Eventos Setembro 2023

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Sexta-feira

    1 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 4, 1-8

    Irmãos: 1quanto ao resto, irmãos, pedimos-vos e exortamos-vos no Senhor Jesus Cristo, a fim de que, tendo aprendido de nós o modo como se deve caminhar e agradar a Deus - e já o fazeis - assim progridais sempre mais. 2Conheceis bem que preceitos vos demos da parte do Senhor Jesus. 3Esta é, na verdade, a vontade de Deus: a vossa santificação; que vos afasteis da devassidão, 4que cada um de vós saiba possuir o seu corpo em santidade e honra, 5sem se deixar levar pelo desejo da paixão como os pagãos que não conhecem Deus. 6Que ninguém, nesta matéria, defraude e se aproveite do seu irmão, porque o Senhor vinga tudo isto, como já vos dissemos e testemunhámos. 7Com efeito, Deus não nos chamou à impureza mas à santidade. 8Pois quem despreza estes preceitos não despreza um homem, mas o próprio Deus, que vos dá o seu Espírito Santo.

    Depois de lembrar o passado, em clima de acção de graças e de súplica, Paulo exorta os Tessalonicenses em vista do futuro. «A vontade de Deus é a vossa santificação», garante o Apóstolo. A "santificação" (haghiasmós) é o processo que conduz à haghiosýne, isto é, à "santificação" em sentido verdadeiro e próprio. Trata-se de uma actividade em pleno desenvolvimento, em que concorrem a livre adesão do crente e o seu esforço, por um lado, e a acção do Espírito que plasma a criatura à imagem de Deus, por outro. E tudo isto acontece no "corpo" do homem... O santo é, pois, um homem concreto, que, dia a dia, acolhe a vontade de Deus, aderindo a ela com todo o seu ser e a sua vida. Por outro lado, «a impureza» (pornéia) refere-se a tudo o que tem a ver com paixões carnais em matéria sexual. É também algo de concreto, diante do qual o cristão deve fazer opções contra a corrente, isto é, contra a mentalidade do tempo, guardando o corpo como um dom recebido de Deus, preparando-o para receber a plenitude do Espírito Santo na vida eterna.

    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 1«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta.

    Mateus continua tratar o tema da segunda vinda de Cristo, cujo momento se desconhece, pelo que é preciso estar vigilantes e prontos: «Vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora» (v. 13). Na parábola, que hoje escutamos, o quadro é diferente: não se espera o dono, mas o esposo; quem espera também não é o servo prudente ou o servo mau, mas são cinco virgens prudentes e cinco virgens insensatas. E há mesmo pormenores que podem chocar: a reacção fortemente severa e desproporcionada do esposo, a atitude pouco caridosa das virgens prudentes, etc. Mas o significado global da parábola é claro. A Igreja está toda à espera da vinda de Cristo. Mas é de loucos não prever a hipótese de que demore. Quando se ouvir, no meio da noite, o grito: «Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!» (v. 6), os cristãos hão-de estar prontos, com a lâmpada bem acesa pelo azeite das boas obras realizadas com amor. O esposo esperado pode revelar-se um juiz severo para quem tiver o amor apagado no coração.

    Meditatio

    Progredir no amor e na santidade, como Paulo ontem recomendava aos Tessalonicenses, é possível quando se procura viver em conformidade com a graça recebida, como indica a leitura de hoje. Paulo, com grande delicadeza, recomenda aos seus caros Tessalonicenses que vivam de acordo com a graça recebida: «pedimos-vos e exortamos-vos no Senhor Jesus Cristo, que assim progridais sempre mais», escreve o Apóstolo (v. 1). Paulo pede e reza para que os seus amigos progridam no amor e na santidade, ou melhor, para que continuem a progredir, pois já estão a avançar. Escreve Paulo: «aprendestes de nós o modo como se deve caminhar e agradar a Deus - e já o fazeis» (v. 1). A vida cristã é dinâmica, é um caminho. Os Tessalonicenses já iniciaram esse caminho no amor e na santidade. Paulo, com a amizade e a confiança que tem neles, pede-lhes que avancem, que não desanimem perante as dificuldades.
    A vida cristã é regulada, não por leis abstractas, mas pelo desejo concreto de agradar a uma pessoa, isto é, ao próprio Deus, por Quem nos sentimos amados. Isto faz toda a diferença na moral cristã: não se trata de cumprir uma lei, mas de procurar agradar a uma pessoa, ao próprio Deus. É corresponder a uma graça recebida, com um comportamento adequado. De facto, o ideal cristão não consiste em evitar o pecado para escapar ao castigo. Consiste, sim, em progredir constantemente na fé e no amor. Basear a própria caminhada espiritual na luta contra o pecado pode tornar-se deprimente, uma vez que sempre podem ocorrer quedas, provocando desânimo. A excessiva preocupação com pecado pode levar a maiores tentações e quedas. Daí que seja mais construtiva e animadora a atitude positiva de caminhar no amor, de fazer o bem. Com a graça do Senhor, sempre se vão dando alguns passos, o que suscita ânimo.
    Paulo não separa caridade e santidade. O amor cristão é um amor santo, a santidade cristã e santidade de amor. Ao chegar aqui, o Apóstolo acentua um aspecto da santificação cristã, a castidade: «Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que vos afasteis da devassidão, que cada um de vós saiba possuir o seu corpo em santidade e honra» (vv. 3-4). A tentação da imoralidade sexual é sempre forte para quem vive centrado em si mesmo, na busca egoísta da sua felicidade. Por isso, Paulo aconselha outra atitude: progredir no amor, isto é, na busca e no serviço de Deus, na atenção e no serviço aos irmãos. A imoralidade sexual não é compatível com uma verdadeira relação com o Senhor: «Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que vos afasteis da devassidão» (v. 3). O cristão, que tem consciência do dom recebido de Deus e quer viver em coerência com esse dom, não pode viver como aqueles que não conhecem a Deus, não reconhecem os seus dons,
    ou não se interessam por nada disso. O cristão respeita o próprio corpo e procura mantê-lo na santidade. Não se trata de medo do sexo, ou de qualquer complexo deprimente. Trata-se de respeito pelo corpo, e da vontade de usar o sexo de modo compatível com a própria vocação cristã, no celibato ou no matrimónio, mas sempre como atitude e expressão de amor generoso. Isso, que parece impossível a muitos dos nossos contemporâneos, é possível na fé e com o auxílio da graça divina.

    Oratio

    Senhor, que nos chamaste, não à impureza, mas à santificação, infundi em nós o vosso Espírito Santo, que nos purifique e produza em nós os seus frutos divinos, nomeadamente o da continência e o da castidade. Com a sua ajuda, poderemos vencer as tentações, adquirir uma mentalidade de vencedores, viver na alegria e no gozo, também frutos do Espírito em nós. Vivendo na pureza, estaremos em condições de acolher uma íntima e profunda relação com o Deus santo, que nos chama à santidade. Que saibamos escutar a mensagem exigente de Paulo, para chegarmos à plenitude da alegria. Amen.

    Contemplatio

    O segredo de Santa Inês é o amor. Ela ouve com alegria pronunciar a sentença de morte. A noiva que avança para o esposo da sua escolha não caminha tão radiosa como Inês para o suplício. É que ela tem um noivo divino, que a morte lhe vai tornar presente. Que esperais? Diz ela aos carrascos. Não sou eu a noiva do Senhor? Apressai-vos em enviar-me para o meu divino esposo. Que o meu corpo pereça se, excitando a vossa piedade, retarda o momento em que hei-de repousar no seio daquele ao qual me dei. Aqui está o segredo! É o Coração de Jesus que a atrai e que a chama. Ela quer ir para nele se repousar. Ela reza, apresenta a sua cabeça à espada do carrasco. As gotas de sangue ornam o pescoço da noiva como outros tantos rubis. Ela vai para o céu receber a dupla coroa do martírio e da virgindade. Santa Inês preferiu perder a vida do seu corpo do que a castidade. Ainda recusaremos os pequenos sacrifícios que a castidade nos pede, a modéstia dos olhos, da imaginação, a prudência nas leituras e nas relações. (Leão Dehon, OSP 3, p. 78s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «A vontade de Deus é a vossa santificação» (1 Ts 4, 3),

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXI Semana - Sábado

    2 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 4, 9-11

    Irmãos, 9a respeito do amor fraterno não precisais que se vos escreva, pois vós próprios fostes ensinados por Deus a amar-vos uns aos outros; 10aliás, vós já o fazeis com todos os irmãos da Macedónia. Exortamo-vos, irmãos, a progredir sempre mais, 11a ter como ponto de honra viver em paz, a ocupar-vos das próprias actividades, a trabalhar com as vossas mãos, como vos recomendámos.

    A caridade de que fala Paulo esclarece muito sobre a natureza da santidade cristã. Amar-se uns aos outros, praticar o amor fraterno significa, em primeiro lugar, «viver em paz» (v. 11), não procurar nem alimentar conflitos na comunidade. Mais concretamente, é «ocupar-se das próprias actividades» (v. 11), pois a inimizade nasce, muitas vezes, do ócio, que favorece as tagarelices, a intromissão no que pertence aos outros, o falar sobre as pessoas. «Trabalhar com as vossas mãos» (v. 11) é procurar fazer bem o que se deve, particularmente o que se refere ao próprio ofício. Esta expressão também realça a dignidade do trabalho manual, desprezado por alguns, como coisa de escravos. O ócio, sim, é coisa má, em qualquer sociedade humana. Paulo quer que a comunidade de Tessalónica dê exemplo de uma vida ordenada e activa, que testemunha o amor, evitando que uns sejam peso para outros. A opção cristã é integral, abrangendo a relação com Deus, mas também as relações com os outros, que devem ser harmoniosas e respeitosas.

    Evangelho: Mateus 25, 14-30

    Naquele Tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 14«Será também como um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. 15A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu. 16Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. 17Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. 18Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. 19Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. 20Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: 'Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.' 21O senhor disse-lhe: 'Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.' 22Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: 'Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.' 23O senhor disse-lhe: 'Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.' 24Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: 'Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. 25Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.' 26O senhor respondeu-lhe: 'Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. 27Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.' 28'Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. 29Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.'»

    A espera de Cristo há-de ser dinâmica e fecunda. Os talentos recebidos não podem ser enterrados, inutilizados. Hão-de render. Estes talentos não são apenas os dotes naturais recebidos por cada um. São, mais do que isso, a salvação, o amor do Pai, a vida em abundância, o Espírito. São tesouros a multiplicar e a partilhar até ao seu regresso, ainda que demore «muito tempo» (v. 19ª). Os dons também são responsabilidades de que é preciso dar contas.
    Na parábola, há dois «servos bons e fiéis» e um «servo mau». Os servos bons e fiéis são louvados e premiados com a participação na alegria do senhor (vv. 20-23). O servo mau é severamente punido. A desculpa apresentada «Senhor, sempre te conheci como homem duro» (v. 24), acaba por ser virada contra ele. A atitude de escravo tímido assumida pelo servo mau «Aqui está o que te pertence» (v.25), também não ajuda, mas complica. Para ele, talento não foi um dom recebido, mas uma dívida contraída. Por isso, ao restituí-lo ao dono, não faz um acto de justiça, mas um insulto. E recebe o castigo adequado: «Tirai-lhe o talento, e dai-o ao que tem dez talentos... a esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes» (vv. 28-29).

    Meditatio

    A estima de Paulo pelos cristãos de Tessalónica leva-o a tratá-los com simplicidade e humildade. Não se arma em mestre, porque sabe que têm outro Mestre bem melhor, que é o próprio Deus: «vós próprios fostes ensinados por Deus» (v. 9). Mas é interessante lermos bem todo o versículo e a primeira parte do seguinte: «a respeito do amor fraterno não precisais que se vos escreva, pois vós próprios fostes ensinados por Deus a amar-vos uns aos outros, aliás, vós já o fazeis». Deus tinha dito, pela boca de Jeremias, que iria estabelecer uma aliança nova, que não seria, como a antiga, escrita em tábuas de pedra, mas no coração, no íntimo do homem, para o transformar. Essa aliança foi estabelecida por Jesus, quando apresentou o cálice de vinho na Última Ceia: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós» (Lc 22, 20). Os Tessalonicenses, ao acolher a fé, pela pregação de Paulo, entraram na nova aliança e, por isso, são "ensinados" por Deus a amar, e a amar-se uns aos outros. O ensino divino não diz respeito a uma série de verdades a acreditar, mas a um compromisso de vida. Refere-se, em suma, ao que há de mais importante: o amor. Fomos criados para amar, e a coisa mais importante para cada um de nós é encontrar a sua forma de amor generoso, que lhe é ensinado por Deus. Este ensinamento não é só teórico, mas prático e eficaz. Quando Deus ensina no coração, a acção aparece logo: «isto vós já o fazeis com todos os irmãos da Macedónia» (v. 10). Já animados pela caridade divina, os Tessalonicenses não precisam de uma exortação especial. Jeremias teve de exortar e esconjurar o povo para que cumprisse a lei de Deus. Mas isso de nada servia porque o povo tinha o coração endurecido e os ouvidos fechados. Na nova aliança, a situação está completamente mudada. Por isso, já não é preciso exortar, embora a tradução portuguesa use esse verbo. Mais próximo do original seria traduzir "pedimos-vos". Mas, que pede Paulo, ou,
    se quisermos, a que é que exorta? A «progredir sempre mais», ou a «abundar sempre mais», a «extravasar» no amor, isto é, a amar cada vez com maior intensidade. A graça não é para esconder no lenço, ou para guardar enterrada. É para crescer, para desenvolver, para multiplicar. A graça, simplesmente escondida e guardada, torna-se título de condição: «Servo mau e preguiçoso! ... Tirai-lhe, pois, o talento... A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores...»
    O nosso esforço deve orientar-se para o acolhimento activo do dinamismo da vida de fé, para colaborarmos com o Senhor na transformação do mundo. Quem recebeu a graça, deve tornar-se instrumento da mesma para os outros.

    Oratio

    Senhor, que nos encheste da tua graça, e cumulaste de benefícios, ajuda-nos a fazer frutificar os teus dons, os talentos que nos confiaste. Que jamais permaneçamos inertes, ou nos deixemos vencer pelo desânimo e pela falta de confiança. Mantém-nos activos e disponíveis como aqueles servos que fizeram render os talentos recebidos, enquanto esperavam a tua vinda, para que o teu nome seja glorificado entre os homens. Amen.

    Contemplatio

    Um dos frutos mais brilhantes do Pentecostes foi a caridade mútua dos discípulos do Salvador. A sua união edificava aqueles que a testemunhavam, Nosso Senhor tinha-os preparado para este dom na sua última conversa antes da sua morte. «Meus filhos bem-amados, dizia-lhes, já tenho pouco tempo para passar convosco, mas antes de vos deixar, tenho uma última recomendação a fazer-vos. Depois de ter instituído o sacramento do amor, pelo qual, de algum modo, vós todos fazeis um só corpo comigo, dou-vos, para uma aliança nova, um mandamento novo: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei. Amai-vos, não só como as criaturas de um mesmo Deus, ou como descendentes de Abraão, vosso pai comum; mas amai-vos como irmãos, como filhos da Igreja, como membros do mesmo corpo, do qual eu sou o chefe. Amai-vos como eu mesmo vos amei, até ao sacrifício de vós mesmos, até dardes a vossa vida para salvar a causa dos vossos irmãos. Eis como vos hão-de reconhecer como meus discípulos». Mas o preceito novo pedia um espírito novo, uma força nova e isto devia ser o fruto do Espírito Santo». (Pe. Dehon, OSP 3, p. 418).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Progredi sempre mais» (cf. 1 Ts 4, 10).

  • 22º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    22º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    3 de Setembro, 2023

    ANO A
    22º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 22º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 22º Domingo do Tempo Comum convida-nos a descobrir a "loucura da cruz": o acesso a essa vida verdadeira e plena que Deus nos quer oferecer passa pelo caminho do amor e do dom da vida (cruz).
    Na primeira leitura, um profeta de Israel (Jeremias) descreve a sua experiência de "cruz". Seduzido por Jahwéh, Jeremias colocou toda a sua vida ao serviço de Deus e dos seus projectos. Nesse "caminho", ele teve que enfrentar os poderosos e pôr em causa a lógica do mundo; por isso, conheceu o sofrimento, a solidão, a perseguição... É essa a experiência de todos aqueles que acolhem a Palavra de Jahwéh no seu coração e vivem em coerência com os valores de Deus.
    A segunda leitura convida os cristãos a oferecerem toda a sua existência de cada dia a Deus. Paulo garante que é esse o sacrifício que Deus prefere. O que é que significa oferecer a Deus toda a existência? Significa, de acordo com Paulo, não nos conformarmos com a lógica do mundo, aprendermos a discernir os planos de Deus e a viver em consequência.
    No Evangelho, Jesus avisa os discípulos de que o caminho da vida verdadeira não passa pelos triunfos e êxitos humanos, mas passa pelo amor e pelo dom da vida (até à morte, se for necessário). Jesus vai percorrer esse caminho; e quem quiser ser seu discípulo tem de aceitar percorrer um caminho semelhante.

    LEITURA I - Jer 20,7-9

    Leitura da Profecia de Jeremias

    Vós me seduzistes, Senhor, e eu deixei-me seduzir;
    Vós me dominastes e vencestes.
    Em todo o tempo sou objecto de escárnio,
    toda a gente se ri de mim;
    porque sempre que falo é para gritar e proclamar:
    «Violência e ruína!»
    E a palavra do Senhor tornou-se para mim
    ocasião permanente de insultos e zombarias.
    Então eu disse:
    «Não voltarei a falar n'Ele,
    não falarei mais em seu nome».
    Mas havia no meu coração um fogo ardente,
    comprimido dentro dos meus ossos.
    Procurava contê-lo, mas não podia.

    AMBIENTE

    Jeremias nasceu em Anatot (a norte de Jerusalém), por volta de 650 a.C. Ainda novo (por volta de 627/626 a.C.), sentiu que Deus o chamava a ser profeta. A actividade profética de Jeremias prolongou-se até depois da destruição de Jerusalém pelos babilónios (586 a.C.). O cenário da actividade do profeta foi, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
    Jeremias viveu numa época histórica bastante conturbada. Foi um período de grande instabilidade, de injustiças sociais gritantes, de infidelidade religiosa. Quer Joaquim (609-597 a.C.) quer Sedecias (597-586 a.C.) foram reis fracos, incapazes de responder com êxito às exigências da conjuntura internacional e de manter uma política de neutralidade em relação às grandes potências da época (sobretudo o Egipto e a Babilónia). Jeremias - convencido de que Judá estava a ser infiel a Deus ao deixar de confiar em Jahwéh e ao colocar a sua segurança e a sua esperança nas mãos dos povos estrangeiros - criticou duramente os líderes do Povo e anunciou uma invasão estrangeira, destinada a castigar os pecados de Judá.
    A pregação de Jeremias não foi, no entanto, apreciada pelo Povo e pelos líderes. Considerado um "profeta da desgraça", Jeremias apenas conseguiu criar o vazio à sua volta e viu os amigos, os familiares, os conhecidos voltarem-lhe as costas. Conheceu a solidão, o abandono, a maledicência... Acusado de traição e encarcerado (cf. Jer 37,11-16), o profeta chegou a correr perigo de vida (cf. Jer. 38,11-13).
    Jeremias é o paradigma dos profetas que sofreram por causa da sua missão. De natureza sensível e cordial, homem de paz, Jeremias não foi feito para o confronto, para a violência das palavras ou dos gestos; mas Jahwéh chamou-o para "arrancar e destruir, para exterminar e demolir" (Jer 1,10), para predizer desgraças e anunciar destruição e morte (cf. Jer 20,8). Como consequência, foi continuamente objecto de desprezo e de irrisão e todos o maldiziam e se afastavam mal ele abria a boca. E esse homem bom, sensível e delicado sofria terrivelmente pelo abandono e pela solidão a que a missão profética o condenava.
    Jeremias estava, verdadeiramente, apaixonado pela Palavra de Jahwéh e sabia que não teria descanso se não a proclamasse com fidelidade. Mas, nos momentos mais negros de solidão e de frustração, o profeta deixou, algumas vezes, que a amargura que lhe ia no coração lhe subisse à boca e se transformasse em palavras. Então, dirigia-se a Deus e censurava-O asperamente por causa dos problemas que a missão lhe trazia.
    No Livro de Jeremias aparecem, a par e passo, queixas e lamentos do profeta, condenado a essa vida de aparente fracasso. Alguns desses textos são conhecidos como "confissões de Jeremias" e são verdadeiros desabafos em que o profeta expõe a Jahwéh, com sinceridade e rebeldia, a sua desilusão, a sua amargura e a sua frustração (cf. Jer 11, 18-23; 12,1-6; 15,10.15-20; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18). O texto que hoje nos é proposto faz parte de uma dessas "confissões".

    MENSAGEM

    O texto apresenta-nos uma desconcertante oração de Jeremias num momento dramático de desilusão e de desânimo (quando, preso pelos ministros de Sedecias e atirado para uma cisterna, se afundava no lodo? - cf. Jer 38,4-6).
    Esta estranha oração adopta a forma de denúncia ou de acusação do profeta ao seu Deus. Essa acusação é formulada através da imagem da "sedução": é como se Jahwéh tivesse namorado o profeta até ao ponto de o seduzir (o verbo "pth", aqui utilizado, aparece em Ex 22,15 para falar da sedução de uma jovem solteira). Deus insinuou-Se na vida do profeta, pressionou-o, subjugou-o, dominou-o e o profeta não soube como resistir às investidas de Deus (o verbo "ykl", utilizado no vers. 7 para definir a forma como Deus actuou em relação ao profeta, significa "exercer o poder", "prevalecer sobre alguém", "dominar"). O profeta, embalado pelas promessas desse Deus sedutor, incapaz de resistir ao seu "charme" e aos seus jogos de sedução, pressionado, dominado, violentado, entregou-se completamente nas suas mãos e dedicou toda a vida ao seu serviço.
    O que é que o profeta ganhou com essa entrega? Nada. Esse Deus que o seduziu, que o forçou a dedicar a vida ao serviço profético, abandonou-o miseravelmente e deixou-o entregue aos insultos e às zombarias dos seus adversários. O profeta está desiludido e decepcionado... Essa desilusão irrompe em resolução firme de resistir à voz do sedutor: "não voltarei a falar nele, não falarei mais em seu nome" (vers. 9). Conseguirá o profeta levar até ao fim o s
    eu propósito?
    Não. O amor por Deus e pela sua Palavra está tão vivo no coração do profeta que é inútil resistir: "procurava contê-lo, mas não podia" (vers. 9). A Palavra de Deus é um fogo devorador, que consome o coração do profeta e que não o deixa demitir-se da missão e esconder-se numa vida cómoda e instalada. Ao profeta resta, portanto, continuar ao serviço da Palavra, enfrentando o seu destino de solidão e de sofrimento, na esperança de, ao longo da caminhada, reencontrar esse amor de Deus que um dia o seduziu e ao qual o profeta nunca saberá renunciar.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se, considerando as seguintes questões:

    • A história de Jeremias é, em termos gerais, a história de todos aqueles que Deus chama a ser profetas. Ser sinal de Deus e dos seus valores significa enfrentar a injustiça, a opressão, o pecado e, portanto, pôr em causa os interesses egoístas e os esquemas sobre os quais, tantas vezes, se constrói a história do mundo; por isso, o "caminho profético" é um caminho onde se lida, permanentemente, com a incompreensão, com a solidão, com o risco. Deus nunca prometeu a nenhum profeta um caminho fácil de glórias e de triunfos humanos. Temos consciência disso e estamos dispostos a seguir esse caminho?

    • No baptismo, fomos ungidos como "profetas", à imagem de Cristo. Estamos conscientes dessa vocação a que Deus, a todos, nos convocou? Temos a noção de que somos a "boca" através da qual a Palavra de Deus ressoa no mundo e se dirige aos homens?

    • Neste texto - e, em geral, em toda a vida de Jeremias - impressiona-nos o espaço fundamental que a Palavra de Deus ocupa na vida do profeta. Ela tomou conta do seu coração e dominou-o totalmente. É uma "paixão" que - apesar de ter trazido ao profeta uma história pessoal de sofrimento e de risco - não pode ser calada e sufocada. Que espaço ocupa a Palavra de Deus ocupa na minha vida? Amo, de forma apaixonada, a Palavra de Deus? Estou disposto a correr todos os riscos para que a Palavra de Deus alcance a vida dos meus irmãos e renove o mundo?

    • O lamento de Jeremias não deve escandalizar-nos; mas deve ser entendido no contexto de uma situação trágica de sofrimento intolerável. É o grito de um coração humano dolorido, marcado pela incompreensão dos que o rodeiam, pelo abandono, pela solidão e pelo aparente fracasso da missão a que devotou a sua vida. É o mesmo lamento de tantos homens e mulheres, em tantos momentos dramáticos de solidão, de sofrimento, de incompreensão, de dor. É a expressão da nossa finitude, da nossa fragilidade, das nossas limitações, da nossa humanidade. É precisamente nessas situações que nos dirigimos a Deus (às vezes até com expressões menos próprias) e Lhe dizemos a falta que Ele nos faz e o quanto a nossa vida é vazia e sem sentido se Ele não nos estender a sua mão. Esses momentos não são, propriamente, momentos negativos da nossa caminhada de fé e de relação com Deus; mas são momentos (talvez necessários) de crescimento e de amadurecimento, em que experimentamos a nossa fragilidade e descobrimos que, sem Deus e sem o seu amor, a nossa vida não faz sentido.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 62 (63)

    Refrão: A minha alma tem sede de Vós, meu Deus.

    Senhor, sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro.
    A minha alma tem sede de Vós.
    Por Vós suspiro,
    como terra árida, sequiosa, sem água.

    Quero contemplar-Vos no santuário,
    para ver o vosso poder e a vossa glória.
    A vossa graça vale mais do que a vida;
    por isso, os meus lábios hão-de cantar-Vos louvores.

    Assim Vos bendirei toda a minha vida
    e em vosso louvor levantarei as mãos.
    Serei saciado com saborosos manjares,
    e com vozes de júbilo Vos louvarei.

    Porque Vos tornastes o meu refúgio,
    exulto à sombra das vossas asas.
    Unido a Vós estou, Senhor,
    a vossa mão me serve de amparo.

    LEITURA II - Rom 12,1-2

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Peço-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus,
    que vos ofereçais a vós mesmos
    como vítima santa, viva, agradável a Deus,
    como culto racional.
    Não vos conformeis com este mundo,
    mas transformai-vos,
    pela renovação espiritual da vossa mente,
    para saberdes discernir, segundo a vontade de Deus,
    o que é bom,
    o que Lhe é agradável,
    o que é perfeito.

    AMBIENTE

    Depois de apresentar a sua catequese sobre o projecto de salvação que Deus tem para todos os homens (cf. Rom 1,18-11,36), Paulo vai descer a considerações de carácter mais prático, destinadas a mostrar como deve viver aquele que é chamado à salvação.
    Essas indicações práticas aparecem na segunda parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 12,1-15,13). Aí Paulo apresenta um longo discurso exortativo, no qual convida os romanos (e os crentes em geral) a comportar-se de acordo com as exigências da sua condição de baptizados. Aderir a Cristo e acolher a salvação que Ele veio oferecer não significa ficar no simples campo das verdades teóricas e abstractas (por muito bonitas e profundas que elas possam ser), mas exige um comportamento coerente com os valores de Jesus e com a vida nova que Ele oferece. A adesão a Jesus implica assumir atitudes, nos vários momentos e situações da vida diária, que sejam a expressão existencial desse dinamismo de vida nova que resulta do baptismo.
    O texto que hoje nos é proposto é a introdução à segunda parte da Carta e a esta reflexão prática sobre as exigências do caminho cristão. Apresentam-se como uma espécie de ponte entre a parte teórica (primeira parte da carta) e a parte prática (segunda parte da carta).

    MENSAGEM

    A bondade e o amor de Deus (de que Paulo tratou abundantemente nos capítulos anteriores) convida a uma resposta do homem. Como é que deve ser essa resposta?
    Paulo convida os crentes a oferecerem-se a si mesmos (literalmente "os vossos corpos". "Corpo" não designa, aqui, essa entidade distinta da alma, mas a pessoa na sua totalidade, enquanto ser em relação. É o homem enquanto ser que se relaciona com Deus, com os outros homens e com o mundo). Os cristãos são aqueles que se entregam completamente nas mãos de Deus e que, em todos os instantes da sua existência, vivem para Deus.
    Essa oferta será um "sacrifício vivo, santo e agradável a Deus". É esse "culto espiritual" (pode traduzir-se também como "culto lógico" ou "culto razoável") que Deus espera do homem. O adjectivo utilizado por Paulo para referir-se ao culto é utilizado em contextos análogos, tanto por autores judeus como por autores gregos, para marcar a diferença entre um culto formal e exterior, que não compromete o homem e o culto verdadeiro, que brota do coração e que compromete o homem inteiro (cf. Am 5,21-25; Os 6,6; Jo 4,23-24). Os crentes devem, portanto, oferecer inteiramente as suas vidas a Deus; e é esse o culto que Deus espera desses sobre quem derrama a sua misericórdia e a quem oferece a salvação.
    Na perspectiva de Paulo, o que é que significa o homem oferecer inteiramente a sua vida a Deus?
    Significa, em primeiro lugar, não se conformar com "este mundo" - isto é, manter uma distância crítica em relação aos esquemas do mundo e aos valores sobre os quais este mundo de egoísmo e de pecado se constrói. Significa, em segundo lugar, uma mudança de coração, de mentalidade e de inteligência, que possibilite ao homem discernir qual é a vontade de Deus, a fim de poder percorrer, com fidelidade, os seus caminhos.
    O "culto espiritual" de que Paulo fala é, portanto, a entrega a Deus da totalidade da vida do homem. Na sua relação com Deus, com os outros homens e com o mundo, o cristão deve renunciar aos caminhos do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, da injustiça e do pecado; e deve procurar conhecer os projectos de Deus, acolhê-los no coração e viver em coerência total com as suas propostas.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar os seguintes elementos:

    • Como é que o crente deve responder aos dons de Deus? Com actos rituais solenes e formais, com orações ou gestos tradicionais repetidos de forma mecânica, com a oferta de uma "esmola" para os cofres da Igreja, com uma peregrinação a um santuário? Paulo responde: o culto que Deus quer é a nossa vida, vivida no amor, no serviço, na doação, na entrega a Deus e aos irmãos. Respondemos ao amor de Deus entregando-nos nas suas mãos, tentando perceber as suas propostas, vivendo na fidelidade aos seus projectos. Como é o culto que eu procuro prestar a Deus: é um somatório de gestos mecânicos, rituais e externos, ou é uma vida de entrega e de amor a Deus e aos homens meus irmãos?

    • "Não vos conformeis com este mundo" - pede Paulo. O cristão é alguém que não pactua com um mundo que se constrói à margem ou contra os valores de Deus. O cristão não pode pactuar com a violência como meio para resolver os problemas, nem com a lógica materialista do sucesso a qualquer custo, nem com as leis do neo-liberalismo que deixam atrás uma multidão de vencidos e de sofredores, nem com as exigências de uma globalização que favorece alguns privilegiados mas aumenta as bolsas de miséria e de exclusão, nem com a forma de organização de uma sociedade que condena à solidão os velhos e os doentes... Eu sou um comodista, egoisticamente instalado no meu cantinho a devorar a minha pequena fatia de felicidade, ou sou alguém que não se conforma e que luta para que os projectos de Deus se concretizem?

    • "Transformai-vos pela renovação espiritual da vossa mente" - diz Paulo. Estou instalado nos meus preconceitos, nas minhas certezas e seguranças, nos meus princípios imutáveis, ou estou sempre numa permanente escuta de Deus, dos seus caminhos, dos seus projectos e propostas?

    ALELUIA - cf. Ef 1,17-18

    Aleluia. Aleluia.

    Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    ilumine os olhos do nosso coração,
    para sabermos a que esperança fomos chamados.

    EVANGELHO - Mt 16,21-27

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    Jesus começou a explicar aos seus discípulos
    que tinha de ir a Jerusalém
    e sofrer da parte dos anciãos,
    dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas;
    que tinha de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia.
    Pedro, tomando-O à parte,
    começou a contestá-l'O, dizendo:
    «Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há-de acontecer!»
    Jesus voltou-Se para Pedro e disse-he:
    «Vai-te daqui, Satanás.
    Tu és para mim uma ocasião de escândalo,
    pois não tens em vista as coisas de Deus, mas dos homens».
    Jesus disse então aos seus discípulos:
    «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo,
    tome a sua cruz e siga-Me.
    Porque, quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la;
    mas quem perder a sua vida por minha causa,
    há-de encontrá-la.
    Na verdade, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro,
    se perder a sua vida?
    O Filho do homem há-de vir na glória de seu Pai,
    com os seus Anjos,
    e então dará a cada um segundo as suas obras».

    AMBIENTE

    O episódio que o Evangelho de hoje nos propõe vem na sequência daquele que lemos e reflectimos no passado domingo. Então (cf. Mt 16,13-20), a comunidade dos discípulos expressava a sua fé em Jesus como o "Messias, Filho de Deus" (é sobre essa fé - diz Jesus - que a Igreja será edificada); agora, Jesus vai explicar a esse grupo de discípulos o sentido autêntico do seu messianismo e da sua filiação divina.
    Continuamos, ainda, no âmbito da "instrução sobre o Reino" (cf. Mt 13,1-17,27); no entanto, iniciamos, com este episódio, uma secção onde se privilegia a catequese sobre esse destino de cruz que aparece no horizonte próximo de Jesus (cf. Mt 16,21-17,27).
    Nesta fase, as multidões ficaram para trás e os líderes já decidiram rejeitar Jesus. Quem continua a acompanhar Jesus, de forma indefectível, é o grupo dos discípulos. Eles acreditam que Jesus é o "Messias, Filho de Deus" e querem partilhar o seu destino de glória e de triunfo. Jesus vai, no entanto, explicar-lhes que o seu messianismo não passa por triunfos e êxitos humanos, mas pela cruz (cf. Mt 16,21-17,21); e vai avisá-los de que viver como discípulo é seguir esse caminho da entrega e do dom da vida (cf. Mt 17,22-27).
    Mateus escreve o seu Evangelho para comunidades cristãs do final do séc. I (anos 80/90). São comunidades instaladas, que já esqueceram o fervor inicial e que se acomodaram num cristianismo morno e pouco exigente. Com a aproximação de tempos difíceis (no horizonte próximo estão já as grandes perseguições do final do séc. I), é conveniente que os crentes recordem que o caminho cristão não é um caminho fácil, percorrido no meio de êxitos e de aplausos, mas é um caminho difícil, que exige diariamente a entrega e o dom da vida.

    MENSAGEM

    O nosso texto pode, claramente, dividir-se em duas partes. Na primeira (vers. 21-23), Jesus anuncia aos discípulos a sua paixão; na segunda (vers. 24-28), Jesus apresenta uma instrução sobre o significado e as exigências de ser seu discípulo.
    A primeira parte começa com o anúncio de Jes
    us de que o caminho para a ressurreição passa pelo sofrimento e pela morte na cruz. Não é uma previsão arriscada: depois do confronto de Jesus com os líderes judeus e depois que estes rejeitaram de forma absoluta a proposta do Reino, é evidente que o judaísmo medita a eliminação física de Jesus. Jesus tem consciência disso; no entanto, não se demite do projecto do Reino e anuncia que pretende continuar a apresentar, até ao fim, os planos do Pai.
    Pedro não está de acordo com este final e opõe-se, decididamente, a que Jesus caminhe em direcção ao seu destino de cruz. A oposição de Pedro (e dos discípulos, pois Pedro continua a ser o porta-voz da comunidade) significa que a sua compreensão do mistério de Jesus ainda é muito imperfeita. Para ele, a missão do "Messias, Filho de Deus" é uma missão gloriosa e vencedora; e, na lógica de Pedro - que é a lógica do mundo - a vitória não pode estar na cruz e no dom da vida.
    Jesus dirige-Se a Pedro com alguma dureza, pois é preciso que os discípulos corrijam a sua perspectiva de Jesus e do plano do Pai que Ele vem realizar. O plano de Deus não passa por triunfos humanos, nem por esquemas de poder e de domínio; mas o plano do Pai passa pelo dom da vida e pelo amor até às últimas consequências (de que a cruz é a expressão mais radical). Ao pedir a Jesus que não embarque nos projectos do Pai, Pedro está a repetir essas tentações que Jesus experimentou no início do seu ministério (cf. Mt 4,3-10); por isso, Mateus coloca na boca de Jesus a mesma resposta que, então, Ele deu ao diabo: "Retira-te, Satanás". As palavras de Pedro - como as do diabo anteriormente - pretendem desviar Jesus do cumprimento dos planos do Pai; e Jesus não está disposto a transigir com qualquer proposta que O impeça de concretizar, com amor e fidelidade, os projectos de Deus.
    Na segunda parte, Jesus apresenta uma instrução sobre as atitudes próprias do discípulo. Quem quiser ser discípulo de Jesus, tem de "renunciar a si mesmo", "tomar a cruz" e seguir Jesus no seu caminho de amor, de entrega e de dom da vida.
    O que é que significa, exactamente, renunciar a si mesmo? Significa renunciar ao seu egoísmo e auto-suficiência, para fazer da vida um dom a Deus e aos outros. O cristão não pode viver fechado em si próprio, preocupado apenas em concretizar os seus sonhos pessoais, os seus projectos de riqueza, de segurança, de bem-estar, de domínio, de êxito, de triunfo... O cristão deve fazer da sua vida um dom generoso a Deus e aos irmãos. Só assim ele poderá ser discípulo de Jesus e integrar a comunidade do Reino.
    O que é que significa "tomar a cruz" de Jesus e segui-l'O? A cruz é a expressão de um amor total, radical, que se dá até à morte. Significa a entrega da própria vida por amor. "Tomar a cruz" é ser capaz de gastar a vida - de forma total e completa - por amor a Deus e para que os irmãos sejam mais felizes.
    No final desta instrução, Jesus explica aos discípulos as razões pelas quais eles devem abraçar a "lógica da cruz" (vers. 25-27).
    Em primeiro lugar, Jesus convida-os a entender que oferecer a vida por amor não é perdê-la, mas ganhá-la. Quem é capaz de dar a vida a Deus e aos irmãos não fracassou; mas ganhou a vida eterna, a vida verdadeira que Deus oferece a quem vive de acordo com as suas propostas (vers. 25).
    Em segundo lugar, os discípulos são convidados a perceber que a vida que gozam neste mundo não é a vida definitiva. Não devem, pois, preocupar-se em preservá-la a qualquer custo: devem é procurar encontrar, já nesta terra, essa vida definitiva que passa pelo amor total e pelo dom a Deus e aos outros. É essa a grande meta que todos devem procurar alcançar (vers. 26).
    Em terceiro lugar, os discípulos devem pensar no seu encontro final com Deus: nessa altura, Deus dar-lhes-á a recompensa pelas opções que fizeram... Esta alusão ao momento do juízo não é rara em Mateus: ele recorre, com alguma frequência, a esta motivação para fundamentar as exigências éticas da vida cristã.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar os seguintes dados:

    • Frente a frente, o Evangelho deste domingo coloca a lógica dos homens (Pedro) e a lógica de Deus (Jesus). A lógica dos homens aposta no poder, no domínio, no triunfo, no êxito; garante-nos que a vida só tem sentido se estivermos do lado dos vencedores, se tivermos dinheiro em abundância, se formos reconhecidos e incensados pelas multidões, se tivermos acesso às festas onde se reúne a alta sociedade, se tivermos lugar no conselho de administração da empresa. A lógica de Deus aposta na entrega da vida a Deus e aos irmãos; garante-nos que a vida só faz sentido se assumirmos os valores do Reino e vivermos no amor, na partilha, no serviço, na solidariedade, na humildade, na simplicidade. Na minha vida de cada dia, estas duas perspectivas confrontam-se, a par e passo... Qual é a minha escolha? Na minha perspectiva, qual destas duas propostas apresenta um caminho de felicidade seguro e duradouro?

    • Jesus tornou-Se um de nós para concretizar os planos do Pai e propor aos homens - através do amor, do serviço, do dom da vida - o caminho da salvação, da vida verdadeira. Neste texto (como, aliás, em muitos outros), fica claramente expressa a fidelidade radical de Jesus a esse projecto. Por isso, Ele não aceita que nada nem ninguém O afaste do caminho do dom da vida: dar ouvidos à lógica do mundo e esquecer os planos de Deus é, para Jesus, uma tentação diabólica que Ele rejeita duramente. Que significado e que lugar ocupam na minha vida os projectos de Deus? Esforço-me por descobrir a vontade de Deus a meu respeito e a respeito do mundo? Estou atento a esses "sinais dos tempos" através dos quais Deus me interpela? Sou capaz de acolher e de viver com fidelidade e radicalidade as propostas de Deus, mesmo quando elas são exigentes e vão contra os meus interesses e projectos pessoais?

    • Quem são os verdadeiros discípulos de Jesus? Muitos de nós receberam uma catequese que insistia em ritos, em fórmulas, em práticas de piedade, em determinadas obrigações legais, mas que deixou para segundo plano o essencial: o seguimento de Jesus. A identidade cristã constrói-se à volta de Jesus e da sua proposta de vida. Que nenhum de nós tenha dúvidas: ser cristão é bem mais do que ser baptizado, ter casado na igreja, organizar a festa do santo padroeiro da paróquia, ou dar-se bem com o padre... Ser cristão é, essencialmente, seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. O cristão é aquele que faz de Jesus a referência fundamental à volta da qual constrói toda a sua existência; e é aquele que renuncia a si mesmo e que toma a mesma cruz de Jesus.

    • O que é "renunciar a si mesmo"? É não deixar que o egoísmo, o orgulho, o comodismo, a auto-suficiência dominem a vida. O seguidor de Jesus não vive fechado no seu cantinho, a olhar para si mesmo, indiferente aos dramas que se passam à sua volta, insensível às necessidades dos irmãos, alheado das lutas e reivindicações dos outros homens; mas vive para Deus e na solidariedade, na partilha e no serviço aos irmãos.

    • O que é "tomar a cruz"? É amar até às últimas consequências, até à morte. O seguidor de Jesus é aquele que está disposto a dar a vida para que os seus irmãos sejam mais livres e mais felizes. Por isso, o cristão não tem medo de lutar contra a injustiça, a exploração, a miséria, o pecado, mesmo que isso signifique enfrentar a morte, a tortura, as represálias dos poderosos.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 22º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 22º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. "SE ALGUÉM QUISER SEGUIR-ME, TOME A SUA CRUZ..."
    Ao longo da celebração, o sinal da cruz, a introdução inicial, as invocações do rito penitencial, a oração dos fiéis, a admonição ao rito da paz... podem fazer eco das cruzes - visíveis ou escondidas - levadas por cada um e cada uma e pela humanidade inteira. O rito penitencial pode desenrolar-se com toda a assembleia voltada para a Cruz.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Senhor, nós Te louvamos pelo profeta Jeremias e pela disponibilidade que manifestou nas missões que lhe confiaste. Nós Te louvamos pelo fogo devorador do teu amor que nos seduz e nos prende a Ti.
    Nós Te pedimos pelos mensageiros da tua Palavra e por nós, os teus fiéis, encarregados de testemunhar em toda a nossa vida. Que o teu Espírito nos torne mais fortes.

    No final da segunda leitura:
    Senhor, nós Te damos graças pela vontade de salvação que nos manifestaste com perseverança desde os tempos antigos e pela adoração verdadeira à qual o teu Filho nos associa, pelo sopro interior do teu Espírito.
    Nós Te pedimos: renova as nossas maneiras de pensar, ensina-nos a reconhecer o que é bom, o que Te é agradável, para a salvação do mundo.

    No final do Evangelho:
    Jesus, Messias, Filho do Deus vivo, nós Te damos graças pela tua subida a Jerusalém, para a Paixão, que assumiste com coragem, por nossa causa, e que mostraste que podia tornar-se um caminho de ressurreição.
    Quando Te fazemos obstáculo, retidos pela fraqueza da carne, nós Te suplicamos: livra-nos de ceder à tentação.

    4. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, cujas epicleses fazem eco da segunda leitura.

    5. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Três perfis de discípulos... Através das leituras deste domingo, temos três perfis de discípulos: PEDRO - que receia a cruz para Jesus mas também para si mesmo; PAULO - que nos convida a ultrapassar os modelos do mundo para que as nossas vidas estejam de acordo com a vontade de Deus; JEREMIAS - que, para lá de todas as dificuldades encontradas, se deixa seduzir pelo amor do Senhor. E nós? Que género de discípulos somos?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Segunda-feira

    4 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 4, 13-18

    Irmãos, 13 não queremos deixar-vos na ignorância a respeito dos que faleceram, para não andardes tristes como os outros, que não têm esperança. 14De facto, se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus reunirá com Jesus os que em Jesus adormeceram. 15Eis o que vos dizemos, baseando-nos numa palavra do Senhor: nós, os vivos, os que ficarmos para a vinda do Senhor, não precederemos os que faleceram; 16pois o próprio Senhor, à ordem dada, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, descerá do Céu, e os mortos em Cristo ressurgirão primeiro. 17Em seguida nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens, para irmos ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. 18Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras.

    Com uma linguagem simples e cheia de imagens, Paulo entra na questão escatológica, para a qual tende toda a carta. O Apóstolo tinha anunciado insistentemente a parusia de Cristo, e os Tessalonicenses julgavam que se tratava de algo iminente, um acontecimento em que já não tomariam parte os membros da comunidade falecidos depois de Paulo ter ido embora. Mas o Apóstolo não podia garantir se se tratava de um acontecimento iminente ou longínquo: «Irmãos, quanto aos tempos e aos momentos, não precisais que vos escreva. Com efeito, vós próprios sabeis perfeitamente que o Dia do Senhor chega de noite como um ladrão.» (5, 1-2). Conscientes da incerteza do momento, há que estar sempre vigilantes, unidos a Cristo na fé, na esperança e na caridade. Assim estão preparados para receber a salvação que Jesus lhes alcançou pela sua morte e ressurreição (cf. 5, 1-11).
    Paulo recorre à linguagem apocalíptica para dizer que o tempo da vinda de Cristo é um tempo fixado, um kairòs, que intervirá na história segundo um preciso desígnio. Esse desígnio pode ser entrevisto por inspiração divina, mas, em última análise, permanece escondido nas profundidades de Deus: «o próprio Senhor» (v. 16), Jesus, deverá esperar pelo sinal celeste para iniciar o seu regresso ao meio dos homens.

    Evangelho: Lucas 4, 16-30

    Naquele tempo, Jesus 16Veio a Nazaré, onde tinha sido criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler. 17Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito: 18«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, 19a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.» 20Depois, enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. 21Começou, então, a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» 22Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam com as palavras repletas de graça que saíam da sua boca. Diziam: «Não é este o filho de José?» 23Disse-lhes, então: «Certamente, ides citar-me o provérbio: 'Médico, cura-te a ti mesmo.' Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaúm, fá-lo também aqui na tua terra.» 24Acrescentou, depois: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria. 25Posso assegurar-vos, também, que havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; 26contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas sim a uma viúva que vivia em Sarepta de Sídon. 27Havia muitos leprosos em Israel, no tempo do profeta Eliseu, mas nenhum deles foi purificado senão o sírio Naaman.» 28Ao ouvirem estas palavras, todos, na sinagoga, se encheram de furor. 29E, erguendo-se, lançaram-no fora da cidade e levaram-no ao cimo do monte sobre o qual a cidade estava edificada, a fim de o precipitarem dali abaixo. 30Mas, passando pelo meio deles, Jesus seguiu o seu caminho.

    A pregação de Jesus começa com um rito na sinagoga: levanta-se, vai ler, é-Lhe dado o rolo, abre-o... É um momento solene que Lucas sublinha. Jesus proclama a página profética e interpreta-a: «Cum¬priu se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» Jesus é o profeta prometido. O tempo presente é o kairós - o tempo providencial - que é preciso acolher. Os ouvintes reagem manifestando espanto pelas palavras de Jesus e pelo modo como as pronuncia: palavras repletas de graça. Alguns reagem negativamente, de modo crítico e mesmo agressivo contra Jesus. A proposta da salvação provoca reacções diferentes e, por vezes, opostas.

    Meditatio

    O tempo de Deus foi anunciado pelos Profetas como tempo de salvação, especialmente para os oprimidos e para os que andam longe da graça do Senhor. A vinda de Cristo inaugurou esse tempo, o kairòs, que dá início à realização das promessas, ao último acto da história da salvação. Quem acolher o anúncio de Jesus de Nazaré, quem reconhecer na sua pessoa a aproximação do reino de Deus, toma parte, desde já, na graça prometida na antiga aliança, no Jubileu da história, que se realiza uma vez por todas. Para quem não rejeitar a humilde revelação do filho do carpinteiro, a libertação acontece hoje, no dia da salvação, que Cristo fez raiar. Desde o advento do Senhor, os homens vivem no único dia, que tem por aurora o seu nascimento na gruta de Belém, e, por pôr-do-sol, a Parusia, a sua vinda gloriosa. Este é o hoje da fé. Quando o Senhor voltar, e formos levados com Ele, o hoje da fé dará lugar ao para sempre da visão beatífica, em que Ele será Emanuel, Deus connosco.
    Se quisermos estar com Jesus, precisamos de escutar a lição do evangelho: abrir o coração com disponibilidade e gratuidade. Isto significa não amar, nem sequer a Jesus, de modo possessivo, pedindo-lhe as suas graças, os seus favores, só para nós, pedindo-lhe privilégios. Se quisermos estar com Ele, temos de O acompanhar quando se dirige a outra gente e, portanto, acolher as grandes intenções missionárias da Igreja. Somente assim estaremos unidos ao seu Coração, ao Coração de Jesus, sem estarmos presos pelo egoísmo espiritual, que, por muito espiritual que seja, é contrário à caridade de Cristo.
    Escreve S. Paulo: "Conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo: que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer pela sua pobreza" (2 Cor 8,9). Esta convicção conforta e sustenta atitudes fundamentais para nós, como é a disponibilidade, o abandono, o amor oblativo na nossa relação com Deus e na «nossa vida comunitária» (Cst 63).

    Oratio

    Louvado sejas, Senhor, por tudo quanto realizaste e realizas em nosso favor. Louvado sejas por, tantas
    vezes, nos teres libertado da nossa pobreza de filhos do bem-estar, das nossas prisões de vítimas dos sistemas que nós mesmos criámos, da cegueira da nossa incapacidade para Te reconhecermos como Senhor da história, da opressão de vivermos curvados, sem ver a morada onde nos esperas.
    Pai santo e bom, faz-nos, mais uma vez, ouvir o anúncio da salvação, faz-nos ouvir as palavras do teu Filho: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura», para que, ponde de parte as nossas fracas seguranças humanas, e libertados de todo o peso, possamos ir ao teu encontro, no teu eterno hoje. Amen.

    Contemplatio

    A consolação começa na terra. É inspirada pela fé. É uma consolação nas nossas mágoas, nos nossos sofrimentos, nas nossas provações, pensar que a nossa paciência apaga as nossas faltas e nos prepara graças e uma recompensa sempre crescente. A paciência é sempre encorajada pela esperança, diz S. Paulo: um ligeiro sofrimento prepara uma grande recompensa (2Cor 4, 17). - Se sofremos, se morremos com Jesus, diz-nos muitas vezes, havemos de ressuscitar e seremos glorificados com Ele (Rm 8, 17). Esta santa esperança dá uma verdadeira alegria, um começo de beatitude celeste às almas generosas no sofrimento: «Bendito seja o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação, diz S. Paulo; consola-nos em todas as nossas tribulações, a fim de que também nós possamos consolar aqueles que estão nas angústias, pelos mesmos motivos de encorajamento que Deus nos dá; porque à medida em que os sofrimentos de Cristo abundam em nós, Cristo faz abundar em nós a consolação» (2Cor 1, 3). Mas a consolação definitiva será no céu: «Deus, diz S. João, enxugará todas as lágrimas dos seus eleitos» (Ap 7, 17). Já não haverá incomodidades da terra, da fome, da sede e das intempéries; mas o Cordeiro que reina lá provirá a tudo e abrirá a todos as fontes da vida e da alegria (Ap 7; Is 49). (Leão Dehon, OSP 3, p. 40s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» (Lc 7, 16).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Terça-feira

    5 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 5, 1-6.9-11

    Irmãos: quanto aos tempos e aos momentos, não precisais que vos escreva. 2Com efeito, vós próprios sabeis perfeitamente que o Dia do Senhor chega de noite como um ladrão. 3Quando disserem: «Paz e segurança», então se abaterá repentinamente sobre eles a ruína, como as dores de parto sobre a mulher grávida, e não escaparão a isso. 4Mas vós, irmãos, não estais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão. 5Na verdade, todos vós sois filhos da luz e filhos do dia. Não somos nem da noite nem das trevas. 6Não durmamos, pois, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios. 9De facto, Deus não nos destinou à ira mas à posse da salvação por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo 10que morreu por nós, a fim de que, quer durmamos, quer estejamos vigilantes, com Ele vivamos unidos. 11Consolai-vos, pois, uns aos outros e edificai-vos reciprocamente, como já o fazeis.

    Ao concluir a sua carta, Paulo retoma os temas desenvolvidos e faz uma última e decisiva exortação: «vigiemos» (v. 6). O Dia do Senhor é imprevisível. Chegará como um ladrão. A fé na parusia relativiza a atitude do cristão perante as grandes realizações históricas: «Quando disserem: «Paz e segurança», então se abaterá repentinamente sobre eles a ruína» (v. 3). Embora alegrando-se com as vitórias humanas sobre as suas múltiplas alienações, os cristãos nunca considerarão definitiva nenhuma época histórica, mas adoptarão, em relação a ela, uma atitude crítica e de espera. Não era isso que acontecia, pelo menos com alguns cristãos de Tessalónica, que se entretinham nos prazeres de um mundo vão, se abandonavam ao ócio, aos boatos, aos vícios da vida nocturna. Mais pareciam pagãos do que cristãos, porque não tinham em conta o dia do Juízo, absolutamente inelutável. São filhos das trevas. Os verdadeiros cristãos, pelo contrário, são filhos da luz, pessoas que conhecem o sentido e o fim deste mundo.

    Evangelho: Lucas 4, 31-37

    Naquele tempo, Jesus 31desceu a Cafarnaúm, cidade da Galileia, e a todos ensinava ao sábado. 32E estavam maravilhados com o seu ensino, porque falava com autoridade. 33Encontrava-se na sinagoga um homem que tinha um espírito demoníaco, o qual se pôs a bradar em alta voz: 34«Ah! Que tens que ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus!» 35Jesus ordenou-lhe: «Cala-te e sai desse homem!» O demónio, arremessando o homem para o meio da assistência, saiu dele sem lhe fazer mal algum. 36Dominados pelo espanto, diziam uns aos outros: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» 37A sua fama espalhou-se por todos os lugares daquela região.

    A distância entre Nazaré e Cafarnaúm é relativamente curta. Jesus percorre-a para a anunciar o evangelho e curar os enfermos. Assim, para Lucas, mostra a autoridade de que está revestido. A palavra de Jesus é eficaz: realiza o que significa. Os gestos terapêuticos de Jesus levam conforto e vida a todos os que deles precisam.
    Palavras e gestos são os elementos que ligam todo o Evangelho (cf. Lc 24, 19 onde se fala de «Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo»; Act 1,1: «No meu primeiro livro, ó Teófilo, narrei as obras e os ensinamentos de Jesus, desde o princípio»). Esta página, que se refere ao início do ministério público de Jesus, confirma-o. Jesus quer se escutado e acolhido por todos e cada um dos homens: por isso lhes fala ao coração e lhes cura o corpo. É uma intervenção libertadora que revela a eficácia da palavra de Jesus. O texto de hoje apresenta-nos um pobre doente que é libertado de um espírito maligno. Começa o choque frontal entre Jesus e o demónio. Esse choque é preciso para que Jesus se revele como salvador, isto é, como aquele que redime os que estão sob o domínio de Satanás e resgata para Deus e para o seu reino.
    A intervenção de Jesus tem dois efeitos colaterais: suscita espanto em alguns e faz com que a sua fama se espalhe na região.

    Meditatio

    S. Paulo, na primeira leitura, diz: «irmãos, não estais nas trevas... todos vós sois filhos da luz e filhos do dia» (v. 4-5). Somos filhos da luz, graças à palavra de Jesus. Somos filhos do dia, graças à eficácia dessa palavra. A palavra de Cristo chega até nós nos sacramentos da Igreja. Chega aos nossos ouvidos, mas chega, sobretudo, aos nossos corações, às nossas consciências. Essa palavra purifica-nos intimamente, torna-nos filhos da luz. Assim, ficamos em segurança, e não corremos o risco de ser surpreendidos. Venham as tribulações que vierem, estamos preparados para as transformar em ocasiões de progresso, de vitória. Quem se apega aos bens terrenos está sempre inseguro. Quem, pelo contrário, segue a Cristo e acolhe a sua palavra, tem em si a força tranquila que lhe permite ultrapassar todos os obstáculos. «Deus - diz-nos Paulo - não nos destinou à ira mas à posse da salvação por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo que morreu por nós» (vv. 4-5). A sua morte deu à sua palavra toda a eficácia, todo o poder. Doravante, podemos estar sempre com Ele, e encontrar a paz, que nada nem ninguém podem perturbar.
    O evangelho mostra-nos a eficácia e o poder dessa palavra. Jesus fala «com autoridade» (v. 32). Era uma novidade absoluta em Israel. Até Jesus, os mestres falavam apoiando-se sempre na autoridade dos antigos, da tradição. Jesus fala sem precisar desses apoios: tinha uma autoridade pessoal que era suficiente. Os milagres, e concretamente, a capacidade de expulsar demónios, mostram-nos a eficácia da sua palavra. Intima o demónio a calar-se, a deixar a pessoa de quem tinha tomado posse, e o espírito demoníaco nada mais pode fazer do que obedecer: «O demónio... saiu dele sem lhe fazer mal algum» (v. 35). E todos foram «dominados pelo espanto», o espanto que invade o homem quando se vê perante uma manifestação divina. «E diziam uns aos outros: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» (v. 36).
    Mas a palavra de Jesus, eficaz e poderosa para nos libertar dos nossos males, é igualmente eficaz e poderosa para realizar a nossa união a Cristo e ao seu amor oblativo ao Pai pelos homens: «Escutamos com frequência a Palavra de Deus. Contemplamos o amor de Cristo nos mistérios da sua vida e na vida dos homens; sustentados pela nossa adesão a Ele, unimo-nos à sua oblação pela salvação do mundo.» (Cst 77).

    Oratio

    Senhor, Tu vieste para nos salvar. Mas vieste com a espada de dois gumes, que é a tua Palavra. Essa espada, que nos penetra até ao mais íntimo de nós mesmos, não nos
    deixa indiferentes. Diante dela, ou gritamos escandalizados, rejeitando-a, ou gritamos espantados com as maravilhas que realiza em nós e à nossa volta. Quem não é por Ti, é contra Ti! Quem perde a vida para Te servir, quem se entrega à tua Palavra, vive da tua própria vida. Como juiz divino, ensinaste-nos a ver para além das aparências, a não temer a morte, para vivermos, desde já, na alegria da vida Contigo. Bendito sejas para sempre! Amen.

    Contemplatio

    Os apóstolos estavam inquietos, perturbados, angustiados, porque Nosso Senhor se ia embora. É sempre a nossa tentação. É mais forte, quando a nossa fé baixa. Temos necessidade de Nosso Senhor. Se está presente, ao menos pela fé, a nossa alma está em paz, na calma. Como a perturbação é frequente em mim! «Os meus dias são maus, cheios de dores e de contrariedades, diz a Imitação; estou sujo por uma infinidade de pecados, envolvido por um grande número de paixões, apertado por diversos temores, dividido por múltiplos cuidados, distraído pela curiosidade, embaraçado pela vaidade, afligido pela tentação, amolecido pelas delícias, atormentado pelos meus desejos». As inquietações devoram-me, a actividade arrasta-me, a febre agita-me, as tristezas abatem-me. Falta-me uma fé viva. O porto de salvação, o asilo da segurança está lá, é o Coração de Jesus, mas não sei entrar nele nem manter-me ao abrigo de todas as perturbações. Senhor, com a vossa palavra eficaz as ondas agitadas que agitam a minha alma. Repeti a palavra pacificadora que dissestes aos apóstolos: «Que o vosso coração não se perturbe», e o meu coração se acalmará. (Leão Dehon, OSP 3, p. 427).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Deus destinou-nos à posse da salvação
    por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo » (1 Ts 5, 9).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Quarta-feira

    6 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Colossenses 1, 1-8

    Paulo, Apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, e o irmão Timóteo, 2aos irmãos em Cristo, santos e fiéis, que vivem em Colossos: a vós graça e paz da parte de Deus, nosso Pai. 3Damos graças a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, nas orações que continuamente fazemos por vós, 4desde que ouvimos falar da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos, 5por causa da esperança que vos está reservada nos Céus. Dela ouvistes falar outrora pela palavra da verdade, o Evangelho 6que chegou até vós. Como em todo o mundo, também entre vós ele tem produzido frutos e progredido, desde o dia em que o recebestes e, em verdade, tomastes conhecimento da graça de Deus. 7Assim o aprendestes de Epafras, servo como nós, ele que é um fiel servidor de Cristo ao vosso serviço 8e que nos informou do vosso amor no Espírito.

    A cidade de Colossos ficava situada na Frígia, 200 quilómetros a leste de Éfeso. Parece certo que Paulo nunca passou por essa cidade. Era uma comunidade predominantemente formada por cristãos de origem pagã. Mas também havia cristãos provenientes da diáspora judaica. O Apóstolo escreve-lhes de Roma, onde se encontrava em prisão domiciliária, por volta da Primavera do ano 63. A carta é motivada pela ameaça de sincretismo, com elementos de origem paga e de origem judaica, que pendia sobre aquela fervorosa comunidade. Havia quem queria impor uma espécie de gnose baseada em elementos do mundo (2, 8.20) e sobre as potências cósmicas (2, 8.10.15), bem como sobre a observância minuciosa de práticas judaicas referentes à circuncisão e ao uso de alimentos.
    Como Colossos não era uma comunidade fundada por Paulo, o Apóstolo serve-se de intermediários, a começar por Epafras, apóstolo da região e fundador da comunidade (v. 7). Apesar disso, o Apóstolo dirige-se aos Colossenses com um tom de solicitude e de afecto. Nos vv. 3-8, encontramos a mais longa acção de graças de todo o Novo Testamento, que resume toda a economia da salvação, que tem origem na vontade do Pai, se realiza na pessoa do Senhor Jesus, e se comunica através da obra evangelizadora, conduzindo os crentes à graça e à verdade, que, com as virtudes teologais, são reflexo do rosto de Deus e presença do seu Espírito.

    Evangelho: Lucas 4, 38-44

    Naquele tempo, Jesus 38deixando a sinagoga, entrou em casa de Simão. A sogra de Simão estava com muita febre, e intercederam junto dele em seu favor. 39Inclinando-se sobre ela, ordenou à febre e esta deixou-a; ela erguendo-se, começou imediatamente a servi-los. 40Ao pôr do sol, todos quantos tinham doentes, com diversas enfermidades, levavam-lhos; e Ele, impondo as mãos a cada um deles, curava-os. 41Também de muitos saíam demónios, que gritavam e diziam: «Tu és o Filho de Deus!» Mas Ele repreendia-os e não os deixava falar, porque sabiam que Ele era o Messias. 42Ao romper do dia, saiu e retirou-se para um lugar solitário. As multidões procuravam-no e, ao chegarem junto dele, tentavam retê-lo, para que não se afastasse delas. 43Mas Ele disse-lhes: «Tenho de anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.» 44E pregava nas sinagogas da Judeia.

    Notamos, nesta página, dois momentos distintos: a cura da sogra de Simão; as palavras sobre a consciência que Jesus tinha da sua missão evangelizadora (v. 43). O primeiro momento revela-nos que a cura habilita ao serviço. Também nos diz que as curas dos doentes se tornam ocasião de verdadeiras profissões de fé em Cristo, mesmo que elas saíam da boca dos demónios...
    Na segunda parte de texto, Lucas faz-se intérprete de dois eventos fundamentais: do facto de que a evangelização seja uma característica essencial do cristianismo e da consciência messiânica de Jesus que explode sobretudo na necessidade que lhe incumbe de anunciar o reino de Deus. Trata-se de uma necessidade providencial, porque está inscrita no projecto salvífico de Deus. Jesus não pode eximir-se a esse preciso dever, até porque qualifica a sua missão: «Para isso fui enviado» (4, 8; cf. também Lc 10, 16).

    Meditatio

    No começo desta semana, vimos como Jesus resistiu à tendência possessiva dos seus conterrâneos, obrigando-os a aceitar que não eram destinatários privilegiados do seu ministério e dos seus milagres. Quem quiser apoderar-se de Jesus, de modo egoísta, não O recebe, porque a união com Ele só é possível no amor generoso, na abertura do coração. O evangelho de hoje confirma essa orientação. Depois de Nazaré, Jesus dirige-se a Cafarnaúm, e entra em casa de Simão Pedro: «A sogra de Simão estava com muita febre, e intercederam junto dele em seu favor» (v. 38), com grande confiança na sua palavra. «Jesus, inclinando-se sobre ela, ordenou à febre e esta deixou-a» (v. 39). Ao ver o sucedido, «todos quantos tinham doentes, com diversas enfermidades, levavam-lhos» (v. 40). Jesus atendia a todos com grande bondade e, «impondo as mãos a cada um deles, curava-os» (v. 40). A atenção de Jesus dirige-se a cada pessoa, a cada um dos seus discípulos. Por isso, mais tarde, poderá dizer: «Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me» (Jo 10, 14).
    É certamente cansativo ocupar-se de cada pessoa, quando são muitas. Jesus fá-lo com serenidade e calma. Fá-lo generosamente. Assim se compreende como, no dia seguinte, ao verem que já não estava ali, o tenham procurado: «As multidões procuravam-no e, ao chegarem junto dele, tentavam retê-lo, para que não se afastasse delas» (v. 42). Jesus tinha suscitado gratidão, estima, admiração. O seu ministério alcançara total sucesso. O mais natural era que Jesus cedesse ao desejo das pessoas e permanecesse junto delas. Mas o Senhor decide partir: «Tenho de anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado» (v. 43). Corre o risco de desiludir as pessoas. Mas sabe que tem uma missão mais ampla, que não veio procurar sucesso pessoal, mas fazer a vontade do Pai, que O mandou à procura das ovelhas tresmalhadas, onde quer que se encontrem.
    Uma óptima lição para os cristãos, particularmente para os religiosos e sacerdotes, tantas vezes apegados àqueles lugares e ofícios onde tiverem sucesso, e com tanta dificuldade em obedecer aos seus superiores, que decidiram enviá-los a outras aldeias e cidades, a outras missões. Jesus não se detém a colher louros do seu trabalho. O seu amor não tem limites, procura salvar a todos, vai ao encontro dos próprios inimigos, para propor a reconciliação e a paz. É essa a vontade do Pai em relação a Ele.

    Oratio

    Obrigado, Pai, por Te teres inclinado sobre as nossas chagas de homens pecadores: a doença, a idade avançada, a opressão do espírito enfraqueceram a human
    idade desde o começo, assinalando-a com a vitória do mal, até ao dia em que nos enviaste o teu Filho Jesus, Salvador. Ele, bom samaritano da humanidade, fez-se nosso próximo, e derramou sobre as nossas feridas o vinho purificador e o azeite consolador. Pobre entre os pobres, fez-nos contemplar o teu rosto amoroso, no resplendor da sua luz. Faz-nos, também a nós, bons samaritanos e próximos da humanidade de hoje, para que, pela tua graça, lhe curemos as graves doenças da solidão, da indiferença, do egoísmo, do desespero. Amen.

    Contemplatio

    Não esqueçamos o poder do nome de Jesus, do qual o conselho da augusta Trindade concebeu o projecto, e que a história do povo de Deus simbolizou pela condução por Josué para a entrada na terra prometida. Os profetas anunciaram-no, os anjos trouxeram-no do céu, os apóstolos publicaram-no por toda a terra, os mártires glorificaram-no pela efusão do seu sangue. Acalmou as tempestades, deteve os incêndios, curou os doentes, expulsou os demónios, ressuscitou os mortos. Alegra o céu e faz tremer o inferno, sustém os fortes, reanima os fracos e inspira os heróis da religião. Estai, portanto, junto de mim, ó meu Salvador, ao longo deste ano e até à hora da minha morte. Apresentai ao vosso Pai celeste o sangue redentor do qual as primeiras gotas foram derramadas pelo vosso Coração de Menino. Invocarei muitas vezes com amor e confiança o vosso belo nome de Jesus. (Leão Dehon, OSP 3, p. 19).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas
    e elas conhecem-me» (Jo 10, 14).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Quinta-feira

    7 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Colossenses 1, 9b-14

    Irmãos: não cessamos de orar por vós e de pedir a Deus que vos encha do conhecimento da sua vontade, com toda a sabedoria e inteligência espiritual, 10a fim de caminhardes de modo digno do Senhor, para seu total agrado: dai frutos em toda a espécie de boas obras e progredi no conhecimento de Deus; 11deixai-vos fortalecer plenamente pelo poder da sua glória, para chegardes a uma constância e paciência total com alegria; 12dai graças ao Pai, que vos tornou capazes de tomar parte na herança dos santos na luz. 13Foi Ele que nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o Reino do seu amado Filho, 14no qual temos a redenção, o perdão dos pecados.

    Paulo dirige-se aos Colossenses num tom de oração que irá desembocar no hino cristológico (vv. 15-20. Por agora, pede para a comunidade o dom de um profundo conhecimento da vontade de Deus. A linguagem, à primeira vista, pode fazer lembrar a dos gnósticos, mas, depois, Paulo especifica melhor de que conhecimento se trata, caracterizando-o definitivamente em sentido cristão: caminhar de modo digno do Senhor, agradar-lhe em tudo, dar frutos de boas obras, ser fortes e pacientes. Trata-se de um caminho de conversão, que exige adesão da vontade do homem e compromisso em perseverar no bem, realizando as obras agradáveis a Deus, as obras do Evangelho.
    O cristão não é chamado apenas a um saber, mas a entrar num novo êxodo que estabelece a pertença ao povo de Deus: a «tomar parte na herança dos santos na luz» (v. 12), a luz que é Cristo ressuscitado, libertador do pecado e da morte.

    Evangelho: Lucas 5, 1-11

    Naquele tempo, 1encontrando-se junto do lago de Genesaré, e comprimindo-se à volta dele a multidão para escutar a palavra de Deus, 2Jesus viu dois barcos que se encontravam junto do lago. Os pescadores tinham descido deles e lavavam as redes. 3Entrou num dos barcos, que era de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra e, sentando-se, dali se pôs a ensinar a multidão. 4Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo; e vós, lançai as redes para a pesca.» 5Simão respondeu: «Mestre, trabalhámos durante toda a noite e nada apanhámos; mas, porque Tu o dizes, lançarei as redes.» 6Assim fizeram e apanharam uma grande quantidade de peixe. As redes estavam a romper-se, 7e eles fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para que os viessem ajudar. Vieram e encheram os dois barcos, a ponto de se irem afundando. 8Ao ver isto, Simão caiu aos pés de Jesus, dizendo: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador.» 9Ele e todos os que com ele estavam encheram-se de espanto por causa da pesca que tinham feito; o mesmo acontecera 10a Tiago e a João, filhos de Zebedeu e companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens.» 11E, depois de terem reconduzido os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus

    Lucas realça o modo como a multidão escutava «a palavra de Deus». Deste modo, remete-nos para a comunidade eclesial que vive a sua fé colocando no centro de si mesma «a palavra de Deus» e, ao mesmo tempo, Jesus como Palavra da revelação e a pregação apostólica. Lucas também realça que Jesus, «sentando se, dali se pôs a ensinar a multidão». Também este pormenor nos leva a considerar a narração evangélica como intimamente ligada à vida da primitiva comunidade cristã, em que a passagem da evangelização à catequese era normal e permanente.
    «Porque Tu o dizes, lançarei as redes»: Lucas sublinha a autoridade da palavra de Jesus. Sabemos que toda a palavra que saía da boca de Jesus, para os Apóstolos ou para a multidão, estava carregada de especial autoridade: «Que palavra é esta? Ordena com autoridade e poder aos espíritos malignos, e eles saem!» (4, 36).
    «Depois de terem reconduzido as barcas para terra, deixaram tudo e seguiram no». Esta expressão alerta para o radicalismo evangélico. Lucas quer indicar que o seguimento de Jesus implica, não só uma opção pessoal, mas também a decisão de se desapegar de tudo aquilo que, de algum modo, possa enfraquecer a adesão a Jesus.

    Meditatio

    Pedro já se tinha encontrado com Jesus. Mas o episódio da pesca milagrosa marca um novo começo, um novo tipo de relação com o Senhor: «Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens» (v. 10). Quando o homem vacila nas suas convicções mais firmes, fica criada a ocasião para a conversão. No espaço deixado livre pelo homem, no calar a própria experiência, sempre limitada, Deus pode agir, o seu poder pode manifestar-se. E tudo muda, inclusivamente dentro de nós e na nossa relação com Ele. Na extraordinária pesca, depois de uma noite de trabalho inútil, Pedro reconheceu os seus limites, e reconheceu, sobretudo, o poder divino de Jesus. Por isso, se rendeu e ajoelhou diante de Deus: «Ao ver isto, Simão caiu aos pés de Jesus» (v. 8). Tendo dado espaço ao Senhor, Ele invadiu a sua vida: «de futuro, serás pescador de homens» (v. 10b). E Pedro viveu uma verdadeira conversão, realizou um pequeno êxodo, que encheu de significado as suas acções habituais. «Serás pescador de homens»: Pedro e os companheiros são chamados a partir exactamente da situação onde se encontravam, da sua experiência de homens do mar, que, de futuro, olharão com olhos novos, com olhos iluminados pela fé no Senhor Jesus. A noite de trabalho inútil, transformou-se no dia da abundância de Deus, em que podem saborear os bens que Ele nos preparou desde toda a eternidade. Permanecer pescadores, por outro lado, quer dizer continuar a própria experiência no espaço e no tempo, na cultura e na sociedade a que pertencemos, incarnando nela a Palavra que salva.
    Para o cristão, cada dia há-de ser um novo começo, a partir da Palavra do Senhor, acolhida num coração disponível. Por isso, não há monotonia, não há repetição. Há sempre a novidade da Palavra de Deus, que nos oferece uma pequena luz para cada dia, que nos dá força e coragem para recomeçar. Apoiados nela, o nosso dia será frutuoso para nós e, misteriosamente, para todo o mundo. Os Apóstolos, à palavra de Jesus, lançaram as redes, «e apanharam uma grande quantidade de peixe» (v. 6).
    Vivamos cada dia com esta atitude, e o nosso trabalho será tornado fecundo pelo poder da Palavra do Senhor.

    Oratio

    Obrigado, Pai, pelo teu Filho Jesus, revelação da tua sabedoria, manifestação da tua vida divina. A sua Palavra chama-nos à conversão, ao êxodo da nossa sabedoria para a tua sabedoria. A sua Palavra é luz que nos tira das trevas das nossas certezas, que nos permite ir mais além do fracasso da nossa experiência. A sua Palavra é estímulo a fazer-nos ao largo, a não nos fecharmos no nosso pequeno mundo, a irmos além da nossa experiência, para aceitarmos uma evidência, a da sua Palavra. Obrigado, Pai, pelo teu Filho, a Palavra feita carne. Amen.

    Contemplatio

    O Coração de Maria era o próprio Coração de Jesus durante este período (da gravidez de Maria). Daí a sua grande santidade, daí a necessidade da Imaculada Conceição. Este coração que devia ser o de Jesus, não podia ter pertencido ao demónio. Daí o grande poder de intercessão de Maria. Como é que Nosso Senhor lhe recusaria dispor do seu sangue e do preço deste sangue, ela que o pôs nas veias e aí o fez circular, ela que imprimiu ao seu Coração os seus primeiros batimentos. Recorramos, portanto, a Maria com uma inteira confiança. Peçamos e havemos de receber. E Jesus, que fazia no seio de Maria? Era o Verbo divino tornado mudo. O seu discípulo bem amado, João, disse a dupla geração do Verbo: No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus. O Verbo era Deus como o Pai celeste, que o gerou desde toda a eternidade. Por este Verbo todas as coisas foram feitas; este Verbo era vida e o princípio da vida; era a luz de todos os homens. Enfim, este Verbo fez-se carne por amor para com os homens. Quis ser gerado no seio de uma virgem pela operação do Espírito Santo. Santificava a sua mãe, como quis santificar-nos habitando espiritualmente em nós. (Leão Dehon, OSP 4, p. 565)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «E o Verbo fez-se homem» (Jo 1, 14).

  • Natividade da Virgem Santa Maria

    Natividade da Virgem Santa Maria


    8 de Setembro, 2023

    A memória litúrgica da Natividade de Nossa Senhora remonta ao século V, quando foi edificada em Jerusalém uma igreja, num sítio que os Apócrifos indicavam como lugar da casa de Joaquim e de Ana, pais da mãe de Jesus. São desconhecidas as razões da data de 8 de Setembro. A Igreja Oriental soleniza a natividade de Maria como início do ano litúrgico; no Ocidente (a partir de Roma) as primeiras celebrações surgem no século VII.

    Lectio

    Primeira leitura: Romanos, 8, 28-30

    Irmãos: Nós sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados, de acordo com o seu desígnio. 29Porque àqueles que Ele de antemão conheceu, também os predestinou para serem uma imagem idêntica à do seu Filho, de tal modo que Ele é o primogénito de muitos irmãos. 30E àqueles que predestinou, também os chamou; e àqueles que chamou, também os justificou; e àqueles que justificou, também os glorificou.

    S. Paulo manifesta neste texto uma fé assimilada e madura, com a preocupação de que todos acolham a mensagem, se convençam e se alegrem com ela. O Apóstolo apresenta tudo num quadro trinitário: o Espírito acompanha e ensina (vv. 26ss), Cristo consolida a comunhão no amor (vv. 31-39), Deus Pai mantém o projeto eterno de manifestar a sua paternidade divina dando aos homens a graça da filiação e da fraternidade com Cristo, primogénito de muitos irmãos.
    O núcleo da mensagem está num anúncio de fé: há um nascimento como dom do amor de Deus, um acompanhamento da vida nova, uma realização na partilha da glória.

    Evangelho: Mateus, 1, 1-16.18-23

    Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão: 2Abraão gerou Isaac;Isaac gerou Jacob; Jacob gerou Judá e seus irmãos; 3Judá gerou, de Tamar, Peres e Zera; Peres gerou Hesron; Hesron gerou Rame; 4Rame gerou Aminadab; Aminadab gerou Nachon; Nachon gerou Salmon; 5Salmon gerou, de Raab, Booz; Booz gerou, de Rute, Obed; Obed gerou Jessé;6Jessé gerou o rei David. David, da mulher de Urias, gerou Salomão; 7Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; 8Asa gerou Josafat; Josafat gerou Jorão; Jorão gerou Uzias; 9Uzias gerou Jotam; Jotam gerou Acaz;
    Acaz gerou Ezequias; 10Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon gerou Josias; 11Josias gerou Jeconias e seus irmãos, na época da deportação para Babilónia.12Depois da deportação para Babilónia, Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel;13Zorobabel gerou Abiud. Abiud gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azur; 14Azur gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim gerou Eliud; 15Eliud gerou Eleázar; Eleázar gerou Matan; Matan gerou Jacob. 16Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo.18Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo.19José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente.20Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. 21Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.» 22Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: 23Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão-de chamá-lo Emanuel, que quer dizer: Deus connosco.

    Mateus começa o seu evangelho apresentando a genealogia de Jesus, uma espécie de ladainha de nascimentos. Todos os antepassados foram, de algum modo, protagonistas de uma etapa da história; no nascimento e na aventura humana de muitos foi determinante a intervenção de Deus.
    No final da lista, o evangelista coloca José, esposo de Maria «da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo» (v. 16). Com S. José não houve presença mas apenas vizinhança ou contiguidade no evento da Encarnação, revelado como mistério esponsal entre a Virgem e o Espírito Santo. O mistério também foi anunciado a José. Também ele amadureceu na fé a compreensão do nascimento d´Aquele que foi gerado em Maria sua esposa pelo Espírito Santo e destinado a salvar o povo dos seus pecados (v. 21). José secunda a palavra divina, obediente, silencioso, ativo.

    Meditatio

    A festa da Natividade de Maria, aurora da nossa salvação, oferece-nos importantes elementos de meditação. São os evangelhos apócrifos que narram o nascimento da Mãe do Salvador, com emocionantes e inverosímeis fantasias, que podem ser vistas como simbologias e interpretações. A Bíblia não nos dá informações sobre o nascimento de Maria. Mas ele foi uma realidade importante na prossecução do projeto divino da nossa salvação. Daí que valha a pena meditar sobre esse acontecimento à luz da fé em Deus que, na sua misericórdia, quis salvar os homens com a colaboração de Maria, nova criatura, cuja entrada no mundo hoje celebramos.
    Para nos darmos conta da importância do nascimento de Maria, devemos ter em conta que o seu protagonista é Deus. As fantasias dos apócrifos indiciam fé nesse protagonismo. A Liturgia aponta para a presença e o protagonismo de Deus no nascimento e na vida de Maria. O oráculo de Miqueias (1ª leitura alternativa da festa) tem em vista a maternidade, isto é, a fonte de um nascimento, projetado por Deus: a citação desse oráculo em Mt 2, 6 regista uma convicção messiânica do evangelista traduzida em convicção cristológica e contextualmente mariológica. A releitura de um outro oráculo (Is 7, 14) pelo mesmo evangelista vê na Virgem que dá à luz, a mãe designada pelo próprio Deus e envolta no abismo místico da comunhão com o Espírito Santo, o «Senhor que dá a vida». A importância do nascimento da Virgem também se deduz pela verificação da sua presença entre aqueles que foram chamados por Deus conforme o seu desígnio, desde sempre conhecidos, predestinados, justificados (a singular redenção antecipada da Imaculada), glorificados.
    Esta festa é uma excelente ocasião para crescermos no amor e na devoção à Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa mãe. Escreve o Pe. Dehon: «Nesta festa, quero renovar-me na devoção a Maria, na fidelidade ao seu culto diário, na união com ela, como meio para me elevar a uma união mais íntima com Jesus, em todas as minhas ações» (OSP 4, p. 234).

    Oratio

    Salve santa Maria, filha do Deus da vida, criatura nascida na alegria, cofre da graça plasmado pelo Espírito. Ó Mãe d´Aquele que vive, canta mais uma vez, por nós, o louvor do Omnipotente, e guia a nossa gratidão por cada vida que nasce e cresce à nossa volta. Mulher escolhida desde sempre para abrir a vida ao Filho do homem, ao vencedor da morte na sua ressurreição, acompanha-nos no caminho e nas paragens da existência. Virgem solitária, presença amorosa e serviçal na nossa história, acolhe a oração dos teus servos. Ámen.

    Contemplatio

    Que alegria no céu! Que cânticos de alegria entre os anjos quando Maria nasceu! Informados pela mensagem do Arcanjo Gabriel, sabiam que era a aurora da salvação dos homens. Maria ocupa um importante lugar nas promessas, nas figuras, na redenção! Ela é como que a aurora que precede o sol, como a lua que reflete os raios do astro-rei. É a nova Eva, a mãe espiritual dos homens, é Judite que será vitoriosa sobre o inimigo do povo de Deus. É Ester que alcançará misericórdia para o seu povo. É a esposa dos cantares, cuja poesia sagrada cantou a união com Jesus. Foi ela que Adão entreviu quando Deus lhe disse que uma mulher esmagaria a cabeça da serpente. Deus tinha-a em vista quando prometia a Abraão, aos patriarcas, a David, que o Salvador brotaria da sua estirpe. Ela é o tronco de Jessé que havia de dar a flor escolhida, conforme a profecia de Isaías. (Leão Dehon, OSP 4, p. 232s.).

    Actio

    Repete hoje a antífona:
    «Bendita e venerável sois,
    ó Virgem Maria Santa Mãe de Deus» (da Liturgia).

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    Natividade da Virgem Santa Maria (08 Setembro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Sexta-feira

    8 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Colossenses 1, 15-20

    Cristo é a imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criatura; 16porque foi nele que todas as coisas foram criadas, no céu e na terra, as visíveis e as invisíveis, os Tronos e as Dominações, os Poderes e as Autoridades, todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele. 17Ele é anterior a todas as coisas e todas elas subsistem nele. 18É Ele a cabeça do Corpo, que é a Igreja. É Ele o princípio, o primogénito de entre os mortos, para ser Ele o primeiro em tudo; 19porque foi nele que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude 20e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas, pacificando pelo sangue da sua cruz, tanto as que estão na terra como as que estão no céu.

    Epafras não conseguiu apresentar aos habitantes de Colossos toda a grandiosidade do Evangelho. Por isso, Paulo procura dar um quadro maduro e reflectido de Cristo Salvador, devidamente situado no contexto cósmico e na história da criação. Para isso, o Apóstolo serve-se de um hino da liturgia dessa comunidade. Procura, assim, mostrar que a "gnose cristã" é uma sabedoria que se fundamenta no evento da cruz (v. 20), isto é, numa intervenção livre e gratuita de Deus na história: «aprouve a Deus» (v. 19).
    O hino cristológico consta de duas partes: na primeira, Cristo é celebrado de acordo com o modelo da Sabedoria-arquitecto de Pr 8, 22-31. Uma vez que precede toda a criação, o Logos contém de modo particular a imagem do Criador: é o rosto sobre o qual se reflecte a sabedoria criadora do Todo-Poderoso; na segunda parte, Cristo é celebrado como único mediador da redenção, descrita em termos de reconciliação, de pacificação, o que implica a ideia do pecado como rotura. A paz entre o céu e a terra não se resolve no âmbito celeste, como nos mitos antigos, mas por meio do acontecimento histórico de Jesus de Nazaré. Aqui, Paulo afasta-se completamente das perspectivas gnósticas e veterotestamentárias.

    Evangelho: Lucas 5, 33-39

    Naquele tempo, os fariseus e os escribas 33disseram a Jesus: «Os discípulos de João jejuam frequentemente e recitam orações; o mesmo fazem também os dos fariseus. Os teus, porém, comem e bebem!» 34Jesus respondeu-lhes: «Podeis vós fazer jejuar os companheiros do esposo, enquanto o esposo está com eles? 35Virão dias em que o Esposo lhes será tirado; então, nesses dias, hão-de jejuar.» 36Disse-lhes também esta parábola: «Ninguém recorta um bocado de roupa nova para o deitar em roupa velha; aliás, irá estragar-se a roupa nova, e também à roupa velha não se ajustará bem o remendo que vem da nova. 37E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho novo rompe os odres e derrama-se, e os odres ficarão perdidos. 38Mas deve deitar-se vinho novo em odres novos. 39E ninguém, depois de ter bebido o velho, quer do novo, pois diz: 'o velho é que é bom!'».

    A partir de hoje, a liturgia apresenta-nos três polémicas de Jesus com os discípulos de João Baptista: uma sobre a prática do jejum e duas sobre a observância do sábado.
    A esmola, a oração e o jejum são três compromissos indeclináveis para os discípulos de Cristo (cf. Mt 6, 1-18). Mas o que preocupa a Jesus é o modo como os seus discípulos praticam a esmola, a oração e o jejum. Esta página realça o espírito com que deve ser praticado o jejum. A alegoria esponsal leva-nos a considerar Jesus como "o esposo", cuja presença é motivo de alegria e cuja ausência será motivo de tristeza. A espiritualidade cristã não pode deixar de dar atenção a estas expressões muito pessoais que podem configurar uma relação, não só de filhos com o pai, mas também da esposa com o esposo. O Antigo Testamento desenvolve muito esta alegoria esponsal para iluminar as relações de Israel com o seu Senhor e a relação de cada crente com Deus.
    Este texto distingue também os tempos de Jesus dos tempos da Igreja. A Igreja é representada pelos convidados que participam da alegria do esposo; mas algumas vezes é apresentada na imagem da esposa, ou do amigo do esposo que lhe está próximo e a escuta (cf. Jo 25, 30).

    Meditatio

    A glória de Cristo manifesta-se plenamente no seu mistério pascal. Na paixão, Jesus revela-se Filho de Deus, porque cumpre, com perfeito amor filial, todo o projecto salvífico do Pai. Glorificou o Pai e foi glorificado por Ele, como pediu na oração sacerdotal (Jo 17, 1). A glória divina é amar. Jesus, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim, isto é, até à extrema possibilidade. De facto, não há maior amor do que dar a vida pelos amigos (cf. Jo 15, 13).
    Depois de se manifestar na paixão, a glória divina manifestou-se na ressurreição de Cristo, isto é, na sua vitória sobre a morte e sobre o mal. Foi assim que os Apóstolos receberam a plenitude da revelação. Mas não conseguiram compreender imediatamente todas as suas riquezas. Uma experiência de vida nova, inédita, não se consegue expressar imediatamente, de modo satisfatório. Faltam as palavras. Só pouco a pouco se adaptam as palavras à realidade experimentada.
    O Novo Testamento mostra-nos os esforços e o progresso feitos pelos Apóstolos para testemunharem, cada vez melhor, a glória filial de Cristo. No princípio, a catequese apostólica apenas dispunha de breves fórmulas: «Jesus é Senhor» (1 Cor 12, 3), «Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo» (Mt 16, 16). O conteúdo destas fórmulas é depois explicitado no exórdio da carta aos Hebreus, no prólogo do evangelho segundo S. João, e no belo texto da carta aos Colossenses, que hoje escutamos. Neste texto, Paulo afirma, em primeiro lugar, a preexistência e a superioridade de Cristo sobre toda a criação, incluindo as criaturas cuja beleza fascinava as mentes de muitos dos seus contemporâneos, os seres celestes, designados com nomes impressionantes: Tronos, Dominações, Poderes e Autoridades. Depois, proclama o primado de Cristo na ordem da redenção e da reconciliação: Cristo é o primeiro ressuscitado, é Cabeça do Corpo, que é a Igreja. O Apóstolo usa expressões muito fortes: «Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele» (v. 16). Cristo está no princípio e no fim de tudo: «Ele é anterior a todas as coisas e todas elas subsistem nele» (v. 17).
    O nosso texto termina afirmando que o primado de Cristo sobre todas coisas foi obtido pela sua paixão: «aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas, pacificando pelo sangue da sua cruz, tanto as que estão na terra como as que estão no céu» (v. 19s.).
    O belo texto de Paulo ajuda-nos a contemplar com alegria a glória de Cristo, nosso Senhor, nossa Cabeça, nosso Irmão. Ajuda-nos a
    louvar a Deus pela glória do seu Filho. Ajuda-nos a confirmar a nossa fé e a nossa esperança.

    Oratio

    Senhor Jesus, Tu és para nós o Primeiro e o Último, Aquele que vive. Em Ti, foi criado o homem novo, à imagem de Deus, na justiça e na santidade verdadeiras. Tu fazes-nos acreditar que, apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça, a redenção é possível, oferecida e já está presente. O teu Caminho é o nosso caminho. Com todos os nossos irmãos cristãos, queremos seguir os teus passos, para alcançar a santidade. Para isso fomos chamados: Tu próprio sofreste por nós e nos deixaste o exemplo para seguirmos os teus passos. Ajuda-nos a caminhar Contigo. Passaremos pelo Calvário. Mas a meta é a Glória. Amen.

    Contemplatio

    O primeiro fruto da contemplação da glória de Cristo é o crescimento da fé. Os apóstolos testemunham-nos que viram a glória do Salvador. «Não são fábulas que vos contamos, diz S. Pedro (2Pd 1, 16), fomos testemunhas do poder e da glória do Redentor. Ouvimos a voz do céu sobre a montanha gritando-nos no meio dos esplendores da transfiguração: É o meu Filho muito amado, escutai-o». S. Paulo encoraja a nossa esperança recordando a lembrança da glória do salvador manifestada na transfiguração e na ascensão: «Veremos a glória face a face, diz, e seremos transfigurados à sua semelhança» (2Cor 3, 18). - Esperamos o Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo terrestre e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso» (Fl 3, 21). Mas este mistério é sobretudo próprio para aumentar o nosso amor por Jesus. Nosso Senhor manifestou-nos naquele dia toda a sua beleza. O seu rosto era resplandecente como o sol. Os apóstolos, testemunhas da transfiguração, estavam totalmente inebriados de amor e de alegria. «Que bom é estar aqui», dizia S. Pedro: «Façamos aqui a nossa tenda». A beleza de Cristo transfigurado, contemplada pelo pintor Rafael, inspirou-lhe a obra-prima da arte cristã. Nosso Senhor falava então da sua Paixão com Moisés e Elias: nova lição de amor por nós. O Coração de Jesus, mesmo na sua glória, não pensa senão em nós e nos sacrifícios que quer fazer por nós. (Leão Dehon, OSP 4, pp. 132s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Jesus é Senhor» (1 Cor 12, 3)

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXII Semana - Sábado

    9 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Colossenses 1, 21-23

    Irmãos: 21Também a vós, que outrora andáveis afastados e éreis inimigos, com sentimentos expressos em acções perversas, 22agora Cristo reconciliou-vos no seu corpo carnal, pela sua morte, para vos apresentar santos, imaculados e irrepreensíveis diante dele, 23desde que permaneçais sólidos e firmes na fé, sem vos deixardes afastar da esperança do Evangelho que ouvistes; ele foi anunciado a toda a criatura que há debaixo do céu e foi dele que eu, Paulo, me tornei servidor.

    Depois de afirmar com determinação a supremacia absoluta de Cristo na ordem universal da salvação, Paulo entra agora no que poderíamos chamar plano horizontal. Assim, aplica aos Colossenses, convertidos do paganismo, os princípios afirmados. Eles eram, outrora, estrangeiros e inimigos de Deus, isto é, gente que vivia longe de Deus, na visão da vida e nas obras. Outrora estavam longe; agora vivem reconciliados. Entre a situação antiga e a presente está «a morte do corpo de carne» de Cristo. Por isso, há que viver santos e imaculados, ou seja, oferecer sacrifícios no próprio «corpo de carne», praticando obras boas e não as obras más de outrora. Vivendo assim, o cristão actualiza na sua carne o sacrifício salvador de Cristo, orientando a sua existência para a «esperança prometida no evangelho», isto é, para a vitória definitiva sobre o mal, por meio da ressurreição.

    Evangelho: Lucas 6, 1-5

    1Num dia de sábado, passando Jesus através das searas, os seus discípulos puseram-se a arrancar e a comer espigas, desfazendo-as com as mãos. 2Alguns fariseus disseram: «Porque fazeis o que não é permitido fazer ao sábado?» 3Jesus respondeu: «Não lestes o que fez David, quando teve fome, ele e os seus companheiros? 4Como entrou na casa de Deus e, tomando os pães da oferenda, comeu e deu aos seus companheiros esses pães que só aos sacerdotes era permitido comer?» 5E acrescentou: «O Filho do Homem é Senhor do sábado.»

    Lucas apresenta-nos hoje, e nos textos seguintes, algumas polémicas de Jesus com os fariseus acerca do sábado e das práticas permitidas ou não permitidas nesse dia. Impressiona o modo positivo e prepositivo como Jesus entra na polémica: tenta desamarrar os seus interlocutores de uma mentalidade excessivamente jurídica, servilmente ligada a aspectos que levaram os fariseus, do tempo de Jesus, a compilar um elenco de 613 preceitos, além dos 10 mandamentos, a que queriam ser fiéis. Jesus tenta tirá-los dessa mentalidade lembrando um acontecimento veterotestamentário da vida de David: uma opção de liberdade diante de uma tradição que parece não admitir excepções. David era uma referência para todos, também para Jesus. Mais uma razão para, neste caso, o aceitar como modelo de liberdade perante tradições que, não sendo bem interpretadas, ameaçam sujeitar o homem à lei, em vez de o libertar.
    A afirmação final é clara: «O Filho do Homem é Senhor do sábado» (v. 5). Por um lado, Jesus compara-se a David; por outro lado, afirma a sua superioridade e, implicitamente, enquanto "Senhor do sábado", a sua divindade.

    Meditatio

    Cristo, desde o princípio, Senhor da criação, como afirma Paulo aos Colossenses, revela, no evangelho de hoje, estar consciente de também ser Senhor do sábado. Ser Senhor do sábado significa ser igual a Deus, porque foi Deus quem estabeleceu a lei do sábado (Gn 2, 2s.). Jesus é Senhor de tudo. Mas aceitou a sorte dos escravos mais perigosos, o suplício da cruz. Aceitou-a para realizar a obra de amor, que o Pai Lhe confiou, para nos libertar do mal.
    Paulo fala deste mistério de amor, e aplica-o aos Colossenses: «Também a vós, que outrora andáveis afastados e éreis inimigos, com sentimentos expressos em acções perversas, agora Cristo reconciliou-vos no seu corpo carnal, pela sua morte, para vos apresentar santos, imaculados e irrepreensíveis diante dele» (vv. 21-22). Todos éramos inimigos, porque todos estávamos sujeitos ao pecado. Mas Deus reconciliou-nos, por Cristo. Habitualmente, é a pessoa que ofendeu que vai à procura de reconciliação com a pessoa ofendida. No caso da nossa salvação, pelo contrário, foi Deus que procurou a reconciliação e a realizou. É a imensa generosidade de Deus em acção! Paulo espanta-se diante deste modo de agir de Deus: «quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho» (Rm 4, 10). E o Apóstolo verifica com surpresa e gratidão: «Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa boa talvez alguém se atreva a morrer. Mas é assim que Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós» (Rm 5, 7s.).
    Deus quer para nós o máximo: quer-nos «santos, imaculados e irrepreensíveis» (Cl 1, 21). Uma tal ambição é fruto do seu amor por nós. Como um pai quer o melhor para o seu filho, Deus quer o máximo para nós. E deu-nos a possibilidade de o atingirmos: com a morte e a ressurreição de Jesus, obtém para nós as graças necessárias para vivermos na generosidade, que nos vem através do Coração de Jesus, e recebemos nos sacramentos. Para isso, basta-nos permanecer «sólidos e firmes na fé» (v. 23), isto é, aderir a Cristo pela fé, e assim estar ligados à corrente de amor que vem do Pai e passa por Cristo. Quem permanece firme em Cristo recebe a graça e torna-se santo.

    Oratio

    Pai santo, infunde em nós o teu Espírito, que nos plasme à imagem e semelhança do teu Filho muito amado, Jesus Cristo. Na sua oblação, encontramos o caminho que nos liberta de quanto nos oprime e nos mortifica, e nos introduz no shabbath eterno, no repouso festivo sem fim. Ajuda-nos, Senhor, a não voltarmos às obras pecaminosas de outrora. Ajuda-nos a imitar a tua santidade, que se tornou disponível para nós na pessoa de um homem morto na cruz. Amen.

    Contemplatio

    Nenhum evangelista falou do Coração de Jesus como S. João. S. Mateus recordou uma palavra deliciosa do Salvador: «Aprendei de mim que sou doce e humilde de Coração». Mas S. João pintou-se a si mesmo repousando sobre o Coração de Jesus, e revelou-nos a abertura do coração de Jesus no Calvário. Varia as suas expressões para nos dizer a felicidade que teve em repousar sobre o Coração de Jesus. Diz-nos primeiro que se deitou no seio de Jesus, depois que repousou sobre o seu peito. E mais tarde, depois da ressurreição, quando Nosso Senhor predisse a S. Pedro o seu martírio e a S. João a sua longa vida, o apóstolo dá esta descrição tão característica: é o apóstolo que Jesus amava, aquele que repousou na Ceia sobre o coração de Jesus. Esta troca de amizade do Mestre e do discípulo é uma das mais tocante
    s revelações do Sagrado Coração. É ao mesmo tempo a indicação das relações estreitas que unem a devoção ao Sagrado Coração à da Eucaristia. Nosso Senhor devia confirmar este ensinamento nas suas revelações a Margarida Maria: a devoção ao Sagrado Coração é sobretudo eucarística. (Leão Dehon, OSP 2, p. 344).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O Filho do Homem é Senhor do sábado» (Lc 6, 5).

  • 23º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    23º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    10 de Setembro, 2023

    ANO A
    23º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 23º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo sugere-nos uma reflexão sobre a nossa responsabilidade face aos irmãos que nos rodeiam. Afirma, claramente, que ninguém pode ficar indiferente diante daquilo que ameaça a vida e a felicidade de um irmão e que todos somos responsáveis uns pelos outros.
    A primeira leitura fala-nos do profeta como uma "sentinela", que Deus colocou a vigiar a cidade dos homens. Atento aos projectos de Deus e à realidade do mundo, o profeta apercebe-se daquilo que está a subverter os planos de Deus e a impedir a felicidade dos homens. Como sentinela responsável alerta, então, a comunidade para os perigos que a ameaçam.
    O Evangelho deixa clara a nossa responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar consciência dos seus erros. Trata-se de um dever que resulta do mandamento do amor. Jesus ensina, no entanto, que o caminho correcto para atingir esse objectivo não passa pela humilhação ou pela condenação de quem falhou, mas pelo diálogo fraterno, leal, amigo, que revela ao irmão que a nossa intervenção resulta do amor.
    Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Roma (e de todos os lugares e tempos) a colocar no centro da existência cristã o mandamento do amor. Trata-se de uma "dívida" que temos para com todos os nossos irmãos, e que nunca estará completamente saldada.

    LEITURA I - Ez 33,7-9

    Leitura da Profecia de Ezequiel

    Eis o que diz o Senhor:
    «Filho do homem,
    coloquei-te como sentinela na casa de Israel.
    Quando ouvires a palavra da minha boca,
    deves avisá-los da minha parte.
    Sempre que Eu disser ao ímpio: 'Ímpio, hás-de morrer',
    e tu não falares ao ímpio para o afastar do seu caminho,
    o ímpio morrerá por causa da sua iniquidade,
    mas Eu pedir-te-ei contas da sua morte.
    Se tu, porém, avisares o ímpio,
    para que se converta do seu caminho,
    e ele não se converter,
    morrerá nos seus pecados,
    mas tu salvarás a tua vida».

    AMBIENTE

    Ezequiel é conhecido como "o profeta da esperança". Desterrado na Babilónia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquin, quando Nabucodonosor conquista Jerusalém pela primeira vez e deporta para a Babilónia a classe dirigente do país), Ezequiel exerce aí a sua missão profética entre os exilados judeus.
    A primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (data do seu chamamento) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e uma segunda leva de exilados é encaminhada para a Babilónia). Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar... Eles não só não vão regressar a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os pecados e as infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na Babilónia.
    A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C. e prolonga-se até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados de templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador - esse Deus que Israel descobriu na sua história - não os abandonou nem esqueceu.
    Pelo conteúdo, não é possível dizer de forma clara se o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura pertence à primeira ou à segunda fase da actividade profética de Ezequiel. Em qualquer caso, ele define - recorrendo à imagem da sentinela - a missão profética: o profeta é, entre os exilados, como uma sentinela atenta, que escuta os apelos de Deus e que avisa o Povo dos perigos que aparecem no horizonte da comunidade.

    MENSAGEM

    A imagem da sentinela aplicada ao profeta não é nova. Já Habacuc (cf. Hab 2,1), Isaías (cf. 21,6), Jeremias (cf. Jer 6,17) e mesmo Oseias (cf. Os 5,8) recorrem a esta figura para definir a missão profética.
    O que é que significa dizer que o profeta é uma "sentinela"? A sentinela é o vigilante atento que, enquanto os outros descansam, perscruta o horizonte e procura detectar o perigo que ameaça a sua cidade, os seus concidadãos, os seus camaradas de armas. Quando pressente o perigo, tem a obrigação de dar o alarme. Dessa forma, a comunidade poderá preparar-se para enfrentar o desafio que o inimigo lhe vai colocar. Se a sentinela não vigiar ou se não der o alarme, será responsável pela catástrofe que atingiu o seu Povo.
    Assim é o profeta. Ele é esse guarda que Jahwéh colocou no meio da comunidade do Povo de Deus, para perscrutar atentamente o horizonte da história e da vida do Povo e para dar o alarme sempre que a comunidade corre riscos.
    Para que o profeta seja uma sentinela eficiente, ele tem de ser, simultaneamente, um homem de Deus e um homem atento ao mundo que o rodeia.
    O profeta é, antes de mais, um homem que Jahwéh chamou ao seu serviço. Eleito por Jahwéh, chamado para o serviço de Jahwéh, ele vive em comunhão com Deus; e nessa intimidade que vai criando com Deus, ele descobre a vontade de Deus e aprende a discernir os projectos que Deus tem para os homens e para o mundo. Ao mesmo tempo, o profeta é um homem do seu tempo, mergulhado na realidade e nos desafios da sociedade em que está integrado; conhece o mundo e é capaz de ler, numa perspectiva crítica, os problemas, os dramas e as infidelidades dos seus contemporâneos.
    Ao contemplar os planos de Deus e a vida do mundo, o profeta dá-se conta do desfasamento entre uma realidade e outra. Apercebe-se de que a realidade da vida dos homens é muito diferente dessa realidade que Deus projectou.
    Diante disto, o que é que o profeta faz? Sacode a água do capote e diz que não é nada com ele? Fecha-se no seu mundo cómodo e ignora as infidelidades dos homens aos projectos de Deus? Demite-se das suas responsabilidades e não se incomoda com as escolhas erradas que os seus irmãos fazem?
    Não. O profeta recebeu um mandato de Deus para alertar a comunidade para os perigos que a ameaçam. Custe o que custar, doa a quem doer, o profeta tem que dizer a todos - mesmo que os seus concidadãos não o compreendam ou recusem escutá-lo - que continuar a trilhar esses caminhos errados não pode senão conduzir à infelicidade, ao sofrimento, à morte.
    O profeta/sentinela é, em última análise, um sinal vivo - mais um - do amor de Jahwéh pelo seu Povo. É Deus que o chama, que o envia em missão, que lhe dá a coragem de testemunhar, que o apoia nos momentos de crise, de desilusão e de solidão... O profeta/sentinela é a prova de que Deus, cada dia, continua a oferecer ao seu Povo caminhos de salvação e de vida. O profeta/sentinela demonstra, sem margem para dúvidas, que Deus
    não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir das seguintes questões:

    • E hoje? Deus continua a amar o seu Povo? Continua a querer que ele se converta e viva? Continua a preocupar-Se em oferecer ao seu Povo a salvação - isto é, a possibilidade de ser feliz neste mundo e de alcançar, no final da sua caminhada nesta terra, a vida definitiva? O Deus de ontem não será o Deus de hoje e de amanhã?

    • Na verdade, Ele continua a chamar, todos os dias, profetas/sentinelas que alertem o mundo e os homens. Pelo Baptismo, todos nós fomos constituídos profetas. Recebemos do nosso Deus a missão de dizer aos nossos irmãos que certos valores que o mundo cultiva e endeusa são responsáveis por muitos dos dramas que afligem os homens. Temos consciência de que recebemos de Deus uma missão profética e que essa missão nos compromete com a denúncia do que está errado no mundo e na vida dos homens?

    • O que é que devemos denunciar? Tudo aquilo que contradiz os projectos de Deus. Portanto, o profeta/sentinela tem de ser alguém que vive em comunhão com Deus, que medita a Palavra de Deus, que dialoga com Deus e que, nessa intimidade, vai percebendo o que Deus quer para os homens e para o mundo. Aliás, é dessa relação forte com Deus que o profeta/sentinela tira também a coragem para falar, para denunciar, para agir. Portanto, dificilmente seremos fiéis à nossa missão profética sem um relacionamento forte com Deus. Encontro tempo para potenciar a relação com Deus, para falar com Deus, para escutar e meditar a sua Palavra?

    • É preciso também que o profeta/sentinela desenvolva uma consciência crítica sobre o mundo que o rodeia. Ele tem de estar atento aos acontecimentos da vida nacional e internacional (o profeta tem de ouvir as notícias e ler o jornal!), tem de conhecer a fundo as questões que os homens debatem (senão, a sua intervenção dificilmente será levada a sério); e tem, especialmente, de aprender a ler os acontecimentos à luz de Deus e do projecto de Deus. Estou atento aos sinais dos tempos e procuro analisá-los a partir de uma perspectiva de fé?

    • É preciso, finalmente, que o profeta/sentinela não se acomode no seu cantinho cómodo, demitindo-se das suas responsabilidades. Tudo o que se passa no mundo, tudo o que afecta a vida de um homem ou de uma mulher, diz respeito ao profeta. Podemos ficar calados diante das escolhas erradas que o mundo faz? O nosso silêncio não nos tornará cúmplices daqueles que destroem o mundo e que condenam ao sofrimento e à miséria tantos homens e mulheres?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 94 (95)

    Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
    não fecheis os vossos corações.

    Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
    aclamemos a Deus, nosso Salvador.
    Vamos à sua presença e dêmos graças,
    ao som de cânticos aclamemos o Senhor.

    Vinde, prostremo-nos em terra,
    adoremos o Senhor que nos criou.
    Pois Ele é o nosso Deus
    e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

    Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
    «Não endureçais os vossos corações,
    como em Meriba, no dia de Massa no deserto,
    onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
    apesar de terem visto as minhas obras».

    LEITURA II - Rom 13,8-10

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Não devais a ninguém coisa alguma,
    a não ser o amor de uns para com os outros,
    pois, quem ama o próximo, cumpre a lei.
    De facto, os mandamentos que dizem:
    «Não cometerás adultério, não matarás,
    não furtarás, não cobiçarás»,
    e todos os outros mandamentos,
    resumem-se nestas palavras:
    «Amarás ao próximo como a ti mesmo».
    A caridade não faz mal ao próximo.
    A caridade é o pleno cumprimento da lei.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a segunda parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 12,1-15,13). Aí, Paulo mostra - em termos práticos - como devem viver aqueles que Deus chama à salvação.
    Deus oferece a todos a salvação; ao homem resta acolher o dom de Deus, aderindo a Jesus e à sua proposta... Mas a adesão a Jesus implica assumir, na prática do dia a dia, atitudes coerentes com essa vida nova que o cristão acolheu no dia do seu baptismo. São essas atitudes que Paulo recomenda aos romanos (e aos crentes em geral) nesta segunda parte da carta.
    No ano 49, o imperador Cláudio tinha publicado um édito que expulsava de Roma os judeus (incluindo os cristãos de origem judaica). Ora em 57/58 (quando a Carta aos Romanos foi escrita), muitos desses judeus tinham já voltado a Roma. Será que os cristãos de origem pagã, "donos" da comunidade durante bastante tempo, ostentavam a sua superioridade e manifestavam desprezo pelos cristãos de origem judaica entretanto regressados a Roma? Será que, por essa razão, havia divisões e falta de amor na comunidade de Roma? Nessas circunstâncias, Paulo teria escrito uma "carta de reconciliação", destinada a unir uma comunidade dividida. O apelo ao amor que o nosso texto nos apresenta poderia entender-se neste contexto.

    MENSAGEM

    Paulo exorta os crentes de Roma a construir toda a sua vida sobre o amor. O cristianismo sem amor é uma mentira. Os cristãos não podem nunca deixar de amar os seus irmãos.
    Essa exigência, contudo, nunca estará completamente realizada... Qualquer dívida pode ser liquidada de uma vez; mas o amor não: em cada instante é preciso amar e amar sempre mais. O cristão nunca poderá cruzar os braços e dizer que já ama o suficiente ou que já amou tudo: ele tem uma dívida eterna de amor para com os seus irmãos.
    O amor está no centro de toda a nossa experiência religiosa. No mandamento do amor, resume-se toda a Lei e todos os preceitos. Os diversos mandamentos não passam, aliás, de especificações da exigência do amor. A ideia - aqui expressa - de que toda a Lei se resume no amor não é uma "invenção" de Paulo, mas é uma constante na tradição bíblica (cf. Mt 22,34-40).

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, ter em conta os seguintes desenvolvimentos:

    • Na última ceia, despedindo-se dos discípulos, Jesus resumiu desta forma a proposta que veio apresentar aos homens: "amai-vos uns aos outros como Eu vos amei" (Jo 15,12). Este não é "mais um mandamento", mas é "o mandamento" de Jesus. Entretanto, algures durante a nossa caminhada pela história, esquecemos "o mandamento" de Jesus e distraímo-nos com questões secundárias... Preocupamo-nos em discutir ritos litúrgicos, problemas de organização e de autoridade, códigos de leis, questões de
    disciplina... e esquecemos "o mandamento" do amor. Já é tempo de voltarmos ao essencial. O cristão é aquele que, como Cristo, ama sem cálculo, sem contrapartidas, sem limite, sem medida. Na nossa experiência cristã, só o amor é essencial; tudo o resto é secundário.

    • As nossas comunidades cristãs, a exemplo da primitiva comunidade cristã de Jerusalém, deviam ser comunidades fraternas onde se notam as marcas do amor. Os que estão de fora deviam olhar para nós e dizer: "eles são diferentes, são uma mais valia para o mundo, porque amam mais do que os outros". É isso que acontece? Quem contempla as nossas comunidades, descobre as marcas do amor, ou as marcas da insensibilidade, do egoísmo, do confronto, do ciúme, da inveja? Os estrangeiros, os doentes, os necessitados, os débeis, os marginalizados são acolhidos nas nossas comunidades com solicitude e amor?

    • É importante sentirmos que a nossa dívida de amor nunca está paga. Podemos, todos os dias, realizar gestos de partilha, de serviço, de acolhimento, de reconciliação, de perdão... mas é preciso, neste campo, ir sempre mais além. Há sempre mais um irmão que é preciso amar e acolher; há sempre mais um gesto de solidariedade que é preciso fazer; há sempre mais um sorriso que podemos partilhar; há sempre mais uma palavra de esperança que podemos oferecer a alguém. Sobretudo, é preciso que sintamos que a nossa caminhada de amor nunca está concluída.

    ALELUIA - 2Cor 5,19

    Aleluia. Aleluia.

    Em Cristo, Deus reconcilia o mundo consigo
    e confiou-nos a palavra da reconciliação.

    EVANGELHO - Mt 18,15-20

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Se o teu irmão te ofender,
    vai ter com ele e repreende-o a sós.
    Se te escutar, terás ganho o teu irmão.
    Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas,
    para que toda a questão fique resolvida
    pela palavra de duas ou três testemunhas.
    Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja;
    e se também não der ouvidos à Igreja,
    considera-o como um pagão ou um publicano.
    Em verdade vos digo:
    Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu;
    e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu.
    Digo-vos ainda:
    Se dois de vós se unirem na terra para pedirem qualquer coisa,
    ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos Céus.
    Na verdade, onde estão dois ou três reunidos em meu nome,
    Eu estou no meio deles».

    AMBIENTE

    O capítulo 18 do Evangelho de Mateus é conhecido como o "discurso eclesial". Apresenta uma catequese de Jesus sobre a experiência de caminhada em comunidade. Aqui, Mateus ampliou de forma significativa algumas instruções apresentadas por Marcos sobre a vida comunitária (cf. Mc 9,33-37. 42-47) e compôs, com esses materiais, um dos cinco grandes discursos que o seu Evangelho nos apresenta. Os destinatários desta "instrução" são os discípulos e, através deles, a comunidade a que o Evangelho de Mateus se dirige.
    A comunidade de Mateus é uma comunidade "normal" - isto é, é uma comunidade parecida com qualquer uma das que nós conhecemos. Nessa comunidade existem tensões entre os diversos grupos e problemas de convivência: há irmãos que se julgam superiores aos outros e que querem ocupar os primeiros lugares; há irmãos que tomam atitudes prepotentes e que escandalizam os pobres e os débeis; há irmãos que magoam e ofendem outros membros da comunidade; há irmãos que têm dificuldade em perdoar as falhas e os erros dos outros... Para responder a este quadro, Mateus elaborou uma exortação que convida à simplicidade e humildade, ao acolhimento dos pequenos, dos pobres e dos excluídos, ao perdão e ao amor. Ele desenha, assim, um "modelo" de comunidade para os cristãos de todos os tempos: a comunidade de Jesus tem de ser uma família de irmãos, que vive em harmonia, que dá atenção aos pequenos e aos débeis, que escuta os apelos e os conselhos do Pai e que vive no amor.

    MENSAGEM

    O fragmento do "discurso eclesial" que nos é hoje proposto refere-se, especialmente, ao modo de proceder para com o irmão que errou e que provocou conflitos no seio da comunidade. Como é que os irmãos da comunidade devem proceder, nessa situação? Devem condenar, sem mais, e marginalizar o infractor?
    Não. Neste quadro, as decisões radicais e fundamentalistas raramente são cristãs. É preciso tratar o problema com bom senso, com maturidade, com equilíbrio, com tolerância e, acima de tudo, com amor. Mateus propõe um caminho em várias etapas...
    Em primeiro lugar, Mateus propõe um encontro com esse irmão, em privado, e que se fale com ele cara a cara sobre o problema (vers. 15). O caminho correcto não passa, decididamente, por dizer mal "por trás", por publicitar a falta, por criticar publicamente (ainda que não se invente nada), e muito menos por espalhar boatos, por caluniar, por difamar. O caminho correcto passa pelo confronto pessoal, leal, honesto, sereno, compreensivo e tolerante com o irmão em causa.
    Se esse encontro não resultar, Mateus propõe uma segunda tentativa. Essa nova tentativa implica o recurso a outros irmãos ("toma contigo uma ou duas pessoas" - diz Mateus - vers. 16) que, com serenidade, sensibilidade e bom senso, sejam capazes de fazer o infractor perceber o sem sentido do seu comportamento.
    Se também essa tentativa falhar, resta o recurso à comunidade. A comunidade será então chamada a confrontar o infractor, a recordar-lhe as exigências do caminho cristão e a pedir-lhe uma decisão (vers. 16a).
    No caso de o infractor se obstinar no seu comportamento errado, a comunidade terá que reconhecer, com dor, a situação em que esse irmão se colocou a si próprio; e terá de aceitar que esse comportamento o colocou à margem da comunidade. Mateus acrescenta que, nesse caso, o faltoso será considerado como "um pagão ou um cobrador de impostos" (vers. 17b). Isto significa que os pagãos e os cobradores de impostos não têm lugar na comunidade de Mateus? Não. Ao usar este exemplo, o autor deste texto não pretende referir-se a indivíduos, mas a situações. Trata-se de imagens tipicamente judaicas para falar de pessoas que estão instaladas em situações de erro, que se obstinam no seu mau proceder e que recusam todas as oportunidades de integrar a comunidade da salvação.
    A Igreja tem o direito de expulsar os pecadores? Mateus não sugere aqui, com certeza, que a Igreja possa excluir da comunhão qualquer irmão que errou. Na realidade, a Igreja é uma realidade divina e humana, onde coexistem a santidade e o pecado. O que Mateus aqui sugere é que a Igreja tem de tom
    ar posição quando algum dos seus membros, de forma consciente e obstinada, recusa a proposta do Reino e realiza actos que estão frontalmente contra as propostas que Cristo veio trazer. Nesse caso, contudo, nem é a Igreja que exclui o prevaricador: ele é que, pelas suas opções, se coloca decididamente à margem da comunidade. A Igreja tem, no entanto, que constatar o facto e agir em consequência.
    Depois desta instrução sobre a correcção fraterna, Mateus acrescenta três "ditos" de Jesus (cf. Mt 18,18-20) que, originalmente, seriam independentes da temática precedente, mas que Mateus encaixou neste contexto.
    O primeiro (vers. 18) refere-se ao poder, conferido à comunidade, de "ligar" e "desligar". Entre os judeus, a expressão designava o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar o que era ou não permitido e para excluir ou reintroduzir alguém na comunidade do Povo de Deus; aqui, significa que a comunidade (algum tempo antes - cf. Mt 16,19 - Jesus dissera estas mesmas palavras a Pedro; mas aí Pedro representava a totalidade da comunidade dos discípulos) tem o poder para interpretar as palavras de Jesus, para acolher aqueles que aceitam as suas propostas e para excluir aqueles que não estão dispostos a seguir o caminho que Jesus propôs.
    O segundo (vers. 19) sugere que as decisões graves para a vida da comunidade devem ser tomadas em clima de oração. Assegura aos discípulos, reunidos em oração, que o Pai os escutará.
    O terceiro (vers. 20) garante aos discípulos a presença de Jesus "no meio" da comunidade. Neste contexto, sugere que as tentativas de correcção e de reconciliação entre irmãos, no seio da comunidade, terão o apoio e a assistência de Jesus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão e partilha, considerar as seguintes questões:

    • A palavra "tolerância" é uma palavra profundamente cristã, que sugere o respeito pelo outro, pelas suas diferenças, até pelos seus erros e falhas. No entanto, o que significa "tolerância"? Significa que cada um pode fazer o mal ou o bem que quiser, sem que tal nos diga minimamente respeito? Implica recusarmo-nos a intervir quando alguém toma atitudes que atentam contra a vida, a liberdade, a dignidade, os direitos dos outros? Quer dizer que devemos ficar indiferentes quando alguém assume comportamentos de risco, porque ele "é maior e vacinado" e nós não temos nada com isso? Quais são as fronteiras da "tolerância"? Diante de alguém que se obstina no erro, que destrói a sua vida e a dos outros, devemos ficar de braços cruzados? Até que ponto vai a nossa responsabilidade para com os irmãos que nos rodeiam? A "tolerância" não será, tantas vezes, uma desculpa que serve para disfarçar a indiferença, a demissão das responsabilidades, o comodismo?

    • O Evangelho deste domingo sugere a nossa responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar consciência dos seus erros. Convida-nos a respeitar o nosso irmão, mas a não pactuar com as atitudes erradas que ele possa assumir. Amar alguém é não ficar indiferente quando ele está a fazer mal a si próprio; por isso, amar significa, muitas vezes, corrigir, admoestar, questionar, discordar, interpelar... É preciso amar muito e respeitar muito o outro, para correr o risco de não concordar com ele, de lhe fazer observações que o vão magoar; no entanto, trata-se de uma exigência que resulta do mandamento do amor...

    • Que atitude tomar em relação a quem erra? Como proceder? Antes de mais, é preciso evitar publicitar os erros e as falhas dos outros. O denunciar publicamente o erro do irmão, pode significar destruir-lhe a credibilidade e o bom-nome, a paz e a tranquilidade, as relações familiares e a confiança dos amigos. Fazer com que alguém seja julgado na praça pública - seja ou não culpado - é condená-lo antecipadamente, é não dar-lhe a possibilidade de se defender e de se explicar, é restringir-lhe o direito de apelar à misericórdia e à capacidade de perdão dos outros irmãos. Humilhar o irmão publicamente é, sobretudo, uma grave falta contra o amor. É por isso que o Evangelho de hoje convida a ir ao encontro do irmão que falhou e a repreendê-lo a sós...

    • Sobretudo, é preciso que a nossa intervenção junto do nosso irmão não seja guiada pelo ódio, pela vingança, pelo ciúme, pela inveja, mas seja guiada pelo amor. A lógica de Deus não é a condenação do pecador, mas a sua conversão; e essa lógica devia estar sempre presente, quando nos confrontamos com os irmãos que falharam. O que é que nos leva, por vezes, a agir e a confrontar os nossos irmãos com os seus erros: o orgulho ferido, a vontade de humilhar aquele que nos magoou, a má vontade, ou o amor e a vontade de ver o irmão reencontrar a felicidade e a paz?

    • A Igreja tem o direito e o dever de pronunciar palavras de denúncia e de condenação, diante de actos que afectam gravemente o bem comum... No entanto, deve distinguir claramente entre a pessoa e os seus actos errados. As acções erradas devem ser condenadas; os que cometeram essas acções devem ser vistos como irmãos, a quem se ama, a quem se acolhe e a quem se dá sempre outra oportunidade de acolher as propostas de Jesus e de integrar a comunidade do Reino.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 23º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 23º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PRIVILEGIAR O TEMPO DO ACOLHIMENTO.
    É o recomeço. A maior parte dos fiéis estão agora de regresso à paróquia. Será bom privilegiar o tempo do acolhimento, em particular dos novos paroquianos. Depois do sinal da cruz, da saudação e da introdução à celebração, o presidente pode convidar cada um a saudar os seus vizinhos de lugar. Pode igualmente pedir aos novos paroquianos para se apresentarem e acolhê-los em nome de toda a comunidade. Será igualmente bom privilegiar o gesto de paz. O presidente dá a paz a algumas pessoas que vêm ao altar. A paz é em seguida transmitida progressivamente por esse grupo e cada um dá a paz a outra pessoa, depois de a ter recebido simbolicamente. Saudar-se, dar a paz... tal deve continuar depois da celebração. Isso deve ser expresso nas palavras finais de envio. Se possível, pode-se organizar um pequeno convívio após a celebração.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Deus de santidade, que nos chamas a ser santos como Tu mesmo és santo. Nós Te louvamos pelos profetas que nos envias em todo o tempo como sentinelas, para vigiar o nosso caminho e para nos guiar.
    Nós Te pedimos por todas as comunidades cristãs: que o teu Espírito nos purifique das más condutas que desvalorizam o nosso testemunho.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te damos graças, Deus de amor, pela Lei viva que nos deste em Jesus e pelos teus apóstolos. Ela é comunicação do teu Espírito. Nós reconhecemos a imensa dívida de amor que temos para contigo.
    Nós Te pedimos: mantém-nos receptivos ao teu Espírito de amor. Que ele nos torne conscientes da dívida de mútuo amor de uns para com os outros.

    No final do Evangelho:
    Deus justo e bom, se eu não interpelar o irmão ou a irmã que se perde, estou em dívida para contigo, porque me torno cúmplice do mal que não me esforço de impedir.
    Que o teu Espírito seja para mim fonte de discernimento e de coragem!

    4. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística II das Assembleias com Crianças, que evoca com insistência o amor ao próximo e a comunhão fraterna aos quais nos convidam a segunda leitura e o Evangelho de hoje.

    5. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Ser sentinela... A religião cristã não é um simples assunto pessoal que só a nós diz respeito e que nos desinteressa dos outros. "Sentinela": qual é o cuidado missionário que está em nós para transmitir a Palavra do Senhor aos nossos irmãos? O nosso amor para com eles é suficientemente forte para os convidar a uma mudança de conduta, se necessário? "Sentinelas": o amor ao próximo é para nós uma dinâmica de conversão pessoal e comunitária?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Segunda-feira

    11 de Setembro, 2023

    23ª Semana do Tempo comum

    Lectio

    Primeira leitura: Colossenses 1, 24 - 2, 3

    Irmãos: agora, alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja. 25Foi dela que eu me tornei servidor, segundo a missão que Deus me confiou para vosso benefício: levar à plena realização a Palavra de Deus, 26o mistério escondido ao longo das gerações e que agora Deus manifestou aos seus santos. 27Deus quis dar-lhes a conhecer a imensa riqueza da glória deste mistério entre os gentios: Cristo entre vós, a esperança da glória! 28É a Ele que anunciamos, admoestando e ensinando todos e cada homem com toda a sabedoria, para apresentar a Deus todos os homens na sua perfeição em Cristo. 29É para isso mesmo que eu trabalho, lutando com a força que Ele me dá e que actua poderosamente em mim. 1Com efeito, quero que saibais como é grande a luta que mantenho por vós, bem como pelos de Laodiceia e por quantos nunca me viram pessoalmente, 2para que tenham ânimo nos seus corações, vivendo bem unidos no amor, e assim atinjam toda a riqueza, que é a plena compreensão, o conhecimento do mistério de Deus: Cristo, 3em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento.

    Paulo quer refutar doutrinas introduzidas na comunidade de Colossos por falsos mestres. Estes insinuavam que a obra redentora de Cristo não estava completa, e que eram necessárias certas práticas religiosas para integrar a salvação realizada na morte e ressurreição do Senhor. O Apóstolo afirma que, acrescentar algo ao evangelho, é diminuir o seu poder gratuito. Não há nada a acrescentar. Apenas, como membros do Corpo de Cristo, podemos completar em nós «o que falta às tribulações de Cristo» (v. 24). É o que acontece, de modo muito concreto, nos trabalhos e aflições dos mensageiros do Evangelho. É o que acontece em Paulo. O Apóstolo experimenta os sofrimentos do Senhor, por causa da comunhão mística que o une ao mesmo Senhor. Cristo ressuscitado projecta a sua própria vida sobrenatural naqueles que estão em comunhão com Ele. O cristão é uma reprodução mística ou misteriosa de Cristo. Além disso, como Apóstolo, segundo a economia divina, recebeu uma quota-parte de sofrimentos de Cristo, com a qual havia de contribuir para a edificação da Igreja (cf. Act 9, 16). Paulo já tinha satisfeito uma grande parte desses sofrimentos, na sua vida apostólica. Restavam-lhe os sofrimentos da prisão romana para completar a satisfação. Por isso que se alegra com eles.

    Evangelho: Lucas 6, 6-11

    Naquele tempo, Jesus 6entrou na sinagoga a um sábado e começou a ensinar. Encontrava-se ali um homem cuja mão direita estava paralisada. 7Os doutores da Lei e os fariseus observavam-no, a ver se iria curá-lo ao sábado, para terem um motivo de acusação contra Ele. 8Conhecendo os seus pensamentos, Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e põe-te de pé, aí no meio.» Ele levantou-se e ficou de pé. 9Disse-lhes Jesus: «Vou fazer-vos uma pergunta: O que é preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê-la?» 10Então, olhando-os a todos em volta, disse ao homem: «Estende a tua mão.» Ele estendeu-a, e a mão ficou sã. 11Os outros encheram-se de furor e falavam entre si do que poderiam fazer contra Jesus.

    Lucas volta à polémica sobre o sábado. A ocasião é-lhe proporcionada por um milagre de Jesus em favor de um homem paralítico, que desencadeia críticas dos seus adversários. O choque é ainda mais forte do que fora quando os discípulos colheram e comeram espigas de trigo, ao sábado. Uma certa mentalidade farisaica queria, não só parar os discípulos de Jesus, mas também pôr fim à actividade taumatúrgica do seu Mestre. Jesus não pode aceitar a pretensão dos escribas e fariseus, e aponta-lhes, não só o criticismo, mas também a perversidade. Jesus lê o coração do homem: daquele que o escuta e segue, mas também daquele que O espia e quer apanhar em falso...
    Realizado o milagre, Jesus enfrenta os adversários colocando a questão do seguinte modo: «O que é preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê¬ la?» (v. 9). Jesus está tão seguro da sua certeza que nem espera a resposta. Cura o doente, e desencadeia uma reacção de fúria contra Si. A intolerância e a violência dos adversários levam Jesus à morte espiritual, ainda antes da morte física.

    Meditatio

    «Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo», escreve Paulo aos Colossenses. A paixão de Cristo está completa. Nada lhe falta. Ela é suficiente para salvar o mundo. Mas a paixão do Senhor deve ser aplicada à vida de cada crente, de cada um de nós. E isto comporta tribulações! «Se com Ele morrermos, também com Ele viveremos» (2 Tm 2, 11). A vida cristã comporta uma parte de tribulações, que havemos de aceitar. É nesse sentido que Paulo afirma completar o que falta à aplicação da paixão de Cristo na sua vida. Esta é uma grande vocação, também para nós. Paulo encara-a de modo muito positivo. Por isso, afirma: «alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós» (v. 24). Ele está profundamente convencido da fecundidade desta participação na paixão de Cristo. Vê a paixão à luz da ressurreição. Sabe que participar na paixão é condição para ressuscitar com Cristo. Por isso, se alegra nos seus sofrimentos.
    A nossa vocação cristã leva-nos a descobrir a graça escondida nos sofrimentos e nas provações da vida. Trata-se de uma graça preciosa de união a Cristo na sua paixão, graça de amor verdadeiro, que aceita pagar pessoalmente. Se o amor verdadeiro é o supremo valor, é preciso aceitar os meios necessários para caminhar no amor, não só com resignação, mas também com alegria.
    Escrevem as nossas Constituições: «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo. "Alegro-me nos sofrimentos suportados por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja" (Cl 1,24)» (Cst 24). Esta atitude, própria de todos os cristãos, assume, para nós, a característica reparadora que decorre do nosso carisma. Numa perspectiva pastoral, podemos dizer que, para a salvação de muitos dos nossos irmãos, faltam as tribulações dos missionários e dos pastores, que
    levam a Boa Nova a todos os homens, muitas vezes em situações difíceis, e, nessas mesmas condições, os apoiam no caminho da fé, na adesão a Jesus, morto e ressuscitado.

    Oratio

    Senhor Jesus, ajuda-nos a reconhecer a graça escondida nos momentos difíceis da nossa vida e da vida dos nossos irmãos, para podermos afirmar como o teu apóstolo Paulo: «alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja.» Que a nossa participação na tua paixão, Senhor, seja sempre vivida no amor pelos outros, pela Igreja: «por vós... pelo seu Corpo, que é a Igreja», escreve Paulo. E que nesta perspectiva de amor, encontremos a alegria que enchia o teu Coração Redentor. Amen.

    Contemplatio

    O Salvador que tanto sofreu por nós é o nosso tudo: é o nosso Deus, o nosso pai; é o nosso irmão. Antes de se entregar ao sofrimento, fez-se também nosso amigo. Como é que Ele se teria entregado à Paixão e à morte por nós se não nos tivesse extremamente amado? «Amou-me e entregou-se por mim (Gl 2, 20). Amou-me primeiro e muito; sem isso, como é que teria chegado a entregar-se por minha causa a todos os sofrimentos? Esta consideração deve dominar todas as meditações sobre a Paixão. Ele amou-me: eu era a sua vinha, que Ele cultivava com amor, que envolvia de assíduos cuidados. Ele amou-me: eu era o seu filho e o seu irmão. E porque Ele me amava, quis dar a sua vida para me salvar... Tais serão as minhas disposições para convosco, ó meu bom Mestre, durante todas estas meditações da Paixão: o pesar de ter ofendido o vosso Coração, a confiança na vossa bondade infinita, e, com a vossa graça, o espírito de imolação por amor. Feri o meu coração com a vossa ferida de amor. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 302s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (1 Cor 5, 7).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Terça-feira

    12 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Colossenses 2, 6-15

    Irmãos: ao mesmo modo que recebestes Cristo Jesus, o Senhor, continuai a caminhar nele: 7enraizados e edificados nele, firmes na fé, tal como fostes instruídos, transbordando em acção de graças. 8Olhai que não haja ninguém a enredar-vos com a filosofia, o que é vazio e enganador, fundado na tradição humana ou nos elementos do mundo, e não em Cristo. 9Porque é nele que habita realmente toda a plenitude da divindade, 10e nele vós estais repletos de tudo, Ele que é a cabeça de todo o Poder e Autoridade. 11Foi nele que fostes circuncidados com uma circuncisão que não é feita por mão humana: fostes despojados do corpo carnal, pela circuncisão de Cristo. 12Sepultados com Ele no Baptismo, foi também com Ele que fostes ressuscitados, pela fé que tendes no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos. 13A vós, que estáveis mortos pelas vossas faltas e pela incircuncisão da vossa carne, Deus deu-vos a vida juntamente com Ele: perdoou-nos todas as nossas faltas, 14anulou o documento que, com os seus decretos, era contra nós; aboliu-o inteiramente, e cravou-o na cruz. 15Depois de ter despojado os Poderes e as Autoridades, expô-los publicamente em espectáculo, e celebrou o triunfo que na cruz obtivera sobre eles.

    Paulo alerta os Colossenses para certas crenças, passadas como filosofia ou assumidas por alguns filósofos, em nome da insuficiência de Cristo para a salvação: «Olhai que não haja ninguém a enredar-vos com a filosofia, o que é vazio e enganador, fundado na tradição humana ou nos elementos do mundo» (v. 8). Em Cristo ressuscitado reúnem-se o mundo divino e o mundo criado, a humanidade e o cosmos. Cristo não precisa de ser completado, porque, "agora", tem o controlo de tudo.
    O cristão, pelo baptismo, participa no triunfo de Cristo morto e ressuscitado sobre a morte, sobre a influência das forças cósmicas e misteriosas. Pela sua cruz, aboliu a lei antiga e obrigou essas forças a seguirem ordenadamente o seu cortejo triunfal. Assim o Apóstolo afirma, com toda a clareza e decisão, que Cristo é suficiente para a salvação. Depois da sua morte e ressurreição, as forças cósmicas, espirituais ou materiais, estão-lhe submetidas e não podem causar qualquer mal.

    Evangelho: Lucas 6, 12-19

    Naqueles dias, Jesus foi para o monte fazer oração e passou a noite a orar a Deus. 13Quando nasceu o dia, convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos: 14Simão, a quem chamou Pedro, e André, seu irmão; Tiago, João, Filipe e Bartolomeu; 15Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado o Zelote; 16Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que veio a ser o traidor. 17Descendo com eles, deteve-se num sítio plano, juntamente com numerosos discípulos e uma grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon, 18que acorrera para o ouvir e ser curada dos seus males. Os que eram atormentados por espíritos malignos ficavam curados; 19e toda a multidão procurava tocar-lhe, pois emanava dele uma força que a todos curava.

    Como outras vezes, Lucas refere que Jesus se retira para a montanha a fim de rezar, passando lá toda a noite (v. 12). Ainda que não haja uma referência explícita à relação entre a oração de Jesus e a escolha dos Doze, é possível, à luz da fé, estabelecer essa relação. O gesto que Jesus está para realizar tem uma enorme importância. Daí a necessidade de dialogar com o Pai. A escolha dos Doze inclui um chamamento: «convocou os discípulos e escolheu doze dentre eles». Vocação e missão são inseparáveis. Sem a vocação, a missão não é mais que profissão. Por outro lado, a vocação, sem a missão, seria um gesto incompleto.
    «Aos quais deu o nome de Apóstolos» (v. 13b): parece um anacronismo, pois "apóstolo" é um nome tipicamente pós-pascal. Mas é a luz da Páscoa já projectada sobre o tempo do ministério público de Jesus, como que a dizer-nos que essa luz também se projecta sobre a nossa vida e a nossa história.
    Finalmente, a relação de Jesus com a multidão é, mais uma vez caracterizada de duas maneiras: as multidões vêm para escutar Jesus e para ser curadas das suas doenças (v. 18). Em ambos os casos, trata-se, na perspectiva de Lucas, de uma "força" que dá autoridade à sua doutrina e eficácia aos seus gestos taumatúrgicos.

    Meditatio

    Paulo pede aos Colossenses que «transbordem em acção de graças» (v. 7). O verbo transbordar é característico do temperamento generoso do Apóstolo. «Transbordar de alegria, transbordar de amor, transbordar de fé» são expressões que encontramos repetidas nos seus escritos. No texto que hoje escutamos, convida os Colossenses a «transbordarem em acção de graças», a fazerem "eucaristia"... Porque transbordar em acção de graças, em amor reconhecido? Porque fomos repletos de graças.
    Escreve o Apóstolo: «Em Cristo, fomos sepultados e ressuscitados» (cf. v. 12). O mistério pascal de Cristo não é um evento individual. Cristo tomou-nos consigo: «Sepultados com Ele no Baptismo, foi também com Ele que fostes ressuscitados...vós, que estáveis mortos pelas vossas faltas... deu-vos a vida juntamente com Ele» (v. 12s.). Fomos repletos de graça por Deus. Não podemos esquecer tal facto, para vivermos naquela relação de amor reconhecido, que é absolutamente fundamental na vida espiritual.
    Como cristãos, havemos de tomar a sério a recomendação do Apóstolo, e «transbordar em acção de graças». Por vezes, detemo-nos em lamentações, porque nos damos conta dos nossos defeitos, e reconhecemos que a nossa vida espiritual não é o que devia ser. Mas a fé ensina-nos a pôr essa insatisfação em segundo lugar. A nossa primeira atitude há-de ser sempre reconhecer os dons de Deus, e agradecê-los. Assim cresceremos no amor de modo muito mais eficaz do que se nos detivermos a acentuar os nossos pobres esforços, ou nos abandonarmos a lamentações. Dar graças a Deus, como nos ensina a liturgia eucarística, é um dever que nos enche de alegria, é uma fonte de alegria perene. Por isso, Paulo dizia aos Tessalonicenses: «Sede sempre alegres. Orai sem cessar. Em tudo dai graças.» (1 Ts 5, 16-18).
    A nossa vida há-de tornar-se «uma eucaristia permanente» (Cst 5), não só por causa da nossa oblação perene, mas também por causa da nossa acção de graças contínua.

    Oratio

    Ó Jesus, hoje, quero rezar-te com as palavras de Leão Dehon, inspiradas nas de Maria: A minha alma glorifica-Te por todos os teus
    benefícios: pela tua vinda na incarnação, pelos teus ensinamentos luminosos, pela efusão do teu sangue, pela instituição da Eucaristia, pelo dom do teu coração, sobretudo, e pelas graças pessoais com que me cumulas todos os dias. Amen. (OSP 4, p 22-23)

    Contemplatio

    Maria entoa o cântico de acção de graças e o seu cântico ficará como a expressão de acção de graças de todos os filhos de Deus. Como dizer o enlevo do seu Coração? Ela atribui tudo à glória de Deus, esquecendo-se de si mesma. É o sentido de todo o seu cântico. Foi Deus quem fez nela grandes coisas. É a obra da sua misericórdia. Veio no poder do seu braço para humilhar os soberbos e para levantar os pequenos. Veio despojar os que se agarravam aos bens da terra e enriquecer com os seus dons os que estavam em necessidade. - Veio cumprir as promessas feitas aos patriarcas. Em todo este mistério da Visitação transbordam a caridade do Coração de Jesus que derrama as suas graças sobre aqueles que visita, e o humilde reconhecimento do coração de Maria, que nos ensina a dizer a Deus toda a nossa gratidão atribuindo-lhe fielmente todo o bem que opera em nós, seus pobres servidores bem humildes e bem pequenos. O Magnificat servir-nos-á de cântico de acção de graças para agradecermos ao Sagrado Coração de Jesus as suas visitas e a sua permanência em nós pela Eucaristia e pela graça. (Leão Dehon, OSP 4, p. 22).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «A minha alma glorifica o Senhor» (Lc 1, 46).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Quarta-feira

    13 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Colossenses 3, 1-11

    Irmãos: já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. 2Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra. 3Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. 4Quando Cristo, a vossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com Ele em glória. 5Crucificai os vossos membros no que toca à prática de coisas da terra: fornicação, impureza, paixão, mau desejo e a ganância, que é uma idolatria. 6Estas coisas provocam a ira de Deus sobre os que lhe resistem. 7Entre eles também vós caminhastes outrora, quando vivíeis nessas coisas. 8Mas agora rejeitai também vós tudo isso: ira, raiva, maldade, injúria, palavras grosseiras saídas da vossa boca. 9Não mintais uns aos outros, já que vos despistes do homem velho, com as suas acções, 10e vos revestistes do homem novo, aquele que, para chegar ao conhecimento, não cessa de ser renovado à imagem do seu Criador. 11Aí não há grego nem judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo, que é tudo e está em todos.

    Depois da tese do morrer e ressuscitar com Cristo, Paulo passa para o campo da moral cristã, que daí decorre. É curioso notar que o Apóstolo não apresenta um código moral muito diferente do que havia de melhor na cultura helenista. A lista dos vícios e das virtudes é semelhante à dos estóicos. Mas há uma diferença fundamental: a dimensão cristológica. O crente forma uma realidade nova em Cristo, participa das vicissitudes de Cristo e, portanto, reveste-se do homem novo, «que não cessa de ser renovado à imagem do seu Criador» (cf. v. 10). A transformação interior exige uma transformação exterior. A novidade de vida indica o «homem novo», em construção.
    A renovação pessoal de cada homem leva à renovação da realidade social. Por isso é que, em Cristo, não existem as habituais discriminações de sexo, de raça, de família, «mas Cristo, que é tudo e está em todos» (v. 11). A transformação interior de cada homem leva à transformação das relações sociais.

    Evangelho: Lucas 6, 20-26

    Naquele tempo, Jesus 20erguendo os olhos para os discípulos, pôs-se a dizer:«Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. 21Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados. Felizes vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. 22Felizes sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem. 23Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu. Era precisamente assim que os pais deles tratavam os profetas». 24«Mas ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação! 25Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter fome! Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! 26 Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas».

    Lucas reduz as bem-aventuranças a quatro, acrescentando os quatro «ai de vós». Segundo os exegetas, o texto de Lucas seria mais próximo da verdade histórica das palavras de Jesus, o que lhe daria especial relevo. Mas convém recordar que as mediações dos vários evangelistas, ao referirem os ensinamentos de Jesus, não atraiçoam a verdade da mensagem. Pelo contrário, focalizam-no e relêem-na para bem das suas comunidades.
    Tanto as oito bem-aventuranças de Mateus, como as quatro de Lucas, podem reduzir-se a uma só: a bem-aventurança de quem acolhe a palavra de Deus na pregação de Jesus e procura adequar a vida a essa palavra. O verdadeiro discípulo de Jesus é, ao mesmo tempo, pobre, manso, misericordioso, fazedor de paz, puro de coração, etc. Pelo contrário, quem não acolhe a novidade do Evangelho merece todas as ameaças que, na boca de Jesus, correspondem a profecias de tristeza e de infelicidade. O texto de Lucas caracteriza-se pela contraposição ente o «já» e o «ainda não», entre o presente histórico e o futuro escatológico. Obviamente a comunidade para a qual Lucas escrevia precisava de ser alertada para a necessidade de traduzir a sua fé em gestos de caridade evangélica, mas também para a de manter viva a esperança, pela total adesão à doutrina, ainda que radical, das bem-aventuranças evangélicas.

    Meditatio

    Depois de nos ter convidado a dar abundantes graças a Deus pelos seus dons, - «transbordem em acção de graças» (Cl 6, 7) -, Paulo retira algumas conclusões para a nossa vida de cristãos: «Já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto... Aspirai às coisas do alto» (cf. vv. 1-2). Há, pois, que pensar na felicidade que Deus nos promete no céu. Essa esperança enche-nos de ânimo para vivermos a nossa fé no meio de tantas tribulações. Mas não nos pode fazer esquecer os compromissos terrenos. «As coisas do alto» não são apenas a felicidade futura no paraíso. São, sobretudo, as coisas espirituais de agora, aquilo a que Paulo chama «o fruto do Espírito»: «amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, auto-domínio» (Gl 5, 22s.). Para o cristão, a vida eterna já começou. A vida com Cristo ressuscitado começa na terra, quando recebemos o baptismo. É por isso que Paulo exorta os Colossenses: «Já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto», procurai, na vida concreta, os verdadeiros valores. Não o dinheiro, o poder, o prazer... Buscai o progresso na comunhão entre todos, o progresso no amor. Procurai a paz. A mansidão vence a violência.
    Cada dia havemos de morrer e ressuscitar, viver o mistério pascal com Cristo. Uma parte de nós tem de permanecer na morte, enquanto outra deve desenvolver-se: «Crucificai os vossos membros no que toca à prática de coisas da terra» (v. 5). Entre estas coisas, Paulo refere, em primeiro lugar, a imoralidade na vida sexual. Depois aponta os vícios relacionados com a busca do dinheiro. Finalmente refere tudo o que atenta contra a comunhão fraterna: «contendas, ciúmes, fúrias, ambições, discórdias, partidarismos, invejas» (Gl 5, 20s.). «Não mintais uns aos outros», recomenda (v. 9), porque sois membros do Corpo de Cristo e «vos despistes do homem velho, com as suas acções, e vos revestistes do homem novo, aquele que... não cessa de ser renovado à imagem do seu Criador» (v. 9s.).
    O cristão não foge do mundo, mas procura transformá-lo positivamente, inserindo nele os valores verdadeiros. Pode fazê-lo, graças &agrav
    e; força extraordinária que se desprende a ressurreição de Cristo. Paulo não encontra expressões suficientemente fortes para dizer esta força, esta potência divina de que dispomos. Cristo põe-na à nossa disposição, para que possamos vencer o mal e a morte, para que possamos renovar o mundo no amor. O Senhor só nos pede aquilo que Ele próprio nos capacita a fazer. Estejamos sempre abertos para acolher esta força transformadora, recreadora.

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que a renovação do mundo começa em mim, porque só pessoas novas podem contribuir para fazer o homem novo, num mundo novo. Transforma-me, Senhor! Transforma o meu coração! Afasta dele os «maus desejos». Faz-me mergulhar no teu mistério pascal, para dele retirar o poder superior do teu Espírito. Tudo isto é óbvio, eu sei. Mas também sei que tantas vezes tenho andado esquecido destas simples convicções, e, comigo, tantos meus irmãos. Salva-nos, Senhor, da cegueira. Ajuda-nos a mergulhar no teu mistério de morte e de vida, para que possamos mudar algo em nós e à nossa volta, algo que possa "habitar" Contigo, onde Te encontras, sentado à direita do Pai. Amen.

    Contemplatio

    A vida espiritual é enxertada em nós pelo baptismo. Todo o nosso ser é informado pela graça. Como a nossa alma informa e vivifica o nosso corpo, assim a graça informa e vivifica todo o nosso ser. É uma vida nova, um fermento que muda toda a massa (1 Cor 5,7); é uma seiva nova: o cristão é enxertado, incorporado em Cristo, como o ramo que não pode viver nem frutificar senão se estiver unido ao cepo (Jo 15, 1). O ramo dá frutos de santidade se a sua raiz for santa (cf. Rm 11,16). Todos nós recebemos da plenitude de Jesus, na vida cristã: é nele que somos cumulados (Jo 1,16). É o seu divino Coração que é a fonte de toda a vida espiritual. A forma desta vida é a graça. Os seus alimentos são tudo o que nos vem de Jesus e tudo o que nos traz a graça de Jesus: o estudo e a contemplação de Jesus, a fé em Jesus, a palavra de Jesus, a união com o Coração de Jesus e a sua Eucaristia. O Sagrado Coração de Jesus é o abismo das graças divinas. Sob os seus diversos aspectos, Jesus é o pão da vida, o pão vivo descido do céu e que dá a vida ao mundo (Jo 6). Nós vivemos por Jesus como Ele mesmo vive pelo seu Pai (Jo 6, 58). Quanto mais nos alimentamos de Jesus, mais a graça santificante ou a vida de Jesus se torna abundante em nós (Jo 10, 10). Praticamente, portanto, vivemos de Jesus, da sua recordação, da sua palavra, da sua eucaristia. «Quer comais, quer bebais, quer vigieis, quer repouseis, fazei tudo no nome de Jesus, vivei sempre com Jesus» (1Tes). «Segue-me - Vinde comigo». - Sigamos Jesus, vamos atrás dele, contemplando-o, imitando-o, inspirando-nos sem cessar nos sentimentos do seu Coração: «Tende em vós os mesmos sentimentos que estavam em Cristo Jesus» (Fl 2,5). - Se o procurarmos, se o servirmos, se o amarmos, não será insensível. Virá mais intimamente a nós, em nós fará a sua morada e tomará tudo nas suas mãos. Viverá em nós (Gl 2, 20). (Leão Dehon, OSP 4, pp. 182s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto» (Cl 3, 1).

  • Exaltação da Santa Cruz

    Exaltação da Santa Cruz


    14 de Setembro, 2023

    Foi na Cruz que Jesus consumou a sua oblação de amor para glória e alegria de Deus e nossa salvação. É, pois, justo que veneremos o sinal e o instrumento da Redenção.

    Esta festa nasceu em Jerusalém e difundiu-se por todo o Médio Oriente, onde ainda hoje é celebrada, em paralelo com a Páscoa. A 13 de Setembro foi consagrada a Basílica da Ressurreição, em Jerusalém mandada construir por Santa Helena e Constantino. No dia seguinte, foi explicado ao povo o significado profundo da igreja, mostrando-lhe o que restava da Cruz do Salvador. No século VI esta festa em honra da Santa Cruz já era conhecida em Roma. Em meados do século VII, começou a ser celebrada no dia 14 de Setembro, quando se expunham à veneração dos fiéis as relíquias da Santa Cruz.

    Lectio

    Primeira leitura: Números 21, 4b-9

    Naqueles dias, o povo de Israel impacientou e falou contra Deus e contra Moisés: «Porque nos fizestes sair do Egipto? Foi para morrer no deserto, onde não há pão nem água, estando enjoados com este pão levíssimo?» 6Mas o Senhor enviou contra o povo serpentes ardentes, que mordiam o povo, e por isso morreu muita gente de Israel. 7O povo foi ter com Moisés e disse-lhe: «Pecámos ao protestarmos contra o Senhor e contra ti. Intercede junto do Senhor para que afaste de nós as serpentes.» E Moisés intercedeu pelo povo. 😯 Senhor disse a Moisés: «Faz para ti uma serpente abrasadora e coloca-a num poste. Sucederá que todo aquele que tiver sido mordido, se olhar para ela, ficará vivo.» 9Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e fixou-a sobre um poste. Quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, vivia.

    Nos capítulos 20-21 dos Números são narradas as últimas peripécias dos hebreus no deserto, antes da entrada na terra prometida. O povo murmura porque não tem o que deseja; revolta-se, não suporta o cansaço do caminho (v. 2) por causa da fome e da sede (v. 5). Já não é capaz de reconhecer o poder de Deus, já não tem fé no Senhor que agora vê como Aquele que lhe envenena a vida. Deus manifesta o seu juízo de castigo em relação ao povo, mandando serpentes venenosas (v. 6). Na experiência da morte, os hebreus reconhecem o pecado cometido contra Deus e pedem perdão. E, tal como a mordedura da serpente era letal, assim, agora, a imagem de bronze erguida sobre um poste torna-se motivo de salvação física para quem for mordido.
    S. João reconhece na serpente de bronze erguida no deserto por Moisés a prefiguração profética da elevação do Filho do homem crucificado.

    Evangelho: João 3, 13-17

    Naquele tempo, Jesus disse a Nicodemos: 3Ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem. 14Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, 15a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna. 16Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. 17De facto, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.

    O texto do evangelho faz parte do longo discurso com que Jesus responde a Nicodemos, apontando a necessidade da fé para obter a vida eterna e fugir ao juízo de condenação. Jesus, o Filho do homem (v. 13), provém do seio do Pai; é aquele que «desceu do Céu» (v. 13), o único que viu a Deus e pode comunicar o seu projeto de amor, que se realiza na oblação do Filho unigénito. Jesus compara-se à serpente de bronze (cf. Nm 21, 4-9), afirmando que a plena realização do que aconteceu no deserto irá verificar-se quando Ele for elevado na cruz (v. 14) para salvação do mundo (v. 17). Quem olhar para Ele com fé, isto é, quem acreditar que Cristo crucificado é o Filho de Deus, o salvador, terá a vida eterna. Acolhendo n´Ele o dom de amor do Pai, o homem passa da morte do pecado à vida eterna. No horizonte deste texto, transparece o cântico do "Servo de Javé" (cf. Is 52, 13ss.), onde encontramos juntos os verbos "elevar" e "glorificar". Compreende-se, portanto, que S. João quer apresentar a cruz, ponto supremo de ignomínia, como vértice da glória.

    Meditatio

    Jesus veio dar cumprimento à história do povo hebreu e à nossa história. Verificamo-lo todas as vezes que lemos a palavra de Deus. De facto, como Ele mesmo afirma, não veio abolir, mas dar pleno cumprimento à Lei. Jesus é Aquele que desceu do céu, Aquele que conhece o Pai, e que está em íntima união com Ele: "Eu e o Pai somos Um" (Jo 10, 30). Jesus é enviado pelo Pai para revelar o mistério da salvação, o mistério de amor que se há-de realizar com a sua morte na cruz. Jesus crucificado é a suprema manifestação da glória de Deus. Por isso, a cruz torna-se símbolo de vitória, de dom, de salvação, de amor. Tudo o que podemos entender com a palavra "cruz" - o sofrimento, a injustiça, a perseguição, a morte - é incompreensível se for olhado apenas com olhos humanos. Mas, aos olhos da fé e do amor, tudo aparece como meio de conformidade com Aquele que nos amou por primeiro. Então, o sofrimento não é vivido como fim em si mesmo, mas como participação no mistério de Deus, caminho que leva à salvação.
    Só se acreditamos em Cristo crucificado, isto é, se nos dispomos a acolher o mistério de Deus que incarna e dá a vida por todos; só se nos pomos diante da vida com humildade, livres para nos deixar amar e, por nossa vez, tornar-nos dom de amor aos irmãos, saberemos receber a salvação: participaremos na vida divina de amor. Celebrar a festa da Exaltação da Santa Cruz significa tomar consciência do amor de Deus Pai, que não hesitou em enviar-nos o seu Filho, Jesus Cristo: esse Filho que, despojado do seu esplendor divino, se tornou semelhante aos homens, deu a vida na cruz por cada um dos seres humanos, crente ou não crente (cf. Fil, 2, 6-11). A Cruz torna-se o espelho em que, refletindo a nossa imagem, podemos reencontrar o verdadeiro significado da vida, as portas da esperança, o lugar da renovada comunhão com Deus.
    Como dizem as nossas Constituições, "Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja" (n. 3).
    O Pe. Dehon adere, com toda a sua vida, ao "amor de Cristo que aceita a morte" e é trespassado na Cruz. Ele experimenta esse amor, não tanto intelectualmente, mas sobretudo com o coração, e manifesta-o e derrama-o nos irmãos, com a sua bondade. Todos o chamam o "Très bon Père".
    Ao contemplar o amor de Cristo que dá "a vida pelos homens" até morrer pela sua "salvação", em "obediência filial ao Pai", na cruz, o Pe. Dehon aprende que o único verdadeiro amor é o amor oblativo. O "Coração de Cristo, aberto na cruz" é a própria fonte do amor oblativo. E a oblação de amor, entendida como imolação, é, para o Pe. Dehon, "a própria fonte da salvação"(Cst 3), é a força do nosso apostolado (cf. Cst 5), é a alma da nossa santidade "para Glória e Alegria de Deus" (Cst 25; cf. Cst 35-39).
    "Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito" (Cst 3). Este nascimento, preanunciado a Nicodemos (cf. Jo 3, 3.5), realizou-se na transfixão do Lado, onde a água que brota de Cristo é sinal do dom do Espírito, do Batismo, do nascimento da Igreja e, na Igreja, de cada um de nós.

    Oratio

    Divino Coração de Jesus, Tu amaste e quiseste a cruz, como nos mostras nas chamas do teu amor; não tinhas modo mais forte de nos dizer que devemos amá-la. Abraço a tua cruz. Quero carregá-la hoje e todos os dias, praticando a regra, obedecendo, trabalhando e suportando as provações que vierem. (Pe. Dehon, OSP 4, p. 254)

    Contemplatio

    Esta festa mostra-nos o valor do sinal da cruz. É o sinal da salvação... A cruz fala a Deus, apresenta-lhe tudo o que Nosso Senhor sofreu por nós. Mas a cruz é também símbolo da penitência, da reparação, do sacrifício. A cruz coroou a vida de Nosso Senhor, que foi totalmente passada na humildade, no desapego, no desprezo pelos prazeres terrestres, e na expiação dos nossos pecados. A cruz fala às nossas almas, como um sinal sagrado, como um estandarte eloquente. Ela tornou-se o sinal do cristão. Ela indica o carácter da nossa vida. Somos cruzados, somos marcados pela luta e pelo sacrifício. Uma obra não é verdadeiramente cristã se não for marcada pela cruz. As nossas ações serão santas se tiverem esse sinal, se forem feitas em espírito de humildade, de penitência, de reparação. As nossas iniciativas serão abençoadas por Deus se forem marcadas pela cruz e, sendo preciso, será o próprio Deus a marcá-las com alguma provação, sobretudo se se tratar de uma obra importante. (Leão Dehon, OSP 4, p. 254).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Quem acreditar em Jesus elevado na cruz,
    terá a vida eterna» (cf. Jo 3, 15)

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    Exaltação da Santa Cruz (14 Setembro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Quinta-feira

    14 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Colossenses 3, 12-17

    Irmãos: como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, 13suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também. 14E, acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição. 15Reine nos vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados num só corpo. E sede agradecidos. 16A palavra de Cristo habite em vós com toda a sua riqueza: ensinai-vos e admoestai-vos uns aos outros com toda a sabedoria; cantai a Deus, nos vossos corações, o vosso reconhecimento, com salmos, hinos e cânticos inspirados. 17E tudo quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando graças por Ele a Deus Pai.

    Depois de enumerar um conjunto de vícios do «homem velho», Paulo aponta uma série de virtudes positivas, que caracterizam o «homem novo». Trata-se de virtudes "sociais", variantes da única virtude, que é a caridade, a única que unifica e mantém bem compaginado o corpo de Cristo. Os cristãos reproduzem os exemplos de Cristo. Assim, o corpo de Cristo, formado pelos cristãos, pode viver em paz.
    O corpo de Cristo manifesta-se, sobretudo, nas assembleias litúrgicas, onde circula com abundância a Palavra de Cristo, a que fará eco a palavra dos fiéis, fruto da sua experiência de fé, num clima de alegria, de reconhecimento, de gratidão. Paulo tem diante dos olhos as fervorosas celebrações litúrgicas das comunidades cristãs do seu tempo, onde os salmos, hinos e cânticos espirituais se fundiam, sob o influxo dos carismas, e onde a palavra de ensinamento e de admoestação era importante elemento de edificação.
    Cristo é o ambiente vital onde se desenrola a existência do cristão. Guiado pela sua Palavra e pelo seu exemplo, animado pelo Espírito, o cristão faz parte do seu corpo, e actua em seu nome: «fazei tudo em nome do Senhor Jesus» (v. 11). Deste modo, a vida do cristão é permanente acção de graças a Deus pelas espantosas perspectivas que a morte e a ressurreição do Senhor trouxeram ao mundo.

    Evangelho: Lucas 6, 27-38

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: 27«Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, 28abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam. 29A quem te bater numa das faces, oferece-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, não impeças de levar também a túnica. 30Dá a todo aquele que te pede e, a quem se apoderar do que é teu, não lho reclames. 31O que quiserdes que os outros vos façam, fazei-lho vós também. 32Se amais os que vos amam, que agradecimento mereceis? Os pecadores também amam aqueles que os amam. 33Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. 34E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem outro tanto. 35Vós, porém, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca. Então, a vossa recompensa será grande e sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom até para os ingratos e os maus. 36Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso.» 37«Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. 38Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.»

    Esta página evangélica é uma verdadeira ressonância das bem-aventuranças, ajudando-nos mesmo a descobrir o seu fundamento.
    «Amai os vossos inimigos» (vv. 27.35): o discurso não podia ser mais claro. Jesus, como mestre e guia, distancia-se de todos os rabis do seu tempo: não só contrapõe o amor ao ódio, mas exige que o amor dos seus discípulos se concentre exactamente sobre aqueles que os odeiam. Jamais um mestre usara propor um ideal de vida tão exigente e sublime. Não se trata de um amor abstracto, mas de um amor que se concretiza, dia a dia, em inúmeros pequenos gestos, que são a prova da sua autenticidade. Seria ridículo, sob o ponto de vista de Jesus, amar só aqueles que nos amam: não teríamos qualquer mérito e, sobretudo, o nosso amor não seria sinal da nossa exclusiva e inequívoca pertença a Cristo: «Os pecadores também amam aqueles que os amam» (v. 32).
    O ensinamento de Jesus termina com a famosa expressão em que Lucas escreve "misericórdia" onde Mateus escreve "perfeição": «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (v. 36). Segundo a lógica da espiritualidade evangélica, não há perfeição senão a do amor fraterno que revela a nossa identidade filial em relação a Deus; não há outra meta a perseguir, senão a de um amor que sabe perdoar porque experimentou o perdão; não há outro mandamento a observar, senão o de tender à imitação de Deus, que é amor misericordioso, por meio de gestos de bondade e de misericórdia.

    Meditatio

    O homem novo, revestido de caridade, é livre para amar a todos, incluindo os próprios inimigos, torna-se um construtor de paz e de fraternidade. O homem novo tem em si os mesmos sentimentos que estavam em Cristo Jesus. Por isso, é um homem cheio de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, capaz de suportar, isto é, de servir de suporte, de apoio para todos (cf. vv. 12-14). É um homem generoso. Não busca o seu interesse, vence todas as dificuldades, toda a malquerença, todo o ódio. Paulo, e o próprio Jesus, dizem-nos que essa generosidade tem a sua fonte no coração de Deus, é participação na misericórdia de Deus, é deixar que Deus revele em nós a sua misericórdia: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36); «Como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia» (v. 12). O fundamento da nossa caridade deve ser exactamente a consciência de termos sido eleitos por Deus, amados por Deus; se assim for, a nossa caridade é verdadeira, perseverante, realmente imagem da generosidade divina. O pensamento de termos sido escolhidos por Deus, amados por Deus, deveria encher-nos de espanto: «Eu, tão indigno, tão miserável, sou amado por Deus!». Pensemos nisso com muita frequência, reflictamos demoradamente sobre tão maravilhosa verdade: «Eu sou amado, verdadeiramente amado por Deus!» Quando alguém se sente amado, só pode, por sua vez, amar generosamente, sem procurar os seus interesses, por causa da gratidão que lhe enche o coração. Paulo, no texto que hoje escutamos, reflecte sob
    re isso três vezes, em poucos versículos: «Reine nos vossos corações a paz de Cristo... E sede agradecidos» (v. 15); «admoestai-vos uns aos outros com toda a sabedoria; cantai a Deus... o vosso reconhecimento» (v. 16); «e tudo quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando graças por Ele a Deus Pai» (v. 17).
    A gratidão é o fundamento do amor verdadeiro. Deus amou-nos por primeiro. Reconheçamo-lo com comoção e espanto. E avançaremos, também nós, pelo caminho do amor e da generosidade.
    A Palavra de Deus, hoje, ajuda-nos a crescer na fundamental convicção de que somos amados por Deus. Esse amor é único: Deus ama cada um como se só ele existisse; o seu amor é um amor pessoal. É um amor preveniente, isto é, que nos ama antes de nós próprios O amarmos, antes da nossa própria existência e, portanto, antes de O podermos amar; ama-nos quando ainda somos pecadores. Portanto, o seu amor é gratuito, é oblativo.
    A alegria de ser amados é o fundamento da nossa dignidade de pessoas humanas, de filhos de Deus, é fonte da aceitação e da confiança em nós mesmos. É a libertação de toda a tristeza e medo. Faz-nos aceitar os outros com uma justa confiança neles.
    Tudo isto é muito importante para a vida em comunidade. Ela «exige que cada um acolha os outros como realmente são, com a sua personalidade e funções, com as suas iniciativas e limitações, e que se deixe pôr em questão pelos irmãos» (Cst 66).

    Oratio

    Senhor, Tu és, na verdade, o fundamento de toda a fraternidade, porque és Pai, porque nos ensinas a amar como Tu amas. Falo muito de fraternidade, de comunidade, de paz. Mas, muitas vezes, fico à espera de ocasiões extraordinárias para viver e testemunhar essas realidades. Nem sempre me dou conta de que é no dia a dia, no cumprimento dos meus deveres de comunidade, no apoio discreto aos irmãos, no morrer a mim mesmo, em tantas pequenas coisas, que posso dar a vida, construir a fraternidade. Ilumina-me, Senhor! Faz-me ver que a caridade cristã é algo de muito concreto, simples e quotidiano. Amen.

    Contemplatio

    A caridade não deve repousar sobre um motivo humano. S. Paulo chama a nossa atenção sobre este ponto: estai unidos, diz, com sentimentos e com afecto, mas segundo Jesus Cristo e em Jesus Cristo. Não vos deixeis guiar pelo interesse, pela ambição ou pela sensualidade. Procurai os mais santos para vos edificardes, os mais pobres para os socorrerdes. Os outros preceitos do Evangelho caíram dos lábios do Salvador; este, diz Santo Agostinho, saiu do seu Coração! Foi o fundo mesmo da sua vida e dos seus exemplos. Amou-nos a todos pecadores que somos, deu-nos a sua graça que ninguém pode merecer; instruiu-nos na nossa ignorância, consolou-nos nas nossas dores, procurou-nos nos nossos descaminhos, socorreu-nos nas nossas necessidades espirituais e corporais. Deu-nos tudo e deu-se a si mesmo. Eis a regra e o modelo da nossa caridade. Nosso Senhor reserva as suas preferências para os corações generosos, mesmo que tenham algumas fraquezas. Podem tornar-se seus amigos. Os que calculam, os que procuram o seu interesse podem quando muito tornar-se seus servos exactos. Terão direito à sua recompensa. Os favores de Jesus serão para os seus amigos. Jesus ama particularmente as crianças e os pobres, quer que os amemos. Testemunharemos particularmente a nossa caridade pelos homens dando-lhes a conhecer e a amar o Sagrado Coração de Jesus. Como a caridade sobrenatural é um dom celeste, peçamo-la. Peçamos a Nosso Senhor que a derrame nos nossos corações. (Leão Dehon, OSP 2, p. 202s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Em tudo quanto fizerdes,
    dai graças a Deus Pai» (cf. Cl 3, 17).

  • Nossa Senhora das Dores

    Nossa Senhora das Dores


    15 de Setembro, 2023

    A devoção a Nossa Senhora das Dores remonta aos inícios do segundo milénio, quando se desenvolveu a com-paixão para com Maria junto à cruz de Jesus, onde a Virgem vive e sente os sofrimentos do seu Filho. O primeiro formulário litúrgico desta festa surgiu em Colónia, na Alemanha, no ano de 1423. Sisto IV inseriu no Missal Romano a memória da Senhora da Piedade. A atenção à "Mãe dolorosa" desenvolve-se gradualmente sob a forma das Sete Dores, representadas nas sete espadas que Lhe trespassam o peito. Os Servos de Maria, que celebravam a memória desde 1668, favoreceram a sua extensão à igreja latina, em 1727. Pio X colocou a memória no dia 15 de Setembro.

    Lectio

    Primeira leitura: Hebreus 5, 7-9
    Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade. 8Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu 9e, tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna.

    Numa memória da Virgem Maria, a liturgia oferece-nos este texto claramente cristológico retirado de um contexto em que é sublinhada a filiação divina e a identidade sacerdotal de Cristo. Mas o Filho de Deus, que foi liberto da morte e do sofrimento, através dos quais foi tornado perfeito, é também filho de Maria. Os sofrimentos e a morte fazem parte da condição humana. Maria não foi isenta deles, apesar de mãe de Deus. Como Cristo, Maria «aprendeu a obediência». Cristo obedeceu em tudo. O seu alimento era fazer a vontade do Pai. Foi a atitude fundamental da sua vida ("Eis-me aqui!"), marcada por tantas alegrias, mas também por tantos sofrimentos. Foi também a atitude fundamental de Maria ("Eis a serva do Senhor"). A vontade de Deus levou-a até ao Calvário, solidária com Jesus: "Estava a mãe dolorosa junto da Cruz lacrimosa donde pendia o Filho".

    Evangelho: Lucas 2, 33-35

    Naquele tempo, o pai e mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que se dizia dele.34Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; 35uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações.

    Este breve texto está no centro do relato da «apresentação de Jesus ao templo», onde é levado pelos pais, conforme prescrevia a Lei para os primogénitos. A «espada», que trespassa a alma e atinge o coração, preanuncia os sofrimentos e as dores que Maria havia de passar. Mas, à luz de Hebreus 4, 12, a palavra espada também representa a Palavra de Deus, que, tanto Cristo como a sua Mãe, escutaram, e à qual prestaram total obediência, mesmo quando foi preciso enfrentar o sofrimento e a morte.

    Meditatio

    Vivemos num mundo onde a compaixão faz imensa falta. A memória que hoje celebramos ensina-nos a compaixão verdadeira e consistente. Maria sofre por Jesus, mas também sofre com Ele. Por sua vez, a paixão de Cristo é participação no sofrimento humano, é com-paixão solidário connosco.
    A carta aos hebreus faz-nos entrever os sentimentos de Jesus na sua paixão: "Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte" (v. 7). A paixão de Jesus foi impressa no coração da Mãe. O clamor e as lágrimas do Filho fizeram-na sofrer de forma atroz. Como Jesus, e talvez até mais do que Ele, desejava que a morte se afastasse, e o Filho fosse salvo. Mas, ao mesmo tempo, Maria uniu-se à piedade de Jesus, submeteu-se, como Ele, à vontade do Pai.
    Por tudo isto, a compaixão de Maria é verdadeira: carregou realmente sobre si o sofrimento do Filho e aceitou, com Ele, a vontade do Pai, numa atitude de obediência que vence o sofrimento.
    A nossa compaixão, muitas vezes, é superficial. Não temos a fé de Maria. Nem sempre vemos no sofrimento dos outros a vontade de Deus, o que está certo. Mas também não sofremos com os que sofrem.
    As leituras de hoje fazem-nos pensar no sofrimento, que continua a ser uma realidade na história individual e coletiva da humanidade, mas que, de certo modo, também existe no mundo divino. Foi, de fato, assumido por Deus na Incarnação do Filho, e partilhado pela sua Mãe, uma mulher ao mesmo tempo comum e especial. A sua experiência de sofrimento humano, pode subtrair esse mesmo sofrimento à maldição e torná-lo mediação de vida salva e serviço de amor.

    Oratio

    Ó Maria, Mãe de Deus, Rainha e Mãe dos homens, eu vos ofereço as homenagens da minha veneração e do meu amor filial. Quero viver como vosso filho dedicado, consolando-vos e obedecendo-vos em tudo. Pela vossa poderosa intercessão, fazei que todos os meus pensamentos e ações sejam conformes à vossa vontade e à do vosso divino Filho. (Leão Dehon, OSP 4, p. 338).

    Contemplatio

    Enquanto permanecestes com o vosso divino Filho, ó Rainha dos Anjos, o vosso Coração sagrado esteve à espera das dores que vos tinham sido anunciadas pelo velho Simeão: dores sem igual, porque a grandeza do vosso amor era a sua medida. A hora da Paixão chega: Jesus despede-se de vós para ir sofrer, e faz-vos compreender que, para cumprir a vontade de seu Pai, deveis acompanhá-lo ao pé da cruz, e que o vosso coração tão terno lá será trespassado pela espada da dor. S. João vem advertir-vos que o Cordeiro divino vai ser conduzido à imolação. Saís imediatamente da vossa morada, banhando com as vossas lágrimas as ruas de Jerusalém; encontrais o vosso Filho no meio de uma tropa furiosa de carrascos e de tigres, que rugem e blasfemam, pedindo a grandes gritos que o crucifiquem... Ele caminha carregado com o madeiro da cruz; vós o seguis, toda banhada com as vossas lágrimas e com o coração mergulhado numa dor imensa.
    Ele chega finalmente ao Gólgota. Com golpes de martelo enterram nos seus pés e nas suas mãos cravos que perfuram o vosso coração materno. Logo o elevam da terra no meio de blasfémias. Ó meu Deus! Todo o vosso sangue gela nas vossas veias. Durante três horas, permaneceis ao pé da cruz de Jesus, cravada pelo amor e pela dor a esta árvore sagrada, até finalmente Ele expira no meio dos mais horríveis tormentos... Depositam-no sem vida nos vossos braços. A terra nunca viu semelhante dor. (Leão Dehon, OSP 4, p. 261s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores»

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    Nossa Senhora das Dores (15  Setembro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Sexta-feira

    15 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 1, 1-2.12-14

    Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por mandato de Deus, nosso Salvador, e de Cristo Jesus, nossa esperança, 2a Timóteo, verdadeiro filho na fé: graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. 12Dou graças àquele que me confortou, Cristo Jesus Nosso Senhor, por me ter considerado digno de confiança, pondo-me ao seu serviço, 13a mim que antes fora blasfemo, perseguidor e violento. Mas alcancei misericórdia, porque agi por ignorância, sem ter fé ainda. 14E a graça de Nosso Senhor manifestou-se em mim com superabundância, juntamente com a fé e o amor que está em Cristo Jesus.

    O autor desta carta, que se apresenta como «Paulo, apóstolo de Cristo Jesus» (v. 1), sublinha, logo de início, algo de essencial na eclesiologia paulina: os mistérios provêm da vontade de Deus; a igreja não é uma associação democrática, na qual a origem do ministério seja mera delegação da comunidade naquele que o exerce. Pelo contrário, haverá sempre um facto misterioso, proveniente de Deus, que é a última razão da responsabilidade eclesial.
    A carta é dirigida a Timóteo, responsável pela comunidade de Éfeso, ao qual o autor da carta dá conselhos e orientações de carácter pastoral. Está particularmente preocupado com as falsas doutrinas que ameaçam a comunidade. Segundo o livro dos Actos, Timóteo foi encontrado por Paulo, em Listra (16, 1-6), acompanhando-o durante cerca de quinze anos, como discípulo e colaborador. É um dos mais importantes "episcopoi" da geração seguinte à dos Apóstolos, e teve de enfrentar os problemas relativos à estabilidade da igreja e à defesa da tradição recebida.
    Nesta carta, Paulo, recordando a sua experiência de fé, reafirma que tudo vem de Cristo, que tudo é dom, que tudo é graça. O seu próprio ministério (diakonia) é graça. Pode falar de salvação e misericórdia, porque as experimentou pessoalmente.

    Evangelho: Lucas 6, 39-42

    Naquele tempo, Jesus disse lhes ainda esta parábola: 39«Um cego pode guiar outro cego? Não cairão os dois nalguma cova? 40Não está o discípulo acima do mestre, mas o discípulo bem formado será como o mestre. 41Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista? 42Como podes dizer ao teu irmão: 'Irmão, deixa-me tirar o argueiro da tua vista', tu que não vês a trave que está na tua? Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás para tirar o argueiro da vista do teu irmão.»

    O argueiro e a trave: podia ser este o título da página evangélica de hoje. Jesus trata desse tema e procura alertar para o perigo da presunção de que pecavam os fariseus. A parábola não precisa de grandes explicações, pois desmascara uma possível atitude interior de quem deve exercer o ministério de guia dos seus irmãos. Em contraluz, emerge um forte convite de Jesus à humildade. O verdadeiro guia não julga os irmãos, mas submete-se à correcção fraterna.
    Do discurso em parábolas, Jesus passa ao discurso prepositivo: «Não está o discípulo acima do mestre» e ao discurso provocatório: «Por que reparas no argueiro ... Como podes dizer ao teu irmão... Hipó¬crita!» (vv. 41 ss.). Jesus quer suscitar atitudes de vida comunitária naqueles a quem confia o Evangelho, isto é, a sua proposta de vida nova. A verdadeira espiritualidade cristã verifica-se na prática dos mandamentos e, mais ainda, na adesão total à novidade evangélica. Jesus convida os ouvintes a assumirem as suas responsabilidades, e a não caírem nas ratoeiras em que estavam presos os fariseus.

    Meditatio

    Paulo tem consciência de ser um "agraciado" de Deus, um que foi arrancado à força do caminho da perdição, um que foi salvo por misericórdia de Deus. A sua vida deu uma grande volta, não pelos seus méritos, mas pelos méritos de Cristo. Por isso, não tem ilusões, não se julga melhor que os outros.
    A consciência de que todos fomos salvos por puro amor misericordioso de Deus, não nos permite armar-nos em guias dos outros, ou em pretensos "oftalmologistas" sempre prontos a reparar no argueiro que está na vista dos outros, e a querer retirá-lo. A consciência de que todos fomos gratuitamente salvos por Deus, ajuda-nos a viver como irmãos, a viver animados por recta intenção, a procurar sinceramente a vontade do Senhor. Se assim não, seremos cegos a guiar outros cegos, caindo todos na mesma cova. O nosso guia é, unicamente, Aquele que amorosa e gratuitamente nos salvou. É nele, é na sua palavra que havemos de procurar luz, e não nas nossas limitadas opiniões humanas. É à volta dele que havemos de nos reunir. E, então, «Ele estará no meio de nós» (cf. Mt 18, 20).
    Mas Jesus avisa-nos sobre outro perigo muito comum, que é a tendência para criticarmos os outros, sem nos darmos conta dos nossos próprios defeitos: «Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não reparas na trave que está na tua própria vista?» (v. 41). Na verdade, com frequência, temos o costume de criticar os outros, de ver o que neles não está bem, de ver o mal que há no mundo. É mais raro pôr-nos a considerar os nossos defeitos, pensando que, com eles, nos tornamos pesados para os outros, tornamos difícil o seu caminho e que, a primeira coisa que deveríamos fazer, era olhar para nós mesmos.
    Mas, se de facto, olharmos para os nossos próprios defeitos, procurando corrigi-los, então, poderemos ajudar os outros. Hão-de compreender que há em nós um coração realmente fraterno, cheio de verdadeiro amor, e não de orgulho ou de ressentimento.
    Também neste capítulo, é útil o conselho do bom Papa João XXIII: «Ver tudo, calar muito, corrigir pouco» e, antes de corrigir, rezar. Peçamos, sobretudo, um coração semelhante ao do Senhor, um coração manso e humilde, um coração movido pelo amor.

    Oratio

    Senhor, compadece-te deste cego que gostaria de ser guia de outros cegos, deixando-se orientar pelos seus critérios pessoais de avaliação. Dá-me a convicção de que não sou melhor que os outros pelo facto de frequentar mais assiduamente a tua Palavra, ou porque rezo mais vezes ao dia. Infunde no meu coração a firme convicção de que tudo é graça, de que tudo é fruto da tua misericórdia, de que sozinho não posso fazer, de que nada posso orgulhar-me, que não sei o que realmente se passa no coração dos outros. Cura a minha cegueira, Senhor, e sacode o meu torpor de tranquilo consumidor da tua amizade.
    Amen.

    Contemplatio

    S. Pedro (1Pd) compraz-se em explicar-nos: «Nós não fomos /626resgatados da escravatura do pecado pelo preço do ouro nem da prata, mas pelo sangue precioso do Cordeiro imaculado predestinado desde o começo e manifestado nestes últimos tempos para a nossa salvação, se formos fiéis na obediência amorosa para com Deus, na caridade pelo próximo». A nossa alma era como as filhas de Sião cativas, e desoladas sobre as margens do Eufrates em Babilónia. «Levanta-te, Sião, canta Isaías, alegra-te Jerusalém, solta os laços do teu pescoço, filha de Sião, porque o Salvador te resgata gratuitamente» (Is 52). Cantai a vossa gratidão, diz-nos David (Sl 102), porque a misericórdia divina vem até nós com a abundância dos seus dons que não podemos comparar senão à altura do céu acima da terra. Sim, digamos o nosso reconhecimento ao coração eucarístico de Jesus, que deu todo o seu sangue para nos resgatar. (Leão Dehon, OSP 3, pp. 625s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a Palavra:
    «A graça de Nosso Senhor manifestou-se em mim com superabundância» (1 Tm 1, 14).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIII Semana - Sábado

    16 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 1, 15-17

    Caríssimo, eis uma palavra digna de fé e de toda a aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro. 16E justamente por isso alcancei misericórdia, para que, em mim primeiramente, Cristo Jesus mostrasse toda a sua magnanimidade, como exemplo para aqueles que haviam de crer nele para a vida eterna. 17Ao rei dos séculos, ao Deus incorruptível, invisível e único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Ámen.

    Paulo dá testemunho da sua experiência pessoal de salvação, obra da misericórdia divina. A partir dela, anuncia a salvação do pecado. As suas palavras são vivas e envolventes. Fala do que experimentou, de acontecimentos que o chocaram profundamente, que o transformaram. E termina com palavras de louvor a Deus pelo amor e pela misericórdia para com ele. A teologia há-de terminar sempre em doxologia, em louvor, em espanto e admiração. Longe do moralismo, a teologia leva à contemplação reconhecida e exultante das acções maravilhosas de Deus, sempre orientadas para a misericórdia e para a salvação dos pecadores, nos quais Paulo se inclui, e cada um de nós se pode rever também.

    Evangelho: Lucas 6, 43-49

    Naquele tempo, disse Jesus aos discípulos: 43«Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto. 44Cada árvore conhece-se pelo seu fruto; não se colhem figos dos espinhos, nem uvas dos abrolhos. 45O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o que é bom; e o mau, do mau tesouro tira o que é mau; pois a boca fala da abundância do coração.» 46«Porque me chamais 'Senhor, Senhor', e não fazeis o que Eu digo? 47Vou mostrar-vos a quem é semelhante todo aquele que vem ter comigo, escuta as minhas palavras e as põe em prática. 48É semelhante a um homem que edificou uma casa: cavou, aprofundou e assentou os alicerces sobre a rocha. Sobreveio uma inundação, a torrente arremessou-se com violência contra aquela casa mas não a abalou, por ter sido bem edificada. 49Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a terra, sem alicerces. A torrente arremessou-se contra ela, e a casa imediatamente se desmoronou. E foi grande a sua ruína!»

    Estes versículos podem ser considerados variações sobre o tema das bem-aventuranças. Nota-se isso no contraste entre a «árvore boa» e a «árvore má» (v. 43), tal como no da casa construída sobre a rocha e a casa construída sobre a areia (vv. 48s.)
    Para Jesus, toda a pessoa é comparável a uma árvore, seja porque pode dar «bons frutos», seja porque não se lhe podem exigir bons frutos se for «má». As palavras de Jesus orientam-se do interior para o exterior (do coração para os actos), mas também do exterior para o interior (dos actos para o coração).
    Palavras como estas devem ter feito tremer os discípulos e os outros ouvintes. Jesus sabe o que há no coração dos homens e fala com um conhecimento muito próprio. Diante d´Ele, todos se sentem como cadernos abertos. Para Jesus há, pois, um «tesouro bom» e um «tesouro mau» (v. 45): em ambos os casos se trata do coração da pessoa humana, fonte dos seus pensamentos e nascente das suas acções.
    Para concluir, observemos como Jesus exige que a profissão de fé: 'Senhor, Senhor!' (v. 46) exija concretos actos de obediência. Mas o acto de obediência também deve ser inspirado pelo dom recebido, a fé.

    Meditatio

    Na primeira leitura, Paulo declara-se pecador, e afirma que Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores: «Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro» (v. 15). No evangelho, Jesus exige que sejamos bons como a árvore boa, que dá bons frutos, que sejamos homens sábios, como o homem prudente que constrói a sua casa sobre a rocha, escutando a sua palavra e pondo-a em prática, apoiando nela a nossa vida. Haverá contradição entre as duas leituras? Não! Quando o Senhor salva um pecador, torna-o capaz de praticar o bem. O segredo não está em nós, no nosso esforço, na nossa bondade, mas na fé. É o que afirma Paulo: «É justamente por isso alcancei misericórdia, para que, em mim primeiramente, Cristo Jesus mostrasse toda a sua magnanimidade, como exemplo para aqueles que haviam de crer nele para a vida eterna» (v. 16). Acreditar em Jesus é condição imprescindível para a salvação. Só apoiando-nos nele, com uma fé cada vez mais profunda, podemos ser bons e fazer o bem. A fé vem da escuta e do acolhimento da Palavra: «Aquele que vem ter comigo, escuta as minhas palavras e as põe em prática... é semelhante a um homem que edificou uma casa: cavou, aprofundou e assentou os alicerces sobre a rocha» (v. 47). É nas palavras do Senhor que encontramos a nossa luz e a nossa força. Somos pecadores, é certo. Mas o Senhor atrai-nos com as suas palavras e transforma-nos. Torna-nos capazes de O amarmos e de nos amarmos uns aos outros.
    «Quem ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha...» (Mt 7, 24). "Rocha", "Rochedo" são as imagens típicas de Deus, que exprimem solidez, segurança e, portanto, fé, adesão completa: «Deus é a rocha da minha defesa...» (Sl 62(61), 3): «Vós sois, meu Deus, a rocha da minha salvação...» (Sl 89(88), 27). É como dizer: o Senhor é o meu "amem", a minha segurança, a minha salvação. É assim que Cristo é chamado no Apocalipse: «Assim diz o Amem, a Testemunha fiel...» (3, 14) e S. Paulo: «Por meio de Jesus Cristo sobe até Deus o nosso Amem» (2 Cor 1, 20).
    Jesus afirma: «A minha mãe e os meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 8, 21); «Quem escuta a minha palavra e acredita n´Aquele que Me enviou, tem a vida eterna...» (Jo 5, 24); «Quem é da verdade, escuta a minha palavra» (Jo 18, 35).
    Nestas expressões, e noutras semelhantes, o termo "palavra" é usado no singular (logos) ou no plural (remata). Segundo S. João, Jesus é a Palavra ou «Verbo (logos) feito carne» (Jo 1, 14) e o autor da Carta aos Hebreus, depois de ter recordado as palavras dos profetas, afirma: «Deus... nestes últimos tempos, falou-nos, por meio do Filho»..., que é «resplendor da... glória (do Pai)... imagem da sua substância e sustendo todas as coisas pela Sua Palavra poderosa... (1, 1-3). Escutar a Palavra é escutar Jesus. Fundar a própria vida sobre a Palavra é fundá-lo sobre Jesus.

    Oratio

    Senhor, Tu sabes que eu não sou bom. Mas Tu és bom e as minhas acções podem tornar-s
    e boas quando feitas em Ti e por Ti. As minhas obras boas vêm de Ti, são tuas, são frutos do teu Espírito em mim; os meus bons sentimentos são teus, são sinal do teu Coração no meu coração. Obrigado, Senhor, pela tua misericórdia, pela tua graça. Obrigado porque, tudo quanto em mim é bom, o recebi de Ti. Amen.

    Contemplatio

    Margarida Maria aconselha sem cessar para fazermos a nossa morada neste divino Coração e nos unirmos a ele: «Desde o dia, diz, em que o divino Salvador, oferecendo-me o seu coração, me disse colocando-me lá: 'Eis o lugar da tua morada actual, perpétua e eterna', não me lembro de ter alguma vez saído deste amável Coração. Vejo-me e encontro-me sempre lá, de uma maneira e com sentimentos que não posso exprimir. - Meu Deus, minhas caras irmãs, que prazer ser toda para o Sagrado Coração de Jesus, fazer lá a própria morada! - Esforçai-vos por fazerdes a vossa solidão neste divino Coração. - Estabelecei lá a vossa morada e lá haveis de encontrar uma paz inalterável e a força para efectuardes todos os bons desejos que ele vos dá e para não cometerdes faltas voluntárias. Levai para aí todas as vossas penas e amarguras; ele mudará tudo em amor. - Escolhei o Coração de Jesus para vosso oratório sagrado. Entrai nele para aí fazerdes as vossas preces e as vossas orações, para que elas sejam agradáveis a Deus. Lá encontrareis com que lhe dardes o que lhe deveis. - Encontrais-vos abatidos no serviço de Deus, não vos perturbeis. Para vos satisfazer sobre este tema, nada mais tendes a fazer do que vos unirdes, em tudo o que fizerdes, ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo, no começo, para vos servir disposições, e no fim /335, satisfação. - Nada podeis fazer na oração? Contentai-vos em oferecer a de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento do altar, oferecendo os seus ardores para reparar as vossas tibiezas. - Dizei em cada uma das vossas acções: Meu Deus, quero fazer ou sofrer isto no Coração sagrado de vosso divino Filho, e segundo as suas santas intenções que vos ofereço para reparar tudo o que há de impuro e de imperfeito nas minhas. Ele suprirá a tudo o que puder faltar da vossa parte; amará a Deus por vós, e vós amá-lo-eis nele e por ele». Esta é toda a regra da vida de união. (Leão Dehon, OSP 4, p.5334).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Quem escuta as minhas palavras e as põe em prática,
    é semelhante a um homem que edificou uma casa sobre a rocha» (cf. Lc 6, 47s.).

  • 24º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    24º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    17 de Setembro, 2023

    ANO A
    24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 24º Domingo do Tempo Comum

    A Palavra de Deus que a liturgia do 24º Domingo do Tempo Comum nos propõe fala do perdão. Apresenta-nos um Deus que ama sem cálculos, sem limites e sem medida; e convida-nos a assumir uma atitude semelhante para com os irmãos que, dia a dia, caminham ao nosso lado.
    O Evangelho fala-nos de um Deus cheio de bondade e de misericórdia que derrama sobre os seus filhos - de forma total, ilimitada e absoluta - o seu perdão. Os crentes são convidados a descobrir a lógica de Deus e a deixarem que a mesma lógica de perdão e de misericórdia sem limites e sem medida marque a sua relação com os irmãos.
    A primeira leitura deixa claro que a ira e o rancor são sentimentos maus, que não convêm à felicidade e à realização do homem. Mostra como é ilógico esperar o perdão de Deus e recusar-se a perdoar ao irmão; e avisa que a nossa vida nesta terra não pode ser estragada com sentimentos, que só geram infelicidade e sofrimento.
    Na segunda leitura Paulo sugere aos cristãos de Roma que a comunidade cristã tem de ser o lugar do amor, do respeito pelo outro, da aceitação das diferenças, do perdão. Ninguém deve desprezar, julgar ou condenar os irmãos que têm perspectivas diferentes. Os seguidores de Jesus devem ter presente que há algo de fundamental que os une a todos: Jesus Cristo, o Senhor. Tudo o resto não tem grande importância.

    LEITURA I - Sir 27,33-28,9

    Leitura do Livro de Ben-Sirá

    O rancor e a ira são coisas detestáveis,
    e o pecador é mestre nelas.
    Quem se vinga sofrerá a vingança do Senhor,
    que pedirá minuciosa conta de seus pecados.
    Perdoa a ofensa do teu próximo
    e, quando o pedires, as tuas ofensas serão perdoadas.
    Um homem guarda rancor contra outro
    e pede a Deus que o cure?
    Não tem compaixão do seu semelhante
    e pede perdão para os seus próprios pecados?
    Se ele, que é um ser de carne, guarda rancor,
    quem lhe alcançará o perdão das suas faltas?
    Lembra-te do teu fim e deixa de ter ódio;
    pensa na corrupção e na morte,
    e guarda os mandamentos.
    Recorda os mandamentos
    e não tenhas rancor ao próximo;
    pensa na Aliança do Altíssimo
    e não repares nas ofensas que te fazem.

    AMBIENTE

    O livro de Ben Sira (também chamado "Eclesiástico"), de onde foi extraída a primeira leitura deste domingo, é um livro sapiencial que, como todos os livros sapienciais, pretende apresentar uma reflexão de carácter prático sobre a arte de bem viver e de ser feliz.
    Estamos no início do séc. II a.C., numa época em que o helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso, no sentido de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Jesus Ben Sira, o autor deste livro, está preocupado com a degradação dos valores tradicionais do seu Povo e as cedências que, sobretudo os mais jovens, vão fazendo à cultura grega. A "fé dos pais" corre riscos de desaparecer ou, ao menos, de perder a sua identidade.
    Jesus Ben Sira procura, então, apresentar uma síntese da religião tradicional e da sabedoria de Israel, sublinhando a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega. Por essa razão, escreveu este compêndio de "sabedoria". Nele, tenta demonstrar aos seus compatriotas que Israel possuía na "Torah", revelada por Deus, a verdadeira "sabedoria" - uma "sabedoria" muito superior à "sabedoria" grega.
    O texto que a liturgia de hoje nos propõe integra uma secção (cf. Sir 24,1-42,14) onde Jesus Ben Sira procura demonstrar que a "sabedoria" - criatura de Deus, oferecida a todos os homens piedosos (cf. Sir 1,1-23,38) - tem um campo especial de acção em Israel, o Povo eleito de Deus. Esta secção não tem uma estrutura clara e coerente: os temas vão-se sucedendo, aparentemente sem uma ordem lógica. Dominam, aí, as "máximas" destinadas a ensinar os comportamentos que se devem assumir nas relações sociais.
    Uma nota de carácter prático: o nosso texto aparece, na maior parte das versões recentes da Bíblia, numerado como 27,30-28,7 e não como 27,33-28,9. Aqui, no entanto, conservamos a numeração 27,33-28,9 - que é a apresentada no "Leccionário Dominical". Esta discrepância resulta do facto de o texto apresentado pelo "Leccionário" seguir uma versão latina, mais longa do que a versão grega que serve de base às traduções mais recentes do Livro de Ben Sira.

    MENSAGEM

    Jesus Ben Sira ensina que a verdadeira "sabedoria" está em não se deixar dominar pelo rancor, pela ira e pelos sentimentos de vingança. O "sábio" (isto é, aquele que quer ter êxito e ser feliz) é aquele que é capaz de perdoar as ofensas e de ter compaixão pelo seu semelhante.
    Particularmente interessante é a relação estabelecida aqui entre o perdão humano e o perdão divino: quem se recusa a perdoar ao irmão, como poderá ter a coragem de pedir o perdão de Deus? Mas quem perdoa as ofensas dos outros, poderá pedir e esperar o perdão do Senhor para as suas próprias falhas. Ao menos dois séculos antes de Cristo o judaísmo já tinha descoberto que existe uma relação entre o perdão que Deus nos oferece e o perdão que ele nos convida a oferecer aos irmãos.
    Para tornar mais sugestivo e impressionante o seu apelo, Ben Sira convida os seus concidadãos a lembrarem-se da morte: "pensa no teu fim e deixa de ter ódio"... Diante da realidade final que nos espera, que sentido é que fazem os sentimentos de rancor, de ira, de vingança que alimentamos nesta terra? E podemos, com coerência, esperar o perdão final de Deus, se a nossa vida foi vivida numa lógica de ódio e de vingança?
    Fundamentalmente, temos aqui um apelo a invertermos a lógica do "olho por olho, dente por dente", de forma a que as nossas relações com os irmãos sejam marcadas por sentimentos de perdão e de misericórdia. É dessa forma que o homem construirá a sua felicidade nesta terra; e é assumindo está lógica que o homem poderá pedir e esperar de Deus o perdão para as suas falhas.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, as seguintes questões:

    Todos os dias vemos, nas notícias que nos chegam de todos os cantos do mundo, onde nos leva a lógica do "responder na mesma moeda". Para vingar ofensas reais ou imaginárias, desencadeiam-se mecanismos de vingança que são responsáveis pela morte de inocentes, por sofrimentos e dramas sem fim e por uma espiral de violência sem limites e sem prazos. É este o mundo que queremos? A única forma de fazermos respeitar os nossos direitos e a nossa dignid
    ade passará por deixarmos à solta os nossos instintos de vingança, de rancor e de ódio?

    Ben Sira estabelece uma relação clara entre o perdão de Deus e o perdão humano. É claro que não podemos dizer que Deus não nos perdoa se nós não conseguirmos perdoar aos nossos irmãos (a bondade e a misericórdia de Deus são infinitamente maiores do que as nossas); mas, se o nosso coração estiver dominado por uma lógica de ódio e de vingança, o perdão que Deus nos oferece poderá encontrar aí lugar? Um coração duro, violento e agressivo, incapaz de compreender as falhas dos outros, estará suficientemente disponível para acolher a bondade e o amor de Deus?

    Ben Sira lembra também, a propósito do perdão, o horizonte final do homem (a morte)... Não se tratará, tanto, de avisar que se não nos portarmos bem, Deus condena-nos (por esta altura, o Povo de Deus ainda não parece ter uma noção clara de que há, para além desta terra, uma vida eterna reservada para aqueles que escolhem Deus e os seus valores); trata-se, sobretudo, de sugerir que a nossa vida nesta terra está marcada pela brevidade e pela finitude e não pode ser estragada com sentimentos que só nos magoam a nós e aos outros.

    Muitos homens do nosso tempo pensam que só nos afirmamos, só nos realizamos e só triunfamos quando somos fortes e respondemos com força e agressividade à força e agressividade dos outros. Jesus Ben Sira, contudo, ensina que a "sabedoria", o êxito e a felicidade do homem não passam por cultivar sentimentos de ódio e de rancor, mas por cultivar sentimentos de perdão e de misericórdia. Quem tem razão? O que é que nos dá paz, nos faz sentir em harmonia connosco, com Deus e com ou outros e nos torna mais felizes: os gestos violentos que mostraram aos outros a nossa força e apaziguaram o nosso orgulho ferido, ou os nossos gestos de perdão, de bondade, de misericórdia?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 102 (103)

    Refrão: O Senhor é clemente e compassivo,
    paciente e cheio de bondade.

    Bendiz, ó minha alma, o Senhor
    e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
    Bendiz, ó minha alma, o Senhor
    e não esqueças nenhum dos seus benefícios.

    Ele perdoa todos os teus pecados
    e cura as tuas enfermidades.
    Salva da morte a tua vida
    e coroa-te de graça e misericórdia.

    Não está sempre a repreender
    nem guarda ressentimento.
    Não nos tratou segundo os nossos pecados
    nem nos castigou segundo as nossas culpas.

    Como a distância da terra aos céus,
    assim e grande a sua misericórdia para os que O temem.
    Como o oriente dista do Ocidente,
    assim Ele afasta de nós os nossos pecados.

    LEITURA II - Rom 14,7-9

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Nenhum de nós vive para si mesmo
    e nenhum de nós morre para si mesmo.
    Se vivemos, vivemos para o Senhor,
    e se morremos, morremos para o Senhor.
    Portanto, quer vivamos quer morramos,
    pertencemos ao Senhor.
    Na verdade, Cristo morreu e ressuscitou
    para ser o Senhor dos vivos e dos mortos.

    AMBIENTE

    Na segunda parte da Carta aos Romanos (já o vimos nos domingos anteriores), Paulo preocupa-se em apresentar aos cristãos de Roma (e aos cristãos de todos os lugares e tempos) um conjunto de atitudes e de valores que devem marcar a vida pessoal, social e eclesial daqueles que Deus chama à salvação. A segunda leitura deste domingo situa-nos neste contexto e apresenta-nos mais alguns dados sobre esta questão.
    O nosso texto faz parte de uma perícopa (cf. Rom 14,1-12) em que Paulo dá algumas indicações acerca da conduta a ter face aos outros membros da comunidade, particularmente face àqueles que têm perspectivas diferentes da fé e do caminho cristão.
    Paulo considera que existem dois tipos de crentes na comunidade cristã de Roma: os "fortes" e os "débeis". Estas designações não parecem referir-se, primordialmente, à classe social ("ricos" e "pobres") ou à origem religiosa ("pagano-cristãos" e "judeo-cristãos") desses crentes, mas a atitudes diversas quanto à fé... Os "fortes" (na linguagem de hoje, poderíamos caracterizá-los como "progressistas") são aqueles que já se libertaram decisivamente da escravidão da Lei e dos ritos e consideram que só os valores do Evangelho são decisivos no caminho da fé. Os "fracos" (na linguagem de hoje poderíamos chamar-lhes "tradicionalistas") são aqueles que fazem finca-pé nas leis, nos ritos e nas tradições antigas e ficam escandalizados pelo facto de esses valores não serem assumidos por toda a gente.
    Muito provavelmente, estes dois grupos viviam em confronto, provocando uma certa divisão na comunidade. Paulo não aceita atitudes de intolerância ou de desprezo pelos irmãos, venham elas de onde vieram. Na verdade, o pensamento de Paulo aproxima-o mais dos "fortes"; mas ele sabe muito bem que mais importante do que as divergências é o respeito pelo irmão e a construção da fraternidade. Os "fortes" não podem desprezar aqueles que não pensam como eles; e os "débeis" não têm o direito de julgar ou de catalogar aqueles que têm, quanto à fé, uma outra perspectiva.
    É precisamente neste contexto que Paulo encaixa os três versículos que constituem a segunda leitura deste domingo.

    MENSAGEM

    Os vers. 7-9 são verdadeiramente o centro da perícopa. Fundamentalmente, Paulo recorda a todos - aos "fortes" e aos "débeis" - que pertencem ao Senhor: "quer vivamos quer morramos, é ao Senhor que pertencemos" (vers. 8). Isso é muito mais importante do que as opiniões particulares acerca do caminho a percorrer para atingir o mesmo objectivo. Os crentes, antes de se deixarem dividir e separar por questões verdadeiramente secundárias (que tipo de alimentos se devem comer, que festas se devem celebrar, que jejuns se devem fazer), devem ter consciência do essencial da fé e daquilo que os une: Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou para a todos dar a mesma vida. A comunidade é uma família de irmãos, reunida à volta do mesmo Senhor.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, ter em conta as seguintes questões:

    Paulo está consciente de que há vários caminhos válidos para chegar a Cristo e à sua proposta de salvação. Esses caminhos não só não se excluem mas, na sua diversidade, constituem um factor de enriquecimento da nossa experiência comunitária. A comunidade tem de estar consciente de que a diversidade não exclui, necessariamente, a unidade. Por isso, a comunidade cristã não é o lugar da intolerância, da incompreensão, do desrespeito pela diversidade de opiniões, da uniformidade imposta em nome da fé; mas é o lugar do amor, do respeit
    o pelo outro, da aceitação das diferenças, da partilha, do perdão. A este respeito, como classifico a minha comunidade cristã ou religiosa?

    Existem, às vezes, nas comunidades cristãs certas pessoas que se consideram mais esclarecidas e mais preparadas e que manifestam desprezo por aqueles que têm concepções menos racionais da fé, que vivem agarrados a determinadas devoções ou a determinados ritos considerados ultrapassados. Paulo recomenda-lhes: "não desprezeis ninguém; não esqueçais que a única coisa importante e decisiva é Cristo, a quem todos pertencemos".

    Existem, às vezes, na comunidade cristã certas pessoas que se consideram muito santas e virtuosas porque cumprem determinadas regras, são fiéis a determinados ritos e têm sempre presente os mandamentos da santa madre Igreja... Observam e controlam os outros, julgam-nos sem direito a defesa, condenam-nos e acham-se no sagrado direito de os desacreditar diante dos outros membros da comunidade... Paulo recomenda-lhes: "não julgueis nem condeneis os vossos irmãos; não esqueçais que a única coisa importante e decisiva é Cristo, a quem todos pertencemos".

    Às vezes perdemo-nos na discussão das coisas secundárias e esquecemos o essencial. Discutimos se se deve receber a comunhão na mão ou na boca, se se deve ou não ajoelhar à consagração, se determinado cântico é litúrgico ou não, se os padres devem ou não casar, se a procissão do santo padroeiro da paróquia deve fazer este ou aquele percurso... e, algures durante a discussão, esquecemos o amor, o respeito pelo outro, a fraternidade, e que todos vivemos à volta do mesmo Senhor. É preciso descobrir o essencial que nos une e não absolutizar o secundário que nos divide.

    ALELUIA - Jo 13,34

    Aleluia. Aleluia.

    Dou-vos um mandamento novo, diz o Senhor:
    amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.

    EVANGELHO - Mt 18,21-35

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe:
    «Se meu irmão me ofender,
    quantas vezes deverei perdoar-lhe?
    Até sete vezes?»
    Jesus respondeu:
    «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.
    Na verdade, o reino de Deus pode comparar-se a um rei
    que quis ajustar contas com os seus servos.
    Logo de começo,
    apresentaram-lhe um homem que devia dez mil talentos.
    Não tendo com que pagar,
    o senhor mandou que fosse vendido,
    com a mulher, os filhos e tudo quanto possuía,
    para assim pagar a dívida.
    Então o servo prostrou-se a seus pés, dizendo:
    'Senhor, concede-me um prazo e tudo te pagarei'.
    Cheio de compaixão, o senhor daquele servo
    deu-lhe a liberdade e perdoou-lhe a dívida.
    Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros
    que lhe devia cem denários.
    Segurando-o, começou a apertar-lhe o pescoço, dizendo:
    'Paga o que me deves'.
    Então o companheiro caiu a seus pés e suplicou-lhe, dizendo:
    'Concede-me um prazo e pagar-te-ei'.
    Ele, porém, não conseguiu e mandou-o prender,
    até que pagasse tudo quanto devia.
    Testemunhas desta cena,
    os seus companheiros ficaram muito tristes
    e foram contar ao senhor tudo o que havia sucedido.
    Então, o senhor mandou-o chamar e disse:
    'Servo mau, perdoei-te, porque me pediste.
    Não devias, também tu, compadecer-te do teu companheiro,
    como eu tive compaixão de ti?'
    E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos,
    até que pagasse tudo o que lhe devia.
    Assim procederá convosco meu Pai celeste,
    se cada um de vós não perdoar a seu irmão
    de todo o coração».

    AMBIENTE

    Continuamos a ler o "discurso eclesial", que preenche todo o capítulo 18 do Evangelho segundo Mateus. Este "discurso" tem como ponto de partida algumas "instruções" apresentadas por Marcos sobre a vida comunitária (cf. Mc 9,33-37.42-47), mas que Mateus ampliou de forma significativa. Os destinatários do discurso são os discípulos (na realidade Mateus pretende, sobretudo, atingir os membros dessa comunidade cristã a quem este Evangelho se destina).
    Por detrás do texto que nos é hoje proposto, podemos entrever uma comunidade onde as tensões e os conflitos degeneram em ofensas pessoais e que tem muita dificuldade em perdoar.

    MAENSAGEM

    O mandamento do perdão não é novo - como vimos, aliás, na primeira leitura. Os catequistas de Israel ensinavam a perdoar as ofensas e a não guardar rancor contra o irmão que tinha cometido qualquer falha. Os "mestres" de Israel estavam, no entanto, de acordo em que a obrigação de perdoar existia apenas em relação aos membros do Povo de Deus (os inimigos estavam excluídos dessa dinâmica de amor e de misericórdia). A grande discussão girava, porém, à volta do número limite de vezes em que se devia perdoar. Todos - desde os mais exigentes aos mais misericordiosos - aceitavam, contudo, que o perdão tem limites e que não se deve perdoar indefinidamente.
    É nesta problemática que Jesus é envolvido pelos discípulos. Pedro, o porta-voz da comunidade, consulta Jesus acerca dos limites do perdão. Ele sabe que, quanto a isto, Jesus tem ideias radicais e, talvez com alguma ironia, pergunta a Jesus se, na sua perspectiva, se deve perdoar sempre ("até sete vezes?" - vers. 21: o número sete, na cultura semita, indica "totalidade").
    Jesus responde que não só se deve perdoar sempre, mas de forma ilimitada, total, absoluta ("setenta vezes sete" - vers. 22). Deve-se perdoar sempre, a toda a gente (mesmo aos inimigos) e sem qualquer reserva, sombra ou prevenção.
    É neste contexto e a propósito da lógica do perdão que Jesus propõe aos discípulos uma parábola (vers. 23-35). A parábola apresenta-se em três quadros ou cenas.
    O primeiro quadro (vers. 23-27) coloca-nos diante de uma cena de corte: um funcionário real, na hora de prestar contas ao seu senhor (provavelmente de impostos recebidos e nunca entregues), revela-se incapaz de saldar a sua dívida. O senhor ordena que o funcionário e a sua família sejam vendidos como escravos; mas, perante a humildade e a submissão do servo, o senhor deixa-se dominar por sentimentos de misericórdia e perdoa a dívida. Neste quadro, o que impressiona mais é o montante astronómico da dívida: dez mil talentos (um talento equivalia a cerca de 36 Kg e podia ser em ouro ou em prata. Dez mil talentos é, portanto, uma soma incalculável). O exagero da dívida serve, aqui, para pôr em relevo a misericórdia infinita do senhor.
    O segundo quadro (vers. 28-30) descreve como esse funcionário que experimentou a misericórdia do seu senhor se recusou, logo a seguir, a perdoar um companheiro que lhe devia cem denários (um denário equivalia a 12 gramas de prata e era o pagamento diário de um operário n&atil
    de;o especializado. Cem denários correspondia, portanto, a uma quantia insignificante para um alto funcionário do rei).
    Quando estes dois quadros são postos em paralelo, sobressaem, por um lado, a desproporção entre as duas dívidas e, por outro, a diferença de atitudes e de sentimentos entre o senhor (capaz de perdoar infinitamente) e o funcionário do rei (incapaz de se converter à lógica do perdão, mesmo depois de ter experimentado a alegria de ser perdoado).
    É precisamente desta diferença de comportamentos e de lógicas que resulta o terceiro quadro (vers. 28-35): os outros companheiros do funcionário real, chocados com a sua ingratidão, informaram o rei do sucedido; e o rei, escandalizado com o comportamento do seu funcionário, castigou-o duramente.
    Antes de mais, a parábola é uma catequese sobre a misericórdia de Deus. Mostra como, na perspectiva de Deus, o perdão é ilimitado, total e absoluto.
    Depois, a parábola convida-nos a analisar as nossas atitudes e comportamentos face aos irmãos que erram. Mostra como neste capítulo, a nossa lógica está, tantas vezes, distante da lógica de Deus. Diante de qualquer falha do irmão (por menos significativa que ela seja), assumimos a pose de vítimas magoadas e, muitas vezes, tomamos atitudes de desforra e de vingança que são o sinal claro de que ainda não interiorizámos a lógica de Deus.
    Finalmente, a parábola sugere que existe uma relação (aliás já afirmada na primeira leitura deste domingo) entre o perdão de Deus e o perdão humano. Mateus estará a sugerir que o perdão de Deus é condicionado e que só se tornará efectivo se nós aprendermos a perdoar aos nossos irmãos? O que Mateus está a dizer, sobretudo, é que na comunidade cristã deve funcionar a lógica do perdão ilimitado: se essa é a lógica de Deus, terá de ser a nossa lógica, também. O que Mateus está a sugerir, também, é que se o nosso coração não bater segundo a lógica do perdão, não terá lugar para acolher a misericórdia, a bondade e o amor de Deus. Fazer a experiência do amor de Deus transforma-nos o coração e ensina-nos a amar os nossos irmãos, nomeadamente aqueles que nos ofenderam.
    Deus pagará na mesma moeda e castigará quem não for capaz de viver segundo a lógica do perdão e da misericórdia? Não. Decididamente, o revanchismo e a vingança não fazem parte dos métodos de Deus... Mateus usa aqui - bem ao jeito semita - imagens fortes e dramáticas para sublinhar que a lógica do perdão é urgente e que dela depende a construção de uma realidade nova, de amor, de comunhão, de fraternidade - a realidade do Reino.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes desenvolvimentos:

    O Evangelho deste domingo é sobre a necessidade de perdoar sempre, de forma radical e ilimitada. Trata-se - todos estamos conscientes do facto - de uma das exigências mais difíceis que Jesus nos faz. No entanto não há, neste campo, meias tintas, dúvidas, evasivas, desculpas: trata-se de um valor fundamental da proposta de Jesus. Ele deu testemunho, em gestos concretos, do amor, da bondade e da misericórdia do Pai. Na cruz, ele morreu pedindo perdão para os seus assassinos... Ora o cristão é, antes de mais, um seguidor de Jesus. Pessoalmente, como é que me situo face a isto?

    O perdão e a misericórdia tornam-se ainda mais complicados à luz dos valores que presidem à construção do nosso mundo. O "mundo" considera que perdoar é próprio dos fracos, dos vencidos, dos que desistem de impor a sua personalidade e a sua visão do mundo; Deus considera que perdoar é dos fortes, dos que sabem o que é verdadeiramente importante, dos que estão dispostos a renunciar ao seu orgulho e auto-suficiência para apostar num mundo novo, marcado por relações novas e verdadeiras entre os homens. Na verdade, a lógica do mundo só tem aumentado a espiral de violência, de injustiça, de morte; a lógica de Deus tem ajudado a mudar os corações e frutificado em gestos de amor, de partilha, de diálogo e de comunhão. Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido? Qual destes dois caminhos pode ajudar a instaurar uma realidade mais humana, mais harmoniosa, mais feliz?

    O que significa, realmente, perdoar? Significa ceder sempre diante daqueles que nos magoam e nos ofendem? Significa encolher os ombros e seguir adiante quando nos confrontamos com uma situação que causa morte e sofrimento a nós ou a outros nossos irmãos? Significa "deixar correr" enquanto forem coisas que não nos afectem directamente? Significa pactuar com a injustiça e a opressão? Significa tolerar tudo num silêncio feito de cobardia e de conformismo? Não. O perdão não pode ser confundido com passividade, com alienação, com conformismo, com cobardia, com indiferença... O cristão, diante da injustiça e da maldade, não esconde a cabeça na areia, fingindo que não viu nada... O cristão não aceita o pecado e não se cala diante do que está errado; mas não guarda rancor para com o irmão que falhou, nem permite que as falhas derrubem as possibilidades de encontro, de comunhão, de diálogo, de partilha... Perdoar não significa isolar-se num silêncio ofendido, ou demitir-se das responsabilidades na construção de um mundo novo e melhor; mas significa estar sempre disposto a ir ao encontro, a estender a mão, a recomeçar o diálogo, a dar outra oportunidade.

    Este Evangelho recorda-nos - talvez ainda de forma mais clara e concludente - aquilo que a primeira leitura já sugeria: quem faz a experiência do perdão de Deus, envolve-se numa lógica de misericórdia que tem, necessariamente, implicações na forma de abordar os irmãos que falharam. Não podemos dizer que Deus não perdoa a quem é incapaz de perdoar aos irmãos; mas podemos dizer que experimentar o amor de Deus e deixar-se transformar por Ele significa assumir uma outra atitude para com os irmãos, uma atitude marcada pela bondade, pela compreensão, pela misericórdia, pelo acolhimento, pelo amor.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    1. A liturgia meditada ao longo da semana.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 24º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. Testemunhos de reentrada.
    Em certas paróquias, há por vezes o costume de preparar breves testemunhos dados por membros da assembleia no momento dos avisos. Pode haver alguns breves testemunhos (cerca de 1 minuto cada) sobre actividades eclesiais em que se participou durante o tempo de verão. A intercalar, pode-se cantar um breve refrão cantado.

    3. Oração na lectio divina.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Pai misericordioso, nós Te bendizemos pela longa aprendizagem ao perdão na qual formaste o teu povo desde o tempo de Moisés. Nós Te louvamos pela pedagogia da misericórdia e pelas mensagens de paz.
    Nós Te pedimos por todas as populações ainda submetidas ao ciclo infernal do ódio, do terrorismo, do rancor e da vingança cega.

    No final da segunda leitura:
    Cristo ressuscitado, Senhor dos mortos e dos vivos, bendito sejas pelo teu caminho de Páscoa: Tu conheceste a morte, para dela nos libertares e nos fazeres partilhar a vida nova que manifestaste pela tua ressurreição.
    Nós Te pedimos por todos os baptizados: demos-Te a nossa fé, aderimos a Ti. Que o teu Espírito nos faça viver para Ti.

    No final do Evangelho:
    Pai do céu, Deus de paciência, Tu que perdoaste a nossa imensa dívida, bendito sejas pelo perdão que liberta das cadeias e livra do desespero.
    Nós Te pedimos: que o teu Reino venha aos nossos corações, que todas as nossas comunidades manifestem a presença do teu Reino na nossa terra, como um reino de paz, em que o perdão é dado do fundo do coração.

    4. Oração Eucarística.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que recorda as alianças e as misericórdias de Deus.

    5. Palavra para o caminho.
    «Senhor, quantas vezes devo perdoar?» A resposta de Jesus não tem nada de matemática e o perdão que Ele nos propõe para oferecer aos nossos irmãos é ilimitado - por vezes também muito difícil. Nesta semana, poderíamos retomar o salmo 102 na oração e nos deixarmos habitar - impregnar, modelar - pelos seus acentos de ternura, de perdão, de amor, que nos revelam o Coração d'Aquele que nos convida a perdoar como Ele nos perdoa.
    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares XXIV Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares XXIV Semana - Segunda-feira

    18 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 2, 1-8

    Caríssimo: recomendo, antes de tudo, que se façam preces, orações, súplicas e acções de graças por todos os homens, 2pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, a fim de que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade. 3Isto é bom e agradável diante de Deus, nosso Salvador, 4que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. 5Pois, há um só Deus,e um só mediador entre Deus e os homens, um homem: Cristo Jesus, 6que se entregou a si mesmo como resgate por todos. Tal é o testemunho dado para os tempos estabelecidos. 7Foi para isto que fui constituído arauto e apóstolo - digo a verdade, não minto - mestre das nações, na fé e na verdade. 8Quero, pois, que os homens orem em todo o lugar, erguendo as mãos puras, sem ira nem altercação.

    Paulo, depois de encorajar Timóteo a «combater o bom combate da fé e da boa consciência» (cf. 1, 18s.), em relação aos heréticos, recomenda-lhe, «antes de tudo», a oração «por todos os homens» (v. 1), particularmente pelos que estão no poder. A salvação é, de facto, oferecida por Deus a todos. Ao rezar pelas autoridades deste mundo, a Igreja recorda aos que detêm o poder que não devem atribuir a si próprios nenhum prestígio ou glória pessoal, pois mais não fazem do que exercer a autoridade como um serviço, cujos limites foram fixados pelo próprio Deus, dentro do quadro do seu projecto salvífico do mundo. A universalidade da oração é, pois, motivada pela vontade salvífica universal de Deus. Mas esta vontade de Deus não é absoluta e predeterminante. Em certo sentido, é "condicionada" pela livre determinação humana, que pode acolher ou recusar o dom de Deus. Por causa deste risco, inerente à liberdade humana, é precisa a oração. Além disso, a oração litúrgica da comunidade cristã, une-a, cria a comunhão, onde, depois, surgem os diversos ministérios.

    Evangelho: Lucas 7, 1-10

    Naquele tempo, quando acabou de dizer todas as suas palavras ao povo, Jesus entrou em Cafarnaúm. 2Ora um centurião tinha um servo a quem dedicava muita afeição e que estava doente, quase a morrer. 3Ouvindo falar de Jesus, enviou-lhe alguns judeus de relevo para lhe pedir que viesse salvar-lhe o servo. 4Chegados junto de Jesus, suplicaram-lhe insistentemente: «Ele merece que lhe faças isso, 5pois ama o nosso povo e foi ele quem nos construiu a sinagoga.» 6Jesus acompanhou-os. Não estavam já longe da casa, quando o centurião lhe mandou dizer por uns amigos: «Não te incomodes, Senhor, pois não sou digno de que entres debaixo do meu tecto, pelo que 7nem me julguei digno de ir ter contigo. Mas diz uma só palavra e o meu servo será curado. 8Porque também eu tenho os meus superiores a quem devo obediência e soldados sob as minhas ordens, e digo a um: 'Vai', e ele vai; e a outro: 'Vem', e ele vem; e ao meu servo: 'Faz isto', e ele faz.» 9Ouvindo estas palavras, Jesus sentiu admiração por ele e disse à multidão que o seguia: «Digo-vos: nem em Israel encontrei tão grande fé.» 10E, de regresso a casa, os enviados encontraram o servo de perfeita saúde.

    Nesta narrativa, Lucas centra mais a sua atenção na fé, que alcança o milagre, do que no próprio milagre. A figura do centurião pagão assume um papel emblemático.
    A fé do centurião compõe-se de humildade e confiança. Essas duas atitudes tornam-no aberto ao dom que está para receber e tornam aberta a comunidade dos discípulos de Jesus, que pode receber e incluir pessoas das mais diversas origens étnicas e sociais. Há um pormenor que suscita a nossa atenção, até pela sua actualidade. Enquanto os anciãos recomendam o centurião a Jesus por alguns méritos que, a seus olhos, tinha adquirido («Ele merece que lhe faças isso, pois ama o nosso povo e foi ele quem nos construiu a sinagoga» (v. 4), o próprio centurião manda dizer a Jesus: «Não te incomodes, Senhor, pois não sou digno de que entres debaixo do meu tecto» (v. 6). Naturalmente, para Jesus são mais importantes estas palavras, que indicam uma grande e sincera humildade, do que as dos anciãos interesseiros.
    Lucas, como Mateus, considera este acontecimento um prelúdio da chegada dos pagãos à Igreja. Isso interessa-lhe ainda mais porque ele, e só ele, há-de sentir a necessidade de dedicar a segunda parte da sua obra, os Actos dos Apóstolos, a este grande evento. Vislumbra-se a dimensão universal da salvação trazida por Jesus.

    Meditatio

    De acordo com as promessas divinas, Jesus foi enviado a pregar a Boa Nova ao povo eleito. Mas o Senhor sabia que, por meio do povo de Israel, Deus queria abençoar todos os povos da terra. O mistério pascal de Cristo tornou possível essa bênção. Mas, episódios como o que hoje escutamos no evangelho, fazem-na prever: o centurião manifesta a sua fé em Jesus e na sua capacidade de lhe curar o servo. Este pagão nem quer causar grande incómodo ao Senhor, pedindo-lhe que vá a sua casa curar o servo. Pede-lhe apenas uma ordem, à distância: «Diz uma só palavra e o meu servo será curado» (v. 7). Esta manifestação de fé mostra que a graça já trabalhava no coração dos pagãos, com bons resultados. De facto, Jesus afirma: «Nem em Israel encontrei tão grande fé» (v. 9).
    As exortações de Paulo, que escutamos na primeira leitura, pressupõem e confirmam a abertura universal do amor de Cristo: «façam-se preces, orações, súplicas e acções de graças por todos os homens» (v. 1). A comunidade cristã não pode fechar-se em si mesma. Ainda que saibamos que o Espírito também trabalha no coração dos pagãos, e essa convicção possa libertar-nos da ansiedade que outrora pesava na alma de tantos missionários, a Igreja é chamada a ser portadora de graças para todos.
    Paulo aconselha os cristãos a rezarem de modo especial pelos governantes: «pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade» (v. 2). Os governantes carregam uma importante e pesada responsabilidade. Se podemos ser exigentes com eles, também devemos rezar para que cumpram com seriedade e honestidade a sua função, e não caiem nas tentações a que estão particularmente sujeitos. Como disse um pensador, «o poder corrompe». O poder absoluto corrompe absolutamente. Em qualquer situação, há sempre o perigo de que, quem detém o poder, abuse dele em seu favor, ou em favor daqueles que os apoiam. E assim se cometem injustiças mais ou menos graves e lesivas dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos.
    A liturgia da Palavra, também nos ensina a importância da oração litúrgica, a oração
    da Igreja «por todos os homens», porque Deus «quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (v. 4). A oração litúrgica intercede, onde quer que a Igreja se encontre, junto do Mediador Jesus Cristo, e cura das iras e das contendas, «a fim de que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade» (v. 2).
    O cristão deve ter este sentido da oração universal, abrir o coração às necessidades do mundo inteiro, não se preocupando apenas com os próprios interesses, com as próprias necessidades, ou as daqueles que lhes são caros. É, sem dúvida bom, rezarmos pelos que nos são ou estão próximos. Mas, para estarmos unidos a Cristo, a nossa oração deve alargar-se a todos os homens.

    Oratio

    Pai santo, que, em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, remiste a humanidade, dá-nos olhos para descobrirmos o teu amor presente e activo no coração de todos os homens e nas condições tantas vezes pagãs do mundo em que vivemos. Faz-nos capazes de acolher a tua visita, como quer que Te apresentes, e de experimentar e testemunhar a eficácia curativa da tua Palavra.
    Curados por essa palavra, queremos ser para Contigo gratos e alegres testemunhas daquele fé que faz «erguer ao céu as mãos puras», para Te louvarmos, darmos graças, e nos oferecermos em sacrifício de suave odor, intercedendo por todos os homens nossos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    A oração é a nossa vida. A nossa alma deve rezar incessantemente; de outro modo, como teríamos nós vida de união, de amor e de imolação que constitui a finalidade do nosso Instituto? Como a pomba, devemos elevar-nos acima da terra pela oração. Como ela, a nossa alma deve amar a pureza, a simplicidade, a doçura. A alma que reza esconde-se, suspira e geme como a pomba. Também ela descansa nas fendas da rocha (cf. Cant 2,14). O nosso lugar de repouso na oração é o Coração de Jesus, são os seus mistérios de amor e de imolação. O nosso "Thesaurus" tem um título muito certo: é um verdadeiro tesouro pela beleza das orações que contém e pelas orientações que dá. Deve ser para nós um autêntico Vade-mécum. Aquele que o leva sempre consigo e segue as suas prescrições bem depressa se tornará santo. As orações vocais feitas em comum devem ser recitadas pausadamente e com devoção. (Leão Dehon, Directório Espiritual, 123).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Façam-se preces, orações, súplicas e acções de graças
    por todos os homens» (1 Tm 1, 1).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Terça-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Terça-feira

    19 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 3, 1-13

    Caríssimo: é digna de fé esta palavra: se alguém aspira ao episcopado, deseja um excelente ofício. 2Mas é necessário que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, sóbrio, ponderado, de bons costumes, hospitaleiro, capaz de ensinar; 3que não seja dado ao vinho, nem violento, mas condescendente, pacífico, desinteressado; 4que governe bem a própria casa, mantendo os filhos submissos, com toda a dignidade. 5Pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará ele da igreja de Deus? 6Que não seja neófito, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação do diabo. 7Mas é necessário também que ele goze de boa reputação entre os de fora, para não cair no descrédito e nas ciladas do diabo. 8Do mesmo modo, os diáconos sejam pessoas dignas, sem duplicidade, não inclinados ao excesso de vinho, nem ávidos de lucros desonestos. 9Guardem o mistério da fé numa consciência pura. 10Sejam também eles, primeiro, postos à prova e só depois, se forem irrepreensíveis, exerçam o diaconado. 11Do mesmo modo, as mulheres sejam dignas, não maldizentes, sóbrias, fiéis em tudo. 12Os diáconos sejam maridos de uma só mulher, capazes de dirigir bem os filhos e a própria casa. 13Pois aqueles que cumprirem bem o diaconado adquirem para si uma posição honrosa e autoridade em questões de fé, em Cristo Jesus.

    A palavra bispo (epíscopos), na literatura grega, indica um tipo de "custódia responsabilizada", que tinha lugar em diferentes ocasiões e por diversos motivos. Como podemos deduzir do discurso de Paulo referido em Act 20, 28, no Novo Testamento não há uma distinção nítida entre bispo e presbítero. Mas há uma clara vinculação entre a função episcopal e a noção de pastor. Na 1 Pe 2, 25, Cristo é chamado «pastor e guarda» dos membros da comunidade. Os missionários, que se deslocavam de um lugar para o outro, nunca eram chamados bispos. Esse título aparece em comunidades locais, onde se exercem certas funções estáveis.
    O nosso texto sugere que a comunidade cristã local propunha vários candidatos para exercerem a função episcopal. Trabalhar pela própria candidatura também não era considerado mal. Não sendo ainda um ofício ambicionado, porque ainda não estava ligado a honras e a certos interesses, como mais tarde veio a acontecer, durante séculos, propor-se para o episcopado, era sinal de disponibilidade. A designação do bispo era feita por eleição popular. Mas não sabemos se era feita por toda a assembleia ou apenas por um grupo de dirigentes, mais tarde chamados presbíteros.
    No texto que escutamos, Paulo fala a Timóteo das qualidades que o bispo deve ter para bem governar, servir e administrar a Igreja. Que o bispo seja «marido de uma só mulher», significa que, se for casado, não o seja em segundas núpcias. É o mesmo que se exigia à candidata ao grupo das viúvas: que tenha sido esposa de «um só marido» (1 Tm 5, 9). Mas melhor seria se o bispo fosse celibatário, como o era Paulo (cf. 1 Cor 7, 8).
    Depois das exigências para os candidatos ao episcopado, Paulo apresenta outras para os candidatos ao Diaconado. No fundo eram exigências feitas a quem quer que se dispusesse a exercer uma função de autoridade e de serviço na Igreja.

    Evangelho: Lucas 7, 11-17

    Naquele tempo, Jesus dirigiu-se a uma cidade chamada Naim, indo com Ele os seus discípulos e uma grande multidão. 12Quando estavam perto da porta da cidade, viram que levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva; e, a acompanhá-la, vinha muita gente da cidade. 13Vendo-a, o Senhor compadeceu-se dela e disse-lhe: «Não chores.» 14Aproximando-se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Disse então: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!» 15O morto sentou-se e começou a falar. E Jesus entregou-o à sua mãe. 16O temor apoderou-se de todos, e davam glória a Deus, dizendo: «Surgiu entre nós um grande profeta e Deus visitou o seu povo!» 17E a fama deste milagre espalhou-se pela Judeia e por toda a região.

    Lucas gosta de estabelecer relações entre Jesus e o profeta Elias (cf. 1 Re 17, 10-24), entre Jesus e o profeta Eliseu (2 Re 4, 18-37). O terceiro evangelista narra a ressurreição do filho único de uma certa mãe viúva, natural de Naim. Prodígios idênticos foram também realizados por Elias e Eliseu. Sabemos que Lucas também dá particular atenção às mulheres, no terceiro evangelho e nos Actos. Também a figura da mãe viúva que perdeu o seu filho único sensibiliza Jesus que, «Vendo‑a, se compadeceu­ dela e lhe disse: «Não chores» (v. 13). Este episódio não nos revela só um aspecto da psicologia de Jesus, a sua sensibilidade, mas também, a sua opção em favor dos fracos e dos marginalizados. Aquela mulher, na sociedade a que pertencia, estava incluída nessas categorias de pessoas.
    Finalmente, Jesus é aclamado como «um grande profeta» (v. 16). Para Lucas, este título tem especial significado: Jesus é profeta, não só pelo que "diz", mas também pelo que "faz" (acções, gestos, milagres) e, sobretudo, pelo modo como se comporta: sente compaixão, comove-se interiormente e partilha a dor daquela mãe. Assim se manifesta Jesus como profeta no sentido mais integral do termo: não só traz a Palavra de Deus, mas também se coloca ao lado dos homens.

    Meditatio

    As exigências apresentadas por Paulo na primeira leitura àqueles que se dispunham a exercer o "ministério" da autoridade na Igreja podem resumir-se a uma: fidelidade no testemunho e no serviço. Essa fidelidade baseia-se na obediência à Palavra, como demonstram as missões proféticas do Antigo e do Novo Testamento, maximamente no profeta Jesus de Nazaré. Não é possível exercer a autoridade na Igreja sem a obediência dos "ministros" à Palavra de Deus. Só essa obediência garante que não governam a Igreja segundo critérios pessoais ou mundanos. Mas a vontade de Deus há-de ser procurada de modo unívoco e concorde, tanto pelos pastores como pelo rebanho, embora as suas funções sejam diferentes.
    O episódio da ressurreição do filho da viúva de Naim revela-nos duas atitudes de Jesus: a sua compaixão e o milagre que realiza. Somos naturalmente levados a dar maior importância ao milagre. Mas a compaixão de Jesus é algo de muito maior e mais importante. Revela-nos o Coração do Senhor, capaz de sentir os nossos sofrimentos, de sofrer connosco: «O Senhor compadeceu-se dela» (v. 13). Esta compaixão levou-O a actuar. Dirigindo-se à mulher disse-lhe: «Não chores!». E, aproximando-se, tocou no caixão e disse: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!
    ... E entregou-o à sua mãe» (v. 14s.). Ao ver o sucedido, a multidão exclamou como tinham exclamado os que verificaram a ressurreição do filho da viúva de Sarepta: «Surgiu entre nós um grande profeta» (v. 16) (cf. 1 Rs 17, 17-24). Jesus é um grande profeta, como Elias, como Eliseu. Mas revelar-se-á muito mais do que profeta!
    No nosso texto, Lucas chama a Jesus "Senhor". É a primeira vez que o faz, depois dos relatos do nascimento. A vitória sobre a morte começa a manifestar Jesus como Senhor, Senhor de todas as coisas, Senhor da vida e da morte. Este episódio tem um claro sentido messiânico.
    Apenas Lucas refere este milagre, que evidencia a ternura de Jesus para com os humildes e pobres, como tantos outros textos do evangelho lucano, onde particularmente resplandece a misericórdia divina.
    Peçamos ao Senhor o seu Espírito, para termos em nós os seus sentimentos, e para que o nosso acto de oblação cultual da manhã, se torne verdadeiro serviço a todos os irmãos no dia a dia; se torne solidariedade especialmente para com os mais pobres, os mais fracos e marginalizados, que muitas vezes não estão longe de nós, mas vivem connosco na comunidade; se torne irradiação de caridade, de alegria e paz; de paciência, bondade, benevolência; de mansidão, humildade, ternura; de misericórdia, perdão, reconciliação nos corações de cada uma das pessoas e das comunidades.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque quiseste que Te conhecêssemos, e perscrutássemos o teu Coração, por meio dos teus evangelistas. Dá-nos o teu Espírito Santo, para que tenhamos em nós os teus sentimentos, e abramos o coração à caridade e à compaixão para com todos os nossos irmãos, especialmente para com os mais fracos e pobres. Enche de misericórdia e compaixão os corações dos nossos bispos, presbíteros e diáconos, para que exerçam o ministério de modo idêntico àquele com que serviste todos quantos se aproximavam de Ti. Dá-nos, a todos, um Coração semelhante ao teu! Amen.

    Contemplatio

    A devoção ao Coração sacerdotal de Jesus tem por objecto o Coração de Jesus sacerdote e vítima, como no-lo pinta muito bem o hino do tempo pascal: Almique membra corporis Amor sacerdos immolat. Sim, é o amor, é o Coração sagrado de Jesus que goza eminentemente do carácter sacerdotal. Ele imola-se a si mesmo, imola o corpo que Ele vivifica segundo a tão bela expressão: Amor sacerdos immolat. Esta vida de sacerdote e de vítima, de que o Sagrado Coração é princípio, resume toda a vida, todas as operações interiores e exteriores de Nosso Senhor. Os três grandes rios de amor da Incarnação, da Paixão e da Eucaristia partem deste oceano e a ele voltam depois de terem percorrido o mundo no seu curso vivificante e salutar. Tudo está ali, todos os mistérios da salvação, todos os benefícios de Deus, todas as riquezas da sua graça e da sua misericórdia, o Coração de Jesus, sacerdote e vítima de amor, contém tudo isso. Nós que somos padres, não devemos gostar de considerar o Coração de Jesus sob este aspecto? Não é este o nosso dever? Não se encontra aí, para o padre, a verdadeira devoção ao Sagrado Coração? Não é nesta escola do Coração sacerdotal de Jesus que nós havemos de aprender a tornar-nos verdadeiros e santos sacerdotes? Sim, contemplemos o Coração sacerdotal. Estudemos os seus pensamentos, sintamos as suas pulsações, meditemos nos seus amores. Ele vai-nos dizer todas as virtudes sacerdotais, todos os deveres, toda a vida, toda a perfeição do padre. No contacto com o Coração sacerdotal de Jesus, nós ousamos dizer que todo o padre há-de tornar-se mais padre do que o não era precedentemente. (Leão Dehon, OSP 2, p. 524).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Surgiu entre nós um grande profeta
    e Deus visitou o seu povo!» (Lc 7, 16).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Quarta-feira

    20 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 3, 14-16

    Caríssimo: escrevo-te estas coisas, na esperança de ir ter contigo em breve. 15Porém, eu quero que saibas como deves proceder na casa de Deus, esta Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade. 16Grande é - todos o confessam - o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne, foi justificado no Espírito, apresentado aos anjos, anunciado às nações, acreditado no mundo, exaltado na glória.

    Os três versículos, que hoje escutamos, são o núcleo de uma teologia profunda, onde a eclesiologia e a cristologia andam a par, como sempre acontece no Novo Testamento.
    Embora pense dirigir-se a Éfeso, Paulo escreve a Timóteo dando-lhe indicações para o bom governo da igreja a que preside. Paulo chama à Igreja «casa de Deus», seja no sentido de edifício espiritual (cf. Ef 4, 12), seja no sentido de família (cf. 1 Tm 1, 16): os cristãos são «familiares de Deus» (cf. Ef 2, 19). Sendo casa do Deus vivo, a Igreja é «coluna e sustentáculo da verdade» (v. 15). Ecoam aqui as palavras de Jesus a Pedro: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja» (Mt 16, 17).
    O edifício da Igreja guarda, não uma qualquer filosofia, mas «um mistério de fé» (v. 19), revelado por Deus aos seus santos (cf. Cl 1, 26). Este mistério concentra-se e realiza-se em Jesus Cristo, morto e ressuscitado. E é através da Igreja que se chega a Cristo!

    Evangelho: Lucas 7, 31-35

    Naquele tempo, disse Jesus: «A quem, pois, compararei os homens desta geração? A quem são semelhantes? 32Assemelham-se a crianças que, sentadas na praça, se interpelam umas às outras, dizendo:'Tocámos flauta para vós, e não dançastes! Entoámos lamentações, e não chorastes!' 33Veio João Baptista, que não come pão nem bebe vinho, e dizeis: 'Está possesso do demónio!' 34Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizeis: 'Aí está um glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e de pecadores!' 35Mas a sabedoria foi justificada por todos os seus filhos.»

    Depois de estabelecer uma relação entre Jesus e o profeta Elias, Lucas compara-O a João Baptista. As diferenças entre os dois são evidentes e significativas. O objectivo de Lucas e sublinhar a simpatia com que o povo simples acolhe Jesus, em contraste com a atitude dos fariseus e doutores da lei. Por isso, é bom ler os vv. 29 ss. Que precedem esta página evangélica.
    Jesus usa uma comparação que deixa transparecer o seu duro juízo acerca dos seus contemporâneos. A pergunta inicial é certamente retórica. Não se refere a todos os contemporâneos de Jesus, mas apenas àqueles que, não tendo prestado atenção ao Precursor, também agora O não querem ouvir. Essas pessoas são como as crianças que se recusam a participar tanto na alegria dos casamentos como na tristeza dos funerais. Parece tratar-se da obstinação com que alguns Judeus recusaram a Palavra de Deus, personificada em Jesus. Revelam um coração impermeável a todo e qualquer convite à penitência e à conversão.
    Sob o ponto de vista histórico, demos atenção a duas expressões, uma dirigida a João: «Está possesso do demónio!» (v. 33) e outra dirigida a Jesus: «Aí está um glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e pecadores!» (v. 34). Duas desculpas fáceis, que revelam uma mentalidade fechada e unicamente capaz de condenar sem piedade. A expressão final relativa à sabedoria que foi justificada «por todos os seus filhos» (Mt escreve «pelas suas obras») leva-nos a pensar noutra categoria de pessoas diametralmente oposta: aqueles que buscam a verdade e que se deixam interpelar por toda a verdadeira pregação, abrindo-se ao de espírito de Deus que actua nas palavras e nas obras de Jesus.

    Meditatio

    A «Igreja do Deus vivo» é, de verdade, «coluna e sustentáculo da verdade», como lemos na primeira leitura (v. 15). Mas acontece com ela o que já aconteceu com Jesus. Perante Ele, muitos adultos tinham atitudes semelhantes às das crianças insatisfeitas, que se negam a manifestar alegria, como seria próprio numa festa de casamento, mas também se recusam a manifestar tristeza e a chorar, como seria próprio de um funeral. Jesus serviu-se de cenas semelhantes, certamente observadas no meio onde vivia, para desmascarar a atitude espiritual de muita gente bem pensante, «os fariseus e doutores da lei», pouco antes mencionados (Lc 7, 30). São pessoas sempre descontentes. Se se apresenta um enviado de Deus, que convida à conversão, põe-se a rir, a examinar o mensageiro, procurando motivos para o criticar, e assim dispensar-se, de consciência tranquila, de acolher a sua mensagem.
    Foi o que aconteceu com João Baptista e, logo a seguir, com Jesus. Veio João, homem extremamente austero, e os fariseus souberam encontrar motivos para o criticar e para decretar que o seu modo de viver não era razoável, que não podia ser inspirado por Deus, que era inspirado pelo demónio; veio Jesus, com um comportamento menos fora do comum, pois percorria «as cidades e as aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças» (Mt 9, 35), vivia no meio das pessoas, comia e bebia com elas (Lc 7, 30; 14, 1), sabia que devia «tornar-se em tudo semelhante aos irmãos» (Heb 2, 17), mas nem Jesus foi acolhido de modo positivo. Os fariseus e doutores da lei encontraram motivos para decretar que era uma pessoa demasiado comum e acessível para ser um enviado de Deus: «Aí está um glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e de pecadores!» (Lc 7, 34).
    Não será que também nós, muitas vezes, reagimos como as crianças da praça. Como os fariseus e doutores da lei? Não nos armamos, também nós, em sabedores e críticos perante certas propostas de mudança de vida, que nos vem de Deus, através dos pastores a quem confia o ministério de nos guiar no caminho da fé? Jesus fala de crianças «sentadas nas praças» (v. 32). Provavelmente recusavam toda e qualquer proposta de jogo ou de festa, porque não queriam levantar-se, mexer-se. Assim também, as críticas dos doutores da lei obedeciam a uma táctica para proteger o seu imobilismo espiritual. Não queriam mexer-se, não queriam renunciar à sua posição estável e empreender um novo caminho, em docilidade do Espírito.
    Não se usam, na Igreja, tácticas semelhantes para não obedecer, para não actuar, para resistir ao Senhor, que nos fala através dos pastores que põe à frente das comunidades? Quem exerce um ministério na Igreja, também nas comunidades religiosas, está exposto a críticas, por vezes severas e malévolas; corre o risco de ser deixado só, marginalizado. É uma cruz frequente e pesada. Nessas condições, o
    "ministro" não deve armar-se em vítima. Pelo contrário, deve procurar a força para carregar a cruz, na oração ao Espírito Santo, na convicção de ser verdadeiro oblato, procurando e conduzindo «como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26). Diga com S. Paulo: «Alegro-me nos meus sofrimentos por vós e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos (melhor dizendo, "tribulações") de Cristo, pelo Seu corpo que é a Igreja» (Cl 1, 24).

    Oratio

    Senhor, dá-nos a graça de reconhecermos nas testemunhas que pões no nosso caminho, as marcas de vida do teu Filho, mesmo que nos sintamos incomodados com elas e convidados à mudança, à conversão. Que jamais arranjemos desculpas, mais ou menos esfarrapadas, para sossegarmos a consciência e permanecermos acomodados e imóveis nas situações, nos ofícios, nos hábitos adquiridos. Apoiados na rocha que é Cristo, teu filho e nosso irmão, combateremos o bom combate da fé, no mundo incrédulo e indiferente em que vivemos. Acolhendo o teu Espírito, seremos ser instrumentos eficazes do teu projecto de amor para a salvação de todos os homens. Amen.

    Contemplatio

    Peçamos a Nosso Senhor esta graça da simplicidade e docilidade de espírito. - Peçamos esta direcção, estas luzes que nos são necessárias com a nossa docilidade para as seguir. Digamos com David: «Senhor, dirigi os meus passos nas vossas veredas, para que não me desvie» (Sl 16) e com Salomão: «Dai, Senhor, ao vosso servo um coração dócil, para que saiba discernir o bem do mal» (1Rs 3). Sinto que tenho tanta necessidade do socorro divino para me conduzir através de tantos escolhos, de armadilhas e de inimigos que a minha alma encontra no seu caminho e que quereriam impedi-la de permanecer unida ao Coração de Jesus. Tenho um corpo frágil para conduzir com os meus sentidos, a minha língua, os meus olhos, os meus apetites, e faltam-me luzes. Peço-vos, Senhor, quero escutá-las com docilidade. Quero ser particularmente dócil aos ensinamentos do mistério de Natal. Vou lá buscar o espírito de criança, a humildade, o espírito de sacrifício. - Divino infante do presépio, transformai-me em vós. (Leão Dehon, OSP 4, p. 571s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Grande é o mistério da piedade!» (1 Tm 3, 16).

  • S. Mateus, Apóstolo

    S. Mateus, Apóstolo


    21 de Setembro, 2023

    S. Mateus era um cobrador de impostos, profissão pouco bem conceituada. Jesus chamou-o a segui-lo. É o próprio Mateus que, de modo muito simples, nos conta a sua conversão (cf. Mt 9, 1-9). Lucas evidencia o banquete oferecido por Mateus, em que Jesus está presente e revela o seu amor misericordioso pelos pecadores. Dotado de certa cultura, Mateus foi o primeiro a recolher por escrito os acontecimentos da vida de Jesus, que testemunhara, agrupando-lhe nesse quadro os ensinamentos do Mestre. O seu evangelho, escrito entre os anos 62 e 70, é especialmente destinado aos seus compatriotas judeus. Apresenta Jesus como o novo Moisés, aquele que dá ao novo Povo de Deus a nova lei do amor. Mateus dá também grande atenção à Igreja que Jesus convoca, salva e institui.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 4, 1-7.11-13

    Eu, o prisioneiro no Senhor, exorto-vos, pois, a que procedais de um modo digno do chamamento que recebestes; 2com toda a humildade e mansidão, com paciência: suportando-vos uns aos outros no amor, 3esforçando-vos por manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. 4Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; 5um só Senhor, uma só fé,um só baptismo;  6um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos. 7Mas, a cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo. 11E foi Ele que a alguns constituiu como Apóstolos, Profetas, Evangelistas, Pastores e Mestres, 12em ordem a preparar os santos para uma actividade de serviço, para a construção do Corpo de Cristo, 13até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo.

    Paulo exorta os cristãos a uma vida digna da sua vocação, formando "um só corpo" em Cristo Jesus. A condição de prisioneiro dava-lhe maior autoridade para fazer uma tal exigência. A harmonia, a paz, são indispensáveis para viver em unidade. Esta unidade espiritual entre os cristãos é motivada pela sociabilidade e comunitariedade próprias da vida cristã: a Igreja é "um só corpo" animado por "um só Espírito" e por "uma só esperança" na salvação eterna a que a fé em Cristo nos convida. "Um só" é o Senhor, Jesus, que derrubou o muro da separação e da inimizade, e deu a todos a fé e o batismo, como meios de salvação. Acima de tudo, está a única paternidade divina: há "um só Deus e Pai de todos" (v. 6).

    Evangelho: Mateus 9, 9-13
    Naquele tempo, Jesus ia a passar quando viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me!» E ele levantou-se e seguiu-o. 10Encontrando-se Jesus à mesa em sua casa, numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e seus discípulos. 11Os fariseus, vendo isto, diziam aos discípulos: «Porque é que o vosso Mestre come com os cobradores de impostos e os pecadores?»12Jesus ouviu-os e respondeu-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. 13Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.

    Meditatio

    Ao narrar o seu chamamento por Jesus, o primeiro evangelista, conforme observa S. Jerónimo, usa o seu próprio nome, Mateus. Os outros três evangelistas, ao narrarem o mesmo episódio, chamam-no Levi, o seu segundo nome, provavelmente menos conhecido, talvez para esconder o seu nome de publicano. Mateus, pelo contrário, reconhece-se como publicano, um grupo de pessoas pouco honestas e desprezadas, porque colaboradores dos ocupantes romanos. Mas, Jesus chamou-o, com escândalo de muitos "bem-pensantes".
    Mateus apresenta-se como um publicano perdoado e chamado por Jesus. A vocação de apóstolo não se baseia em méritos pessoais, mas unicamente na misericórdia do Senhor. Só quem se dá conta da sua pobreza, da sua pequenez, aceitando-a como o "lugar" onde Deus derrama a sua misericórdia infinita, está em condições de se tornar apóstolo, de tocar as almas em profundidade, porque comunica o amor de Deus, o seu amor misericordioso: "Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores." (v. 13). Como diz Paulo, o verdadeiro apóstolo está cheio de humildade, de mansidão, de paciência, uma vez que experimentou em si mesmo a paciência, a mansidão e a humildade divina, que se inclina sobre os pecadores e os ergue com paciência da sua situação.
    O Deus revelado pela palavra e pela ação de Jesus é um Deus misericordioso, que acolhe os que andam perdidos, oferecendo-lhes uma nova ocasião para se reconstruírem, por meio da graça, até atingirem a perfeita unidade da fé, que na primeira leitura é a "medida completa da plenitude de Cristo".

    Oratio

    Pai misericordioso, concede-nos a graça de reconhecer na nossa história pessoal o chamamento fundamental da vida, que o teu Filho e nosso Senhor nos dirige com amor. Que te respondamos com um "sim" pronto e generoso, nas pequenas e grandes ocasiões da nossa vida. Assim poderemos concretizar aquela obra pessoal e comunitária que devemos realizar na Igreja. Que o nosso testemunho de cristãos e de Igreja possa contribuir para a conversão do nosso mundo ao teu amor misericordioso. Ámen.

    Contemplatio

    Mateus/Levi era publicano ou cobrador de impostos. Os homens desta profissão eram muito desprezados entre os Judeus, abusavam muito das suas funções para oprimirem as populações! Nosso Senhor quis, no entanto, escolher um dos seus apóstolos de entre eles. Levi estava no seu escritório, junto do lago de Genesaré, quando Jesus dele se apercebeu e lhe disse para o seguir. O publicano abandonou imediatamente o lugar lucrativo que ocupava, para se ligar a Nosso Senhor. Todo feliz e reconhecido pela sua vocação, convidou o divino Salvador e os seus discípulos para virem tomar uma refeição em sua casa. Convidou ao mesmo tempo vários publicanos seus amigos para os atrair a Jesus. Os fariseus ficaram escandalizados e disseram aos discípulos do Salvador: «Porque é que o vosso mestre come com os publicanos e os pecadores?». Jesus, ouvindo as suas murmurações, deu esta bela resposta: «Os médicos são para os doentes, e não para aqueles que estão de boa saúde. Eu vim chamar, não os justos, mas os pecadores». Palavra encorajadora caída do Coração de Jesus! Não percamos confiança, embora sejamos pecadores. (L. Dehon, OSP 4, p. 275).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Eu não vim chamar os justos,
    mas os pecadores" (Mt 9, 13).

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    S. Mateus, Apóstolo (21 Setembro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Quinta-feira

    21 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 4, 12-16

    Caríssimo: ninguém escarneça da tua juventude; antes, sê modelo dos fiéis, na palavra, na conduta, no amor, na fé, na castidade. 13Enquanto aguardas a minha chegada, aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino. 14Não descures o carisma que está em ti, e que te foi dado através de uma profecia, com a imposição das mãos dos presbíteros. 15Toma a peito estas coisas e persevera nelas, a fim de que o teu progresso seja manifesto a todos. 16Cuida de ti mesmo e da doutrina, persevera nestas coisas, porque, agindo assim, salvar-te-ás a ti mesmo e aos que te ouvirem.

    A instituição eclesial é carismática. O ministério, em si, é já um carisma, isto é, um «dom espiritual que (o ministro) recebeu e lhe foi concedido pela intervenção profética, com a imposição das mãos do presbitério». No Antigo Testamento, a imposição das mãos era usada para transmitir poderes ou encargos (cf. Dt 34, 9). No Novo Testamento, para além do significado de bênção, de cura o de dom do Espírito Santo a pessoas já baptizadas, tem o significado de consagração de determinados indivíduos em vista de funções públicas (cf. Act 6, 6; 14, 23; 13, 3).
    Além da consagração propriamente dita, há o conferir de um "carisma", isto é, de um dom gratuito e permanente («que está em ti»), que pode enfraquecer ou mesmo extinguir-se se não for cuidado e alimentado. Em termos teológicos, é o que hoje se chama "graça sacramental", aquela que dá as ajudas necessárias àquele que foi consagrado para um ministério na Igreja, em vista do cumprimento dos deveres do próprio estado.
    Paulo recorda a Timóteo, homem tímido e reservado, que, quanto mais se esforçar por ser modelo de virtudes para os fiéis, maior autoridade terá sobre eles. Além disso, lembra que a salvação do apóstolo está condicionada à salvação dos outros (cf. v. 16), daqueles em favor dos quais exerce o seu ministério.

    Evangelho: Lucas 7, 36-50

    Naquele tempo, um fariseu convidou Jesus para comer consigo. Entrou em casa do fariseu, e pôs-se à mesa. 37Ora certa mulher, conhecida naquela cidade como pecadora, ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume. 38Colocando-se por detrás dele e chorando, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas; enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume. 39Vendo isto, o fariseu que o convidara disse para consigo: «Se este homem fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que lhe está a tocar, porque é uma pecadora!» 40Então, Jesus disse-lhe: «Simão, tenho uma coisa para te dizer.» «Fala, Mestre» - respondeu ele. 41«Um prestamista tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários e o outro cinquenta. 42Não tendo eles com que pagar, perdoou aos dois. Qual deles o amará mais?» 43Simão respondeu: «Aquele a quem perdoou mais, creio eu.» Jesus disse-lhe: «Julgaste bem.» 44E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; ela, porém, banhou-me os pés com as suas lágrimas e enxugou-os com os seus cabelos. 45Não me deste um ósculo; mas ela, desde que entrou, não deixou de beijar-me os pés. 46Não me ungiste a cabeça com óleo, e ela ungiu-me os pés com perfume. 47Por isso, digo-te que lhe são perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou; mas àquele a quem pouco se perdoa pouco ama.» 48Depois, disse à mulher: «Os teus pecados estão perdoados.» 49Começaram, então, os convivas a dizer entre si: «Quem é este que até perdoa os pecados?» 50E Jesus disse à mulher: «A tua fé te salvou. Vai em paz.»

    No evangelho de hoje, cruzam-se dois temas de fundo: em tom polémico, a oposição de Jesus a um fariseu; em tom de proposta, a relação entre Jesus e a pecadora. Mas, observando melhor, vemos que os dois temas se cruzam e se iluminam mutuamente. Ao fariseu, Jesus quer ensinar que uma pessoa não se considera só a partir do exterior, ou das suas experiências passadas. Uma mulher, notoriamente pecadora, é sempre capaz de tomar um novo rumo. Precisa apenas de encontrar irmãos, não hipercríticos e invejosos, mas alguém que a compreenda e redima. Jesus veio para isso! À mulher, Jesus quer ajudar a compreender que a vida vale, não pela soma das experiências passadas, ainda por cima negativas e deletérias, mas pelo encontro central e decisivo com a Sua pessoa, que não é só capaz de compreender e de perdoar, mas também de resgatar e de renovar. Foi para isso que Ele veio!
    A nós, destinatários do Evangelho, Jesus quer fazer-nos compreender que é a fé que nos salva: a fé n´Ele, verdadeiro homem, amigos dos homens, sobretudo dos pecadores, e verdadeiro Deus, feito homem, feito amigo dos publicanos, dos pecadores e das meretrizes, Deus capaz de remeter todos os nossos pecados, um Deus com uma palavra consoladora e eficaz para cada um de nós: «A tua fé salvou‑te. Vai em paz.» (v. 50).

    Meditatio

    A primeira leitura leva-nos a rezar pelos sacerdotes, para que estejam cada vez mais conscientes do carisma da ordenação sacerdotal, o estimem e o cuidem na intimidade com Deus e no serviço aos irmãos: «Não descures o carisma que está em ti, e que te foi dado através de uma profecia, com a imposição das mãos dos presbíteros» (v. 14). Mas também é importante rezar pelos fiéis, para que prezem o carisma do sacerdócio, apoiem aqueles que o receberam com a sua oração, com a sua amizade, com a partilha dos bens necessários para a sua subsistência.
    No evangelho, Jesus, depois de ter curado o servo do centurião e ressuscitado o filho da viúva de Naim, realiza uma cura existencial, dando o perdão a uma pecadora desconhecida. Neste texto, convém sublinhar um ponto em que nem sempre reparamos, porque não compreendemos bem a palavra do Senhor: o amor de Deus chega sempre primeiro de que tudo quanto possamos fazer.
    O fariseu Simão está cheio de si. Não reconhece os dons de Deus e até está convencido de que Lhe pode dar alguma coisa. Não ama a Deus. A pecadora, pelo contrário, sabe ter recebido muito, porque a sua dívida era grande. Perdoada por Jesus, pode amar muito. É este o sentido da parábola. Quem é que ama mais? Aquele a quem Deus mais perdoou. Isto não significa, como por vezes se diz, que a pecadora obteve o perdão dos pecados por ter amado muito. É tudo o contrário. O seu amor é sinal de que recebeu o grande dom de Deus, o per-dão. O problema do fariseu era: «Se este homem fosse profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que lhe está a tocar, porque é uma pecadora!» (v.
    39). Ora Jesus não reconheceu na mulher apenas «uma pecadora»; reconheceu nela «uma pecadora perdoada», ao verificar o seu grande amor. Antes há o perdão de Deus, que nos faz compreender o seu infinito amor e suscita a resposta do nosso amor. A afirmação, «aquele a quem pouco se perdoa pouco ama» (v. 47), confirma a primeira. Não somos nós que amamos por primeiro, mas é Deus. O nosso primeiro dever é reconhecer o seu amor no perdão e em todos os outros dons que nos faz. Se assim não fizermos, cairemos no erro do fariseu, que pensava ser ele a dar a Deus, sem nos darmos conta do seu amor, e sem O amarmos.
    A experiência de fé do Pe. Dehon pode resumir-se a três breves fórmulas: «A presença activa» do amor de Cristo na sua vida (Cst 2); a sensibilidade «ao pecado como recusa do amor de Cristo» (Cst 4); a vontade de dar uma resposta ao «amor não acolhido» com «uma união íntima ao Coração de Cristo que provém da intimidade do coração» (Cst 4-5) . Esta experiência de fé está naturalmente centrada no culto ao Coração de Cristo, no amor oblativo, na reparação, na imolação, no apostolado, com todas as cambiantes, muito importantes, do amor puro, do abandono, da vida de vítima... Mas o fundamento dessa experiência de fé é a «presença activa» do amor de Cristo na sua vida (Cst 2).

    Oratio

    Senhor, dá-me a graça de saber reconhecer que o teu amor e a tua generosidade por mim, precedem toda e qualquer resposta da minha parte. Dá-me a sabedoria do coração, para que saiba reconhecer as visitas do teu perdão. Torna-me compreensivo e misericordioso para com os irmãos. Que jamais os julgue a partir de preconceitos ou simples critérios morais, mas os saiba olhar a partir da tua perspectiva de Pai compassivo e misericordioso, a exemplo do teu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. Amen.

    Contemplatio

    É no amor de Deus que o amor do próximo tem a sua fonte. Se amamos a Deus, nosso Pai, daí se seguirá que amaremos todos os seus filhos nossos irmãos. «Quem ama o Pai, diz S. João, amará também aqueles que ele gerou» (Jo 5, 1). Ora, onde é que se terá amado mais o Pai que em Nazaré! Jesus ama infinitamente o seu Pai, como é que não amaria sem medida Maria e José que são tão caros ao seu Pai, e todos os homens pelos quais o seu Pai o enviou à terra! Maria e José amam Jesus como ao seu Deus, ao mesmo tempo que o amam como seu filho. Assim, neste santuário abençoado de Nazaré, o amor vai sem cessar do coração de Jesus aos corações de José e de Maria para voltar do coração da Mãe e do pai ao coração do Filho. E este amor transbordante derrama-se sobre o próximo, sobre todos aqueles que estão em relação com a Sagrada Família. (Leão Dehon, OSP 3, p. 198s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Não descures o carisma que está em ti,» (1 Tm 4, 14).

  • Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir

    Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir


    22 de Setembro, 2023

    Padroeiro das Vocações Dehonianas

    (Próprio de Congregação dos SCJ, Dehonianos)
    No dia 25 de setembro de 1891 nasceu em Santo Esteban de los Patos (Ávila) Mariano Garcia Méndez. A sua família era simples, mas rica em virtudes e profundamente cristã. Aos 10 anos de idade, sentiu-se chamado por Cristo para o sacerdócio. Viveu o seu sacerdócio, primeiro como pároco e, depois de muita busca, também como religioso da nossa Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, Dehonianos, tomando o nome de João Maria da Cruz. Dotado de profundo zelo apostólico e foi também o "anjo protetor" do Seminário Dehoniano de Puente La Reina e promotor vocacional da Congregação em Espanha. A Guerra Civil Espanhola levou-o a testemunhar a fé e sua condição de sacerdote, protestando fortemente contra o incêndio da igreja dos Santos Juanes, em Valência. Preso, permaneceu um mês no cárcere, onde exerceu um intenso apostolado. No dia 23 de Agosto de 1936, era já noite, foi fuzilado em Silla (Valência). Reconhecidas as suas virtudes e o seu martírio pela Igreja, foi beatificado pelo Papa João Paulo II, no dia 11 de março de 2001.

    Lectio

    Primeira leitura: Romanos 8, 31b-39

    Irmãos: Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós? 32Ele, que nem sequer poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não havia de nos oferecer tudo juntamente com Ele? 33Quem irá acusar os eleitos de Deus? Deus é quem nos justifica!34Quem irá condená-los? Jesus Cristo, aquele que morreu, mais, que ressuscitou, que está à direita de Deus é quem intercede por nós. 35Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? 36De acordo com o que está escrito: Por causa de ti, estamos expostos à morte o dia inteiro, fomos tratados como ovelhas destinadas ao matadouro.37Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou. 38Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, 39nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso.

    Depois de ter explicado vários aspetos da vida nova em Cristo e as motivações que fundamentam a fé cristã, Paulo conclui esta secção da sua carta com um hino ao amor de Deus. O hino brota-lhe do coração como uma torrente, provocada pela sua experiência do amor de Deus na sua vida e na da comunidade dos santos. Conhecedor do desígnio do Pai, o Apóstolo canta o papel de Cristo Salvador e Senhor. Nada poderá afastar o cristão do amor que Cristo tem por nós: nem tribulação, nem a angústia, nem a perseguição, nem a a fome, nem a nudez, nem o perigo, a espada. Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou. (cf. v. 36s.). Nenhuma força terrena e nenhum espírito hostil ao homem poderá separar-nos do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus. O amor é o fundamento indestrutível da vida e da esperança cristãs.

    Evangelho: João 15, 18-21

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Se o mundo vos odeia, reparai que, antes que a vós, me odiou a mim. 19Se viésseis do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, como não vindes do mundo, pois fui Eu que vos escolhi do meio do mundo, por isso é que o mundo vos odeia. 20Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é mais que o seu senhor. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós. Se cumpriram a minha palavra, também hão-de cumprir a vossa. 21Mas tudo isto vos farão por causa de mim, porque não reconhecem aquele que me enviou.

    Jesus acabara de falar do amor que havia entre Ele e os discípulos, e que devia haver também entre eles (Jo 15, 9-17). Mas os discípulos vivem no mundo que odeia Jesus e odiará os seus discípulos. Amados por Jesus, e amigos de Jesus, são odiados pelo mundo.
    A primeira experiência da Igreja foi a perseguição iniciada pelos judeus e prosseguida pelos gentios. A perseguição é algo de normal na vida dos cristãos, porque não são do mundo, não lhe pertencem, e estão acima dele porque dão testemunho contra ele, contra os seus pecados. Além disso, "o servo não é mais do que o seu senhor". Não pode ter melhor sorte.

    Meditatio

    Quem ama, imita. O melhor modo de corresponder ao amor de Cristo é imitá-lo. Os mártires seguiram-no até à efusão do sangue, até assemelhar-se a Ele na paixão. Foram muitos que, ao longo dos séculos, como supremo testemunho da sua fé em Jesus Cristo e no seu Evangelho, derramaram o seu sangue. Foi o que aconteceu também em Espanha, entre 1936 e 1939, durante a guerra civil, que ensanguentou aquele país. Uma das vítimas foi o P. João Maria da Cruz, da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos. Nas suas cartas, conversas e comentários, o P. João falava das dificuldades que encontrava durante a guerra civil, quando andava de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, a pedir ajudas e a procurar vocações. Nas suas notas pessoais verifica-se claramente que se preparava para o martírio: "oxalá pudesse ser mártir", dizia ele a uma senhora idosa de Puente la Reina, onde era muito popular e conhecido como o "santinho". A 10 de Agosto de 1936, poucos dias antes de ser fuzilado, escrevia, do Cárcere Modelo de Valência, ao Superior Geral da Congregação, P. L. Philippe: "Deus seja bendito! Cumpra-se em tudo a sua santíssima vontade. Considero-me muito feliz por poder sofrer alguma coisa por Ele, que tanto sofreu por mim, pobre pecador... Seja tudo pelo Coração Sacratíssimo de Jesus e pela sua Santíssima Mãe, em espírito de amor e de reparação".
    O P. João tinha experimentado o amor de Deus revelado co Coração trespassado de Cristo. Nada o assustava. O seu desejo íntimo era deixar-se imolar a si mesmo, em união com Cristo, como oblação santa e agradável a Deus, "em espírito de amor e de reparação".
    O sacrifício de Cristo não pode permanecer isolado, não partilhado. Pelo contrário, o martírio do Senhor Jesus é um apelo ao nosso martírio. É por isso que Paulo, na carta aos Romanos, escreve: "Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos (isto é, vós mesmos) como sacrifício, vivo, santo e agradável a Deus; é este o vosso culto espiritual" (Rom 12, 1). Cristo foi consagrado e imolado ao Pai, em favor dos homens. Também os cristãos, e particularmente os religiosos e sacerdotes são consagrados e imolados, para se tornarem, com Cristo, construtores do Reino de Deus entre os homens, isto é, reparadores com Cristo reparador. Como dehonianos, é assim que estamos abertos ao "acolhimento do Espírito", damos "uma resposta ao amor de Cristo por nós", estamos em "comunhão no Seu amor pelo Pai" e cooperamos "na sua obra redentora no coração do mundo" (Cst 23).

    Oratio

    Pai santo, que deste ao Beato João Maria da Cruz a graça do sacrifício de amor unitivo, infunde em nós o Espírito Santo. Animados pela sua força divina, queremos corresponder ao teu amor, e dar a nossa vida por aqueles que devem ser edificados. Assim testemunharemos a nossa piedade para com todos, e confessaremos a nossa fé em Jesus Cristo, Senhor. Acolhendo o martírio quotidiano, ou o martírio do sangue, queremos ser advogados e consoladores, oblatos e intercessores, em favor dos nossos irmãos e da humanidade inteira. Ámen.

    Contemplatio

    O bom Mestre propõe aos seus discípulos motivações para sofrerem corajosamente as provações e o próprio martírio, se tal acontecer. Estas motivações são, ainda hoje, a força dos nossos missionários, que, com tanta boa vontade, enfrentam todos os perigos, com o secreto desejo de derramarem o seu sangue pelo Salvador. O primeiro encorajamento que nos dá o bom Mestre é o seu próprio exemplo: «O discípulo, diz, não está acima do Mestre; se me perseguiram, também vos hão-de perseguir a vós». Depois do exemplo de Nosso Senhor, diz S. Bernardo, já não há perseguições nem sofrimentos que possam assustar um cristão; torná-lo participante do cálice do seu divino Filho é uma honra que Deus lhe faz. Nosso Senhor acrescenta que não devemos temer, porque a verdade sairá sempre vitoriosa da mentira e da calúnia; e, aliás, se os nossos inimigos podem atingir o nosso corpo, são impotentes contra a nossa alma e não podem separá-la de Deus. Além disso, a Providência divina vela sobre os seus servos e em particular sobre os apóstolos do Evangelho. Nosso Senhor confessará e glorificará diante de seu Pai os que o tiverem confessado sobre a terra. O último encorajamento e o mais tocante é a alta dignidade dos apóstolos, que são os representantes de Nosso Senhor e outros Ele mesmo. Ele vingá-los-á contra os seus inimigos, tal como recompensará os que os receberem, os que lhes testemunharem respeito e dedicação. (L. Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quem poderá separar-nos do amor de Cristo?" (Rm 8, 35).

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    Beato João Maria de Cruz, Presbítero e Mártir, Padroeiro das Vocações Dehonianas (22 Setembro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Sexta-feira

    22 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 6, 2c-12

    Caríssimo: Isto é o que deves ensinar e recomendar. 3Se alguém ensinar outra doutrina e não aderir às sãs palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo e ao ensinamento conforme à piedade, 4é um obcecado pelo orgulho, um ignorante, um espírito doentio dado a querelas e contendas de palavras. Daí nascem invejas, rixas, injúrias, suspeitas maldosas, 5altercações entre homens de espírito corrompido e desprovidos de verdade, que julgam ser a piedade uma fonte de lucro. 6A piedade é, realmente, uma grande fonte de lucro para quem se contenta com o que tem. 7Pois nada trouxemos ao mundo e nada podemos levar dele. 8Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isso. 9Mas os que querem enriquecer caem na tentação, na armadilha e em múltiplos desejos insensatos e nocivos que precipitam os homens na ruína e na perdição. 10Porque a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro. Arrastados por ele, muitos se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições. 11Mas tu, ó homem de Deus, foge dessas coisas. Procura antes a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança, a mansidão. 12Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e da qual fizeste uma bela profissão na presença de muitas testemunhas.

    Este texto foi manipulado por toda a espécie de exegese moral, social e política de todos os tempos. Mas uma leitura simples do mesmo pode situar-nos no seu verdadeiro sentido.
    Paulo adverte que, se os senhores forem cristãos, e não pagãos, nem por isso devem ser menos respeitados pelos servos. O Evangelho valoriza todos os homens, de modo que já não há escravo nem livre (cf. Gl 3, 28), e que os crentes são «irmãos» na fé (cf. v. 2). Mas não aboliu as diferenças de papel e de posição na sociedade. Os escravos prestam um precioso serviço aos senhores e, se estes forem "cristãos" maior razão têm para apreciar esse serviço e tratá-los como «irmãos». Os "servos" prestam grandes "benefícios" aos "senhores". E não só benefícios económicos!
    Paulo continua também preocupado com os falsos doutores, que se afastam das «sãs palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 3) e incita Timóteo a «ensinar e recomendar» a verdadeira doutrina, transmitida pelos Apóstolos, a única capaz de incrementar uma vida «conforme à piedade» (v. 3). Incita-o ainda a contentar-se com o que tem, pois «a ganância do dinheiro» tira a tranquilidade de espírito, criando um verdadeiro martírio de preocupações e de provações para a fé.
    O Apóstolo termina convidando Timóteo a procurar alcançar as virtudes teologais e morais da justiça para com Deus e para com os homens, da piedade sincera, da paciência com a mansidão, a exemplo de Cristo, que disse: «Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração» (Mt 11, 29).

    Evangelho: Lucas 8, 1-3

    Naquele tempo, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze 2e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; 3Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens.

    Ao terminar esta secção do seu evangelho (6, 20-8,3), Lucas dá-nos algumas informações sobre quem acompanhava Jesus no seu ministério público. Acompanhavam-no os Doze, como bem sabemos. Mas, segundo uma informação exclusiva de Lucas, acompanhavam-no também «algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades» (v. 2). Lucas indica os nomes delas.
    Estas notícias não devem espantar-nos. Lucas, como sabemos, devido à sua formação e à sua sensibilidade, dava grande atenção à presença das mulheres na vida de Jesus. Aqui, elas não são apenas ouvintes da sua Palavra ou destinatárias dos seus milagres: colaboram com Ele, apoiando o seu ministério. Isto tem grande interesse: Jesus sabia redimir e libertar algumas mulheres da sua situação espiritual negativa, atraindo-as para junto de si e confiando-lhes tarefas de assistência em relação a Ele e aos Apóstolos. Soube, pois, valorizar a presença e o serviço de algumas mulheres durante a sua vida pública, o que provavelmente desencadeou a crítica e a malevolência de alguns seus contemporâneos, apenas habituados a instrumentalizá-las e a explorá-las. Também sobre este aspecto, tão actual, Jesus é apresentado por Lucas como o libertador de que a humanidade precisava.

    Meditatio

    Paulo escreve a Timóteo: «A raiz de todos os males é a ganância do dinheiro. Arrastados por ele, muitos se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições. Mas tu, ó homem de Deus, foge dessas coisas» (v. 10s.). As primeiras comunidades cristãs eram pobres, mas livres. Pouco a pouco foi-se introduzindo a servidão dos "bens eclesiásticos". E a Igreja passou por grandes dificuldades. Muitos homens da Igreja deixaram-se deslumbrar pelas riquezas e pelo poder que elas dão. O clero, que devia usar os bens apenas para o seu sustento, destinando o restante para benefício dos mais pobres, por vezes, e durante muito tempo, esqueceu a pobreza evangélica e o ensinamento de Paulo a Timóteo: «A piedade é, realmente, uma grande fonte de lucro para quem se contenta com o que tem. Pois nada trouxemos ao mundo e nada podemos levar dele. Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isso» (vv. 6ss.). Pouco antes do Concílio Vaticano II, João XXIII teve que lembrar a todos: «A Igreja apresenta-se como é, e como quer ser, como a Igreja de todos, particularmente a Igreja dos pobres» (01-09-1962: AAS 54 (1962) 676)».
    Jesus, e os seus Apóstolos, viviam da generosidade de algumas mulheres que os acompanhavam e serviam com os seus bens. Certamente não «consideravam a piedade uma fonte de lucro».
    As leituras de hoje sugerem-nos, portanto, algumas muito boas intenções de oração pela Igreja, pelos sacerdotes e por todos os outros que nela exercem um qualquer ministério. Peçamos ao Senhor para que os apóstolos e os cristãos do nosso tempo saibam evitar todas as contendas, as questões ociosas, que não sejam a verdadeira e sã doutrina. Rezemos para que saibam evitar a tentação do dinheiro. Rezemos por aqueles que pretendem enriquecer a qualquer custo, para que compreendam que o desejo exagerado do dinheiro é a raiz de todos os males. Rezemos para que os apóstolos e os cristãos procurem os verdadeiros bens: a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Peçamos que todos sejam curados dos «espíritos malignos e enfermidades», como as mulheres de que fala o evangelho. Peçamos, finalmente, para que todos possam alcançar a vida eterna a que
    são chamados.

    Oratio

    Senhor, que o nosso coração não se deixe cegar pelo brilho do dinheiro, nem pelo orgulho das riquezas e do poder. Que não se deixe tomar pela mania das contendas e das questões ociosas, que nada têm a ver com o interesse da verdadeira e sã doutrina, como nos avisa Paulo. Afasta da Igreja do teu Filho as invejas, as maledicências, as suspeitas maliciosas, os conflitos de homens corrompidos na mente e privados de verdade. Sobretudo, torna-nos livres da ganância e do lucro. Faz-nos experimentar a saciedade da soberana liberdade vivida e ensinada por Cristo e pelas primeiras comunidades cristãs. Amen.

    Contemplatio

    A sua visita dos Magos é celebrada no dia 6 de Janeiro... Os grandes oferecem o ouro, o incenso e a mirra. Jesus abençoa-os, diz S. Boaventura, e desviou os seus olhos do ouro. Maria deu o ouro aos pobres, dando-nos assim uma dupla lição de desapego das riquezas e de caridade para com os pobres. A melhor condição para a salvação é a das pessoas modestas que têm de trabalhar para ganhar a sua vida, e as riquezas não deveriam dispensar do trabalho para se entregarem a uma vida ociosa. O trabalho é bom para a saúde da alma. Os ricos correm o risco de se perderem, porque têm demasiada facilidade para satisfazerem as suas inclinações naturais para a vaidade, para a sensualidade, para a moleza. Nosso Senhor disse que para eles é mais difícil entrar no reino dos céus. (Leão Dehon, OSP 3, p. 36s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Tu, homem de Deus, foge da ganância do dinheiro» (1 Tm 6, 10).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXIV Semana - Sábado

    23 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Timóteo 6 13-16

    Caríssimo: na presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas, e de Jesus Cristo, que deu testemunho perante Pôncio Pilatos numa bela profissão de fé, 14recomendo-te que guardes o mandato, sem mancha nem culpa, até à manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo. 15Esta manifestação será feita nos tempos estabelecidos, pelo bem-aventurado e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, 16o único que possui a imortalidade, que habita numa luz inacessível, que nenhum homem viu nem pode ver. A Ele, honra e poder eterno! Ámen!

    Paulo insiste em recomendar a Timóteo a fidelidade ao «mandato» do Senhor. Que mandato? À profissão de fé feita por Cristo diante de Pôncio Pilatos. Esta fidelidade deve perdurar até à manifestação escatológica de Cristo, que aliás já se verifica na obra redentora que realizada no mundo actual. Ao recordar-se disso, o Apóstolo não resiste e irrompe num hino de louvor (vv. 15s.).
    Ao falar da segunda vinda de Cristo, nas cartas pastorais, Paulo não usa o termo parusia ou "revelação", mas "manifestação", termo também usado para indicar a obra redentora (cf. 2 Tm 1, 10; Tt 2, 11; 3, 4).

    Evangelho: Lucas 8, 4-15

    Naquele tempo, como estivesse reunida uma grande multidão, e de todas as cidades viessem ter com Ele, disse esta parábola: 5«Saiu o semeador para semear a sua semente. Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, foi pisada e as aves do céu comeram-na. 6Outra caiu sobre a rocha e, depois de ter germinado, secou por falta de humidade. 7Outra caiu no meio de espinhos, e os espinhos, crescendo com ela, sufocaram-na. 8Uma outra caiu em boa terra e, uma vez nascida, deu fruto centuplicado.»Dizendo isto, clamava: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça!» 9Os discípulos perguntaram-lhe o significado desta parábola. 10Disse-lhes: «A vós foi dado conhecer os mistérios do Reino de Deus; mas aos outros fala-se-lhes em parábolas, a fim de que, vendo, não vejam e, ouvindo, não entendam.» 11«O significado da parábola é este: a semente é a Palavra de Deus. 12Os que estão à beira do caminho são aqueles que ouvem, mas em seguida vem o diabo e tira-lhes a palavra do coração, para não se salvarem, acreditando. 13Os que estão sobre a rocha são os que, ao ouvirem, recebem a palavra com alegria; mas, como não têm raiz, acreditam por algum tempo e afastam-se na hora da provação. 14A que caiu entre espinhos são aqueles que ouviram, mas, indo pelo seu caminho, são sufocados pelos cuidados, pela riqueza, pelos prazeres da vida e não chegam a dar fruto. 15E a que caiu em terra boa são aqueles que, tendo ouvido a palavra, com um coração bom e virtuoso, conservam-na e dão fruto com a sua perseverança.»

    Lucas transmite-nos abundantes ensinamentos de Jesus em parábolas. Aqui, apresenta-nos a primeira e, para ele, a mais importante: a parábola do bom semeador. Com maior rigor, diríamos: a "parábola da semente". De facto, a atenção do narrador parece concentrar-se, não tanto nos gestos do semeador, mas no destino das sementes lançadas. O começo da parábola leva-nos também nessa linha: «A semente é a palavra de Deus» (v. 11).
    Porque terá Jesus querido marcar o começo do seu ministério público com esta parábola? Já se teria dado conta da dificuldade dos seus contemporâneos em escutar a sua pregação? Parece que sim... Mas a parábola talvez tenha um alcance mais vasto: nos diferentes destinos da semente lançada, podemos entrever, não só os diferentes modos de reacção dos seus ouvintes à sua Palavra, mas também as diferentes atitudes com que, ao longo da história da salvação, a humanidade reagiu e reage à presença das testemunhas de Deus e à sua pregação. Lida assim, a parábola da semente prolonga a sua mensagem ao longo de todos os séculos, antes e depois de Cristo, e chega até nós.

    Meditatio

    Hoje vivemos no meio de um furacão de palavras: publicidade, propaganda, discursos políticos... As nossas mentes são como pedras polidas, que não deixam penetrar a água. E todavia a palavra humana é uma coisa maravilhosa, que leva a vida. A mãe, depois de ter dado a vida física ao filho, dá-lhe outra vida por meio da palavra. É a mãe que, pela sua palavra, desperta a inteligência da criança, faz nascer nela, pouco a pouco, os pensamentos e os afectos. É uma verdadeira maravilha. Mas raramente pensamos nela, tão habituados estamos a escutar palavras humanas que nada dizem, que nada dão.
    Quanto à Palavra de Deus, ela é incomensuravelmente mais rica, porque nos traz a vida divina. Por isso, havemos de estimá-la, de ter fome dela. Ela é fonte de vida, e garantia de vida para nós: «recebei com mansidão a Palavra em vós semeada, a qual pode salvar as vossas almas», escreve Tiago (1, 21). Salvar as almas é o mesmo que salvar a vida.
    A palavra de Jesus purificou os Apóstolos e fê-los seus amigos: «Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (Jo 15, 15). Jesus ouviu a palavra do Pai e transmitiu-a a nós. Esta palavra deu uma vida nova, uma vida na amizade de Deus, no seu amor.
    Não basta, porém, acolher com alegria a Palavra. É preciso permitir-lhe dar fruto em nós pela paciência, pela perseverança. Não basta escutá-la. É preciso guardá-la, não permitir que o inimigo a sufoque em nós. É preciso meditá-la para que nos transforme e renove a nossa vida. A Virgem Maria guardava e meditava a Palavra no seu coração: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra; e o Verbo (a Palavra) fez-se carne». O acolhimento perfeito de Maria, em certo sentido, permitiu à Palavra incarnar para salvação do mundo.
    «Fiéis à escuta da Palavra... somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento» (Cst 17).

    Oratio

    Senhor, dá-nos a graça de acolher a tua Palavra de verdade e de paz, depois de a termos reconhecido nos acontecimentos e nas pessoas encontradas nos caminhos da nossa vida. Que, a exemplo de Maria, a saibamos guardar e meditar no coração, para que se torne vida da nossa vida, e para que inspire os nossos pensamentos e sentimentos, o nosso amor para Contigo, a nossa caridade para com os irmãos. Amen.

    Contemplatio

    Os Magos, chegados junto de Nosso Senhor, quiseram testemunhar-lhe o seu amor e a sua dedicação. Abriram os seus tesouros e deram-lhe presentes, ouro, incenso e mirra. Estes dons são explicados de diversas maneiras pela tradição. Não são insondáveis os desígnios de Deu
    s e impenetráveis os seus caminhos? (Rm 11,33). Como as palavras de Nosso Senhor, as suas obras são tesouros inesgotáveis de luz e de graça, de modo que cada fiel pode crer que elas são reguladas e preparadas somente para ele, para o seu estado, para as suas necessidades. Era assim que S. Paulo aplicava pessoalmente a si as graças da Redenção, dizendo: «O Salvador amou-me e entregou-se por mim» (Gl 2,20). A palavra de Deus tem como o maná todos os sabores, responde aos gostos e às necessidades de cada um. (Leão Dehon, OSP 3, p. 32).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Recebei com mansidão a Palavra em vós semeada» (Tg 1, 21).

  • 25º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    25º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    24 de Setembro, 2023

    Tema do 25º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 25º Domingo do Tempo Comum convida-nos a descobrir um Deus cujos caminhos e cujos pensamentos estão acima dos caminhos e dos pensamentos dos homens, quanto o céu está acima da terra. Sugere-nos, em consequência, a renúncia aos esquemas do mundo e a conversão aos esquemas de Deus.
    A primeira leitura pede aos crentes que voltem para Deus. "Voltar para Deus" é um movimento que exige uma transformação radical do homem, de forma a que os seus pensamentos e acções reflictam a lógica, as perspectivas e os valores de Deus.
    O Evangelho diz-nos que Deus chama à salvação todos os homens, sem considerar a antiguidade na fé, os créditos, as qualidades ou os comportamentos anteriormente assumidos. A Deus interessa apenas a forma como se acolhe o seu convite. Pede-nos uma transformação da nossa mentalidade, de forma a que a nossa relação com Deus não seja marcada pelo interesse, mas pelo amor e pela gratuidade.
    A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de um cristão (Paulo) que abraçou, de forma exemplar, a lógica de Deus. Renunciou aos interesses pessoais e aos esquemas de egoísmo e de comodismo, e colocou no centro da sua existência Cristo, os seus valores, o seu projecto.

    LEITURA I - Is 55,6-9

    Leitura do Livro de Isaías

    Procurai o Senhor, enquanto se pode encontrar,
    invocai-O, enquanto está perto.
    Deixe o ímpio o seu caminho
    e o homem perverso os seus pensamentos.
    Converta-se ao Senhor, que terá compaixão dele,
    ao nosso Deus, que é generoso em perdoar.
    Porque os meus pensamentos não são os vossos,
    nem os vossos caminhos são os meus - oráculo do Senhor –.
    Tanto quanto o céu está acima da terra,
    assim os meus caminhos estão acima dos vossos
    e acima dos vossos estão os meus pensamentos.

    AMBIENTE

    O Deutero-Isaías, autor deste texto, é um profeta anónimo da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética entre os exilados da Babilónia, procurando consolar e manter acesa a esperança no meio de um povo amargurado, desiludido e decepcionado. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55) chamam-se, por isso, "Livro da Consolação".
    Estes quatro versículos que a primeira leitura de hoje nos propõe aparecem no final do "Livro da Consolação". Aproxima-se a libertação e, para muitos exilados, está perto o momento do regresso à Terra Prometida. Depois de exortar os exilados a cumprir um novo êxodo e de lhes garantir que, em Judá, vão sentar-se à mesa do banquete que Jahwéh quer oferecer ao seu Povo (cf. Is 55,1-3), o profeta lança-lhes agora um outro repto...
    O tempo do Exílio foi um tempo de angústia e de sofrimento, mas também um tempo de amadurecimento e de graça. Aí, Israel tomou consciência das suas falhas e infidelidades, e descobriu que o viver longe de Deus não conduz à vida e à felicidade; por outro lado, o tempo de Exílio ajudou Israel a purificar a sua noção de Deus, da Aliança, do culto e até do significado de ser Povo de Deus.
    O Deutero-Isaías - neste momento em que se abrem novos horizontes - convida os seus concidadãos a percorrerem esse caminho de conversão e de redescoberta de Deus que a experiência do Exílio lhes revelou. O Povo está prestes a pôr-se a caminho em direcção à Terra Prometida; esse "caminho" não é uma simples deslocação geográfica mas é, sobretudo, um "caminho" espiritual de reencontro com o Senhor. Deixar a terra da escravidão e voltar à terra da liberdade deve significar, para Israel, uma redescoberta dos esquemas de Deus e um esforço sério para viver na fidelidade dinâmica aos mandamentos de Jahwéh.

    MENSAGEM

    O apelo do profeta é, portanto, a um recomeço. Nesses novos caminhos que as vicissitudes da história vão abrir aos exilados, é preciso que este Israel renovado pela experiência do Exílio continue a procurar o Senhor, a invocá-l'O, a cultivar laços de comunhão e de proximidade com Ele.
    Fundamentalmente, Israel é convidado a converter-se ou, literalmente, a "voltar (em hebraico: 'shûb') para Deus". Essa "conversão" exige uma transformação radical do homem, quer em termos de mentalidade, quer em termos de comportamento ("deixe o ímpio o seu caminho e o homem perverso os seus pensamentos" - vers. 7).
    A mentalidade, os valores, as atitudes dos "ímpio" e do "homem perverso", estão muito longe da mentalidade, dos valores e dos esquemas de Deus. A vida do "ímpio" e do "homem perverso" funciona numa lógica de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de violência, de exploração; os esquemas do "ímpio" geram sofrimento, infelicidade, morte... Deus funciona numa lógica de amor, de serviço, de partilha, de doação; os esquemas de Deus geram alegria, paz verdadeira, vida definitiva.
    Ao Povo de Deus, pede-se que prescinda da lógica do "ímpio" e do "homem perverso", para abraçar a lógica de Deus; pede-se-lhe que não viva de olhos postos no chão, mas que olhe para o céu e contemple os horizontes de Deus; pede-se-lhe que seja capaz de confiar em Deus e de compreender o acerto dos seus caminhos. Só dessa forma o Povo poderá ser feliz nessa Terra a que vai regressar; só dessa forma Israel poderá continuar a ser fiel à sua missão de testemunhar Jahwéh no meio dos outros povos.
    A conversão implica também (este aspecto está mais sugerido do que afirmado) uma mudança na forma de ver Deus. O homem tem sempre tendência a construir um deus à sua imagem, um deus previsível e domesticado que funcione de acordo com a lógica e a mentalidade do homem. No entanto, Deus não pode ser reduzido aos nossos esquemas humanos: os seus pensamentos não são os pensamentos do homem, as suas reacções não são as reacções do homem, os seus caminhos não são os caminhos do homem. "Converter-se" é, a este nível, aprender que Deus não é redutível às nossas lógicas e esquemas humanos; e é aprender que Deus tem os seus próprios caminhos, diferentes dos nossos... "Converter-se" é, a este nível, prescindir das nossas certezas, preconceitos e auto-suficiências, confiar em Deus e na bondade dos caminhos através dos quais ele conduz a história da salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar as seguintes questões:

    • Antes de mais, o nosso texto apela à conversão. O "voltar para Deus" (como diz o Deutero-Isaías) significa, neste contexto, re-equacionar a vida, de modo a que Deus passe a estar no centro da existência do homem.
    É inflectir o sentido da existência, de forma a que Deus (e não o dinheiro, o poder, o sucesso, os amigos, a família) ocupe sempre, na vida do homem, o primeiro lugar. A cultura pós-moderna prescindiu de Deus... Considerou que o homem é o único senhor do seu destino e que cada pessoa tem o direito de construir a sua felicidade à margem de Deus e dos seus valores; considerou que os valores de Deus não permitem ao homem potencializar as suas capacidades e ser verdadeiramente livre e feliz... Na verdade, o que é que nos faz passar da terra da escravidão para a terra da liberdade: o amor, a partilha, o serviço, o dom da vida, ou o egoísmo, o orgulho, a arrogância, a auto-suficiência?

    • No entanto, o homem só poderá converter-se a Deus e abraçar os seus esquemas e valores, se se mantiver em comunhão com Ele. É na escuta e na reflexão da Palavra de Deus, na oração frequente, na atitude de disponibilidade para acolher a vida de Deus, na entrega confiada nas mãos de Deus, que o crente descobrirá os valores de Deus e os assumirá. Aos poucos, a acção de Deus irá transformando a mentalidade desse crente, de forma a que ele viva e testemunhe Deus e as suas propostas para os homens.

    • A conversão é um processo nunca acabado. Todos os dias o crente terá de optar entre os valores de Deus e os valores do mundo, entre conduzir a sua vida de acordo com a lógica de Deus ou de acordo com a lógica dos homens. Por isso, o verdadeiro crente nunca cruza os braços, instalado em certezas definitivas ou em conquistas absolutas, mas esforça-se por viver cada instante em fidelidade dinâmica a Deus e às suas propostas.

    • Finalmente, o nosso texto sugere uma reflexão sobre a imagem que temos de Deus. Não podemos construir e testemunhar diante dos outros homens um Deus à nossa imagem, que funcione de acordo com os nossos esquemas mentais e que assuma comportamentos parecidos com os nossos. Temos de descobrir, no diálogo pessoal com Ele, esse Deus que nos transcende infinitamente. Sem preconceitos, sem certezas absolutas, temos de mergulhar no infinito de Deus, e deixarmo-nos surpreender pela sua lógica, pela sua bondade, pelo seu amor.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 144 (145)

    Refrão: O Senhor está perto de quantos O invocam.

    Quero bendizer-Vos, dia após dia,
    e louvar o vosso nome para sempre.
    Grande é o Senhor e digno de todo o louvor,
    insondável é a sua grandeza.

    O Senhor é clemente e compassivo,
    paciente e cheio de bondade.
    O Senhor é bom para com todos
    e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas.

    O Senhor e justo em todos os seus caminhos
    e perfeito em todas as suas obras.
    O Senhor está perto de quantos O invocam,
    de quantos O invocam em verdade.

    LEITURA II - Filip 1,20c-24.27a

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses

    Irmãos:
    Cristo será glorificado no meu corpo,
    quer eu viva quer eu morra.
    Porque, para mim, viver é Cristo e morrer é lucro.
    Mas, se viver neste corpo mortal é útil para o meu trabalho,
    não sei o que escolher.
    Sinto-me constrangido por este dilema:
    desejaria partir e estar com Cristo, que seria muito melhor;
    mas é mais necessário para vós
    que eu permaneça neste corpo mortal.
    Procurai somente viver de maneira digna do Evangelho de Cristo.

    AMBIENTE

    Filipos, cidade situada ao norte da Grécia, foi a primeira cidade europeia evangelizada por Paulo. Era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia directamente do imperador. Gozava, por isso, dos mesmos privilégios das cidades de Itália.
    A comunidade cristã, fundada por Paulo, Silas e Timóteo no Verão do ano 49, era uma comunidade entusiasta, generosa e comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da colecta em favor da Igreja de Jerusalém - cf. 2 Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos "filhos" de Filipos um afecto especial.
    No momento em que escreve aos Filipenses, Paulo está na prisão (em Éfeso?). Dos Filipenses recebeu dinheiro e o envio de Epafrodito (um membro da comunidade), encarregado de ajudar Paulo em tudo o que fosse necessário. Enviando Epafrodito de volta a Filipos, Paulo confia-lhe uma carta para a comunidade. É uma carta afectuosa, onde Paulo agradece aos Filipenses a sua preocupação, a sua solicitude e o seu amor. Nela, Paulo agradece, dá notícias, informa a comunidade sobre a sua própria sorte e exorta os Filipenses à fidelidade ao Evangelho.
    O texto que nos é hoje proposto faz parte de uma perícopa (cf. Flp 1,12-26), na qual Paulo fala aos Filipenses de si próprio, da sua situação, das suas preocupações e esperanças. Paulo está consciente de que corre riscos de vida; mas está sereno, alegre e confiante porque a única coisa que lhe interessa é Cristo e o seu Evangelho.

    MENSAGEM

    Quando escreve a carta aos Filipenses, Paulo continua preso. Não sabe se sairá da prisão vivo ou morto mas, para ele, isso não é importante; o que é importante é que Cristo seja engrandecido - seja através da vida, seja através da morte do apóstolo.
    Para Paulo, Cristo é que é a autêntica vida. Ele é a razão de ser e de viver do apóstolo. Na perspectiva de Paulo, a morte seria bem vinda, não como libertação das dificuldades e das dores que se experimentam na vida terrena, mas como caminho directo para o encontro definitivo, imediato, sem intermediários, com Cristo. Paulo não se importaria nada de morrer a curto prazo, porque isso significaria a comunhão total com Cristo. Especialmente significativa, a este propósito, é a conhecida frase (que, aliás, está escrita no seu túmulo, em Roma): "para mim, viver é Cristo e morrer é lucro".
    No entanto, Paulo está consciente de que Deus pode ter outros planos e querer que ele continue - para benefício das comunidades cristãs - algum tempo mais na terra, a dar testemunho do Evangelho de Cristo. Paulo aceita isso: por Cristo, está disposto a tudo. Na verdade, não são os interesses de Paulo que contam, mas os interesses de Cristo.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode ter em conta as seguintes questões:

    • Um dos elementos que mais impressionam e questionam neste testemunho é a centralidade de Cristo na vida de Paulo. Diante de Cristo, todos os interesses pessoais e materiais do apóstolo passam a um plano absolutamente secundário. O apóstolo vive de Cristo e para Cristo; nada mais lhe interessa. Paulo aparece, neste aspecto, como o perfeito modelo do cristão: para os baptizados, Cristo deveria ser o centro de todas as referências e interesses, a "pedra angular" à volta da qual se constrói a existência cristã. Que significa Cris
    to para mim? Ele é a referência fundamental à volta da qual tudo se articula, ou é apenas mais um entre muitos interesses a partir dos quais eu vou construindo a minha vida? Quando tenho de optar, para que lado cai a minha escolha: para o lado de Cristo, ou para o lado dos meus interesses pessoais?

    • A mesma questão - a questão da centralidade de Cristo - pode colocar-se a propósito do testemunho que a Igreja oferece aos homens e ao mundo... É mais importante falar de Cristo e do seu Evangelho do que dos artigos do Código de Direito Canónico; é mais importante testemunhar Cristo e os seus valores do que discutir a estrutura hierárquica da Igreja; é mais importante anunciar Cristo e a sua proposta de Reino do que debater questões de organização e de disciplina... Cristo está, verdadeiramente, no centro desse anúncio que somos convidados a fazer aos homens do nosso tempo?

    • Neste texto, impressiona também a liberdade total de Paulo face à morte. Essa liberdade resulta do facto de a fé que anima o apóstolo lhe permitir encarar a morte, não como o mais terrível e assustador de todos os males, mas como a possibilidade do encontro definitivo e pleno com Cristo. Dessa forma, Paulo pode entregar-se tranquilamente ao exercício do seu ministério, sem deixar que o medo trave o seu empenho e o seu testemunho. Também aqui a atitude de Paulo interpela e questiona os crentes... Para um cristão, a morte é o momento da realização plena, do encontro com a vida definitiva. Não é um drama sem sentido, sem remédio e sem esperança. Para um cristão, não faz sentido que o medo da perseguição ou da morte impeça o compromisso com os valores de Deus e com o compromisso profético diante do mundo.

    ALELUIA - cf. Actos 16,14b

    Aleluia. Aleluia.

    Abri, Senhor, os nossos corações,
    para aceitarmos a palavra do vosso Filho.

    EVANGELHO - Mt 20,1-16a

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola:
    «O reino dos Céus pode comparar-se a um proprietário,
    que saiu muito cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha.
    Ajustou com eles um denário por dia
    e mandou-os para a sua vinha.
    Saiu a meio da manhã,
    viu outros que estavam na praça ociosos e disse-lhes:
    'Ide vós também para a minha vinha
    e dar-vos-ei o que for justo'.
    E eles foram.
    Voltou a sair, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde,
    e fez o mesmo.
    Saindo ao cair da tarde,
    encontrou ainda outros que estavam parados e disse-lhes:
    'Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?'
    Eles responderam-lhe: 'Ninguém nos contratou'.
    Ele disse-lhes: 'Ide vós também para a minha vinha'.
    Ao anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz:
    «Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário,
    a começar pelos últimos e a acabar nos primeiros'.
    Vieram os do entardecer e receberam um denário cada um.
    Quando vieram os primeiros, julgaram que iam receber mais,
    mas receberam também um denário cada um.
    Depois de o terem recebido,
    começaram a murmurar contra o proprietário, dizendo:
    'Estes últimos trabalharam só uma hora
    e deste-lhes a mesma paga que a nós,
    que suportámos o peso do dia e o calor'.
    Mas o proprietário respondeu a um deles:
    'Amigo, em nada te prejudico.
    Não foi um denário que ajustaste comigo?
    Leva o que é teu e segue o teu caminho.
    Eu quero dar a este último tanto como a ti.
    Não me será permitido fazer o que eu quero do que é meu?
    Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?'
    Assim, os últimos serão os primeiros
    e os primeiros serão os últimos».

    AMBIENTE

    No texto que nos é proposto, Jesus continua a instruir os discípulos, a fim de que eles compreendam a realidade do Reino e, após a partida de Jesus, a testemunhem. Trata-se de mais uma "parábola do Reino".
    O quadro que a parábola nos apresenta reflecte bastante bem a realidade social e económica dos tempos de Jesus. A Galileia estava cheia de camponeses que, por causa da pressão fiscal ou de anos contínuos de más colheitas, tinham perdido as terras que pertenciam à sua família. Para sobreviver, esses camponeses sem terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e esperavam que os grandes latifundiários os contratassem para trabalhar nos seus campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada "patrão" tinha os seus "clientes" - isto é, homens em quem ele confiava e a quem contratava regularmente. Naturalmente, esses trabalhadores "de confiança" recebiam um tratamento de favor. Esse tratamento de favor implicava, nomeadamente, que esses "clientes" fossem sempre os primeiros a ser contratados, a fim de que pudessem ganhar uma "jorna" completa (um "denário", que era o pagamento diário habitual de um trabalhador não especializado).

    MENSAGEM

    A parábola refere-se, portanto, a um dono de uma vinha que, ao romper da manhã, se dirigiu à praça e chamou os seus "clientes" para trabalhar na sua vinha, ajustando com eles o preço habitual: um denário. O volume de tarefas a realizar na vinha fez com que este patrão voltasse a sair a meio da manhã, ao meio-dia, às três da tarde e ao cair da tarde e que trouxesse, de cada vez, novas levas de trabalhadores. O trabalho decorreu sem incidentes, até ao final do dia.
    Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho. Todos - quer os que só tinham trabalhado uma hora, quer os que tinham trabalhado todo o dia - receberam a mesma paga: um denário. Contudo, os trabalhadores da primeira hora (os "clientes" habituais do dono da vinha) manifestaram a sua surpresa e o seu desconcerto por, desta vez, não terem recebido um tratamento "de favor".
    A resposta final do dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem excepção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam no fim? Isso em nada deveria afectar os outros...
    Muito provavelmente, a parábola serviu primariamente a Jesus para responder às críticas dos adversários, que O acusavam de estar demasiado próximo dos pecadores (os trabalhadores da última hora). Através dela, Jesus mostra que o amor do Pai se derrama sobre todos os seus filhos, sem excepção e por igual. Para Deus, não é decisiva a hora a que se respondeu ao seu apelo; o que é decisivo é que se tenha respondido ao seu convite para trabalhar na vinha do Reino. Para Deus, não há tratamento "especial" por antiguidade; para Deus, todos os seus
    filhos são iguais e merecem o seu amor.
    A parábola serviu a Jesus, também, para denunciar a concepção que os teólogos de Israel tinham de Deus e da salvação. Para os fariseus, sobretudo, Deus era um "patrão" que pagava conforme as acções do homem. Se o homem cumprisse escrupulosamente a Lei, conquistaria determinados méritos e Deus pagar-lhe-ia convenientemente. Segundo esta perspectiva, Deus não dá nada; é o homem que conquista tudo. O "deus" dos fariseus é uma espécie de comerciante, que todos os dias aponta no seu livro de registos as dívidas e os créditos do homem, que um dia faz as contas finais, vê o saldo e dá a recompensa ou aplica o castigo.
    Para Jesus, no entanto, Deus não é um contabilista, sempre de lápis na mão a fazer as contas dos homens para lhes pagar conforme os seus merecimentos; mas é um pai, cheio de bondade, que ama todos os seus filhos por igual e que derrama sobre todos, sem excepção, o seu amor.
    A parábola foi, depois, proposta por Mateus à sua comunidade (provavelmente a comunidade cristã de Antioquia da Síria) para iluminar a situação concreta que a comunidade estava a viver com a entrada maciça de pagãos na Igreja. Alguns cristãos de origem judaica não conseguiam entender que os pagãos, vindos mais tarde, estivessem em pé de igualdade com aqueles que tinham acolhido a proposta do Reino desde a primeira hora. Mateus deixa, no entanto, claro que o Reino é um dom oferecido por Deus a todos os seus filhos, sem qualquer excepção. Judeus ou gregos, escravos ou livres, cristãos da primeira hora ou da última hora, todos são filhos amados do mesmo Pai. Na comunidade de Jesus não há graus de antiguidade, de raça, de classe social, de merecimento... O dom de Deus destina-se a todos, por igual.
    Conclusão: A parábola convida-nos a perceber que o nosso Deus é o Deus que oferece gratuitamente a salvação a todos os seus filhos, independentemente da sua antiguidade, créditos, qualidades, ou comportamentos. Os membros da comunidade do Reino não devem, por isso, fazer o bem em vista de uma determinada recompensa, mas para encontrarem a felicidade, a vida verdadeira e eterna.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar as seguintes linhas:

    • Antes de mais, o nosso texto deixa claro que o Reino de Deus (esse mundo novo de salvação e de vida plena) é para todos sem excepção. Para Deus não há marginalizados, excluídos, indignos, desclassificados... Para Deus, há homens e mulheres - todos seus filhos, independentemente da cor da pele, da nacionalidade, da classe social - a quem Ele ama, a quem Ele quer oferecer a salvação e a quem Ele convida para trabalhar na sua vinha. A única coisa verdadeiramente decisiva é se os interpelados aceitam ou não trabalhar na vinha de Deus. Fazer parte da Igreja de Jesus é fazer uma experiência radical de comunhão universal.

    • Todos têm lugar na Igreja de Jesus... Mas todos terão a mesma dignidade e importância? Jesus garante que sim. Não há trabalhadores mais importantes do que os outros, não há trabalhadores de primeira e de segunda classe. O que há é homens e mulheres que aceitaram o convite do Senhor - tarde ou cedo, não interessa - e foram trabalhar para a sua vinha. Dentro desta lógica, que sentido é que fazem certas atitudes de quem se sente dono da comunidade porque "estou aqui há mais tempo do que os outros", ou porque "tenho contribuído para a comunidade mais do que os outros"? Na comunidade de Jesus, a idade, o tempo de serviço, a cor da pele, a posição social, a posição hierárquica, não servem para fundamentar qualquer tipo de privilégios ou qualquer superioridade sobre os outros irmãos. Embora com funções diversas, todos são iguais em dignidade e todos devem ser acolhidos, amados e considerados de igual forma.

    • O nosso texto denuncia ainda essa concepção de Deus como um "negociante", que contabiliza os créditos dos homens e lhes paga em consequência. Deus não faz negócio com os homens: Ele não precisa da mercadoria que temos para Lhe oferecer. O Deus que Jesus anuncia é o Pai que quer ver os seus filhos livres e felizes e que, por isso, derrama o seu amor, de forma gratuita e incondicional, sobre todos eles. Sendo assim que sentido fazem certas expressões da vivência religiosa que são autênticas negociatas com Deus ("se tu me fizeres isto, prometo-te aquilo"; "se tu me deres isto, pago-te com aquilo")?

    • Entender que Deus não é um negociante, mas um Pai cheio de amor pelos seus filhos, significa também renunciar a uma lógica interesseira no nosso relacionamento com ele. O cristão não faz as coisas por interesse, ou de olhos postos numa recompensa (o céu, a "sorte" na vida, a eliminação da doença, o adivinhar a chave da lotaria), mas porque está convicto de que esse comportamento que Deus lhe propõe é o caminho para a verdadeira vida. Quem segue o caminho certo, é feliz, encontra a paz e a serenidade e colhe, logo aí, a sua recompensa.

    • Com alguma frequência encontramos cristãos que não entendem porque é que Deus ama e aceita na sua família, em pé de igualdade com os filhos da primeira hora, esses que só tardiamente responderam ao apelo do Reino. Sentem-se injustiçados, incompreendidos, ciumentos, invejosos e condenam, mais ou menos veladamente, essa lógica de misericórdia que, à luz dos critérios humanos, lhes parece muito injusta. Na sua perspectiva, a fidelidade a Deus e aos seus mandamentos merece uma recompensa e esta deve ser tanto maior quanto maior a antiguidade e a qualidade dos "serviços" prestados a Deus. Que sentido faz esta lógica à luz dos ensinamentos de Jesus?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 24º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. A VINHA.
    Neste domingo (e nos dois próximos) temos a imagem da vinha. Embora a comparação só apareça plenamente no 27º domingo (em que a vinha significa o povo de Israel), pode ser interessante, a partir deste domingo: pôr em evidência uma cepa, quer na entrada da igreja, quer dentro da igreja (é o mês da vindima em muitas regiões); solenizar a procissão das oferendas pedindo a um jovem para levar ao altar um belo cacho de uvas...

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Nós Te louvamos, Deus nosso Pai, porque Te deixas encontrar por aqueles que Te procuram e tens piedade daqueles que vêm até Ti. Tu estás próximo de nós, és rico em perdão e misericórdia e os teus pensamentos são tão elevados acima dos nossos.
    Nós Te pedimos: que o teu Espírito nos guie, que Ele nos livre dos caminhos do mal, que Ele eleve e inspire os nossos pensamentos.

    No final da segunda leitura:
    Senhor Jesus Cristo, nós Te bendizemos e com o apóstolo Paulo confessamos: a nossa vida, a nossa alegria e a nossa felicidade, és Tu.
    Nós Te pedimos por nós mesmos e por todas as nossas comunidades cristãs: penetra-nos com o teu Espírito, para que levemos uma vida digna do teu Evangelho e que a tua grandeza seja manifestada nas nossas vidas.

    No final do Evangelho:
    Deus da Aliança antiga e nova, não cessas de chamar os homens a mudar de mentalidade. Hoje, Jesus recorda-nos isso uma vez mais na parábola da última hora.
    Abre os nossos olhos, as nossas mãos e os nossos corações, Senhor de infinita ternura. No respeito leal pela justiça dos homens, ensina-nos, pelo teu Espírito, a dar provas de generosidade.

    4. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística II, que nos recorda que fomos "escolhidos para servir" (2ª leitura).

    5. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    "Ide também vós para a minha Vinha!" Pobreza na nossa Igreja. Falta de vocações... Assembleias dominicais "raquíticas"... Cada vez menos crianças na catequese... Críticas... Lamentações... Decepções... "Ide também vós para a minha Vinha!" Compreendemos bem que Jesus não faz selecção e que Se dirige a todos sem excepção. Cabe-nos a nós aceitar ser "contratados". Há trabalho para todos? Vamos para a sua Vinha?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Segunda-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Segunda-feira

    25 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Esdras 1, 1-6

    No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor pronunciada por Jeremias, o Senhor inspirou Ciro, rei da Pérsia, o qual mandou publicar em todo o seu reino, de viva voz e por escrito, o seguinte decreto: 2«Assim fala Ciro, rei da Pérsia: 'O Senhor, Deus do céu, deu-me todos os reinos da terra e encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, cidade de Judá. 3Quem de vós pertence ao seu povo? Que o seu Deus esteja com ele. Suba a Jerusalém, que fica na terra de Judá, e construa o templo do Senhor, Deus de Israel, o Deus que reside em Jerusalém. 4Todos os sobreviventes, onde quer que habitem, sejam providos pelos habitantes das localidades onde se encontram, de prata, ouro, cereais, gado e ofertas voluntárias para o templo do Deus que reside em Jerusalém.'» 5Assim, os chefes das famílias de Judá e de Benjamim, os sacerdotes e levitas e todos aqueles a quem Deus movera os corações, prepararam-se para ir reedificar o templo do Senhor que está em Jerusalém. 6Todos os que viviam nas redondezas ajudaram-nos, dando-lhes prata, ouro, bens diversos, gado, cereais e coisas preciosas, além de outras ofertas voluntárias.

    Ao contrário dos assírios e babilónios, que praticaram a política das deportações e deslocamentos das populações conquistadas, os persas foram mais humanos. Não só não procederam a deportações, mas permitiram o regresso dos deportados aos seus respectivos países.
    O livro de Esdras, escrito por volta do ano 300 a. C., narra o regresso à pátria dos judeus exilados em Babilónia, depois do édito de Ciro (538 a.C.), e a reconstrução civil e religiosa da comunidade. A restauração evidenciará os pilares da vida dos judeus no pós-exílio: a lei, o sacerdócio e o templo, sinais da presença divina e garantia de esperança em relação ao futuro.
    O decreto de Ciro não é apenas fruto da sua opção política. É cumprimento da «palavra do Senhor pronunciada por Jeremias» (v. 1). Também o entusiasmo dos deportados em regressarem a Jerusalém, ou o apoio económico a esse regresso e à reconstrução da cidade, não são simplesmente fruto de saudades ou de determinados interesses. É Deus quem lhes move os corações, para irem «reedificar o templo do Senhor» (v. 6). Neste relato, ecoa, mais uma vez, a experiência do êxodo, que estava no centro da confissão de fé de Israel. O regresso de Babilónia é visto como um novo êxodo.

    Evangelho: Lucas 8, 16-18

    Naquele tempo, Jesus disse à multidão: 16«Ninguém acende uma candeia para a cobrir com um vaso ou para a esconder debaixo da cama; mas coloca-a no candelabro, para que vejam a luz aqueles que entram. 17Porque não há coisa oculta que não venha a manifestar-se, nem escondida que não se saiba e venha à luz. 18Vede, pois, como ouvis, porque àquele que tiver, ser-lhe-á dado; mas àquele que não tiver, ser-lhe-á tirado mesmo o que julga possuir.»

    A perícopa que escutamos inclui três pequenas unidades, recolhidas por Lucas, e incluídas numa sessão (8, 4-21) que tem por tema a Palavra de Deus. É nesta perspectiva que as lemos.
    A primeira unidade (v. 16) parece temer o risco do anonimato: não se põe a luz debaixo da cama. É uma advertência aos cristãos que - por medo ou porque julgam inútil fazê-lo - não se expõe publicamente. A Palavra é pública e visível: escondê-la é fazê-la morrer. A segunda unidade (v. 17) parece temer o risco do segredo. É uma advertência aos grupos de cristãos que se fecham em si mesmos, anunciando a Palavra em segredo, apenas aos iniciados. Mas a Palavra é para todos, pela sua natureza missionária. A terceira unidade (v. 18) é mais difícil. É certo que chama a atenção para a importância da escuta, ou para o modo como se escuta: «Vede, pois, como ouvis». Há quem não escuta, mas também há quem escuta mal. Que significa a expressão: «porque àquele que tiver, ser-lhe-á dado; mas àquele que não tiver, ser‑lhe‑á tirado mesmo o que julga possuir»? E que significa o "porque"? (v. 18) que condiciona o crescimento ou a perda da palavra? Significa talvez que é preciso escutar bem, porque é a escuta que enriquece. Quem não escuta ou escuta mal, empobrece. Não só não cresce, mas também perde o que julga possuir. A escuta da Palavra é, pois, o caminho necessário para crescer na fé. Se falta a escuta, a fé definha e morre.

    Meditatio

    Para entrarmos em comunhão com Deus, para acolhermos o seu projecto de amor sobre nós, há uma condição: escutar a sua Palavra. É a Palavra do Senhor que nos permite enfrentar condições difíceis e empreender novos caminhos. Foi a Palavra do Senhor que moveu os exilados a porem de parte os interesses consolidados em Babilónia para regressarem a Jerusalém e iniciarem a reconstrução do templo, da cidade e do povo de Deus.
    «Vede como ouvis», diz-nos o Senhor (Lc 8, 18). Tudo começa por uma boa escuta da Palavra de Deus e pela obediência a essa Palavra. O Senhor e a sua Palavra são causa digna à qual dedicar tudo o que somos: «Pois, àquele que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado» (Mt 13, 12). Se escutarmos a Palavra de modo adequado (escuta integral, constante e obediente, aderente à existência) experimentamos a luz do evangelho e tornamo-nos testemunhas eficazes. Há que escutar e aprofundar a Palavra. Há que acolhê-la com todo o coração.
    Na reconstrução do templo, lemos a profecia da morte e da ressurreição de Cristo: o templo destruído, ressurge. A ressurreição é a verdadeira reconstrução do Templo de que, também nós, fazemos parte.
    No édito de Ciro há um pormenor que nos toca de perto. É verdade que o novo templo de Jerusalém é reconstruído pelos Judeus. Mas também os pagãos são chamados a colaborar: «Todos os sobreviventes, onde quer que habitem, sejam providos pelos habitantes das localidades onde se encontram, de prata, ouro, cereais, gado e ofertas voluntárias para o templo do Deus que reside em Jerusalém» (v. 4). Esta ideia é retomada por Paulo, quando fala da oferenda dos gentios (cf. Rm 15, 16). Mas, quando a palavra de Deus se realiza, a realização ultrapassa sempre o que se tinha entendido num primeiro momento: a oferenda dos gentios é, na verdade, a oferenda de si mesmos, como pedras para a construção do novo templo. Nós, que não éramos povo de Deus, fomos aceites para formar o templo de Deus, com os Apóstolos e os Profetas (cf. 1 Pe 2, 5.10).
    Reconhecemos nesta página a nossa própria história, o privilégio q
    ue temos em participar na construção do templo de Deus, não só com ofertas materiais, mas com a oferta da nossa pessoa, unida à oferta do Senhor Jesus.
    Podemos descobrir a convergência profunda entre a nossa espiritualidade dehoniana e o apostolado missionário nos ensinamentos do Vaticano II. O decreto Ad Gentes, propõe-nos três razões para fundamento da actividade missionária. Ora essas razões são características da nossa espiritualidade: a vontade do Pai, que quer que todos os homens se salvem e participem na salvação realizada por Cristo Jesus; a exigência de amor, de caridade que anima a Igreja, Corpo de Cristo; a constituição de todo o género humano no único Povo de Deus, a sua reunião no único corpo de Cristo, a sua edificação no único templo do Espírito Santo"... À convergência profunda entre o apostolado missionário e a nossa espiritualidade deve corresponder um adequado estilo de vida missionária.

    Oratio

    Senhor, torna-nos atentos à tua Palavra, para que suscite em nós o desejo de retomarmos o caminho Contigo, abandonando o exílio das nossas ilusórias seguranças. Ajuda-nos a redescobrir a alegria de reconstruir o teu povo, o esforço nem sempre fácil mas fecundo de ser Igreja. Então venceremos o medo, seremos livres, verdadeiros, e testemunhas credíveis, conscientes de termos sido chamados a iluminar todos os que se encontram em casa. Ao mesmo tempo, seremos um sinal de esperança para o mundo inteiro. Amen.

    Contemplatio

    Contra todas as regras, o processo (de Jesus) desenrola-se no meio da noite. Todo o Sinédrio está lá, saturado de ódio. Estão decididos a pronunciar a condenação à morte. Prepararam falsas testemunhas. Tinham enviado nos dias anteriores espiões assistirem às pregações de Jesus. As testemunhas desfilam, mas não estão de acordo. Entretanto há duas que dizem alguma coisa que concorda. «Ouvimo-lo dizer, atesta o primeiro: posso destruir o templo de Deus e reconstruí-lo em três dias». - «Este homem disse, atesta o segundo: Destruirei este templo construído pela mão do homem e em três dias reconstruirei outro». Não era exacto, nem concordante. Jesus tinha dito do seu corpo: «Destruí este templo e eu o reconstruirei em três dias». No entanto, o sumo sacerdote, quer ver nisto um desprezo pelo templo e a pretensão a um poder mágico. Diz a Jesus com cólera: «Nada respondes a estas acusações?». E Jesus calava-se. Admirável silêncio, magnífico testemunho de paciência, de doçura, de abandono à vontade de Deus! Jesus nada tinha a responder a semelhantes testemunhas. Os seus testemunhos são falsos e não concordam. Os juízes sentem isso perfeitamente. Jesus cala-se. Não quer opor-se à condenação. Tem sede de ser julgado, condenado e morto em nosso lugar. (Leão Dehon, OSP 3, p. 292).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Vede como ouvis» (Lc 8, 18).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Quarta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Quarta-feira

    27 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Esdras 9, 5-9

    Na hora da oblação da tarde, levantei-me da minha aflição, com as minhas vestes e o meu manto rasgados; e, então, caindo de joelhos, estendi as mãos para o Senhor, meu Deus, 6e disse: «Meu Deus, estou envergonhado e confuso, ao levantar a minha face para ti, meu Deus; porque as nossas iniquidades acumulam-se sobre as nossas cabeças, e os nossos pecados chegam até ao céu. 7Desde o tempo dos nossos pais até ao dia de hoje, temos sido gravemente culpados; e, por causa das nossas iniquidades, fomos escravizados, nós, os nossos reis e os nossos sacerdotes, entregues à mercê dos reis dos outros países, à espada, ao cativeiro, à pilhagem e à vergonha que nos cobre ainda o rosto nos dias de hoje. 8Entretanto, o Senhor, nosso Deus, testemunhou-nos a sua misericórdia, deixando subsistir um resto do nosso povo e concedeu-nos refúgio no seu lugar santo. O nosso Deus quis, assim, fazer brilhar aos nossos olhos a sua luz e dar-nos um pouco de vida no meio da nossa servidão. 9Porque nós somos escravos, mas o nosso Deus não nos abandonou no nosso cativeiro. Ele concedeu-nos a benevolência dos reis da Pérsia, conservando-nos a vida para reconstruirmos a morada do nosso Deus e reerguermos as suas ruínas, e prometeu-nos um refúgio seguro em Judá e em Jerusalém.

    Depois da reconstrução do templo (cf. Esd 6), era preciso reconstruir a cidade santa e organizar a comunidade. À volta de Esdras reúnem-se as pessoas que temem a palavra de Deus (cf. 9, 4s.) e que estão dispostas a apoiar a sua política de restauração. Esdras reza com elas uma oração de carácter penitencial. Trata-se de uma espécie de pregação penitencial em forma de oração. Esdras começa a falar na primeira pessoa do singular; mas logo passa a falar no plural, unindo a si a comunidade pecadora do passado e do presente. Os pecados dos antepassados atraíram o castigo de Deus. Mas, ao castigo, sucedeu o perdão e a preservação de um "resto": Esdras refere-se aos exilados que regressaram do desterro e reconstruíram o templo e a vida nacional. Depois, verifica que, afinal, também esse "resto" infringiu as cláusulas da aliança, que proibia a mistura com os pagãos, nomeadamente o casamento com mulheres estrangeiras (cf. Dt 7, 1-6). Esdras termina a sua oração exortando o povo e fazendo-o tomar consciência da sua responsabilidade. O pequeno "resto" resgatado do naufrágio do exílio deve manter-se incontaminado. A atitude de Esdras revela rigidez e intransigência, e até, segundo alguns exegetas, racismo: «Tomaram, entre as filhas deles, mulheres para si e para os seus filhos. Assim, a raça santificada misturou-se com a dos habitantes do país. Os chefes e magistrados foram os primeiros a cometer este pecado» (Esd 9, 2). Os livros de Jonas e de Rute são muito mais abertos e ecuménicos.

    Evangelho: Lucas 9, 1-6

    Naquele tempo, Jesus, 1tendo convocado os Doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demónios e para curarem doenças. 2Depois, enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar os doentes, 3e disse-lhes: «Nada leveis para o caminho: nem cajado, nem alforge, nem pão, nem dinheiro; nem tenhais duas túnicas. 4Em qualquer casa em que entrardes, ficai lá até ao vosso regresso. 5Quanto aos que vos não receberem, saí dessa cidade e sacudi o pó dos vossos pés, para servir de testemunho contra eles.» 6Eles puseram-se a caminho e foram de aldeia em aldeia, anunciando a Boa-Nova e realizando curas por toda a parte.

    Jesus pregou a conversão, expulsou demónios e curou os doentes. Essa é também a tarefa do discípulo missionário (v. 1s.).
    Antes de mais nada, Jesus ordena ao missionário que leve consigo apenas o estritamente necessário, e nada mais (v. 3). É um convite à pobreza entendida como liberdade (deixar para seguir) e fé (o próprio Senhor tomará conta dos seus discípulos). Depois, vem uma norma de bom senso: o discípulo itinerante não ande de casa em casa, mas escolha uma casa digna e hospitaleira, ficando nela o tempo necessário (v. 4). Finalmente, uma sugestão sobre o comportamento em caso de recusa. A recusa está, de facto, prevista: é confiado ao discípulo uma missão; mas não lhe é garantido o sucesso. Diante da recusa, deve comportar-se como Jesus: quando é recusado num lugar, vai para outro (v. 5). «Sacudir o pó» é um gesto de juízo, não de maldição: serve para sublinhar a gravidade da recusa, da ocasião perdida.

    Meditatio

    O Evangelho é anúncio do desígnio eterno de Deus, manifestado em Cristo, de convocar um povo que experimente a sua proximidade, a força de um amor que transforma todas as situações e faz brilhar os nossos olhos porque, como aos exilados em Babilónia, Deus nos liberta da escravidão do nosso pecado, do deserto do nosso desespero.
    A construção da casa de Deus não é obra humana. Só Jesus tem esse poder, e o transmite aos Doze: «Tendo convocado os Doze, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demónios e para curarem doenças» (Lc 9, 1). Mas, para que ficasse claro que a obra, a que foram chamados, não é obra humana, Jesus pediu-lhes que não se preocupassem com nada, nem com o que parece indispensável: «Nada leveis para o caminho: nem cajado, nem alforge, nem pão, nem dinheiro; nem tenhais duas túnicas» (Lc 9, 3).
    A primeira leitura mostra-nos que a construção do Povo de Deus é obra divina, que havemos de preparar com a humilde confissão dos nossos pecados «Meu Deus, estou envergonhado e confuso, ao levantar a minha face para ti, meu Deus; porque as nossas iniquidades acumulam-se sobre as nossas cabeças, e os nossos pecados chegam até ao céu» (v. 6). Este reconhecimento do pecado pessoal e do pecado colectivo é condição para «reerguer a casa de Deus» e «restaurar as ruínas». Sem a humilde e o arrependimento dos pecados, a obra divina não pode realizar-se. Mas, sobre os fundamentos da humildade e do arrependimento, Deus pode construir, e fá-lo com a abundância da sua misericórdia. É por isso que um antigo padre do deserto afirmou: «o primeiro degrau para subir à santidade é reconhecer o próprio pecado». Também o melhor meio de contribuirmos para a edificação da Igreja é oferecermos o nosso arrependimento e a nossa dor por causa dos nossos pecados, confiando sempre na misericórdia divina.
    Aceites com o mesmo amor de Cristo, os nossos sofrimentos e a nossa própria morte, tornam-se tempos de «união à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens» (Cst 6), são, no mistério do Corpo Místico e da Comunhão dos Santos, um eficaz apostolado (cf. Cst 31). Somos, deste modo, sacerdotes e vítimas em Cristo Sacerdote e Vítima; somos Eucaristia viva do Senhor: «Correspondemos, assim, a uma exigência da nossa vocação reparadora (cf. Cst 6.22.24.26.27). Na adoração eucarística, queremos aprofundar a nossa u
    nião ao sacrifício de Cristo para a reconciliação dos homens com Deus (Cst 83); somos «Oblatos, Sacerdotes do Coração de Jesus» que, conforme a vontade do Pe. Dehon, unem «de forma explícita, a sua vida religiosa e apostólica à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens» (Cst 6).

    Oratio

    Senhor Jesus, o teu Evangelho é refúgio, consolação, cura, libertação, força de construção e reconstrução de cada um de nós e do teu Povo, a Igreja. Faz-me um mensageiro ardoroso da Boa Nova, para que a anuncie com solidez de fé e generosidade de obras. Dá-me a graça de exercer a missão que me confias com alegria, livre de preocupações humanas, mas unicamente interessado no bem dos meus irmãos e irmãs. Faz-me desconfiar de mim, e abandonar-me ao poder do teu nome. Amen.

    Contemplatio

    A meditação afectuosa da sua vida de menino ensinará a que nos coloquemos/254 nas suas mãos com uma confiança de criança! É o fruto que devemos colher das afeições da sua infância. É preciso deixarmos que ele actue, é preciso que nos abandonemos a ele. Resignar-se e fazer alguns sacrifícios não basta; o que ele quer, é que o amemos e que nos abandonemos com confiança ao seu amor. O abandono amoroso, eis o que lhe agrada, o que faz estremecer o seu coração e lhe dá as mais doces alegrias. Quando uma alma se abandona ao seu amor, não conta mais com ela. Toma-a ao seu cuidado como de si mesmo. Permite que este coração dedicado se funda e se perca no seu. Como Jesus não faz senão um só com o seu Pai, a alma consagrada também não faz senão um só com Ele. É para Ele mais do que um amigo, é de algum modo um outro que Ele mesmo: «Como vós estais em mim, meu Pai, e Eu em vós, dizia Nosso Senhor, que assim estes discípulos consagrados não sejam senão um só como nós: Como Tu, Pai, estás em mim e eu em Ti,Sicut tu Pater in me et ego in te, ut et ipsi in nobis unum sint (Jo 17,21). (Leão Dehon, OSP 2, pp. 573s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Nada leveis nada para o caminho» (Lc 8, 21).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Quinta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Quinta-feira

    28 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Ageu 1, 1-4

    No segundo ano do reinado de Dario, no primeiro dia do sexto mês, a palavra do Senhor foi dirigida, por intermédio do profeta Ageu, a Zorobabel, filho de Salatiel, governador de Judá, e a Josué, filho de Joçadac, Sumo Sacerdote, nestes termos: 2«Eis o que diz o Senhor do universo: Este povo diz: 'Não chegou ainda o momento de reedificar o templo do Senhor.'» 3E a palavra do Senhor foi dirigida por meio do profeta Ageu, nestes termos: 4«É então tempo para vós habitardes em casas confortáveis, enquanto esta casa está em ruínas?»

    Ageu, profeta pós-exílico, é o primeiro dos chamados "profetas menores". Não é que a sua inspiração profética seja menor que a dos outros. Mas, tendo tido grande importância na reconstituição de Israel como povo, é relativamente insignificante para nós, o Novo Israel, pela extensão e pelo conteúdo da sua obra. A sua mensagem está centrada na reconstrução do templo. Para que o povo seja abençoado pelo Senhor, para que tenha uma vida rica de sentido, deve empenhar-se na reconstrução do templo, causa da presença visível, sensível, de Deus de Israel.
    O seu primeiro oráculo, que hoje escutamos, é um insistente convite a que se termine as obras do templo. O profeta responde, certamente, às objecções dos que apontam as reais dificuldades da obra. O templo é mais importante que uma habitação cómoda e segura: «É então tempo para vós habitardes em casas confortáveis, enquanto esta casa está em ruínas?» (v. 4). Sem o templo, falta algo de muito importante para a vida do povo.

    Evangelho: Lucas 9, 7-9

    Naquele tempo, o tetrarca Herodes ouviu dizer tudo o que se passava; e andava perplexo, pois alguns diziam que João ressuscitara dos mortos; outros, 8que Elias aparecera, e outros, que um dos antigos profetas ressuscitara. 9Herodes disse: «A João mandei-o eu decapitar, mas quem é este de quem oiço dizer semelhantes coisas?» E procurava vê-lo.

    Herodes está perplexo: quem é Jesus de quem todos falam? Fazem-se diversas conjecturas: é João ressuscitado, é Elias, é um profeta. O povo apercebe-se da grandeza de Jesus. Mas erra ao compará-lo com figuras do passado. Jesus é uma novidade absoluta. Para compreendê-lo é preciso olhar para Ele, e mais ninguém.
    Herodes é um homem culto e prático. Quer encontrar Jesus e dar-se pessoalmente conta da sua identidade. Se fosse movido por boas intenções, como no caso de Zaqueu (cf. Lc 19, 3), seria uma atitude positiva. Mas não era esse o caso. Já o confessar a si mesmo, cinicamente e sem remorsos, ter matado João Baptista, para calar a sua voz incómoda, mostra como a sua vontade de ver Jesus era apenas curiosidade superficial. Tudo isso ficará claro na narrativa da paixão (cf. Lc 23, 8-10). Herodes representa o homem curioso que não quer tornar-se discípulo de Jesus, mas apenas quer ver fenómenos extraordinários, talvez até realizados por Jesus. É o prurido de ouvir novidades, que também Paulo condenará.

    Meditatio

    O livro do profeta Ageu, apesar de não ter para nós, novo povo de Deus, a importância que teve para o antigo povo de Deus, conserva ainda aspectos de grande actualidade. A mensagem do profeta está centrada na reconstrução do templo, habitação de Deus no meio do seu povo.
    Como lemos no livro de Esdras, Ciro permitiu o regresso dos exilados a Jerusalém. Passados muitos anos, já no tempo de Dário, o povo vivia em boas casas, mas tinha descuidado a reconstrução do templo, a morada do Senhor. Surge, então, o profeta Ageu, que clama: «É então tempo para vós habitardes em casas confortáveis, enquanto esta casa está em ruínas?» (v. 4). Esta advertência do profeta é uma boa ocasião para fazermos um exame de consciência e verificarmos se não caímos, também nós, na tentação de nos interessarmos primeiro pela nossa "casa", deixando ao abandono a casa de Deus. A casa de Deus, hoje, é a Igreja. Também ela precisa de cuidados, de serviços feitos com zeloso e coragem, de testemunhos entusiastas e perseverantes. O aviso do profeta, que encontrou eco no coração de tantos santos e santas, por exemplo, em Francisco de Assis, continua actual: «Subi à montanha, trazei madeira e reedificai a casa; ela me será agradável e nela serei glorificado» (1, 8).
    Há que trabalhar na Igreja, para que, cada vez mais, resplandece no mundo como sinal e instrumento da salvação realizada por Jesus Cristo. Trabalhar pela Igreja, segundo os carismas e os ministérios de cada um, não é tarefa fácil. Mas é, sem dúvida, apaixonante. Dá sentido à vida. Por isso, tantos irmãos e irmãs se entregaram e entregam a ela, muitas vezes a vida inteira. Pensemos nos sacerdotes, nos religiosos e religiosas, nos missionários e missionárias, em tantos leigos e leigas comprometidos ao serviço do povo de Deus. Infelizmente, talvez sobretudo nos países de antiga tradição cristã, são ainda muitos aqueles que se contentam com uma religiosidade descomprometida, que apenas procura o sensacionalismo, que não passa de conversa inútil e superficial, semelhante à de Herodes Antipas.
    Seguir Jesus implica compromisso pessoal para que se realize o seu projecto de reunir o povo de Deus para o tempo da salvação. Peçamos ao Senhor a graça de um zelo ardoroso em servi-lo. Que não nos limitemos a buscar os nossos interesses.
    «Longe de nos alhear dos homens, a nossa profissão dos conselhos evangélicos torna-nos mais solidários com a sua vida. Na nossa maneira de ser e de agir, pela participação na construção da cidade terrena e na edificação do Corpo de Cristo, devemos testemunhar eficazmente que é o Reino de Deus e a sua justiça que se devem procurar antes de tudo e acima de tudo (cf. Mt 6,33). «E não se julgue que os religiosos, pela sua consagração, se alheiam dos homens ou se tornam inúteis à sociedade terrena. Pois, embora algumas vezes não se ocupem directamente dos seus contemporâneos, têm-nos presentes, de modo mais profundo, nas entranhas de Cristo e colaboram espiritualmente com eles, a fim de que a edificação da cidade terrena se alicerce sempre no Senhor e para Ele se oriente, não suceda trabalharem em vão os construtores» (LG 46) (Cst 38).

    Oratio

    Senhor, infunde em mim o teu Espírito, para que ame o teu templo, a tua Igreja. Quando me parecer ofuscada por defeitos e pecados, que não a despreze, mas ponha mãos à obra de a reedificar, como fez outrora Francisco de Assis. Com o auxílio da tua graça, quero, como ele, reparar as ruínas da tua casa, esquecendo os meus próprios interesses e sonhos. Ensina-me, Senhor, a não buscar sinais prodigiosos, mas a contentar-me com a Palavra, que cada dia me ofereces, para meditar e rezar. Que em tudo e sempre, eu procure a tua gl&oa
    cute;ria. Amen.

    Contemplatio

    Grande santo, S. Leão Magno, conduzi-me pelos vossos caminhos. Fazei-me saborear o amor de Nosso Senhor, especialmente nos mistérios da Incarnação, da paixão e da Eucaristia. Ensinai-me a humildade, o zelo, o amor pela Igreja. Mas sobretudo obtende-me a graça de uma união mais íntima com Nosso Senhor no espírito de amor e de reparação. (Leão Dehon, OSP 3, p. 436).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Reedificai a casa; nela serei glorificado» (Ag 1, 8).

  • S. Miguel, S. Gabriel e S. Rafael, Arcanjos

    S. Miguel, S. Gabriel e S. Rafael, Arcanjos


    29 de Setembro, 2023

    No século V, já se celebrava em Roma, a 29 de Setembro, o aniversário da dedicação de uma basílica em honra do Arcanjo S. Miguel. Depois da reforma litúrgica recomendada pelo Concílio Vaticano II, acrescentou-se a memória de outros Arcanjos e de "todas as potências incorpóreas".

    Honrando os Arcanjos, exaltemos o poder de Deus, Criador do mundo visível e invisível, pois - como diz o Prefácio da Missa de hoje - "resulta em glória para Vós a honra que prestamos a eles como criaturas dignas de Vós; e a sua inefável beleza, Vós mostrais como sois grande e digno de ser amado sobre todas as coisas". S. Miguel é um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 7, 9-10.13s.

    Eu estava a olhar, quando foram preparados uns tronos, e um Ancião sentou-se. Branco como a neve era o seu vestuário, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura; o trono era feito de chamas, com rodas de fogo flamejante. 10Corria um rio de fogo que jorrava da parte da frente dele. Mil milhares o serviam, dez mil miríades lhe assistiam.O tribunal reuniu-se em sessão e foram abertos os livros. 11Eu olhava. Por causa do ruído das palavras arrogantes que o chifre proferia, esse animal foi morto e o seu corpo desfeito e atirado às chamas do fogo. 12Quanto aos outros animais, também lhes foi tirado o poderio; no entanto, a duração da sua vida foi-lhes fixada a um tempo e uma data. 13Contemplando sempre a visão nocturna, vi aproximar-se, sobre as nuvens do céu, um ser semelhante a um filho de homem. Avançou até ao Ancião, diante do qual o conduziram. 14Foram-lhe dadas as soberanias, a glória e a realeza. Todos os povos, todas as nações e as gentes de todas as línguas o serviram. O seu império é um império eterno que não passará jamais, e o seu reino nunca será destruído.

    A perícopa que escutamos hoje é tirada do chamado Apocalipse de Daniel (Capítulos 7-12). Ao profeta é concedida a visão dos eventos futuros (vv. 1-8) e, sobretudo, a participação no juízo de Deus sobre eles e sobre toda a história (vv. 9s.). Para além das aparências, os poderosos deste mundo não são nada; o Senhor é o único e verdadeiro rei (v. 9s.). Serve-O uma imensa corte de anjos que também O assiste na realização do seu desígnio. O profeta pode mesmo entrever esse desígnio: aparece-lhe um "Homem" de origem divina a quem Deus confia a soberania universal, um poder eterno e o seu próprio reino que as forças do mal jamais poderão destruir (v. 14). O «Filho do homem» é, pois, o centro e o fim do projeto de Deus acerca da história. Mas a sua realização - agora antecipada na profecia - acontecerá no tempo estabelecido e com a cooperação dos anjos.
    Evangelho João 1, 47-51

    Naquele tempo, Jesus viu Natanael, que vinha ao seu encontro, e disse dele: «Aí vem um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento.» 48Disse-lhe Natanael: «Donde me conheces?» Respondeu-lhe Jesus: «Antes de Filipe te chamar, Eu vi-te quando estavas debaixo da figueira!» 49Respondeu Natanael: «Rabi, Tu és o Filho de Deus! Tu és o Rei de Israel!» 50Retorquiu-lhe Jesus: «Tu crês por Eu te ter dito: 'Vi-te debaixo da figueira'? Hás-de ver coisas maiores do que estas!» 51E acrescentou: «Em verdade, em verdade vos digo: vereis o Céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo por meio do Filho do Homem.

    Há uma visão da realidade que vai além da imediata perceção. É o que nos revela Jesus no texto que escutamos hoje: «Vem e vê», dissera Filipe a Natanael. E Jesus, ao ver Natanael aproximar-se, exclama: «Vi (à letra) um israelita...». O seu ver é um conhecimento profundo do homem e da sua história. É deste ser visto/conhecido que nasce a abertura à fé e a disponibilidade para o seguimento (v. 49). Só então Jesus pode prometer ao discípulo a entrada numa visão da realidade semelhante à que Ele mesmo tem: «Maiores coisas do que estas hás-de ver!» ... «Em verdade, em verdade vos digo: vereis o Céu aberto e os Anjos de Deus subindo e descendo pelo Filho do Homem.» (vv. 50s.). O discípulo poderá compreender a imensa profundidade do mistério de Cristo que abrange o cosmos e dá sentido à história, e a cujo serviço cooperam miríades de anjos.
    O mundo transcendente de Deus - o céu - está agora aberto: em Jesus, Filho do homem, Deus desce ao meio dos homens e os homens podem subir até Deus. Os anjos são ministros deste «admirável comércio», desta inesperada comunhão.

    Meditatio

    Os anjos são seres misteriosos. O profeta Daniel também fala deles misteriosamente no texto que hoje escutamos na primeira leitura. Nós costumamos representá-los como homens de rosto suave e doce. Mas, na Sagrada Escritura, aparecem, muitas vezes como seres terríveis, que incutem temor, porque são manifestação do poder e da santidade de Deus, e nos ajudam a adorá-lo dignamente. Na visão de Daniel, o mais importante não são os Anjos, mas o "ser semelhante a um filho de homem" (v. 13), que é introduzido até ao trono de Deus, e a quem são "dadas soberania, glória e realeza" (v. 14), e a quem "as gentes de todas as línguas" servem (v. 14).
    O evangelho também nos mostra os Anjos subirem e descerem ao serviço do Filho do homem.
    Os Anjos estão, portanto, ao serviço do Filho do homem, isto é, de Jesus de Nazaré. A nossa adoração é, pois, dirigida a Deus e ao Filho de Deus.
    Todos nós entramos num projeto sonhado por Deus. Mergulhados num cosmos animado por invisíveis presenças que, tal como nós, participam no projeto de Deus, somos construtores de uma história que tem Cristo no centro e no fim. A caminhada avança na luta, com conflito implacável com as forças do mal que, todavia, jamais poderão destruir o reino que Deus confiou ao Filho do homem. O combate durará até ao fim dos tempos, tendo à frente, na primeira linha, os santos anjos de Deus: os arcanjos, guiados por Miguel, e todas as criaturas espirituais fiéis ao Senhor.
    Esta realidade que os nossos olhos não sabem ver foi-nos revelada para que, pela fé, esperança e caridade, combatamos o bom combate e apressemos a realização do reino de Deus. Se oferecermos o nosso humilde contributo, receberemos um olhar interior puro. Então contemplaremos a Misericórdia que abriu os céus e veio morar entre nós para nos abrir o caminho para o Pai onde, com os anjos, partilharemos a sua intimidade. Ele revelou-nos o mistério do homem para que, com os anjos, aprendemos a ir ao encontro dos irmãos. Introduziu-nos no seu Reino, para que, tornados voz de todas as criaturas, cantemos eternamente, com o coro angélico, a glória de Deus.

    Oratio

    Ó santo arcanjo Miguel, tão amigo do Coração de Jesus e tão amado por Ele, ajudai-me a fazê-lo reinar na sociedade e nas almas. Protegei particularmente os amigos e os apóstolos do Sagrado Coração. Terei gosto em vos invocar muitas vezes durante o dia, com Maria, José e S. João, para que me leveis ao Coração de Jesus. (Leão Dehon OSP 4, p. 298s.).
    Anjo glorioso, S. Gabriel, ensinai-me a bem servir a Jesus e a Maria. O que amais, são oshomens de desejo, assim o dissestes a Daniel. Pedi por mim a Jesus e a Maria, para que eu seja um homem de desejo. Unir-me-ei particularmente a vós para dizer a Ave Maria, e saudar o Coração de Jesus na sua Incarnação. (Leão Dehon OSP 3, p. 303).
    Arcanjo S. Rafael, vinde em nossa ajuda nas horas de medo e nas horas de doença. Tomai-nos pela mão e conduzi-nos pelo caminho certo e seguro da salvação.

    Contemplatio

    O anjo Gabriel veio a Nazaré e cumpriu o mistério que tomou o nome da Anunciação. Saudou Maria com estas palavras celestes que nós chamamos a saudação angélica: Eu vos saúdo, ó cheia de graça, o Senhor está convosco, bendita sois entre todas as mulheres.
    S. Gabriel é o anjo de Jesus e de Maria, o seu mensageiro, o seu camareiro. É o anjo da redenção, o anjo do Sagrado Coração... Ensinou-nos a bela saudação a Maria, que repetimos tantas vezes por dia. Unamo-nos muitas vezes a ele. Digamos com ele a saudação angélica... Anunciando a incarnação, foi o primeiro a saudar o Sagrado Coração de Jesus no seio de Maria. (Leão Dehon, OSP 3, p. 302s.)
    S. Miguel é o anjo de Jesus, o anjo da Igreja, e deve ser o anjo do Coração de Jesus, o porta-estandarte do Sagrado Coração... (Leão Dehon, OSP 4, p 298).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Quem como Deus?»

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    S. Miguel, S. Gabriel e S. Rafael, Arcanjos (29 Setembro)

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Sexta-feira

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Sexta-feira

    29 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Ageu 1, 15b - 3, 9

    No segundo ano do rei Dario, no vigésimo primeiro dia do sétimo mês, a palavra do Senhor fez-se ouvir por meio do profeta Ageu, nestes termos: 2«Fala ao governador de Judá, Zorobabel, filho de Salatiel, ao Sumo Sacerdote Josué, filho de Joçadac, e ao resto do povo: 3Quem é que resta entre vós que tenha visto este templo na sua glória passada? E como o vedes agora? Não vos parece que não é nada? 4Mas agora coragem, Zorobabel! Coragem, Josué, Sumo Sacerdote, filho de Joçadac! Coragem, povo todo do país! Mãos à obra! Pois Eu estou convosco - oráculo do Senhor do universo. 5Segundo a aliança que fiz convosco quando saístes do Egipto, o meu espírito permanece no meio de vós. Não temais. 6Porque assim fala o Senhor do universo: Ainda um pouco de tempo e Eu abalarei o céu e a terra, os mares e os continentes. 7Sacudirei todas as nações para que afluam os tesouros de todas as nações e encherei de glória este templo - diz o Senhor do universo. 8A prata e o ouro me pertencem - diz o Senhor do universo. 9O esplendor futuro deste templo será maior que o primeiro - oráculo do Senhor do universo, e neste lugar Eu darei a paz» - diz o Senhor do universo.

    O primeiro oráculo de Ageu parece ter surtido efeito. O povo retomou a reconstrução do templo, que tinha sido abandonada. Mas, para aqueles que tinham visto o anterior templo, como parece ter sido o caso de Ageu, o novo templo parecia bem pouca coisa. Então o profeta, talvez durante a Festa dos Tabernáculos, em que se festejava a dedicação do primeiro templo, proclama um novo oráculo de incitação a uma boa conclusão da obra: «Coragem, Zorobabel! Coragem, Josué, Sumo Sacerdote, filho de Joçadac! Coragem, povo todo do país! Mãos à obra! Pois Eu estou convosco- oráculo do Senhor do universo» (v. 4). A coragem a que convida o profeta fundamenta-se na promessa de Deus, que sempre está com os seus: «Eu estou convosco».
    Depois de reafirmar a presença de Deus, o profeta acrescenta outra promessa: haverá uma grande mudança no universo e entre as nações; os povos olharão para Jerusalém como centro da sua vida. Aí afluirão com os seus dons e materiais preciosos, que tornarão o actual templo mais sumptuoso que o de Salomão. Deus será reconhecido como senhor de toda a terra e como dador de paz para todos os povos.

    Evangelho: Lucas 9, 18-22

    18Um dia, quando Jesus orava em particular, estando com Ele apenas os discípulos, perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?» 19Responderam-lhe: «João Baptista; outros, Elias; outros, um dos antigos profetas ressuscitado.» 20Disse-lhes Ele: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «O Messias de Deus.»

    Lucas apresenta-nos um dos relatos mais centrais da tradição cristã. Para isso, retoma o tema do evangelho de ontem. A pergunta é idêntica. Agora, porém, é o próprio Jesus que a faz aos discípulos. Quem é Jesus? A resposta do povo é variada: anda no ar a suspeita de um qualquer "mistério", mas não há quem consiga sair dos esquemas religiosos comuns. Também os discípulos respondem de modo incompleto: pelo menos, a sua resposta pode ser mal entendida; por isso, Jesus lhes proíbe falar cf. V. 21). De facto, não é suficiente reconhecer Jesus como Messias. Que Messias? Só a cruz afastará qualquer mal-entendido. «O Filho do Homem tem de sofrer muito» (v. 22): a cruz não foi um acidente de percurso, mas de querido, de planeado por Deus. É esta a novidade inesperada e que escandalizará tanta gente. A presença de Deus manifestou no caminho da cruz, isto é, no dom de Si mesmo, não por uma qualquer imposição, mas por um amor que aceita ser contradito e derrotado. Se esse dom de Si tivesse sido inútil e definitivamente derrotado, não seria certamente um sinal de Deus. Mas a ressurreição fez dele esse sinal. É no dom de Si mesmo, que não recua perante o sofrimento e a morte, que está encerrada a vitória de Deus.

    Meditatio

    «Coragem, Zorobabel! Coragem, Josué, Sumo Sacerdote, filho de Joçadac! Coragem, povo todo do país! Mãos à obra! Pois Eu estou convosco... o meu espírito permanece no meio de vós. Não temais» (v. 4). Como devem ter sido encorajantes estas palavras para os desanimados reconstrutores do templo e da cidade de Jerusalém. Os Judeus tinham regressado à pátria com grandes sonhos e projectos. A reconstrução do templo era, sem dúvida, uma tarefa prioritária. Mas surgiram muitas dificuldades, seja pela falta de meios para uma tão grande obra, seja por causa dos comentários dos saudosos do antigo templo, que sessenta e tantos anos antes tinham contemplado a sua magnificência e o esplendor das suas liturgias. O actual parecia-lhes pouca coisa. Nesta situação de desânimo, ecoa a Palavra do Senhor: «coragem... Eu estou convosco... o meu espírito permanece no meio de vós. Não temais» (v. 4).
    Para sabermos as condições em que o Senhor trabalha connosco, precisamos de dar atenção às duas leituras de hoje. A. Vanhoye diz que elas lembram as regras de S. Inácio para os momentos de desolação e de consolação: quando nos sentimentos consolados, cheios de coragem e de optimismo, havemos de pensar nas dificuldades que hão-de vir, na desolação que há-de chegar e preparar-nos para ela. O evangelho vai nesse sentido. É um evangelho de consolação, porque é revelação do Messias. Jesus provoca a declaração entusiasta dos seus discípulos: «Tu és o Messias de Deus» (v. 20). Mas, logo a seguir, proíbe-lhes falar disso e, pelo caminho, fala-lhes do sofrimento e da morte que O esperam em Jerusalém. A mesma regra de S. Inácio diz que, no tempo da desolação, é preciso pensar na consolação que há-de vir, saber que não durará muito, que Deus nos ajudará, ou melhor, que já nos está a ajudar e que, por isso, podemos avançar com confiança e perseverança.
    O Evangelho dá-nos outra pista para bem compreendermos o oráculo de Ageu, segundo o qual o templo tinha de ser reconstruído com humildade e com uma certa angústia. De facto, Jesus diz aos discípulos: «O Filho do Homem tem de sofrer muito» (Lc 9, 22). É uma necessidade. Jesus tinha de ser recusado e morto, para ressuscitar no terceiro dia. N´Ele realiza-se verdadeiramente a profecia de Ageu, porque o seu corpo é o verdadeiro templo de Deus. No corpo de Cristo podemos encontrar a Deus. No corpo de Cristo, podemos todos formar o verdadeiro templo de Deus.
    Na nossa vida pessoal, e na vida da Igreja, não podemos esquecer estas realidades. Precisamos de períodos de sofrimento, e até de humilhação, para que o nosso espírito seja purificado, e a nossa oferta seja digna de Deus. Em vez de desanimarmos nas provações, temos que aumentar a nossa confi
    ança, porque elas são sinal que Deus trabalha em nós.

    Oratio

    Pai santo, não permitais que eu caia naquele tipo de lamentações, que só causam angústia e desânimo: «Antigamente é que era bom! Agora está tudo cada vez pior. Onde é que vai parar a Igreja?» Ajuda-me a viver com humildade e confiança, sabendo que estás connosco, que o teu Espírito está no meio de nós, e que nada temos a temer. Se Tu estás comigo, e com a tua Igreja, como firmemente creio, que eu esteja Contigo, que a tua Igreja esteja Contigo! Que a docilidade do teu povo se traduza no optimismo da fé, no optimismo que adere ao mistério de Cristo, morto e ressuscitado, no concreto da vida. Amen.

    Contemplatio

    «Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança». Tudo é mistério na vida e na morte de Jesus. O seu Coração sofreu durante toda a sua vida e especialmente na sua agonia, para expiar todos os pecados do nosso coração, todos as nossas más afeições, todos os nossos desejos maus. Quando o seu coração é aberto, já não sofre fisicamente, no entanto é ainda um ultraje que lhe é feito para completar a expiação. Mas o segredo desta ferida, é a abertura misteriosa do peito e do coração de Jesus; a abertura do peito que manifesta o seu Coração, a abertura deste Coração, que simboliza a efusão do amor.
    É doravante um Coração aberto para espalhar o seu amor e os seus benefícios. É o prelúdio longínquo da devoção ao Sagrado Coração. Oh! como esta lança cruel tem um aspecto amável! Abriu-nos o Coração de Jesus. Jesus amou a lança, como amou e abençoou a cruz e os cravos. Invejo a sorte desta lança que penetrou no Coração de Jesus. Quero-o também eu sondar, não como o apóstolo Tomé com um sentimento de dúvida e de curiosidade; quero sondá-lo numa contemplação amante; que perscrutar os seus abismos, as disposições de humildade, de doçura, de amor, de sacrifício. Toda a minha vida não será suficiente para isso. Eternamente sondarei este Coração aberto pela lança e encontrarei sempre nos seus abismos novos motivos de o louvar e de o amar. (Leão Dehon, OSP 3, pp. 242s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «O meu espírito permanece no meio de vós. Não temais» (Ag 4, 4).

  • Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Sábado

    Tempo Comum - Anos Ímpares - XXV Semana - Sábado

    30 de Setembro, 2023

    Lectio

    Primeira leitura: Zacarias 2, 5-9.14-15a

    Levantei os olhos e tive uma visão: Era um homem que tinha na mão um cordel de medir. 6Eu disse-lhe: «Para onde vais?» Ele respondeu-me: «Vou medir Jerusalém, para ver qual é a sua largura e qual é o seu comprimento.» 7Então o anjo que falava comigo mantinha-se imóvel, quando veio ao seu encontro outro anjo 8que lhe disse: «Corre, fala àquele jovem e diz-lhe: 'Jerusalém ficará sem muros, por causa da multidão de homens e de animais que haverá no meio dela. 9Mas eu serei para ela - oráculo do Senhor - como um muro de fogo à sua volta e serei no meio dela a sua glória.'» 14Rejubila e alegra-te, filha de Sião, porque eis que Eu venho para morar no meio de ti - oráculo do Senhor. 15Naqueles dias, muitas nações se unirão ao Senhor e serão meu povo

    Zacarias é um profeta contemporâneo de Ageu, mas bastante mais novo. Ambos colaboraram com a sua pregação para a reconstrução do templo. Desaparecido Ageu, Zacarias continuou o seu ministério por bastante mais tempo.
    Hoje escutamos a terceira visão do profeta Zacarias, que nos mostra um homem com um cordel de medir na mão. Esta imagem sugere imediatamente o regresso dos exilados, que começam a reconstruir a cidade santa, mas a mensagem alarga-se e torna-se uma profecia do tempo messiânico, em que Jerusalém não é simplesmente uma cidade como as outras, mas uma cidade muito florescente que vive sob a protecção de Deus, glória da cidade, isto é, Aquele que lhe dá verdadeiro valor.
    Temos novamente o motivo da presença fiel de Deus no meio do seu povo. Essa presença atrai os outros povos, que também experimentam a salvação. Zacarias sonha com a adesão de todos os homens ao Senhor. Essa adesão realiza a unidade dos homens num só povo, o povo de Deus.

    Evangelho: Lucas 9, 43b-45

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: 44«Prestai bem atenção ao que vou dizer-vos: o Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens.» 45Eles, porém, não entendiam aquela linguagem, porque lhes estava velada, de modo que não compreendiam e tinham receio de o interrogar a esse respeito.

    O povo, e os próprios discípulos, estão admirados com as maravilhas que Jesus faz. Mas Ele interrompe a euforia dos mais próximos, os Apóstolos, para lhes falar novamente da cruz que O espera. A diferença é clamorosa: o que deve interessar aos discípulos não é a glória do Mestre, mas o seu «ser entregue nas mãos dos homens» (v. 44). É isso que devem compreender, sob pena de não perceberem correctamente a identidade de Jesus e a verdade da sua revelação. Compreender a cruz significa compreender o lado mais luminoso, novo e imprevisível do rosto de Deus revelado em Jesus. Não se trata de um qualquer pormenor, mas do centro, do essencial.

    Meditatio

    As leituras de hoje lembram os dois aspectos do mistério de Cristo, que celebramos na Eucaristia. O evangelho lembra-nos o sofrimento de Cristo: «O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens» (v. 44). Os Apóstolos não conseguem aceitar este aspecto, porque é contrário aos seus sonhos de glória sem sofrimentos. Mas esses sonhos andam longe do plano de Deus. Deus glorifica o homem através da provação que o transforma e conduz à união com Ele. A primeira leitura lembra-nos a glória. Zacarias, como Ageu, pregou a reconstrução do templo e da cidade de Jerusalém. É preciso reconstruir o templo. Mas também é preciso reconstruir a cidade, que tem no templo o seu centro, o seu coração. Para Zacarias, Jerusalém reconstruída, com o templo reedificado, será uma cidade maravilhosa, uma cidade grande, a cidade de Deus: «Jerusalém ficará sem muros, por causa da multidão de homens e de animais que haverá no meio dela. Mas eu serei para ela - oráculo do Senhor - como um muro de fogo à sua volta e serei no meio dela a sua glória.'» (v. 8s.). O Senhor está dentro e fora de Jerusalém. Está em todo o lado, na cidade que é sua. Esta imagem da nova Jerusalém irá concretizar-se de vários modos no Novo Testamento.
    O profeta diz à nova Jerusalém: «Rejubila e alegra-te, filha de Sião, porque eis que Eu venho para morar no meio de ti - oráculo do Senhor» (v. 14). A profecia de Zacarias evoca a maternidade divina de Maria e, ao mesmo tempo, a sua maternidade humana. Maria é Mãe da Igreja e Mãe dos fiéis: «Muitas nações se unirão ao Senhor e serão meu povo» (v. 15). Nós somos parte dessas numerosas nações. Habitamos a nova cidade que Cristo construiu com a sua ressurreição, a Igreja, cidade cheia de glória. O Senhor está no meio dela.

    Oratio

    Nós Te adoramos e bendizemos, Senhor Jesus Cristo, que pela tua santa cruz remiste o mundo. Que a contemplação do teu mistério pascal nos renove e torne cada vez mais semelhantes a Ti. Que, pela graça do teu Espírito, cresça em nós o homem novo, à tua imagem e semelhança. Que sejamos membros vivos do Templo que é o teu Corpo e pedras vivas da nova Jerusalém, que ergues no mundo como ser sinal e instrumento de salvação para todos os homens. Amen.

    Contemplatio

    Jesus quis crescer sem cessar nesta justiça aos olhos dos homens. Dela se alimentava: o seu alimento era fazer a vontade do seu Pai (Jo 4, 34). Avançava cada dia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e diante dos homens (Lc 2, 52). Deu ao seu Precursor a mesma graça de crescimento quotidiano: o menino crescia e fortificava-se em espírito (Lc 1, 80). Quer que nós cresçamos também cada dia ou antes é Ele que quer crescer em nós como em seu corpo místico. S. Paulo descreve admiravelmente este crescimento de Jesus em nós: «Deu-nos, diz, apóstolos, pastores, doutores, para a consumação dos santos pela obra do ministério sacerdotal, e para a edificação do corpo de Cristo: até que cheguemos à unidade da fé, ao conhecimento geral do Filho de Deus, à perfeição do cristão e à plena medida de Cristo vivendo na Igreja... para que não sejamos como crianças hesitantes e facilmente enganadas, mas que cumpramos a verdadeira justiça na caridade, e que cresçamos plenamente em Cristo nosso chefe, para nos tornarmos com Ele um só corpo bem compacto, onde circulará a vida segundo a vocação e a medida de cada membro, de maneira a realizar o desenvolvimento harmonioso de Cristo na caridade» (Ef 4, 11-16). Ó Senhor, tenho sede deste crescimento e desta vida, mas para isso é preciso que me alimente assiduamente de vós, da vossa graça, dos vossos ensinamentos, dos vossos mistérios, dos vossos sacramentos; é preciso que eu beba sem cessar nas fontes do amor, nas fontes vivificantes do vosso Coração, que é fruto de vida e fonte de salvação. É preciso que me abstenha de todo o alimento prejudi
    cial, de tudo o que é o mundo e a carne, que não toque nem prove isso, sob pena de parar o meu crescimento com este veneno (Cl 2, 21). É só de vós que tenho fé, ó meu Salvador, vinde e saciai o meu coração e a minha alma. (Leão Dehon, OSP 4, p. 42s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
    «Eu venho para morar no meio de ti» (Zc 2, 14)

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