Week of Ago 28th

  • 22º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    22º Domingo do Tempo Comum - Ano C


    28 de Agosto, 2022

    ANO C

    22º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 22º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo propõe-nos uma reflexão sobre alguns valores que acompanham o desafio do "Reino": a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado.
    O Evangelho coloca-nos no ambiente de um banquete em casa de um fariseu. O enquadramento é o pretexto para Jesus falar do "banquete do Reino". A todos os que quiserem participar desse "banquete", Ele recomenda a humildade; ao mesmo tempo, denuncia a atitude daqueles que conduzem as suas vidas numa lógica de ambição, de luta pelo poder e pelo reconhecimento, de superioridade em relação aos outros... Jesus sugere, também, que para o "banquete do Reino" todos os homens são convidados; e que a gratuidade e o amor desinteressado devem caracterizar as relações estabelecidas entre todos os participantes do "banquete".
    Na primeira leitura, um sábio dos inícios do séc. II a.C. aconselha a humildade como caminho para ser agradável a Deus e aos homens, para ter êxito e ser feliz. É a reiteração da mensagem fundamental que a Palavra de Deus hoje nos apresenta.
    A segunda leitura convida os crentes instalados numa fé cómoda e sem grandes exigências, a redescobrir a novidade e a exigência do cristianismo; insiste em que o encontro com Deus é uma experiência de comunhão, de proximidade, de amor, de intimidade, que dá sentido à caminhada do cristão. Aparentemente, esta questão não tem muito a ver com o tema principal da liturgia deste domingo; no entanto, podemos ligar a reflexão desta leitura com o tema central da liturgia de hoje - a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado - através do tema da exigência: a vida cristã - essa vida que brota do encontro com o amor de Deus - é uma vida que exige de nós determinados valores e atitudes, entre os quais avultam a humildade, a simplicidade, o amor que se faz dom.
    LEITURA I - Sir 3,19-21.30-31

    Leitura do Livro do Ben-Sirá

    Filho, em todas as tuas obras procede com humildade
    e serás mais estimado do que o homem generoso.
    Quanto mais importante fores, mais deves humilhar-te
    e encontrarás graça diante do Senhor.
    Porque é grande o poder do Senhor
    e os humildes cantam a sua glória.
    A desgraça do soberbo não tem cura,
    porque a árvore da maldade criou nele raízes.
    O coração do sábio compreende as máximas do sábio
    e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria.

    AMBIENTE

    Estamos no início do séc. II a.C., quando os selêucidas dominavam a Palestina. O helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Muitos judeus - incluindo membros de famílias de origem sacerdotal - deixavam-se seduzir pelo brilho da cultura helénica, começavam a abandonar os valores dos pais e a aderir aos valores da cultura invasora...
    Jesus Ben Sira é, no entanto, um judeu tradicional, orgulhoso da sua fé e dos valores israelitas. Consciente de que o helenismo ameaçava as raízes do seu Povo, vai escrever para defender o património religioso e cultural do judaísmo. Procura convencer os seus compatriotas de que Israel possui, na sua "Torah" revelada por Deus, a verdadeira "sabedoria" - uma "sabedoria" muito superior à "sabedoria" grega. Aos israelitas seduzidos pela cultura grega, Jesus Ben Sira lembra a herança comum, procurando sublinhar a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.
    O texto que nos é proposto pertence à primeira parte do livro (cf. Ben Sira 1,1-23,38). Aí fala-se da "sabedoria", criada por Deus e oferecida a todos os homens. Nesta parte, dominam os "ditos" e "provérbios" que ensinam a arte de bem viver e de ser feliz.

    MENSAGEM

    O texto apresenta-se como uma "instrução" que um pai dá ao seu filho. O tema fundamental desta "instrução" é o da humildade.
    Para Jesus Ben Sira, a humildade é uma das qualidades fundamentais que o homem deve cultivar. Garantir-lhe-á estima perante os homens e "graça diante do Senhor". Não se trata de uma forma de estar e de se apresentar reservada aos mais pobres e menos preparados; mas trata-se de algo que deve ser cultivado por todos os homens, a começar por aqueles que são considerados mais importantes. O autor não entra em grandes pormenores; limita-se a afirmar a importância da humildade e a propô-la, sem grandes desenvolvimentos nem explicações. O "sábio" autor destas "máximas" não tem dúvida de que é na humildade e na simplicidade que reside o segredo da "sabedoria", do êxito, da felicidade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão e partilha, considerar os seguintes dados:

    ¨ Ser humilde significa assumir com simplicidade o nosso lugar, pôr a render os nossos talentos, mas sem nunca humilhar os outros ou esmagá-los com a nossa superioridade. Significa pôr os próprios dons ao serviço de todos, com simplicidade e com amor. Quando somos capazes de assumir, com simplicidade e desprendimento, o nosso papel, todos reconhecem o nosso contributo, aceitam-nos, talvez nos admirem e nos amem... É aí que está a "sabedoria", quer dizer, o segredo do êxito e da felicidade.

    ¨ Ser soberbo significa que "a árvore da maldade criou raízes" no homem. O homem que se deixa dominar pelo orgulho torna-se egoísta, injusto, auto-suficiente e despreza os outros. Deixa de precisar de Deus e dos outros homens; olha todos com superioridade e pratica, com frequência, gestos de prepotência que o tornam temido, mas nunca admirado ou amado. Vive à parte, num egoísmo vazio e estéril. Embora seja conhecido e apareça nas colunas sociais, está condenado ao fracasso. É o "anti-sábio".

    ¨ É preciso que os dons que possuímos não nos subam à cabeça, não nos levem a poses ridículas de orgulho, de superioridade, de desprezo pelos nossos irmãos. É preciso reconhecer, com simplicidade, que tudo o que somos e temos é um dom de Deus e que as nossas qualidades não dependem dos nossos méritos, mas do amor de Deus.
    SALMO REPONSORIAL - Salmo 67 (68)

    Refrão: Na vossa bondade, Senhor,
    preparastes uma casa para o pobre.

    Os justos alegram-se na presença de Deus,
    exultam e transbordam de alegria.
    Cantai a Deus, entoai um cântico ao seu nome;
    o seu nome é Senhor: exultai na sua presença.

    Pai dos órfãos e defensor das viúvas,
    é Deus na sua morada santa.
    Aos abandonados Deus prepara uma casa,
    conduz os cativos à liberdade.

    Derramastes, ó Deus, uma chuva de bênçãos,
    restaurastes a vossa herança enfraquecida.
    A vossa grei estabeleceu-se numa terra
    que a vossa bondade, ó Deus, preparara ao oprimido.
    LEITURA II - Heb 12,18-19.22-24a

    Leitura da Epístola aos Hebreus

    Irmãos:
    Vós não vos aproximastes de uma realidade sensível,
    como os israelitas no monte Sinai:
    o fogo ardente, a nuvem escura,
    as trevas densas ou a tempestade,
    o som da trombeta e aquela voz tão retumbante
    que os ouvintes suplicaram que não lhes falasse mais.
    Vós aproximastes-vos do monte Sião,
    da cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste,
    de muitos milhares de Anjos em reunião festiva,
    de uma assembleia de primogénitos inscritos no Céu,
    de Deus, juiz do universo,
    dos espíritos dos justos que atingiram a perfeição
    e de Jesus, mediador da nova aliança.

    AMBIENTE

    Estamos na quinta parte da Carta aos Hebreus (cf. 12,14-13,19). Depois de pedir a perseverança e a constância nas provas (cf. Heb 12,1-13), o autor vai pedir uma conduta consequente com a fé cristã: os crentes são exortados a manter e cultivar relações harmoniosas, adequadas, justas, para com os homens e para com Deus.
    Neste texto, em concreto, o autor convida os destinatários da carta à fidelidade à vocação cristã. Para isso, estabelece um paralelo entre a antiga religião (que os destinatários da carta conheciam bem) e a nova proposta de salvação que Cristo veio apresentar. Os crentes são, assim, convidados a redescobrir a novidade do cristianismo - essa novidade que, um dia, os atraiu e motivou - e a aderir a ela com entusiasmo... Recordemos - para que as coisas façam sentido - que o escrito se destina a uma comunidade instalada, preguiçosa, que precisa descobrir os fundamentos reais da sua fé e do seu compromisso, a fim de enfrentar - com coragem e com êxito - os tempos difíceis de perseguição e de martírio que se aproximam.

    MENSAGEM

    O autor estabelece um profundo contraste entre a experiência de comunhão com Deus que Israel fez no Sinai e a experiência cristã.
    A experiência do Sinai é descrita como uma experiência religiosa que gerou medo, opressão, mas não relação pessoal, proximidade, amor, comunhão, intimidade, confiança - nem com Deus, nem com os outros membros da comunidade do Povo de Deus. O quadro da revelação do Sinai é um quadro terrífico, que não fez muito para aproximar os homens de Deus, num verdadeiro encontro alicerçado no amor e na confiança. Por isso, não há que lamentar o desaparecimento de um tal sistema.
    Na experiência cristã, em contrapartida, não há nada de assustador, de terrível, de opressivo. Pelo Baptismo, os cristãos aproximaram-se do próprio Deus, numa experiência de proximidade, de comunhão, de intimidade, de amor verdadeiro... A experiência cristã é, portanto, uma experiência festiva, de verdadeira alegria. Por essa experiência, os cristãos associaram-se a Deus, o santo, o juiz do universo, mas também o Deus da bondade e do amor; foram incorporados em Cristo, o mediador da nova aliança, irmanados com Ele, tornados co-herdeiros da vida eterna; associaram-se aos anjos, numa existência de festa, de louvor, de acção de graças, de adoração, de contemplação; associaram-se aos outros justos que atingiram a vida plena, numa comunhão fraterna de vida e de amor.
    A questão que fica no ar - mesmo se não é formulada explicitamente - é: não vale a pena apostar incondicionalmente nesta experiência e vivê-la com entusiasmo?

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a actualização podem fazer-se a partir das seguintes linhas:

    ¨ A questão fundamental deste texto e do ambiente que o enquadra é propor-nos uma redescoberta da nossa fé e do sentido das nossas opções, a fim de superarmos a instalação, o comodismo e a preguiça que nos levam, tantas vezes, a uma caminhada cristã morna, sem exigências, sem compromissos, que facilmente cede e recua quando aparecem as dificuldades e os desafios...

    ¨ Jesus intimou-nos a superar a perspectiva de um Deus terrível, opressor, vingativo, de Quem o homem se aproxima com medo; em seu lugar, Ele apresentou-nos a religião de um Deus que é Pai, que nos ama, que nos convoca para a comunhão com Ele e com os irmãos e que insiste em associar-nos como "filhos" à sua família. Tenho consciência de que este é o verdadeiro rosto de Deus e que o Deus terrível, de quem o homem não se pode aproximar, é uma invenção dos homens?
    ALELUIA - Mt 11,29ab

    Aleluia. Aleluia.

    Tomai o meu jugo sobre vós, diz o Senhor,
    e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração.
    EVANGELHO - Lc 14,1.7-14

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    Jesus entrou, a um sábado,
    em casa de um dos principais fariseus
    para tomar uma refeição.
    Todos O observavam.
    Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares,
    Jesus disse-lhes esta parábola:
    «Quando fores convidado para um banquete nupcial,
    não tomes o primeiro lugar.
    Pode acontecer que tenha sido convidado
    alguém mais importante que tu;
    então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer:
    'Dá o lugar a este';
    e ficarás depois envergonhado,
    se tiveres de ocupar o último lugar.
    Por isso, quando fores convidado,
    vai sentar-te no último lugar;
    e quando vier aquele que te convidou, dirá:
    'Amigo, sobre mais para cima';
    ficarás então honrado aos olhos dos outros convidados.
    Quem se exalta será humilhado
    e quem se humilha será exaltado».
    Jesus disse ainda a quem O tinha convidado:
    «Quando ofereceres um almoço ou um jantar,
    não convides os teus amigos nem os teus irmãos,
    nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos,
    não seja que eles por sua vez te convidem
    e assim serás retribuído.
    Mas quando ofereceres um banquete,
    convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos;
    e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te:
    ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.

    AMBIENTE

    Esta etapa do "caminho de Jerusalém" põe Jesus à mesa, em dia de sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus. Deve tratar-se da refeição solene de sábado, que se tomava por volta do meio-dia, ao voltar da sinagoga. Para ela deviam convidar-se os hóspedes; durante a refeição, continuava-se a discussão sobre as leituras escutadas durante o ofício sinagogal.
    Lucas é o único evangelista que mostra os fariseus tão próximos de Jesus que até o convidam para casa e se sentam à mesa com Ele (cf. Lc 7,36; 11,37). É provável que se trate de uma realidade histórica, embora Marcos e Mateus apresentem os fariseus como os adversários por excelência de Jesus (Mateus apresenta tal quadro influenciado, sem dúvida, pelas polémicas da Igreja primitiva com os fariseus).
    Os fariseus formavam um dos principais grupos religioso-políticos da sociedade palestina desta época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todos os passos religiosos dos israelitas. A sua preocupação fundamental era transmitir a todos o amor pela Torah, quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao absolutizarem a Lei, esqueciam as pessoas e passavam por cima do amor e da misericórdia. Ao considerarem-se a si próprios como "puros" (porque viviam de acordo com a Lei), desprezavam o "am aretz" (o "povo do país") que, por causa da ignorância e da vida dura que levava, não podia cumprir integralmente os preceitos da Lei. Conscientes das suas capacidades, da sua integridade, da sua superioridade, não eram propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique o ambiente de luta pelos lugares de honra que o Evangelho refere.
    Convém, também, ter em conta que estamos no contexto de um "banquete". O "banquete" é, no mundo semita, o espaço do encontro fraterno, onde os convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece, muitas vezes, envolvido em banquetes, não porque fosse "comilão e bêbedo" (cf. Mt 11,19), mas porque, ao ser sinal de comunhão, de encontro, de familiaridade, o banquete anuncia a realidade do "reino".

    MENSAGEM

    O texto apresenta duas partes. A primeira (vers. 7-11) aborda a questão da humildade; a segunda (vers 12-14) trata da gratuidade e do amor desinteressado. Ambas estão unidas pelo tema do "Reino": são atitudes fundamentais para quem quiser participar no banquete do "Reino".
    As palavras que Jesus dirigiu aos convidados que disputavam os lugares de honra não são novidade, pois já o Antigo Testamento aconselhava a não ocupar os primeiros lugares (cf. Prov 25,6-7); mas o que aí era uma exortação moral, nas palavras de Jesus converte-se numa apresentação do "Reino" e da lógica do "Reino": o "Reino" é um espaço de irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os outros; quem quiser entrar nele, tem de fazer-se pequeno, simples, humilde e não ter pretensões de ser melhor, mais justo, ou mais importante que os outros. Esta é, aliás, a lógica que Jesus sempre propôs aos seus discípulos: Ele próprio, na "ceia de despedida", comida com os discípulos na véspera da sua morte, lavou os pés aos discípulos e constituiu-os em comunidade de amor e de serviço - avisando que, na comunidade do "Reino", os primeiros serão os servos de todos (cf. Jo 13,1-17).
    Na segunda parte, Jesus põe em causa - em nome da lógica do "Reino" - a prática de convidar para o banquete apenas os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos ricos. Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados para a mesa. Nas suas refeições, não convinha haver alguém de nível menos elevado, pois a "comunidade de mesa" vinculava os convivas e não convinha estabelecer obrigatoriamente laços com gente desclassificada e pecadora (por exemplo, nenhum fariseu se sentava à mesa com alguém pertencente ao "am aretz", ao "povo da terra", desclassificado e pecador). Por outro lado, também os fariseus tinham a tendência - própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas - de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma... A questão é que, dessa forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor desinteressado.
    Jesus denuncia - em nome do "Reino" - esta prática; mas vai mais além e apresenta uma proposta verdadeiramente subversiva... Segundo Ele, é preciso convidar "os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos". Os cegos, coxos e aleijados eram considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus, e por isso estavam proibidos de entrar no Templo (cf. 2 Sm 5,8) para não profanar esse lugar sagrado (cf. Lv 21,18-23). No entanto, são esses que devem ser os convidados para o "banquete". Já percebemos que, aqui, Jesus já não está simplesmente a falar dessa refeição comida em casa de um fariseu, na companhia de gente distinta; mas está já a falar daquilo que esse "banquete" anuncia e prefigura: o banquete do "Reino".
    Jesus traça aqui, portanto, os contornos do "Reino". Ele é apresentado como um "banquete", onde os convidados estão unidos por laços de familiaridade, de irmandade, de comunhão. Para esse "banquete", todos - sem excepção - são convidados (inclusive àqueles que a cultura social e religiosa tantas vezes exclui e marginaliza). As relações entre os que aderem ao banquete do "Reino" não serão marcadas pelos jogos de interesses, mas pela gratuidade e pelo amor desinteressado; e os participantes do "banquete" devem despir-se de qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes linhas:

    ¨ Na nossa sociedade, agressiva e competitiva, o valor da pessoa mede-se pela sua capacidade de se impor, de ter êxito, de triunfar, de ser o melhor... Quem tem valor é quem consegue ser presidente do conselho de administração da empresa aos trinta e cinco anos, ou o empregado com mais índices de venda, ou o condutor que, na estrada, põe em risco a sua vida, mas chega uns segundos à frente dos outros... Todos os outros são vencidos, incapazes, fracos, olhados com comiseração. Vale a pena gastar a vida assim? Estes podem ser os objectivos supremos, que dão sentido verdadeiro à vida do homem?

    ¨ A Igreja, fruto do "Reino", deve ser essa comunidade onde se torna realidade a lógica do "Reino" e onde se cultivam a humildade, a simplicidade, o amor gratuito e desinteressado. É-o, de facto?

    ¨ Assistimos, por vezes, a uma corrida desenfreada na comunidade cristã pelos primeiros lugares. É uma luta - para alguns de vida ou de morte - em que se recorre a todos os meios: a intriga, a exibição, a defesa feroz do lugar conquistado, a humilhação de quem faz sombra ou incomoda... Para Jesus, as coisas são bastante claras: esta lógica não tem nada a ver com a lógica do "Reino"; quem prefere esquemas de superioridade, de prepotência, de humilhação dos outros, de ambição, de orgulho, está a impedir a chegada do "Reino". Atenção: isto talvez não se aplique só àquela pessoa da nossa comunidade que detestamos e cujo nome nos apetece dizer sempre que ouvimos falar em gente que só gosta de mandar e se considera superior aos outros; isto talvez se aplique também em maior ou menor grau, a mim próprio.

    ¨ Também há, na comunidade cristã, pessoas cuja ambição se sobrepõe à vontade de servir... Aquilo que os motiva e estimula são os títulos honoríficos, as honras, as homenagens, os lugares privilegiados, as "púrpuras", e não o serviço humilde e o amor desinteressado. Esta será uma atitude consentânea com a pertença ao "Reino"?

    ¨ Fica claro, na catequese que Lucas hoje nos propõe, que o tipo de relações que unem os membros da comunidade de Jesus não se baseia em "critérios comerciais" (interesses, negociatas, intercâmbio de favores), mas sim no amor gratuito e desinteressado. Só dessa forma todos - inclusive os pobres, os humildes, aqueles que não têm poder nem dinheiro para retribuir os favores - aí terão lugar, numa verdadeira comunidade de amor e de fraternidade.

    ¨ Os cegos e coxos representam, no Evangelho que hoje nos é proposto, todos aqueles que a religião oficial excluía da comunidade da salvação; apesar disso, Jesus diz que esses devem ser os primeiros convidados do "banquete do Reino". Como é que os pecadores notórios, os marginais, os divorciados, os homossexuais, as prostitutas são acolhidos na Igreja de Jesus?
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 22º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 22º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. FAZER ECO DA PALAVRA.
    Depois da comunhão (a mesa onde os pobres são reis...), poder-se-ia reler, em fundo musical, algumas passagens da liturgia da Palavra. Por exemplo: "cumpre todas as coisas com humildade..."; "vai sentar-te no último lugar..."; "convida aqueles que não têm nada para te retribuir..."

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    "Deus criador e mestre do universo, proclamamos a grandeza do teu poder e, ao mesmo tempo, a humildade do teu Filho Jesus. Ele tornou-se pequeno para nascer entre os homens e aceitou a humilhação suprema, a da cruz.
    Nós Te pedimos pelas nossas sociedades onde triunfam os dominadores e os poderosos. Que o teu Espírito nos impregne, que Ele nos livre do orgulho".

    No final da segunda leitura:
    "Deus vivo, nós Te damos graças por Jesus, o mediador da nova Aliança, que nos introduziu na Jerusalém celeste e na assembleia dos santos e que inscreveu o nosso nome nos céus.
    Nós Te confiamos todas as comunidades cristãs desencorajadas pela modéstia dos seus efectivos e pela falta de consideração".

    No final do Evangelho:
    "Pai, Tu que nos convidas à mesa de teu Filho, nós Te damos graças porque nos chamas a avançar mais alto e nos elevas pela confiança que nos fazes e a estima que nos concedes, a nós que somos pecadores.
    Nós Te recomendamos as nossas irmãs e irmãos que se ocupam das nossas sociedades, preparando-lhes a mesa e dando-lhes a sua dignidade".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Jesus pode falar de gratuidade porque a sua vinda à terra é um dom gratuito de Deus, é uma graça, este amor gratuito, gracioso de Deus. E Deus não nos ama porque merecemos, mas porque não pode senão amar-nos, pois Ele é Amor. Então, Jesus pede ao homem, criado à imagem de Deus, para amar como Deus ama, isto é, gratuitamente, esperando ser declarado justo na ressurreição dos mortos. Trata-se de uma verdadeira revolução nas relações entre eles: pôr o dom em primeiro lugar e ter em resposta apenas a alegria de ter dado. Jesus vai mesmo ao ponto de declarar felizes aqueles que têm o sentido do gratuito nas suas relações humanas.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Há muitos "manuais de boas maneiras" para saber como organizar uma festa, uma recepção, para que cada convidado se encontre à vontade à mesa, não se sinta ferido na sua honra - ou na sua vaidade! Hoje, Jesus dá-nos indicações de protocolo: "Quando fores convidado para um banquete nupcial, não tomes o primeiro lugar. Pode acontecer que tenha sido convidado alguém mais importante que tu; então, aquele que vos convidou a ambos terá de te dizer: 'Dá o lugar a este'; e ficarás depois envergonhado, se tiveres de ocupar o último lugar". Jesus não quer que soframos uma humilhação! Não vai longe o tempo em que, na Igreja, se dizia: "Para crescer em humildade, é preciso suportar humilhações!" Mas suportar humilhações leva geralmente a ser humilhado, mas não a se tornar humilde! Ora Jesus, precisamente, não quer que sejamos humilhados. Deseja mesmo que sejamos honrados. Ele veio para que cada um ganhe de novo a sua verdadeira dignidade, volte a manter-se de pé. Mas, evidentemente, Jesus não se contenta em nos ensinar como nos comportarmos em sociedade. Ele convida-nos, na realidade, a um exercício de lucidez sobre nós próprios. Todos desejamos dar de nós mesmos uma imagem positiva, valorizadora. Mas o que os outros percebem de mim não corresponde necessariamente ao que gostaria que eles vissem. E eu próprio vejo os outros a partir das minhas próprias impressões e sentimentos. Então, seguindo o meu temperamento, terei, por exemplo, um complexo de inferioridade, pensando ser um eterno compreendido. Desvalorizar-me-ei aos meus próprios olhos. Sentir-me-ei mal na própria pele. Ou terei um complexo de superioridade, seguro do meu valor. Procurarei mostrar-me, fazer-me ver, ocupar os primeiros lugares, com o risco de esmagar os outros e humilhá-los. Isso é da psicologia elementar? Mas Jesus sabe bem que a psicologia é importante. Somente vai mais longe. Convida-nos a juntarmo-nos ao olhar de Deus sobre nós, sobre os outros. Só Ele é capaz de amar cada ser humano como ele é, porque só Ele nos olha unicamente e sempre à luz do seu amor. Colocarmo-nos nesta luz é ainda a melhor maneira de nos amarmos humildemente a nós mesmos para amar os outros em verdade.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística II para Assembleias com Crianças.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Difícil questão... Com que critérios estabelecemos a lista dos nossos convidados quando preparamos uma refeição festiva? Decididamente, uma vez mais, a lógica de Jesus não é a nossa. Acontece convidarmos à nossa mesa pobres, estropiados, sem-abrigo, crianças perdidas nas ruas... mais que a nossa família, os amigos, as nossas relações de negócios? Difícil questão, que evitamos talvez tomar demasiado a sério. E se nesta semana a deixássemos ressoar um pouco em nós mesmos?
    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja

    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja


    28 de Agosto, 2022

    Santo Agostinho nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 354. A sua mãe, Santa Mónica, educou-o cristãmente. As suas qualidades intelectuais depressa se revelaram, apontando para um futuro brilhante como mestre de retórica. Apesar de tudo, enveredou por uma vida dissoluta. Mas não se apagou nele a sede nem a ânsia da verdade. Leu o Hortêncio, de Cícero, e a Sagrada Escritura. Não se entusiasmou e acabou por aderir ao racionalismo e ao materialismo dos Maniqueus. Rumando à Itália, conheceu o bispo Santo Ambrósio de Milão. Reviu as suas posições acerca da Igreja Católica, voltou a ler a Bíblia e abriu-se definitivamente à luz e à riqueza de Cristo. Batizado em 387, regressou a África e fundou a sua primeira comunidade monástica em Tagaste, organizando-a segundo o modelo das comunidades de que nos falam os Atos dos Apóstolos. Em 391 foi ordenado sacerdote pelo bispo Valério, a quem sucedeu no governo da diocese de Hipona, no ano 395. Transferiu a sua comunidade para a casa episcopal, e dedicou-se ao ministério da Palavra e à defesa da fé. Escreveu mais de duzentos livros, e quase um milhar de sermões e cartas. Morreu a 28 de Agosto de 430. S. Agostinho é um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.

    Lectio

    Primeira leitura: 1 João 4, 7-16

    Caríssimos: Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. 8Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. 9E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. 10É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. 11Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros. 12A Deus nunca ninguém o viu; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós. 13Damos conta de que permanecemos nele, e Ele em nós, por nos ter feito participar do seu Espírito. 14Nós o contemplámos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. 15Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus.

    "Deus é amor". Por isso, mais do que procurá-lo com os olhos ou a mente, há que procurá-lo com o coração. Além disso, só os puros de coração verão a Deus (cf. Mt 5, 8). Se queremos ver a Deus, também com os nossos olhos, há que purificá-los, afastando as imperfeições que nos impedem ver a Deus. "Deus é amor". Que rosto, forma, estatura, pés, mãos, tem o amor? Não sabemos dizê-lo. Mas dispomos de pés para ir à Igreja, de mãos para fazer o bem, os olhos para ver os necessitados. O campo para exercer o amor é a caridade fraterna. Podemos dizer que não vemos a Deus; mas não podemos dizer que não vemos os homens. Se amamos os irmãos, veremos a Deus, porque veremos a própria caridade, e Deus habita na caridade.(Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário a 1 Jo 9, 1; VII, 10; v. 7).

    Evangelho: Mateus 13, 8-12

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Não vos deixeis tratar por 'mestres', pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai', porque um só é o vosso 'Pai': aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores', porque um só é o vosso 'Doutor': Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo.12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.

    O amor precede a observância dos mandamentos. A amor é a causa geradora da observância dos mandamentos. Não se trata só de nos amarmos uns aos outros, mas também de amar a Deus. Se o amor é a plenitude da lei (cf. Rm 13, 10), onde há caridade nada mais pode haver. Pelo contrário, onde não há caridade, nada nos pode valer. O diabo acredita mas não ama; mas quem ama não pode deixar de acreditar. Só amando a Deus podemos amar a nós mesmos e aos outros como a nós mesmos. Havemos de amar a todos para que Deus seja tudo em todos. (Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário ao Ev. de João LXXX, 2,3; LXXXII, 2).

    Meditatio

    Santo Agostinho é uma verdadeira parábola de amor apaixonado. A inquietação do coração, a saudade, o desejo, que o enchem interiormente, manifestam-se na procura incansável da verdade e do amor, num clima de oração permanente. Agostinho procura a sua própria identidade, a semelhança divina. Abre completamente a Deus o seu passado, o seu presente e o seu futuro, na certeza de que só Deus é capaz de vencer as suas resistências, medos, fraquezas humanas e saciar a sua sede.
    "Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti" (Confissões 1, 1). À luz da verdade reencontrada, Agostinho vê claramente o seu pecado e a necessidade da graça, da intervenção divina, e dá-se conta da orgulhosa pretensão do seu eu. Mas tudo acontece, agora, no centro do seu perene diálogo com Deus. Foi Deus quem o despertou, porque o ama. Esta certeza é para Agostinho garantia de que a graça de Cristo vencerá o seu pecado. Será restaurado nele "a ordem do amor" e, com essa restauração, poderá experimentar a bem-aventurança da paz e da liberdade sem fim. "Chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez... Tocaste-me e agora desejo ardentemente a paz" (Confissões, 10, 27).

    Oratio

    Senhor, eu amo-te. Trespassaste o meu coração com a tua palavra e desde então amei-te. O céu e a terra dizem-me que devo amar-te e não cessam de o dizer a todos. Quando te amo, não amo uma beleza corporal, uma graça passageira, a claridade de uma luz amável, os sons de uma qualquer melodia, o perfume de flores, de unguentos ou aromas, do maná ou do mel, ou membros que se entregam ao abraço: nada disso amo quando amo o meu Deus. E todavia amo uma certa luz, uma certa voz, um certo perfume e alimento e amplexo quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, amplexo do meu homem interior, onde brilha na minha alma aquilo que nada contém... É isso que amo, quando amo o meu Deus" (inspirado em Santo Agostinho, Confissões X, 6.8).

    Contemplatio

    Santo Agostinho não conheceu o símbolo do Coração de Jesus saído do seu lado para significar o seu amor, mas em todo o resto pode chamar-se um santo do Sagrado Coração. Ninguém falou melhor do lado de Jesus aberto pela lança para daí deixar escapar o sangue e a água, símbolo dos sacramentos e da Igreja. Viu nas chagas de Jesus um refúgio para a nossa alma. As belas invocações da oração Anima Christi são tiradas das suas efusões de amor para com o Salvador: «Água do lado de Jesus, dizia, purificai-me. - Jesus, escondei-me nas vossas chagas». Quem melhor do que ele cantou o amor de Deus? - «Ó Deus, dizia, é possível a alguém saber que sois Deus e que vos não ame? - Ó beleza sempre antiga e sempre nova, tarde vos conheci, tarde vos amei! - Fizestes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração está sempre agitado, enquanto não repousa em vós». A regra composta por ele para a sua ordem religiosa foi justamente chamada a regra de amor. Ela respeita o mais puro amor de Deus e do próximo. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Ama e faz o que queres" (S. Agostinho, Comentário a 1 Jo VII, 8).

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    S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja (28 Agosto)

  • Martírio de S. João Baptista

    Martírio de S. João Baptista


    29 de Agosto, 2022

    O «maior nascido de mulher» morreu mártir por ter censurado a Herodes Agripa pela sua conduta desonesta e imoral. Foi vítima da fé e da missão que exerceu. A sua degolação aconteceu na fortaleza de Maqueronte, junto ao Mar Morto, lugar de férias de Herodes. O sangue de João Baptista sela o seu testemunho em favor de Jesus: com a sua morte, completou a missão de precursor. A Igreja celebra hoje o seu nascimento para o céu, talvez por, nesta data, foi dedicada em sua honra uma antiga basílica, erguida em Sebaste, na Samaria.

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 1, 17-19

    A palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: 17Tu, porém, cinge os teus rins, levanta-te e diz-lhes tudo o que Eu te ordenar. Não temas diante deles; se não, serei Eu a fazer-te temer na sua presença. 18E eis que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. 19Far-te-ão guerra, mas não hão-de vencer, porque Eu estou contigo para te salvar» -oráculo do Senhor.

    João Baptista ajuda-nos a compreender a missão de Jesus, e a vida de Jeremias ajuda-nos a compreender a missão de João Baptista. Seria interessante lembrar a vida de Jeremias para compreender o valor destas duas vidas paralelas. Mas esta leitura da missa evidencia particularmente a «coragem» do profeta em dizer «tudo», a sua fortaleza para resistir à prepotência dos poderosos e a sua fé, isto é, a certeza de vencer em nome do Senhor. São qualidades típicas dos verdadeiros profetas...

    Evangelho: Marcos 6, 17-29

    Naquele tempo, Herodes tinha mando prender João e pô-lo a ferros na prisão, por causa de Herodíade, mulher de Filipe, seu irmão, que ele desposara. 18Porque João dizia a Herodes: «Não te é lícito ter contigo a mulher do teu irmão.» 19Herodíade tinha-lhe rancor e queria dar-lhe a morte, mas não podia, 20porque Herodes temia João e, sabendo que era homem justo e santo, protegia-o; quando o ouvia, ficava muito perplexo, mas escutava-o com agrado. 21Mas chegou o dia oportuno, quando Herodes, pelo seu aniversário, ofereceu um banquete aos grandes da corte, aos oficiais e aos principais da Galileia. 22Tendo entrado e dançado, a filha de Herodíade agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: «Pede-me o que quiseres e eu to darei.» 23E acrescentou, jurando: «Dar-te-ei tudo o que me pedires, nem que seja metade do meu reino.» 24Ela saiu e perguntou à mãe: «Que hei-de pedir?» A mãe respondeu: «A cabeça de João Baptista.» 25Voltando a entrar apressadamente, fez o seu pedido ao rei, dizendo: «Quero que me dês imediatamente, num prato, a cabeça de João Baptista.» 26O rei ficou desolado; mas, por causa do juramento e dos convidados, não quis recusar. 27Sem demora, mandou um guarda com a ordem de trazer a cabeça de João. O guarda foi e decapitou-o na prisão; 28depois, trouxe a cabeça num prato e entregou-a à jovem, que a deu à mãe. 29Tendo conhecimento disto, os discípulos de João foram buscar o seu corpo e depositaram-no num sepulcro.

    Marcos coloca a narrativa do martírio de João Baptista no caminho de Jesus para Jerusalém, como uma etapa fundamental. Com ela, concluiu-se o ciclo da vida do profeta e preludia-se o martírio de Jesus.
    Não devemos deixar-nos impressionar apenas pelos pormenores narrativos, aliás muito sugestivos, desta página de Marcos. O evangelista não pretende evidenciar nem os vícios de Herodes nem a malícia de Herodíade e nem sequer a leviandade da filha. A sua intenção é dar o devido realce à figura de João Baptista, que é como que o «mentor» do Nazareno, e mostrar como este grande profeta leva a termo a sua vida do mesmo modo e pelos mesmos motivos que Jesus.
    Este é o «pequeno mistério pascal» de João Baptista que, depois de experimentar a adversidade dos inimigos do evangelho, conhece agora o silêncio do sepulcro, onde espera a ressurreição.

    Meditatio

    As memórias litúrgicas de João Baptista levam-nos a meditar sobre o dom da profecia e sobre a figura do profeta. Qual é a sua função no meio do povo de Deus? Quais são as características que o qualificam como profeta? De que modo se coloca perante os seus contemporâneos como sinal de uma presença superior, como porta-voz da Palavra divina?
    O profeta revela-se como tal pelo seu modo de falar, pelo estilo da sua pregação. A palavra não é tudo, mas é capaz de manifestar o sentido de uma presença, incómoda mas incontornável, com a qual todos se devem confrontar. O profeta manifesta-se também, e sobretudo, pelas suas opções de vida. Assim mostra ter percebido que o tempo em que se vive aquele em que Deus nos chama a ser-para-os-outros. O profeta não pode escapar a esse chamamento, sob pena de ser infiel à missão. Finalmente o profeta manifesta autenticidade da sua missão pela coragem em dar a vida por aquele que o chamou e por aqueles a quem é enviado. Ou se é profeta com a vida, a vida gasta por amor, ou não é profeta a sério.
    O Pe. Dehon quer que nós sejamos os "profetas" e os "servidores... em Cristo" do amor redentor de Deus. Só dando Cristo ao mundo, somos "profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens... em Cristo" (Cst. 7). Há que sê-lo pela nossa vida e pelas nossas opções de vida: "Uma vida serena, porque oferecida em sacrifício a Deus; uma vida alegre, porque somos testemunhas do amor de Cristo; uma vida empenhada, porque colaboramos no advento do Reino de Deus; uma vida disponível, porque dada ao próximo, a exemplo de Cristo; uma vida partilhada, porque queremos ser testemunhas de que a "a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65). Escreve o Fundador: «Não devem os homens apostólicos assemelhar-se muito particularmente ao Precursor? Como ele, devem preparar os caminhos de Nosso Senhor. Como ele, devem contribuir para a salvação dos pecadores pelas suas expiações e sacrifícios» (OSP 4, p. 562)

    Oratio

    Ó glorioso S. João Baptista, pregador corajoso e coerente da verdade, intercede por nós e por todos quantos, na Igreja, são chamados a exercer a missão profética. Que a exerçam com clareza, com coerência de vida, com coragem, dispostos a selar com o próprio sangue o seu testemunho. Que todos os homens apostólicos se assemelhem a ti, a fim de prepararem os caminhos do Senhor, entre os caminhos dos homens de hoje. Que o fogo da caridade divina arda em nossos corações, para sermos zelosos e perseverantes no testemunho do seu amor e no serviço da reconciliação. Ámen.

    Contemplatio

    Não devia o Precursor assemelhar-se a Nosso Senhor e preparar-lhe os caminhos? Nosso Senhor devia salvar-nos pela cruz, devia cumprir a sua missão pelo sofrimento: "Não devia Cristo padecer?" (Lc 24). Devia estabelecer a religião pela cruz e pelo sofrimento, e convinha que o seu Precursor passa-se pelo mesmo caminho e que se mostrasse heroico nas aflições e sofrimentos. Convinha que o mártir da sinagoga, que chegava ao fim, preparasse os caminhos ao Salvador, que devia abrir o céu pelos seus sofrimentos e pelo seu sangue. Nosso Senhor queria fazer partilhar a graça dos seus sofrimentos ao seu Precursor. Queria também preparar os espíritos para o Evangelho mostrando-lhe o que os justos têm a esperar dos homens. Queria também dar-nos um modelo para nos ensinar a bem sofrer... A coragem deste justo condena o nosso desleixo e incita-nos, a nós pecadores, a sofrer pacientemente pelos nossos pecados e por seu amor (Leão Dehon, OSP 4, p. 561.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Eu estou contigo para te salvar» (Jer 1, 19).

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    Martírio de S. João Baptista (29 Agosto)

    XXII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    29 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 2, 1-5

    Irmãos: 1Eu mesmo, quando fui ter convosco, irmãos, não me apresentei com o prestígio da linguagem ou da sabedoria, para vos anunciar o mistério de Deus. 2Julguei não dever saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. 3Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de grande temor. 4A minha palavra e a minha pregação nada tinham dos argumentos persuasivos da sabedoria humana, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, 5para que a vossa fé não se baseasse na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus.

    Paulo chama a atenção da comunidade de Corinto, ameaçada na sua fé por princípios da mentalidade greco-pagã, para a centralidade do mistério pascal de Cristo. O essencial para a salvação é acreditar em Cristo, morto e ressuscitado: «Julguei não dever saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado». A mediação histórica para acolher a salvação é a pregação, que se caracteriza pela fraqueza humana: «Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de grande temor». É a fé, como acolhimento da Palavra da cruz, que revela o poder de Deus que salva. Não há outro caminho. Paulo afirma-o com a força da sua autoridade, procurando reconduzir ao bom caminho os cristãos de Corinto que tinham assumido práticas contrárias ao que é próprio da fé em Cristo. Os eventos salvíficos ordenam-se do seguinte modo: Cristo crucificado, pregação apostólica, fé como adesão a Cristo e ao seu mistério pascal.

    Evangelho: Lucas 4, 16-30

    Naquele tempo, Jesus 16Veio a Nazaré, onde tinha sido criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler. 17Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito: 18«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, 19a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.» 20Depois, enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21Começou, então, a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» 22Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam com as palavras repletas de graça que saíam da sua boca. Diziam: «Não é este o filho de José?» 23Disse-lhes, então: «Certamente, ides citar-me o provérbio: 'Médico, cura-te a ti mesmo.' Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaúm, fá-lo também aqui na tua terra.» 24Acrescentou, depois: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. 25Posso assegurar-vos, também, que havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; 26contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas sim a uma viúva que vivia em Sarepta de Sídon. 27Havia muitos leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi purificado senão o sírio Naaman.» 28Ao ouvirem estas palavras, todos, na sinagoga, se encheram de furor. 29E, erguendo-se, lançaram-no fora da cidade e levaram-no ao cimo do monte sobre o qual a cidade estava edificada, a fim de o precipitarem dali abaixo. 30Mas, passando pelo meio deles, Jesus seguiu o seu caminho.

    A pregação de Jesus começa com um rito na sinagoga: levanta-se, vai ler, é-Lhe dado o rolo, abre-o... É um momento solene que Lucas sublinha. Jesus proclama a página profética e interpreta-a: «Cum¬priu se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» Jesus é o profeta prometido. O tempo presente é o Kairós - o tempo providencial - que é preciso acolher. Os ouvintes reagem manifestando espanto pelas palavras de Jesus e pelo modo como as pronuncia: palavras repletas de graça. Alguns reagem negativamente, de modo crítico e mesmo agressivo contra Jesus. A proposta da salvação provoca reacções diferentes e, por vezes, opostas.

    Meditatio

    Os Coríntios tinham caído naquilo a que se chama o culto da personalidade, ou de várias personalidades, criando divisões na comunidade. Para tentar remediar a situação, Paulo recorda-lhes que a fé não se baseia nas habilidades retóricas deste ou daquele pregador, nem sobre a capacidade dialéctica de um pensador, mas na intervenção de Deus na história humana. É certo que a pregação é essencial para desencadear a caminhada da fé, que leva à salvação. Mas ela é, antes de mais, um evento de graça.
    Como os habitantes de Corinto, como os contemporâneos de Elias e de Eliseu, como os contemporâneos de Jesus, também nós somos postos perante um evento que não é simplesmente humano pois, apesar da sua simplicidade, ou mesmo da sua fraqueza, traz consigo uma mensagem e uma graça que vem de Deus. A pregação cristã apoia-se nas profecias do Antigo Testamento, mas assenta no presente histórico: «Cum-priu se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» A referência ao passado é memória actualizante de algumas profecias que contêm uma promessa divina. Do mesmo modo, a referência ao presente histórico não é violência à liberdade de cada um, mas convite a não desperdiçar, por preguiça ou superficialidade, a palavra de Deus. A pregação apostólica está no começo de toda a caminha da fé. Paulo dá pistas para essa caminha nos primeiros capítulos da 1Tess. Será oportuno lê-los. De qualquer modo, aqui fica um trecho: «Damos continuamente graças a Deus, porque, tendo recebido a palavra de Deus, que nós vos anunciámos, vós a acolhestes não como palavra de homens, mas como ela é verdadeiramente, palavra de Deus, a qual também actua em vós que acreditais» (1 Tess 2, 13).
    A escuta-acolhimento da pregação, leva a acreditar, isto é, à fé-adesão a Cristo, o Filho de Deus: "A vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou por mim" (Gal 2, 20). Esta "fé do Filho de Deus" é a fonte da "experiência de fé do Pe. Dehon", disposto a fazer em tudo a vontade do Pai e a realizar a missão que lhe foi confiada. O "Ecce venio" (Heb 10, 7) é o mote preferido pelo Pe. Dehon. Pronuncia-o em todos os momentos da sua vida, particularmente nos mais dolorosos, quando é chamado a viver o mistério da paixão e da morte. Anima-o uma intensa contemplação do Coração de Jesus. Vê n´Ele «a expressão mais evocadora de um amor, cuja presença activa experimenta na s
    ua vida» (Cst 2) e «a própria fonte da salvação» (Cst 2).
    Também para nós, a pregação há-de levar-nos à fé, isto é uma "adesão" que nos conduza à identificação com Cristo, à vivência da sua vida, dos seus "mistérios", dos seus sentimentos até podermos dizer como Paulo: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20).

    Oratio

    Senhor Jesus, ontem falaste mas, surdos à tua mensagem de salvação, «todos, na sinagoga, se encheram de furor». Hoje, voltas a falar para proclamar o amor do Pai que liberta da opressão, mas poucos Te escutam e aceitam. Falarás amanhã e novamente as tuas palavras serão incómodas, e muitos procurarão afastar-Te. Porquê?
    A tua Palavra, Senhor, só é acolhida por corações abertos ao Espírito e à surpresa do teu Evangelho. Que, ao anunciar-Te, eu tenha um coração impregnado de verdade, livre de medos, de interesses pessoais, de pressões inúteis. Que e minha única preocupação seja dar a conhecer o Pai e o seu amor sem limites pela humanidade. Suscita naqueles a quem sou enviado o desejo de Te conhecer. A tua Palavra tem o poder de curar, de transformar e de fazer maravilhas.
    Que o meu coração, e o coração de todos os homens, a quem me envias a semear a Palavra, se tornem terra boa, onde ela cresça e dê muito fruto. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor ensina-no-la (a sua doutrina) aplicando a si mesmo estas palavras de Isaías: «Spiritus Domini super me, eo quod unxit me (Lc 5, 18); o espírito de força e de amor repousa sobre mim, e encheu o meu coração com uma unção inefável». Portanto, a pregação do Sagrado Coração está cheia de caridade, deste amor inefável, tão terno e tão forte, que entusiasmava todos aqueles que o escutavam e levava-os a dizer: «Ninguém falou como este homem». «Speciosus forma prae filiis hominum; diffusa est gratia in labiis tuis: Este homem é entre todos amável; a graça está nos seus lábios». Entremos, portanto, no Sagrado Coração, tomemos o seu amor pata pregarmos o amor aos homens. Imitemos neste ponto, como em todos os outros, o apóstolo João.
    Isaías descreve-nos o apostolado do Salvador: «Evangelizare pauperibus misit me». Pregar aos pobres! Eis o que deseja este Coração que ama os pequenos, os fracos e as crianças. Ou qual é a qualidade que daí segue, senão a simplicidade? Simplicidade na expressão, simplicidade na ideia, o que não exclui a grandeza; que de mais simples e de mais sublime do que o Evangelho? Nós devemos, portanto, abandonar a eloquência mundana e teatral dos pregadores modernos para tomar a do Santo Evangelho e dos Padres.
    «Sanare contritos corde», isto é, consolar os aflitos. Aqui está um ponto de vista que a nossa pregação dura e mundana ignora absolutamente, mas que o Sagrado Coração, que é a consolação por excelência, não saberia ignorar. E como consolar os aflitos? Não é com banalidades, mas abrindo-lhes o Sagrado Coração, inspirando-lhes uma confiança n'Ele absoluta, inteira e inalterável.
    «Praedicare captivis remissionem et caecis visum, dimittere confractos in remissionem: Pregar a libertação aos cativos, aos feridos a cura». Com estas palavras, Nosso Senhor designa a classe inumerável dos pecadores. Trata-se de quebrar pela palavra as cadeias dos cativos, de abrir os olhos dos cegos, de dar a saúde aos doentes. Ah! A grande a nobre missão! Procuremos inspirar aos pecadores o desejo de amar o Sagrado Coração, impelamo-los à oração, a gemer diante d'Ele por causa das suas misérias, e a sua graça será mais poderosa do que todas as nossas palavras.
    «Praedicare annum Domini acceptum et diem retributionis». Pregar o grande jubileu do amor e da misericórdia, é a devoção ao Sagrado Coração que nos é necessário anunciar a todos de maneira que ela inflame os corações de todos. É para nós o primeiro dos deveres, que nós cumpriremos bem, se nós mesmos, estivermos cheios de um amor terno e generoso para com o Sagrado Coração (Sl 61). (Leão Dehon, OSP 2, p. 260s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» (Lc 7, 16).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    30 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 2, 10b-16

    Irmãos: o Espírito tudo penetra, até as profundidades de Deus. 11Quem, de entre os homens, conhece o que há no homem, senão o espírito do homem que nele habita? Assim também, as coisas que são de Deus, ninguém as conhece, a não ser o Espírito de Deus. 12Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para podermos conhecer os dons da graça de Deus. 13E deles não falamos com palavras que a sabedoria humana ensina, mas com as que o Espírito inspira, falando de realidades espirituais em termos espirituais. 14O homem terreno não aceita o que vem do Espírito de Deus, pois é uma loucura para ele. Não o pode compreender, pois só de modo espiritual pode ser avaliado. 15Pelo contrário, o homem espiritual julga todas as coisas e a ele ninguém o pode julgar. 16Pois quem conheceu o pensamento do Senhor, para poder instruí-lo? Mas nós temos o pensamento de Cristo.

    Paulo afirma que ninguém, pelas suas próprias forças, pode conhecer a Deus e o mistério da salvação que oferece a todos. Tudo é graça, e só pela graça podemos participar na salvação. A revelação do Pai tornou possível conhecermos a Deus e ao seu desígnio de salvação. Por Cristo, ficámos a conhecer os segredos de Deus e, com a ajuda do Espírito Santo, conseguimos balbuciar algo do que se refere à vida em Deus. Recebemos o Espírito que vem de Deus, o dom por excelência, que traz consigo o dom da sapiência. Assim, podemos entrar em sintonia com a mensagem revelada. Quem não acolher esse dom, não poderá saborear nem compreender o mistério, os segredos de Deus. E pode mesmo escandalizar-se. O que seria sabedoria, torna-se simplesmente loucura. Finalmente também temos «o pensamento do Senhor», isto é, somos iluminados pelo Evangelho acerca daquilo que agrada a Deus. Tudo isso se realizou em Cristo Jesus: na sua vida terrena e concretamente na sua morte e ressurreição.

    Evangelho: Lucas 4, 31-37

    Naquele tempo, Jesus 31desceu a Cafarnaúm, cidade da Galileia, e a todos ensinava ao sábado. 32E estavam maravilhados com o seu ensino, porque falava com autoridade. 33Encontrava-se na sinagoga um homem que tinha um espírito demoníaco, o qual se pôs a bradar em alta voz: 34«Ah! Que tens que ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus!» 35Jesus ordenou-lhe: «Cala-te e sai desse homem!» O demónio, arremessando o homem para o meio da assistência, saiu dele sem lhe fazer mal algum. 36Dominados pelo espanto, diziam uns aos outros: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» 37A sua fama espalhou-se por todos os lugares daquela região.

    A distância entre Nazaré e Cafarnaúm é relativamente curta. Jesus percorre-a para a anunciar e curar. Para Lucas, são esses os modos como Jesus mostra a autoridade de que está revestido. A palavra de Jesus é eficaz: realiza o que significa. Os gestos terapêuticos de Jesus levam conforto e vida a todos os que deles precisam.
    Palavras e gestos são os elementos que ligam todo o Evangelho (cf. Lc 24, 19 onde se fala de «Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo»; Act 1,1: «No meu primeiro livro, ó Teófilo, narrei as obras e os ensinamentos de Jesus, desde o princípio»). Esta página, que se refere ao início do ministério público de Jesus, confirma-o. Jesus quer se escutado e acolhido por todos e cada um dos homens: por isso lhes fala ao coração e lhes cura o corpo. É uma intervenção libertadora que revela a eficácia da palavra de Jesus. O texto de hoje apresenta-nos um pobre doente que é libertado de um espírito maligno. Começa o choque frontal entre Jesus e o demónio. Esse choque é preciso para que Jesus se revele como salvador, isto é, como aquele que redime os que estão sob o domínio de Satanás e resgata para Deus e para o seu reino.
    A intervenção de Jesus tem dois efeitos colaterais: suscita espanto em alguns e faz com que a sua fama se espalhe na região.

    Meditatio

    Que significa a expressão: Mas nós temos o pensamento de Cristo. Será que conhecemos o seu pensamento? À luz de Is 40, 13, ninguém pode dizer que conhece o pensamento do Senhor-Deus. Estamos aqui diante da teologia apofática - que prefere calar do que dizer coisas sobre Deus - cultivada pelos místicos e contemplativos. Mas a referência a Is. 64, 3, que encontramos em 2, 9, faz-nos saber que Deus preparou (isto é, revelou) coisas que jamais alguém viu ou ouviu, para aqueles que O amam. A benevolência divina tornou possível ao homem o que era impossível. Abre-se diante de nós um caminho novo de conhecimento. Os dons de Jesus, especialmente o dom do seu Espírito, rasga um novo horizonte em que podemos saber o que agrada a Deus e reconhecê-lo com alegria interior. Como filhos no Filho, como ouvintes da Palavra, como discípulos do Evangelho, podemos dizer com S. Paulo: nós temos o pensamento de Cristo. Não o descobrimos engenhosamente. Acolhemo-lo com alegria. Na linha de Is. 55, 9, podemos dizer que os pensamentos de Cristo não são os nossos pensamentos e que os nossos caminhos não são os seus caminhos. Todavia, apoiando-nos em Paulo, podemos ter certezas mais sólidas do que a rocha.
    Há tempos, na nossa vida, que são particularmente propícios para acolher e se deixar conduzir pelo Espírito Santo, e adquirir certezas que sejam fundamento sólido para toda a nossa vida cristã, religiosa, sacerdotal, para o nosso apostolado. Pode ser o tempo de férias, o tempo dedicado a um retiro espiritual, o tempo de formação à vida religiosa, ao sacerdócio. Para os religiosos tem particular importância o noviciado. As certezas, que todos procuramos, por vezes com angústia, não se adquirem com cálculos humanos ou garantias exteriores. Elas são fruto do Espírito que o Pai dá «àqueles que lho pedem!» (Lc 11, 13). É o Espírito de amor, o Espírito Santo, que realiza a promessa de Jesus: «Ele há-de ensinar-vos todas as coisas e há-de recordar-vos tudo aquilo que eu vos disse» (Jo 14, 26); «Há-de guiar-vos para a verdade perfeita... Ele há-de glorificar-me, porque tomará do que é Meu e vo-lo anunciará» (Jo 16, 13-14).
    Só o Espírito nos pode ensinar «todas as coisas», também sobre o mistério do pensamento de Cristo. Só Ele nos pode conduzir à «verdade perfeita». Só Ele nos pode «recordar», isto é, actualizar na nossa vida, tudo quanto Jesus ensinou e fez.
    O Espírito está na origem da nossa Congregação (Cst. 1), está presente no seu desenvolvimento (Cst. 15); faz-nos penetrar no mistério de Cristo (Cst. 16), faz-nos realizar a nossa missão de amor e de reparação (Cst. 23). O nosso cel
    ibato é abertura ao Espírito (Cst. 42), a nossa obediência é atenção ao Espírito (Cst. 57), a nossa vida comunitária é dom do Espírito (Cst. 59), a nossa oração é acolhimento do Espírito (Cst. 78).
    Que mais te dizem as Leituras de hoje, no momento e na situação em que te encontras? Que luz dão à tua vida, às tuas preocupações, aos teus sonhos e projectos?

    Oratio

    Senhor, os teus desígnios são insondáveis! Escolheste um assassino, como Paulo, para anunciar o teu nome, tomaste um pecador como Pedro para o tornar chefe da Igreja, socorreste uma adúltera para manifestar a tua misericórdia. Como são misteriosos os teus caminhos, ó Senhor! Agostinho permanece um exemplo de conversão para aqueles que estão atormentados e empedernidos no mal; Francisco, de libertino, torna-se promotor de paz.
    Ó Senhor, os teus gestos são loucos para a sabedoria humana! Assumes a fraqueza de uma criança para destruir os poderosos; dás a outra face a quem te bate e perdoas a quem Te ofende; morres para dar a vida e a salvação.
    Também eu, na situação concreta em que me encontro, à luz do teu Espírito, posso dar-me conta do teu amor e dizer-Te: «Tudo é graça». Amen.

    Contemplatio

    Para aquele que compreende, para aquele que o Espírito Santo ilumina, vigilanti, como diz Santo Agostinho, é a porta da vida que se abre, é o segredo de Deus que é revelado. O Coração ferido de Jesus significa que é por amor por nós, unicamente por amor, que Ele fez tudo o que fez, que viveu entre nós, que morreu por nós e que ainda vive por nós no céu e na santa Eucaristia. A lança repete à sua maneira aquilo que o Salvador tinha dito a Nicodemos: «Sic Deus dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret: Deus amou-nos até ao ponto de nos dar o seu Filho único». Fê-lo nossa propriedade; tudo nos pertence, os seus méritos, os seus mistérios, a sua vida, a sua morte, a sua graça, a sua glória e sobretudo o seu amor. Porque, repete ainda S. João, aqueles que Jesus amou, amou-os até ao fim, isto é, sem fim e sem medida.
    Eis porque a lança abriu o seu Coração material, a fim de nos fazer conhecer a ferida do seu Coração espiritual, do seu amor que foi o obreiro da nossa salvação e da nossa Redenção. No momento da morte do Salvador, o véu do Santo dos Santos rasgou-se. Isto significava o mesmo mistério que o golpe da lança.
    Jesus Cristo é o templo de Deus e o seu Coração é o Santo dos Santos, o altar do amor onde se operaram todos os mistérios e todos os sacrifícios. Tal é o significado primeiro da abertura do Coração adorável de Jesus. Este mistério ultrapassa todos os outros, porque a todos os contém. Que seria a oblação do Salvador, a sua vida, a sua imolação sobre a cruz, a sua morte mesma, se estes augustos mistérios não tirassem toda a sua seiva do seu Coração? (Leão Dehon, OSP 2, p. 380).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Nós temos o pensamento de Cristo» (1 Cor 2, 16).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    31 de Agosto, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 3, 1-9

    Irmãos: 1Quanto a mim, irmãos, não pude falar-vos como a simples homens espirituais, mas como a homens carnais, como a criancinhas em Cristo. 2Foi leite que vos dei a beber e não alimento sólido, que ainda não podíeis suportar. Nem mesmo agora podeis, visto que sois ainda carnais. 3Pois se há entre vós rivalidades e contendas, não é porque sois carnais e procedeis de modo meramente humano? 4Quando um diz: «Eu sou de Paulo»; e outro: «Eu sou de Apolo», não estais a proceder como simples homens? 5Pois, quem é Apolo? Quem é Paulo? Simples servos, por cujo intermédio abraçastes a fé, e cada um actuou segundo a medida que o Senhor lhe concedeu. 6Eu plantei, Apolo regou, mas foi Deus quem deu o crescimento. 7Assim, nem o que planta nem o que rega é alguma coisa, mas só Deus, que faz crescer. 8Tanto o que planta como o que rega formam um só, e cada um receberá a recompensa, conforme o seu próprio trabalho. 9Pois, nós somos cooperadores de Deus, e vós sois o seu terreno de cultivo, o edifício de Deus.

    Para Paulo, homens carnais são pessoas que se orientam pelas suas próprias forças, por critérios meramente humanos. Pode dizer-se que essas pessoas estão espiritualmente "subdesenvolvidas"; mesmo humanamente, ainda não experimentaram a plenitude da vida. Pelo contrário, homens espirituais são aqueles que livremente e conscientemente entraram numa nova mentalidade, num estilo de vida que partilha a novidade de Cristo.
    Como se manifesta o ser carnais de alguns cristãos? Manifesta-se no criar facções, divisões, no semear discórdias e invejas. Em vez de contribuírem para construir a comunidade, tendem a destruí-la com os pensamentos que alimentam e, sobretudo, com as obras que praticam.
    O Apóstolo garante que a todos é possível comportar-se como homens espirituais, desde que compreendam bem quem é Apolo e quem é Paulo: ambos são ministros, isto é, servos, simples colaboradores de Deus. Só Deus tem a iniciativa de salvar; só a Ele pertence o mérito e a honra. Há que reconhecê-lo como verdadeiro e único protagonista da salvação. Só Ele faz crescer o que os servos plantaram e regaram. Só Ele salva aqueles que, pela pregação da Palavra, se abrem ao diálogo que leva a descobrir a verdade.
    Notar ainda que só Deus está sempre em primeiro lugar. Só depois vêm todos os outros. Por seu lado, Paulo está disposto a ocupar o último lugar.

    Evangelho: Lucas 4, 38-44

    Naquele tempo, Jesus 38deixando a sinagoga, entrou em casa de Simão. A sogra de Simão estava com muita febre, e intercederam junto dele em seu favor. 39Inclinando-se sobre ela, ordenou à febre e esta deixou-a; ela erguendo-se, começou imediatamente a servi-los. 40Ao pôr do sol, todos quantos tinham doentes, com diversas enfermidades, levavam-lhos; e Ele, impondo as mãos a cada um deles, curava-os. 41Também de muitos saíam demónios, que gritavam e diziam: «Tu és o Filho de Deus!» Mas Ele repreendia-os e não os deixava falar, porque sabiam que Ele era o Messias. 42Ao romper do dia, saiu e retirou-se para um lugar solitário. As multidões procuravam-no e, ao chegarem junto dele, tentavam retê-lo, para que não se afastasse delas. 43Mas Ele disse-lhes: «Tenho de anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.» 44E pregava nas sinagogas da Judeia.

    Notamos, nesta página, dois momentos distintos: a cura da sogra de Simão; as palavras sobre a consciência que Jesus tinha da sua missão evangelizadora (v. 43). O primeiro momento revela-nos que a cura habilita ao serviço. Também nos diz que as curas dos doentes se tornam ocasião de verdadeiras profissões de fé em Cristo, mesmo que elas saíam da boca dos demónios...
    Na segunda parte de texto, Lucas faz-se intérprete de dois eventos fundamentais: do facto de que a evangelização seja uma característica essencial do cristianismo e da consciência messiânica de Jesus que explode sobretudo na necessidade que lhe incumbe de anunciar o reino de Deus. Trata-se de uma necessidade providencial, porque está inscrita no projecto salvífico de Deus. Jesus não pode eximir-se a esse preciso dever, até porque qualifica a sua missão: «Para isso fui enviado» (4, 8; cfr. também Lc 10, 16).

    Meditatio

    Fala-se muito, hoje, de evangelização e nova evangelização, de evangelização das culturas, de inculturação da fé. Cada cristão deve estar consciente do indeclinável dever de dar testemunho do Evangelho, onde quer que viva, se encontre, trabalhe. O Vaticano II fundamenta esse dever no evento sacramental do baptismo (cfr. LG 10 e AA 3).
    «É preciso que eu evangelize o reino de Deus». O objecto da missão não é a Igreja, mas o reino de Deus. A palavra "Reino de Deus" não deve ser entendida em sentido meramente local, como se devêssemos entrar num certo local, em recinto bem definido, mas em sentido espiritual para indicar, antes de mais, a soberania de Deus a que nos submetemos e a comunidade de salvação que caminha para o Reino.
    «Para isso fui enviado»: é como dizer que não há evangelização sem missão. Não é indispensável uma missão apostólica. É suficiente referir-nos ao baptismo e à vocação que abraçámos. Ele dão-nos o direito não só de sermos servidores da Palavra aqui e agora, mas também as forças espirituais necessárias para essa missão.
    «Evangelizar, para a Igreja, é levar a Boa Nova de Cristo a todos os sectores da Humanidade e, graças ao seu influxo, transformar a partir de dentro, tornar nova a própria humanidade» ( Paulo VI, Evangelii Nuntiandi 18).
    Se a nossa experiência pessoal de fé um dia nos fez enamorar por Cristo, e demos a nossa adesão total à Sua Pessoa (cf. Cst 14), a consequência de tudo isso devia ser «o zelo pela casa do Senhor devora-nos»; toda a actividade, todo o ministério, toda a presença em qualquer ambiente deveria tornar-se evangelização convicta.
    Os documentos da Congregação lembram-nos que viver a nossa Regra de vida significa viver a nossa espiritualidade como missão apostólica e que a vida religiosa, como vida comunitária, como vivência dos votos, da espiritualidade e do nosso serviço apostólico, é missão» (cf. Documenta XII, p. 51).
    A Carta circular sobre o contributo SCJ para a evangelização apresenta de modo muito eficaz e concreto a missão dehoniana na preciosa e humilde realidade da vida de cada dia: «Não só as zonas de fronteira são hoje terra de missão, mas todas as nossas actividades, onde devemos ter sempre a preocupação de dar o primeiro lugar anúncio do Evangelho: formação, escola, pastoral paroquial, animação vocaciona
    l, etc.; também os anciãos e doentes podem colaborar na missão da Igreja e da Congregação, vivendo a sua oblação e colaboração na difusão da Boa Nova de Cristo, conforme a variedade dos dons recebidos do Espírito (1 Cor 12, 4-6).
    Reconhecemos como parte importante da nossa missão reparadora todo o trabalho que desde os princípios da Congregação muitos de nós desenvolvem na actividade missionária, em vista do anúncio do Evangelho e em solidariedade com os povos, cuja situação é particularmente difícil»( Cf. Documenta XIV, n. 23, p. 102).

    Oratio

    Senhor, liberta-me da inveja que mina o meu crescimento e as minhas relações interpessoais. Desejar avidamente o que pertence aos outros cria divisões e rivalidades; liberta-me do ciúme, «icterícia da alma», sentimento que liberta frustração, cólera e rancor naqueles que desejam para si a atenção prestada aos outros.
    Dá-me aquela liberdade que não teme críticas nem pretender atrair louvores, que leva à largueza de vistas e é feita de humildade, tolerância e inteligência, que está privada de interesses egoístas e acredita que todos colaboram contigo, único e verdadeiro artista.
    Senhor, faz com que caminhe sempre diante de mim o teu lema trinitário: "Um por todos". E que isso aconteça, de modo particular, no serviço da evangelização. Amen.

    Contemplatio

    O Evangelho é, como a sagrada Eucaristia, o sacramento do Coração de Jesus. Este divino Coração está lá, sob a letra, escondido com o seu amor e os seus tesouros de graças; as suas palavras são espírito e vida. Nós devemos amar e estudar todos os Evangelhos, mas há um pelo qual nós nos devemos apaixonar: é o de S. João. Portanto, para ter bom resultado na pregação, o principal não é estudar Massillon, Bourdaloue e Bossuet, por maioria de razão os autores absolutamente profanos como Cícero ou Quintilino. É preciso estudar o Sagrado Coração no Evangelho: está tudo aí.
    Recordemo-nos das promessas feitas por Nosso Senhor àqueles que pregassem a devoção ao Sagrado Coração. Estas promessas são infalíveis. Tenhamos uma confiança absoluta. Esta confiança pode produzir milagres. «Aqueles que trabalham pela salvação das almas, dizia Nosso Senhor à Bem-Aventurada, terão a arte de tocar os corações mais endurecidos e trabalhar com um sucesso maravilhoso, se eles mesmos estiverem penetrados de uma terna devoção ao meu divino Coração».
    Meditemos e desenvolvamos as belas páginas de S. João ... sobre a ressurreição de Lázaro, sobre as bodas de Caná, sobre a conversão da Samaritana. Estudemos estas parábolas do Bom Mestre sobre o Bom Pastor, sobre a Vinha mística e as efusões do seu Coração no discurso depois da Ceia. Todos estes ensinamentos têm uma eficácia particular. Brotam directamente do Coração de Jesus.
    Alimentar-me-ei constantemente do Evangelho, sobretudo do de S. João. Lerei com preferência os escritos dos Santos que tiveram a missão de nos revelar o Sagrado Coração. É o Coração de Jesus que eu quero fazer conhecer e amar ao exercer o apostolado (Leão Dehon, OSP 2, pp. 262s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Somos colaboradores de Deus» (1 Cor 3, 9).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    1 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 3, 18-23

    Irmãos: 18Ninguém se engane a si mesmo: se algum de entre vós se julga sábio à maneira deste mundo, torne-se louco para ser sábio. 19Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Com efeito, está escrito: Ele apanha os sábios na sua própria astúcia. 20E ainda: O Senhor conhece os pensamentos dos sábios e sabe que são fúteis. 21Portanto, ninguém se glorie nos homens, pois tudo é vosso: 22Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, o presente ou o futuro. Tudo é vosso. 23Mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus.

    Paulo retoma a reflexão sobre o binómio «sabedoria-loucura» e adorna-o com referências ao Antigo Testamento. A sua atenção concentrara-se na loucura da pregação, na loucura da cruz, na loucura da fé. Agora o discurso alarga-se e aplica-se a toda a existência cristã: «viver em Cristo» comporta assumir a novidade de vida que Cristo pregou e que a sua cruz anuncia, ainda que isso pareça paradoxal e escandaloso ao mundo em que vivemos. Depois Paulo aperfeiçoa a escala dos valores, apresentando-a de modo eloquente: Tudo é vosso - Paulo refere-se a todos os crentes e a toda a comunidade dos crentes; mas vós sois de Cristo - todos, nós e vós, diz o Apóstolo, pertencemos a Cristo por meio da fé; ser de Cristo significa ter uma relação especial com Ele, por um chamamento recebido, pela Palavra escutada, pelo dom da graça acolhido; e Cristo é de Deus - é novamente reafirmado o primado de Deus Pai, origem e fim de tudo e de todos. Paulo esboça diante de nós um itinerário teológico persuasivo e englobante.

    Evangelho: Lucas 5, 1-11

    Naquele tempo, 1encontrando-se junto do lago de Genesaré, e comprimindo-se à volta dele a multidão para escutar a palavra de Deus, 2Jesus viu dois barcos que se encontravam junto do lago. Os pescadores tinham descido deles e lavavam as redes. 3Entrou num dos barcos, que era de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra e, sentando-se, dali se pôs a ensinar a multidão. 4Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo; e vós, lançai as redes para a pesca.» 5Simão respondeu: «Mestre, trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos; mas, porque Tu o dizes, lançarei as redes.» 6Assim fizeram e apanharam uma grande quantidade de peixe. As redes estavam a romper-se, 7e eles fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para que os viessem ajudar. Vieram e encheram os dois barcos, a ponto de se irem afundando. 8Ao ver isto, Simão caiu aos pés de Jesus, dizendo: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador.» 9Ele e todos os que com ele estavam encheram-se de espanto por causa da pesca que tinham feito; o mesmo acontecera 10a Tiago e a João, filhos de Zebedeu e companheiros de Simão.Jesus disse a Simão: «Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens.» 11E, depois de terem reconduzido os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus

    Lucas realça o modo como a multidão escutava «a palavra de Deus». Deste modo, remete-nos para a comunidade eclesial que vive a sua fé colocando no centro de si mesma «a palavra de Deus» e, ao mesmo tempo, Jesus como Palavra da revelação e a pregação apostólica. Lucas também realça que Jesus, «sentando se, dali se pôs a ensinar a multidão». Também este pormenor nos leva a considerar a narração evangélica como intimamente ligada à vida da primitiva comunidade cristã, em que a passagem da evangelização à catequese era normal e permanente.
    «Porque Tu o dizes, lançarei as redes»: Lucas sublinha a autoridade da palavra de Jesus. Sabemos que toda a palavra que saía da boca de Jesus, para os Apóstolos ou para a multidão, estava carregada de especial autoridade: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» (4, 36).
    «Depois de terem reconduzido as barcas para terra, dei¬xaram tudo e seguiram no». Esta expressão alerta para o radicalismo evangélico. Lucas quer indicar que o seguimento de Jesus implica, não só uma opção pessoal, mas também a decisão de se desapegar de tudo aquilo que, de algum modo, possa enfraquecer a adesão a Jesus.

    Meditatio

    As leituras de hoje convidam-nos a ultrapassar os nossos estreitos limites humanos, para nos abrirmos à imensidade do amor de Deus.
    Paulo exorta os Coríntios a irem além da sabedoria humana, que, muitas vezes, se deixar guiar por simpatias e preferências, e acaba por erguer barreiras que nos separam de Deus e uns dos outros. O Apóstolo indica-lhes horizontes bem mais amplos: «Tudo é vosso. Mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (vv. 22b-23).
    O mesmo acontece no evangelho. Jesus quis que Pedro compreendesse que o apostolado não é coisa humana. A pesca milagrosa leva Pedro a ultrapassar o senso comum, a curtas vistas humanas: ao ver a pesca inesperada, o apóstolo diz: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador» (v. 8). Há pormenores que marcam este encontro entre Jesus e Simão Pedro. Facilmente reconhecemos neles aspectos importantes da nossa experiência de vida cristã. Por exemplo: a passagem da desilusão à confiança: um pescador experimentado como Pedro sabe que, depois de certas noites de faina, não tem muito a esperar; a experiência é sempre uma referência em que nos apoiamos para fazer opções ou tomar decisões. Geralmente, não estamos muito inclinados a arriscar em coisas em que já experimentamos o fracasso. Mas Pedro acredita na palavra de Jesus e confia na sua eficácia. Do espanto ao reconhecimento da sua condição de pecador: a consciência de Pedro ilumina-se no contacto com Jesus, e não só diante do milagre. É verdade que o milagre sacode as consciências e as interpela drasticamente, mas a referência principal e última é a pessoa de Jesus. Diante dele, Pedro reconhece a sua condição de pobre pecador, idêntica à dos outros. De pecador a pescador de homens: Pedro dá-se conta de que Jesus entrou na sua vida, não para o atrair, mas também para ganhar, por meio dele, outras pessoas para a novidade cristã. Dá-se uma transformação da sua qualidade de pescador. Do abandono de todo ao seguimento de Jesus: a vocação qualifica-se, não tanto pelo que deixa, mas por Aquele a Quem se adere. Também Pedro de deu conta da necessidade de deixar tudo para seguir a Cristo. E não hesitou!
    Para responder à vocação, é preciso conhecer o rosto d'Aquele que chama. Toda a resposta vocacional implica um reconhecimento de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Aí, no amor dado e recebido, na identidade salvadora acolhida, pode-se dar um salto de confiança para os braços d'Aquele que chama porque se reconhece n'Ele a misericórdia e a salvação, a vida e a paz, a verdade e a beleza.
    A motivação consistente para
    vida consagrada só pode ser Cristo e o Evangelho (cf. Mc 10, 29). Só o amor a Cristo justifica uma vida de castidade, de pobreza, de obediência, vivida em fraternidade e ao serviço da missão.
    «Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem" (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança; uma fé que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo; no meio dos desafios do mundo, devemos consolidá-la, vivendo-a na caridade. Com todos os nossos irmãos cristãos confessamos, por meio do Espírito, que Cristo é o Senhor, no qual o Pai nos manifestou o seu amor e que continua presente no mundo para o salvar. "Ninguém pode dizer - Jesus é o Senhor - senão sob a acção do Espírito Santo" (1 Cor 12,3) (Cst 9).

    Oratio

    Seduziste-me, Senhor, e eu deixei-me seduzir. Procurava algo de significativo numa vida fácil e sem brio, no tédio mortal de muitos dias sempre iguais. O teu amor arcano e misterioso atemorizava-me e, por isso, resisti muito tempo. Agora, sinto-me rendido à tua irresistível sedução. Puseste-me numa nova forma de existência, mostrando-me uma missão que, a partir de agora, dá consistência à minha vida, mesmo no meio das dificuldades, e das contradições. Seguir-Te tornou-se uma maravilhosa oportunidade para Pedro e para mim, como para todos os que são chamados. Que a saiba aproveitar, para glória do teu Nome. Amen.

    Contemplatio

    A vocação sacerdotal é muitas vezes preparada por piedosos antepassados. Há muitas vezes entre as causas determinantes da nossa vocação os exemplos, as orações, os méritos de uma mãe, de uma avó ou de outros familiares. Não vemos também aqui, como prelúdio ao Ecce venio de Jesus, o Ecce Ancilla de Maria, e a vida santa e pura da Virgem imaculada, a humildade de José, pai adoptivo do Salvador, a dignidade de Santa. Ana e de S. Joaquim? Jesus quer que nós guardemos a recordação destas santas preparações. S. Paulo diz a Timóteo: «Recorda-te da fé da tua avó e da tua mãe» (2Tim 1). Muitas vezes também, houve nas gerações precedentes da família do sacerdote, outras vocações de sacerdotes, de religiosos, de religiosas. Jesus, por Maria, descendia simultaneamente da família de Judá e da tribo de Levi. Muito frequentemente os piedosos antepassados do sacerdote passaram por provações. As graças compram-se. Sta. Ana e S. Joaquim foram desprezados, Maria e José viveram na pobreza.
    Se nós reconhecemos o toque divino na origem da nossa vocação, exprimamos a nossa gratidão ao divino Coração de Jesus... Regressemos em pensamento à nossa infância. Agradeçamos a Deus as graças recebidas e peçamos-Lhe perdão pelas falhas que nos escaparam.
    Quais eram as disposições do Coração de Jesus durante a sua infância e a sua juventude? ... Oferecia sem cessar um sacrifício perfeito ao seu Pai... Crescia em graça, crescia em sabedoria...
    Perdão por todos os abusos que cometi dos vossos dons! Obrigado por todos os proveitos espirituais que deles pude colher! (Leão Dehon, OSP 2, pp. 544ss.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 23).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    2 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 4, 1-5

    Irmãos: 1Considerem-nos, pois, servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. 2Ora, o que se requer dos administradores é que sejam fiéis. 3Quanto a mim, pouco me importa ser julgado por vós ou por um tribunal humano. Nem eu me julgo a mim mesmo. 4De nada me acusa a consciência, mas nem por isso me dou por justificado; quem me julga é o Senhor. 5Por conseguinte, não julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor. Ele é quem há-de iluminar o que se esconde nas trevas e desvendar os desígnios dos corações. E então cada um receberá de Deus o louvor que merece.

    Na comunidade de Corinto, havia alguns que contestavam a autoridade de Paulo. O Apóstolo começa por afirmar: somos "servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus"; nada mais. Estas palavras lembram-nos o que Jesus disse: «Quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: 'Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer'» (Lc 17, 10). Fica assim realçada a identidade do Apóstolo, em relação a Cristo que o chamou.
    Também somos «administradores dos mistérios de Deus», isto é, ecónomos, porque responsáveis por aquela economia que vê actuar a Deus que dispensa os seus ministérios, mas também os apóstolos que são chamados a dar o que receberam. Este segundo aspecto caracteriza o ministério apostólico em relação com os fiéis, que têm direito a receber aquilo que Deus, por meio dos seus ministros, dispensa generosamente. Aos servos-administradores requerer-se que sejam fiéis ao Senhor e ao serviço que lhes é confiado. Paulo sente-se submetido ao juízo de todos; mas sente-se livre. Mas também se sente objecto do juízo de Deus a Quem se rendeu de uma vez para sempre. E, sendo assim, não se sente livre, mas obrigado a cumprir a sua missão.

    Evangelho: Lucas 5, 33-39

    Naquele tempo, os fariseus e os escribas 33disseram a Jesus: «Os discípulos de João jejuam frequentemente e recitam orações; o mesmo fazem também os dos fariseus. Os teus, porém, comem e bebem!» 34Jesus respondeu-lhes: «Podeis vós fazer jejuar os companheiros do esposo, enquanto o esposo está com eles? 35Virão dias em que o Esposo lhes será tirado; então, nesses dias, hão-de jejuar.» 36Disse-lhes também esta parábola: «Ninguém recorta um bocado de roupa nova para o deitar em roupa velha; aliás, irá estragar-se a roupa nova, e também à roupa velha não se ajustará bem o remendo que vem da nova. 37E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho novo rompe os odres e derrama-se, e os odres ficarão perdidos. 38Mas deve deitar-se vinho novo em odres novos. 39E ninguém, depois de ter bebido o velho, quer do novo, pois diz: 'o velho é que é bom!'».

    A partir de hoje, a liturgia apresenta-nos três polémicas de Jesus com os discípulos de João Baptista: uma sobre a prática do jejum e duas sobre a observância do sábado.
    A esmola, a oração e o jejum são três compromissos indeclináveis para os discípulos de Cristo (cf. Mt 6, 1-18). Mas o que preocupa a Jesus é o modo como os seus discípulos praticam a esmola, a oração e o jejum. Esta página realça o espírito com que deve ser praticado o jejum. A alegoria esponsal leva-nos a considerar Jesus como "o esposo", cuja presença é motivo de alegria e cuja ausência será motivo de tristeza. A espiritualidade cristã não pode deixar de dar atenção a estas expressões muito pessoais que podem configurar uma relação, não só de filhos com o pai, mas também da esposa com o esposo. O Antigo Testamento desenvolve muito esta alegoria esponsal para iluminar as relações de Israel com o seu Senhor e a relação de cada crente com Deus.
    Este texto distingue também os tempos de Jesus dos tempos da Igreja. A Igreja é representada pelos convidados que participam da alegria do esposo; mas algumas vezes é apresentada na imagem da esposa, ou do amigo do esposo que lhe está próximo e a escuta (cf. Jo 25, 30).

    Meditatio

    A filosofia grega procurava, sobretudo, explicar o Universo. A Bíblia, pelo contrário, ensina-nos a estar atentos às pessoas e às relações interpessoais. A filosofia grega distinguia os quatro elementos: o ar, a água, o fogo e a terra. A Bíblia, pelo contrário, ensina-nos a entrar em contacto com o Ser pessoal que criou a matéria: Deus. As leituras de hoje mostram que Jesus e, depois d´Ele, os apóstolos confirmaram e aprofundaram essa orientação.
    É sempre útil reflectir sobre a novidade trazida por Cristo e testemunhada pelo Evangelho. A parábola de Lucas sobre a roupa nova e o vinho novo evidencia essa novidade. Tomemos nota, em primeiro lugar, do estilo paradoxal com que Lucas narra a primeira parábola. Não fala simplesmente de um pedaço de pano a coser em roupa velha. Fala, sim, do gesto de alguém que «recor¬ta um bocado de roupa nova para o deitar em roupa velha». É evidente que Lucas quer estigmatizar a atitude daqueles que, recusando a novidade do Evangelho, acabam por arruinar o que é novo sem realizar o que é velho.
    "Novo" pode entender-se em referência ao Antigo Testamento: neste caso, o verdadeiro discípulo de Jesus, desde o princípio entende da sua experiência de fé intui que apalavra de Jesus chega como cumprimento das profecias e que a adesão de fé a Jesus o põe na linha de todos quantos, antes de Jesus Cristo, se abriram à escuta da Palavra de Deus e se deixaram guiar pelos profetas.
    "Novo" pode entender-se em referência aos mestres alternativos que faziam prosélitos por todos os meios, no tempo de Jesus; neste caso, os apóstolos e os discípulos encontraram-se na situação de ter que fazer opções drásticas (cfr. Jo 6, 60-69) para não se deixarem hipnotizar pelos falsos mestres e por guias cegas e hipócritas (cfr. Mt 23, 15-17).
    "Novo", finalmente, pode entender-se em referência a algumas atitudes que caracterizam a vida dos discípulos de Jesus antes do seu encontro com o Mestre: neste caso, o discípulo de Jesus adverte a necessidade de deixar-se agarrar, de se abandonar para receber, de perder para encontrar.
    Para aqueles que são chamados à vida religiosa, a profissão dos conselhos evangélicos é um sinal «que manifesta a todos os crentes os benefícios celestiais...; testemunha a vida nova e eterna...; preanuncia a futura ressurreição e a glória do Reino celeste... O estado religioso representa na Igreja a forma de vida que o Filho de Deus abraçou...; manifesta a elevação do Reino de Deus acima de todas as coisas terrestres...; demonstra... o infinito poder do Espírito Santo, admiravelmente operante na Igreja» (Cf. Lumen Gentium, 44).
    As nossas Constituições dizem que somos "disc&iac
    ute;pulos do Padre Dehon..." (n. 17). Mas há que esclarecer: "Discípulos", por meio do P. Dehon, de Cristo, porque o único Mestre é sempre e somente Ele: "Um só é o vosso mestre e todos vós sois irmãos" (Mt 23, 8). Todavia, o P. Dehon é sempre nosso modelo. A sua experiência de fé, o modo como abandonou tudo, aderiu e se abandonou a Cristo, tem para nós um valor constitutivo (Cf. Cst nn. 2-5). É ao seu jeito que queremos seguir a Cristo, o único Mestre.

    Oratio

    Senhor, arranca-nos do sulco dos nossos costumes! A tarefa principal da pessoa que quer amadurecer é paradoxalmente alcançar a inocência de uma criança. Senhor, dá-me uma mente fresca, inocente, aberta e capaz de conhecimento infinito.
    «Ninguém recor¬ta um bocado de roupa nova para o deitar em roupa velha»! Senhor, dá-me o sentido do bom gosto, que não me fecha no "velho" mas, ainda que valorizando-o, sabe colher a novidade da graça, sempre dotada de originalidade e elegância espiritual. Os discípulos de João jejuam. Os teus, comem e bebem. Ó Senhor, dá-me aquele sentido de equilíbrio que não me amarra a normas e práticas decaídas e ultrapassadas, mas, por intuições felizes, leva-me a fazer opções espontâneas e adequadas a todos os tipos de situação. Amen.

    Contemplatio

    A Bem Aventurada Margarida Maria mantinha-se diante de Nosso Senhor como uma tela vazia, tela muito branca, muito bela, bem purificada neste purgatório de amor. Sobre esta tela, Nosso Senhor como um hábil pintor, desenhava a imagem do seu Coração. Não era uma pintura morta, mas uma imagem viva que produzia os traços do divino Mestre; esta alma, iluminada e purificada pelo Coração de Jesus, era tão semelhante ao seu adorável modelo, que realizava esta unidade mística que é o último limite de união com o Coração de Jesus. Nós também, estejamos diante de Nosso Senhor como uma tela bem branca onde ele há-de imprimir o selo do seu Coração; ele nos há-de purificar, iluminar, nos há-de elevar enfim a este união perfeita na qual não fazemos mais do que um só com ele. Então havemos de poder dizer com S. Paulo: «Vivo, non ego, vivit vero in me Christus. - Já não sou eu, mas Jesus Cristo, o seu Coração quem vive em mim» (Gal 2, 20). Permaneçamos, portanto, aos pés de Nosso Senhor com um olhar de ternura, com um esforço de amor, na amargura das nossas faltas e na alegria do perdão, sob um raio de luz e de bênção (Leão Dehon, OSP 2, p. 187).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus.» (1 Cor 4, 1).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XXII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XXII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    3 de Setembro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XXII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 4, 6-15

    Irmãos: 6Se apliquei tudo isto a mim e a Apolo, irmãos, foi por vossa causa, para que aprendais de nós mesmos a «não ir além do que está escrito», e para que ninguém se vanglorie, tomando o partido de um contra o outro. 7Pois, quem te faz superior aos outros? Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias, como se não o tivesses recebido? 8Já estais saciados! Já sois ricos! Sem nós, já vos tornastes reis! Oxalá o tivésseis conseguido, para que também nós pudéssemos reinar convosco. 9De facto, parece-me que Deus nos pôs a nós, os apóstolos, no último lugar, como se fôssemos condenados à morte, porque nos tornámos espectáculo para o mundo, para os anjos e para os homens. 10Nós somos loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo! Nós somos fracos, e vós, fortes! Vós, honrados, e nós, desprezados! 11Até este momento, sofremos fome, sede e nudez, somos esbofeteados, andamos errantes, 12e cansamo-nos a trabalhar com as nossas próprias mãos. Amaldiçoados, abençoamos; perseguidos, aguentamos; 13caluniados, consolamos! Tornámo-nos, até ao presente, como o lixo do mundo e a escória do universo. 14Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas para vos admoestar, como a meus filhos muito queridos. 15Na verdade, ainda que tivésseis dez mil pedagogos em Cristo, não teríeis muitos pais, porque fui eu que vos gerei em Cristo Jesus, pelo Evangelho.

    Paulo desenvolve o discurso sobre a verdadeira identidade dos ministros de Cristo e dos administradores dos mistérios de Deus.
    Os apóstolos, em primeiro lugar, estão ligados aos fiéis-irmãos: por isso não podem avançar sozinhos e, muito menos, chegar à meta sem eles. Paulo sente-se ligado aos seus fiéis porque, como eles, sabe que foi salvo pela graça de Cristo. Por outro lado, não quer chegar à meta sem eles. A expressão "reinar convosco " (v. 8) exprime claramente o seu desejo de partilhar com todos a alegria da salvação
    Os apóstolos são "condenados à morte " (v. 9), como Cristo, depois de Cristo. É o que espera Paulo, desde que encontrou a Cristo no caminho de Damasco. Desde então, sabe que não há outro caminho senão o da cruz, outra perspectiva senão a do Calvário.
    Os apóstolos também se sentem pais em relação aos fiéis que consideram "filhos muito queridos" (v. 14). Trata-se de uma paternidade espiritual não menos comprometedora que a paternidade física. É uma paternidade sem fronteiras. É essa a experiência de Paulo.

    Evangelho: Lucas 6, 1-5

    1Num dia de sábado, passando Jesus através das searas, os seus discípulos puseram-se a arrancar e a comer espigas, desfazendo-as com as mãos. 2Alguns fariseus disseram: «Porque fazeis o que não é permitido fazer ao sábado?» 3Jesus respondeu: «Não lestes o que fez David, quando teve fome, ele e os seus companheiros? 4Como entrou na casa de Deus e, tomando os pães da oferenda, comeu e deu aos seus companheiros esses pães que só aos sacerdotes era permitido comer?» 5E acrescentou: «O Filho do Homem é Senhor do sábado.»

    Lucas apresenta-nos hoje, e nos textos seguintes, algumas polémicas de Jesus com os fariseus acerca do sábado e das práticas permitidas ou não permitidas nesse dia. Impressiona o modo positivo e propositivo como Jesus entra na polémica: tenta desamarrar os seus interlocutores de uma mentalidade excessivamente jurídica, servilmente ligada a aspectos que levaram os fariseus, do tempo de Jesus, a compilar um elenco de 613 preceitos, além dos 10 mandamentos, a que queriam ser fiéis. Jesus tenta tirá-los dessa mentalidade lembrando um acontecimento vetero-testamentário da vida de David: uma opção de liberdade diante de uma tradição que parece não admitir excepções. David era uma referência para todos, também para Jesus. Mais uma razão para, neste caso, o aceitar como modelo de liberdade perante tradições que, não sendo bem interpretadas, ameaçam sujeitar o homem à lei, em vez de o libertar.
    A afirmação final é clara: «O Filho do Homem é Senhor do sábado» (v. 5). Por um lado, Jesus compara-se a David; por outro lado, afirma a sua superioridade e, implicitamente, enquanto "Senhor do sábado", a sua divindade.

    Meditatio

    A primeira leitura leva-nos a meditar como Deus nos quer unidos na caridade: «Irmãos - escreve Paulo - ninguém se vanglorie, tomando o partido de um contra o outro... Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias» (vv. 6-7). É uma palavra profunda: tudo recebemos; não devemos usar os dons de Deus para criar divisões entre nós, mas para nos construirmos como uma só coisa.
    O Evangelho leva-nos a reflectir sobre o «novo» trazido por Cristo. Este «novo» não significa «inédito», jamais visto, mas «original», no sentido em que Jesus veio restabelecer o projecto de Deus criador e entregá-lo a todos os que aceitam segui-l´O no caminho da verdade. Em Mt 19, 1-12, temos um exemplo claro deste projecto de Jesus. Na polémica com os fariseus sobre a espiritualidade conjugal, Jesus convida a ultrapassar a lógica das concessões de Moisés por causa da dureza dos corações e a assumir a lógica do dom recíproco total, de acordo com o projecto original de Deus.
    O «novo», segundo o Evangelho, também não significa «actual»", mas «autêntico», no sentido em que Jesus, com as suas propostas de vida nova tende a acordar na pessoa, em cada pessoa, aquilo que nela há de genuíno e de válido. Jesus veio libertar... a liberdade. Por isso, quando foi preciso, não hesitou em contrapor a sua proposta às propostas alternativas dos outros falsos Messias, que prometiam liberdade fácil e barata.
    Finalmente, «novo», segundo o Evangelho, não significa «genial», mas «essencial», no sentido que Jesus veio retirar ou, pelo menos, aligeirar os demasiados pesos que ameaçam entristecer e talvez também mortificar o coração das pessoas. Sobre isto, são extremamente iluminadoras as palavras de Jesus: «Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve» (Mt 11, 28-30).
    Abramo-nos à humildade, na oração ao Espírito, para obtermos, com a experiência da cruz, o grande dom da liberdade interior, a liberdade do coração e dizermos com o Apóstolo: «Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; perplexos, mas não desanimados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruíd
    os. Trazemos sempre no nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo» (2Cor 4, 8-10). Somos vasos frágeis, mas levamos dentro de nós um tesouro infinito: Jesus, o Seu Espírito. Deixemos que Jesus limpe quando queira este nosso vaso, por vezes tão encrostado, tão opaco, para que se torne transparente como o cristal, deixe irradiar a vida de Cristo e os frutos do Espírito. Rezemos como Newman: «Senhor Jesus, ajuda-me a espalhar por todo o lado o Teu perfume... Brilha por meio de mim... Faz com que eu levante os olhos e já não me veja a mim, mas a Jesus».
    Se a oblação é um «ser para os outros», um «viver para os outros» e, antes de mais nada para o Outro, o Pai, Cristo, e para os outros, os irmãos, é inevitável a renúncia ao nosso egoísmo, às nossas comodidades e aos nossos interesses; é, portanto, inevitável a experiência da imolação do nosso "eu". Só assim se colabora no advento de uma humanidade menos egoísta, de um mundo novo; realiza-se a reparação, típica do homem de coração novo da civilização do amor. E tudo isto «por Cristo, com Cristo e em Cristo».

    Oratio

    Senhor, o sofrimento assusta-me. Mas não posso negá-lo, escapar dele, porque faz parte da vida de todo o homem, também do religioso, do apóstolo. Tenho medo do sofrimento físico causado pelas doenças, pelas privações, pelo cansaço, por um corpo frágil que se deteriora com o passar dos anos. Tenho medo do sofrimento psicológico que deriva das incompreensões, das resistências sem razão diante de realidades claras, das limitações escondidas e não aceites que se tornam violência irracional, dos jogos obscuros para alcançar os próprios objectivos. Tenho medo do sofrimento espiritual velado por dúvidas, aridez, incertezas, indiferença. Mas foi esse o caminho dos discípulos e amigos. Assim é também para nós que decidimos seguir-Te. Infunde em nós o teu Espírito de coragem e confiança. Amen.

    Contemplatio

    Depois do pecado original o homem citado ao tribunal de Deus viu-se condenado aos sofrimentos, ao trabalho, à dor, às doenças e à morte. É uma lei da natureza à qual ninguém escapa. Todo o homem, pelo facto mesmo de ser filho de Adão, sofre e morre. Tal é a pena indelével do pecado. Mas na sua misericórdia infinita, Deus quis conceder-nos um Redentor. O Verbo consentiu em fazer-se homem, para de novo nos tornar participantes da divindade. Então levanta-se este problema: Era necessário reconduzir o homem resgatado às alegrias do paraíso terrestre ou então fazer com que ele comprasse o céu com o sofrimento? A sabedoria divina deteve-se neste último modo; somente o sofrimento foi transformado. Antes era apenas uma punição, um castigo, torna-se desde então uma reparação, um meio de purificação e, como diz Tertuliano, o carro de triunfo que conduz os eleitos ao céu.
    A cruz do Salvador transformou os espinhos em rosas e as pedras ásperas dos sofrimentos em ouro e em diamante. O mistério da Redenção está todo aí.
    É necessário, diz S. Paulo, que unicamente nos glorifiquemos na cruz do Salvador. Só ela nos pode trazer a salvação, a vida e a ressurreição. É por isso que a Igreja exclama num transporte de amor: O crux, ave, spes única! Salve! Ó Cruz, nossa única esperança. Foi de facto sobre esta árvore que o Salvador pregou a nossa própria condenação, que Ele anulou no seu sangue e no seu amor. A cruz tornou-se amável, porque ela é redentora e fonte de graças (Leão Dehon, OSP 2, p. 344).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O Filho do Homem é Senhor do sábado» (Lc 6, 5).

    | Fernando Fonseca, scj |

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