fúnebres. A palavra corresponde ao grito com que as carpideiras acompanham o cortejo fúnebre... É o terceiro "ai" de Amós; os outros dois aparecem em Am 5,7 (a propósito da justiça e dos tribunais) e em Am 5,18 (a propósito do culto). Os profetas utilizam, normalmente, esta palavra como introdução a um oráculo que anuncia o castigo: indica que certas pessoas ou grupos se encontram às portas da morte por causa dos seus pecados.

    MENSAGEM

    Quem são os destinatários da mensagem que Amós propõe neste texto? Quem são esses que se encontram às portas da morte por causa dos seus pecados?
    Trata-se da classe dirigente, rica e indolente, que vive comodamente nos palácios da capital, que esbanja em luxos, que vive numa eterna festa; trata-se desses parasitas que se deitam "em leitos de marfim", que comem alimentos seleccionados, que bebem vinhos raros em excesso, que usam perfumes importados, que se divertem ouvindo música e compondo canções. O mais grave (este texto não o diz directamente, mas a ideia está sempre presente na denúncia de Amós) é que todo este luxo e esbanjamento resultam da exploração dos mais pobres e das rapinas e prepotências cometidas contra os fracos. De resto, esta classe rica e indolente vive egoisticamente mergulhada no seu mundo cómodo e não se preocupa minimamente com a miséria e o sofrimento que aflige os seus irmãos. Os pobres trabalham duramente, numa existência cheia de dores, trabalhos e misérias, para sustentarem a indolência e o luxo da classe dirigente. Deus pode aceitar que esta situação se prolongue indefinidamente?
    É evidente que Deus não está disposto a pactuar com isto. A classe dominante da Samaria está a infringir gravemente os mandamentos da "aliança" e Deus não aceita ser cúmplice daqueles que mantêm um elevado nível de vida à custa do sangue e das lágrimas dos pobres. Por isso, o castigo chegará em forma de exílio numa terra estrangeira (o profeta refere-se à queda da Samaria nas mãos dos assírios de Salamanasar V, em 721 a.C., e à partida da classe dirigente para o cativeiro na Assíria).

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão e partilha, considerar as seguintes questões:

    • O quadro pintado por Amós descreve, em pormenor, situações bem conhecidas de todos nós... Pensemos nas festas do jet-set e nas quantias gastas em roupas, em jóias, em perfumes, por aqueles que as frequentam; pensemos nas quantias gastas em noites de jogatana por gente que paga miseravelmente aos seus operários; pensemos nos governantes que malbaratam os dinheiros públicos e que nem sequer vão a tribunal porque há sempre uma maneira de fazer com que o crime prescreva... E, por contraste, pensemos nos operários que arriscam a vida em obras perigosas, porque o patrão não quis gastar uns trocos com sistemas de segurança; pensemos naqueles que ganham salários mínimos, trabalhando duramente para enriquecer um patrão prepotente e sem escrúpulos, mas que ao fim do mês não têm dinheiro para pagar o infantário dos filhos; pensemos nos trabalhadores clandestinos que não recebem o salário ao fim do mês, porque o patrão desapareceu sem pagar; pensemos naqueles que recebem pensões de miséria e que vivem em condições infra-humanas porque a sua magra reforma mal dá para pagar os medicamentos... Um cristão pode conformar-se com estes contrastes? Que podemos fazer? Como reivindicar, com coragem profética, um mundo mais parecido com o projecto de Deus?

    • Convém, também, aplicarmos o questionamento que a mensagem de Amós exige a nós próprios... Muito provavelmente, não frequentamos as festas do jet-set, nem usamos dinheiros públicos para pagar os nossos divertimentos e esbanjamentos... Mas, numa escala muito menor, não teremos os mesmos vícios que Amós denuncia nesta classe rica e ociosa? Não nos deixamos, às vezes, arrastar pelo desejo de ter, comprando coisas supérfluas e impondo sacrifícios à família para pagar as nossas manias de grandeza? Não gastamos, às vezes, de forma descontrolada, para pagar os nossos pequenos vícios, sem pensar nas necessidades daqueles que dependem de nós? E os religiosos e religiosas com voto de pobreza não gastam, às vezes, de forma supérflua, esquecendo que vivem das ofertas generosas de pessoas que têm menos do que eles?
    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 145 (146)

    Refrão 1: Ó minha alma, louva o Senhor.

    Refrão 2: Aleluia.

    O Senhor faz justiça aos oprimidos,
    dá pão aos que têm fome
    e a liberdade aos cativos.

    O Senhor ilumina os olhos dos cegos,
    o Senhor levanta os abatidos,
    o Senhor ama os justos.

    O Senhor protege os peregrinos,
    ampara o órfão e a viúva
    e entrava o caminho aos pecadores.

    O Senhor reina eternamente.
    O teu Deus, ó Sião,
    é Rei por todas as gerações.
    LEITURA II - 1 Tim 6,11-16

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo

    Caríssimo:
    Tu, homem de Deus, pratica a justiça e a piedade,
    a fé e a caridade, a perseverança e a mansidão.
    Combate o bom combate da fé,
    conquista a vida eterna, para a qual foste chamado
    e sobre a qual fizeste tão bela profissão de fé
    perante numerosas testemunhas.
    Ordeno-te na presença de Deus,
    que dá a vida a todas as coisas,
    e de Cristo Jesus,
    que deu testemunho da verdade diante de Pôncio Pilatos:
    guarda este mandamento sem mancha
    e acima de toda a censura,
    até à aparição de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    a qual manifestará a seu tempo
    o venturoso e único soberano,
    Rei dos reis e Senhor dos senhores,
    o único que possui a imortalidade e habita uma luz inacessível,
    que nenhum homem viu nem pode ver.
    A Ele a honra e o poder eterno. Amen.

    AMBIENTE

    Continuamos a reflectir a Primeira Carta a Timóteo. Timóteo é esse cristão natural de Listra, filho de pai grego e de mãe judeo-cristã que acompanhou algumas das viagens missionárias de Paulo, a quem Paulo confiou a coordenação pastoral das igrejas da Ásia e que, segundo a tradição, foi o primeiro bispo da Igreja de Éfeso. O autor (que se apresenta como Paulo, embora a atribuição desta carta ao apóstolo seja - como já vimos nos domingos anteriores - bastante problemática) traça, para edificação de Timóteo, o retrato do "homem de Deus".
    O contexto das "cartas pastorais" coloca-nos, presumivelmente, nos inícios do séc. II d.C., numa altura em que as heresias - nomeadamente de tipo gnóstico - começam a incomodar os cristãos. Embora continue a discutir-se o "ambiente" em que as cartas pastorais aparecem, o certo é que se trata de uma época em que a comunidade cristã começa a sofrer a influência de "falsos mestres", que difundem doutrinas estranhas (o autor da carta traça o quadro dos "falsos mestres": são orgulhosos, ignorantes, discutem questões sem importância, fomentam a inveja, a discórdia, os insultos, as suspeitas injustas, as invejas e ciúmes e estão preocupados com as questões do lucro - cf. 1 Tim 6,4-6)... Neste "ambiente", é importante sublinhar as características do verdadeiro discípulo, através de quem a verdadeira fé é transmitida.

    MENSAGEM

    Como deve ser, então, na perspectiva do autor deste texto, o "homem de Deus"?
    O verdadeiro "homem de Deus" (que Timóteo deve representar) tem de distinguir-se por uma vida santa, enraizada na fé e no amor aos irmãos. Em concreto, o "homem de Deus" deve cultivar a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança, a doçura. Tem de ser paciente e manso, diante das dificuldades que o serviço apostólico levanta. Deve guardar "o mandamento do Senhor" - isto é, a verdade da fé que lhe foi transmitida pela tradição apostólica. No que diz respeito ao perfil do "homem de Deus", tudo se resume no amor para com os irmãos, no entusiasmo pelo ministério e na capacidade de transmitir a verdadeira doutrina, herdada dos apóstolos.
    O texto termina com um hino litúrgico, que apresenta Deus como o Senhor dos senhores, o único soberano, aquele que possui a imortalidade, a glória e o poder universal... Trata-se de uma solene doxologia que provém, sem dúvida, do repertório das orações usadas nas sinagogas judaicas do mundo grego e que apresenta Deus em contraste com os falsos deuses e com os títulos humanos atribuídos a reis e imperadores.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão e a partilha, ter em conta os seguintes dados:

    • O retrato aqui esboçado do "homem de Deus" define os traços do verdadeiro crente: ele é alguém que vive com entusiasmo a sua fé, que ama os irmãos (que trata todos com doçura, com paciência, com mansidão) e que dá testemunho da verdadeira doutrina de Jesus, sem se deixar seduzir e desviar pelas modas ou pelos interesses próprios. Identificamo-nos com este modelo?

    • A proposta que aqui é feita a Timóteo deve, sobretudo, caracterizar a vida daqueles que têm responsabilidades na animação das comunidades cristãs. Os animadores das nossas comunidades são, efectivamente, pessoas cheias de amor, de mansidão, de paciência, de capacidade de doar a vida e de servir os irmãos? São pessoas que transmitem, com fidelidade e coerência, o projecto de Jesus, ou são pessoas que transmitem doutrinas próprias, condicionadas pelos seus interesses? Na vida e no testemunho dos animadores das nossas comunidades, nota-se a vontade de dar um verdadeiro testemunho de Jesus e da sua proposta de salvação, ou nota-se a busca de privilégios, de títulos e de honras sociais?
    ALELUIA - 2 Cor 8,9

    Aleluia. Aleluia.

    Jesus Cristo, sendo rico, fez-Se pobre,
    para nos enriquecer na sua pobreza.
    EVANGELHO - Lc 16,19-31

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos fariseus:
    «Havia um homem rico,
    que se vestia de púrpura e linho fino
    e se banqueteava esplendidamente todos os dias.
    Um pobre, chamado Lázaro,
    jazia junto do seu portão, coberto de chagas.
    Bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico,
    mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas.
    Ora sucedeu que o pobre morreu
    e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão.
    Morreu também o rico e foi sepultado.
    Na mansão dos mortos, estando em tormentos,
    levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado.
    Então ergueu a voz e disse:
    'Pai Abraão, tem compaixão de mim.
    Envia Lázaro, para que molhe em água a ponta do dedo
    e me refresque a língua,
    porque estou atormentado nestas chamas'.
    Abraão respondeu-lhe:
    'Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida
    e Lázaro apenas os males.
    Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado,
    enquanto tu és atormentado.
    Além disso, há entre nós e vós um grande abismo,
    de modo que se alguém quisesse passar daqui para junto de vós,
    ou daí para junto de nós,
    não poderia fazê-lo'.
    O rico insistiu:
    'Então peço-te, ó pai,
    que mandes Lázaro à minha casa paterna
    – pois tenho cinco irmãos –
    para que os previna,
    a fim de que não venham também para este lugar de tormento'.
    Disse-lhe Abraão:
    'Eles têm Moisés e os Profetas.
    Que os oiçam'.
    Mas ele insistiu:
    'Não, pai Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles,
    arrepender-se-ão'.
    Abraão respondeu-lhe:
    'Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas,
    mesmo que alguém ressuscite dos mortos,
    não se convencerão'.

    AMBIENTE

    A leitura que hoje nos é proposta apresenta mais uma etapa do "caminho de Jerusalém". A história do rico e do pobre Lázaro é um texto exclusivo de Lucas. Não é possível dizer se se trata de uma parábola procedente de uma fonte desconhecida, ou se é uma criação do próprio Lucas... De qualquer forma, trata-se de uma catequese (desenvolvida ao longo de todo o capítulo 16 do Evangelho segundo Lucas) em que se aborda o problema da relação entre o homem e os bens deste mundo. Jesus dirige-Se, aqui, aos fariseus (cf. Lc 16,14), como representantes de todos aqueles que amam o dinheiro e vivem em função dele.

    MENSAGEM

    A parábola tem duas partes.
    Na primeira (vers. 19-26), Lucas apresenta os dois personagens fundamentais da história, segundo um cliché literário muito comum na literatura bíblica: um rico que vive luxuosamente e que celebra grandes festas e um pobre, que tem fome, vive miseravelmente e está doente. No entanto, a morte dos dois muda radicalmente a situação. O que é que, verdadeiramente, está aqui em causa?
    Atentemos nos dois personagens... Do rico diz-se, apenas, que se vestia de púrpura e linho fino, e que dava esplêndidas festas. De resto, não se diz se ele era mau ou bom, se frequentava ou não o templo, se explorava os pobres ou se era insensível ao seu sofrimento (aparentemente, isso não é decisivo para o desfecho); no entanto, quando morreu, foi para um lugar de tormentos. Do pobre Lázaro diz-se, apenas, que jazia ao portão do rico, que estava coberto de chagas, que desejava saciar-se das migalhas que caíam da mesa do rico e que os cães vinham lamber-lhe as chagas; quando morreu, Lázaro foi "levado pelos anjos ao seio de Abraão" (quer dizer, a um lugar de honra no festim presidido por Abraão. Trata-se do "banquete do Reino", onde os eleitos se juntarão - de acordo com o imaginário judaico - com os patriarcas e os profetas); não se diz, no entanto, se Lázaro levou na terra uma vida exemplar ou se cometeu más acções, se foi um modelo de virtudes ou foi um homem carregado de defeitos, se trabalhava duramente ou se foi um parasita que não quis fazer nada para mudar a sua triste situação...
    Nesta história, não parecem ser as acções boas ou más cometidas neste mundo pelos personagens (a história não faz qualquer referência a isso) que decidem a sorte deles no outro mundo. Então, porque é que um está destinado aos tormentos e outro ao "banquete do Reino"?
    A resposta só pode ser uma: o que determina a diferença de destinos é a riqueza e a pobreza. O rico conhece os "tormentos" porque é rico; o pobre conhece o "banquete do Reino" porque é pobre. Mas então, a riqueza será pecado? Aqueles que acumularam riquezas sem defraudar ninguém serão culpados de alguma coisa? Ser rico equivale a ser mau e, portanto, a estar destinado aos "tormentos"?
    Na perspectiva de Lucas, a riqueza - legítima ou ilegítima - é sempre culpada. Os bens não pertencem a ninguém em particular (nem sequer àqueles que trabalharam duramente para se apossar de uma fatia gorda dos bens que Deus colocou no mundo); mas são dons de Deus, postos à disposição de todos os seus filhos, para serem partilhados e para assegurarem uma vida digna a todos... Quem se apossa - ainda que legitimamente - desses bens em benefício próprio, sem os partilhar, está a defraudar o projecto de Deus. Quem usa os bens para ter uma vida luxuosa e sem cuidados, esquecendo-se das necessidades dos outros homens, está a defraudar os seus irmãos que vivem na miséria. Nesta história, Jesus ensina que não somos donos dos bens que Deus colocou nas nossas mãos, ainda que os tenhamos adquirido de forma legítima: somos apenas administradores, encarregados de partilhar com os irmãos aquilo que pertence a todos. Esquecer isto é viver de forma egoísta e, por isso, estar destinado aos "tormentos".
    Na segunda parte do nosso texto (vers. 27-31), insiste-se em que a Escritura - na qual os fariseus eram peritos - apresenta o caminho seguro para aprender e assumir a atitude correcta em relação aos bens. O rico ficou surdo às interpelações da Palavra de Deus ("Moisés e os Profetas") e isso é que decidiu a sua sorte: ele não quis escutar as interpelações da Palavra e não se deixou transformar por ela. O versículo final (vers. 31) expressa perfeitamente a mensagem contida nesta segunda parte: até mesmo os milagres mais espectaculares são inúteis, quando o homem não acolheu no seu coração a Palavra de Deus. Só a Palavra de Deus pode fazer com que o homem corrija as opções erradas, saia do seu egoísmo, aprenda a amar e a partilhar.
    A história que nos é proposta é uma ilustração das bem-aventuranças e dos "ais" de Lc 6,20-26... Anuncia-se, desta forma, que o projecto de Deus passa por um "Reino" de fraternidade, de amor e de partilha. Quem recusa esse projecto e escolhe viver fechado no seu egoísmo e auto-suficiência (os ricos), não pode fazer parte desse mundo novo de fraternidade que Deus quer propor aos homens (a imagem dos "tormentos", contudo, não deve se levada demasiado a sério: faz parte do folclore oriental e das imagens que os pregadores da época utilizavam para impressionar as pessoas e levá-las a modificar radicalmente o seu comportamento).

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e partilha podem partir das seguintes questões:

    • Talvez a catequese que o Evangelho de hoje nos apresenta nos pareça, à partida, demasiado radical: não temos o direito de ser ricos, de gozar os bens que conquistámos honestamente? No entanto, convém termos consciência de que cerca de um quarto da humanidade tem nas mãos cerca de 80% dos recursos disponíveis do planeta; e que três quartos da humanidade têm de contentar-se com os outros 20% dos recursos. Isto é justo? É justo que várias dezenas de milhares de crianças morram diariamente por causa da fome e de problemas relacionados com a subnutrição, enquanto o primeiro mundo destrói as colheitas para que o excesso de produção não obrigue a baixar os preços? É justo que se gastem em festas sociais quantias que davam para construir uma dúzia de escolas ou meia dúzia de hospitais num país do quarto mundo?

    • O Vaticano II afirma: "Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos (...). Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros. De resto, todos têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias" (Gaudium et Spes, 69).

    • Como me situo face aos bens? Vejo os bens que Deus me concedeu como "meus, muito meus, só meus", ou como dons que Deus depositou nas minhas mãos para eu administrar e partilhar, mas que pertencem a todos os homens?

    • Por muito pobres que sejamos, devemos continuamente interrogar-nos para perceber se não temos um "coração de rico" - isto é, para perceber se a nossa relação com os bens não é uma relação egoísta, açambarcadora, exclusivista (há "pobres" cujo sonho é, apenas, levar uma vida igual à dos ricos). E não esqueçamos: é a Palavra de Deus que nos questiona continuamente e que nos permite a mudança de um coração egoísta para um coração capaz de amar e de partilhar.
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 26º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 26º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. ORAÇÃO DOS FIÉIS INSPIRADA NO SALMO.
    Pode-se fazer a oração dos fiéis inspirada no Salmo de hoje: "Senhor, faz justiça aos oprimidos, aos famintos dá o pão, protege os estrangeiros...".

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
    No final da primeira leitura:
    "Bendito sejas, Deus de justiça e Pai dos pobres, porque abres os olhos dos profetas aos sinais dos tempos. Nos excessos da fortuna e do bem-estar, Tu fazes-nos ler os anúncios de revoltas e de desordens.
    Nós Te pedimos pela nossa terra e pela nossa sociedade, cujas riquezas estão tão mal distribuídas. Nós Te pedimos perdão pelos nossos próprios excessos".

    No final da segunda leitura:
    "Soberano único e bem-aventurado, Rei dos reis e Senhor dos senhores, que possuis a imortalidade, nós Te damos graças porque dás vida a todas as coisas e nós Te bendizemos pelo teu Filho Jesus, que se manifestará no tempo fixado.
    Nós Te pedimos: guarda-nos irrepreensíveis e justos, na fé e no amor, na perseverança e na doçura".

    No final do Evangelho:
    "Pai dos pobres e defensor dos oprimidos, nós Te bendizemos pelos profetas que nos envias, quando deixamos os caminhos da justiça, e pela glória que reservas àqueles que os homens desprezam.
    Presos nas redes de uma sociedade que produz tantos pobres, nós Te pedimos: ilumina-nos com o teu Espírito, conduz-nos nos caminhos da justiça".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Durante a sua vida, o rico de quem ignoramos o nome conheceu uma certa felicidade, enquanto que o pobre Lázaro conheceu a infelicidade. A felicidade nesta terra é efémera pois está ligada às riquezas. A infelicidade é provisória porque a verdadeira riqueza será dada. Então, é preciso que a morte intervenha para que cada um encontre o seu verdadeiro lugar e a justiça seja feita: o pobre é elevado, ele que tinha sido rebaixado, ele a quem os cães vinham lamber as chagas. Quanto ao rico, é enterrado, ele que trazia vestes de luxo e fazia festins sumptuosos. São os pobres que são exaltados porque esperam a consolação de Deus. São os ricos que são enterrados, porque procuram a sua própria consolação.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Eis ainda uma parábola sobre a má riqueza. Notemos, em primeiro lugar, que é a única parábola em que Jesus dá um nome a um dos protagonistas da história que inventa. O pobre chama-se Lázaro. Este nome, em hebraico, significa "Deus socorreu". É bem isto que Jesus fez pelo seu amigo. O rico, esse, é descrito com todo o fausto que o rodeava: vestidos luxuosos, festins sumptuosos e quotidianos. Mas não tem nome. Ele é "o rico". Aos olhos de Deus, os que ocupam o primeiro lugar são os pobres. Vamos mais longe. Uma frase é central no relato: "Lázaro bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas". Uma frase muito próxima da parábola do filho pródigo, quando o filho mais novo lamenta não poder comer as bolotas dos porcos. O filho mais novo simboliza, sem dúvida, o homem pecador fechado na sua solidão. O pobre Lázaro, esse, é vítima do pecado do rico, mas o resultado é o mesmo: não são vistos por ninguém. Ninguém lhes dá atenção. Só os cães vêm lamber as chagas do pobre. Temos aí uma descrição muito realista do que são muitas vezes as nossas relações. "O rico" é um nome anónimo. As nossas relações não são muitas vezes anónimas? Mesmo com os nossos mais próximos, não acontece, por vezes, que não os vemos verdadeiramente, a ponto de esquecer simplesmente de lhes dizer bom dia, de estar atentos a eles. A indiferença é verdadeiramente um pecado que pode matar. Nomeando o pobre Lázaro, Jesus recorda-nos, ao contrário, que, para Ele e para o seu Pai, cada ser humano é olhado como único. Jesus veio compensar o olhar vazio e anónimo do rico. Veio socorrer todos os pobres - é o sentido do nome de Lázaro! Mais ainda que Moisés e os profetas, é Jesus que devemos escutar, para agir como Ele.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística I, que faz alusão a Abraão (primeira leitura)...

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    E nós hoje? As palavras de Amós atingem sem compaixão aqueles que não se preocupam com o desastre de Israel. Lucas põe em cena um homem rico fechado no luxo, que não tem mesmo qualquer olhar para o pobre Lázaro que está à sua porta. E nós hoje? Ricos ou não, diante de todos os desastres do mundo, temos um olhar diferente para com todos os "Lázaros" da nossa sociedade ou ficamo-nos por um simples relance no ecrã da televisão? Ouvimos os golpes discretos à nossa porta? Ou serão somente cães a dar-lhes assistência?
    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehnianos.org - www.dehonianos.org

  • XXVI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    26 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Job 1, 6-22
    6Um dia em que os filhos de Deus se apresentavam diante do Senhor, o acusador, Satan, foi também junto com eles. 7O Senhor disse-lhe: «Donde vens tu?» Satan respondeu: «Venho de dar uma volta ao mundo e percorrê-lo todo.» ? Senhor disse-lhe: «Reparaste no meu servo Job? Não há ninguém como ele na terra: homem íntegro, recto, que teme a Deus e se afasta do mal.» 9Satan respondeu ao Senhor: «Porventura Job teme a Deus desinteressadamente? 10Não rodeaste Tu com uma cerca protectora a sua pessoa, a sua casa e todos os seus bens? Abençoaste o trabalho das suas mãos, e os seus rebanhos cobrem toda a região. 11Mas se estenderes a tua mão e tocares nos seus bens, verás que te amaldiçoará, mesmo na tua frente.» 12Então, o Senhor disse a Satan: «Pois bem, tudo o que ele possui deixo-o em teu poder, mas não estendas a tua mão contra a sua pessoa.» E Satan saiu da presença do Senhor. 13Ora, um dia em que os filhos e filhas de Job estavam à mesa, e bebiam vinho na casa do irmão mais velho, 14um mensageiro foi dizer a Job: «Os bois lavravam e as jumentas pastavam perto deles. 15De repente, apareceram os sabeus, roubaram tudo e passaram os servos a fio de espada. Só escapei eu para te trazer a notícia.» 16Estava ainda este a falar, quando chegou outro e disse: «Um fogo terrível caiu do céu; queimou e reduziu a cinzas ovelhas e pastores. Só escapei eu para te trazer a notícia.» 17Falava ainda este, e eis que chegou outro e disse: «Os caldeus, divididos em três grupos, lançaram-se sobre os camelos e levaram-nos, depois de terem passado os servos a fio de espada. Só eu consegui escapar, para te trazer a notícia.» 18Ainda este não acabara de falar, e eis que entrou outro e disse: «Os teus filhos e as tuas filhas estavam a comer e a beber vinho na casa do irmão mais velho 19quando, de repente, um furacão se levantou do outro lado do deserto e abalou os quatro cantos da casa, que desabou sobre os jovens. Morreram todos. Só eu consegui escapar, para te trazer a notícia.» 20Então, Job levantou-se, rasgou as vestes e rapou a cabeça. Depois, prostrado por terra em adoração, 21disse: «Saí nu do ventre da minha mãe e nu voltarei para lá. O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou; bendito seja o nome do Senhor!» 22Em tudo isto, Job não cometeu pecado, nem proferiu contra Deus nenhuma insensatez.
    Mais que do sofrimento, o livro de Job trata do comportamento do justo na provação. É a provação que revela o coração do homem e a gratuidade da sua fé. A provação é para todos, também para os melhores. Job era «um homem íntegro e recto, que temia a Deus e se afastava do mal» (1, 1). Não havia razão para ser tentado. Mas a provação bateu-lhe à porta. Experimenta a sua fé. Mostra se Job procura a Deus com fé «pura» ou se, pelo contrário, busca a si mesmo. Job sai vencedor da provação: «Em tudo isto, Job não cometeu pecado» (v. 22ª).
    O texto começa por narrar uma assembleia de anjos no céu, descrita à maneira das assembleias reais nas cortes, ou à dos deuses nas montanhas. As personagens são três: Job, homem justo e rico, que vivia em Uz, fora de Israel, e que até ao momento tinha sido abençoado por Deus; Satanás, que se apresenta para acusar os homens; Deus, que acompanha os homens e as suas acções. - «Porventura Job teme a Deus desinteressadamente?» (v. 9) - pergunta Satanás. .» E acrescenta: «Se estenderes a tua mão e tocares nos seus bens, verás que te amaldiçoará, mesmo na tua frente» (v. 11). Verás se Job Te ama gratuitamente. Deus condescende com Satanás, mas não deixa de confiar em Job.
    Segue um rol de desgraças (vv. 13-22) que submetem Job a dura provação. Perde os bens, os filhos, os servos. Mas, com desgosto para Satanás, Job continua a bendizer a Deus e vence a prova. A sua fé não vacila. Prostra-se por terra e diz: «Saí nu do ventre da minha mãe e nu voltarei para lá. O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou; bendito seja o nome do Senhor!» (v. 21). Satanás perde a aposta.

    Evangelho: Lucas 9, 46-50
    Naquele tempo, 46veio-lhes então ao pensamento qual deles seria o maior. 47Conhecendo Jesus os seus pensamentos, tomou um menino, colocou-o junto de si 48e disse-lhes:«Quem acolher este menino em meu nome, é a mim que acolhe, e quem me acolher a mim, acolhe aquele que me enviou; pois quem for o mais pequeno entre vós, esse é que é grande.» 49João tomou a palavra e disse: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome e impedimo-lo, porque ele não te segue juntamente connosco.» 50Jesus disse-lhe: «Não o impeçais, pois quem não é contra vós é por vós.»
    O evangelho de hoje lembra-nos duas atitudes fraternas muito comuns na vida dos santos, também do Pe. Dehon. A primeira atitude é a da humildade, que se opõe a toda a ambição (vv. 46-48). Outra é a tolerância (cf. Vv. 49 ss.). São temas frequentes nos evangelhos que, no fundo, sublinham a necessidade de ultrapassar a auto-suficiência de quem aspira a títulos e dignidades, bem como o orgulho de grupo, que se pode encontrar em algumas comunidades cristãs e mesmo nas comunidades de consagrados. Põe vezes, pensa-se que os mais importantes são os que possuem mais dotes ou responsabilidades na gestão dessas comunidades. Por outro lado, é bastante espontâneo o desejo de ser o primeiro num grupo. Também os apóstolos caem nesse engano. Discutem sobre o lugar que ocupam e sobre quem é o primeiro entre eles. Mas Jesus não embarca nesse tipo de discussões. Toma uma criança e coloca-a ao seu lado, no lugar de maior dignidade, afirmando: «quem for o mais pequeno entre vós, esse é que é grande» (v. 48b). O pequeno é grande porque é fraco e pobre: é pequeno de corpo, precisa dos outros, não tem liberdade de acção, é inútil. É símbolo do discípulo último e pobre. Mas também é imagem de Jesus que se abandona nos braços do Pai: «Quem acolher este menino em meu nome, é a mim que acolhe, e quem me acolher a mim, aco¬lhe aquele que me envio» (v. 48ª).
    Perante a atitude ciumenta dos apóstolos, Jesus ensina a tolerância: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome e impedimo lo, por¬que ele não te segue juntamente connosco.» (v. 49). Mas Jesus não está de acordo: «Não o impeçais» (v. 50). O discípulo deve ter um coração aberto e tolerante. Deus envia quem quer a anunciar a palavra e a fazer o bem. Não tem necessariamente que pertencer ao grupo de Jesus ou que ser importante. Não conta o arauto: conta a mensagem, o evangelho anunciado. Deus tem muitos modos de falar aos homens.

    Meditatio
    A contemplação de Jesus crucificado, a que somos convidados pelas leituras de hoje, tem consequências em toda a situação humana. De Job, aprendemos que a nossa verdadeira grandeza se revela em amar sempre, e em todas as situações, o «desmesurado amor» (Ef 2, 4) de Deus, mesmo no meio dos maiores sofrimentos.
    Job dá-nos um maravilhoso exemplo de adoração, numa situação de extremo sofrimento. É, talvez, mais fácil reconhecer a Deus, quando tudo corre bem, porque é mais espontâneo pensarmos num deus ao nosso serviço, do que em Deus em Quem podemos confiar e confiar-nos quando parece longe de nós, e até contra nós. Job sabe que depende de Deus e confia n´Ele na fortuna e na desgraça. Ao contrário do que pensa Satanás, é capaz de um amor gratuito. Por isso, despojado de todos os bens, confia-se totalmente a Deus: «Saí nu do ventre da minha mãe e nu voltarei para lá. O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou; bendito seja o nome do Senhor!» (v. 21). Job resistiu à tentação e abriu o coração a Deus. Por isso, adora.
    Despojado de todos os bens, Job torna-se imagem viva da palavra de Jesus: «quem for o mais pequeno entre vós, esse é que é grande» (v. 48b). Só quando está completamente «nu» diante de Deus e do Amor Crucificado, é que o homem se torna realmente grande. Job ainda não o podia compreender completamente, mas permaneceu igualmente fiel. Nós, que já contemplamos Cristo Crucificado, podemos compreendê-lo e compreender o sentido da adoração. Só o pobre é capaz de adorar, como Cristo adorou na cruz. É certamente um ideal difícil. Mas é possível, com a força do Senhor. O importante é não esquecermos Jesus Crucificado.
    Cada um de nós, cada uma das nossas comunidades, está sujeito a sofrimentos e a provações no corpo, no espírito, na comunidade, no apostolado. Cada um de nós está sujeito à experiência da fraqueza e da fragilidade. Mas, na medida em que nos abrirmos ao Espírito, poderemos, em qualquer circunstância da vida, experimentar os Seus preciosos dons, tais como a sabedoria e o santo temor de Deus, bem como os Seus saborosos frutos, tais como a caridade, a alegria, a paz, a paciência, a bondade, a benevolência, a mansidão, a humildade, a fidelidade a Cristo e o abandono de amor ao Espírito (cf. Gl 5, 22.25). Assim, podemos praticar as bem-aventuranças e tornar-nos, na nossa pequenez, antecipadamente, parte dos «novos céus» e da «nova terra», nos quais «habita a justiça» (2 Pe 3, 13). Assim contribuiremos para a realização da «civilização do amor», em harmonia com a experiência de fé e a vida do P. Dehon, bem como com os ideais das nossas Constituições.

    Oratio
    Senhor Jesus Crucificado, dá-nos a graça de experimentar o teu amor no sofrimento e nas provações. Abre-nos o coração e mostra-nos o sentido oculto das experiências dolorosas, com que despedaças a nossa ignorância. Que na prosperidade ou no infortúnio, no sucesso ou no insucesso, na saúde ou na doença, experimentemos a presença do teu "desmesurado amor". Que a contemplação do teu Lado aberto e do teu Coração trespassado nos permita entrever o coração do Pai. Que na nossa pobreza e humilhação resplandeça o seu amor.
    Dá-nos a graça de acolhermos os sofrimentos e as provações como ocasiões para entrarmos, de mente e coração, no teu mistério inefável de amor. Que a nossa pobreza e pequenez seja acolhida como graça que nos dás para nos conhecermos cada vez mais e crescermos na confiança em Ti. Nós to pedimos por intercessão de Maria que, tão provada pelo sofrimento, soube permanecer profundamente crente e fiel. Amen.

    Contemplatio
    O amor não vos permite nem perturbação nem inquietude quanto ao futuro; interdita-vos uma vã curiosidade; prescreve-vos uma humilde e firme confiança.
    Diz-nos o Salvador: Eu vos inspiro mesmo um generoso abandono, colocando-vos na persuasão íntima de que, se amais o vosso Deus, é impossível que sejais infelizes. Ora, nada pode, nem neste mundo nem no outro, arrebatar-vos o tesouro do amor divino, excepto a vossa própria vontade; e quando este amor é um pouco ardente, embora possamos absolutamente sempre perdê-lo por própria culpa, temos horror apenas em pensar que alguma vez queiramos nisso consentir. Podemos também dizer com confiança como S. Paulo: «Quem me separará do amor de Cristo?» (Rom 8, 38). (Leão Dehon, OSP 2, p. 62).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Mostrai-me, Senhor, as maravilhas do vosso amor» (cf. Sl 16, 7ª)
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXVI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    27 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Job 3, 1-3.11-17.20-23
    1Job abriu a boca e amaldiçoou o dia do seu nascimento. 2Tomou a palavra e disse: 3«Desapareça o dia em que nascie a noite em que foi dito: 'Foi concebido um varão!' 11Porque não morri no seio da minha mãe ou não pereci ao sair das suas entranhas? 12Porque encontrei joelhos que me acolheram e seios que me amamentaram? 13Estaria agora deitado em paz, dormiria e teria repouso 14com os reis e os grandes da terra, que constroem mausoléus para si; 15com os príncipes que amontoam ouro e enchem de dinheiro as suas casas. 16Ou como um aborto escondido, eu não teria existido, como um feto que não viu a luz do dia. 17Ali, os maus cessam as suas perversidades, ali, repousam os que esgotaram as suas forças. 20Por que razão foi dada luz ao infeliz, e vida àqueles para quem só há amargura? 21Esses esperam a morte que não vem e a procuram mais do que um tesouro; 22esses saltariam de júbilo e se alegrariam por chegar ao sepulcro. 23Porque vive um homem cujo caminho foi barrado e a quem Deus cerca por todos os lados?
    Depois de atingido por todas as provações, Job permanece sete dias e sete noites em grande prostração, acompanhado pelos três amigos, todos em silêncio. Por fim: «Job abriu a boca e amaldiçoou o dia do seu nascimento» (v. 1). Amaldiçoou o dia em que nasceu e lamentou que não lhe tivesse sido tirada a vida nesse momento. O sofrimento prolongado pode levar ao desespero. Job resistiu com docilidade à violência da provação durante sete dias e sete noites. Não amaldiçoou a Deus nem pediu a morte. Mas, agora, explode em imprecações e lamentos que não é fácil encontrar na Sagrada Escritura. Encontramos algo de semelhante em Jeremias (20, 14).
    Há neste texto um novo modo de enfrentar o sofrimento. Ele já não é visto simplesmente como uma prova para a gratuidade da nossa fé, mas como uma experiência que nos leva a penetrar no mais profundo do abandono, da angústia e da noite escura do Filho de Deus Crucificado. Encontrar estas expressões na Sagrada Escritura, portanto como palavra revelada, dá-nos consolação. Deus aceita quem, na obscuridade e na desolação da prova, fala sem saber o que diz. Os lamentos têm sentido, não são inúteis. Chegam mesmo a ser oração, «oração de lamentação». Job, em plena lamentação, não se afasta de Deus, não se esconde do seu rosto, não procura outro Deus que não o oprima, que não o esmague. Pelo contrário, entrega-se plenamente ao Deus que o desiludiu. A lamentação agita o coração e liberta-o.

    Evangelho: Lc 9, 51-56
    51Como estavam a chegar os dias de ser levado deste mundo, Jesus dirigiu-se resolutamente para Jerusalém 52e enviou mensageiros à sua frente. Estes puseram-se a caminho e entraram numa povoação de samaritanos, a fim de lhe prepararem hospedagem. 53Mas não o receberam, porque ia a caminho de Jerusalém. 54Vendo isto, os discípulos Tiago e João disseram: «Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma?» 55Mas Ele, voltando-se, repreendeu-os. 56E foram para outra povoação.
    Depois do ministério na Galileia, com todas as suas palavras, a sua mensagem, os seus milagres e o testemunho do seu amor, Jesus caminha decididamente para Jerusalém, para a realização do seu destino. O caminho de Jerusalém levará Jesus até à cruz e à ressurreição. É a sua «hora» (cf. Jo 12, 23;16, 32). A hora manifesta a vontade de Jesus e dar a vida. Essa vontade acompanhou-o toda a vida. Nele tudo tendia para o momento do dom. Nessa hora, Jesus acolhe todo o sofrimento dos homens e dá a vida para os salvar. A primeira parte do evangelho de Lucas (ministério na Galileia) visa a "compreensão" do Reino; a segunda visa a "realização" do Reino. Na primeira parte, o Reino é apresentado em parábolas, como um mistério que cresce no escondimento, um crescimento atribulado e fatigante; agora revela-se mais claramente como o mistério da morte e da ressurreição de Cristo. Ao falar deste itinerário, Lucas escreve que Jesus «se dirigiu resolutamente» (v. 51) para Jerusalém. Literalmente, «endureceu o rosto». É uma expressão do cântico do Servo: «Tornei o meu rosto duro como pedra» (Is 50, 7). Jesus vê claramente os sofrimentos que vai enfrentar. Mas abandona-se completamente à vontade do Pai.

    Meditatio
    As palavras de Job expressam sentimentos comuns a quem sofre intensamente. Provavelmente também já experimentámos sentimentos idênticos. O grito dramático de Job é certamente semelhante aos gritos que nós próprios já libertamos em situações de grande sofrimento. Pode-se chegar mesmo ao sinistro desejo da morte. Mas é passando por semelhante provação que podemos encontrar Deus, ou perdê-lo! É Job quem o diz: «Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti, mas agora vêem-te os meus próprios olhos». (42, 5). Agora que Job está "nu" diante de Deus, pode conhecê-lo e amá-lo. É certo que se lamenta e grita. Mas fá-lo diante de Deus. É significativo que a Bíblia não tenha expurgado estas expressões, mas as tenha assumido e tornado oração de lamentação, de súplica e de súplica angustiada a Deus.
    O capítulo terceiro de Job ensina-nos a distinguir a lamentação da lamúria. Somos levados a lamuriar-nos muitas vezes e de tudo. Não somos capazes de nos lamentar com Deus, de chorar diante d´Ele. Nem sempre somos capazes de nos dirigir a Deus.
    Mas o terceiro capítulo de Job também nos ensina a olhar de frente as provações, para lhe quebrarmos o aguilhão. Quando chegamos à conclusão de que não podemos mais, então chegou o momento de exprimirmos a nossa gratuidade de amor. Jesus mostrou-nos a gratuidade do seu amor na cruz, no auge do sofrimento e do seu grito que, por um lado, exprime a suprema desolação mas, por outro, a total confiança no Pai (cf. Mc 15, 34).
    Lembram-nos as nossas Constituições: «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo» (n. 24). O Pe. A. Carminati, de modo muito sintético e eficaz, comenta assim este número das novas Constituições: «A nossa cooperação na obra da redenção, além de se chamar "apostolado", mais cedo ou mais tarde há-de chamar-se "sofrimento", solidão, noite escura, imolação, cruz, morte...».
    Então a nossa vida será reparadora na oferta, na paciência, no abandono, quer dizer, na disponibilidade da "vítima" para a imolação, em comunhão com a paixão e a morte redentora do Senhor..., e entregaremos voluntariamente a nossa vida em favor dos irmãos, olhando para Cristo trespassado, que nos precedeu neste amor redentor (cf. 1 Jo 3, 16).

    Oratio
    Senhor, diante do teu amor crucificado, contemplo o infinito amor com que me falaste ao coração. Também queria amar-te, como tu me amaste. A minha alma tem sede de Ti. Mas não consigo chegar a Ti. Dá-me a graça de Te compreender e de compreender o teu amor, mesmo na tribulação, como o compreendeu o teu servo Job, verdadeiro crente, ainda que pagão. Ajuda-me a compreender as provações de Job, a entrar no seu sofrimento, para poder penetrar nas provações e no sofrimento de Jesus. Tu, Senhor, quiseste assumir os nossos sofrimentos para os purificar. Por isso me podes ajudar a contemplar a cruz, e a ler no Coração trespassado de Cristo todas as riquezas do mistério que Tu és. Amen.

    Contemplatio
    A lamentação de uma alma que geme por não amar Nosso Senhor como quereria toca tão profundamente o seu Coração e inclina-O para ela.
    Estas disposições fazem apelo aos dons da graça. Têm também a vantagem de manter a alma em união com Nosso Senhor. É esta união de corações com o seu que Ele tanto deseja obter. É para consegui-lo que quer espalhar o reino do seu Coração.
    Mas este género de orações (as jaculatórias) não se aplica somente aos dardos ardentes do amor. Com elas pedimos a Nosso Senhor o seu socorro nas provações, pedimos a sua graça para suportar os sofrimentos. Um «Fiat voluntas tua!; faça-se a tua vontade!» escapado de um coração angustiado pelo sofrimento é uma oração de enorme preço aos seus olhos e aos do seu Pai. Quando o santo homem Job conheceu todas as infelicidades que o atingiam, exclamou: «Meu Deus, o que vós me tínheis dado, vós o retomastes, que o vosso santo nome seja bendito!» Uma provação muito penosa, recebida assim com uma oração saída do coração vale mais para a alma do que todos os tesouros da terra.
    É na provação que se sente mais vivamente a necessidade de conversar com Nosso Senhor, de lhe dizer a sua mágoa, de lhe pedir uma graça de força. Um impulso do coração estabelece num instante esta comunicação íntima com o seu Coração.
    Era a prática de todos os santos. Não demoravam a invocá-lo, com medo que Ele mesmo não tardasse a socorrer-lhes. (Leão Dehon, OSP 2, p. 101).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Chegue até vós, Senhor, a minha oração» (Sl 87, 3))
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXVI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    28 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Job 9, 1-12.14-16
    1Job tomou a palavra e respondeu aos seus amigos: 2«Na verdade, eu sei que é assim: Como poderia o homem justificar-se diante de Deus? 3Se quisesse discutir com Ele, não lhe responderia uma vez entre mil. 4Quem é sábio de coração, forte e poderoso para lhe poder resistir impunemente? 5Ele desloca os montes, sem se dar por isso, e desmorona-os na sua cólera. 6Ele sacode a terra do seu lugar, e abala-lhe as colunas. 7Ordena ao sol e o sol não nasce, e guarda as estrelas fechadas com o selo. 8Ele sozinho formou a extensão dos céus e caminha sobre as ondas do mar. 9Ele criou a Ursa Maior, o Orion, as Plêiades e os segredos do céu austral. 10Ele fez grandes e insondáveis maravilhas, prodígios incalculáveis. 11Passa diante de mim e eu não o vejo, afasta-se de mim e não me apercebo. 12Se apanha uma presa, quem lha arrebatará? Quem lhe poderá dizer: 'Porque fazes isso?' 14Quem sou eu para lhe replicar e rebuscar argumentos contra Ele? 15Ainda que tivesse razão não lhe responderia; imploraria misericórdia para a minha causa. 16Se o chamasse e Ele me respondesse, não acreditaria que tivesse ouvido a minha voz.
    Job responde às palavras de consolação de Bildad de Chua (cf. c. 8) que, tendo apontado a desproporção entre Deus e o homem, concluíra que não era possível uma discussão entre eles. A razão está sempre do lado de Deus. Job rebate as palavras do amigo, elogiando a sabedoria e a omnipotência de Deus que se contempla na criação. Se Deus é tão grande e inacessível nas suas obras - pensa Job - mais o será na ordem sobrenatural e moral: «Na verdade, eu sei que é assim: Como poderia o homem justificar-se diante de Deus?» (vv. 1s.). Depois, Job volta a lamentar-se da maneira arbitrária e prepotente de Deus na sua relação com os homens: «Se apanha uma presa, quem lha arrebatará? Quem lhe poderá dizer: 'Por que fazes isso? '» (v. 13). Para Job, é inútil discutir com Deus: «Quem sou eu para lhe replicar e rebuscar argumentos contra Ele?» (v. 14).
    Job fala como é próprio de um homem que sofre e protesta porque nem consegue saber o que é ou não justo. Não aceita soluções que sejam simples reduções ao passado: seria preguiça e facilitismo. Job quer ver claramente. Mas, será isso possível? A questão continua em aberto, enquanto durar a nossa peregrinação sobre a terra. Mas, temos a cruz de Cristo e o seu grito ao Pai: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mc 15, 33). Ao morrer, Jesus precipita-se no abismo da maldade humana. Jesus não suprime o sofrimento, mas projecta luz sobre o seu valor salvífico.

    Evangelho: Lucas 9, 57-62
    Naquele tempo, 57Enquanto iam a caminho, disse-lhe alguém: «Hei-de seguir-te para onde quer que fores.» 58Jesus respondeu-lhe: «As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.» 59E disse a outro: «Segue-me.» Mas ele respondeu: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar o meu pai.» 60Jesus disse-lhe: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos. Quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus.» 61Disse-lhe ainda outro: «Eu vou seguir-te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família.» 62Jesus respondeu-lhe: «Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus.»
    Como vimos ontem, depois do ministério na Galileia, Jesus tomou a direcção de Jerusalém. Não se trata só de mudança de caminho em sentido topográfico, mas também em sentido teológico e místico. Este novo caminho culminará na morte ressurreição de Jesus. É uma perspectiva paradigmática também para os discípulos. A vida cristã passa necessariamente por um encontro com Cristo no Calvário. Não basta contemplar a glória de Cristo; é preciso fixar o nosso olhar também na cruz, onde Cristo atingiu perfeição e chegou à glória (cf. Heb 5, 8s.)
    Os diálogos referidos no evangelho dizem-nos que, além dos Doze, havia outros que queriam seguir Jesus, ainda que não soubessem claramente o que isso significava. As exigências do seguimento de Cristo só se tornaram claras depois da Páscoa. Lucas não nos diz quem são os três interlocutores. Mateus diz-nos que um era um escriba e outro, um discípulo (8, 19.21). Em Lucas, os três retraem-se atemorizados pela "nudez" exigida por Jesus a quem O quer seguir. O primeiro apresentou-se por sua iniciativa. Jesus mostra-lhe o esvaziamento que segui-l´O significa: «o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça» (v. 58). O segundo já é discípulo, como nos informa Mateus. Jesus ordena-lhe que O siga. Mas ele pede licença para ir enterrar o pai. Jesus responde-lhe: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos» (v. 60). Para o Senhor, está morto tudo o que não seja o Deus vivo (cf. Jo 14, 6). O terceiro fez um programa que apresenta a Jesus: «Eu vou seguir te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família» (v. 61). Mas Jesus diz-lhe: «Quem olha para trás, de¬pois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus» (v. 62).
    Não sabemos como acabaram estes episódios. O evangelho apenas refere o que Jesus oferece a quem o segue, isto, o caminho da cruz. É preciso coragem!

    Meditatio
    Job ensina-nos um profundo respeito por Deus. Ninguém pode tentar resistir a Deus dirigindo-Lhe palavras de crítica, ou de recusa: «Quem lhe poderá dizer: 'Por que fazes isso? ' Quem sou eu para lhe replicar e rebuscar argumentos contra Ele?». Pelo contrário, temos que confiar-nos a Ele e aceitar a sua grandeza infinita. Mas o Deus forte de que nos fala o Antigo Testamento fez-se homem, assumiu a nossa condição mortal e revelou-se no rosto pequeno, frágil e vulnerável de Jesus.
    De facto, no evangelho de hoje, contemplamos Jesus que, agindo com toda a autoridade de Deus, o faz com uma humildade que nos impressiona. Ao mesmo tempo que diz: «Segue-me... vai... deixa...», pede-nos para escolhermos corajosamente uma vida pobre e sofredora semelhante à d´Ele: «As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça» (v. 58). Vive a sua autoridade no máximo despojamento, como quem nada possui. Quem ousaria falar de uma tal autoridade e duma tal humilhação juntas na mesma Pessoa? Atingimos o coração da fé pedida ao discípulo. Como S. Paulo, podemos dizer: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10b). Isto enche-nos de alegria. Todo o avanço no caminho do Espírito depende de uma renovada adesão à vida de Jesus.
    A misteriosa figura do Servo de Javé preparou-nos para o mistério de Cristo. Para Jesus, o tempo da paixão é o tempo mais puro e
    mais perfeito da sua oblação de amor ao Pai pelos homens. É também o tempo em que melhor se manifesta a Sua total confiança, o seu abandono, a sua disponibilidade. A oblação de amor de Cristo cresce no silêncio da paixão, até ao momento culminante do impressionante grito na Cruz: "Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?" (Mc 15, 34; Mt 27-45), grito que manifesta a dolorosa experiência da reprovação do pecado pelo Pai, que envolve Cristo por causa da Sua solidariedade com os pecadores. A humanidade de Cristo é arrasada pela dilacerante separação de Deus, que o pecado realiza no homem. Mas S. Lucas também nos recorda o supremo grito de confiança de Jesus, na Cruz: "Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito!" (Lc 23, 46). Esse grito manifesta a união de amor entre o Pai e o Filho, união que nunca foi quebrada, mesmo nas horas mais dramáticas, na sua "hora".
    A adaptação da grandeza e do poder de Cristo à nossa fraqueza humana, pela escolha da humildade e da fraqueza, revela-se magnificamente na Eucaristia. Sob as espécies eucarísticas, Jesus consuma a Sua "Kénosis" ou aniquilamento. Este despojar-se das prerrogativas divinas, esta humilhação de Si mesmo, já Cristo a tinha realizado na Sua Incarnação, Paixão e Morte (cf. Fil 2, 6-8). Todavia esse esvaziamento não retirou à humanidade de Cristo aquele fascínio que encanta as multidões e atrai discípulos. Da Sua humanidade, desprende-se a infinita beleza da divindade, ou também a força divina dos Seus milagres, mesmo que não seja de modo extraordinário, tal como aconteceu na Transfiguração. A Sua incomensurável caridade, a delicada bondade do Seu coração, manso e humilde, aberto a todos, aos pequenos e aos grandes, aos ignorantes e aos dotados, aos pobres e aos ricos deixa entrever a grandeza do Seu Coração, que é o Coração de Deus.

    Oratio
    Senhor Jesus, tal como os Apóstolos, também nós imaginamos que seguir-Te é coisa fácil, inebriante, sem dificuldades nem tropeços. Por isso recusamos o caminho que nos ofereces e entramos em crise à primeira dificuldade, à primeira luta.
    Quero hoje pedir-te que nos dês sabedoria e força para conhecer os teus projectos e aderir ao caminho de fé que Tu, com tanto amor, nos apresentas. Ajuda-nos a compreender bem o que queres de nós. Sabes como temos dificuldade em compreender a tua ciência de amor. Custa-nos aceitar a cruz e, mais ainda, a ver nela um sinal do teu amor e da tua presença na nossa vida. Ajuda-nos a não desistirmos de descobrir nela a presença activa do teu amor. Acende em nós o desejo de aderirmos a Ti, Senhor Crucificado. E, se também isso for difícil para nós, ajuda-nos a deixar-nos acolher por Ti, sem duvidarmos do teu infinito amor. Amen.

    Contemplatio
    É na meditação dos sofrimentos de Nosso Senhor que havemos de colher sobretudo as forças necessárias para praticar o abandono nas provações da vida. A contemplação da sua Paixão desenvolve o amor que lhe temos, e o amor é o meio de transformar em alegria o que seria amargura.
    O desejo de se unir aos sofrimentos de Nosso Senhor adoça as penas que é possível encontrar-se na imolação de si mesmo. Unimos as nossas penas à sua imolação do Calvário e é um meio de nos associarmos à sua dolorosa Paixão, no mesmo espírito no qual se ofereceu, por amor e pela glória de seu Pai e pela salvação das almas. Esta união de intenção é-lhe muito agradável e o amor com o qual o fazemos aumenta ainda o preço aos seus olhos. É assim que não temos verdadeiramente senão um só coração e uma só alma com Ele.
    O seu amor será assim por vós o meio de suportar facilmente todas as provações por onde podereis passar. Aliviar-vos-á, e mesmo transformará em alegria tudo o que sem Ele seria pena ou amargura.
    Alegramo-nos por sermos flagelados com Ele quando lhe oferecemos amorosamente as mortificações da carne e as humilhações do orgulho. Somos coroados de espinhos com Ele e comprazemo-nos n'Ele, quando nos unimos amorosamente aos seus sofrimentos todas as contrariedades que experimentamos. Uma alma avança com Jesus na via dolorosa do Calvário quando segue, unida a Ele pelo amor, as vias onde lha agrada fazê-la passar.
    Somos pregados na cruz com Ele, quando unimos à sua crucifixão as situações penosas e dolorosas onde lhe agrada colocar os seus amigos. Agonizamos com Ele sobre a cruz, quando unimos às suas penas as angústias de uma situação na qual quer que estejamos.
    É preciso aceitar as provações sejam elas quais forem. Não é necessário que elas se assemelhem fisicamente às suas. Quem quer que seja que O ame passa por provações. Estas provações, sofremo-las com Ele unindo-nos aos sofrimentos da sua Paixão. A união de amor identifica de algum modo estes sofrimentos com os seus, que importa que estas dores não sejam materialmente idênticas às suas! São-lhe sempre semelhantes, quando são amorosamente aceites e oferecidas em união com as suas.
    Aceitação e abandono, são as duas condições desta vida de união que é animada por um generoso amor para com Nosso Senhor. (Leão Dehon, OSP 2, p. 81 s.).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Na tribulação, Senhor, não me escondais o vosso rosto» (cf. Sl 87, 3))
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXVI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    29 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Job 19, 21-27
    Job tomou a palavra e disse: 21Compadecei-vos! Compadecei-vos de mim, vós, meus amigos, porque a mão de Deus me feriu. 22Porque me perseguis como Deus, e vos mostrais insaciáveis da minha carne? 23Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, 24ou gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre! 25Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; 26e depois de a minha pele se desprender da carne, na minha própria carne verei a Deus. 27Eu mesmo o verei, os meus olhos e não outros o hão-de contemplar! As minhas entranhas consomem-se dentro de mim. 21Compadecei-vos! Compadecei-vos de mim, vós, meus amigos, porque a mão de Deus me feriu. 22Porque me perseguis como Deus, e vos mostrais insaciáveis da minha carne? 23Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, 24ou gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre! 25Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; 26e depois de a minha pele se desprender da carne, na minha própria carne verei a Deus. 27Eu mesmo o verei, os meus olhos e não outros o hão-de contemplar! As minhas entranhas consomem-se dentro de mim..
    O diálogo entre Job e os três amigos chega ao auge no capítulo 19. Os amigos não se tinham cansado de repetir que as provações que atingiam Job eram prova evidente das suas culpas diante de Deus. Job, pelo contrário, teimava em afirmar a sua inocência. O seu maior sofrimento era, agora, resistir às palavras dos amigos. Sentia-se e dizia-se inocente, mas não conseguia prová-lo, nem diante de Deus, nem diante dos amigos. Estava completamente extenuado: «Grito contra essa violência e ninguém responde, levanto a voz e não há quem me faça justiça. Deus fechou-me o caminho, para eu não passar, e encheu de trevas as minhas veredas» (19, 7-8).
    Então Job pensa escrever a sua defesa para que, um dia, alguém, talvez nós que lemos as suas palavras, pudesse fazer-lhe justiça: «Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, 24ou gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre!» (v 23 s.). Mas esta solução não o convence. Então apela para o supremo "vingador" para que lhe faça justiça: «Eu sei que o meu redentor vive» (v. 35). Depois de ter insultado a Deus, chama-o "Vingador, Redentor". Nós, que conhecemos o Evangelho, apelamos para o amor, para a caridade, para Deus omnipotente, misericordioso, salvador.

    Evangelho: Lucas 10, 1-12
    1Naquele tempo, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Disse-lhes:«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. 3Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho. 5Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!' 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. 8Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, 9curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: 'O Reino de Deus já está próximo de vós.' 10Mas, em qualquer cidade em que entrardes e não vos receberem, saí à praça pública e dizei: 11'Até o pó da vossa cidade, que se pegou aos nossos pés, sacudimos, para vo-lo deixar. No entanto, ficai sabendo que o Reino de Deus já chegou.'» 12«Digo-vos: Naquele dia haverá menos rigor para Sodoma do que para aquela cidade.
    O sim cordial dos discípulos a Cristo torna-se a força da missão evangélica. Jesus manda os discípulos a fazer o que Ele mesmo fez. É o que a Igreja continua, ainda hoje, a fazer. Os Doze são o fundamento da missão da Igreja. Mas Jesus escolheu ao longo dos séculos, e continua a escolher hoje, muitos outros. A messe é grande e os operários são poucos. Os 72 de que nos fala o evangelho anunciam a mensagem do Reino. O número "Doze" evoca as doze tribos de Israel. O número "Setenta e dois" evoca os 72 povos da terra elencados em Gn 10. A missão dos discípulos é universal, destinada a toda a terra. Os Setenta e dois são sinal de todos quantos o Senhor da messe chama para o anúncio do Evangelho. Trata-se de uma empresa divina, do Reino, que só é possível realizar com a força de Deus, e não com as simples forças humanas.
    O verdadeiro operário do Reino, não é aquele que o anuncia, mas o próprio Jesus Cristo. É Ele que envia, que toma a palavra, que actua. Mais do que fazer, é preciso deixar Jesus fazer. O mais importante é ser como Ele, adoptar o seu estilo, com as suas vicissitudes e os seus frutos - e por isso com alegria. "Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos» (v. 3). Não há que lamentar-se sobre as dificuldades da missão. Elas são o sinal do Reino. São obra do Espírito Santo. Jesus pede aos discípulos que não se preocupem: «Não vos preocupeis com o que haveis de dizer... Não sois vós a falar, mas é o Espírito do Pai que falará por vós» (10, 19 s). O Mestre não nos quer ver ansiosos. A missão é sempre um milagre do Senhor.

    Meditatio
    A atitude de Job deixa-nos espantados. Depois de falar contra Deus, depois de ter amaldiçoado o dia em que nasceu, proclama, agora, a sua esperança: «Eu sei que o meu redentor vive ...Eu mesmo o verei, os meus olhos e não outros o hão-de contemplar» (vv. 25-27). Primeiro foi a lamentação, o choro diante de Deus. Agora é o grito de vitória.
    Como chegou Job a este acto de fé tão profunda e de esperança em Deus? Como passou da angústia e do desejo de morrer a esta confiança em Deus? A resposta é: Job nunca deixou de lutar na oração: adorou, pediu, suplicou. No meio das maiores tribulações, manteve um diálogo íntimo e profundo com Deus. Lutou no meio da noite escura. Experimentou a Deus como desumano, como Aquele que leva a carne e os ossos, como Aquele que rouba mas, por fim, reconheceu-O como o tudo da sua vida. Do nada, ao tudo. Só nesta noite escura, nesta luta desumana é possível chegar a Deus. Em Job, verificamos como é espantoso atravessar o nada. Mas é através da noite que entramos no «mistério da luz infinita».
    A oração dos salmos de lamentação confirma esta experiência. O Sl 21 começa com um grito de desespero: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? Como estais longe da minha oração?...» E termina com um grito de esperança:
    «Para Ele viverá a minha alma». Para chegar à ressurreição, é preciso passar pelo Getsémani. Para entrar na comunhão com Deus, é preciso não afastar-se d´Ele, continuar na sua presença, qualquer seja a situação, o vale tenebroso que tenhamos de passar.
    . O sofrimento e a provação são tempos privilegiados na vida de vítima (cf. Cst 68). Para além de todo o sentimentalismo devocional, a experiência da dor é perturbadora e difícil de viver. O próprio Cristo foi perturbado (cf. Lc 7, 13; Jo 11, 33-34) e profundamente chocado com ela (cf. Mt 26, 37-38; Mc 14, 33-34; Lc 22, 43-44).
    Ao absurdo da dor e da morte, para a razão, a fé responde com um mistério: o de Cristo crucificado.
    A fé não responde ao porquê de cada um dos sofrimentos, mas dá-lhes um sentido, infunde-lhes uma luz e força, que permitem viver como amor a dura realidade do sofrimento.
    O sofrimento é uma das possíveis realidades da nossa vida. É preciso falar dele com realismo e com discrição. Às vezes encontram-se pessoas com uma fé maravilhosa que, embora sofrendo, consolam e dão força a quem as quer consolar. É real nelas, com simples heroísmo, a «oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo» (Cst 24).

    Oratio
    «Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em mim, por meio da sua palavra, para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste. Eu dei-lhes a glória que Tu me deste, de modo que sejam um, como Nós somos Um. Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim» (Jo 17, 20s.).
    Senhor Jesus, agradeço-te porque rezaste por mim, que acreditei na palavra dos teus apóstolos. Que eu me mantenha unido a Ti, confiante na tua oração. Se ela me tivesse faltado, não estaria certamente aqui, junto de Ti; não poderia louvar-te, dar-Te graças e dar testemunho de Ti. Que, pelas minhas palavras e pela minha vida, eu dê testemunho de que estás sempre connosco e não nos abandonas, que, se lutas connosco, é para Te render e nos abençoar. Graças à tua oração, posso e quero agora adorar-Te. Obrigado, Senhor!

    Contemplatio
    As palavras não impotentes para dizer os sofrimentos da Paixão do Salvador. Por uma inversão das coisas, era Jesus, o justo, que era arrastado pelos culpados aos tribunais e ao suplício.
    Os sofrimentos da sua alma e do seu coração ultrapassavam os do seu corpo. Os seus apóstolos eram ingratos. O sacerdócio mosaico acabava a sua carreira num acto de suprema loucura. O povo esquecia os benefícios de Cristo e deixava-se levar pelos seus ódios brutais.
    As bofetadas, os escarros e os insultos tomavam o lugar das honras que eram devidas à divindade do Salvador.
    Os chicotes rasgavam o seu corpo até esgotarem as suas forças. O seu pudor era ofendido para reparar as nossas imodéstias.
    A loucura humana insultava a sua sabedoria revestindo-lhe o manto dos loucos.
    Pilatos achincalhava a sua realeza coroando-o de espinhos e cobrindo-a com uma púrpura de escárnio para o mostrar ao povo.
    Como Isaac levava o madeiro do seu sacrifício, mas era para ser aí realmente sacrificado.
    Não havia uma palavra, um passo, um pormenor deste drama que não ferisse todos os seus sentimentos no mais profundo do seu coração. A justiça, a verdade, a doçura, a piedade, a modéstia, o reconhecimento, o respeito, tudo o que Ele ama, era desprezado. Toda a sua alma era partida enquanto o seu corpo era rasgado pelos chicotes e furado pelos cravos.
    As três horas da crucifixão são as da sua suprema dor. Condensou lá todos os seus sofrimentos para oferecer o preço infinito ao seu Pai. Revia todos os nossos pecados e assumia a sua expiação. Era rebaixado ao nível dos ladrões, era despojado de tudo, traído pelos seus amigos e abandonado pelo seu Pai. Todo o seu corpo era uma chaga e consumava a doação da sua vida por nós. (Leão Dehon, OSP 2, p. 67).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O meu Redentor está vivo... Eu mesmo O verei» (cf. Job 19, 25-27)
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXVI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    30 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    XXVI Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Job 38, 1.12-21; 40, 3-5
    1O Senhor respondeu a Job do meio da tempestade e disse: 12Alguma vez na tua vida deste ordens à manhã e indicaste o seu lugar à aurora, 13para que ela alcançasse as extremidades da terra e expulsasse dela os malfeitores? 14Modela-se a terra como o barro sob o sinete e tinge-se como um vestido. 15Então, aos maus é recusada a sua luz, e o braço dos soberbos é quebrado. 16Desceste até às fontes do mar e passeaste pelas profundidades do abismo? 17Abriram-se-te, porventura, as portas da morte? Viste as portas da morada tenebrosa? 18Consideraste a extensão da terra? Fala, se sabes tudo isso! 19De que lado habita a luz? Qual é o lugar das trevas, 20para que as conduzas ao seu domínio e lhes mostres as veredas da sua morada? 21Deverias sabê-lo, pois já tinhas nascido era já grande o número dos teus dias! 3E Job respondeu ao Senhor, dizendo: 4«Falei levianamente. Que poderei responder-te? Ponho a minha mão sobre a boca; 5falei uma vez, oxalá não tivesse falado; não vou falar duas vezes, nem acrescentarei mais nada.»
    A passagem de Job pelo vale tenebroso do sofrimento baseou-se numa indestrutível esperança. Aquele que Job procura existe e ama-nos. A busca de Deus é penosa e marcada pelo sofrimento. Mas o encontro do rosto de Deus enche-nos de alegria, de paz, de entusiasmo. O livro de Job parece descrever o jogo do amor, feito de ausência e de encontro, de escondimento e de presença. A mãe esconde-se para que a criança tenha a alegria de a encontrar. Nas últimas palavras do poema, ecoa o tema do Cântico dos Cânticos: «O meu amado é para mim e eu para ele» (Ct 2, 16).
    Job apelou várias vezes para o juízo de Deus: «Oxalá eu tivesse quem me ouvisse!» (31, 35). Nos capítulos 38-42, Deus responde finalmente aos pedidos de Job. Mas é uma resposta que, por sua vez, é uma interrogação. Deus apresenta a Job a imensidão e a grandeza da criação. Mostra-lhe que o mundo é um imenso projecto divino que causa admiração pela sua grandeza e beleza. As perguntas de Deus a Job são também para nós. Deus criou o mundo movido apenas pela alegria de dar. Não se pode contemplar o mundo permanecendo fechados em cálculos egoístas, feitos à base de interesses pessoais.
    Job, que polemizou e lutou com Deus e com os amigos, fica agora silencioso e confuso. Renuncia à discussão. Reconhece ter falado demais e superficialmente. Job sempre foi sincero. Procurou seriamente, mas não encontrou. Mas pode finalmente dizer: «Agora vêem-te os meus próprios olhos»; antes, dizia: «Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti» ( Jb 42, 5). Tendo passado pela provação, e permanecido fiel, Job penetrou finalmente no mistério de Deus.

    Evangelho: Lucas 10, 13-16
    Naquele tempo, Jesus disse: 13Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sídon se tivessem operado os milagres que entre vós se realizaram, de há muito que teriam feito penitência, vestidas de saco e na cinza. 14Por isso, no dia do juízo, haverá mais tolerância para Tiro e Sídon do que para vós. 15E tu, Cafarnaúm, porventura serás exaltada até ao céu? É até ao inferno que serás precipitada. 16Quem vos ouve é a mim que ouve, e quem vos rejeita é a mim que rejeita; mas, quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou.»
    O evangelho de hoje conclui a mensagem com que foram enviados os setenta e dois discípulos. Porque fala Jesus tão duramente das cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaúm? Que nos quer dizer Jesus?
    A condenação das três cidades deve se entendida a vários níveis. Em primeiro lugar, Jesus sublinha que estas cidades não acolheram a Palavra pregada por Ele, isto é, a graça do Evangelho, o apelo à conversão. Em segundo lugar, Jesus realça o abandono dos seus. Talvez se dê conta da hostilidade do povo. As cidades pagãs de Tiro e Sídon terão um juízo menos severo que o povo de Israel. Em terceiro lugar, Jesus prevê que o Evangelho ultrapasse as fronteiras da Galileia, que chegue aos gentios, enquanto as cidades que, por primeiras, ouviram a sua pregação permaneçam fechadas num judaísmo anticristão.
    Este evangelho é um aviso para todos aqueles que se excluem da graça do Senhor e caem na hipocrisia e na resistência sublinhadas pelos "Ai" de Jesus. Jesus lastima o maior dos pecados, o pecado contra o Espírito Santo: fechar os olhos às manifestações da graça, à oferta de perdão. É o grande risco da missão cristã. Jesus disse claramente: «Quem vos ouve é a mim que ouve, e quem vos rejeita é a mim que rejeita; mas, quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou» (v. 16).

    Meditatio
    Diante dos males e das injustiças que nos rodeiam, facilmente somos tentatdos a protestar contra Deus. Foi o que fez Job, no meio do seu sofrimento: «Por que ocultas a tua face, e me consideras teu inimigo? Queres assustar uma folha levada pelo vento e perseguir uma palha ressequida? Pois escreves contra mim acusações amargas, e atribuis-me faltas da minha mocidade» (Job 13, 24-26). Mas, no fim do livro, ouvimos Deus que interpela Job: «Alguma vez na tua vida deste ordens à manhã e indicaste o seu lugar à aurora... Desceste até às fontes do mar e passeaste pelas profundidades do abismo? Abriram-se-te, porventura, as portas da morte? Viste as portas da morada tenebrosa?» (cf. 38, 12.16s.).
    Quantas coisas Job ignora! Quantas lhe escapam e não pode captar! Nem com a ciência mais refinada poderia conhecer muitas coisas. Job reconhece, por isso, a necessidade de permanecer pequenino e humilde diante de Deus: «Falei como uma criança; que posso responder-Te» (40, 3). Job reconhece que não sabe tudo. Só Deus possui toda a ciência. É preciso confiar n´Ele, abandonar-se a Ele. Renuncia a fazer perguntas: «Ponho a minha mão sobre a boca; falei uma vez, oxalá não tivesse falado; não vou falar duas vezes, nem acrescentarei mais nada» (Jb 40, 4s.). A humildade é o "não saber", é estar sem pretensões diante de Deus. Só na humildade, em ponta de pés, podemos entrar no mistério de Deus. «Reflectia nestas coisas, para as entender - problema difícil para mim - até ao dia em que entrei no santuário de Deus e compreendi a sorte que os (aos ímpios) esperava... eu era um louco, sem entendimento, como um irracional diante de vós... porém, estarei sempre convosco» (cf. Sl 72, 16-23). Job ensina-nos que o mais importante é estar sempre com Deus.
    Precisamos de pedir ao Senhor «um espírito de sabedoria e de revelação para descobrir e conhecer verdadeiramente a Cristo Senhor Crucificado, de Lado aberto e Coração trespassado, para, no meio das provações da vida, compreendermos a esperança fomos chamados (cf. Ef 1, 17-18) (Cst 77). A nossa «esperança» - realidade que «não desilude» (Rm 5, 5) -, «
    o único necessário» para nós é a «vida de união à oblação de Cristo» em todas as circunstâncias da vida (Cst 26).
    Do «Ecce venio» (Eis-me aqui) ao «Consumatum est» (Tudo está consumado!), o Pe. Dehon faz realçar como o cumprimento das Escrituras e, portanto, da vontade do Pai é, em Cristo, a expressão de uma verdadeira liberdade, uma verdadeira oblação do Homem-Deus, vivida no tempo, «tendo sido Ele mesmo provado em tudo, à nossa semelhança, excepto no pecado» (Heb 4, 15). «Apesar de Filho de Deus, aprendeu a obedecer, sofrendo, e, uma vez atingida a perfeição (como sacerdote e como vítima) tornou-Se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna» (Heb 5, 8-9).
    A nossa contemplação deve fixar-se no mistério da transfixão do Lado e do Coração de Cristo (Cst 21): «Videbunt in quem transfixerunt»: Hão-de olhar para Aquele que trespassaram (Jo 19, 37). Contemplar, não só Alguém, mas em Alguém. A nossa vida deve ser «uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26), uma vida caracterizada pela reparação, entendida como «acolhimento do Espírito, como resposta ao amor de Cristo por nós, comunhão no seu amor pelo Pai e cooperação com a sua obra redentora no coração do mundo» (Cst 23): deve ser também uma vida que acolhe, com serenidade e abandono, as cruzes de cada dia, dando graças, para que, vistas à luz da fé, sejam provas de amor (cf. Cst 22.24).
    Animamos «assim, tudo o que somos, fazemos e sofremos pelo serviço do Evangelho, o nosso amor, pela participação na obra de reconciliação, cura a humanidade, reúne-a no Corpo de Cristo e consagra-a para Glória e Alegria de Deus» (Cst 25).
    Todas estas realidades, pensando bem, não são um privilégio nosso, um privilégio dehoniano; são realidades que dizem respeito a todos os cristãos, os quais, no baptismo foram tornados participantes do sacerdócio e do sacrifício de Cristo. Por isso, devem corresponder à oblação de amor, que implica a aceitação das cruzes e a irradiação da caridade, «para Glória e Alegria de Deus» (Cst 25).
    Nós, dehonianos, por «graça especial» (Cst 26) fomos chamados a ser sacramentos desta graça baptismal, devemos ser testemunhas da oblação, da reparação e da imolação junto do nossos irmãos, muitas vezes esquecidos destas realidades, porque divididos pelas preocupações terrenas, ou porque profundamente mergulhados em situações de grande sofrimento... e tudo fazemos «para Glória e Alegria de Deus» (Cst 25).

    Oratio
    Senhor Jesus, ao contemplar o teu mistério de amor, e o abismo de sofrimento que envolveu o teu coração, fico sem palavras e sem forças. Sinto-me incapaz de experimentar o infinito poder do teu amor por mim. Sucumbo diante da tua entrega, completamente desarmado.
    Faz-me compreender o que está no mais profundo dos meus tormentos, o que está escondido nos problemas, que tanto me afligem. Que eu jamais me afaste de Ti! Ajuda-me a pôr as minhas mãos nas tuas mãos, para atingir o teu mistério, que não suprime os sofrimentos, mas os torna capazes de me conduzirem ao Pai. Mostra-me que o segredo profundo da realidade não está tanto nas grandes especulações, quanto na superabundância do amor do Pai. Amen.

    Contemplatio
    O Salvador que tanto sofreu por nós é o nosso tudo: é o nosso Deus, o nosso pai; é o nosso irmão. Antes de se entregar ao sofrimento, fez-se também nosso amigo. Como é que Ele se teria entregado à Paixão e à morte por nós se não nos tivesse extremamente amado? Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me: Amou-me e entregou-se por mim (Gal 2, 20). Amou-me primeiro e muito; sem isso, como é que teria chegado a entregar-se por minha causa a todos os sofrimentos? Esta consideração deve dominar todas as meditações sobre a Paixão. Ele amou-me: eu era a sua vinha, que Ele cultivava com amor, que envolvia de assíduos cuidados. Ele amou-me: eu era o seu filho e o seu irmão. E porque Ele me amava, quis dar a sua vida para me salvar. (Leão Dehon, OSP 2, p. 302).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Ponho a minha mão sobre a boca; não vou replicar» (cf. Job 40, 4s.)
    | Fernando Fonseca, scj |

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