Eventos Abril 2024

  • 1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    1 de Abril, 2024

    1ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 2, 14. 22-33

    No dia do Pentecostes, Pedro de pé, com os Onze, ergueu a voz e dirigiu-lhes então estas palavras:«Homens da Judeia e todos vós que residis em Jerusalém, ficai sabendo isto e prestai atenção às minhas palavras.Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e sinais que Deus realizou no meio de vós por seu intermédio, como vós próprios sabeis, 23este, depois de entregue, conforme o desígnio imutável e a previsão de Deus, vós o matastes, cravando-o na cruz pela mão de gente perversa.
    4Mas Deus ressuscitou-o, libertando-o dos grilhões da morte, pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte. 25David diz a seu respeito: 'Eu via constantemente o Senhor diante de mim, porque Ele está à minha direita, a fim de eu não vacilar. 26Por isso o meu coração se alegrou e a minha língua exultou; e até a minha carne repousará na esperança, 27porque Tu não abandonarás a minha vida na habitação dos mortos, nem permitirás que o teu Santo conheça a decomposição.
    28Deste-me a conhecer os caminhos da Vida, hás-de encher-me de alegria com a tua
    presença. ' 29Irmãos, seja-me permitido falar-vos sem rodeios: o patriarca David morreu e foi sepultado, e o seu túmulo encontra-se, ainda hoje, entre nós. 30Mas, como era profeta e sabia que Deus lhe prometera, sob juramento, que um dos descendentes do seu sangue havia de sentar-se no seu trono, 31viu e proclamou antecipadamente a ressurreição de Cristo por estas palavras: 'Não foi abandonado na habitação dos mortos e a sua carne não conheceu a decomposição. ' 32Foi este Jesus que Deus ressuscitou, e disto nós somos testemunhas. 33Tendo sido elevado pelo poder de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou-o como vedes e ouvis.

    «Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e sinais... depois de entregue... vós o matastes, cravando-o na cruz... Mas Deus ressuscitou-o». Estas palavras de Pedro, na manhã do Pentecostes, constituem o anúncio fundamental, o Kerigma, que a Igreja é chamada a fazer a todos os povos, a começar por Jerusalém. Jesus foi condenado e executado. Mas Deus confirmou a justeza da sua causa, ressuscitando-O dos mortos. Aliás, tudo estava previsto, conforme verificamos no salmo 15. O que não se realizou em David, realizou-se em Jesus de Nazaré, que Deus ressuscitou dos mortos. Os apóstolos são testemunhas desse facto. Pedro evoca a vida exemplar de Jesus, evoca a sua morte levada a cabo pelos judeus e pelos pagãos, e evoca a sua ressurreição. Tudo aconteceu conforme o plano de Deus delineado nas Escrituras.
    Temos aqui um exemplo da primeira pregação apostólica, centrada em Jesus de Nazaré, na sua acção, na responsabilidade de quem O recusou, e na total presença de Deus em todos os momentos da sua maravilhosa vida.

    Evangelho: Mateus 28, 8-15

    Naquele tempo, Maria Madalena e a outra Maria, 8afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias de temor e de grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos. 9Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes: «Salve!» Elas aproximaram-se, estreitaram-lhe os pés e prostraram-se diante dele. 10Jesus disse- lhes: «Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.» 11Enquanto elas iam a caminho, alguns dos guardas foram à cidade participar aos sumos-sacerdotes tudo o que tinha acontecido! 12Eles reuniram-se com os anciãos; e, depois de terem deliberado, deram muito dinheiro aos soldados, 13recomendando-lhes: «Dizei isto: 'De noite, enquanto dormíamos, os seus discípulos vieram e roubaram-no.' 14E, se o caso chegar aos ouvidos do governador, nós o convenceremos e faremos com que vos deixe tranquilos.» 15Recebendo o dinheiro, eles fizeram como lhes tinham ensinado. E esta mentira divulgou-se entre os judeus até ao dia de hoje.

    Enquanto as mulheres, tendo-se encontrado com Jesus, correm a levar a notícia aos apóstolos (vv. 8-10), os guardas também correm a informar os sumos- sacerdotes sobre o curso dos acontecimentos (vv. 11-15). Entretanto Mateus centra a sua e a nossa atenção no túmulo vazio. Perante essa realidade, podemos tirar duas conclusões: ou Jesus ressuscitou, de verdade, ou os discípulos roubaram o seu corpo. Mas o episódio está organizado de tal modo que não deixa muito espaço a dúvidas. O testemunho das mulheres não dá hipóteses à mentira dos sumos-sacerdotes: «Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (v. 10). Só uma fé semelhante à das mulheres torna possível acolher o anúncio da ressurreição.
    Mateus escreve no século I, quando ainda estava bem acesa a polémica sobre a ressurreição de Cristo entre os chefes do povo e a comunidade dos discípulos. Para o evangelista, a ressurreição de Jesus era um facto indubitável, que tinha inaugurado os novos tempos e o Reino de Deus fundado no amor. Mas os chefes do povo judeu continuavam a rejeitar Jesus, e à espera de outro salvador.
    A ressurreição continua a ser sinal de contradição: é fonte de vida e de salvação para quem está aberto à fé e ao amor; é motivo de juízo e de condenação para quem a recusa.

    Meditatio

    A visão dos Anjos, que anunciavam a ressurreição, trouxe às mulheres temor, mas também grande alegria. Mas essa alegria só será plena quando Jesus se manifestar pessoalmente a elas. É o que acontece logo de seguida: «Salve!», diz-lhes o Senhor ao encontrá-las. Então, puderam abraçar-Lhe os pés, adorá-l´O.
    O encontro com Jesus ressuscitado enche as mulheres de contentamento porque a Sua presença é presença de Deus. Jesus aponta-lhes o caminho da vida e da missão. Aquela experiência não era para ficarem quietas e caladas. Por isso, partem em missão: «Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (v. 10). Também para nós, a alegria da Ressurreição, há-de tornar-se compromisso de anúncio, de missão.
    A segunda parte do texto mostra-nos outro efeito da luz da Ressurreição, um
    efeito negativo naqueles que não estão dispostos a acolhê-la. Os guardas do sepulcro e os anciãos conspiram, recusando ver a luz: «Dizei isto: 'De noite, enquanto dormíamos, os seus discípulos vieram e roubaram-no.' » (v. 13). Santo Agostinho observa com ironia: «Se dormiam, como é que viram os discípulos roubar o corpo?&raquo
    ;
    É bem diferente o testemunho de Pedro sobre Jesus: «Vós o matastes,
    cravando-o na cruz... Mas Deus ressuscitou-o» (cf. vv. 3-4). Esta primeira pregação do Apóstolo ecoará ininterruptamente na pregação da Igreja ao longo dos séculos. Pedro e a Igreja existem para anunciar a Morte e a Ressurreição de Jesus. Estes factos encerram toda a negatividade da história e toda a positividade da vontade de Deus. Cada um de nós é apóstolo na medida em que anuncia esta verdade, e se sente

    identificado com ela. O ódio, as trevas, a morte foram vencidos pelo poder de Deus, porque Cristo ressuscitou, porque «pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte» (v. 4). Pedro e os outros Apóstolos anunciavam corajosamente a Ressurreição do Senhor. Anunciavam com poder, porque fizeram a experiência do Ressuscitado. Uma coisa é anunciar ao mundo Cristo, conhecido pelo estudo e, portanto, de modo muito abstracto; outra coisa é anunciar Cristo experimentado, vivido. Da experiência do Ressuscitado brota o testemunho eficaz e a acção em favor dos irmãos, o apostolado. Do apostolado, volta-se à experiência do Senhor. Quando temos uma experiência profunda e pessoal de Cristo, não há diferença essencial entre contemplação e apostolado. São dois modos diferentes de o amor oblativo se exprimir. Lembremos a legenda de Cassiano que fala do cão que corre porque viu a lebre e dos cães que correm porque viram o outro correr, mas não a lebre. Há uma boa diferença no modo de correr!
    Paulo VI, ao dirigir-se a religiosos de vida apostólica, afirma que "o anúncio da palavra de Deus", donde brota a fé, é uma "graça", "exige uma profunda união com o Senhor" (ET 9). "Múltiplos são os dons do Espírito, mas são tais que nos permitem sempre saborear o conhecimento íntimo e verdadeiro do Senhor" (ET 43): "O Espírito Santo dar-vos-á também a graça de descobrir o rosto do Senhor no coração dos homens, que Ele mesmo vos ensina a amar como irmãos. Ajuda-vos a recolher as manifestações do Seu amor na trama dos acontecimentos" (ET 44). São as experiências de Cristo Ressuscitado que tornam fecundo o nosso apostolado.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me um coração aberto à tua luz e disponível para a missão. Não falta neste mundo quem procure esconder a verdade, fechar-se à tua luz, refugiar-se em conspirações para defender os seus interesses, afastando-se cada vez mais da simplicidade da verdade e juntando confusão à confusão. Mas só quem se abre à verdade está em paz e pode avançar com simplicidade.
    Senhor Jesus, creio na tua ressurreição gloriosa. Faz crescer em mim um
    coração de apóstolo. Dá-me uma alma vibrante e generosa, combativa e acolhedora, uma alma que me leve a dar testemunho de Ti em todas as ocasiões, porque só Tu tens Palavras de vida e porque, só na realização do teu Reino, encontrarei a paz.
    Interceda por mim a tua Mãe, a Virgem Maria, Rainha dos Apóstolos. Amen.

    Contemplatio

    Mal se puseram a caminho, encontram Jesus diante delas. Salvete, eu vos saúdo, diz-lhes. Cheias de fé, prostram-se, adoram o seu Deus, beijam as cicatrizes gloriosas dos seus pés. Agarram-se a estes pés benditos: tenuerunt pedes ejus. Jesus deixa-as fazer. Poucos instantes antes, não tinha permitido que Madalena lhe tocasse. As almas têm caminhos diferentes. Madalena é uma alma contemplativa, Jesus exige dela uma fé mais pura e um perfeito desapego. Tem também de reparar sensualidades passadas. As duas Marias são parentes de Jesus, são almas mais simples. São trémulas e fracas, têm necessidade de acreditar e de sentir para crerem e amarem. Como a bondade do Coração de Jesus sabe acomodar-se às necessidades de cada alma! Se soubéssemos também discernir as vistas de Deus e nos deixássemos conduzir por um sábio director!
    Nosso Senhor interrompe a alegria das piedosas mulheres e transmite-lhes a mensagem que deu a Madalena: «Ide dizer aos meus irmãos que me precedam na Galileia, é lá que me hão-de ver».
    Partem, mas estão de tal modo perturbadas que já não pensam
    na mensagem, diz-nos S. Marcos. Correm sem dúvida para casa da santíssima Virgem. Nosso Senhor desculpa-as, mandará prevenir S. Pedro e os outros apóstolos reunidos no Cenáculo por Madalena e à noite ainda pelos discípulos de Emaús. Está, de facto, nos desígnios de Deus que os fiéis dêem a sua colaboração aos apóstolos.
    Em tudo isto, o Coração de Jesus mostra uma admirável ternura pelas almas que lhe estão ligadas e que lhe estão consagradas. Vencer-nos-á sempre em afeição. (Leão Dehon, OSP 3, p. 379).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não era possível que Jesus ficasse sob o domínio da morte» (cf. Act 2, 4)

  • 1ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    1ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    2 de Abril, 2024

    1ª Semana - Terça-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 2, 36-41

    No dia do Pentecostes, disse Pedro aos judeus: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado.»
    37Ouvindo estas palavras, ficaram emocionados até ao fundo do coração e perguntaram a Pedro e aos outros Apóstolos: «Que havemos de fazer, irmãos?» 38Pedro respondeu-lhes: «Convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo. 39Na verdade, a promessa de Deus é para vós, para os vossos filhos, assim como para todos os que estão longe: para todos os que o Senhor nosso Deus quiser chamar.» 40Com estas e muitas outras palavras, Pedro exortava-os e dizia-lhes: «Afastai-vos desta geração perversa.» 41Os que aceitaram a sua palavra receberam o baptismo e, naquele dia, juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas.

    O discurso de Pedro culmina com a confissão essencial da fé cristã: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado» (v. 36). Estas palavras provocam grande comoção nos ouvintes, que se dão conta da sua culpa na morte de Jesus. Mas, aos sentimentos de arrependimento, junta-se a percepção de que chegaram os últimos tempos. Embora não se fale explicitamente da segunda vinda de Cristo para realizar o juízo, ela está implícita na citação de Joel. Isto explica a reacção dos ouvintes: «Que havemos de fazer, irmãos?» (v. 37). É a pergunta que hão-de fazer todos aqueles que escutam o Evangelho. Pedro responde a todos: «convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo... recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (v. 38). É preciso, pois, mudar de mentalidade e de comportamento (metánoia), receber o baptismo «em nome de Jesus Cristo», o Enviado, o Messias, o Salvador. Receber o baptismo é sinal de abertura à vida nova, obra do Espírito que liberta da morte e oferece plenitude de vida. O perdão dos pecados, a libertação da morte e a vida nova no Espírito são oferecidos a todos os que, chamados por Deus, respondem confessando a fé: Jesus é o Senhor! Essa confissão liberta, os que a fazem, da «geração perversa» (v. 13), isto é, daqueles que, apegados a uma religiosidade legalista, querem impedir os outros de confessarem a fé em Jesus Cristo.
    As três mil conversões manifestam a força irresistível do Evangelho, e mostram-nos Pedro no seu novo trabalho de «pescador de homens» (Lc 5, 10).

    Evangelho: João 20, 11-18

    Naquele tempo, 11Maria Madalena estava junto ao túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo, 12e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. 13Perguntaram-lhe: «Mulher, porque choras?» E ela respondeu: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.» 14Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus, de pé, mas não se dava conta que era Ele. 15E Jesus disse-lhe: «Mulher, porque choras? Quem procuras?» Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: «Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o puseste, que eu vou buscá-lo.» 16Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: «Rabbuni!» - que quer dizer: «Mestre!» 17Jesus disse-lhe:
    «Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus.'» 18Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito.

    A ressurreição é um facto sobrenatural, testemunhado pelo mundo sobrenatural: jovem vestido de branco (Mc 16, 5), um anjo (Mt 28, 5), homens vestidos de branco (Lc 24, 4), dois anjos (Jo 20, 12). Ao longo de Jo 20, vemos o crescimento e a afirmação da fé dos primeiros discípulos em Jesus ressuscitado.
    O nosso texto compõe-se de duas partes: a aparição dos anjos a Maria (vv. 11-13) e a aparição de Jesus à mulher (vv. 14-18). Maria deve ser libertada de um apego ainda muito sensível ao Jesus terreno. A ultrapassagem desta visão terrena permite ao discípulo encontrar o Senhor. Maria não chega à fé em Cristo ressuscitado por meio dos anjos, que são simples interlocutores. De facto, só reconheceu o Senhor quando Ele pronunciou o seu nome: «Maria!» (v. 16), inaugurando nela uma nova vida. Ao reconhecer o Mestre (Rabbuni!), é convidada por Jesus a anunciar aos discípulos a Ressurreição. Torna-se então símbolo da fé plena, que se torna missionária e evangelizadora da Palavra de Jesus: «Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito» (v. 18).
    O encontro de Jesus com Maria Madalena, e o anúncio feito pela mulher aos irmãos, encerra uma importante mensagem para o discípulo de todos os tempos: o Senhor está vivo e cada um O deve procurar por meio de uma caminhada de fé, na certeza de que, se fizer a sua parte, o Senhor não tardará, por Sua vez, a vir-lhe ao encontro e a fazer-Se reconhecer.

    Meditatio

    Animados pelo Espírito Santo, os Apóstolos pregaram Jesus Cristo Morto e Ressuscitado. A Boa Notícia foi acolhida com entusiasmo e «juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas» (41). Como explicar tantas conversões? Estava-se no Pentecostes e o Espírito não actuava só nos Apóstolos, mas também nos seus ouvintes. O discurso de Pedro não era extraordinário nem irresistível. Mas os seus ouvintes ficaram fortemente emocionados com ele. E impõe-se uma conclusão: é o Espírito que torna fecunda a Palavra e converte os corações. O livro dos Actos ilustra esta verdade elementar: o protagonista da evangelização é o Espírito Santo.
    Parece que estamos a redescobrir na Igreja esse caminho, que exige mais paz e oração, e menos agitação e correrias. A pregação só toca os corações quando vai incendiada pelo fogo do Espírito.
    O evangelho comove e espanta pela sua simplicidade. Maria chora por aquilo que a devia encher de alegria. Mas ela ainda não sabe tudo, nem podia sabê-lo. Só um coração cavado pela dor pode ser repleto de alegria sobrenatural. Quantas vezes nos deixamos afundar na tristeza, em vez de exultarmos pela alegria que os sofrimentos nos preparam!
    Maria não reconhece Jesus porque se deixou envolver na sua ilusão humana:
    «Levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram» (v. 13). As suas palavras
    não estão totalmente erradas, porque expressam um profundo afecto pelo Senhor. Mas deve converter-se: procura um morto, e deve procurar um vivo. Uma tal conversão só irá acontecer quando Jesus a chamar pelo nome: «Maria!» (v. 16).
    Nós também só podemos chorar e procurar o Senhor na noite. Mas, quando Ele quiser, pode tocar-nos o coração, chamar-nos pelo nome. E tudo mudará: «Rabbuni!»,

    «Mestre!» (v. 16). Vamos reconhecê-Lo e ouvir da sua boca: «vai ter com os meus irmãos» (v. 17).
    Antes da Paixão, Jesus nunca tinha chamado irmãos aos seus discípulos. Chamo- os, agora. A cruz aproximou-O de nós de um modo absolutamente único. Tendo entrado na glória, parece mais longe de nós. Mas está mais próximo: é um irmão que nos leva ao seu e nosso Pai.
    A Igreja constituiu-se à volta do Ressuscitado, cuja presença ela experimentava fortemente. É também à volta d´Ele que se constituem as comunidades religiosas, no respeito pela dignidade e pela liberdade das pessoas. Cristo é o centro de toda a comunidade religiosa. Por isso, mais do que fruto da habilidade dos homens, a comunidade é fruto da Graça. Mais do que por meio de recursos humanos, a comunidade há-de ser construída à volta do altar, na celebração e na adoração eucarísticas. As nossas Constituições afirmam: "A comunidade esforça- se por dar testemunho de Cristo, no nome do qual está reunida" (Cst 67); "Procuramos a inspiração e o modelo desta vida comunitária na comunidade dos discípulos reunidos em redor do Senhor e nas primitivas comunidades cristãs" (Cst 59).

    Oratio

    Ó Senhor Jesus Ressuscitado, quantas vezes, também eu, me deixo envolver por ilusões, por desejos excessivamente humanos. Dá-me a graça de Te reconhecer, de poder exclamar como Maria Madalena: «Vi o Senhor!». Então a minha alegria será plena, e ninguém ma poderá tirar. Então saberei construir igreja, construir comunidade! Então serei missionário da Boa Nova, porque, sem Ti, sem o teu Espírito, as minhas palavras são vazias, o meu trabalho estéril, os meus esforços vãos. Só Contigo, animado pelo teu Espírito, poderei levar a salvação aos meus irmãos. Faz-me compreender, cada vez mais, a absoluta necessidade de Ti, para ser testemunha, para evangelizar. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor quis passar por um momento pelos temores e pelas perturbações da agonia, para sofrer tudo o que sofremos e para nos ensinar a resignação e o abandono de que a vida está toda semeada. Queria também sofrer em todas as suas faculdades, a fim de expiar as faltas cometidas por todas as potências da nossa alma e do nosso corpo.
    Nestas penas extremas, exprime a sua resignação à vontade do seu Pai,
    mas regressa imediatamente à sua disposição habitual de alegria no sacrifício: Levantai-vos e vamos. Levantai-vos e caminhemos, dizia aos seus apóstolos e ia para a frente do traidor. Ia para a frente do cálice de amargura que tinha desejado beber e para o baptismo de sangue com que tinha pressa de ser baptizado por amor pelo seu Pai e por nós.
    O conjunto dos mistérios da sua Paixão, era a nossa salvação, a nossa redenção. Era o prelúdio necessário da Ressurreição, da abertura do seu Coração, do nascimento da Igreja, da descida do Espírito Santo e de todas as graças esperadas e preparadas desde a origem do mundo. Era a vitória sobre o demónio e sobre o pecado.
    Tinha muitas vezes exprimido o seu desejo da cruz; era para Ele uma angústia esperar: Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize! (Lc 12, 50).

    Os profetas tinham anunciado esta espontaneidade do seu sacrifício: ofereceu-se porque quis (Is 53). Assim, quando Pedro e os outros quiserem prender o traidor e os seus cúmplices, Nosso Senhor reprimirá o seu ardor demasiado natural: Não hei-de beber o cálice que meu Pai me deu? (Jo 18,11) (Leão Dehon, OSP 3, p. 247s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vi o Senhor!» (Jo 20, 18).

  • 1ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    3 de Abril, 2024

    1ª Semana - Quarta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 3, 1-10

    Naqueles dias, 1Pedro e João subiam ao templo, para a oração das três horas da tarde. 2Era para ali levado um homem, coxo desde o ventre materno, que todos os dias colocavam à porta do templo, chamada Formosa, para pedir esmola àqueles que entravam. 3Ao ver Pedro e João entrarem no templo, pediu-lhes esmola. 4Pedro, juntamente com João, olhando-o fixamente, disse-lhe: «Olha para nós.» 5O coxo tinha os olhos nos dois, esperando receber alguma coisa deles. 6Mas Pedro disse-lhe: «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!» 7E, segurando-o pela mão direita, ergueu-o. No mesmo instante, os pés e os artelhos se lhe tornaram firmes.8De um salto, pôs-se de pé, começou a andar e entrou com eles no templo, caminhando, saltando e louvando a Deus. 9Todo o povo o viu caminhar e louvar a Deus. 10Bem o conheciam, como sendo aquele que costumava sentar-se à Porta Formosa do templo a mendigar; ficaram cheios de assombro e estupefactos com o que lhe acabava de suceder.

    Os primeiros cristãos viviam dentro do judaísmo. Ainda não se dera a ruptura provocada pela novidade cristã. Pedro e João sobem ao templo para participarem no sacrifício das três horas da tarde. Assim faziam muitos judeus. À volta do templo, havia doentes e mendigos, que pediam esmola. Para os judeus, dar esmola era obra comparável à oração. É nesse contexto que Pedro realiza o milagre, «em nome de Jesus Cristo Nazareno» (v. 5). Esse milagre era um claro sinal de que os tempos novos esperados pelos judeus tinham chegado e estavam presentes. Ao mesmo tempo, cumpria-se a palavra de Jesus que tinha enviado os seus discípulos a curarem os enfermos e a anunciarem o evangelho (Lc 9, 2). Os próprios milagres são anúncio do evangelho (cf. Act 8, 6). Foi o que acontecera na vida de Jesus. E Pedro continua a obra libertadora de Jesus com a pregação e os milagres. Os milagres levam a explicação de como, porquê e por quem são realizados. Os milagres também servem para confirmar a autoridade daquele que anuncia a Boa Nova.
    A narrativa está cheia de vida e movimento. A cura do paralítico simboliza o poder vivificador de Jesus, a passagem do desespero à vida plena. Pedro ergue o coxo «em nome de Jesus Cristo Nazareno» (v. 6). O «nome» é sinónimo da pessoa e da sua autoridade. Os apóstolos falam e actuam com o poder de Jesus. É também em Jesus que o doente deve confiar. Pedro realçará a importância do «nome» de Jesus no discurso que vem a seguir.

    Evangelho: Lucas 24, 13-35

    13Dois dos discípulos de Jesus iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém; 14e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera. 15Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho; 16os seus olhos, porém, estavam impedidos de o reconhecer. 17Disse-lhes Ele: «Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto caminhais?» Pararam entristecidos. 18E um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» 19Perguntou-lhes Ele: «Que foi?» Responderam-lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; 20como os sumos-sacerdotes e os nossos chefes o entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. 21Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas. 22É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro de madrugada 23e, não achando o seu corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos, que afirmavam que Ele vivia. 24Então, alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas, a Ele, não o viram.» 25Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! 26Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» 27E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito. 28Ao chegarem perto da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. 29Os outros, porém, insistiam com Ele, dizendo: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso.» Entrou para ficar com eles. 30E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho.
    31Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença. 32Disseram, então, um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» 33Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, 34que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» 35E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.

    O relato de Lucas, que hoje escutamos, é um dos mais profundos testemunhos da Páscoa de Jesus, que encontramos no Novo Testamento. Ao mesmo tempo, apresenta-nos a escuta da Palavra e a Eucaristia como fundamentos do caminho da fé cristã.
    Esta experiência dos discípulos é descrita em dois momentos. No primeiro, vemo-los afastarem-se da comunidade de fé de Jerusalém, para voltarem ao seu velho mundo (vv. 13-29). Vão profundamente desiludidos. Tinham confiado em Jesus como profeta e esperavam nele como líder vitorioso, como libertador de Israel (v. 21). A Ressurreição significava para eles o triunfo militar do povo e uma nova ordem
    de justiça e liberdade sobre a terra. Mas nada disso aconteceu. É certo que Jesus não estava no sepulcro. Algumas mulheres tinham verificado esse facto... Alguns homens também viram o túmulo vazio. Mas não O viram a Ele (vv. 23-24). No segundo momento, vemo-los voltar a Jerusalém, à comunidade dos discípulos, alegres e com a fé renovada (vv. 30-35). No primeiro momento, Jesus, na figura de um viandante, aproxima-se dos discípulos e, conversando com eles, ajuda-os a ler o plano de Deus e a recuperar a esperança. Lembra-lhes as Escrituras (v. 25). Quando já se reacende a esperança, e o querem reter à sua mesa, enquanto Ele lhes reparte o pão, reconhecem o Senhor: «os seus olhos abriram-se e reconheceram-no» (v. 31).
    O ensinamento de Lucas é claro. Há que ultrapassar preconceitos sobre Jesus e sobre o seu destino. Ele não é reconhecido através de uma guerra santa e vitoriosa. O sepulcro não é o seu lugar definitivo, nem a sua ressurreição é um regresso ao passado. O caminho para O encontrar é a escuta da Palavra de Deus, presente nas Escrituras e a Eucaristia colocada no centro da vida. Quem assim fizer, chegará gradualmente è fé e fará experiência do Ressuscitado. A Igreja alimenta-se da grande mesa da Palavra e da Eucaristia. O Senhor está onde se encontram os irmãos reunidos à volta de Simão, que viu o Senhor e fortalece a fé dos seus irmãos, lançando os fundamentos da Igreja.

    Meditatio

    Ontem, como hoje, há fome e sede de milagres, e os seus «fazedores» correm o risco de ser idolatrados. Mas Pedro e João, como, mais tarde, Paulo e Barnabé (Act14, 14ss.), corrigem o povo e proclamam que é em nome de Jesus Nazareno que operam prodígios. Só quem acredita e invoca esse nome alcança milagres.
    Também hoje há milagres. Mas é Deus que os realiza pela oração e pela fé. Por vezes, os que se encontram em situações de grande sofrimento, pedem a ajuda de pessoas que julgam mais próximas de Deus. Mas também hoje, essas pessoas, muitas vezes, não têm «ouro nem prata». Vivem na humildade e na oração.
    Longe do cepticismo de quem exclui a possibilidade e a oportunidade de milagres, mas também longe do fanatismo pelos curandeiros e pela crendice mais ou menos supersticiosa, confiamo-nos à oração e à fé para alcançar a intervenção extraordinária de Deus em casos extremos, deixando para Ele, que tudo conhece, a última decisão. E Deus não abandona o seu povo. Socorre-o com intervenções, por vezes, extraordinárias, obtidas pela oração dos seus servos que, confiando apenas n' Ele, não precisam de ouro nem de prata.
    A narrativa dos dois discípulos de Emaús está construída como uma Missa. Quantas vezes, diante do mistério de Cristo, ficamos desorientados, tristes, e nos deixamos levar pelo «bom senso», afastando-nos de Jerusalém. Mas a presença de Jesus ilumina-nos, aquece-nos o coração, e faz-nos voltar a Jerusalém, isto é, à vida quotidiana do testemunho, profundamente mudados.
    Acontece-nos ir para a celebração eucarística cheios de preocupações, carregados de dificuldades, com a alma pesada e fechada em si mesma. Mas, como aos discípulos de Emaús, o Senhor acolhe-nos e explica-nos as Escrituras. E, então, os nossos corações começam a arder dentro de nós, abrem-se às surpresas de Deus, e os nossos olhos são iluminados. Passamos a ver a vida e os acontecimentos que a preenchem a outra luz. À mesa da palavra, segue a mesa do pão. Jesus toma o pão, abençoa-o, parte-o e distribui-o: «Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram- no» (Lc 24, 31). E também os nossos se abrem permitindo-nos reconhecer o Senhor onde Ele está: no caminho da nossa vida, na comunidade reunida em seu nome, na Palavra e no Pão: «Eu estarei sempre convosco» (Mt 28, 20). A narrativa de Lucas refere-se a um facto que aconteceu mas, também, a um facto que acontece na vida dos cristãos. A escuta da Palavra e a partilha do Pão, isto é, da Eucaristia, levam-nos a reconhecer a Cristo Ressuscitado, presente no meio de nós.
    Memorial do sacrifício de Cristo, a Eucaristia é também sua presença viva, que nos dá a vida nova. «Toda a nossa vida cristã e religiosa - lembram as Constituições - encontra a sua fonte e o seu ponto culminante na Eucaristia (cf. LG 11). A celebração do Memorial da morte e ressurreição do Senhor constitui para nós o momento privilegiado da nossa fé e da nossa vocação de Sacerdotes do Coração de Jesus» (Cst 80).

    Oratio

    Senhor Jesus Ressuscitado, quero pedir-te, hoje, uma fé viva na tua presença na celebração eucarística. Tu estás na tua Palavra, Tu estás na Eucaristia, com o teu corpo ressuscitado, que conserva os gloriosos sinais da tua Paixão. Tu dás-Te a mim e a cada um dos meus irmãos com a mesma generosidade e com o mesmo amor com que avançaste sereno e decidido para o Calvário. Tu ressuscitaste porque sofreste. Com o teu sacrifício renovaste o homem e deste-lhe a possibilidade de viver uma vida nova. Glória a Ti para sempre! Amen! Amen! Aleluia!

    Contemplatio

    Os dois discípulos iam-se embora, tristes, abatidos, silenciosos. Pouco a pouco rompem o silêncio. Comunicam entre si as suas impressões desencorajantes: Sperabamus! Nós esperávamos! Agora tudo acabou. Fogem para o campo. Deviam ter sabido entretanto que Jesus tinha predito a sua ressurreição. Não compreenderam. Não têm uma fé viva. Regressam às suas ocupações materiais. Julgam Jesus morto para sempre, e ele está a alguns passos atrás deles.
    Jesus está connosco também nas nossas provações e nas nossas desolações. O seu Coração poderia ficar frio e indiferente às nossas aflições?
    Sob a forma de um viajante, Jesus alcança-os. Desconfiados, calam-se. Já não ousam sequer manifestar a sua adesão à causa do Cristo. Mas o Salvador insiste e encoraja-os a falar. Sabe que eles lhe estavam ligados e que guardam afecto pela sua pessoa, apesar da sua decepção. Vai suavemente conduzi-los a reconhecerem nele os caracteres do Messias redentor. O seu coração terno e bom sugere-lhe as indústrias mais apropriadas para ganhar estes pobres corações desencorajados (Leão Dehon, OSP3, p. 383).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jesus deu-se-lhes a conhecer, ao partir o pão» (Lc 24, 35).

  • 1ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    4 de Abril, 2024

    1ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 3, 11-26

    Naqueles dias, o coxo de nascença que tinha sido curado 11não largava Pedro e João, e todo o povo, cheio de assombro, se juntou a eles sob o chamado pórtico de Salomão.12Ao ver isto, Pedro dirigiu a palavra ao povo:
    «Homens de Israel, porque vos admirais com isto? Porque nos olhais, como se tivéssemos feito andar este homem por nosso próprio poder ou piedade? 13O Deus de Abraão, de Isaac e Jacob, o Deus dos nossos pais, glorificou o seu servo Jesus, que vós entregastes e negastes na presença de Pilatos, estando ele resolvido a libertá-lo.
    14Negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino. 15Destes a morte ao Príncipe da Vida, mas Deus ressuscitou-o dos mortos, e disso nós somos testemunhas. 16Pela fé no seu nome, este homem, que vedes e conheceis, recobrou as forças. Foi a fé que dele nos vem que curou completamente este homem na vossa presença. 17Agora, irmãos, sei que agistes por ignorância, como também os vossos chefes. 18Dessa forma, Deus cumpriu o que antecipadamente anunciara pela boca de todos os profetas: que o seu Messias havia de padecer. 19Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que os vossos pecados sejam apagados; 20e, assim, o Senhor vos conceda os tempos de conforto, quando Ele enviar aquele que vos foi destinado, o Messias Jesus, 21que deve permanecer no Céu até ao momento da restauração de todas as coisas, de que Deus falou outrora pela boca dos seus santos profetas.
    22Moisés disse: 'O Senhor Deus suscitar-vos-á um Profeta como eu, de entre os vossos irmãos. Escutá-lo-eis em tudo quanto vos disser. 23Quem não escutar esse Profeta, será exterminado do meio do povo.' 24E, por outro lado, todos os profetas que falaram desde Samuel anunciaram igualmente estes dias. 25Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus concluiu com os vossos pais, quando disse a Abraão:
    'Na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da Terra.' 26Foi primeiramente para vós que Deus suscitou o seu Servo e o enviou para vos abençoar e para se afastar cada um de vós das suas más acções.»

    O discurso de Pedro revela o sentido e a justificação da cura do coxo, junto à Porta Formosa e, ao mesmo tempo, serve de apoio para a exposição do Kerygma cristão. Os ouvintes reagem com admiração, vendo a cura como uma acção de Deus realizada graças à bondade e à santidade dos apóstolos. Pedro reage negando tal interpretação: o que aconteceu deve-se unicamente a um poder novo, agora presente no mundo, porque se cumpriram as profecias do Antigo Testamento. Acabou o tempo da ignorância. A Ressurreição de Jesus não deixa margem a dúvidas ou erros. Quem não O aceitar merece ser excluído do Povo de Deus. Por outro lado, o arrependimento e a aceitação de Jesus podem apressar o tempo das bênçãos messiânicas quando, no fim dos tempos, Deus enviar Jesus pela segunda vez. Então, também os seus inimigos e os incrédulos O hão-de reconhecer como Messias.
    Pedro cita Moisés, que disse: «O Senhor Deus suscitar-vos-á um Profeta como eu» (v. 22). Lucas lê: «O Senhor fará ressuscitar» o profeta como Moisés, isto é, Jesus. É, pois, preciso escutá-l´O. Quem não O escutar será excluído do monte santo. Lucas sublinha a continuidade do Povo de Deus, por meio dos Judeus que acreditam em Jesus. Por meio deles, todas as nações serão abençoadas na descendência de Abraão.

    Evangelho: Lucas 24, 35-48

    Naquele tempo, os discípulos de Emaús contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.
    36Enquanto isto diziam, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!» 37Dominados pelo espanto e cheios de temor, julgavam ver um espírito. 38Disse-lhes, então: «Porque estais perturbados e porque surgem tais dúvidas nos vossos corações? 39Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho.» 40Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. 41E como, na sua alegria, não queriam acreditar de assombrados que estavam, Ele perguntou-lhes: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» 42Deram-lhe um bocado de peixe assado; 43e, tomando- o, comeu diante deles.
    44Depois, disse-lhes: «Estas foram as palavras que vos disse, quando ainda estava convosco: que era necessário que se cumprisse tudo quanto a meu respeito está escrito em Moisés, nos Profetas e nos Salmos.» 45Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras 46e disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia; 47que havia de ser anunciada, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém. 48Vós sois as testemunhas destas coisas.

    O texto, que hoje escutamos, completa a narrativa da aparição aos discípulos de Emaús, sublinhando as provas sobre a Ressurreição de Jesus. Terá sido a Ressurreição de Jesus uma fantasia (cf. v. 39), em contradição com todo o caminho religioso de Israel no Antigo Testamento?
    Para responder à segunda interrogação, Lucas afirma: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia». Para responder à primeira questão Lucas aponta o contacto físico dos discípulos com Jesus: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho» (v. 39), bem como o pedido: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» (v. 41). Outra prova é espiritual, fundada na inteligência da Palavra nas Escrituras: «Assim está escrito...» (v. 46ss.)
    A Páscoa de Jesus é o sentido da história de Israel, é o fundamento da fé da Igreja e da sua obra missionária: «em seu nome, havia de ser anunciada a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos» (v. 47).

    Meditatio

    Pedro fala da segunda vinda de Jesus como Messias. Serão tempos de conforto (v. 20), tempos da restauração de todas as coisas (v. 21). A história de Israel é um caminho para Jesus, o verdadeiro consolador de Israel, o restaurador de todas as coisas. A sua segunda vinda será o dia da bênção messiânica sobre todas as coisas, a partir de Israel até a «todas as famílias da Terra» (v. 25), a toda a criação. A Igreja, desde o seu começo, tem um horizonte universal, que abrange toda a realidade redimida pela cruz de Cristo.
    Pedro olha com optimismo o futuro de Deus, porque sabe que a ressurreição de Cristo é um acontecimento decisivo. Mas também sabe que haverá um acto final em que todo o mistério salvífico da ressurreição de Cristo será plenamente revelado e alargado a todos os povos e à própria criação. As suas palavras anunciam o já e o ainda não da história cristã. Entre o já da Páscoa e o ainda não da ressurreição definitiva de todas as coisas, está o tempo oportuno para a conversão, para nos tornarmos dignos das bênçãos messiânicas.
    Os Apóstolos não esperavam a aparição de Jesus «em pessoa». Por isso, pensaram tratar-se de um fantasma. Mas Jesus dá-se-lhes a conhecer com sinais bem claros: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo» (v. 39). Deus, em Cristo, começou uma nova criação: tomou um corpo humano e fez dele um corpo espiritual, em continuidade com o primeiro. A ressurreição de Jesus dá um sentido novo e definitivo às Escrituras: «Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras» (v. 45). Muitas coisas, que pareciam enigmáticas e obscuras, tornaram-se luminosas, ao serem lidas como profecia da paixão e da ressurreição de Cristo. Em certos casos, a paixão é representada de modo real, enquanto a ressurreição não o pode ser, porque teríamos todo o mistério. Noutros casos, é prefigurada a ressurreição, mas não a morte. Vejamos alguns exemplos.
    Abel, morto pelo seu irmão, é figura de Cristo na sua paixão e morte. Consumado o crime, Deus diz a Caim: «A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim» Gn 4, 10). Abel, morto, continua a falar. O NT viu nestas palavras uma pálida figura da ressurreição.
    Na sacrifício de Isaac, a ressurreição é prefigurada de modo mais real. Depois do sacrifício, Isaac continua vivo, Abraão tem o seu filho vivo. Não houve verdadeira morte. Abraão levantou o braço para o matar, mas não o matou. Foi um sacrifício simbólico.
    José é também figura da morte e da ressurreição de Cristo. No Egipto, acolhe vivo os irmãos que o quiserem matar, tal como Cristo acolhe os irmãos depois da Paixão que sofreu pelos pecados deles. José abriu aos irmãos as riquezas de um mundo novo, tal como Cristo Ressuscitado abre aos homens as riquezas do Reino de Deus. Também no caso de José a morte não aconteceu realmente. Mas foi simbolicamente morto, ao ser lançado ao poço.
    Muitos outros símbolos representam o mistério da Páscoa, tal como o templo destruído e reconstruído depois do exílio. A Páscoa de Cristo realiza e ilumina todas as profecias e prefigurações.
    «Enviado na plenitude dos tempos, - lembram as nossas Constituições - Cristo, em obediência ao Pai, prestou o seu serviço em prol das multidões. "O Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos" (Mc 10,45). Com a sua solidariedade para com os homens, qual novo Adão, Ele revelou o amor de Deus e anunciou o Reino: este mundo novo já presente em germe nos esforços hesitantes dos homens, encontrará a sua realização, para além de todas as expectativas, quando, por Jesus, Deus for tudo em todos. "Sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até ao presente. Não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adopção, a redenção do nosso corpo" (Rom 8,22-23). "E quando tudo lhe estiver sujeito, então também o próprio Filho Se submeterá Àquele que Lhe sujeitou todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15,28) (Cst 10).

    Oratio

    Senhor Jesus, Morto e Ressuscitado, abre a minha mente e o meu coração para que compreenda as Escrituras e admire com reconhecimento e amor o grande mistério que em Ti se realizou para a minha salvação e para a salvação de todos os povos.
    Ajuda-me também a ver os meus pequenos problemas de cada dia à luz do vasto horizonte da história da salvação, do já da tua Ressurreição e do ainda não da reconstrução final. Terão, assim, outro respiro as minhas pequenas acções e as minhas pequenas ou grandes preocupações.

    Projecta sobre mim a luz da tua Ressurreição, para que não viva como nos tempos da ignorância, mas, deixando-me converter, espere activa e confiadamente a consolação de Deus. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor tem pressa em manifestar a chaga do seu lado, é um presságio da devoção ao Sagrado Coração, que se expandirá mais tarde.
    Os Apóstolos estão fechados no Cenáculo, talvez barricados, têm medo dos Judeus. Perguntam-se, se, depois da Páscoa, não será a sua vez de serem crucificados.
    Madalena tinha vindo de manhã dizer-lhes que tinha visto o Cristo ressuscitado, mas não ousam acreditar nela.
    De repente, Jesus mesmo mostra-se no meio deles: Stetit in medio. É para eles como um raio. Mas vão certificar-se. Jesus tem a dignidade de um rei e de um mestre, mas tem também o sorriso e a bondade de um pai, de um irmão e de um amigo.
    «Não temais, diz-lhes docemente, sou eu. Porquê este medo nos vossos corações? Vede as minhas mãos e o meu lado (ostendit eius manus et latus); vede e tocai, um espírito não tem nem carne nem ossos como vedes que eu tenho» (Lc 24,38).
    O bom Mestre tem pressa em manifestar a chaga do seu Coração desde a sua primeira aparição. De lá partem as suas primeiras graças. (Leão Dehon, OSP 3, p. 385).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O Messias havia de sofrer e ressuscitar» (Lc 24, 36).

  • 1ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    5 de Abril, 2024

    1ª Semana - Sexta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 4, 1-12

    Naqueles dias, estavam Pedro e João a 1falar ao povo, depois da cura do cego de nascença, quando surgiram os sacerdotes, o comandante do templo e os saduceus, 2irritados por vê-los a ensinar o povo e a anunciar, na pessoa de Jesus, a ressurreição dos mortos. 3Deitaram-lhes as mãos e prenderam-nos até ao dia seguinte, pois já era tarde. 4No entanto, muitos dos que tinham ouvido a Palavra abraçaram a fé, e o número dos crentes elevou-se a cerca de cinco mil. 5No dia seguinte, os chefes dos judeus, os anciãos e os escribas reuniram-se em Jerusalém 6com o Sumo-sacerdote Anás, e ainda Caifás, João, Alexandre e todos os membros das famílias dos sumos-sacerdotes. 7Mandaram comparecer os Apóstolos diante deles e perguntaram-lhes: «Com que poder ou em nome de quem fizestes isso?» 8Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: «Chefes do povo e anciãos, 9já que hoje somos interrogados sobre um benefício feito a um enfermo e sobre o modo como ele foi curado, 10ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel: É em nome de Jesus Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se apresenta curado diante de vós. 11Ele é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular. 12E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar.»

    A cura do coxo e, sobretudo, o discurso interpretativo de Pedro, provocam a reacção hostil das autoridades judaicas: os sacerdotes e saduceus, os escribas e fariseus. É o grupo dos sacerdotes e saduceus que promove a prisão dos apóstolos. Aparentemente estão preocupados com os distúrbios que a acção dos apóstolos podia provocar na área do templo. Na verdade, o que eles querem combater é a fé cristã na Ressurreição de Jesus. Não podiam dizê-lo claramente, para não provocar a reacção do grupo dos escribas e fariseus, que admitia a ressurreição. A prisão de Pedro e de João marca o início da primeira perseguição contra a Igreja. Mas resultado desta perseguição é o aumento dos discípulos, o que preocupa o Sinédrio. Reunira semanas antes para julgar Jesus, cuja mensagem lhes parecia uma ameaça ao seu poder. Mas a morte de Jesus não encerrou o seu «caso». Os seus discípulos, assumindo a função de mestres, que lhes estava reservada, continuam a fazer prosélitos e a anunciar a ressurreição dos mortos. A influência e o poder dos sacerdotes e saduceus continuavam sob ameaça. Por isso, voltam a reunir o Sinédrio. É notável a audácia (parrêsia) com que Pedro, «cheio de Espírito Santo», denuncia, no meio do Sinédrio, o crime perpetrado pelos chefes do povo e anuncia a Ressurreição de Jesus. E foi em «nome de Jesus» que o coxo foi curado, porque, só nele, há salvação.

    Evangelho: João 21, 1-14

    Naquele tempo, 1Jesus apareceu outra vez aos discípulos, junto ao lago de Tiberíades, e manifestou-se deste modo: 2estavam juntos Simão Pedro, Tomé, a quem chamavam o Gémeo, Natanael, de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos. 3Disse-lhes Simão Pedro: «Vou pescar.» Eles responderam-lhe:
    «Nós também vamos contigo.» Saíram e subiram para o barco, mas naquela noite não apanharam nada. 4Ao romper do dia, Jesus apresentou-se na margem, mas os discípulos não sabiam que era Ele. 5Jesus disse-lhes, então: «Rapazes, tendes alguma coisa para comer?» Eles responderam-lhe: «Não.» 6Disse-lhes Ele: «Lançai a rede para o lado direito do barco e haveis de encontrar.» Lançaram-na e, devido à grande quantidade de peixes, já não tinham forças para a arrastar. 7Então, o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: «É o Senhor!» Simão Pedro, ao ouvir que era o Senhor, apertou a capa, porque estava sem mais roupa, e lançou-se à água.
    8Os outros discípulos vieram no barco, puxando a rede com os peixes; com efeito, não estavam longe da terra, mas apenas a uns noventa metros. 9Ao saltarem para terra, viram umas brasas preparadas com peixe em cima e pão. 10Jesus disse-lhes:
    «Trazei dos peixes que apanhastes agora.» 11Simão Pedro subiu à barca e puxou a rede para terra, cheia de peixes grandes: cento e cinquenta e três. E, apesar de serem tantos, a rede não se rompeu. 12Disse-lhes Jesus: «Vinde almoçar.» E nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-lhe: «Quem és Tu?», porque bem sabiam que era o Senhor. 13Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com o peixe. 14Esta já foi a terceira vez que Jesus apareceu aos seus discípulos, depois de ter ressuscitado dos mortos.

    A cena descrita por João acontece nas margens do lago de Tiberíades. Um grupo de pescadores galileus, discípulos de Jesus, depois do fracasso na faina nocturna, consegue uma pesca abundante, quando lançam as redes para o lado indicado pelo desconhecido que lhes fala da praia. Depois de Jesus, Pedro e o discípulo que Jesus amava são os protagonistas da cena. Pedro é o mais esforçado na pesca; o outro discípulo é o primeiro a reconhecer Jesus.
    João narra depois a refeição dos discípulos com o Senhor ressuscitado. Espontaneamente somos levados a pensar na Eucaristia, que as comunidades cristãs celebravam e celebram com a absoluta convicção da presença do Senhor.
    O texto descreve, de forma simbólica, a missão da Igreja primitiva e o retrato das comunidades que permanecem estéreis quando estão privadas de Cristo, mas que se tornam fecundas quando obedecem à sua palavra e vivem da sua presença.
    Depois da pesca, Jesus convida os discípulos para uma refeição por Ele mesmo preparada: «Vinde almoçar» (v. 12). Nesta refeição, figura da eucaristia, Jesus ressuscitado oferece, Ele mesmo, de comer. A sua misteriosa presença provoca nos discípulos aquela espécie de calafrio típico das teofanias. A conclusão do evangelista é um convite à comunidade eclesial de todos os tempos a que encontre o sentido da sua vocação centrando-se em Jesus como Senhor da vida, porque é na dupla mesa da Palavra e da Eucaristia que a Igreja torna frutuosa a sua acção no meio dos homens.

    Meditatio

    A liturgia faz-nos escutar hoje um sugestivo texto de S. João, bem enquadrado no tempo pascal e na Primavera que estamos a viver. Os Apóstolos voltaram ao lago, nas margens do qual viveram belos momentos com Jesus. A presença visível do Mestre já não é contínua. O trabalho daquela noite não tivera sucesso. Mas o brilhante romper da aurora traz-lhe a sensação de que na praia está alguém, que ainda não reconhecem. A pesca milagrosa abre-lhes os olhos do coração e da fé. A refeição preparada por Cristo, e tomada com Ele, na praia dispõe-nos a acolher a nova forma de presença do Senhor, uma presença agora misteriosa e universal. Onde se juntam os irmãos, e celebram a Eucaristia, aí está o Senhor. Depois da Ressurreição, Ele já não se apresenta apenas na glória visível e externa. Por isso, há que procurá-l´O na sua glória divina que não é externa. Há que procurá-l´O nos irmãos reunidos em Seu nome, mas também nos pobres, nos humildes, nos carenciados. É neles que havemos de reconhecer a Sua glória misteriosa e o Seu poder que faz maravilhas precisamente com os humildes e simples.
    Pedro está agora certo de que Jesus é o único Salvador. E toda a Igreja vive dessa certeza, que a torna forte, corajosa, alegre, missionária e irresistível, como se verifica logo nos seus primeiros tempos descritos nos Actos dos Apóstolos (cf. Act 4, 1-12ss).
    Os tempos em que vivemos vêem com desconfiança toda e qualquer forma de integralismo. Acha-se importante respeitar as consciências, promover o diálogo inter- religioso e a paz. Por isso, alastra um certo relativismo. Mas Cristo, ontem como hoje, continua a ser o único Salvador. Esta certeza não pode todavia tornar-se uma arma contra quem quer que seja; mas tem de ser uma proposta paciente, firme, serena e motivada, a fazer a todos, de modo alegre e corajoso, dialogante e testemunhante.
    Segundo as convicções do Pe. Dehon derivadas do seu e "nosso carisma profético" (Cst. 27), como ele o entendia, e como nós devemos entendê-lo, os missionários não só devem dar testemunho d´Ele, mas também «dar a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13), isto é, por aqueles a quem são enviados e querem servir. Dar a vida por aqueles que evangelizamos é a suprema "prova de amizade" (Cst. 33), dada por tantos missionários mártires: "Ninguém há maior prova de amor que dar a vida pelos amigos" (cf. Jo 15, 13).
    Escreve o Pe. Dehon: "Quis fazer uma obra de reparação e de vítimas. Nunca adoptei o nome de vítimas; tomei o de oblatos, que dizia a mesma coisa... Nós somos sacerdotes vítimas. O nosso espírito próprio é "spiritus amoris et immolationis" (espírito de amor e de imolação)... Vivei bem o vosso acto de oblação e sereis uma boa pequena vítima do Sagrado Coração", escrevia o Fundador ao Pe. Guillaume. De modo particular, o missionário, que se entrega totalmente ao serviço de Deus e daqueles que ama, faz de si e da sua vida uma oblação, que pode tornar-se imolação pela aceitação amorosa dos sofrimentos, sobretudo quando incluem o martírio.
    O Pe. Dehon chegou a dizer que queria missões difíceis, onde se corre o risco de morrer jovens, porque mais adequadas para religiosos oblatos. Tal era, em 1897, a grande missão do Alto Congo belga onde muitíssimos missionários morreram ainda jovens. Por isso, o Pe. Dehon, na sua carta aos missionários dizia que deviam desejar morrer na missão, para que o sacrifício fosse completo e sem reservas, verdadeira imolação.

    Oratio

    Senhor, hoje quero rezar-te inspirando-me nas palavras do teu servo Paulo VI: livra-me de cair numa espécie de nominalismo cristão, quando me perguntam quem és Tu e quem és para mim. Que jamais tente iludir a lógica dramática do realismo cristão. Se acredito que fora de Ti não há solução para as questões essenciais da existência, se são verdadeiras e actuais as palavras de Pedro, «cheio de Espírito Santo» (Act 4, 11s.), então sinto-me abalado e mesmo perturbado. O teu nome já não é um simples apelativo insinuado na linguagem convencional da nossa vida, mas tua presença, a tua estatura de majestade infinita, que ergue diante de mim. Tu és o alfa e o ómega, o princípio e o fim de todas as coisas, o centro cósmico que obriga a reconsiderar a dimensão da nossa filosofia, da nossa concepção do mundo, da nossa história pessoal. Diante de Ti, sentimo-nos esmagados, como os apóstolos no Monte da Transfiguração. A tua humildade de Deus feito homem confunde-me tanto quanto a tua grandeza que, todavia, não só torna possível o diálogo Contigo, mas o oferece e impõe. Amen.

    Contemplatio

    Os apóstolos tinham regressado à Galileia, como os outros peregrinos depois da Páscoa, e como Jesus lhes tinha aconselhado. Os que eram pescadores tinham ido à pesca no lago de Tiberíades. Pedro tinha dito: vou à pesca; os outros tinham respondido: vamos contigo. E durante toda a noite não apanharam nada.
    De manhã, Jesus apareceu na margem sem que o reconhecessem: «Rapazes, gritou-lhes, tendes alguma coisa para comer? - Não, disseram. - Jesus retomou: Lançai a rede à direita e conseguireis. - Lançaram-na e ela encheu-se de peixes. - João gritou: É o Senhor. Pedro lançou-se ao mar para alcançar Jesus. Os outros conduziram o barco. Jesus tinha-lhes preparado peixe grelhado e pão. Convidou-os a juntarem do seu peixe, e serviu-lhes o peixe e o pão».
    Que mistérios! A barca de Pedro é a Igreja nascente, mas não será fecunda senão trabalhando sob a direcção de Cristo. Jesus vai dar a Pedro a sua missão, a pesca milagrosa simboliza a propagação rápida da Igreja; e Jesus festeja a entronização de Pedro preparando um modesto festim aos apóstolos (Leão Dehon, OSP 4, p. 288).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavra de vida eterna» (Jo 6, 68).

  • 1ª Semana - Sábado - Páscoa

    1ª Semana - Sábado - Páscoa

    6 de Abril, 2024

    1ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 13-21

    Naqueles dias, os chefes do povo, os anciãos e os escribas, 13vendo o desassombro de Pedro e de João e percebendo que eram homens iletrados e plebeus, ficaram espantados. Reconheciam-nos por terem andado com Jesus, 14mas, ao mesmo tempo, vendo de pé, junto deles, o homem que fora curado, nada encontraram para replicar. 15Mandaram-nos, então, sair do Sinédrio e começaram sozinhos a deliberar:
    16«Que havemos de fazer a estes homens? Que um milagre notável foi realizado por eles é demasiado claro para todos os habitantes de Jerusalém e não podemos negá-lo.
    17No entanto, para evitar que a notícia deste caso se espalhe ainda mais por entre o povo, proibamo-los, com ameaças, de falar, doravante, a quem quer que seja, nesse nome.» 18Chamaram-nos, então, e impuseram-lhes a proibição formal de falar ou ensinar em nome de Jesus. 19Mas Pedro e João retorquiram: «Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer a vós primeiro do que a Deus. 20Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos.» 21Eles, então, com novas ameaças, mandaram-nos em liberdade, não encontrando maneira de os castigar, por causa do povo; pois todos glorificavam a Deus pelo que tinha acontecido.

    Os apóstolos defenderam-se com valentia diante do tribunal. Essa valentia nasce da liberdade da fé. Os seus adversários encontraram-se em nítida dificuldade. Pretendiam ocultar factos cuja força se impunha: a cura do coxo, o que Pedro e João viram e ouviram. Estavam num beco sem saída. Os acusados eram discípulos de Jesus, gente simples e sem cultura, mas homens seguros e valentes que, acusados, se tornam acusadores, intérpretes da Escritura e pregadores. Para maior complicação, tinham a seu lado aquele que fora curado pela invocação do nome de Jesus. Era preciso reflectir seriamente. Reflectiram e resolveram impor silêncio a Pedro e a João: «proibamo-los, com ameaças, de falar, doravante, a quem quer que seja, nesse nome» (v. 17). Mas, como obedecer a uma ordem tão absurda? Por isso, Pedro responde: «Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer a vós primeiro do que a Deus. Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos» (vv. 19.20). Os apóstolos estavam conscientes de que falar da morte e da ressurreição de Jesus era vontade de Deus, era um mandato divino. Por isso, não era possível obedecer às autoridades judaicas. Não havia ordens nem ameaças capazes de os fazerem calar, porque a força irresistível de Deus estava com eles.

    Evangelho: Marcos 16, 9-15

    Tendo ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana, Jesus apareceu primeiramente a Maria de Magdala, da qual expulsara sete demónios. 10Ela foi anunciá-lo aos que tinham sido seus companheiros, que viviam em luto e em pranto.
    11Mas eles, ouvindo dizer que Jesus estava vivo e fora visto por ela, não acreditaram.
    12Depois disto, Jesus apareceu com um aspecto diferente a dois deles que iam a caminho do campo. 13Eles voltaram para trás a fim de o anunciar aos restantes. E também não acreditaram neles. 14Apareceu, finalmente, aos próprios Onze quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e a dureza de coração em não acreditarem naqueles que o tinham visto ressuscitado. 15E disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura.

    Este texto é um acrescento destinado a concluir o evangelho de Marcos, escrito ainda na época apostólica, e aceite pela Igreja. Mc 16, 7 aludia a um encontro na Galileia que não é descrito. Por isso, é aceite a hipótese de que o primitivo epílogo se tenha perdido, sendo substituído pelo que agora temos. De Mt 28, 16-20 e de Jo 21, 1-4, sabemos que Jesus apareceu aos discípulos na Galileia, onde confirmou o grupo dos discípulos, conferindo-lhes a missão universal. Poderia ser este também o conteúdo da folha que se perdeu.
    Como em Lucas (24, 36-43) e nos Actos (10, 41), a aparição aos Onze acontece durante uma refeição comunitária. Uma vez mais, como é típico em Marcos, é sublinhada a incredulidade e a atitude refractária dos discípulos em se darem conta do que aconteceu. Só a presença directa de Jesus libertará os apóstolos da dureza de coração e os transformará em verdadeiros crentes. A Ressurreição não é fruto de imaginação ingénua ou da sugestão colectiva dos discípulos. É um dom do Pai Àquele que se fez obediente até à morte para salvar a Humanidade. A fé na Ressurreição é também um dom do Senhor aos discípulos. Ao conceder-lho também lhes dá o encargo de continuarem a Sua missão, para que a Boa Nova chegue a toda a terra (v. 15).

    Meditatio

    A Ressurreição é um mistério de fé que encontrou resistência nos Apóstolos.
    «Não acreditaram» é o refrão que se repete no epílogo do evangelho de Marcos. Por isso, Jesus tem de lhes censurar a dureza de coração em não acreditarem naqueles que O tinham visto ressuscitado (Mc 16, 14). Também em nós podem surgir resistências à fé na Ressurreição: preferimos as nossas tristezas à alegria da Ressurreição. Isto pode parecer estranho, mas é assim porque a alegria divina nos eleva, enquanto nós preferimos permanecer nas nossas preocupações, nas nossas tristezas, nos nossos interesses humanos. A tristeza leva-nos a ver as coisas na obscuridade do nosso amor-próprio, das nossas ilusões, e não à luz divina da Ressurreição. Por isso é que um autor cristão do século II escrevia: «Desapega-te de ti mesmo, renuncia à tristeza, porque a tristeza é a mãe da dúvida e do erro».
    Na primeira leitura, Pedro e João utilizam um argumento que precisamos de redescobrir hoje, diante das prepotências do mundo em que vivemos. Quantas vezes os meios de comunicação social, e outros meios omnipotentes, tentam nivelar o modo de pensar e de avaliar típico dos cristãos pelo baixo nível do consumismo e dos horizontes exclusivamente intramundanos. A identidade cristã sofre agressões cada vez mais claras, ainda que, muitas vezes, soft e dissimuladas, que querem fazer passar por normal e óbvio o que não passa de  comportamentos detestáveis. Por isso, é em nome da superior vontade de Deus que havemos de travar um verdadeiro «combate cultural» para desmascarar o perigo da homologação pagã. Mas o «combate cultural» pressupõe o «combate espiritual», em nome de uma forte experiência de Cristo. Não se pode calar a experiência da salvação, a experiência de ser a mados por Deus, a experiência de ser acompanhados na vida pelo amor de Deus. Trata-se de um testemunho aberto e corajoso, que nada quer impor, mas que também não aceita imposições para esconder o que tem de mais precioso: a experiência do Ressuscitado.
    De acordo com os ensinamentos e o exemplo do Pe. Dehon, a fonte do nosso "testemunho profético..." para o "advento da nova humanidade em Jesus Cristo"

    (Cst. 39), iniciada com a Sua Ressurreição é o Coração de Cristo e a Eucaristia. O evangelho diz-nos que foi no encontro com o Senhor ressuscitado, e na celebração da Eucaristia, que eles, em primeiro lugar, encontraram a força para o testemunho, mesmo nas mais duras circunstâncias.

    Oratio

    Senhor, faz resplandecer sobre a minha mente e sobre o meu coração, a luz esplendorosa da tua santa Ressurreição, para que me dê conta de quanto obedeço mais aos homens do que a Deus, de quanto estou inquinado pela mentalidade dos homens, de quanto me deixo levar pelas seduções deste mundo, de quanto me deixo fascinar pelo canto das sereias. Ilumina as profundezas do meu ser, os recantos obscuros da minha personalidade, os pontos menos conscientes do meu sentir, para que possa revê-los e rever o modo como me coloco diante da mentalidade dominante.
    Dá-me a coragem dos Apóstolos para que, vencendo todos os obstáculos, testemunhe o teu nome diante todos e em todas as circunstâncias. Amen.

    Contemplatio

    S. Marcos era hebreu de origem e da raça sacerdotal de Aarão. Era da Galileia, pátria de S. Pedro, do qual foi o intérprete e o companheiro.
    Fazia parte dos setenta e dois discípulos; mas, no dizer de Santo Epifânio, retirou-se com muitos outros, quando Nosso Senhor disse: «Se não comerdes a minha carne, não tereis a vida em vós». Mas S. Pedro converteu-o e reconduziu-o a Jesus depois da ressurreição. Ligou-se a S. Pedro e permaneceu sempre penitente como ele. S. Pedro chama-o seu filho na sua primeira epístola (5, 13).
    Seguindo o chefe dos apóstolos nas suas viagens apostólicas, serviu-lhe de intérprete, de secretário e de catequista. Acompanhou-o a Roma, e, depois das pregações do Apóstolo, a multidão perguntava a S. Marcos explicações e notas. Esta foi a origem do seu Evangelho. Serviu-se aliás do de S. Mateus ou de uma recolha primitiva de discursos do Salvador, na qual S. Mateus se teria também inspirado.
    Escrevendo S. Marcos sob a direcção de S. Pedro, tem conta da humildade do seu mestre, relata longamente a tríplice negação do apóstolo e não cita o que Nosso Senhor diz em louvor do Príncipe dos apóstolos, quando este o reconheceu como Filho de Deus (Leão Dehon, OSP 3, p. 478).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15).

  • 02º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    02º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    7 de Abril, 2024

    ANO B

    2.º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 2.º Domingo da Páscoa

    A liturgia do segundo domingo do tempo pascal apresenta-nos a comunidade de Homens Novos que nasceu da cruz e da ressurreição de Jesus: a Igreja. Essa comunidade, acompanhada por Jesus, ressuscitado, vive e testemunha no mundo a Vida nova de Deus.

    Na primeira leitura o autor dos Atos dos Apóstolos deixa-nos, numa das “fotografias” que tirou à comunidade cristã de Jerusalém, os traços da comunidade ideal: é uma comunidade onde todos vivem unidos à volta da mesma fé e onde o amor fraterno se manifesta em gestos concretos de partilha e de dom. Ao viver assim, a comunidade dá testemunho da Vida nova que recebeu de Jesus.

    O Evangelho apresenta a comunidade da Nova Aliança, nascida da atividade criadora e vivificadora de Jesus. É uma comunidade que se reúne à volta de Jesus ressuscitado, que recebe d’Ele Vida, que é animada pelo Seu Espírito e que dá testemunho no mundo da Vida nova de Deus. Quem quiser “ver” e “tocar” Jesus ressuscitado, deve procurá-l’O no meio dessa comunidade que d’Ele nasceu e que d’Ele vive.

    A segunda leitura recorda aos membros da comunidade cristã os critérios que definem a vida cristã autêntica: o verdadeiro crente ama Deus, adere a Jesus Cristo e à proposta de salvação que Ele trouxe, e vive no amor aos irmãos. Quem vive desta forma, vence o mundo e passa a integrar a família de Deus.

     

    LEITURA – Atos dos Apóstolos 4,32-35

    A multidão dos que haviam abraçado a fé
    tinha um só coração e uma só alma;
    ninguém chamava seu ao que lhe pertencia,
    mas tudo entre eles era comum.
    Os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus
    com grande poder
    e gozavam todos de grande simpatia.
    Não havia entre eles qualquer necessitado,
    porque todos os que possuíam terras ou casas
    vendiam-nas e traziam o produto das vendas,
    que depunham aos pés dos Apóstolos.
    Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade.

     

    CONTEXTO

    O livro dos Atos dos Apóstolos, logo depois da introdução inicial (cf. At 1,1-11), oferece-nos um conjunto de histórias sobre a comunidade cristã de Jerusalém (cf. At 1,12-6,7). Mas o objetivo primordial de Lucas, o autor dos Atos, não é fornecer-nos um relato real e pormenorizado dos primeiros dias do cristianismo, após a ascensão de Jesus ao céu; o que ele pretende é propor-nos uma catequese sobre a forma como a Igreja de Jesus se deve estruturar e apresentar ao mundo. A comunidade cristã de Jerusalém é, de certo modo, a mãe e o modelo de todas as Igrejas. Lucas, ao falar dela, vai idealizá-la e “embelezá-la”, a fim de que ela funcione como exemplo para todas as Igrejas que depois irão surgir.

    Nesses capítulos dedicados à apresentação da Igreja de Jerusalém Lucas insere, a certa altura, três breves sumários que põem em relevo dimensões particularmente importantes da vida eclesial. No primeiro desses sumários sublinha-se especialmente a unidade, a fidelidade à oração e ao ensino dos apóstolos, o espírito fraterno e o testemunho que a comunidade dava aos habitantes de Jerusalém (cf. At 2,42-47); no segundo (e que é exatamente o texto que nos é proposto como primeira leitura neste segundo domingo do tempo pascal) a ênfase é posta na partilha dos bens e na solidariedade dos membros da comunidade (cf. At 4,32-35); no terceiro, realça-se a atividade curadora dos apóstolos, que despertava o interesse da cidade e atraía novos membros à comunidade (cf. At 5,12-16).

    Para entendermos todo o alcance da reflexão de Lucas precisamos de ter em conta a situação das comunidades cristãs no final da década de 80 do primeiro século. O entusiasmo inicial dos cristãos estava um tanto diluído: Jesus ainda não tinha vindo para instaurar definitivamente o “Reino de Deus” e, em contrapartida, posicionavam-se no horizonte próximo as primeiras grandes perseguições. Muitos dos crentes tinham-se instalado numa fé “morna” e inconsequente. Havia desleixo, falta de entusiasmo, acomodação, divisão, conflitos e confusão (até porque começavam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a comunidade deve ser e testemunhar.

     

    MENSAGEM

    Como será, então, a comunidade cristã ideal, que nasce do Espírito e do testemunho dos apóstolos?

    Em primeiro lugar, é uma comunidade formada por pessoas muito diversas, mas que abraçaram a mesma fé (“a multidão dos que tinham abraçado a fé” – vers. 32a). A “fé” é, no Novo Testamento, a adesão a Jesus e ao seu projeto. Para todos os membros da comunidade, o Senhor Jesus Cristo é a referência fundamental, o cimento que a todos une num projeto comum.

    Em segundo lugar, é uma comunidade de crentes que têm “um só coração e uma só alma” (vers. 32a). Da adesão a Jesus resulta, obrigatoriamente, a comunhão e a união de todos os “irmãos” da comunidade. A comunidade de Jesus não pode ser uma comunidade onde cada um puxa para o seu lado, preocupado em defender apenas os seus interesses pessoais; mas tem de ser uma comunidade onde todos caminham na mesma direção, ajudando-se mutuamente, partilhando os mesmos valores e os mesmos ideais, formando uma verdadeira família de irmãos que vivem no amor.

    Em terceiro lugar, é uma comunidade onde existe partilha e solidariedade. Da comunhão com Cristo resulta a comunhão dos cristãos entre si; e isso tem implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer tipo de egoísmo, de autossuficiência, de fechamento em si próprio e uma abertura de coração para a partilha, para o dom, para o amor. Expressão concreta dessa partilha e desse dom é a comunhão dos bens: “ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas tudo entre eles era comum” – vers. 32b). Num desenvolvimento que explicita este “pôr em comum”, Lucas conta que “não havia entre eles qualquer necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o produto das vendas, que depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se então a cada um conforme a sua necessidade” (vers. 34-35). É uma forma concreta de mostrar que a vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não é “conversa fiada”; mas é uma efetiva libertação da escravidão do egoísmo e um compromisso verdadeiro com o amor, com a partilha, com o dom da vida. Num mundo onde a realização e o êxito se medem pelos bens acumulados e que não entende a partilha e o dom, a comunidade de Jesus é chamada a dar exemplo de uma lógica diferente e a propor um mundo que se baseie nos valores de Deus.

    Finalmente, a comunidade cristã é uma comunidade que dá testemunho: “os apóstolos davam testemunho da ressurreição de Jesus com grande poder” (vers. 33). Os gestos realizados pelos apóstolos infundiam em todos aqueles que os testemunhavam a inegável certeza da presença de Deus e do seu dinamismo de salvação.

    A comunidade cristã, nascida do dom de Jesus e do Espírito, é uma comunidade de homens e mulheres novos, que anuncia no meio do mundo a Vida plena e definitiva. Na vida e no testemunho daqueles discípulos do crucificado que se amavam, que partilhavam o que tinham, que viviam unidos, que eram solidários, que iam ao encontro dos doentes para lhes levar a cura e a salvação, os habitantes de Jerusalém encontravam o dinamismo e a presença viva de Jesus ressuscitado.

    A comunidade cristã de Jerusalém era, de facto, esta comunidade ideal? Possivelmente, não (outros textos dos Atos falam-nos de tensões e problemas – como acontece com qualquer comunidade humana); mas a descrição que Lucas aqui faz aponta para a meta a que toda a comunidade cristã deve aspirar, confiada na força do Espírito. Trata-se, portanto, de uma descrição da comunidade ideal, que pretende servir de modelo à Igreja e às Igrejas de todas as épocas.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A comunidade cristã é uma “multidão” que abraçou a mesma fé – quer dizer, que aderiu a Jesus, aos seus valores, à sua proposta. A Igreja não é um grupo unido por uma ideologia, ou por uma mesma visão do mundo, ou pela simpatia pessoal dos seus membros; mas é uma comunidade que reúne pessoas de diferentes raças e culturas à volta de Jesus e do seu projeto de vida. Que lugar e que papel Jesus e as suas propostas ocupam na minha vida pessoal? Jesus é uma referência distante e pouco real, ou é uma presença constante que me questiona e que me aponta caminhos? Que lugar ocupa Jesus na vida e na programação da minha comunidade cristã? Ele é o centro, a referência a partir da qual se articula a liturgia, a vida sacramental, a catequese, a caridade da comunidade cristã onde eu faço a minha caminhada de fé?
    • A comunidade cristã é uma família unida, onde os irmãos têm “um só coração e uma só alma”. Tal facto resulta da adesão a Jesus: seria um absurdo aderir a Jesus e ao seu projeto e, depois, conduzir a vida de acordo com mecanismos de divisão, de fechamento, de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência… A minha comunidade cristã é uma comunidade de irmãos que vivem no amor, ou é um grupo de pessoas isoladas, em que cada um procura defender os seus interesses, mesmo que para isso tenha de magoar e de espezinhar os outros? No que me diz respeito, esforço-me por amar todos, por respeitar a liberdade e a dignidade de todos, por potenciar os contributos e as qualidades de todos?
    • A comunidade cristã é uma comunidade de partilha. No centro dessa comunidade está o Cristo do amor, da partilha, do serviço, do dom da vida… O cristão não pode, portanto, viver fechado no seu egoísmo, indiferente à sorte dos outros irmãos. Em concreto, o nosso texto fala na partilha dos bens… Uma comunidade onde alguns esbanjam os bens e onde outros não têm o suficiente para viver dignamente, será uma comunidade que testemunha, diante dos homens, esse mundo novo de amor que Jesus veio propor? Será cristão aquele que, embora indo à igreja, só pensa em acumular bens materiais, recusando-se a escutar os dramas e sofrimentos dos irmãos mais pobres? Será cristão aquele que, embora contribuindo com donativos para as necessidades da paróquia, comete injustiças ou explora os seus servidores?
    • A comunidade cristã é uma comunidade que testemunha o Senhor ressuscitado. Como? Através de teorias bem elaboradas ou de discursos teológicos bem construídos, mas que passam ao lado da vida e dos problemas dos homens? Através de rituais solenes e majestosos, mas estéreis e vazios? O testemunho mais impressionante e mais convincente será sempre o testemunho de vida dos discípulos de Jesus… Se conseguirmos criar verdadeiras comunidades fraternas, que vivam no amor e na partilha, que sejam sinais no mundo dessa vida nova que Jesus veio propor, estaremos a anunciar que Jesus está vivo, que está a atuar em nós e que, através de nós, continua a apresentar ao mundo uma proposta de vida verdadeira. As nossas comunidades cristãs são lugares onde se sente pulsar, ao vivo e a cores, a Vida nova de Jesus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)

    Refrão 1: Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
    porque é eterna a sua misericórdia.

    Refrão 2: Aclamai o senhor, porque Ele é bom:
    o seu amor é para sempre.

    Refrão 3:  Aleluia.

     

    Diga a casa de Israel:
    é eterna a sua misericórdia.
    Diga a casa de Aarão:
    é eterna a sua misericórdia.
    Digam os que temem o Senhor:
    é eterna a sua misericórdia.

    A mão do Senhor fez prodígios,
    A mão do Senhor foi magnífica.
    Não morrerei, mas hei de viver,
    para anunciar as obras do Senhor.
    Com dureza me castigou o Senhor,
    mas não me deixou morrer.

    A pedra que os construtores rejeitaram
    tornou-se pedra angular.
    Tudo isto veio do Senhor:
    é admirável aos nossos olhos.
    Este é o dia que o Senhor fez:
    exultemos e cantemos de alegria.

     

    LEITURA II – 1 João 5,1-6

    Caríssimos:
    Quem acredita que Jesus é o Messias,
    nasceu de Deus,
    e quem ama Aquele que gerou
    ama também Aquele que nasceu d’Ele.
    Nós sabemos que amamos os filhos de Deus
    quando amamos a Deus e cumprimos os seus mandamentos,
    porque o amor de Deus
    consiste em guardar os seus mandamentos.
    E os seus mandamentos não são pesados,
    porque todo o que nasceu de Deus vence o mundo.
    Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.
    Quem é o vencedor do mundo
    senão aquele que acredita que Jesus é o Filho de Deus?
    Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus Cristo;
    não só com a água, mas com a água e o sangue.
    É o Espírito que dá testemunho,
    porque o Espírito é a verdade.

     

    CONTEXTO

    A opinião tradicional atribuía a autoria da primeira Carta de João (como também a segunda e a terceira) ao apóstolo João, irmão de Tiago; no entanto, essa hipótese foi praticamente descartada pelos biblistas. Discute-se se o seu autor será o mesmo autor do Quarto Evangelho, atendendo à semelhança de vocabulário, de estilo e de doutrina entre os dois documentos; mas nem isso é consensual. Há ainda quem se questione se o autor desta carta (e das outras: a segunda e a terceira) não será um tal “João, o Presbítero” (cf. 2 Jo 1,1; 3 Jo 1,1), conhecido da tradição primitiva e que, aparentemente, era uma personagem distinta do “João, o apóstolo”. Seja como for, o autor da primeira Carta de João é alguém que pertence ao mundo joânico e que conhece bem a teologia joânica.

    Também não há, na primeira Carta de João, qualquer referência a um destinatário (pessoa ou comunidade) concreto. A missiva parece dirigir-se a um grupo de igrejas ameaçadas pelo mesmo problema: as heresias. Trata-se, provavelmente, de igrejas da Ásia Menor (à volta de Éfeso), onde estão a ser difundidas doutrinas incompatíveis com a revelação cristã, que ameaçam comprometer a pureza da fé.

    Quem são os autores dessas doutrinas heréticas? O autor da Carta chama-lhes “anticristos” (1 Jo 2,18.22; 4,3), “profetas da mentira” (1 Jo 4,1), “mentirosos” (1 Jo 2,22). Diz que eles “são do mundo” (1 Jo 4,5) e deixam-se levar pelo espírito do erro (1 Jo 4,6). Até há pouco tempo pertenciam à comunidade cristã (1 Jo 2,19); mas agora saíram e procuram desencaminhar os crentes que permaneceram fiéis (cf. 1 Jo 2,26; 3,7). Muito provavelmente são pessoas ligadas a grupos pré-gnósticos, cujas ideias começavam a circular, no final do séc. I, e a causar confusão e divisão nas comunidades joânicas. Estes “profetas da mentira” pretendiam “conhecer Deus” (1 Jo 2,4) e viver em comunhão com Deus (1 Jo 2,3); mas apresentavam uma doutrina e uma conduta em flagrante contradição com a revelação cristã. Recusavam-se a ver em Jesus o Messias (cf. 1 Jo 2,22) e o Filho de Deus (cf. 1 Jo 4,15), recusavam a encarnação (cf. 1 Jo 4,2) e ensinavam que o Cristo celeste tinha-Se apropriado do homem Jesus de Nazaré na altura do Batismo (cf. Jo 1,32-33), tinha-o utilizado para levar a cabo a revelação e tinha-o abandonado antes da paixão, porque o Cristo celeste não podia padecer. O comportamento moral destes hereges não era menos repreensível: pretendiam não ter pecados (cf. 1 Jo 1,8.10) e não guardavam os mandamentos (cf. 1 Jo 2,4), em particular o mandamento do amor fraterno (cf. 1 Jo 2,9).

    O autor da Primeira Carta de João adverte os cristãos contra as pretensões destes pregadores heréticos e explica-lhes os critérios da vida cristã autêntica.

     

    MENSAGEM

    Quais são, então, os critérios da vida cristã autêntica, que distinguem os verdadeiros crentes dos profetas da mentira?

    Antes de mais, os verdadeiros crentes são aqueles que amam a Deus e que amam, também, Jesus Cristo, o Filho que nasceu de Deus (vers. 1). Jesus de Nazaré é, ao contrário do que dizem os hereges, Filho de Deus desde a encarnação e em cada momento da sua existência terrena. A sua paixão e morte também fazem parte do projeto salvador de Deus (Jesus veio apresentar aos homens um projeto de salvação, “não só pela água, mas com a água e o sangue” – vers. 6).

    No entanto, amar a Deus significa cumprir os seus mandamentos. Quando amamos alguém, procuramos realizar obras que agradem àquele a quem amamos… Não se pode dizer que se ama a Deus se não se cumprem os seus mandamentos… E o mandamento de Deus é que amemos os nossos irmãos. Todo aquele que se considera filho de Deus e que pertence à família de Deus deve amar os irmãos que são membros da mesma família. Quem não ama os irmãos, não pode pretender amar a Deus e fazer parte da família de Deus (vers. 2-3).

    Quando o crente ama a Deus, acredita que Jesus é o Filho de Deus e vive de acordo com os mandamentos de Deus (sobretudo com o mandamento do amor aos irmãos), vence o mundo. Amar Deus, amar Jesus e amar os irmãos significa construir a própria vida numa dinâmica de amor; e significa, portanto, derrotar o egoísmo, o ódio, a injustiça que caracterizam a dinâmica do mundo (vers. 4-5).

    Esta Vida nova que permite aos crentes vencer o mundo é oferecida aos homens através de Jesus Cristo. A Vida nova que Jesus veio oferecer chega aos homens pela “água” (Batismo – isto é, pela adesão a Cristo e à sua proposta) e pelo “sangue” (alusão à vida de Jesus, feita dom na cruz por amor). O Espírito Santo atesta a validade e a verdade dessa proposta trazida por Jesus Cristo, por mandato de Deus Pai (vers. 6).

    Quando o homem responde positivamente ao desafio que Deus lhe lança (Batismo), cumpre os mandamentos de Deus e faz da sua vida um dom de amor aos irmãos (a exemplo de Cristo), vence o mundo, torna-se filho de Deus e membro da família de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Amar a Deus significa cumprir os seus mandamentos – diz-nos o autor da primeira Carta de João. O amor a Deus não se diz em belas declarações, em palavras cheias de elevação, em solenes afirmações de princípios; diz-se, muito simplesmente, acolhendo as indicações de Deus e pautando por elas o nosso caminho de vida. Amamos a Deus quando o vemos como um Pai que nos ama e que só quer o nosso bem; amamos a Deus quando o levamos tão a sério que estamos dispostos a fazer a sua vontade, mesmo que isso afete os nossos projetos; amamos a Deus quando tudo o que vem dEle “conta” para nós; amamos a Deus quando caminhamos confiantes no caminho que Ele nos aponta, certos de que chegaremos a um porto seguro e feliz. É desta forma que eu amo a Deus?
    • De acordo com o autor da primeira Carta de João, amar a Deus implica amar também Jesus, o Filho de Deus. Também neste caso o nosso amor expressa-se mais em atitudes do que em palavras. Amamos a Jesus quando respondemos ao seu convite, tornamo-nos seus discípulos, acolhemos a sua Palavra, seguimo-Lo incondicionalmente no caminho do amor, do serviço, do dom da vida; amamos a Jesus quando, como Ele, lutamos contra tudo aquilo que suja o mundo e destrói a vida. É desta forma que eu amo Jesus?
    • Amar a Deus e aderir a Jesus implica amar os irmãos. Quem não ama os irmãos, não cumpre os mandamentos de Deus e não segue Jesus. Como Jesus, somos chamados a testemunhar o amor de Deus a todos os que caminham ao nosso lado, especialmente aos mais pobres, aos mais humildes, aos mais frágeis, aos que a sociedade e a religião condenam, aos que os senhores do mundo e da história humilham e desvalorizam. O amor total e sem fronteiras, o amor que nos leva a oferecer integralmente a nossa vida aos irmãos, o amor que se revela nos gestos simples de serviço, de perdão, de solidariedade, de doação, de atenção, de cuidado, está no nosso programa de vida?
    • Quem nasce de Deus e confia em Deus, quem acredita em Jesus e O segue – diz o autor da primeira Carta de João – “vence o mundo”. Os cristãos não se conformam com a lógica de egoísmo, de ódio, de injustiça, de violência que governa o mundo; a esta lógica, eles contrapõem a lógica do amor, a lógica de Jesus. O amor é um dinamismo que vence tudo aquilo que oprime o homem e que o impede de chegar à vida verdadeira e definitiva, à felicidade total. Ainda que o amor pareça, por vezes, significar fragilidade, debilidade, fracasso, frente à violência dos poderosos e dos senhores do mundo, a verdade é que o amor terá sempre a última e definitiva palavra. Só ele assegura a vida verdadeira e eterna, só ele é caminho para o mundo novo e melhor com que os homens sonham. Conformo-me com o mundo e os seus valores efémeros, ou sou dos que têm a ousadia de dar testemunho dos valores de Deus e de Jesus?

     

    ALELUIA – João 20,29

    Aleluia. Aleluia.

    Disse o Senhor a Tomé:
    «Porque Me viste, acreditaste;
    felizes os que acreditam sem terem visto».

     

    EVANGELHO – João 20,19-31

    Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
    estando fechadas as portas da casa
    onde os discípulos se encontravam,
    com medo dos judeus,
    veio Jesus, colocou-Se no meio deles e disse-lhes:
    «A paz esteja convosco».
    Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado.
    Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
    Jesus disse-lhes de novo:
    «A paz esteja convosco.
    Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós».
    Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes:
    «Recebei o Espírito Santo:
    àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhe-ão perdoados;
    e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».
    Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo,
    não estava com eles quando veio Jesus.
    Disseram-lhe os outros discípulos:
    «Vimos o Senhor».
    Mas ele respondeu-lhes:
    «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos,
    se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado,
    não acreditarei».
    Oito dias depois,
    estavam os discípulos outra vez em casa,
    e Tomé com eles.
    Veio Jesus, estando as portas fechadas,
    apresentou-Se no meio deles e disse:
    «A paz esteja convosco».
    Depois disse a Tomé:
    «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos;
    aproxima a tua mão e mete-a no meu lado;
    e não sejas incrédulo, mas crente».
    Tomé respondeu-Lhe:
    «Meu Senhor e meu Deus!»
    Disse-lhe Jesus:
    «Porque Me viste acreditaste:
    felizes os que acreditam sem terem visto».
    Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos,
    que não estão escritos neste livro.
    Estes, porém, foram escritos
    para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus,
    e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.

     

    CONTEXTO

    Jesus foi crucificado na manhã de uma sexta-feira – dia da “preparação” da Páscoa – e morreu pelas três horas da tarde desse dia. Já depois de morto, um soldado trespassou-lhe o coração com uma lança; e do coração aberto de Jesus saiu sangue e água (cf. Jo 19,31-37). O evangelista João vê no sangue que sai do lado aberto de Jesus o sinal do seu amor dado até ao extremo (cf. Jo 13,1): do amor do pastor que dá a vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10,11), do amor do amigo que dá a vida pelos seus amigos (cf. Jo 15,13); e vê na água que sai do coração trespassado de Jesus o sinal do Espírito (cf. Jo 3,5), desse Espírito que Jesus “entregou” aos seus e que é fonte de Vida nova. Da água e do sangue, do batismo e da eucaristia, nascerá a nova comunidade, a comunidade da Nova Aliança. Contudo, os discípulos que tinham subido com Jesus a Jerusalém e que seriam o embrião dessa comunidade da Nova Aliança, desapareceram sem deixar rasto. Estão escondidos, algures na cidade de Jerusalém, paralisados pelo medo. O projeto de Jesus falhou?

    No final da tarde dessa sexta-feira, o corpo morto de Jesus foi sepultado à pressa num túmulo novo, situado num horto ao lado do lugar onde se tinha dado a crucificação (cf. Jo 19,38-42). Depois veio o sábado, o último dia da semana, o dia da celebração da Páscoa judaica. Durante todo aquele sábado o túmulo de Jesus continuou cerrado.

    A partir daqui a narração de João muda de tempo e de registo. Chegamos ao “primeiro dia da semana”. É o primeiro dia de um tempo novo, o tempo da humanidade nova, nascida da ação criadora e vivificadora de Jesus. “No primeiro dia da semana”, Maria Madalena, a mulher que representa a nova comunidade, vai ao túmulo e vem de lá confusa e desorientada porque o túmulo está vazio (cf. Jo 20,1-2). Logo depois, ainda “no primeiro dia da semana”, Pedro e outro discípulo correm ao túmulo e constatam aquilo que Maria Madalena tinha afirmado: Jesus já não está encerrado no domínio da morte (cf. Jo 20,3-10). A comunidade de Jesus começa a despertar do seu letargo; começa a viver um tempo novo. “Ao entardecer do primeiro dia da semana” (“ou seja, ao concluir-se este primeiro dia da nova criação) a comunidade dos discípulos faz a experiência do encontro com Jesus, vivo e ressuscitado (cf. Jo 20,19-29).

     

    MENSAGEM

    O texto do Evangelho que a liturgia deste segundo domingo do tempo pascal nos propõe divide-se em duas partes.

    Na primeira (vers. 19-23), narra-se um encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos. João começa por descrever a situação em que estavam os discípulos antes de Jesus lhes aparecer: o “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo”, traduzem a insegurança e o desamparo que eles sentem diante desse mundo hostil que condenou Jesus à morte.

    Mas de repente o próprio Jesus apresenta-se “no meio deles” (vers. 19b). O crucificado está vivo; a morte não o derrotou. Os discípulos já não estão órfãos, abandonados à hostilidade do mundo. Ao colocar-se “no meio deles”, Jesus ressuscitado assume-Se como ponto de referência, fator de unidade, fonte de Vida, videira à volta da qual se enxertam os ramos (cf. Jo 15,5). A comunidade está centrada em Jesus, apenas em Jesus. Ele é o centro onde todos vão beber a água que dá a Vida eterna.

    A esta comunidade que se reúne à sua volta, Jesus transmite duplamente a paz (vers. 19 e 21). Não é apenas o tradicional cumprimento hebraico (“shalom”); significa, para além disso, que Jesus venceu tudo aquilo que assustava os discípulos: a morte, a opressão, a mentira, a violência, a hostilidade do mundo. Doravante os discípulos de Jesus não têm qualquer razão para viverem paralisados pelo medo.

    Depois (vers. 20a), Jesus mostra aos discípulos as mãos com a marca dos pregos e o lado que foi trespassado pela lança do soldado. Nesses “sinais” está, antes de mais, a prova da sua vitória sobre a morte e a maldade dos homens; mas também está a marca da sua entrega até à morte por obediência ao Pai e por amor aos homens. Neles está impressa, por assim dizer, a “identidade” de Jesus: é nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses “sinais” indica a permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.

    A esta “apresentação” de Jesus, os discípulos respondem com a alegria (vers. 20b): eles estão alegres porque Jesus está vivo; mas também estão alegres porque sabem que começou um tempo novo, o tempo em que a morte já não assusta, o tempo do Homem Novo, do Homem livre, do Homem que se encontrou com a Vida definitiva.

    Em seguida, Jesus convoca os discípulos para a missão (vers. 21). Que missão? Precisamente a mesma que o Pai Lhe confiou a Ele: realizar no mundo a obra de Deus. Os discípulos concretizarão esta missão sempre em ligação com Jesus (eles são ramos ligados à videira/Jesus, pois só assim darão fruto – cf. Jo 15,1-8).

    Para que os discípulos possam concretizar a missão, Jesus realiza um gesto inesperado, mas bem significativo: “soprou” sobre eles (vers. 22). O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o “sopro” de Gn 2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a Vida nova, o Espírito Santo, que fará deles Homens Novos e que os capacitará para viverem como testemunhas de Jesus ressuscitado. Trata-se, em boa verdade, de uma nova Criação. Da atividade de Jesus, do seu testemunho, do seu amor, do seu dom nasceu uma nova humanidade, capaz de amar até ao extremo, de dar a vida, de realizar a obra de Deus. É este Espírito que, pelo tempo fora, constitui e anima a cada instante a comunidade de Jesus.

    Eis a comunidade da Nova Aliança, nascida da ação e do amor de Jesus!

    Na segunda parte (vers. 24-29), o evangelista João apresenta uma catequese sobre a maneira de os discípulos de Jesus de qualquer época chegarem à fé em Cristo ressuscitado. A história de Tomé, chamado Dídimo (“gémeo”), poderia ser a nossa história. Tomé é o nosso “gémeo”: também nós nem sempre nos contentamos com o testemunho que nos chegou dos primeiros discípulos; também nós gostaríamos de “ver”, de “tocar”, de ter provas palpáveis… Como podemos fazer a experiência de encontro com Jesus ressuscitado?

    Jesus ressuscitado apresenta-se aos discípulos “no primeiro dia da semana”, quando a comunidade está reunida. A comunidade dos discípulos é o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de Jesus; é o lugar onde desponta a Vida nova de Jesus. Por isso, é lá que se faz a experiência da presença de Jesus vivo. Mas Tomé “não estava com eles” (vers. 24). Estava fora da comunidade. “Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu lado, não acredito” – diz Tomé quando lhe falam do Ressuscitado (vers. 25). Em lugar de integrar-se e participar da mesma experiência que os outros discípulos fizeram em comunidade, pretende obter para si próprio uma demonstração particular de Deus. Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios (está fora), que não fazem caso do testemunho da comunidade e que, por isso, nem percebem os sinais de Vida nova que nela se manifestam.

    Mas, “oito dias depois” (portanto, outra vez no primeiro dia da semana), Tomé já está novamente integrado na comunidade; e é aí que ele se encontra com Jesus ressuscitado, pois é aí que se manifestam os sinais de Vida nova que alimentam a fé no Ressuscitado (vers. 26-27). Esta experiência é tão impactante que, do coração rendido de Tomé, brota uma extraordinária declaração de fé, uma das mais belas de toda a Bíblia: “Meu Senhor e meu Deus!” (vers. 28). Também nós, os “gémeos” de Tomé, os que somos chamados a acreditar sem termos visto nem tocado, poderemos fazer a mesma experiência que Tomé fez: é no encontro com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada em comunidade, com o pão de Jesus partilhado, que se descobre e se experimenta Jesus ressuscitado. É por isso que a comunidade de Jesus continua a reunir-se “no primeiro dia da semana”, no “dia do Senhor” (o domingo).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Nos relatos pascais aparece sempre, em pano de fundo, a convicção profunda de que a comunidade dos discípulos nunca estará sozinha, abandonada à sua sorte: Jesus ressuscitado, Aquele que venceu a morte, a injustiça, o egoísmo, o pecado, acompanhá-la-á em cada passo do seu caminho histórico. É verdade que os discípulos de Jesus não vivem num mundo à parte, onde a fragilidade e a debilidade dos humanos não os tocam. Como os outros homens e mulheres, eles experimentam o sofrimento, o desalento, a frustração, o desânimo; têm medo quando o mundo escolhe caminhos de guerra e de violência; sofrem quando são atingidos pela injustiça, pela opressão, pelo ódio do mundo; conhecem a perseguição, a incompreensão e a morte… Mas, apesar de tudo isso, não se deixam vencer pelo pessimismo e pelo desespero pois sabem que Jesus vai “no meio deles”, oferecendo-lhes a sua paz e apontando-lhes o horizonte da Vida definitiva. É com esta certeza que caminhamos e que enfrentamos as tempestades da vida? Os outros homens e mulheres que partilham o caminho connosco descobrem Jesus, vivo e ressuscitado, através do testemunho de esperança que damos?
    • O Espírito Santo é o grande dom que Jesus ressuscitado faz à comunidade dos discípulos. É Ele que nos transforma, que nos anima, que faz de nós pessoas novas, que nos capacita para sermos testemunhas e sinais da Vida de Deus; é Ele que nos dá a coragem e a generosidade para continuarmos no mundo a obra de Jesus. No entanto, o Espírito só atua em nós se estivermos disponíveis para o acolher. Ele não se impõe nem desrespeita a nossa liberdade. Estamos disponíveis para acolher o Espírito? O nosso coração está aberto aos desafios que o Espírito constantemente nos lança?
    • A comunidade cristã gira em torno de Jesus, é construída à volta de Jesus e é de Jesus que recebe Vida, amor e paz. Sem Jesus, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Jesus, seremos um grupo de gente que se apoia em leis, que vive de ritos, que defende doutrinas e não a comunidade que vive e testemunha o amor de Deus; sem Jesus, estaremos divididos, mergulhados em conflitos estéreis, e não seremos uma comunidade de irmãos e de irmãs; sem Jesus, cairemos facilmente em caminhos errados e iremos beber a fontes que não matam a nossa sede de Vida… Na nossa comunidade, Cristo é verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende e é d’Ele que tudo parte? Escutamos as suas palavras, alimentamo-nos d’Ele, vivemos d’Ele, estamos ligados a Ele como os ramos estão ligados à videira?
    • Não é em experiências pessoais, íntimas, fechadas, egoístas, que encontramos Jesus ressuscitado; mas encontramo-l’O sempre que nos reunimos em seu nome, em comunidade. É no diálogo comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido, no amor que une os irmãos em comunidade de vida, que fazemos a experiência da presença de Jesus vivo no meio de nós. O que é que a comunidade cristã significa para mim? Sinto-me bem a caminhar em comunidade, ou a minha experiência de fé é uma experiência isolada, à margem da riqueza e dos desafios que a comunidade me oferece? E, neste âmbito, o que é que significa, para mim, a participação na celebração da Eucaristia, no “primeiro dia da semana”, o dia do encontro comunitário à volta da mesa de Jesus?
    • É nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade, que encontramos Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo; é com gestos de bondade, de misericórdia, de compaixão, de perdão que testemunhamos diante do mundo a Vida nova do Ressuscitado. Quem procura Cristo ressuscitado, encontra-O em nós? O amor de Jesus – amor total, universal e sem medida – transparece nos nossos gestos e na nossa vida?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2.º DOMINGO DE PÁSCOA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 2º Domingo de Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus…

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Apenas Jesus viveu a sua passagem da morte à vida. Os seus discípulos vão passar do medo à alegria e à paz, basta-lhes uma palavra – “a paz esteja convosco” – e verem as chagas ainda visíveis no Ressuscitado. Basta-lhes um sopro, o do Espírito de Cristo, para se tornarem embaixadores da reconciliação. Tomé vai passar da dúvida à fé, basta-lhe ver e tocar o que Cristo lhe oferece, então ele crê. “Há muitos outros sinais” cumpridos pelo Ressuscitado, precisa o evangelista, mas os que aqui são referidos são-no para que nós mesmos passemos do questionamento à afirmação – “Ele ressuscitou verdadeiramente!” – e para que O reconheçamos hoje, porque Ele não cessa de fazer sinal ainda e sempre.

    3. À ECUTA DA PALAVRA.

    “Meu Senhor e meu Deus!” Há a “fé do carvoeiro”. Ela não coloca qualquer questão. Ela é, muitas vezes, em si mesma, muito sólida, não se deixa levar por qualquer dúvida. E há uma fé “inquieta”, que não fica em repouso, que procura compreender. A dúvida, então, faz parte desta fé. Certamente, pode haver dúvidas destrutivas, aquela que nasce, por exemplo, de uma inveja, porque se desconfia da infidelidade do outro. Tal não é a dúvida de Tomé. Ele gostaria de acreditar no que lhe dizem os companheiros. Mas esta história da ressurreição de Jesus parece-lhe de tal modo fora da experiência humana mais comum e mais constante, que ele pede, de qualquer modo, um complemento de informação e para ver de mais perto. Não recusa crer, ele quer compreender melhor. A sua dúvida não é fechada, exprime um desejo de ser apoiada na fé. “Deixa de ser incrédulo, sê crente”. Mais do que uma reprovação, Jesus dirige-lhe um convite a ter uma confiança maior, total. Então, o Tomé da dúvida torna-se o Tomé que proclama a sua fé como nenhum dos seus discípulos o fez. Ele grita: “Meu Senhor e meu Deus!” A Igreja não abandonará jamais esta profissão de fé. Hoje ainda, ela termina grande parte das orações dirigidas ao Pai, dizendo: “Por Jesus Cristo, vosso Filho, nosso Deus e Senhor”. São as próprias palavras de Tomé que alimentam a fé e a oração da Igreja. Então, bem-aventurado Tomé!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Com Tomé… Ao longo da semana que se segue, a partir do grande encontro que Cristo teve connosco na celebração deste domingo, esforcemo-nos em Lhe dizer, como Tomé, a nossa fé. Somos chamados a um diálogo do coração… Mas daí jorrará uma verdadeira felicidade, que poderemos então partilhar à nossa volta.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 2ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    2ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    8 de Abril, 2024

    2ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 23-31

    Naqueles dias, logo que Pedro e João foram postos em liberdade, foram ter com os seus e contaram-lhes tudo quanto os sumos sacerdotes e os anciãos lhes tinham dito. 24Depois de tudo terem ouvido, ergueram a voz a Deus, numa só alma, e disseram:«Senhor, Tu é que fizeste o Céu, a Terra, o mar e tudo o que neles se encontra. 25Tu disseste pelo Espírito Santo e pela boca do nosso pai David, teu servo: 'Porque bramiram as nações e os povos formaram vãos projectos?
    26Levantaram-se os reis da Terra e os chefes coligaram-se contra o Senhor e contra o seu Ungido.' 27Sim, realmente, Herodes e Pôncio Pilatos coligaram-se nesta cidade
    com as nações e os povos de Israel, contra o teu Santo Servo Jesus, a quem ungiste,
    28para levarem a cabo tudo quanto determinaste antecipadamente, pelo teu poder e sabedoria. 29Agora, Senhor, tem em conta as suas ameaças e concede aos teus servos poderem anunciar a tua palavra com todo o desassombro, 30estendendo a tua mão
    para se operarem curas, milagres e prodígios, em nome do teu Santo Servo Jesus.»
    31Tinham acabado de orar, quando o lugar em que se encontravam reunidos estremeceu, e todos ficaram cheios do Espírito Santo, começando a anunciar a palavra de Deus com desassombro.

    Pedro e João, postos em liberdade, vão ter com os seus. Estes seus não eram certamente os 8.000 convertidos já referidos por Lucas, mas um pequeno grupo capaz de se reunir numa casa particular, talvez o núcleo original da Igreja (cf. Act 1,
    12-14), reunido em casa de Maria (Act 12, 12).
    A comunidade cristã reage à perseguição, não concertando estratégias humanas, mas com a oração. Esta oração, a mais pormenorizada que encontramos no Novo Testamento, está construída sobre um esquema tripartido, comum na época. Começa por invocar a Deus criador, menciona alguns dos seus atributos e, finalmente, apresenta o pedido. O ponto central da oração é constituído pela citação do Sl 2, 1-2. O que aí se anuncia foi integralmente realizado na paixão, morte e ressurreição de Jesus. Não importa, pois, que os reis da terra, representados em Herodes, conspirem contra Jesus, o Messias, e que os príncipes, representados por Pôncio Pilatos, se aliem contra o Senhor. A ressurreição de Jesus torna inútil toda essa oposição. A comunidade sabe que tem de passar pela mesma sorte de Jesus. Por isso, pede a Deus, não o fim da perseguição, mas a liberdade e o poder anunciar com palavras e obras a Boa Nova de Cristo morto e ressuscitado.
    A narrativa de Lucas termina referindo um estremecer do lugar onde estavam
    reunidos a rezar. Era, segundo a mentalidade comum, um sinal de que a oração fora benignamente escutada por Deus. De facto, todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a anunciar com audácia a Palavra de Deus.

    Evangelho: João 3, 1-8

    Entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, um chefe dos judeus. 2Veio ter com Jesus de noite e disse-lhe: «Rabi, nós sabemos que Tu vieste da parte de Deus, como Mestre, porque ninguém pode realizar os sinais portentosos

    que Tu fazes, se Deus não estiver com ele.» 3Em resposta, Jesus declarou-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer do Alto não pode ver o Reino de Deus.» 4Perguntou-lhe Nicodemos: «Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura poderá entrar no ventre de sua mãe outra vez, e nascer?» 5Jesus respondeu-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. 6Aquilo que nasce da carne é carne, e aquilo que nasce do Espírito é espírito. 7Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.' vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.»

    Nicodemos era um dirigente judeu muito representativo. Tinha ficado impressionado com as palavras e as acções de Jesus, na sua primeira intervenção, em Jerusalém. Por isso, decidiu entrevistar-se com ele. E mostra-se disposto a aceitar o ponto de vista de Jesus. Trata-se, pois, de um homem de boa vontade, com inquietações e sem preconceitos. As suas perguntas andaram à volta do tema do Reino de Deus, como nos dá a entender o evangelista. Como noutras ocasiões, João faz entrar Nicodemos em cena para provocar o ponto de apoio a partir do qual Jesus inculca os seus ensinamentos. As especulações dos judeus sobre o Reino de Deus não levam a bom porto. Para entrar nele é preciso nascer de novo. Esta é a expressão central da narrativa. A interpretação literal que Nicodemos faz dela dá a Jesus ocasião para ulteriores explicações.
    Na Antiguidade, havia a ideia de que, para entrar numa nova religião ou num
    sistema filosófico, era preciso «renascer». Hoje diríamos que é preciso mudar de mentalidade. Mas não é esse o sentido que Jesus dá à expressão. De facto, trata-se de um nascimento «do Alto» (v. 7) ou de Deus. Este nascimento tornou-se possível porque O do alto veio à terra (cf. Jo 1, 12-13). O nascimento «da carne e do sangue» é inadequado em ordem à pertença ao Reino. É precisa a acção do Espírito que é oferecido gratuitamente ao homem por Deus. O Espírito torna o homem capaz de responder a Deus. Água e Espírito: Jesus alude a dois elementos essenciais do baptismo, onde se realiza o novo nascimento.

    Meditatio

    Os primeiros cristãos reagem às perseguições com a oração. Não rezam para serem livres dos incómodos da perseguição. Rezam para não se deixarem bloquear pelas dificuldades e para não perderem a coragem de anunciar a Palavra. A sua oração é escutada, porque o Espírito vem dar-lhes força e coragem.
    Não se pode evangelizar sem fazer oração, muita oração. A evangelização, com efeito, é obra do Espírito Santo, que toca, não só o coração dos ouvintes, mas também o do evangelizador, tantas vezes tíbio e vacilante.
    O evangelho de hoje parece ter pouco a ver com o mistério pascal que estamos a celebrar: não fala de morte nem de ressurreição. Mas há uma relação profunda com a Páscoa e, na verdade, fala-se da ressurreição de Cristo e da nossa ressurreição. De facto, a Sagrada Escritura fala da ressurreição de Cristo como de um novo nascimento. Paulo, num seu discurso, aplica à ressurreição de Jesus o Salmo 2, onde Deus diz ao Filho: «Hoje Te gerei» (cf. Act 13, 16ss.). Na ressurreição, Cristo foi gerado para uma vida nova: era home
    m de carne e tornou-se homem «espiritual», de Espírito Santo. O mesmo Paulo, noutra passagem das suas cartas explica que, primeiro há o homem feito de terra e, depois, o homem celeste, que é Cristo ressuscitado (cf. 1 Cor 15, 44ss.). E tudo aconteceu por nós. O Filho assumiu corpo humano, de que não precisava, para tornar possível um novo nascimento para todos nós: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não

    pode entrar no Reino de Deus» (Jo 3, 5). Renascer da água e do Espírito Santo é dom de Cristo ressuscitado. Esse dom vem pelo sacramento do Baptismo que nos faz
    «renascer do alto» (v. 7) e introduz em nós um dinamismo que nos permite crescer e desenvolver-nos até à estatura de Cristo.
    Este nascimento, preanunciado a Nicodemos (cf. Jo 3, 3.5), realizou-se na
    transfixão do Lado, onde a água que brota de Cristo é sinal do dom do Espírito, do Baptismo, do nascimento da Igreja e, na Igreja, de cada um de nós. «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja» (Cst 3).

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que «renascer do Alto» não é só ser baptizado mas também acolher cada dia o ser espiritual que o Pai nos dá pela tua Ressurreição. Preciso de renascer em cada etapa da minha vida. Por isso, não me hei-de espantar quando, por assim dizer, sentir as dores do parto. De facto, nascer do Espírito não acontece de uma vez para sempre, e as dificuldades da nossa vida são um chamamento a renascer mais uma vez.
    Que eu me abra de par em par ao teu Espírito para ser capaz de sempre renascer, sem desanimar com as dores que antecedem cada renascimento. Amen.

    Contemplatio

    É depois da sua ressurreição que Nosso Senhor dá aos seus apóstolos a missão definitiva de fundar a igreja e de nela fazer entrar todos os homens pelo sacramento do baptismo: «Ide, - diz-lhes -, pregai, ensinai todas as nações e baptizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19).
    Mas já tinha descrito os efeitos do baptismo em várias ocasiões e
    particularmente na conversa com Nicodemos. - «Em verdade, te digo, - tinha-lhe dito Jesus -, a não ser que renasça da água e do Espírito Santo, ninguém pode entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne é carne e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te surpreendas, portanto, por te ter dito: é preciso que nasçais de novo. O vento sopra onde quer. Tu escutas a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem onde vai. Assim é com todo o homem que nasceu do Espírito» (Jo 3, 1).
    Nosso Senhor estabelece bem a distinção entre a vida natural e a vida sobrenatural. Descreve-nos o reino de Deus na nossa alma: uma vida nova e a acção misteriosa do Espírito Santo. O Espírito de Deus sopra onde quer; inspira a alma, eleva-a acima de si mesma no momento que escolheu. A sua acção só depende d' Ele. Se estivar lá, sente-se, escuta-se a sua voz e há a vida; se se afasta, é o definhamento e silêncio (Leão Dehon, OSP 4, p. 214).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Venha a nós o vosso reino» (Mt 6, 10).

  • 2ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    2ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    9 de Abril, 2024

    2ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 32-37

    32A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum.
    33Com grande poder, os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e uma grande graça operava em todos eles. 34Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda 35e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um conforme a necessidade que tivesse. 36Assim, um levita cipriota, de nome José, a quem os Apóstolos chamaram Barnabé, isto é, «filho da consolação», 37possuía uma terra; vendeu-a e trouxe a importância, que depositou aos pés dos
    Apóstolos.

    Lucas apresenta-nos mais um breve resumo sobre o teor de vida da Igreja nascida do Pentecostes, acentuando a eficácia do testemunho apostólico sobre a Ressurreição, que dá origem a uma nova criação, que justifica o estilo de vida da comunidade e, concretamente, a partilha de bens. Nesta partilha, notamos dois aspectos: o primeiro consiste em pôr em comum os próprios bens, partilhando o seu uso; mantendo cada um a propriedade dos seus bens, considera-se apenas administrador dos mesmos, pondo-os à disposição dos outros; o segundo aspecto consiste em vender os próprios bens, distribuindo o lucro pelos pobres; neste caso, vendidos os bens, apresentavam o lucro aos apóstolos que o distribuíam. Mas os Actos apresentam outras formas de partilha dos bens: Paulo falará do trabalho com as próprias mãos, para prover às necessidades dos seus e dos que são frágeis (cf. 20, 34s.).
    O que Lucas pretende sublinhar é que a partilha, nas suas diferentes formas, tem a sua raiz na comunhão de espírito e de corações dos fiéis. Do conjunto, podemos concluir que estamos perante a comunidade messiânica, herdeira das promessas feitas aos pais: «Em verdade, não deve haver pobres entre vós, porque o Senhor te abençoará na terra que Ele próprio te há-de dar em herança para a possuíres; mas só se ouvires a voz do Senhor, teu Deus, para guardares e cumprires todos estes preceitos.» (Dt 14, 4s.).

    Evangelho: Jo 3, 7b-15

    Naquele tempo, Jesus disse a Nicodemos: 7Não te admires por Eu te ter dito:
    'Vós tendes de nascer do Alto.' vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.» 9Nicodemos interveio e disse-lhe: «Como pode ser isso?» 10Jesus respondeu- lhe: «Tu és mestre em Israel e não sabes estas coisas? 11Em verdade, em verdade te digo: nós falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, mas vós não aceitais o nosso testemunho. 12Se vos falei das coisas da terra e não credes, como é que haveis de crer quando vos falar das coisas do Céu? 13Pois ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem. 14Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, 15a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna.

    O diálogo com Nicodemos transforma-se num monólogo com grande amplidão de horizontes. Lucas refere-nos palavras autênticas de Jesus e testemunhos pós- pascais, fundidos num único discurso. Estamos perante uma profissão de fé usada na liturgia da igreja joânica e que contém uma síntese da história da salvação.
    O evangelista desenvolve o tema do texto que ontem escutámos, centrado no testemunho de Cristo, Filho do homem descido do céu, o único capaz de revelar o amor de Deus pelos homens, como de facto fez, na sua morte e ressurreição (vv. 11-
    15). João insiste agora na importância da fé: para compreendermos a grande revelação do êxodo pascal, há que crescer na fé sobre o nosso destino espiritual. Há que acreditar em Cristo, ainda que não tenhamos subido ao céu para compreendermos os seus mistérios. Ele, que desceu do céu (v. 13), é capaz de anunciar a realidade do Espírito, e é capaz de estabelecer a verdadeira relação do homem com Deus. Só Jesus é o lugar ideal da presença de Deus. Esta revelação realizar-se-á na cruz, quando Jesus for entronizado, porque «todo o que nele crê tenha a vida eterna» (v. 15).
    A humanidade poderá compreender o evento escandaloso e desconcertante da salvação pela cruz e ser curada do seu mal, tal como os Hebreus, mordidos pelas serpentes no deserto, foram curados ao olharem a serpente de bronze elevada num poste (cf. Nm 21, 4-9). A salvação passa pela submissão a Deus e pela contemplação do Crucificado.

    Meditatio

    Os resumos de Lucas sobre a vida da primeira comunidade cristã permanecem como referência para as comunidades de todos os tempos. Os monges do século IV, perante o abrandamento de fervor espiritual ocorrido na Igreja, depois do édito de Milão, foram para o deserto e organizaram-se em comunidades que pretendiam reeditar a comunidade de Jerusalém. Nos momentos de dificuldades na vida cristã, e particularmente na vida religiosa, apela-se para o modelo fundante e insuperável da Igreja primitiva.
    A primeira leitura deixa-nos entrever o fascínio e a nostalgia da fraternidade,
    de uma Igreja fraterna. A comunhão é um dos pilares sobre o qual se pode reconstruir a Igreja e as próprias comunidades religiosas. A comunhão manifesta a novidade cristã. Comunidades fraternas, Igreja fraterna, mentalidade fraterna, que procuram acima de tudo relações fraternas, tornam-se sinal da presença de Deus e do seu Reino.
    O evangelho fala-nos da morte e da glorificação de Jesus, que ele mesmo anuncia a Nicodemos: «É necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna» (v. 14). Jesus, elevado na cruz, alcançou a ressurreição que O elevou ao Céu: «Ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem» (v. 13). Elevado na cruz e na ressurreição, Jesus revela-se como Aquele em Quem havemos de acreditar. Há pois que acolher as suas palavras sobre o Pai e sobre a vida eterna, a verdadeira vida. E, tendo acreditado, havemos de dar testemunho.
    Os cristãos, particularmente os religiosos, certamente imperfeitos, hão-de procurar criar um ambiente que promova o progresso espiritual de cada um. Para isso, hão-de esforçar-se por aprofundar as relações no Senhor, mesmo as mais normais, com cada um dos irmãos. A caridade, entre muitas outras coisas, incluindo a partilha de bens, h&aac
    ute;-de ser também uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno (cf. Cst 64). Assim todos testemunhamos que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus

    Cristo (cf. Cst. 65). Assim também confessamos a Cristo, em nome do Qual estamos reunidos (cf. Cst. 67).

    Oratio

    Senhor, Pai misericordioso, dá-nos a graça de proclamar o poder do Senhor ressuscitado. O livro dos Actos diz-nos que os Apóstolos davam testemunho da Ressurreição de Jesus com grande força. Essa é também a nossa missão de cristãos e religiosos, hoje. Infunde em nós o Espírito Santo para que, pela nossa palavra ardorosa, e pela nossa vida de fé, de esperança e de caridade, demos um testemunho vigoroso do teu Filho Jesus, e da sua santa Ressurreição. Amen.

    Contemplatio

    S. Barnabé não era do número dos doze apóstolos, mas foi-lhe acrescentado e trabalhou muito com S. Paulo. Levita e cipriota, estudava as santas Letras em Jerusalém sob a direcção do Rabino Gamaliel, quando foi testemunha da cura do paralítico na piscina. Uniu-se então imediatamente aos discípulos de Nosso Senhor. Era um homem jovem, amável e bom. Era bom, dizem os Actos, e cheio de fé e ricamente dotado com os dons do Espírito Santo. Os apóstolos chamaram-no Barnabé, o que quer dizer «o Filho da consolação». Depois do Pentecostes, estava em Damasco quando aconteceu o milagre da conversão de S. Paulo. Fez-se o anjo da guarda de S. Paulo, conduziu-o a Jerusalém e apresentou-o aos apóstolos. Trabalharam juntos vários anos, e receberam a missão de pregarem a fé aos gentios. Ganharam quase toda a cidade de Antioquia.
    Barnabé era de uma família abastada. Tinha uma bela propriedade na ilha de
    Chipre. Vendeu-a e apresentou o valor aos apóstolos. Dava assim o grande exemplo do desapego e da vida religiosa (Leão Dehon, OSP 3, p. 644).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Todo o que crê em Mim tem a vida eterna» (Cf. Jo 3, 15).

  • 2ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    10 de Abril, 2024

    2ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 17-26

    Naqueles dias, 17Surgiu o Sumo-sacerdote com todos os seus sequazes, isto é, o partido dos saduceus; encheram-se de inveja 18e deitaram as mãos aos Apóstolos, metendo-os na prisão pública. 19Mas, durante a noite, o Anjo do Senhor abriu as portas da prisão e, depois de os ter conduzido para fora, disse-lhes: 20«Ide para o templo e anunciai ao povo a Palavra da Vida.» 21Obedientes a essas ordens, entraram no templo de manhã cedo e começaram a ensinar. Entretanto, chegou o Sumo-sacerdote com os seus sequazes; convocaram o Sinédrio e todo o Senado dos filhos de Israel e mandaram buscar os Apóstolos à cadeia. 22Os guardas foram lá, mas não os encontraram na prisão e voltaram, declarando: 23«Encontrámos a cadeia fechada com toda a segurança e os guardas de sentinela à porta, mas, depois de a abrirmos, não encontrámos ninguém no interior.» 24Esta notícia pôs os sumos- sacerdotes e o comandante do templo numa grande perplexidade acerca dos Apóstolos, e perguntavam a si próprios o que poderia significar tudo aquilo. 25Veio, então, alguém comunicar-lhes: «Os homens que metestes na prisão estão agora no templo a ensinar o povo.» 26O comandante do templo dirigiu-se imediatamente para lá com os guardas e trouxe os Apóstolos, mas não à força, pois receavam ser apedrejados pelo povo.

    O episódio narrado no texto de hoje mostra que a palavra de Deus não pode ser aprisionada (cf. 2 Tm 2, 9). Os sacerdotes do templo estão preocupados, particularmente os saduceus que estão furiosos com a pregação da ressurreição. Temem perder influência junto do povo. Prendem os apóstolos. Mas o anjo do Senhor liberta-os (cf. Sl 34, 8) para que possam voltar ao templo e pregar a «Palavra da Vida» (v. 20).
    Deus protege os anunciadores do Evangelho. Nada nem ninguém se pode opor ao projecto de Deus. A narrativa está cheia de ironia: Deus ri-se dos seus adversários, de acordo com o Salmo 2, citado na oração comunitária dos crentes.
    Deus prega uma partida aos sacerdotes e seus sequazes, reunidos com toda a sua força, para se oporem ao projecto divino. Tudo está sob controlo deles, mas os apóstolos escapam da prisão e continuam a pregar a Ressurreição de Jesus. Deus parece divertir-se, fintando os seus adversários. Quem pode resistir-lhe?

    Evangelho: João 3, 16-21

    16Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. 17De facto, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. 19E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más. 20De facto, quem pratica o mal odeia a Luz e não se aproxima da Luz para que as suas acções não sejam desmascaradas. 21Mas quem pratica a verdade aproxima-se da Luz, de modo a tornar-se claro que os seus actos são feitos segundo Deus.»

    A revelação, iniciada no encontro com Nicodemos, continua a desenvolver-se e chega à fonte da vida, o amor do Pai que dá o seu Filho para destruir o pecado e a morte. Entrevemos neste texto duas categorias joânicas clássicas: o amor e o juízo. Nos vv. 16s encontramos uma ideia cara a João: o carácter universal da obra salvadora de Cristo, que tem a sua origem na iniciativa misteriosa do amor de Deus pelos homens. O envio e a missão do Filho são a maior manifestação de um Deus que
    «é amor» (cf. 1 Jo 4, 8-10). A opção fundamental do homem consiste em aceitar ou
    rejeitar o amor de um Pai que se revelou em Cristo. Mas este amor não julga o mundo: ilumina-o (v. 17).
    Colocados perante a revelação do amor de Deus, há que tomar posição:
    acreditar em Jesus ou recusá-l´O. Quem acreditar em Jesus não será condenado; mas quem O rejeitar, e não acreditar no seu nome, já está condenado (v. 18). A causa da condenação é uma só: a incredulidade, a recusa da palavra de Jesus. No fim deste colóquio de Jesus com Nicodemos, e com cada um de nós, nada mais resta do que acolher o convite à conversão e a uma mudança radical de vida. Quem aceita Jesus, e dá espaço a um amor que nos transcende, encontra o que ninguém pode alcançar por si mesmo: a verdadeira vida.

    Meditatio

    Deus faz maravilhas pelos arautos da Boa Nova porque difundem a palavra de vida. Não os preserva da prisão, mas liberta-os, mais ou menos rapidamente. As vezes, a fraqueza da Palavra dura uma noite, outras vezes dura anos. Mas a Palavra acaba por vencer e por avançar irresistível até aos confins do mundo. Basta pensar no que se passou nos primeiros três séculos da vida da Igreja, até ao édito de Milão. Basta pensar no que se passou nos países da ex-União Soviética. Há tantas formas de prisão e de libertação! Mas Jesus acompanha o caminho da sua Palavra e, de vários modos, está presente aos seus mensageiros, acampando junto deles para os libertar das coacções externas e internas. A figura deste mundo passa. Mas a Palavra de Deus permanece.
    «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).
    A ressurreição de Jesus ajuda-nos a verificar esta intenção de Deus. Se Jesus
    não tivesse ressuscitado, tudo permaneceria obscuro, porque o pecado dos homens levaria aparentemente a melhor, e o juízo de Deus cairia inexorável sobre esse pecado, que afastaria definitivamente o Filho do mundo. Jesus teria feito o possível para nos salvar, mas a malícia humana teria levado a melhor. A terra permaneceria nas sombras da morte.
    Mas Deus revela a sua intenção de amor ressuscitando o seu Filho, revelando assim que não quer o juízo, mas a salvação, a vida. A ressurreição manifesta a misericórdia de Deus para connosco e dá-nos uma esperança nova, que jamais há-de perecer, tal como Cristo ressuscitado e glorioso. O pecado está vencido, ultrapassado. Para além do pecado do homem, há uma vida nova que Deus nos oferece.
    «Cristo amou-nos e entregou-se a Deus por nós como oferta e sacrifício de agradável odor» (Ef 5, 2). Para nos remir do pecado, Cristo fez a oblação de si mesmo, que culminou na Cruz. O Pai aceitou a oblação do Filho e ressuscitou-O. Mas, na origem da oblação de Cristo está o próprio Pai que: «amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho unigénito... não... para julgar o mundo, ma
    s para que o mundo seja salvo por meio d´Ele. Quem acredita n´Ele não é condenado..." (Jo 3, 16-18). S. João repete a mesma ideia na sua Primeira Carta: o Pai enviou o Seu Filho, Cristo Jesus, como "vítima de expiação pelos nossos pecados; não só pelos nossos pecados, mas também pelos de todo o mundo" (cf. 1 Jo 2, 2). S. Paulo acrescenta: "Foi

    Deus... que reconciliou o mundo Consigo em Cristo, não imputando aos homens o seus pecados..." (2 Cor 5, 19).

    Oratio

    Senhor, vejo que, quando queres alguma coisa, nada Te detém. Por isso, quando a tua palavra parece encarcerada, quando os teus apóstolos parecem prisioneiros, não devo perder a confiança no teu poder. Essa é, hoje, uma tentação grande e perigosa para todos nós, os teus discípulos. Diante das forças dos que se opõem à tua palavra, facilmente nos inquietamos, nos assustamos, nos deprimimos, nos arrependemos. Dá-nos a certeza de que, também hoje, estás com os teus mensageiros e os assistes, que o nosso dever é anunciar, e não ver o sucesso do anúncio. Esse sucesso é apenas para Ti, quando quiseres abrir a porta dos corações, quando quiseres preparar um novo povo, quando decidires que a tua Palavra deve retomar a corrida pelo mundo, o mundo geográfico e o mundo dos corações. Creio em Ti, Senhor, e na força do teu Espírito. Amen.

    Contemplatio

    Como Deus nos ama! Os pagãos tinham feito, do amor profano, um deus, que lançava as suas flechas sobre os corações dos homens. Era uma profanação. O nosso Deus é que é amor: Deus charitas est. É Deus e o seu Filho Jesus que lançam setas nos nossos corações para os ferirem de amor. - O Salvador não diz de si mesmo:
    «Deus colocou-me como sua seta eleita, posuit me sicut sagittam electam (Is 49, 2). E que seta, senão uma seta de amor?
    Jesus é a seta de amor saída da aljava de seu Pai. «Deus amou de tal modo o
    mundo, diz S. João, que lhe deu o seu Filho único» (Jo 3).
    A misericórdia de Deus pressionava-o para encontrar o meio de nos salvar, parecia ter saudades da nossa amizade. Não disse Ele: «Tenho as minhas delícias na amizade dos filhos dos homens» (Prov. 9).
    Era como o pai do filho pródigo, que vai ao encontro do culpado; ou como são
    um pai e uma mãe que perderam o seu filho bem-amado.
    A Santíssima Trindade escolheu a incarnação como o meio de recuperar o nosso coração. Ela lançou uma seta de amor, o menino de Belém» (Leão Dehon, OSP
    3, p. 26).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Cristo amou-nos e entregou-se por nós» (Ef 5, 2).

  • 2ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    11 de Abril, 2024

    2ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 27-33

    Naqueles dias, os guardas trouxeram os apóstolos e levaram-nos à presença do Sinédrio. O Sumo-sacerdote, interrogando-os, 28disse: «Proibimo-vos formalmente de ensinardes nesse nome, mas vós enchestes Jerusalém com a vossa doutrina e quereis fazer recair sobre nós o sangue desse homem.» 29Mas Pedro e os Apóstolos responderam: «Importa mais obedecer a Deus do que aos homens. 30O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, a quem matastes, suspendendo-o num madeiro. 31Foi a Ele que Deus elevou, com a sua direita, como Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados. 32E nós somos testemunhas destas coisas, juntamente com o Espírito Santo, que Deus tem concedido àqueles que lhe obedecem.» 33Enraivecidos com tal linguagem, pensaram a sério em matá-los.

    Os apóstolos estavam presos às ordens do Sumo-sacerdote, incitado pela aristocracia sacerdotal, onde se destacavam os saduceus. Competia ao Sinédrio julgá- los. O Sumo-sacerdote acusava os apóstolos de dois crimes: desobediência às ordens que lhes foram dadas, uma vez que continuavam a ensinar «em nome de Jesus», e difamação, uma vez que acusavam os chefes do povo de serem os responsáveis pela morte de Jesus.
    Pedro responde com um breve discurso. Reafirma o dever de obedecer antes a Deus que aos homens, porque só quem se submete a Deus recebe o Espírito Santo. Depois, centra-se no essencial do Kerygma cristão: a morte e a ressurreição de Jesus. E fá-lo contrapondo o que fizeram os chefes dos judeus e o que fez Deus: «vós matastes» Jesus; «Deus ressuscitou» Jesus (cf. vv. 30-31). É um esquema habitual no livro dos Actos. Pela ressurreição, Deus constituiu «esse homem, Príncipe e Salvador» (v. 31). Jesus é «Príncipe» porque é o novo Moisés, que guia o povo para a libertação e salvação; é «Salvador» porque, pela sua morte, nos alcançou o arrependimento e a remissão dos pecados.
    A defesa de Pedro, e dos outros apóstolos, termina apresentando-se, a si e a eles, como testemunhas oculares do Evangelho que pregam. E o seu testemunho é garantido pelo Espírito Santo. Isto deixa enraivecidos os judeus, que pensam matar os apóstolos, tal como tinham feito com Jesus.

    Evangelho: João 3, 31-36

    Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 31Aquele que vem do Alto está acima de tudo. Quem é da terra à terra pertence e fala da terra. Aquele que vem do Céu está acima de tudo 32e dá testemunho daquilo que viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. 33Quem aceita o seu testemunho reconhece que Deus é verdadeiro;
    34pois aquele que Deus enviou transmite as palavras de Deus, porque dá o Espírito sem
    medida. 35O Pai ama o Filho e tudo põe na sua mão. 36Quem crê no Filho tem a vida eterna; quem se nega a crer no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus.

    Na conclusão do capítulo terceiro do seu evangelho, João recolhe sucessivas palavras de Jesus caras à comunidade joânica. O evangelista utiliza categorias espaciais como «do Alto», «da terra», para nos apresentar Jesus como único revelador do Pai e a sua importância para a vida do homem. A insistência em descobrir a origem e a natureza do Revelador tem uma intenção existencial clara. Nenhuma palavra que proceda «da terra», por autorizada que seja, pode comparar- se com as palavras do Revelador, que vem «do Alto», que está acima de todos. Por isso, todo o discípulo é chamado a verificar a sua relação com Jesus e o modo como escuta a sua palavra. Cristo vem «do Alto», pertence ao mundo divino e é superior a qualquer homem. O homem, ainda que seja um grande profeta, como João Baptista,
    «vem da terra» e permanece um ser terreno e limitado. É verdade que alguns ainda se recusam a crer. Mas há um «resto», que vive de fé, e são os crentes que manifestam «que Deus é verdadeiro». A sua fé confirma que o agir de Cristo está em comunhão com o agir do Pai.
    Finalmente, Cristo não é só o Revelador da Palavra de Deus, mas é a própria Palavra, é «espírito e vida» (Jo 6, 63). É, não só Aquele que tudo recebe do Pai, mas também Aquele que transmite tudo quanto possui, especialmente o seu Espírito Santo.

    Meditatio

    O texto evangélico que hoje escutamos revela-nos a plenitude de graça que recebemos do Ressuscitado. Ele é para nós revelação do imenso amor com que Deus nos ama. Esse imenso amor, com todos os dons que compreende, é derramado em nós no baptismo. A vida cristã consiste em viver, cada vez em maior plenitude, a riqueza que recebemos ao ser baptizados: a graça santificante e justificante, que nos torna capazes de crer em Deus, esperar n´Ele e de O amar, pelas virtudes teologais; o poder de vivermos e agirmos sob a moção do Espírito Santo e os seus dons; a capacidade de crescer no bem, pelas virtudes morais. O nosso primeiro esforço há-de ser tomar consciência de todos esses dons do amor de Deus, e não tentar conquistá- los. São-nos oferecidos gratuitamente no baptismo.
    A nossa vida há-de ser permeada de gratidão para com Deus, tão generoso
    para connosco. Ter a certeza desse amor é atitude fundamental na vida cristã. Se, na vida natural, quase tudo se alcança à custa de esforço e lentamente, na vida da graça tudo nos é dado. Há apenas que acolher e viver os dons que Deus gratuitamente nos oferece.
    A primeira leitura fala-nos de um dom de que hoje se fala pouco e de que os cristãos nem sempre têm suficiente consciência: a remissão dos pecados. Mas, quem tem o sentido de Deus, quem adverte a importância decisiva de estar em comunhão com Ele, quem sente por experiência própria a tragédia de estar longe d´Ele, quem toma a sério que o definitivamente válido é a comunhão com Deus, sabe que a remissão dos pecados é algo decisivo na nossa vida. Todos somos pecadores. Todos precisamos de perdão. Jesus remiu-nos do pecado, isto é, restabeleceu a comunhão filial, amiga, pacificadora com Deus. É o princípio de todos os bens messiânicos. Sem esse fundamento, nada se pode construir. Longe de Deus, sentimo-nos afastados da nossa origem e do nosso fim. É por isso que S. Pedro anuncia o Senhor ressuscitado como Aquele que restabelece a amizade entre o angustiado coração humano e o ardente coração de Deus Pai.
    O grande obstáculo ao acolhimento do amor gratuito de Deus é o pecado. "O Padre Dehon é muito sensível ao pecado... conhece os males da sociedade..." e "reconhece na recusa do amor de Cristo a
    causa mais profunda desta miséria humana", afirmam as nossas Constituições (cf. n. 4). Também nós, Oblatos- Sacerdotes do Coração de Jesus, tal como o Pe. Dehon, devemos estar

    "comprometidos... para reparar o pecado e a falta de amor na Igreja e no mundo (Cst 7; Cf. n. 79), isto é, o não acolhimento do amor de Deus e a falta de correspondência a esse amor, oferecendo-nos ao Pai "em solidariedade" com Cristo... como uma oblação viva, santa e agradável (cf. Rom 12, 1)... em sacrifício de suave odor (Ef 5, 2)" (n. 22).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, por todos os teus dons. Obrigado pela remissão dos meus pecados. Facilmente esqueço que fui perdoado por ti, não só uma, mas muitas vezes. Facilmente esqueço a alegria que me traz o teu perdão, a alegria que me traz sentir- me reconciliado Contigo.
    Ensina-me a falar da salvação como perdão dos pecados e comunhão Contigo.
    Que jamais esqueça o teu amor benevolente e misericordioso quando, a tremer por causa das minhas culpas, me apresento diante de Ti. Mostra-me, então, o teu rosto benigno de salvador e infunde em mim o teu Espírito para remissão dos pecados. Unido a Ti, meu divino Salvador, quero ser arauto do teu amor diante de todos os meus irmãos e irmãs, para que também eles acolham o dom da remissão dos pecados, que a todos ofereces. Amen.

    Contemplatio

    Comentando a palavra do Salvador, S. Pedro diz-nos: «Sede submissos, por amor de Deus, a toda a instituição humana, seja ao rei como soberano; seja aos governadores, como enviados por ele, para punir os maus e para recompensar os bons... Porque tal é a vontade de Deus, que, fazendo o bem, fechais a boca dos insensatos e dos ignorantes. Sois livres, mas como servos de Deus, e não para vos cobrirdes da liberdade como de um véu que favorece a licenciosidade.
    Honrai a todos: amai os vossos irmãos, temei a Deus, respeitai o rei. Servos,
    sede submissos aos vossos senhores com todo o temor, não somente àqueles que são bons e doces, mas ainda àqueles que são impertinentes. Porque é uma glória suportar mágoas e sofrer injustamente por motivo de consciência para com Deus. Que glória há, de facto, em suportar os castigos que mereceis pelas vossas faltas?
    Mas se tendes de sofrer quando fizestes o bem, e o suportastes com paciência, eis o que é grande diante de Deus» (1Pd 2, 13).
    S. Paulo também diz a Tito: «Adverti os irmãos para que sejam submissos aos príncipes e aos poderosos, que obedeçam à sua palavra, que estejam prontos para todas as boas obras».
    Mas assim como devemos deferência e submissão à autoridade legítima, quando actua dentro dos limites das suas atribuições, do mesmo modo devemos mostrar-nos firmes na nossa resistência, quando ela se vira contra Deus e pisa aos pés os direitos da consciência.
    Aos seus juízes que lhes proibiam de falarem no futuro no nome de Jesus,
    Pedro e João responderam: «Pronunciai vós mesmos, e dizei, perante Deus, se é justo obedecer-vos antes que a Deus. Não podemos calar o que vimos e escutámos».
    – E chamados a juízo uma segunda vez, dizem ainda: «É a Deus que é preciso obedecer antes que aos homens» (Act 4-5). S. Paulo adverte-nos também para que conservemos a nossa dignidade de cidadãos e para fazermos respeitar os nossos direitos: «Sou cidadão romano, diz, e apelo a César» (Act 22) (Leão Dehon, OSP 4, p.
    78s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Qj.Jem crê no Filho tem a vida eterna>> (Jo 3, 36 ).

  • 2ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    12 de Abril, 2024

    2ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 34-42

    Naqueles dias, 34ergueu-se, então, um homem no Sinédrio, um fariseu chamado Gamaliel, doutor da Lei, respeitado por todo o povo. Mandou sair os acusados por alguns momentos 35e, tomando a palavra, disse: «Homens de Israel, tende cuidado com o que ides fazer a esses homens! 36Nos últimos tempos, apareceu Teudas, que se dizia alguém e ao qual seguiram cerca de quatrocentos homens. Ele foi liquidado e todos os seus partidários foram destroçados e reduzidos a nada. 37Depois dele, apareceu também Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e arrastou o povo atrás dele. Morreu, igualmente, e todos os seus adeptos foram dispersos. 38E, agora, digo-vos: não vos metais com esses homens, deixai-os. Se o seu empreendimento é dos homens, esta obra acabará por si própria; 39mas, se vem de Deus, não conseguireis destruí-los, sem correrdes o risco de entrardes em guerra contra Deus.»
    Concordaram, então, com as suas palavras. 40Trouxeram novamente os Apóstolos e, depois de os mandarem açoitar, proibiram-lhes de falar no nome de Jesus e libertaram-nos. 41Quanto a eles, saíram da sala do Sinédrio cheios de alegria, por terem sido considerados dignos de sofrer vexames por causa do Nome de Jesus. 42E todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam de ensinar e de anunciar a Boa-Nova de Jesus, o Messias.

    A defesa de Pedro tornou-se uma gravíssima acusação contra os seus acusadores. Por isso, quiseram matar os apóstolos. Mas, graças à intervenção de Gamaliel, impôs-se a moderação. Como fariseu bom e douto, Gamaliel via com simpatia o movimento cristão, que pregava a ressurreição e se apresentava-se como cumprimento das Escrituras. Seria arbitrário excluí-lo sem mais. Por isso, o melhor era esperar.
    Todo o falso movimento messiânico se desfaz por si mesmo: Gamaliel lembra Teudas e Judas. Judas, o galileu, é bem conhecido. Chefiou uma rebelião contra Roma, no ano 6-7 da nossa era. O seu movimento foi continuado pelos zelotas. Teudas era bem conhecido no tempo em que Lucas escreve. Mas a sua rebelião aconteceu trinta anos depois da intervenção de Gamaliel. Lucas prescinde dessa circunstância e usa-o como exemplo de movimentos messiânicos fracassados. Para Gamaliel, sucederá o mesmo ao movimento cristão, se for falso. Por isso, não é preciso opor-se a ele. O raciocínio de Gamaliel foi aceite pelo Sinédrio que, depois de açoitar os apóstolos, os pôs em liberdade, com a proibição de continuarem a falar daquele «nome».
    Os apóstolos interpretaram os seus sofrimentos como honrarias concedidas por Deus. Tinham-se realizado neles as perseguições anunciadas por Jesus (cf. Mt 10, 17; 23, 34); tinham sido objecto de uma das bem-aventuranças de Jesus (cf. Mt 5, 11- 12); tinham sido equiparados a Jesus (cf. Mc 15, 15; Jo 19, 1). Por isso, puseram-se a pregar, com novo ânimo, a Jesus como Messias.

    Evangelho: João 6, 1-15

    Naquele tempo, Jesus partiu para a outra margem do lago da Galileia, ou de Tiberíades. 2Seguia-o uma grande multidão, porque presenciavam os sinais miraculosos que realizava em favor dos doentes. 3Jesus subiu ao monte e sentou-se ali com os seus discípulos. 4Estava a aproximar-se a Páscoa, a festa dos judeus.
    5Erguendo o olhar e reparando que uma grande multidão viera ter com Ele, Jesus disse então a Filipe: «Onde havemos de comprar pão para esta gente comer?» 6Dizia isto para o pôr à prova, pois Ele bem sabia o que ia fazer.
    Filipe respondeu-lhe: 7«Duzentos denários de pão não chegam para cada um comer um bocadinho.» 8Disse-lhe um dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro: 9«Há aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?» 10Jesus disse: «Fazei sentar as pessoas.»
    Ora, havia muita erva no local. Os homens sentaram-se, pois, em número de uns cinco mil. 11Então, Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribuiu-os pelos que estavam sentados, tal como os peixes, e eles comeram quanto quiseram.
    12Quando se saciaram, disse aos seus discípulos: «Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca». 13Recolheram-nos, então, e encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de cevada que sobejaram aos que tinham estado a comer.
    14Aquela gente, ao ver o sinal milagroso que Jesus tinha feito, dizia: «Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo!» 15Por isso, Jesus, sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazerem rei, retirou-se de novo, sozinho, para o monte.

    O milagre da multiplicação dos pães introduz simbolicamente o «Discurso sobre o pão da vida». Trata-se de um dos sinais realizados por Jesus para revelar a sua identidade. João apresenta Jesus como o novo Moisés, guia de um novo êxodo. A multiplicação dos pães também é sinal de um novo maná, a Eucaristia.
    Ao narrar este milagre, João tem uma clara intenção cristológica. Mostra que Jesus possui um conhecimento sobre-humano. De facto, quando Jesus pergunta a Filipe, como resolver a situação, João acrescenta que «Ele bem sabia o que ia fazer» (v. 6). Depois Jesus distribui pessoalmente o pão e os peixes, à discrição, pelos que estavam sentados (v. 11), mostrando segurança na sua missão e no modo como realizá-la. Finalmente, recusa ser rei (v. 15).
    Para João, Jesus é Aquele em quem se realiza o passado e se concretiza a esperança de Israel. O pão que está para dar ao povo aperfeiçoa e ultrapassa a páscoa hebraica e coloca o milagre sob o signo do banquete eucarístico cristão. Jesus fala ao povo de nova aliança com Deus e de vida eterna. Depois, alerta Filipe para as dificuldades do momento e, só depois, intervém para multiplicar o pão. Todos são saciados, e ainda sobejam doze cestos de pão.
    Com este sinal, Jesus apresenta-se como o Messias esperado e que é preciso acolher.

    Meditatio

    As palavras de Gamaliel são muitas vezes usadas como exemplo de um conselho sábio. É verdade que podem ter outro tipo de interpretações: atitude de quem deixa correr as coisas, de quem não está para se inquietar desnecessariamente, quiçá de uma mentalidade fatalista... Mas, quando são ditadas pelo espírito de fé em Deus que actua na história, as palavras de Gamaliel são certamente positivas.
    As palavras do doutor da Lei, lidas como um conselho sábio, podem ajudar-nos a recuperar o sentido de Deus, que está presente e actua nos pequenos e grandes acontecimentos da nossa vida e da nossa história comum. É Ele o verdadeiro

    protagonista de tudo. Nós não passamos de pequenos e pobres colaboradores seus. J&aacute
    ; é muito quando, com nossas intervenções, não estragamos os projectos de Deus.
    Os Evangelhos devem ser lidos à luz da Páscoa do Senhor. O que hoje escutamos contém uma profecia em acção daquilo que Jesus ressuscitado nos dá, o pão vivo, que é Ele mesmo. Quem acolhe a Cristo, quem acredita n´Ele, é saciado.
    Para João, este milagre está relacionado com a Eucaristia. «Estava a aproximar-se a Páscoa» - escreve o evangelista, que certamente pensava na morte de Jesus. No versículo 15, João é ainda mais claro, quando escreve: «sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazerem rei, retirou-se de novo, sozinho, para o monte». Jesus foi condenado porque recusou satisfazer os sonhos políticos do povo. Não querendo ser rei dos judeus, foi por eles recusado.
    Jesus retirou-se «para o monte». Ao anotar este pormenor, o quarto evangelista pensa em Jesus elevado da terra para atrair a Si todos os homens. Esta elevação começa na cruz, mas continua na ressurreição e na ascensão, quando Jesus volta para o Pai. A multiplicação dos pães é figura realizada em Jesus, na sua paixão e ressurreição gloriosa.
    A própria pergunta feita por Jesus a Filipe tem resposta na paixão e ressurreição, quando Jesus, entregando o seu corpo por nós, e derramando o seu sangue por nós, compra o pão que alimenta as nossas almas.
    Tal como Jesus é o pão bom que Se oferece a nós para ser comido, também nós devemos ser pão bom para Ele e para os irmãos, devemos tornar-nos nós mesmos eucaristia do Senhor, para qualquer pessoa, em qualquer situação, praticando os frutos do Espírito (cf. Gal 5, 22), que são as próprias exigências da Eucaristia: amor, paz, alegria...
    Deste modo, a nossa vida, tal como a do Pe. Dehon, torna-se "uma missa permanente" (Cst. 5).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque, pelo sacrifício de Ti mesmo, te tornaste nosso alimento. Acolhemos, emocionados e agradecidos, o dom que nos fazes. Cremos em Ti, mas aumenta a nossa fé, para que possamos ser alimentados do pão que és Tu, e entrarmos na comunhão divina que faz de nós uma unidade com todos aqueles que comem do mesmo pão, o pão vivo que dá a vida. Com a fé, dá-me também sabedoria, que me permita discernir o que devo deixar fazer a Ti e o que devo eu próprio procurar fazer. Dá-me humildade para aceitar o que Tu queres e secundar os teus projectos misteriosos, mas infalíveis. Amen.

    Contemplatio

    Podemos aplicar à devoção ao Sagrado Coração (de Jesus), como as aplicamos à Eucaristia, estas palavras do livro da Sabedoria: «Panem de coelo praestitisti eis omne delectamentum in se habentem (Vós lhes destes o pão do céu que tem todos os sabores). É um pão do céu que tem todos os sabores. Como o maná do deserto, como o maná eucarístico, esta devoção é um alimento celeste que tem todos os gostos, todos os sabores espirituais e que se adapta maravilhosamente a todas as almas, quaisquer que sejam as suas necessidades, a sua condição, a sua atracção particular.
    A devoção ao Sagrado Coração reporta-se a todos os mistérios e a todos os estados de Nosso Senhor. Ela dá a explicação de tudo apenas com esta palavra: Amor.

    Como os fiéis encontram nesta devoção todos os motivos de confiança e todos os encorajamentos para a virtude, os sacerdotes hão-de nela encontrar o ideal da vida sacerdotal e o modelo do qual devem aproximar-se (Leão Dehon, OSP 2, p. 521).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo!» (Jo 6, 14).

  • 2ª Semana - Sábado - Páscoa

    2ª Semana - Sábado - Páscoa

    13 de Abril, 2024

    2ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 6, 1-7

    Naqueles dias, como o número de discípulos ia aumentando, houve queixas dos helenistas contra os hebreus, porque as suas viúvas eram esquecidas no serviço diário. 2Os Doze convocaram, então, a assembleia dos discípulos e disseram: «Não convém deixarmos a palavra de Deus, para servirmos às mesas. 3Irmãos, é melhor procurardes entre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria; confiar-lhes-emos essa tarefa. 4Quanto a nós, entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da Palavra.» 5A proposta agradou a toda a assembleia e escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócuro, Nicanor, Timão, Parmenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. 6Foram apresentados aos Apóstolos que, depois de orarem, lhes impuseram as mãos. 7A palavra de Deus ia-se espalhando cada vez mais; o número dos discípulos aumentava consideravelmente em Jerusalém, e grande número de sacerdotes obedeciam à Fé.

    A realidade da primitiva Igreja era mais complexa do que, à primeira vista, deixam perceber os resumos idealizados de Lucas. A primeira comunidade integrava grupos de crentes de diferentes culturas, com mentalidades e posições sociais diferentes. As queixas dos helenistas contra os hebreus (v. 1) são um claro exemplo das dificuldades e tensões que havia. Os apóstolos reflectem e tomam decisões. Trata-se, em primeiro lugar, de um problema económico. As viúvas de homens da diáspora, que tinham vindo passar a Jerusalém os seus últimos dias, estavam sem apoio familiar. Para prestar este apoio, surge um novo ministério na Igreja, o dos diáconos. A eleição dos sete «homens de boa reputação» é feita pela comunidade. Os apóstolos confiam-lhes o ministério pela imposição das mãos, gesto que simboliza a comunicação do Espírito, e a associação e participação dos sete eleitos no seu próprio ofício apostólico. De facto, os diáconos não só cuidarão do serviço das mesas, mas também se vão dedicar à pregação. Serão os casos de Estêvão e de Filipe (cf. Act 6, 8dd; 8, 26ss.)

    Evangelho: João 6, 16-21

    Ao cair da tarde, os seus discípulos desceram até ao lago 17e, subindo para um barco, foram atravessando o lago em direcção a Cafarnaúm. 18Já tinha escurecido e Jesus ainda não fora ter com eles. Soprando uma forte ventania, o lago começou a agitar-se. 19Depois de terem remado mais ou menos uma légua, avistaram Jesus que se aproximava do barco, caminhando sobre o lago, e tiveram medo. 20Mas Ele disse-lhes:
    «Sou Eu, não tenhais medo!» 21Quiseram recebê-lo logo no barco, e o barco chegou imediatamente à terra para onde iam.

    A cena evangélica que hoje escutamos é narrada pelos Sinópticos e por João. Mas, enquanto em Mateus, Marcos e Lucas nos aparece estreitamente relacionada com a multiplicação dos pães, no quarto evangelho está apenas justaposta à narrativa desse milagre do Senhor.

    Os discípulos estão na barca, ao cair da noite. Tinham remado com esforço e lutado contra as dificuldades do momento, quando viram Jesus caminhar sobre as águas, e se encheram de medo. O encontro com o Mestre fá-los ultrapassar a angústia. As suas palavras «Sou Eu, não tenhais medo» dão-lhes confiança e serenidade, porque reconhecem em Jesus a presença poderosa e salvífica de Deus. O seu Mestre não é apenas o Messias que lhes mata a fome, mas é uma pessoa divina que vai ao seu encontro com amor. Ao reconhecerem a identidade de Jesus, os discípulos chegam «à terra para onde iam». Jesus é o lugar da presença de Deus no meio dos homens. O seu rosto humano esconde o seu mistério e a sua identidade. Mas quem sabe ler na pessoa de Jesus a manifestação de um Deus que ama, torna-se seu discípulo e permanece unido a Ele, apesar da aura inacessível que envolve a sua pessoa. As cenas da multiplicação dos pães e da caminhada sobre as águas tornam-se epifania de Cristo para os seus discípulos.

    Meditatio

    O texto da primeira leitura parece ofuscar os quadros idílicos da primitiva comunidade, que encontramos em vários resumos dos Actos. Mas, Lucas é realista: mesmo nas comunidades mais perfeitas, não faltam problemas e tensões. O que é preciso é enfrentá-los comunitariamente, para que não bloqueiem a comunidade e não atrapalhem a difusão do Evangelho. É o que fazem os Apóstolos, dando exemplo de flexibilidade e de sábia orientação da comunidade. Oxalá sempre se tivesse actuado assim ao longo da história da Igreja, e se possa actuar do mesmo modo no presente e no futuro!
    O episódio evangélico descrito por João é mais um dos que preparavam os discípulos para o mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Ao caminhar sobre o mar, Jesus prefigura a sua travessia vitoriosa através da morte, muitas vezes comparada, na Sagrada Escritura, ao mar: «Cercavam-me as ondas da morte, assustavam-me as torrentes destruidoras, os laços do abismo me comprimiam (2 Sm 22, 5); «Cercaram- me as ondas da morte e as vagas destruidoras encheram-me de terror; envolveram- me os laços do Abismo» (Sl 18, 5). «Soprando uma forte ventania, o lago começou a agitar-se» (v. 18). Estas palavras prefiguram a paixão, a terrível tempestade que dispersará os discípulos. Mas Jesus, caminhando serenamente sobre o mar, dirige-se para a barca. Os discípulos assustam-se, como na paixão e mesmo no momento da ressurreição. Mas Jesus apresenta-se e diz-lhe: «Sou Eu, não tenhais medo!» (v. 20). Depois da paixão, Jesus ressuscitado também se apresenta aos discípulos dizendo:
    «Sou eu!... A paz esteja convosco; não temais».
    João diz-nos que, tendo reconhecido Jesus, «Quiseram recebê-lo logo no barco, e o barco chegou imediatamente à terra para onde iam» (v. 20). Quando se aceita Jesus no seu mistério de morte e de ressurreição, chegamos à outra margem: encontramos a luz e a paz de Deus.
    Como "Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus" (Cst. 6) somos chamados a ser "profetas do amor e... servidores da reconciliação" (Cst. 7); "Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo, e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65). Não devemos, por isso, deixar-nos bloquear pelas dificuldades do diálogo comunitário. É preciso ter coragem para começar, força e humildade para
    perseverar, como pobres, como pequenos segundo o Evangelho: "Sede alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração" (Rom 12, 12; cf. 1 Jo 4, 16).

    Oratio

    Senhor, quero hoje falar-te da minha comunidade, das tensões que por vezes surgem e da dificuldade em compô-las. Quando me sinto menos bem tratado por quem detém a autoridade, facilmente me impaciento e revolto; mas quando me pertence mandar, também facilmente considero como insatisfeitos e rebeldes aqueles que me criticam.
    Dá-me, Senhor, a sabedoria dos Doze, que escutam e sabem envolver toda a comunidade na solução das dificuldades e tensões. Dá às nossas comunidades capacidade de escuta e de participação. Dá-nos a todos criatividade suficiente para enfrentar e resolver com serenidade as normais dificuldades da vida comum. Que, no meio das tempestades, jamais esqueçamos que Tu estás presente junto daqueles que estão reunidos em teu nome. Amen.

    Contemplatio

    (O Coração de Jesus) é, primeiro, um lugar de refúgio e de segurança contra os inimigos da salvação. «É preciso retirar-nos, diz Margarida Maria, para a chaga do Sagrado Coração, como um pobre viajante que procura um porto seguro onde se colocar ao abrigo dos escolhos e das tempestades do mar agitado do mundo, onde estamos expostos a um contínuo naufrágio. - O Coração adorável é um adorável retiro onde vivemos ao abrigo de todas as tormentas. - É como um forte inexpugnável contra os assaltos do inimigo. - É a fonte das graças divinas. A graça do divino amor, qual é fonte de donde brota? Qual é o canal que a faz chegar até nós? Rezai ao Coração adorável do Salvador, que depois de ter sido um sol divino sempre brilhante e a aquecer, fazendo crescer todas as virtudes, e dissipando as trevas os nevoeiros, seja para vós uma fonte de água viva. - Considerai este Sagrado Coração no meio do vosso coração, como a fonte das águas vivas, para regar o jardim da vossa alma, onde as flores das virtudes estão todas murchas. Restituir-lhes-á a sua beleza natural, a fim de que a vossa alma se torne o jardim das suas delícias. - É uma fonte que tem prazer em derramar-se com abundância em favor dos seus amigos. - É a fonte inesgotável de tudo aquilo de que temos necessidade; fonte donde quanto mais se toma mais há a tomar, mais é abundante. Vamos buscar a esta fonte virtudes para a contemplação do Coração de Jesus em todos os mistérios da sua vida (Leão Dehon, OSP 4, p. 334s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Sou Eu, não tenhais medo!» (Jo 6, 20).

  • 03º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    03º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    14 de Abril, 2024

    ANO B

    3.º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 3.º Domingo da Páscoa

    Jesus ressuscitou verdadeiramente? Podemos encontrar-nos com Ele? Como é que podemos mostrar ao mundo que Jesus está vivo e continua a oferecer aos homens a salvação? É, fundamentalmente, a estas questões que a liturgia do terceiro Domingo da Páscoa procura responder.

    No Evangelho Lucas, ao narrar-nos uma aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos, oferece-nos uma catequese sobre a forma de fazermos a experiência do encontro com Jesus, sempre vivo e presente no nosso caminho e na nossa história. A comunidade cristã é, para Lucas, o espaço privilegiado para fazermos essa experiência.

    A primeira leitura traz-nos um testemunho de Pedro sobre Jesus. Ele garante aos “homens de Israel” – e a nós – que esse Jesus que as autoridades judaicas tentaram calar, está vivo e continua a oferecer a Vida a todos aqueles que se dispuserem a acolhê-la. Pedro e os outros discípulos são as testemunhas de Jesus e da sua proposta de Vida.

    A segunda leitura lembra que o discípulo, depois de encontrar Jesus e de aceitar a vida que Ele oferece, tem de viver de forma coerente com essa opção. O cristão, mesmo depois de optar por Jesus, continua sujeito à fragilidade e ao pecado; mas confia em Jesus e procura viver de acordo com os mandamentos de Deus.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 3,13-15.17 -19

    Naqueles dias, Pedro disse ao povo:
    «O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus de nossos pais,
    glorificou o seu Servo Jesus,
    que vós entregastes e negastes na presença de Pilatos,
    estando ele resolvido a soltá-I’O.
    Negastes o Santo e o Justo
    e pedistes a libertação dum assassino;
    matastes o autor da vida,
    mas Deus ressuscitou-O dos mortos, e nós somos testemunhas disso.
    Agora, irmãos, eu sei que agistes por ignorância,
    como também os vossos chefes.
    Foi assim que Deus cumpriu
    o que de antemão tinha anunciado pela boca de todos os Profetas:
    que o seu Messias havia de padecer.
    Portanto, arrependei-vos e convertei-vos,
    para que os vossos pecados sejam perdoados».

     

    CONTEXTO

    A primeira leitura do terceiro Domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, na “Porta Formosa”, uma porta situada no lado oriental da cidade, que dava acesso ao Templo para quem vinha do Monte das Oliveiras.

    Pedro e João (esta “dupla” aparece, frequentemente associada na primeira parte do Livro dos Atos dos Apóstolos – cf. At 4,7-8.13.19) tinham subido ao Templo para a oração da “hora nona” (três horas da tarde). Junto da Porta Formosa estava um homem, coxo de nascença, a mendigar. As portas que davam acesso ao Templo eram consideradas “sítios estratégicos” pelos mendigos, uma vez que um crente que ia encontrar-se com Deus tinha tendência para ser generoso com os que solicitavam ajuda. O homem dirigiu-se a Pedro e a João e pediu-lhes esmola. Pedro avisou-o de que não tinha “ouro nem prata” para lhe dar; mas, “em nome de Jesus Cristo Nazareno”, curou-o. “Cheia de assombro e estupefacta”, as pessoas que tinham testemunhado o acontecimento reuniram-se “sob o chamado pórtico de Salomão” (espaço coberto, situado a leste, no pátio externo do Templo) para ouvir da boca de Pedro uma explicação (cf. At 3,1- 11). O “assombro” e a “estupefação” traduzem o estado daqueles que testemunham a ação de Deus manifestada através dos apóstolos; é a mesma reação com que as multidões acolheram os gestos libertadores realizados por Jesus. A ação dos apóstolos aparece, assim, na continuidade da ação de Jesus. O nosso texto é parte do discurso que, segundo o autor dos Atos, Pedro teria feito à multidão (cf. At 3,12-26).

    Nas figuras de Pedro e João, é-nos apresentado o testemunho da primitiva comunidade de Jerusalém, apostada em continuar a missão de Jesus e em apresentar aos homens o projeto salvador de Deus. O autor dos Atos está convencido de que esse testemunho se concretiza, não só através da pregação, mas também da ação dos apóstolos.

     

    MENSAGEM

    Pedro, dirigindo-se aos “homens de Israel” que o escutam no Pórtico de Salomão, explica que a cura do homem coxo foi realizada em nome de Jesus. Pedro e João foram, neste caso, apenas mensageiros da salvação que Jesus veio oferecer a todos os homens. Enquanto percorreu os caminhos da Palestina, Jesus manifestou, em gestos concretos de cura, a presença da salvação de Deus entre os homens; e, se essa salvação continua a derramar-se sobre os homens doentes e privados de vida e de liberdade, como aconteceu com aquele homem coxo que jazia na Porta Formosa, é porque Jesus continua presente, oferecendo aos homens a Vida nova e definitiva.

    Chegado aqui, Pedro aproveita para dizer àqueles israelitas que o escutam que ainda vão a tempo de acolher a salvação. É verdade que, num primeiro momento, eles rejeitaram Jesus. Numa manhã de sexta-feira do mês de Nisan, diante do procurador romano Pilatos que os questionava sobre a sorte daquele justo, eles deixaram-se manipular pelos líderes e pediram a morte de Jesus. Através de Jesus, Deus quis ofereceu-lhes a Vida; mas eles escolheram a morte. Preferiram preservar a vida de alguém que trouxe morte e condenar à morte alguém que oferecia a Vida (“negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino. Destes a morte ao Príncipe da Vida – vers. 14-15a). Deus, no entanto, ressuscitou Jesus. A ressurreição de Jesus é a prova de que o projeto de Deus – projeto apresentado por Jesus e que os israelitas rejeitaram – é uma proposta geradora de Vida, e de uma Vida que a morte não pode vencer (vers. 15b). Estará tudo terminado para Israel? O Povo não terá mais oportunidade de corrigir a sua má escolha e de fazer uma nova opção, uma opção pela Vida? A oferta de Deus terá caducado, face à intransigência dos chefes de Israel em acolher os dons de Deus?

    Não. Pedro “sabe” (e se Pedro “sabe” é porque Deus também o sabe) que o Povo agiu por ignorância. O comportamento do Povo em geral, e dos líderes judaicos em particular, face a Jesus tem, pois, atenuantes. Na legislação religiosa de Israel, as faltas involuntárias tinham um tratamento diferente das faltas “voluntárias” (cf. Lv 4). Assim Deus, na sua imensa bondade, continua a oferecer ao seu Povo a possibilidade de corrigir as suas opções erradas e de escolher a vida, aderindo a Jesus e ao projeto por Ele apresentado. A prova disso é que o homem coxo recebeu de Deus o dom da vida.

    O que é preciso para que essa oferta de salvação que Deus continua a fazer se torne efetiva? É necessário “arrepender-se” e “converter-se”. Estes dois verbos definem o movimento de reorientar a vida para Deus, de forma que Deus passe a estar novamente no centro da vida do homem e o homem passe a “dar ouvidos” às propostas de Deus. Ora, uma vez que Cristo é a manifestação de Deus, “arrepender-se” e “converter-se” significa aderir à pessoa de Cristo, crer n’Ele, acolher o projeto que Ele traz, entrar no Reino que Ele anuncia e propõe. Os israelitas podem, portanto, “apanhar a carruagem” da salvação, se deixarem a sua autossuficiência, os seus preconceitos, o seu orgulho (que os levaram a rejeitar as propostas de Deus) e se aderirem a Jesus e à vida que Ele continua a propor (através do testemunho dos discípulos).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Para os cristãos, Jesus não é uma figura do passado, que a morte venceu e que ficou sepultado no museu da história; mas é alguém que continua vivo, sempre presente nos caminhos do mundo, oferecendo aos homens uma proposta de Vida verdadeira, plena, eterna. Como é que os nossos irmãos que caminham ao nosso lado podem descobrir que Jesus está vivo e fazer uma experiência de encontro com Cristo ressuscitado? Para o autor dos Atos, o fator decisivo para que os homens descubram que Cristo está vivo é o testemunho dos discípulos. Jesus está vivo e apresenta-se aos homens do nosso tempo nos gestos de amor, de partilha, de solidariedade, de perdão, de acolhimento que os cristãos são capazes de fazer; Jesus está vivo e atua hoje no mundo, quando os cristãos se comprometem na luta pela paz, pela justiça, pela liberdade, pelo nascimento de um mundo mais humano, mais fraterno, mais solidário; Jesus está vivo e continua a realizar aqui e agora o projeto de salvação de Deus, quando os seus cristãos oferecem aos coxos a possibilidade de avançar em direção a um futuro de esperança, aos que vivem nas trevas a capacidade de encontrar a luz e a verdade, aos prisioneiros a possibilidade de ter voz e de decidir livremente o seu futuro. Os meus gestos anunciam aos irmãos com quem me cruzo nos caminhos deste mundo que Cristo está vivo?
    • A existência humana é uma busca incessante de Vida. Essa busca, contudo, nem sempre se desenrola em caminhos fáceis e lineares. Por vezes é cumprida num caminho onde o homem tropeça com equívocos, com falhas, com opções erradas. Aquilo que parece ser garantia de vida gera morte; e aquilo que parece ser fracasso e frustração é, afinal, o verdadeiro caminho para a Vida. Pedro garante-nos, no seu testemunho, que a proposta que Jesus veio apresentar é uma proposta geradora de vida, apesar de passar pelo aparente fracasso da cruz. Acredito firmemente que é da doação, da entrega, do amor total a Deus e aos irmãos, a exemplo de Jesus, que brota a Vida eterna e verdadeira para mim e para aqueles que caminham ao meu lado?
    • O apelo ao arrependimento e à conversão que aparece no discurso de Pedro lembra-nos essa necessidade contínua de reequacionarmos as nossas opções, de deixarmos os caminhos de egoísmo, de orgulho, de comodismo, de autossuficiência em que, por vezes, se desenrola a nossa existência. É preciso que, em cada instante da nossa vida, nos convertamos a Jesus e aos seus valores, numa disponibilidade total para acolhermos os desafios de Deus e a sua proposta de salvação. Procuro viver em estado de conversão permanente? Esforço-me, ao longo do meu caminho, por recentrar continuamente a minha vida em Jesus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 4

    Refrão: Fazei brilhar sobre nós, Senhor, A luz do vosso rosto.

    Quando Vos invocar, ouvi-me, ó Deus de justiça.
    Vós que na tribulação me tendes protegido,
    compadecei-vos de mim
    e ouvi a minha súplica.

    Sabei que o Senhor faz maravilhas pelos seus amigos,
    o Senhor me atende quando O invoco.
    Muitos dizem: «Quem nos fará felizes?»

    Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face.
    Em paz me deito e adormeço tranquilo,
    porque só Vós, Senhor, me fazeis repousar em segurança.

     

    LEITURA II – 1 João 2,1-5a

    Meus filhos,
    escrevo-vos isto, para que não pequeis.
    Mas se alguém pecar,
    nós temos Jesus Cristo, o Justo, como advogado junto do Pai.
    Ele é a vítima de propiciação pelos nossos pecados,
    e não só pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro.
    E nós sabemos que O conhecemos,
    se guardamos os seus mandamentos.
    Aquele que diz conhecê-l’O
    e não guarda os seus mandamentos
    é mentiroso e a verdade não está nele.
    Mas se alguém guardar a sua palavra,
    nesse o amor de Deus é perfeito.

     

    CONTEXTO

    Já vimos no passado domingo que este escrito de tom polémico – destinado provavelmente às comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor – procura combater doutrinas heréticas pré-gnósticas e apresentar aos cristãos o caminho da autêntica vida cristã.

    O autor da carta, logo depois de um prólogo inicial (cf. 1 Jo 1,1-4) que faz lembrar o do Quarto Evangelho, retoma um tema eminentemente joânico para expor a realidade de Deus: “Deus é luz”; n’Ele não há qualquer espécie de treva, de mentira ou de erro (cf. 1 Jo 1,5). A luz de Deus brilha e orienta os homens no caminho que eles são chamados a percorrer. Quem é de Deus deixa-se iluminar pela luz de Deus, adere a Jesus e à sua proposta e vive em comunhão com os irmãos (cf. 1 Jo 1,7). Mas os adeptos das heresias, que espalham a confusão nas comunidades cristãs, não são de Deus e não se deixam guiar pela luz de Deus. Dizem que estão em comunhão com Deus; mas, na realidade, andam nas trevas, pois mentem e não praticam a verdade (cf. 1 Jo 1,6); dizem que não têm pecados (cf. 1 Jo 1,8.10); mas, ao fazê-lo enganam-se a si mesmos e fazem de Deus um mentiroso. Que necessidade teria Deus de enviar ao mundo o seu Filho com uma proposta de salvação, se o pecado não fosse uma realidade universal (cf. 1 Jo 1,8-10)? Esses hereges andam nas trevas; o seu caminho não é, decididamente, o caminho da vida autêntica.

     

    MENSAGEM

    O texto que a liturgia deste terceiro domingo do tempo pascal nos propõe como segunda leitura, pode ser dividido em duas partes.

    Na primeira (vers. 1-2), o autor critica veladamente esses hereges que consideravam não ter pecados; e, em contrapartida, sugere aos cristãos a atitude que devem assumir, em relação ao pecado, para viverem como “filhos de Deus”. O cristão é chamado à santidade e a viver uma vida de renúncia ao pecado. Deus chama-o a rejeitar o egoísmo, a autossuficiência, a injustiça, a opressão (trevas) e a escolher a luz. No entanto, o pecado é uma realidade incontornável, que resulta da fragilidade e da debilidade do homem. O cristão deve ter consciência desta realidade e reconhecer o seu pecado. Não fazer isto é fechar-se na autossuficiência, é recusar a salvação que Deus oferece (quem sente que não tem pecado, também não sente a necessidade de ser salvo), é instalar-se no pecado. O cristão, em nome da verdade, reconhece a sua fragilidade e admite as suas falhas; contudo, não desespera. Ele sabe que Deus lhe oferece a sua salvação e que Jesus Cristo é o “advogado” (literalmente, “parakletos”, ou seja, “aquele que consola ou conforta”, “aquele que encoraja e reanima”; “aquele que intercede como defensor") que o defende. Jesus veio ao mundo para eliminar o pecado – o pecado de todos os homens.

    Na segunda parte do nosso texto (vers. 3-5a), o autor da carta refere-se à pretensão dos hereges de conhecer a Deus, mas sem se preocuparem em guardar os seus mandamentos. Na linguagem bíblica, “conhecer Deus” não é ter de Deus um conhecimento teórico e abstrato, mas é viver em comunhão íntima com Deus, numa relação pessoal de proximidade, de familiaridade, de amor sem limites. Ora, quem disser que mantém uma relação de proximidade e de comunhão pessoal com Deus, mas não quiser saber das suas propostas e indicações para nada, está a mentir. Não se pode amar e não considerar as propostas da pessoa que se ama. O “conhecer Deus” exige atitudes concretas que passam pelo escutar, acolher e viver as propostas de salvação que Deus faz, através de Jesus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Uma das questões que o nosso texto coloca é a da coerência de vida. No momento da nossa opção por Deus, dispusemo-nos a viver na luz e comprometemo-nos a acolher as indicações de Deus, seguindo os passos de Jesus; renunciámos a optar por caminhos de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de indiferença face a Deus e às suas propostas. No entanto, ao longo da viagem, o cansaço, a monotonia do caminho, o arrefecimento do entusiasmo, a desilusão, a acomodação, os apelos do mundo que nos rodeia, podem ter minado as nossas convicções e afetado a seriedade do nosso compromisso. Na minha vida procuro viver, com coerência e honestidade, os meus compromissos com Deus e com os meus irmãos, ou deixo-me levar ao sabor da corrente, das situações, das oportunidades?
    • Viver de forma coerente significa, também, reconhecer a fragilidade e a debilidade que são inerentes à nossa condição humana. Para o crente, o pecado não é algo “normal” (o pecado é sempre um “não” a Deus e às suas propostas e isso deve ser visto pelos crentes como uma “anormalidade”); mas é uma realidade que o crente reconhece e que sabe que está sempre presente ao longo da sua caminhada pela vida. O autor da Carta de João convida-nos a tomar consciência da nossa condição de pecadores, a acolher a salvação que Deus nos oferece, a confiar em Jesus, o “advogado” que nos entende (porque veio ao nosso encontro, partilhou a nossa natureza, experimentou a nossa fragilidade) e que nos defende. Reconhecer a nossa realidade pecadora não pode levar-nos ao desespero; tem de levar-nos a abrir o coração aos dons de Deus, a acolher humildemente a sua salvação e a caminhar com esperança ao encontro do Deus da bondade e da misericórdia que nos ama e que nos oferece, sem condições, a vida eterna. Reconheço a minha condição de pecador, que por vezes diz “não” a Deus e opta por caminhos de egoísmo e de autossuficiência? Estou disposto a aproximar-me novamente de Deus e a acolher as suas propostas?
    • A coerência que o autor da primeira Carta de João nos pede deve manifestar-se, também, na identificação entre a fé e a vida. A nossa fé não é uma bela teoria que caminha separada da vida concreta. Mentimos quando dizemos que amamos a Deus e depois, na vida concreta, abraçamos valores que contradizem de forma absoluta a lógica de Deus. Um crente que diz amar Deus e, no dia a dia, cria à sua volta injustiça, conflito, opressão, sofrimento, vive na mentira; um crente que diz “conhecer Deus” e fomenta uma lógica de guerra, de ódio, de intransigência, de intolerância, está bem distante de Deus; um crente que diz ter “a sua fé” e recusa o amor, a partilha, o serviço, a comunidade, está muito longe dos caminhos onde se revela a vida e a salvação de Deus; um crente que se preocupa em oferecer a Deus muitas rezas e solenes rituais litúrgicos, mas não se compadece dos filhos e filhas de Deus feridos e abandonados nas bermas da estrada da vida, não sabe nada de Deus. A minha vida concreta, as minhas atitudes para com os irmãos que me rodeiam, os sentimentos que enchem o meu coração, os valores que condicionam as minhas ações, são coerentes com a minha fé?

     

    ALELUIA – Lucas 24,32

    Aleluia. Aleluia.

    Senhor Jesus, abri-nos as Escrituras, falai-nos e inflamai o nosso coração.

     

    EVANGELHO – Lucas 24,35-48

    Naquele tempo,
    os discípulos de Emaús
    contaram o que tinha acontecido no caminho
    e como tinham reconhecido Jesus ao partir do pão.
    Enquanto diziam isto,
    Jesus apresentou-Se no meio deles e disse-lhes:
    «A paz esteja convosco».
    Espantados e cheios de medo, julgavam ver um espírito.
    Disse-lhes Jesus:
    «Porque estais perturbados
    e porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações?
    Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo;
    tocai-Me e vede: um espírito não tem carne nem ossos,
    Como vedes que Eu tenho».
    Dito isto, mostrou-lhes as mãos e os pés.
    E como eles, na sua alegria e admiração,
    não queriam ainda acreditar, perguntou-lhes:
    «Tendes aí alguma coisa para comer?»
    Deram-Lhe uma posta de peixe assado,
    que Ele tomou e começou a comer diante deles.
    Depois disse-lhes:
    «Foram estas as palavras que vos dirigi, quando ainda estava convosco:
    ‘Tem de se cumprir tudo o que está escrito a meu respeito
    na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’».
    Abriu-lhes então o entendimento
    para compreenderem as Escrituras
    e disse-lhes:
    «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer
    e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia,
    e que havia de ser pregado em seu nome
    o arrependimento e o perdão dos pecados
    a todas as nações, começando por Jerusalém.
    Vós sois as testemunhas de todas estas coisas».

     

    CONTEXTO

    O episódio que Lucas nos relata no Evangelho deste terceiro domingo do tempo pascal situa-nos em Jerusalém, pouco depois da ressurreição. Os onze discípulos estão reunidos; já conhecem uma aparição de Jesus a Pedro (cf. Lc 24,34), bem como o relato do encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,35). Mas é bem provável que, apesar das notícias que lhes chegaram nas últimas horas sobre as aparições de Jesus, se sintam com medo, confusos, perturbados e cheios de dúvidas. Afinal, a maior parte deles ainda não tinha feito a experiência do encontro pessoal com Jesus ressuscitado.

    O evangelista Lucas, nestes relatos pós-pascais, procura mostrar como os discípulos descobrem, progressivamente, Jesus vivo e ressuscitado. Não lhe interessa fazer uma descrição jornalística e fotográfica das aparições de Jesus aos discípulos, mas interessa-lhe, sobretudo, afirmar aos cristãos que Cristo continua vivo e presente, acompanhando a sua Igreja, e que os discípulos de todas as épocas, reunidos em comunidade, podem fazer uma experiência de encontro verdadeiro com Jesus ressuscitado. Estamos no âmbito da catequese, mais do que no âmbito da descrição pormenorizada de acontecimentos reais.

    De acordo com Lucas, os onze não estão sozinhos; com eles estão “outros companheiros” (Lc 24,33). Lucas estará a referir-se a nós? Estará a convidar-nos para nos reunirmos aos onze para fazermos, com eles, a experiência de encontro com Jesus ressuscitado?

    Para a sua catequese, Lucas vai utilizar diversas imagens que não devem ser tomadas à letra nem absolutizadas. Elas são, apenas, o invólucro que apresenta a mensagem. O que devemos procurar, neste texto, é algo que está para além dos pormenores, por muito reais que eles pareçam: é a catequese da comunidade cristã primitiva sobre a sua experiência de encontro com Jesus vivo e ressuscitado.

     

    MENSAGEM

    A ressurreição de Jesus terá sido uma simples invenção da Igreja primitiva, ou um piedoso desejo dos discípulos, esperançados em que a maravilhosa aventura que viveram com Jesus não terminasse no fracasso da cruz e num túmulo escavado numa rocha em Jerusalém?

    É, fundamentalmente, a esta questão que Lucas procura responder. Na sua catequese, Lucas procura deixar claro que a ressurreição de Jesus foi um facto real, incontornável que, contudo, os discípulos descobriram e experimentaram só após um caminho longo, difícil, penoso, carregado de dúvidas e de incertezas.

    O caminho da fé não é o caminho das evidências materiais, das provas palpáveis, das demonstrações científicas; mas é um caminho que se percorre com o coração aberto à revelação de Deus, pronto para acolher a experiência de Deus e da Vida nova que Ele quer oferecer. Foi esse o caminho que os discípulos percorreram. No final desse caminho (que, como caminho pessoal, para uns demorou mais e para outros demorou menos), eles experimentaram, sem margem para dúvidas, que Jesus estava vivo, que caminhava com eles pelos caminhos da história e que continuava a oferecer-lhes a Vida de Deus. Eles começaram a percorrer esse caminho com dúvidas e incertezas; mas fizeram a experiência de encontro com Cristo vivo e chegaram à certeza da ressurreição. É essa certeza que os relatos da ressurreição, na sua linguagem muito própria, procuram transmitir-nos.

    Na catequese de Lucas há elementos que importa pôr em relevo e que ajudam os discípulos de todas as épocas a perceberem e a enquadrarem o seu encontro com Jesus ressuscitado.

    Reparemos, antes de mais, na forma como Jesus aparece aos discípulos (vers. 36). É uma aparição que surpreende os discípulos e que acontece por iniciativa exclusiva de Jesus. É sempre Ele que toma a iniciativa de vir ao nosso encontro, sem hora marcada e sem se fazer anunciar, de forma imprevisível e inesperada. É assim que Ele sempre aparecerá na vida dos seus discípulos que caminham pela história.

    Notemos também onde é que Jesus se situa quando se apresenta aos discípulos: fica “no meio deles”. O seu lugar é no centro da sua comunidade. É à volta dEle que a comunidade se articula e se constrói. O olhar de todos os discípulos estará sempre fixo nEle; será sempre dEle que a comunidade se alimenta e vive. Pelo tempo fora, Jesus vivo e ressuscitado será sempre a referência da comunidade cristã.

    Lucas refere depois o espanto e o temor dos discípulos (vers. 37) diante de Jesus. O “espanto” e o “medo” são, no contexto bíblico, a reação normal e habitual do homem diante da divindade (vers. 37). Jesus não é um homem reanimado para a vida que levava antes, mas o Deus que reentrou definitivamente na esfera divina. Esse Jesus, vivo e ressuscitado que se apresenta “no meio” dos discípulos, é o Filho de Deus que, após caminhar com os homens, reentrou no mundo de Deus. No entanto, Ele continua a acompanhar os seus discípulos e a caminhar no meio deles.

    Lucas alude, também, às dúvidas e à perturbação dos discípulos diante de Jesus ressuscitado. Essa alusão revela a dificuldade que os discípulos sentiram em percorrer o caminho da fé. A ressurreição não foi, para os discípulos, um facto imediatamente evidente, mas uma caminhada mais ou menos longa de amadurecimento da própria fé, até chegar à experiência do Senhor ressuscitado (vers. 38). É esse o caminho da fé, também para nós.

    Notemos, depois, que Lucas embeleza a sua narração com elementos “sensíveis” e materiais que parecem, à partida, extravasar o âmbito da Vida nova de que Jesus goza, após a ressurreição (a insistência no “tocar” em Jesus para ver que Ele não era um fantasma – verso 39-40; a indicação de que Jesus teria comido “uma posta de peixe assado” – verso 41-43). O recurso a esses elementos é, antes de mais, uma forma de ensinar que a experiência de encontro dos discípulos com Jesus ressuscitado não foi uma ilusão ou um produto da imaginação, mas uma experiência muito forte e marcante, quase palpável. É, ainda, uma forma de dizer que esse Jesus que os discípulos encontraram, embora diferente e irreconhecível, é o mesmo que tinha andado com eles pelos caminhos da Palestina, anunciando-lhes e propondo-lhes a salvação de Deus. Finalmente, Lucas ensina também, com estes elementos, que Jesus ressuscitado não está ausente e distante, definitivamente longe do mundo em que os discípulos têm de continuar a caminhar; mas Ele continua, pelo tempo fora, a sentar-Se à mesa com os seus, a estabelecer laços de familiaridade e de comunhão com eles, a partilhar os seus sonhos, as suas lutas, as suas esperanças, as suas dificuldades, os seus sofrimentos.

    Lucas também conta que Jesus, para se identificar, mostra aos discípulos “as mãos e os pés” (vers. 40). O que há nas mãos e nos pés de Jesus que servem de identificativo? Precisamente as suas feridas, as marcas da sua vida dada. Os discípulos não identificam Jesus pelos traços do seu rosto, mas sim pelas marcas do seu amor até ao extremo. É o amor que diz quem Ele é; é o amor a marca distintiva da sua vida. E será assim sempre, pelo tempo fora: quando virmos, no meio de nós, sinais de amor e de vida dada, Jesus vivo e ressuscitado estará aí.

    Lucas refere, ainda, que Jesus ressuscitado se dispôs a desvelar aos discípulos o sentido profundo das Escrituras. A Escritura não só encontra em Jesus o seu cumprimento, mas também o seu intérprete. A comunidade de Jesus que caminha pela vida deve, continuamente, reunir-se à volta de Jesus ressuscitado para escutar a Palavra que alimenta e que dá sentido à sua caminhada histórica (vers. 44-46).

    Finalmente, Jesus entrega aos discípulos a missão de serem suas testemunhas diante de “todas as nações, começando por Jerusalém”. O anúncio dos discípulos terá como tema central a morte e ressurreição de Jesus, o libertador anunciado por Deus desde sempre. A finalidade da missão da Igreja de Jesus (os discípulos) é pregar a conversão e o perdão dos pecados a todos os homens e mulheres, propondo-lhes a opção pela vida nova de Deus, pela salvação, pela vida eterna (vers. 47-48). Essa será sempre, pelo tempo fora, a missão da comunidade de Jesus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus ressuscitou verdadeiramente, ou a ressurreição é fruto da imaginação dos discípulos? Como é possível ter a certeza da ressurreição? Como encontrar Jesus ressuscitado? Lucas diz-nos que nós, como os primeiros discípulos, temos de percorrer o nem sempre claro caminho da fé, até chegarmos à certeza da ressurreição. Não se chega lá através de deduções lógicas, de construções de carácter intelectual ou de teorias vagas e etéreas; mas chega-se à descoberta de Jesus ressuscitado quando se faz a experiência de um verdadeiro encontro com Ele e se sente a sua presença viva ao nosso lado. Essa experiência, essa descoberta, pode ter uma dimensão pessoal; mas acontece, de forma privilegiada, em âmbito comunitário. Jesus, vivo e ressuscitado, está sempre presente “no meio” da comunidade quando os irmãos se reúnem em seu nome; é a referência fundamental desse grupo de irmãos e de irmãs que é a nossa comunidade cristã. Ele manifesta-se no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em gestos de fraternidade e de serviço. O que é que isto me diz? Tenho feito esta experiência da presença de Jesus, ressuscitado e cheio de vida, no caminho que vou percorrendo? Como é que a minha comunidade cristã me tem ajudado a fazer esta experiência?
    • A catequese de Lucas põe Jesus ressuscitado no meio dos discípulos, como centro vital da comunidade. Os discípulos estão reunidos à volta de Jesus pois Ele é, para eles, a referência fundamental, a fonte de Vida onde todos vão beber. Qual é o centro vital, a referência fundamental nas nossas comunidades cristãs? Estamos todos voltados para Jesus, ou andamos distraídos com outras pessoas, outras figuras, outros temas, outros interesses, outras prioridades, outros valores?
    • O “documento” que Jesus apresenta para que os discípulos o identifiquem é as mãos e os pés marcados pelos sinais da crucificação. Aquelas feridas são o sinal da sua entrega e da sua vida dada em favor dos seus irmãos. Naquelas marcas está o ser profundo de Jesus, aquilo que o identifica. A nós, discípulos de Jesus, o que é que nos identifica? A verdade profunda da nossa vida está na forma como servimos, como cuidamos, como perdoamos, como praticamos o amor que Jesus nos ensinou? Reconhecemos os sinais de Jesus ressuscitado nos gestos de amor e de bondade que vemos acontecer à nossa volta, mesmo quando são praticados por pessoas que não pertencem à comunidade cristã?
    • Jesus ressuscitado abriu aos discípulos “o entendimento para compreenderem as Escrituras”. Quando a comunidade se reúne para escutar a Palavra, Ele está presente e fala-nos; através da Palavra, Ele oferece-nos a Boa Notícia de Deus, questiona-nos sobre as nossas opções, aponta-nos caminhos, deixa-nos desafios, abre-nos horizontes novos… Não sentimos, tantas vezes, a presença de Cristo a indicar-nos caminhos de Vida nova e a encher o nosso coração de esperança quando escutamos, lemos e meditamos a Palavra de Deus?
    • Na presença dos discípulos, Jesus tomou uma posta de peixe assado e “começou a comer diante deles”. O catequista Lucas pretende que este gesto seja, para os discípulos, uma “prova de vida”: Ele não é um fantasma, mas esse mesmo Jesus que tantas vezes se tinha sentado com os discípulos à mesa para aquelas refeições inolvidáveis que anunciavam e antecipavam o Reino de Deus. Mas podemos também ver neste gesto uma indicação de que o Ressuscitado continuará, pelo tempo fora, a “sentar-se à mesa” com os seus discípulos, a estabelecer laços com eles, a partilhar as suas inquietações, anseios, dificuldades e esperanças, sempre solidário com os seus. Não sentimos a presença viva de Jesus, de forma especial, quando nos sentamos com Ele à mesa da eucaristia?
    • Jesus deixa aos discípulos a missão de serem “testemunhas de todas estas coisas” junto de “todos os povos, começando por Jerusalém”. A comunidade de Jesus é precisamente isto: uma comunidade de testemunhas. Isto significa, apenas, que os cristãos devem ir contar a todos os homens, com lindas palavras, com raciocínios lógicos e inatacáveis que Jesus ressuscitou e está vivo? O testemunho que Cristo nos pede passa pelo nosso estilo de vida, pelos nossos valores, pela forma como amamos e servimos, pela forma como vemos o mundo. A minha vida, os meus gestos, os meus valores dão testemunho de que Jesus está vivo e a dar Vida ao mundo? A minha vida é, como foi a de Jesus, uma luta contra o egoísmo, a maldade, a violência, o pecado? A minha vida é, como foi a de Jesus, uma luta pela justiça, pela verdade, pela dignidade dos meus irmãos, especialmente dos mais frágeis e desprezados?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3.º DOMINGO DE PÁSCOA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 3.º Domingo de Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus…

    2. ENTRADA DA CELEBRAÇÃO.

    Cheios de alegria pelo encontro com o Ressuscitado, os discípulos regressam de Emaús para contar aos Apóstolos como tinham reconhecido o Senhor quando Ele tinha partido o pão. Com a mesma alegria da noite pascal, seguimos na procissão de entrada com o Evangeliário e o círio pascal, para renovar esta partilha da Palavra e do Pão. A Páscoa ainda está próxima e a oração de coleta convida-nos a partilhar a experiência dos primeiros discípulos. Escrevia João Paulo II na encíclica “Dies Domini”: “É precisamente na Eucaristia dominical que os cristãos revivem com uma intensidade particular a experiência feita pelos Apóstolos reunidos na tarde de Páscoa, quando o Ressuscitado se manifestou diante deles. Neste pequeno núcleo de discípulos, primícias da Igreja, estava presente, de certa maneira, o povo de Deus de todos os tempos”.

    3. LITURGIA DA PALAVRA.

    Sempre que nos reunimos para celebrar a Eucaristia, antes de refazer o gesto revelador da presença do Ressuscitado, disponhamos do tempo, como os discípulos de Emaús, para escutar a Palavra, porque o próprio Cristo nos “abre as Escrituras”. É nesta lógica que as duas leituras nos interpelam. A primeira leva progressivamente a proclamar com uma voz confiada: “arrependei-vos e concertei-vos a Deus”. Depois de ter cantado a nossa resposta de fé com o salmo, prestaremos os ouvidos a Pedro dando testemunho do poder de Deus que ressuscitou Jesus. Conservemos o ambiente festivo do tempo pascal, cantando Aleluia. Algumas crianças e jovens podem acompanhar o cântico com instrumentos e percussões. Com o Evangelho segundo São Lucas, a Revelação é-nos confiada através das Escrituras. Manifestamos isso com uma bela procissão do Evangeliário até ao ambão. Ao longo da oração universal, rezemos ao Senhor que intercede por nós junto do Pai. É uma bela razão para irradiar de alegria!

    4. LITURGIA EUCARÍSTICA.

    Como outrora aos discípulos de Emaús, o Ressuscitado explica-os as Escrituras e partilha connosco o Pão (rezar a Oração Eucarística para as circunstâncias particulares). Se se escolher uma Oração Eucarística para a Assembleia com Crianças, é preferível a terceira, que propõe em três momentos um texto próprio para o tempo pascal. O gesto da fração do pão poderá ser mais valorizado hoje. É sugerido também hoje que se evite buscar as hóstias ao sacrário para a comunhão, mas utilizar primeiro o pão levado ao altar e consagrado nesta celebração. O “Ámen” pronunciado ao receber o Corpo de Cristo é também uma grande e bela profissão de fé; no dizer de S. Agostinho, o “Ámen” é a “vossa assinatura”.

    5. ENVIO.

    No conjunto das nossas paróquias, são numerosas as ocasiões para nos alimentarmos sem cessar das Escrituras. Pode-se recordar algumas dessas ocasiões. A mais simples pode ser: que as famílias aceitem visitar-se e partilhar o Evangelho do dia. As equipas litúrgicas das paróquias podem promover esta iniciativa.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 3ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    3ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    15 de Abril, 2024

    3ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 6, 8-15

    Naqueles dias, Estêvão, cheio de graça e força, fazia extraordinários milagres e prodígios entre o povo. 9Ora, alguns membros da sinagoga, chamada dos libertos, dos cireneus, dos alexandrinos e dos da Cilícia e da Ásia, vieram para discutir com Estêvão; 10mas era-lhes impossível resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava. 11Subornaram, então, uns homens para dizerem: «Ouvimo-lo proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus.» 12Provocaram, assim, a ira do povo, dos anciãos e dos escribas; depois, surgindo-lhe na frente, arrebataram-no e levaram-no ao Sinédrio. 13Aí, apresentaram falsas testemunhas que declararam:
    «Este homem não cessa de falar contra este Lugar Santo e contra a Lei, 14pois ouvimo-lo afirmar que Jesus, o Nazareno, destruiria este lugar e mudaria as regras que Moisés nos legou.» 15Todos os membros do Sinédrio tinham os olhos fixos nele e viram que o seu rosto era como o rosto de um Anjo.

    Lucas, até este momento, centrou a sua atenção no grupo dos Apóstolos. Agora centra-a no grupo dos diáconos e particularmente em Estêvão. Este diácono apresenta as mesmas características do Apóstolos: prega, faz milagres, está cheio de graça e de poder, ou seja, é particularmente favorecido pela assistência divina, o que lhe permite pregar o Evangelho e realizar os prodígios que acompanham essa pregação.
    A acção de Estêvão provoca um conflito idêntico ao que tinha provocado a
    acção dos Apóstolos. Mas há uma diferença: o conflito surge entre o diácono e o grupo dos judeus mais abertos, procedentes da Diáspora. Estêvão mostra-se excessivamente aberto e radical, mesmo para os «progressistas». A sinagoga dos libertos era constituída por descendentes dos judeus que foram levados escravos para Roma por Pompeu (63 a.C.) e que, tendo sido libertos, se tinham inserido num bairro da cidade. Também para eles a pregação de Estêvão era radical, porque atacava o Templo e as tradições mosaicas. As acusações contra ele tinham algum fundamento.
    Mas os olhares que se fixam nele acabam por descobrir um particular resplendor, semelhante ao do anjo que indica a presença de Deus, semelhante ao rosto de Moisés, quando desce do Sinai, depois de se encontrar com Deus. Para Lucas, Estêvão é uma testemunha escolhida por Deus para dar a conhecer a sua vontade.

    Evangelho: João 6, 22-29

    Depois de Jesus ter saciado cinco mil homens, os seus discípulos viram-n'O a caminhar sobre as águas. No dia seguinte, a multidão que ficara do outro lado do lago reparou que ali não estivera mais do que um barco, e que Jesus não tinha entrado no barco com os seus discípulos, mas que estes tinham partido sozinhos.
    23Entretanto, chegaram outros barcos de Tiberíades até ao lugar onde tinham comido o pão, depois de o Senhor ter dado graças. 24Quando viu que nem Jesus nem os seus discípulos estavam ali, a multidão subiu para os barcos e foi para Cafarnaúm à procura de Jesus. 25Ao encontrá-lo no outro lado do lago, perguntaram-lhe: «Rabi,

    quando chegaste cá?» 26Jesus respondeu-lhes:«Em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-me, não por terdes visto sinais miraculosos, mas porque comestes dos pães e vos saciastes. 27Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará; pois a este é que Deus, o Pai, confirma com o seu selo.» 28Disseram-lhe, então: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» 29Jesus respondeu-lhes: «A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou.»

    Temos impressão de que os acontecimentos narrados por João apenas servem para dar realce aos ensinamentos de Jesus. Isso é, em parte, verdade. De facto, João introduz, aqui e ali, notas e glosas cuja única finalidade é levar o leitor a tomar a sério a narrativa, que não é inventada, mas que corresponde à realidade. No nosso texto encontramos uma dessas notas. A multidão está em Cafarnaúm e dirige ao Mestre uma pergunta cujo objectivo é apenas satisfazer a curiosidade: «Rabi, quando chegaste cá?» (v. 25). Jesus não responde, mas revela à multidão as verdadeiras intenções que a levaram a procurá-l´O. Afinal, seguem a Jesus por causa do pão material que lhes deu, sem se preocuparem em compreender o sinal dado pelo Profeta.
    Diante da cegueira espiritual daquela gente, Jesus proclama a diferença entre o pão material e corruptível, e o pão que «perdura e dá a vida eterna» (v. 27). Há que passar das preocupações meramente materiais aos horizontes da fé e do Espírito, a que apenas a sua pessoa dá acesso. Jesus possui o selo do Espírito e o dinamismo divino do amor. Os seus interlocutores perguntam: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (v. 28). Esta pergunta revela mais um equívoco: não se trata de cumprir novas observâncias ou realizar novas obras. A única coisa necessária é aderir ao plano de Deus, isto é, «crer naquele que Ele enviou» (v. 29).

    Meditatio

    O livro dos Actos diz-nos que Estêvão, «cheio de graça e força, fazia extraordinários milagres e prodígios entre o povo» (Act 6, 8). O seu entusiasmo leva- o a fazer uma primeira tentativa de inculturação do cristianismo entre os judeus provenientes da Diáspora, de língua e cultura grega. Mas também entre eles, em princípio mais abertos, havia conservadores que procuravam defender-se de influências estranhas ao judaísmo. Por isso, Estêvão tem o mesmo destino de Jesus: é recusado. O seu martírio produz importantes frutos, não só entre os judeus de língua grega, mas também entre os próprios gregos.
    Estêvão é um provocador. Mas a sua provocação vem de uma sabedoria superior, é fruto de uma particular compreensão do plano de Deus, que previa o anúncio do Evangelho, não só em Jerusalém, mas «até aos confins da terra». O Espírito serve-se do seu carácter entusiasta e aguerrido. Perde porque actua numa sociedade intolerante. Mas o Evangelho acaba por ganhar e percorrer o mundo.
    João, ao recordar a multiplicação dos pães, refere um pormenor significativo:
    o facto do Senhor ter dado graças (v. 23). O sinal da multiplicação dos pães está ligado à oração de bênção e de acção de graças feita por Jesus. Na última ceia, terá a mesma atitude.
    Havemos de aprender com o Senh
    or a dar graças pelo que já temos, quando nos esforçamos por multiplicar o pão. Um modo muito concreto é partilhar, em nome de Deus, o que temos com os mais carenciados. Quando fazemos isso, é como se multiplicássemos o que damos, porque o nosso não é um dom simplesmente humano, mas um dom da generosidade de Deus.
    Também não podemos deixar de dar atenção ao equívoco dos seus interlocutores, que Jesus acaba por desfazer: «Que havemos nós de fazer para

    realizar as obras de Deus?» (v. 28). Os judeus pensavam que, para alcançarem a salvação, tinham de cumprir novas observâncias ou realizar novas obras. Mas Jesus afirma claramente que a única coisa necessária é aderir ao plano de Deus, isto é,
    «crer naquele que Ele enviou» (v. 29).
    Como nos tempos de Estêvão, também hoje, o nosso esforço evangelizador há- de ter em conta a inculturação, isto é, a compreensão do pensamento, da linguagem, do sentir, das atitudes que assumem, dos juízos de valor que fazem os homens, as mulheres, os jovens de hoje acerca dos grandes problemas da vida e da morte. Isso poderá não ser suficiente para que a Palavra de Deus seja aceite. Mas, sem esse esforço, ela não será acolhida nem cumprida. É por essa razão que as Constituições nos lembram que a nossa vida religiosa é continuamente interpelada pelas provações e procuras da Igreja e do mundo (cf. n. 144).
    Finalmente, o cristão, e com maior razão o Sacerdote do Coração de Jesus, dão glória a Deus por meio da oração de louvor e de acção de graças, muitas vezes esquecida. Mas é, sobretudo, por meio da vida, particularmente pela prática da caridade, que devemos ser uma oração de louvor e de acção de graças para Deus.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pelas testemunhas corajosas e «imprudentes» que continuas a enviar à tua Igreja. Obrigado pelos profetas incómodos. Uns e outros sacodem adversários e amigos, dentro e fora dos nossos ambientes, provocam a difusão do evangelho em meios onde não pareceria possível penetrar.
    Dá-nos coragem para enfrentarmos decididamente incompreensões e mal- entendidos, por causa do teu nome. Dá-nos força para nos lançarmos a caminhos não andados, porque o teu evangelho há-de chegar «aos confins da terra». Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor começa por uma censura paternal; quer elevar a alma dos seus discípulos para horizontes superiores: «Vós procurais-me e seguis-me, diz-lhes, porque comestes dos pães e fostes saciados... Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas por aquele que permanece até à vida eterna. Aquele, o Filho do homem vo-lo dará, porque foi ele quem o Pai marcou com o seu selo».
    – «Que trabalho é preciso fazer?», perguntam. - Jesus explica-lhes que deverão fortificar-se na fé na sua missão, para se tornarem aptos a compreenderem o mistério dos seus dons. - «Mas, replicam, que prodígios fazeis para nos determinarmos a acreditar na vossa missão? É verdade que multiplicastes os pães, mas os nossos pais viram coisas bem mais maravilhosas, receberam o maná do céu durante quarenta anos». - «Na verdade, retoma Jesus, Moisés não vos deu o verdadeiro pão do céu. É o meu Pai quem vo-lo apresenta, porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e que dá a vida ao mundo». - Eles não compreenderam nada, no entanto foram tocados pela graça divina e responderam: «Senhor, dai-nos sempre deste pão».
    Senhor, eu também vos digo: Dai-me sempre deste pão, estou ávido dele. Quero dele alimentar-me constantemente (Leão Dehon, OSP OSP 4, p. 229).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou» (Jo 6, 29).

  • 3ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    3ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    16 de Abril, 2024

    3ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 7, 51 - 8, 1a

    Naqueles dias, Estêvão disse ao povo, aos anciãos e aos escribas: «Homens de cerviz dura, incircuncisos de coração e de ouvidos, sempre vos opondes ao Espírito Santo; como foram os vossos pais, assim sois vós também. 52Qual foi o profeta que os vossos pais não tenham perseguido? Mataram os que predisseram a vinda do Justo, a quem traístes e assassinastes, 53vós, que recebestes a Lei pelo ministério dos anjos, mas não a guardastes!»
    54Ao ouvirem tais palavras, encheram-se intimamente de raiva e rangeram os
    dentes contra Estêvão. 55Mas este, cheio do Espírito Santo e de olhos fixos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé, à direita de Deus. 56«Olhai, disse ele, eu vejo o Céu aberto e o Filho do Homem de pé, à direita de Deus.» 57Eles, então, soltaram um grande grito e taparam os ouvidos; depois, à uma, atiraram-se a ele 58e, arrastando-o para fora da cidade, começaram a apedrejá-lo.As testemunhas depuseram as capas aos pés de um jovem chamado Saulo. 59E, enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito.»
    60Depois, posto de joelhos, bradou com voz forte: «Senhor, não lhes atribuas este
    pecado.» Dito isto, adormeceu.1Saulo aprovava também essa morte. No mesmo dia, uma terrível perseguição caiu sobre a igreja de Jerusalém. À excepção dos Apóstolos, todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria.

    O texto que escutamos hoje contém apenas a parte final do discurso de Estêvão. Depois narra o seu martírio. A maior parte do discurso, com excepção de poucos versículos, é uma narração edificante da história da salvação (vv. 2-46). Estêvão conclui com palavras duríssimas dirigidas aos seus ouvintes: «Homens de cerviz dura, incircuncisos de coração e de ouvidos, sempre vos opondes ao Espírito Santo» (v. 51). Enquanto Pedro e os outros Apóstolos tentam, de algum modo, desculpar os judeus pela morte de Jesus, Estêvão insinua que eles não podiam deixar de matar Jesus, uma vez que sempre perseguiram os enviados de Deus. A reacção dos ouvintes é naturalmente violenta.
    Na descrição do martírio, o santo diácono, diante da multidão furiosa, permanece a um nível superior, donde contempla a glória de Deus e Jesus ressuscitado, à direita do Pai. O primeiro mártir da Igreja vai sereno ao encontro da morte, graças à morte de Jesus que, agora ressuscitado e constituído Senhor, anima as suas testemunhas mostrando-lhes o «Céu aberto» como meta gloriosa e já muito próxima. Lucas descreve a morte de Estêvão de modo semelhante à morte de Jesus. Jesus continua a morrer nos seus mártires. Como Jesus confiou ao Pai o seu espírito, Estêvão também confia a Jesus o seu.

    Evangelho: João 6, 30-35

    Naquele tempo, os Judeus replicaram: «Que sinal realizas Tu, então, para nós vermos e crermos em ti? Que obra realizas Tu? 31Os nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito: Ele deu-lhes a comer o pão vindo do Céu.» 32E Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu, mas é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu, 33pois o pão de Deus é

    aquele que desce do Céu e dá a vida ao mundo.» 34Disseram-lhe então: «Senhor, dá- nos sempre desse pão!» 35Respondeu-lhes Jesus:
    «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede.

    Jesus já realizara vários prodígios. A multiplicação dos pães era apenas o mais recente. Mas a multidão exigia mais sinais para acreditar em Jesus. Se Jesus era o novo Moisés, então devia dar-lhes um novo maná para ser reconhecido como Profeta escatológico dos tempos messiânicos.
    Jesus dá-lhes, na verdade, o novo maná, superior àquele que os pais comeram
    no deserto: dá a todos a vida eterna. Mas só quem tem fé pode receber esse dom. O povo quer novas provas sobre Jesus e a sua missão. Mas Jesus exige uma fé sem condições.
    A certa altura a multidão parece ter compreendido: «Senhor, dá-nos sempre desse pão!» (v. 34). Mas, na verdade, não sabe o que está a pedir. Está longe da verdadeira fé que consiste em aceitar o dom do Filho que o Pai oferece aos homens. É Ele «o pão da vida» (v. 35). Quem O acolher «não mais terá fome» (v. 35) e quem acreditar n´Ele «jamais terá sede» (v. 35).

    Meditatio

    Estêvão é uma pessoa fascinante. Enfrenta os adversários de modo corajoso e intrépido, sem se preocupar consigo mesmo. O seu único desejo é testemunhar a fé em Jesus. Talvez queira sacudir e acordar a própria comunidade cristã que, amedrontada pelas primeiras perseguições, corria o risco de se acomodar, tornando- se uma simples seita judaica, ou permanecendo mais voltada para a tradição do que para a novidade de Cristo.
    O santo diácono compreendeu a novidade cristã e a rotura que ela implicava em relação a uma certa tradição, com a necessidade de não se deixar aprisionar em compromissos de qualquer género. Não é por acaso que Saulo será o seu continuador, afirmando a «diferença» cristã, acentuando a peculiaridade da nova fé, e correndo o risco da rotura com o passado. Estêvão é o protótipo do atrevimento cristão (parresia), sempre necessário para evitar os riscos do concordismo. Em certos momentos, a Igreja precisa que os seus responsáveis assumam posições muito claras, ainda que elas não vão ao encontro das ideias dominantes.
    No evangelho, vemos como os judeus, pedindo sinais, não viam aqueles que Jesus lhes dava, não viam a acção de Deus nas suas acções. No passado houve sinais, mas agora... «Os nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito» (v.
    31). Mas o maná não era o verdadeiro pão do céu. E Jesus fá-lo notar: «Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu» (v. 32). O maná era um alimento material. A Bíblia nem diz que tinha descido do céu. Mas, ainda que tivesse descido do céu, como a chuva ou como a neve, continuava a ser um alimento material. Era um dom da Providência divina e, nesse sentido, poderia chamar-se pão do céu, como poeticamente diz um salmo. Mas era um alimento material, talvez uma secreção de insectos, como o mel, ou uma secreção de plantas, que apareceu no momento certo para matar a fome
    do povo perdido no deserto. Porque era um alimento material, o povo fartou-se dele:
    «Não queremos mais este maná insípido!»
    Jesus é o verdadeiro pão do céu, oferecido pelo Pai: «é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu» (v. 32). Mas os judeus não O reconheciam, porque exigiam sinais a seu gosto, e não aqueles que lhes eram dados. Jesus convidava-os a irem além das aparências para O reconhecerem nas suas palavras, no seu exemplo, no dom que faz de Si mesmo, como o verdadeiro Pão do céu.

    A Eucaristia, que está no centro da comunidade e da sua missão, tem um grande poder transformador social. Recordamos o ensino de João Paulo II na primeira encíclica Redemptor hominis: a civilização do amor tem o seu centro na Eucaristia (cf. n. 20). Bento XVI segue a mesma linha: «A união com Cristo, que se realiza no sacramento, habilita-nos também a uma novidade de relações sociais: «a ''mística" do sacramento tem um carácter social, porque (...) a união com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos os outros aos quais Ele Se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-Lhe somente unido a todos aqueles que se tornaram ou hão-de tornar Seus» (Sacramentum caritatis, 89).
    É necessário renovar em nós a coragem de Cristo, ao propor a Sua carne e o
    Seu sangue "para vida do mundo" (Jo 6, 51), ainda que corramos o risco de muitos se afastarem e rirem de nós. É verdade que o Evangelho diz que não devemos dar "as coisas santas aos cães" (Mt 7, 6). Um mundo materialista e hedonista como o nosso, que pode compreender do sacramento do amor, da Eucaristia? Ao falar d´Ela, parece que estamos a provocar uma reedição renovada e piorada da cena evangélica da sinagoga de Cafarnaúm, quando Jesus falou, pela primeira vez, do dom do Seu corpo e do Seu sangue. Muitos afastaram-se d´Ele e também os Doze vacilaram (Jo 6, 6o-
    69). Hoje, ao afastamento, acrescentar-se-ia o riso e o desprezo. Mas há que anunciar Cristo, pão da vida, com a coragem, com o atrevimento de Estêvão.

    Oratio

    Senhor, como é tímida a minha fé, se a comparo com a de Estêvão! Quantas vezes, sou tentado a transigir com aqueles que me rodeiam, com a mentalidade dominante, com tradições fossilizadas! Ajuda-me a libertar-me da tentação de uma vida pacata e sossegada, que não levante ondas. Dá-me a luz do teu Espírito para discernir a tua vontade e realizá-la sem titubear. Ajuda-me a compreender Estêvão e dá-me coragem semelhante à dele para confessar-Te como meu Senhor. Que, em qualquer circunstância, jamais me demita da minha missão de testemunha. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor insiste e declara que há uma primeira maneira de se unir a ele, pela fé e pela graça. - «Eu sou o pão da vida, diz, quem vem a mim nunca terá fome nem sede. Vistes e não acreditais. Mas os que acreditarem, o Pai mos dá, eu guardá- los-ei, não os perderei e ressuscitá-los-ei no último dia...».
    Esta multidão não acreditava, estava absorvida por preocupações materiais. Jesus exprime a amargura do seu coração: «Vistes e não acreditastes!». Mas tem alguma consolação ao pensar naqueles que acreditarão mais tarde e que o seu Pai lhe dará.
    Para acreditar com uma fé viva e vivificante, é preciso, portanto, duas condições: é preciso aproximar-se de Deus com simplicidade e é preciso que Deus coloque aí a sua bênção.
    Que contraste entre esta multidão totalmente incrédula e material, e o
    Coração sagrado de Jesus! O Salvador está todo absorvido pelo pensamento da Eucaristia, pela perspectiva do seu reino eucarístico, pelo seu desejo de viver connosco, de se dar a nós, de vir aos nossos peitos para formar os nossos corações ao seu amor. Antes de instituir este sacramento, parece que se diverte a elaborar os seus símbolos e figuras. Duas vezes multiplica o pão e fá-lo distribuir pelos apóstolos à multidão. É uma imagem da distribuição do pão eucarístico.

    Como Jesus devia estar emocionado ao ver os seus discípulos a distribuir assim o pão milagroso, como uma figura da comunhão! E dizia para si: «É assim que me tornarei alimento de todas as almas».
    Noutra vez, muda a água em vinho. Prepara-se para o grande milagre da transubstanciação. Deve ter bebido ele mesmo com emoção este vinho que figurava o seu sangue.
    Mas o povo tem a cabeça dura, todos estes milagres não o persuadem de que
    está perante o Messias enviado por Deus. Murmura contra o Salvador porque disse:
    «Eu sou o pão vivo descido do céu». - «Não é ele, dizem, o filho de José, que nós onhecemos?!»
    Jesus repete tristemente: «Eu sou o pão da vida, mas ninguém pode compreender e vir a mim, se não corresponde às atracções da graça que meu Pai lhe dá» (Leão Dehon, OSP 4, 229s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem vem a mim não mais terá fome» (Jo 6, 35)

  • 3ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    3ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    17 de Abril, 2024

    3ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 8, 1b-8

    Naquele tempo, Saulo aprovava também a morte de Estêvão. No mesmo dia, uma terrível perseguição caiu sobre a igreja de Jerusalém. À excepção dos Apóstolos, todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria. 2Entretanto, homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram por ele grandes lamentações.
    3Quanto a Saulo, devastava a Igreja: ia de casa em casa, arrastava homens e mulheres e entregava-os à prisão.
    Filipe leva o Evangelho à Samaria - 4Os que tinham sido dispersos foram de
    aldeia em aldeia, anunciando a palavra da Boa-Nova. 5Foi assim que Filipe desceu a uma cidade da Samaria e aí começou a pregar Cristo. 6Ao ouvi-lo falar e ao vê-lo realizar milagres, as multidões aderiam unanimemente à pregação de Filipe. 7De facto, de muitos possessos saíam espíritos malignos, soltando grandes gritos, e numerosos paralíticos e coxos foram curados. 8E houve grande alegria naquela cidade.

    Depois do martírio de Estêvão, veio a perseguição da Igreja. Lucas conta que, à excepção dos Apóstolos, «todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria» (v. 1). Assim começa uma nova fase na vida da frágil comunidade cristã: a sua difusão fora de Jerusalém. São particularmente atingidos os seguidores de Estêvão, os helenistas, que se dispersam pela Judeia e pela Samaria, dando início à corrida da Palavra pelo mundo, «até aos confins da terra». Entretanto, Saulo devasta a Igreja. Mas ela expande-se entre aqueles que estão fora do judaísmo: «Os que tinham sido dispersos foram de aldeia em aldeia, anunciando a Palavra da Boa Nova» (Act 8, 4). Distingue-se outro diácono, Filipe, que, como Estêvão, e como os Apóstolos, prega a Boa Nova e faz milagres. Assim, enquanto a Igreja está de luto pela morte de Estêvão, também se enche de alegria com a acção de Filipe e de outros discípulos anónimos, que pregam o nome de Jesus na Samaria. A fé cristã alarga-se a um novo espaço geográfico e cultural. É o mundo que se renova, graças ao contacto com a Palavra que se difunde.

    Evangelho: João 6, 35-40

    Naquele tempo, Jesus respondeu aos judeus: «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede. 36Mas já vo-lo disse: vós vistes-me e não credes. 37Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»

    «Eu sou o pão da vida» (v. 35). À maneira sapiencial, Jesus apresenta-se como o revelador da verdade, o mestre divino que veio para alimentar os homens. Jesus é personificação da revelação, ou revelação personificada. Utiliza o simbolismo do pão e do maná para descrever a sua própria revelação e o significado da sua pessoa. Mas

    a multidão não quer entender, não reconhece Jesus como Filho de Deus. Então Jesus denuncia-lhe a incredulidade.
    A Igreja primitiva, que vivia um conflito com a Sinagoga, manifesta, por meio do evangelista, a sua profunda ligação ao Mestre, e a convicção de que o projecto de Deus se realiza no acolhimento que cada um dos crentes reserva a Jesus. Ele fez-se homem, não para fazer a sua vontade, mas a vontade d´Aquele que O enviou. O projecto de Deus tem em vista a salvação. Ao confiá-lo ao Filho, o Pai proclama que os homens se salvam em Jesus, sem que algum se perca: «a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia» (v. 39). A expressão «último dia», em João, indica o dia em que termina a criação do homem e se realiza a morte de Jesus, o dia do triunfo final do Filho sobre a morte. Nesse dia, todos poderão saborear «a água do Espírito», dada à humanidade.

    Meditatio

    Depois da morte de Estêvão, aqueles que comungavam do seu «extremismo», os que não aceitavam compromissos com o judaísmo, são também perseguidos. Por enquanto, escapam à perseguição os Apóstolos, talvez na esperança de que fosse encontrada uma solução para os problemas com a tradição judaica.
    A perseguição ajudou a Igreja a não adormecer e a reencontrar as suas raízes missionárias, que são o segredo da sua eterna juventude. Quantas vezes, se verificou essa verdade, ao longo da história! Quando os discípulos do Senhor parecem comodamente instalados, quando se consideram integrados num determinado contexto social, é o próprio Espírito a agitar o «lugar» com várias provações, incluindo a perseguição. Se a comunidade estiver viva, como estava em Jerusalém, a perseguição dará os seus frutos.
    Jesus não despreza a vida corporal. Quantas vezes interveio para curar doentes e, até, ressuscitar mortos. Mas não pretende satisfazer apenas as nossas necessidades corporais. Quer dar-nos a vida em plenitude. O pão da terra conserva a vida, mas não nos faz ressuscitar. Jesus quer que participemos da sua ressurreição, porque é essa a vontade do próprio Pai: «Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.» (v. 40). Jesus abre-nos um caminho através da morte até à ressurreição.
    Ao dar-nos o seu Corpo na Eucaristia, Jesus comunica-nos a sua vida de ressuscitado e alimenta-a em nós. A Eucaristia é penhor de ressurreição. Jesus abriu-nos o caminho da vida eterna porque se entregou à morte por nosso amor. Na oferta de Si mesmo, venceu a morte. Na Eucaristia, Jesus renova o dom de Si mesmo: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós... Este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós» (Lc 22, 19-20). Receber a Eucaristia é receber Aquele que se ofereceu por nós até à morte e, portanto, receber a força para percorrer o mesmo caminho.
    A Eucaristia é dom total de Cristo, o centro da nossa vida pessoal e
    comunitária, a nossa opção fundamental de vida, enquanto "nos consagra a Deus", unindo-nos, pelo nosso baptismo e pela nossa profissão religiosa, ao Seu sacerdócio e ao Seu estado de v&iac
    ute;tima (cf. Cst. 80-81): "Consagro-Me por eles, para que também eles sejam consagrados na verdade" (Jo 17, 19); "Consagra-os na Verdade" (Jo 17,
    17). Por isso, a Eucaristia marca toda a nossa vida e toda a nossa acção: "A Eucaristia
    reflecte-se em tudo o que somos e vivemos" (Cst. 81). Marca também a nossa missão ao serviço dos irmãos, especialmente dos mais pobres: "lança-nos, incessantemente, pelos caminhos do mundo ao serviço do Evangelho" (Cst. 82). E, quando surgem as dificuldades, as perseguições, é o Pão que nos dá força. Lembremos os efeitos da Eucaristia nos desanimados discípulos de Emaús.

    Oratio

    Glória a Ti, Senhor Jesus Cristo, que lançaste a cruz como ponte sobre a morte para que através dela passássemos da morte à vida. Glória a Ti, Senhor Jesus Cristo, que assumiste um corpo de homem mortal para o transformares em manancial de vida em favor de todos os mortais. Enche-nos do teu Espírito para que, tornando-nos grão de trigo lançado à terra, participemos na tua ressurreição e colaboremos no ressurgir Contigo da multidão dos homens. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor quis mostrar-nos ele mesmo no maná uma figura da Eucaristia. Fê-lo longa e claramente. É que o maná era bem uma figura providencial do pão eucarístico. Todo o capítulo VI de S. João no-lo explica.
    Foi em Cafarnaúm, no grande dia de Páscoa, no dia seguinte à multiplicação dos pães. «Em verdade, diz Nosso Senhor, vós procurais-me, porque fostes saciados, procurai antes um alimento que vive para sempre. - Os nossos pais comeram o maná caído do céu no deserto, disseram, e no entanto morreram! - Em verdade, diz Nosso Senhor, o maná não era senão uma figura; o verdadeiro pão do céu, o meu Pai vo-lo dá agora.
    Sou eu que sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome nem sede; posso saciar a fome de uma alma ávida de felicidade». - Depois Nosso Senhor explica-lhes que alimenta as nossas almas pela fé e pela graça e que nos alimentará pela Eucaristia.
    «Eu sou o pão da vida, diz-lhes, e este pão é a minha carne que será entregue por vós. Sim, devereis comer a minha carne e beber o meu sangue para terdes a vida eterna. A minha carne será um elemento de ressurreição. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue, permanecerei com ele e ele em mim».
    Eis, portanto, Senhor, porque destes o maná ao vosso povo no deserto. Este pão branco, que tinha todos os mais doces sabores e que alimentava todo o vosso povo, era uma esplêndida figura da Eucaristia.
    A Igreja nos repete todos os dias: «destes-nos um pão do céu, que tem para nós todos os encantos».
    O pão misterioso que fortifica o profeta Elias, era também uma bela figura da
    Eucaristia.
    Elias fugia da cólera de Jezabel. Esgotado de fadiga no deserto, invocava a morte. Adormeceu. Um anjo trouxe-lhe um pão miraculoso e acordou-o. Elias comeu e encontrou-se tão forte para caminhar durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte Horeb, onde Deus se manifestou a ele.
    O pão eucarístico será também para nós uma força sem limites (Leão Dehon,
    OSP 4, p. 226s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu sou o pão da vida» (Jo 6, 35).

  • 3ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    3ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    18 de Abril, 2024

    3ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 8, 26-40

    Naqueles dias, 26O Anjo do Senhor falou a Filipe e disse-lhe: «Põe-te a caminho e dirige-te para o Sul, pela estrada que desce de Jerusalém para Gaza, a qual se encontra deserta.» 27Ele pôs-se a caminho e foi para lá. Ora, um etíope, eunuco e alto funcionário da rainha Candace, da Etiópia, e superintendente de todos os seus tesouros, que tinha ido em peregrinação a Jerusalém, 28regressava, na mesma altura, sentado no seu carro, a ler o profeta Isaías. 29O Espírito disse a Filipe: «Vai e acompanha aquele carro.» 30Filipe, acorrendo, ouviu o etíope a ler o profeta Isaías e perguntou-lhe: «Compreendes, verdadeiramente, o que estás a ler?»
    31Respondeu ele: «E como poderei compreender, sem alguém que me oriente?» E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto dele. 32A passagem da Escritura que ele estava a ler era a seguinte: Como ovelha levada ao matadouro, e como cordeiro sem voz diante daquele que o tosquia, assim Ele não abre a sua boca. 33Na humilhação se consumou o seu julgamento, e quem poderá contar a sua geração? Da face da terra foi tirada a sua vida!
    34Dirigindo-se a Filipe, o eunuco disse-lhe: «Peço-te que me digas: De quem fala o profeta? De si mesmo ou de outra pessoa?» 35Então, Filipe tomou a palavra e, partindo desta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Boa-Nova de Jesus. 36Pelo caminho fora, encontraram uma nascente de água, e o eunuco disse: «Está ali água! Que me impede de ser baptizado?» 37Filipe respondeu: «Se acreditas com todo o coração, isso é possível.» O eunuco respondeu: «Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus.» 38E mandou parar o carro. Ambos desceram à água, Filipe e o eunuco, e Filipe baptizou-o. 39Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou Filipe e o eunuco não o viu mais, seguindo o seu caminho cheio de alegria. 40Filipe encontrou-se em Azoto e, partindo dali, foi anunciando a Boa-Nova a todas as cidades, até que chegou a Cesareia.

    Depois da Samaria, cujos habitantes eram meio judeus e meio pagãos, o Evangelho penetra em terreno vedado. O etíope personifica esta dupla conquista da Igreja nascente. Dupla porque se trata de um eunuco que, como tal, estava excluído da assembleia de Israel (Dt 23,1); além disso, era provavelmente pagão, um dos tantos que, simpatizando com o judaísmo, aceitavam a maior parte dos seus princípios religiosos, sem todavia ser admitidos na comunidade judaica. Se era realmente pagão, então terá sido o primeiro a converter-se ao cristianismo, embora Lucas não o afirme. Trata-se, sem dúvida, de uma pessoa rica e influente, alguém que pode fazer uma longa viagem, devidamente equipado, e possuir um rolo manuscrito da Bíblia. Deus envia-lhe Filipe, guiado pelo Espírito. O diácono aproveita o facto do etíope estar a ler Isaías para meter conversa com ele. E surge a grande pergunta: «De quem fala o profeta? De si mesmo ou de outra pessoa?». Filipe fala- lhe, então, de Jesus. O eunuco acredita e recebe o baptismo. A mediação eclesial e a graça de Deus dissiparam-lhe as dúvidas.

    Evangelho: João 6, 44-51

    Naquele tempo, disse Jesus às multidões: 44Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair; e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia. 45Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus. Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim. 46Não é que alguém tenha visto o Pai, a não ser aquele que tem a sua origem em Deus: esse é que viu o Pai. 47Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê tem a vida eterna. 48Eu sou o pão da vida. 49Os vossos pais comeram o maná no deserto, mas morreram. 50Este é o pão que desce do Céu; se alguém comer dele, não morrerá. 51Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo.»

    «Eu sou o pão da vida que desceu do céu». Estas palavras soam como absurdas. A multidão protesta e torna-se hostil. É difícil ultrapassar o obstáculo da origem humana de Jesus e reconhecê-l´O como Deus. Então Jesus, evitando a discussão com os judeus, procura ajudá-los a reflectir sobre a dureza do seu coração, enunciando as condições necessárias para acreditar n´Ele: ser atraído pelo Pai (v. 44), docilidade a Deus (v. 45ª.), escutar o Pai (v. 45b.). Estamos diante do ensinamento interior do Pai e do ensinamento da vida de Jesus, que desemboca na fé obediente do crente à palavra do Pai e do Filho. Escutar Jesus é ser ensinado pelo próprio Pai. Com a vinda de Jesus, a salvação está aberta a todos, desde que se deixem docilmente atrair pelo Pai. Há uma ligação entre a fé em Jesus e a vida eterna: só quem vive em comunhão com Jesus alcança a vida eterna; só quem «come» Jesus-pão não morrerá. Jesus, pão de vida, dá a imortalidade a quem se alimenta d´Ele, a quem, na fé, interioriza a sua palavra e assimila a vida. Esta secção já inclui o tema da eucaristia que será tratado na secção seguinte.

    Meditatio

    A evangelização é, antes de mais, plano e acção de Deus. É o que nos mostra o texto da primeira leitura. Filipe recebe ordem para se pôr a caminho, em direcção ao Sul. Não parece ser uma boa decisão em ordem à evangelização. Mas é no caminho para o Sul que irá encontrar um etíope predisposto a acolher a Boa Nova. Segundo a tradição, é nesse encontro que começa a evangelização da África.
    Impressiona-nos a disponibilidade, o entusiasmo missionário, a capacidade de interpretar a Sagrada Escritura de Filipe. É, na verdade, um evangelizador convicto e preparado. O Espírito faz o «resto» ...
    O texto evangélico é denso de ensinamentos profundos. Jesus começa por afirmar: «Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair» (v. 44). O Pai actua num duplo movimento, envia Jesus e atrai os homens para Jesus. Jesus mostra que o mais importante é a nossa relação com o Pai. Sem ela, até a nossa relação com Jesus seria superficial. Por isso, o próprio Senhor acende em nós o desejo de sermos dóceis para com Deus, de nos deixarmos instruir por Ele: «Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus» (v. 45). Não é fácil entendermos estas palavras de Jesus. Por vezes, somos tentados a pensar que, ser dóceis a Deus, nos retira a liberdade, nos faz menos felizes. Mas a docilidade a Deus é condição para irmos a Jesus, nossa aleg
    ria, nossa felicidade: «Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim» (v. 45).
    O Pai, actuando, forma em nós sentimentos, que são os de Cristo. Por isso é
    que o encontro com Cristo se torna possível. O Pai ensina-nos a viver no abandono, na abnegação por amor e, assim, podemos compreender a paixão e a ressurreição de Jesus. Vemos na morte de Jesus uma grande obra de amor, cujo resultado, a

    ressurreição, é obra divina. Pela nossa docilidade à acção do Pai em nós, somos atraídos para Jesus e tornamo-nos semelhantes a Ele.
    Deus, ao atrair-nos para Jesus, quer tornar-nos participantes de todos os tesouros do seu Coração: da sua bondade, da sua misericórdia, da sua alegria, do seu amor. Sejamos dóceis a Deus Pai, e ajudemo-nos uns aos outros nessa docilidade.

    Oratio

    Senhor, infunde em mim o dom da docilidade, o anelo de viver em união Contigo, sem procurar satisfações superficiais fora de Ti. Acende em mim um grande desejo de Cristo, para que o meu conhecimento de Ti, isto é, a minha relação de amor Contigo, encha a minha alma como as águas enchem o mar.
    Que todos os meus irmãos, homens e mulheres, particularmente os jovens, se
    possam abrir a essa mesma relação Contigo, a esse conhecimento de Ti, preparando uma nova messe para o teu Reino. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor volta com insistência à sua origem divina e à sua qualidade de pão vivo e que vivifica almas: «Os vossos pais, diz, comeram o maná no deserto, e morreram, mas eis o pão que desce do céu e se alguém dele comer, viverá eternamente».
    O maná era um elemento efémero que não dava a vida espiritual nem preparava para a vida eterna.
    Jesus vai agora falar claramente: «O pão que eu vou dar, diz, é a minha carne que entregarei pela vida do mundo». Trata-se de um pão que Jesus dará mais tarde. A união com ele pela fé não é senão a preparação para a manducação deste pão vivificante.
    Os judeus estão escandalizados, mas é preciso que Jesus diga tudo e que prepare os seus discípulos para a instituição da santa Eucaristia: «Em verdade, acrescenta, eu vos declaro: Se não comerdes a carne do Filho do homem e se não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e quem bebe o meu sangue, terá a vida eterna e eu ressuscitá-lo-ei no último dia. A minha carne é verdadeiramente um alimento e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida. - Quem come a minha carne e quem bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. E como eu vivo da vida de meu Pai que me enviou, do mesmo modo quem me come viverá de mim» (Leão Dehon, OSP 4, p. 230s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se alguém comer deste pão, viverá eternamente» (Jo 6, 51).

  • 3ª Semana –Sexta-feira - Páscoa

    3ª Semana –Sexta-feira - Páscoa

    19 de Abril, 2024

    3ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 9, 1-20

    Naqueles dias, 1Saulo, respirando sempre ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, foi ter com o Sumo Sacerdote 2e pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, se encontrasse homens e mulheres que fossem desta Via, os trouxesse algemados para Jerusalém. 3Estava a caminho e já próximo de Damasco, quando se viu subitamente envolvido por uma intensa luz vinda do Céu.
    4Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: «Saulo, Saulo, porque me
    persegues?» 5Ele perguntou: «Quem és Tu, Senhor?» Respondeu: «Eu sou Jesus, a quem tu persegues. 6Ergue-te, entra na cidade e dir-te-ão o que tens a fazer.» 7Os seus companheiros de viagem tinham-se detido, emudecidos, ouvindo a voz, mas sem verem ninguém. 8Saulo ergueu-se do chão, mas, embora tivesse os olhos abertos, não via nada. Foi necessário levá-lo pela mão e, assim, entrou em Damasco, 9onde passou três dias sem ver, sem comer nem beber. 10Havia em Damasco um discípulo chamado Ananias. O Senhor disse-lhe numa visão: «Ananias!» Respondeu: «Aqui estou, Senhor.» 11O Senhor prosseguiu: «Levanta-te, vai à casa de Judas, na rua Direita, e pergunta por um homem chamado Saulo de Tarso, que está a orar neste momento.» 12Saulo, entretanto, viu numa visão um homem, de nome Ananias, entrar e impor-lhe as mãos para recobrar a vista. 13Ananias respondeu: «Senhor, tenho ouvido muita gente falar desse homem e a contar todo o mal que ele tem feito aos teus santos, em Jerusalém. 14E agora está aqui com plenos poderes dos sumos sacerdotes, para prender todos quantos invocam o teu nome.» 15Mas o Senhor disse-lhe: «Vai, pois esse homem é instrumento da minha escolha, para levar o meu nome perante os pagãos, os reis e os filhos de Israel. 16Eu mesmo lhe hei-de mostrar quanto ele tem de sofrer pelo meu nome.» 17Então, Ananias partiu, entrou na dita casa, impôs as mãos sobre ele e disse: «Saulo, meu irmão, foi o Senhor que me enviou, esse Jesus que te apareceu no caminho em que vinhas, para recobrares a vista e ficares cheio do Espírito Santo.» 18Nesse instante, caíram-lhe dos olhos uma espécie de escamas e recuperou a vista. Depois, levantou-se e recebeu o baptismo.
    19Depois de se ter alimentado, voltaram-lhe as forças e passou alguns dias com os discípulos, em Damasco. 20Começou, então, imediatamente, a proclamar nas sinagogas que Jesus era o Filho de Deus.

    Lucas narra três vezes a conversão de Paulo (9, 1-22; 22, 3-16; 26, 9-18). Esta tripla narrativa significa a importância extraordinária do acontecimento. A missão de Paulo entre os gentios era um problema. Porque é que os missionários cristãos não continuaram a evangelizar os judeus? Lucas sabe que essa mudança radical correspondia à vontade de Cristo. Paulo não queria ser cristão e, muito menos, queria ser missionário. Mas teve que sê-lo!
    O nosso texto apresenta-nos Saulo a caminho de Damasco, decidido a
    exterminar aquilo que julgava ser uma seita. Mas é envolto em luz e ouve uma voz que o interroga... Trata-se de uma típica narrativa de vocação. Saulo ouve a voz d´Aquele que persegue. Cai do cavalo, fica cego e jejua três dias. Assim morre para a sua cegueira interior e ressuscita para uma nova compreensão da realidade.
    O «mistério» de Saulo, e o alcance da sua missão, são entretanto revelados a
    um tímido discípulo, chamado Ananias. Saulo é chamado a levar o nome de Jesus aos

    pagãos e ao seu rei, tal como aos filhos de Israel. Não se podia dizer melhor o conteúdo da missão e da «paixão» de Saulo. De facto, poucos dias depois, Saulo começa a sua surpreendente missão, proclamando «Filho de Deus» aquele Jesus cujo nome pouco antes escarnecia, perseguindo os seus discípulos.

    Evangelho: João 6, 52-59

    Naquele tempo, 52os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» 53Disse-lhes Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. 54Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia, 55porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. 56Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. 57Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. 58Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os antepassados comeram, pois eles morreram; quem come mesmo deste pão viverá eternamente.» 59Isto foi o que Ele disse em Cafarnaúm, ao ensinar na sinagoga.

    Nesta secção, a mensagem é aprofundada e torna-se mais sacrificial e eucarística. Jesus é o pão da vida, não só pelo que faz, mas especialmente por causa da eucaristia. Jesus-pão é identificado com a sua humanidade, aquela humanidade que será sacrificada na cruz para salvação dos homens. Jesus é pão, seja como palavra de Deus, seja como vítima sacrificial, que se faz dom por amor ao homem. A murmuração dos judeus denuncia a mentalidade incrédula de quem não se deixa regenerar pelo Espírito e não tenciona aderir a Cristo. Mas Jesus insiste: «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (v. 53). Mais ainda: anuncia frutos extraordinários para aqueles que participam no banquete eucarístico: não se perderá (v. 39), será ressuscitado no último dia (v. 54) e viverá eternamente (v. 58).
    Todos estes ensinamentos de Jesus, em Cafarnaúm, mais do que tratar do
    sacramento, referem-se à revelação gradual do mistério da pessoa e da vida de
    Jesus.

    Meditatio

    A missão é de Deus e está nas suas mãos. Por isso, sabe procurar colaboradores onde bem entende. Por vezes, escolhe pessoas que já gastaram muitas energias em actividades que nada tinham a ver com o Evangelho, ou até eram contra ele. A primeira leitura apresenta-nos o caso de Saulo. Mas a história da Igreja apresenta-nos tantos outros, como Agostinho, Francisco de Assis, Inácio de Loiola... Há que não se deixar perturbar pela «falta» de vocações, ou pela qualidade
    «aparente» daquelas que nos chegam. Façamos o que está ao nosso alcance e confiemos em Deus, que pode, e certamente quer, continuar a surpreender-nos. Rezemos ao Senhor da messe, para que mande trabalhadores para a sua messe, e demos testemunho, quais modestos Ananias, para ajudarmos os novos apóstolos que o poder de Deus quiser suscitar.
    As palavras de Jesus são duras:
    «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (v. 53). «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» - perguntam os seus ouvintes. Mas Jesus não atenua as suas afirmações. Poderia dizer que não se trata exactamente de comer a

    sua carne, mas de aderir, na fé, à sua pessoa. Mas o Senhor insistiu no realismo: «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue...». Jesus não nos liga a Ele apenas pela fé. Liga-nos pelo seu corpo e pelo seu sangue, com toda a estrutura que forma o seu corpo, que é a Igreja. Ele não está simplesmente presente em nós, no nosso íntimo. Também está fora, nos outros, na Igreja. A comunhão com os irmãos é um modo de nos unirmos também a Ele. A fé tem uma expressão externa.
    A Eucaristia é presença, no meio de nós, do corpo e do sangue de Jesus, que deve encher toda a nossa vida, dando-nos uma nova forma de existência: «Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele» (v. 56).
    A Eucaristia é o máximo sacramento da união com Cristo e entre nós, edifica-
    nos na caridade como indivíduos e como comunidade: "Testamento do amor de Cristo que se entrega para que a Igreja se realize na unidade e assim anuncie a esperança ao mundo, a Eucaristia reflecte-se em tudo o que somos e vivemos" (Cst. 81). Cada celebração eucarística deve levar a um aumento de caridade fraterna no único amor do Coração de Jesus: "O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão" ( 1 Cor 10, 16-17). Se a Igreja faz a Eucaristia, é também verdade que a Eucaristia faz a Igreja.

    Oratio

    Senhor, quando rezo pelas vocações, nem sempre estou certo de que me escutas, porque tenho rezado tanto e vejo tão poucos frutos. Rezo porque mandaste que eu rezasse. Hoje, porém, sinto-me animado pela tua acção em Saulo e, pensando nas dificuldades actuais, atrevo-me a dizer-te confiadamente: renova no meio de nós os teus prodígios. Mostra, mais uma vez o teu poder, suscitando evangelizadores ardorosos com a qualidade de Saulo, de Agostinho, de Xavier e de tantos outros que bem conheces e me enchem de espanto. Não me deixes desiludido. Mostra o teu poder, para bem do teu povo. Dá à tua Igreja os sacerdotes, os religiosos, os missionários que precisa, para que o teu nome chegue aos confins da terra. Amen.

    Contemplatio

    A sagrada comunhão é necessária para alimentar em nós a vida espiritual. Deus quis pôr alguma proporção entre a vida natural e a vida sobrenatural. Esta tem, como a primeira, o seu nascimento, os seus alimentos e o seu crescimento. Se não comêssemos, não poderíamos conservar a vida em nós. Não a perderíamos imediatamente, mas não iríamos muito longe. É o alimento que sustenta a nossa vida; é o alimento que nos faz crescer até à virilidade perfeita. É ela que é o antídoto quotidiano da morte reparando o desperdício constante das forças vitais, que depende da acção deprimente do trabalho, da fadiga, do sofrimento.
    Acontece o mesmo com a vida espiritual: Nosso Senhor mesmo no-lo disse: «Se
    não comerdes a carne do filho do homem e se não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (Jo 6). Recebemos a vida pelo baptismo e pela graça, mas não podemos conservá-la muito tempo nem fazê-la crescer senão pelo pão da vida, a santíssima eucaristia. Este pão celeste alimenta a vida da nossa alma, repara-lhe as perdas quotidianas, fá-la crescer em Cristo até à plenitude da idade perfeita, isto é, até ao dia da bem-aventurada eternidade» (Ef 4) (Leão Dehon, OSP 4, p. 243s.)

    Actio

    54).

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Qj.Jem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna» (Jo 6,

  • 3ª Semana - Sábado - Páscoa

    3ª Semana - Sábado - Páscoa

    20 de Abril, 2024

    3ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 9, 31-42

    Naqueles dias, 31a Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, crescia como um edifício e caminhava no temor do Senhor e, com a assistência do Espírito Santo, ia aumentando. 32Pedro, que andava por toda a parte, desceu também até junto dos santos que habitavam em Lida. 33Encontrou lá, estendido num catre, havia oito anos, um homem chamado Eneias, que era paralítico. 34Pedro disse-lhe: «Eneias, Jesus Cristo vai curar-te! Levanta-te e arranja a enxerga.» E ele ergueu-se imediatamente. 35Todos os habitantes de Lida e da planície de Saron viram isso e converteram-se ao Senhor.
    36Havia em Jope, entre os discípulos, uma mulher chamada Tabitá, que significa «Gazela.» Era rica em boas obras e nas esmolas que distribuía. 37Ora, nesses dias, caiu doente e morreu. Depois de a terem lavado, depositaram-na na sala de cima. 38Como Lida era perto de Jope e ouvindo os discípulos dizer que Pedro estava lá, mandaram-lhe dois homens com o seguinte pedido: «Vem depressa ter connosco!» 39Pedro partiu imediatamente com eles. Logo que chegou, levaram-no à sala de cima e encontrou lá todas as viúvas, que choravam e lhe mostravam as túnicas e mantos feitos por Dórcada, enquanto ela estava na sua companhia.
    40Pedro mandou sair toda a gente, pôs-se de joelhos e orou. Voltando-se depois para o corpo, disse: «Tabitá, levanta-te!» Ela abriu os olhos e, ao ver Pedro, sentou-se.
    41Tomando-a pela mão, Pedro ajudou-a a erguer-se. Chamando então os santos e as viúvas, apresentou-lha viva. 42Toda a cidade de Jope soube deste acontecimento e muitos acreditaram no Senhor.

    Lucas abre esta secção dos Actos com um sumário sobre a situação interna da Igreja e sobre o seu crescimento. A comunidade está em paz, caminha no temor do Senhor, e cresce com a assistência do Espírito Santo. Pedro anda em viagens apostólicas, pregando a Palavra, curando enfermos e exercendo a sua missão de pastor. Paulo foi acompanhado a Tarso porque provavelmente a sua presença - discutida - causava problemas devido ao seu temperamento combativo, semelhante ao de Estêvão.
    Pedro, por sua vez, exerce a sua missão pastoral apoiando, ajudando, encorajando os discípulos, nas várias comunidades já evangelizadas. A sua passagem tem efeitos semelhantes aos da passagem de Jesus: sucedem os milagres.
    De vários modos, Lucas mostra, como Jesus está vivo e actua na Igreja apostólica.

    Evangelho: João 6, 60-69

    Naquele tempo, 60muitos discípulos, depois de ouvirem Jesus, disseram: «Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?» 61Mas Jesus, sabendo no seu íntimo que os seus discípulos murmuravam a respeito disto, disse-lhes: «Isto escandaliza-vos?
    62E se virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes? 63É o Espírito quem dá a vida; a carne não serve de nada: as palavras que vos disse são espírito e são vida.

    64Mas há alguns de vós que não crêem.» De facto, Jesus sabia, desde o princípio, quem eram os que não criam e também quem era aquele que o havia de entregar. 65E dizia:
    «Por isso é que Eu vos declarei que ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai.» 66A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele. 67Então, Jesus disse aos Doze: «Também vós quereis ir embora?» 68Respondeu-lhe Simão Pedro: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! 69Por isso nós cremos e sabemos que Tu é que és o Santo de Deus.»

    Os discípulos mostram-se incomodados com as afirmações do seu Mestre, humanamente difíceis de aceitar. Mas Jesus esclarece que não se deve acreditar n´Ele só depois da visão de uma subida sua ao céu, à maneira de Elias e de Enoch. Isso significaria não aceitar a sua origem divina, o que não tem sentido porque Ele vem mesmo do Céu (cf. Jo 3, 13-15).
    Mas a incredulidade dos discípulos em relação a Jesus é evidenciada pelo facto de que «é o Espírito quem dá a vida; a carne não serve de nada: as palavras que vos disse são espírito e são vida» (v. 63). Como é real a carne de Jesus, também é real a verdade eucarística. São dois dons, para darem a vida ao homem. Mas muitos discípulos não quiseram confiar-se ao Espírito e dar mais um passo em frente. Jesus não fica surpreendido, pois conhece o homem e as suas decisões mais íntimas. Acreditar n´Ele e na sua Palavra é um dom que ninguém pode oferecer a si mesmo. Só o Pai o pode dar. Só quem nasceu e foi vivificado pelo Espírito, e não actua segundo a carne, compreende a revelação de Jesus e é introduzido na vida de Deus.

    Meditatio

    A perícopa dos Actos que hoje escutamos oferece-nos mais um belo quadro da Igreja primitiva. Ela enfrenta dificuldades e problemas como a doença prolongada ou a morte de alguns dos seus membros. Mas vive no santo temor de Deus, confortada pela assistência do Espírito Santo. Os discípulos vivem sob o olhar de Deus, cumprindo a sua vontade. Interessam-se pelos pobres e cuidam dos enfermos. Na docilidade ao Espírito, a Igreja expande-se e cresce interiormente. A vida dos crentes, alegres no sofrimento, serviçais uns para com os outros, é um excelente testemunho missionário. Por isso, a Palavra e os milagres encontram terreno preparado e produzem frutos abundantes. A presença dos Apóstolos, e particularmente a de Pedro, ajudam à fidelidade e ao dinamismo missionário.
    Pedro lembra certamente as palavras que um dia pronunciou em nome da comunidade: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! Por isso nós cremos e sabemos que Tu é que és o Santo de Deus» (Jo 6, 68-69). Para nós é reconfortante escutá-las. Esta fé é o fundamento da vida cristã, da vida religiosa, do apostolado. Pela fé, Pedro continua a vida de Jesus e o seu ministério, os seus gestos e até os seus milagres. Mas a paixão de Jesus também continua em Pedro, que é preso e atormentado, acabando por morrer mártir.
    A fé realiza uma união profunda com o Senhor, que continua em nós a sua vida e a sua acção, como verificamos em Pedro. O Apóstolo está consciente disso. Sente-se simples instrumento de Jesus. Por isso, diz a Eneias: «Eneias, Jesus Cristo vai curar-te!» (Act 9, 34).
    A nossa reparação há-de também dirigir-se a Cristo-Eucaristia. A incompreensão, a murmuração, a incredulidade, o escândalo, o abandono de Cristo, depois do discurso de Cafarnaúm (cf. Jo 6, 52-56) continuam a ecoar hoje. Quantas blasfémias, profanações, sacrilégios! A amargura de Jesus é aliviada pela fé de Pedro: "Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavras de vida eterna...!" (Jo 6, 68). Se, com uma fé semelhante à de Pedro, formos pessoas dóceis e simples em acolher com gratidão o dom de Cristo, as nossas adorações eucarísticas tornar-se-ão testemunho, oração, reparação por tantos nossos irmãos esquecidos ou incrédulos.

    Oratio

    Senhor, devo confessar-te que, às vezes também eu gostava de ver milagres e – perdoa-me! - até fazer algum, para que não julguem que ando a pregar fantasias. Mas Tu, mesmo enviando-me alguns sinais do céu, preferes o milagre de uma vida serena, empenhada, de uma vida que confia em Ti, que deixa nas tuas mãos as grandes opções, que se preocupa mais em agradar a Ti que aos homens e às mulheres, que testemunha a alegria de os poder servir, e de se sentir amado por Ti.
    Perdoa a minha fraqueza e reforça em mim a convicção de que o que realmente queres é a transformação da minha vida, a passagem do temor ao amor, do apego ao desapego, da angústia à confiança.
    Dá-me o teu Espírito Santo, para que este programa tão exigente se torne realizável e me encha de paz. Amen.

    Contemplatio

    O milagre de Caná, e sobretudo a multiplicação dos pães, eram prelúdios e símbolos da Eucaristia. Os judeus só tinham visto benefícios temporais do Salvador. Na ocasião da multiplicação dos pães, Nosso Senhor deu aos apóstolos uma longa instrução sobre a Eucaristia.
    O povo regressava ao lugar onde Nosso Senhor tinha multiplicado o pão, e não o encontrando, foram para Cafarnaúm onde ele estava. Nosso Senhor quer educar os seus espíritos, e fala da Eucaristia: «Procurais-me, diz, porque fostes saciados; desejai antes o alimento da vida eterna, que o Filho do homem vos dará... os vossos pais comeram o maná, que chamavam o pão do céu. Mas o verdadeiro pão do céu não era esse, é aquele que o meu Pai vos dá. Sou eu, que sou o pão da vida... O pão que eu vos hei-de dar, é a minha carne imolada pela vida do mundo. Quem comer deste pão, viverá eternamente».
    Muitos discípulos encontraram esta linguagem estranha e foram-se embora. Mesmo os apóstolos não compreenderam e não retiveram este discurso. Mas S. João teve uma graça especial para o reter e reporta-o com uma veracidade tocante e uma grande unção no sexto capítulo do seu Evangelho. Nosso Senhor tinha querido prepará-lo muito particularmente para o dom da Eucaristia (Leão Dehon, OSP 3, p.
    409).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68).

  • 04º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    04º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    21 de Abril, 2024

    ANO B

    4.º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 4.º Domingo da Páscoa

    O quarto Domingo da Páscoa é considerado o “Domingo do Bom Pastor”, pois todos os anos, neste domingo, somos convidados a escutar um trecho do capítulo 10 do Evangelho segundo João, no qual Jesus é apresentado como “Bom Pastor”. É, portanto, este o tema central que a Palavra de Deus põe, hoje, à nossa reflexão.

    No Evangelho é o próprio Jesus que se apresenta como “o Bom Pastor”. Ele ama as suas ovelhas, cuida delas em cada passo do caminho, dá a vida por elas, se for necessário. As ovelhas de Jesus sabem que podem confiar n’Ele, incondicionalmente. Com esta bela imagem, somos convidados a seguir Jesus e a fazer d’Ele a referência fundamental à volta da qual construímos a nossa vida.

    A primeira leitura traz-nos um testemunho de Pedro, proclamado em Jerusalém diante das autoridades judaicas: Jesus é o único Salvador, já que “não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos”. É a forma, muito particular, que Pedro encontrou para dizer que Jesus é o único pastor que nos conduz em direção à Vida verdadeira.

    Na segunda leitura, o autor da primeira Carta de João convida-nos a contemplar o amor de Deus pelo homem. É porque nos ama com um “amor admirável” que Deus está apostado em levar-nos a superar a nossa condição de debilidade e de fragilidade. Por isso, Deus enviou-nos Jesus, o Bom Pastor.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 4,8-12

    Naqueles dias,
    Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes:
    «Chefes do povo e anciãos,
    já que hoje somos interrogados
    sobre um benefício feito a um enfermo
    e o modo como ele foi curado,
    ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel:
    É em nome de Jesus Cristo, o Nazareno,
    que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos,
    é por Ele que este homem
    se encontra perfeitamente curado na vossa presença.
    Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes
    e que veio a tornar-se pedra angular.
    E em nenhum outro há salvação,
    pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens,
    pelo qual possamos ser salvos».

     

    CONTEXTO

    O testemunho sobre Jesus e sobre a libertação que Ele veio oferecer aos homens, manifestado nos gestos (cura de um paralítico junto da Porta Formosa, à entrada do Templo de Jerusalém – cf. At 3,1-11) e nas palavras de Pedro (discurso à multidão, no Pórtico de Salomão – cf. At 3,12-26), provoca a imediata reação das autoridades judaicas e a consequente prisão de Pedro e de João. É a reação lógica dos líderes judaicos, ainda convencidos de que podiam silenciar a proposta libertadora de Jesus.

    No dia seguinte, Pedro e João são conduzidos diante do Sinédrio – a autoridade que superintendia à organização da vida religiosa, jurídica e económica dos judeus. Presidido pelo sumo-sacerdote em funções, o Sinédrio era constituído por 70 membros, oriundos das principais famílias do país. Na época de Jesus, o Sinédrio era, ao que parece, dominado pelo grupo dos saduceus, os quais negavam a ressurreição. No Sinédrio havia, também, um grupo significativo de fariseus, os quais aceitavam a ressurreição… No entanto, os dois grupos vão pôr de lado as suas divergências particulares para fazerem causa comum contra os discípulos de Jesus. Referem-se, neste contexto, duas figuras sacerdotais: Caifás e Anás. Josefo ben Caifás era o sumo-sacerdote em exercício à data dos factos narrados neste episódio (exerceu o sumo-sacerdócio entre os anos 18 e 36); Anás ben Sete tinha exercido o sumo-sacerdócio algum tempo antes (anos 6 a 15), era sogro de Caifás, e continuava a ser uma figura muito influente nos círculos sacerdotais de Jerusalém. Um e outro tinham estado na primeira linha no processo de condenação de Jesus à morte (cf. Mt 26,57; Jo 18,12-14.19-24).

    A pergunta posta aos apóstolos pelos membros do Sinédrio é: “com que poder ou em nome de quem fizestes isto?” (At 4,7). O texto que a nossa primeira leitura nos apresenta é a resposta de Pedro à questão que lhe foi posta.

    É mais do que provável que o episódio assente, em geral, em bases históricas… O testemunho sobre esse Messias crucificado pouco antes pelas autoridades constituídas devia aparecer como uma provocação e provocar uma natural reação dos líderes judaicos. No entanto, o episódio, tal como nos é apresentado, sofreu retoques de Lucas, empenhado em demonstrar que a reação negativa do “mundo” não pode nem deve calar o testemunho dos discípulos de Jesus.

     

    MENSAGEM

    O texto que a liturgia nos propõe como primeira leitura neste quarto domingo da Páscoa é, sobretudo, uma catequese destinada aos crentes, mostrando-lhes como se deve concretizar o testemunho dos discípulos sobre Jesus.

    A primeira indicação que Lucas entende dar-nos é que Pedro estava “cheio do Espírito Santo” (vers. 8). Os discípulos de Jesus não estão sozinhos, abandonados à sua sorte, quando vão ao encontro do mundo para anunciar a salvação. É o Espírito que os conduz na sua missão, que os orienta no seu testemunho, que lhes dá a coragem necessária para enfrentarem a hostilidade do mundo. Cumpre-se, assim, a promessa que Jesus havia feito aos discípulos: “quando vos levarem às sinagogas, aos magistrados e às autoridades, não vos preocupeis com o que haveis de dizer em vossa defesa, pois o Espírito Santo vos ensinará, no momento próprio, o que haveis de dizer” (Lc 12,11-12).

    “Cheio do Espírito Santo”, Pedro – aqui no papel de paradigma do discípulo que testemunha Jesus e o seu projeto diante do mundo – transforma-se de réu em acusador… Os dirigentes judaicos, barricados atrás dos seus preconceitos e interesses pessoais, catalogaram a proposta de Jesus como uma proposta contrária aos desígnios de Deus e assassinaram Jesus; mas a ressurreição demonstrou que Jesus veio de Deus e que o projeto que Ele veio propor tem o selo de garantia de Deus. Ao ressuscitar Jesus, Deus desautorizou os líderes religiosos de Israel e deu razão a Jesus. Citando um salmo (cf. Sal 118,22-23), Pedro compara a insensatez dos dirigentes judaicos à cegueira de um construtor que rejeita como imprestável uma pedra que vem depois a ser aproveitada por outro construtor como pedra principal num outro edifício (vers. 11). Jesus é a pedra base desse projeto de Vida nova e plena que Deus tem para o mundo e para os homens. A prova é esse paralítico, que adquiriu a mobilidade pela ação de Jesus (“é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença” – vers. 10). Se os líderes judaicos rejeitaram Jesus, isso quer dizer que estão bem longe da lógica de Deus e dos caminhos de Deus.

    Pedro remata o seu discurso garantindo que Jesus é a fonte única de onde brota a salvação – não só a libertação dos males físicos, mas a salvação entendida como totalidade, como Vida definitiva, como realização plena do homem. Jesus (o nome hebraico “Jesus” significa “Javé salva”) é o único canal através do qual a salvação de Deus atinge os homens (vers. 12). É uma afirmação ousada e contundente, sobretudo se considerarmos que é feita “olhos nos olhos” com aqueles que condenaram Jesus como blasfemo e inimigo de Deus. Haverá também, nesta afirmação, uma sugestão para os que aderiram a Jesus: que eles aceitem ser testemunhas da salvação, levando o nome e a proposta de Jesus a todo o lado.

    Uma nota, ainda, para sublinhar a coragem e o desassombro (Lucas usa a palavra grega “parresia”, que evoca a audácia, a valentia, o entusiasmo que vence o medo e que empurra o apóstolo para o testemunho comprometido – cf. At 4,13) com que Pedro dá testemunho de Jesus, mesmo num ambiente hostil e adverso. Lucas sugere que é desta forma que os discípulos hão de anunciar Jesus e o seu projeto de salvação.

     

    INTERPELAÇÕES

    • De acordo com o testemunho de Pedro, Jesus é o único salvador, já que “não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos”. Nós, discípulos de Jesus, sabemos isso; mas, apesar de tudo, somos frequentemente convidados a correr atrás de líderes humanos que se apresentam como “salvadores” e que acabam por se revelar amargas deceções. Mais ainda: muitas vezes as propostas que esses líderes humanos nos apresentam estão em flagrante contradição com as propostas e os valores de Jesus. Na hora de optar, não esqueçamos que a proposta de Jesus tem o selo de garantia de Deus; não esqueçamos que o caminho proposto por Jesus (e que, tantas vezes, à luz da lógica humana, parece um caminho de fracasso e de derrota) é o caminho que nos conduz ao encontro da Vida plena e definitiva. Onde está a nossa melhor hipótese de encontrar a salvação? Em Jesus, ou nos nossos falíveis líderes humanos? Em quem tenho eu apostado, na minha incessante procura de Vida?
    • Mesmo depois de dois mil anos de cristianismo, parece que a proposta de Jesus ainda não se tornou decisiva na construção da história do nosso tempo. O verniz cristão de que revestimos a nossa civilização ocidental não tem impedido a corrida aos armamentos, os genocídios, os atos bárbaros de terrorismo, as guerras religiosas, a exploração dos mais fracos, o desprezo pelos direitos e pela dignidade dos seres humanos, o abandono dos que não têm voz ou influência, a indiferença face à sorte de tanta gente que não tem a possibilidade de satisfazer as suas necessidades básicas… Os critérios que presidem à construção do mundo estão, demasiadas vezes, longe dos valores do Evangelho. Porque é que isto acontece? Podemos dizer que Cristo é, para os cristãos, a referência fundamental? Nós cristãos fizemos d’Ele, efetivamente, a “pedra angular” sobre a qual construímos a nossa vida e a história do nosso tempo?
    • Através do exemplo de Pedro, Lucas sugere que o testemunho dos discípulos deve ser desassombrado, mesmo em condições hostis e adversas. A preocupação dos discípulos não deve ser apresentar um testemunho politicamente correto, que não incomode os poderes instituídos e não traga perseguições à comunidade do Reino; mas deve ser um discurso corajoso e coerente, que tem como preocupação fundamental apresentar com fidelidade a proposta de salvação que Jesus veio fazer. Como é o nosso testemunho? É um testemunho de “meias tintas”, calculado, que não incomoda nem agita, ou é um discurso corajoso, verdadeiro, profético?
    • Os discípulos de Jesus não estão sozinhos, entregues a si próprios, nessa luta contra as forças que oprimem e escravizam os homens. O Espírito de Jesus ressuscitado está com eles, ajudando-os, animando-os, protegendo-os em cada passo desse caminho que Deus lhes mandou percorrer. Nos momentos de crise, de desânimo, de frustração, os discípulos devem tomar consciência da presença amorosa de Deus a seu lado e retomar a esperança. Sinto a presença do Espírito e sinto-me confortado por essa presença?
    • Os líderes judaicos são, mais uma vez, apresentados como modelos de cegueira e de fechamento face aos desafios de Deus. São “maus pastores”, preocupados com os seus interesses pessoais e corporativos, que impedem que o seu Povo adira às propostas de salvação que Deus faz. O seu exemplo mostra-nos como a autossuficiência, os preconceitos, o comodismo, levam o homem a fechar-se aos desafios de Deus e a recusar os dons de Deus. Independentemente do papel que desempenhamos na sociedade ou na Igreja, alguma vez deixamos que os nossos interesses pessoais ou de grupo tenham sido obstáculo ao projeto de Deus para o mundo e para os homens?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)

    Refrão 1: A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular.

    Refrão 2: Aleluia.

    Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
    porque é eterna a sua misericórdia.
    Mais vale refugiar-se no Senhor,
    do que fiar-se nos homens.
    Mais vale refugiar-se no Senhor,
    do que fiar-se nos poderosos.

    Eu Vos darei graças porque me ouvistes
    e fostes o meu Salvador.
    A pedra que os construtores rejeitaram
    tornou-se pedra angular.
    Tudo isto veio do Senhor:
    é admirável aos nossos olhos.

    Bendito o que vem em nome do Senhor,
    da casa do Senhor nós vos bendizemos.
    Vós sois o meu Deus: eu Vos darei graças.
    Vós sois o meu Deus: eu Vos exaltarei.
    Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
    porque é eterna a sua misericórdia.

     

    LEITURA II – 1 João 3,1-2

    Caríssimos:
    Vede que admirável amor o Pai nos consagrou
    em nos chamarmos filhos de Deus.
    E somo-lo de facto.
    Se o mundo não nos conhece,
    é porque não O conheceu a Ele.
    Caríssimos, agora somos filhos de Deus
    e ainda não se manifestou o que havemos de ser.
    Mas sabemos que, na altura em que se manifestar,
    seremos semelhantes a Deus,
    porque O veremos tal como Ele é.

     

    CONTEXTO

    A primeira Carta de João é, como já dissemos nos domingos anteriores, um escrito polémico, dirigido a comunidades cristãs nascidas no mundo joânico, provavelmente situadas à volta de Éfeso, na parte ocidental da Ásia Menor.

    Numa altura em que as heresias pré-gnósticas começavam a lançar a confusão entre os crentes e ameaçavam subverter a identidade cristã, um “presbítero” (“ancião”) ligado à escola joânica (constituída à volta da figura e da teologia do apóstolo João), decidiu escrever às comunidades cristãs da sua zona, denunciando as doutrinas heréticas e reavivando a fé da Igreja.

    As principais questões postas pelos hereges eram de ordem cristológica e ética. Em termos de doutrina cristológica, negavam que o Filho de Deus tivesse encarnado através de Maria e que tivesse morrido na cruz: Jesus era um simples homem, de quem o Cristo celeste se tinha apropriado, na altura do Batismo, para levar a cabo a revelação; mas, imediatamente antes da paixão, o Cristo celeste tinha-se retirado (porque não podia padecer), deixando o homem Jesus enfrentar sozinho a Paixão e a morte. Do ponto de vista ético e moral, esses hereges não cumpriam os mandamentos e desprezavam especialmente o mandamento do amor ao irmão.

    O texto que nos é proposto como segunda leitura neste terceiro domingo da Páscoa integra a segunda parte da carta (cf. 1 Jo 3,1-24). Aí, o autor lembra aos crentes a sua condição de filhos de Deus e exorta-os a viver no dia a dia de forma coerente com essa filiação.

     

    MENSAGEM

    Em jeito de introdução à segunda parte da carta, o autor recorda aos cristãos que Deus os constituiu seus “filhos”. O que está por detrás dessa iniciativa de Deus? Precisamente o seu imenso amor (vers. 1a). O título de “filhos de Deus” que os crentes ostentam não é um título honorífico, vazio de conteúdo; mas é um título que define a situação daqueles que são amados por Deus com um amor “admirável” e que receberam de Deus Vida nova. Evidentemente, ser “filho de Deus” implica estar em comunhão com Ele e viver de forma coerente com as suas propostas. Os “filhos de Deus” realizam as obras de Deus (um pouco mais à frente, num desenvolvimento que não aparece na leitura que a liturgia de hoje propõe, o autor da carta contrapõe aos “filhos de Deus” os “filhos do diabo” – que são aqueles que rejeitam a vida nova de Deus, não praticam “a justiça, nem amam o seu irmão” – cf. 1 Jo 3,7-10).

    A condição de “filhos de Deus”, que fazem as obras de Deus, coloca os crentes numa posição singular diante do “mundo”. Como “filhos de Deus”, que vivem de forma coerente com as propostas de Deus, eles conduzem as suas vidas com valores diferentes dos valores do “mundo”; por isso, o “mundo” irá ignorá-los ou mesmo persegui-los, recusando a proposta de vida que eles testemunham. Não é nada de novo nem de surpreendente: o “mundo” também recusou Cristo e a sua proposta de salvação (vers. 1b).

    Apesar de serem já, desde o dia do Batismo (o dia em que aceitaram essa vida nova que Deus oferece aos homens), “filhos de Deus”, os crentes continuam a caminho da sua realização definitiva, a caminho daquele dia em que a fragilidade e a finitude humanas serão definitivamente superadas. Então, manifestar-se-á nos crentes a Vida plena e definitiva. Nesse dia, os crentes estarão em total comunhão com Deus e serão “semelhantes a Ele” (vers. 2). A filiação divina é uma realidade que marca a caminhada dos seres humanos pela terra e que implica, desde logo, uma vida de coerência com as obras e as propostas de Deus; mas só no céu, depois de se libertar da sua condição de fragilidade, o crente conhecerá a sua realização plena.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O autor da primeira Carta de João garante que Deus ama-nos com um amor “admirável”, um amor que se traduz no dom da Vida nova e que nos coloca na situação de filhos queridos de Deus. Neste 4º Domingo da Páscoa, o Domingo do Bom Pastor, somos, portanto, convidados a contemplar a bondade, a ternura, a misericórdia, o amor de um Deus apostado em levar os seres humanos a superarem a sua condição de debilidade, a fim de chegarem à Vida nova e eterna, à plenitudização das suas capacidades, até se tornarem “semelhantes” ao próprio Deus. Isso corresponde, afinal, ao grande objetivo que todos nós temos: encontrar a felicidade, a Vida verdadeira… E tudo isso é um dom de Deus, um dom que não depende dos nossos méritos mas que é fruto exclusivo do amor que Deus tem por nós. Sentimo-nos, verdadeiramente, filhos queridos e amados de Deus? Que impacto tem isso na nossa forma de encarar a vida? Sentimo-nos gratos a Deus pelo seu amor e por tudo aquilo que Ele faz no sentido de nos proporcionar Vida em abundância?
    • Como é que os “filhos de Deus” respondem ao dom que Deus lhes faz? No texto que nos é hoje proposto, esta questão não é desenvolvida; contudo, outras passagens da primeira Carta de João lembram que ser “filho de Deus” significa viver de forma coerente com as propostas de Deus (cf. 1 Jo 5,1-3), cumprindo os mandamentos e amando os irmãos, a exemplo de Jesus Cristo. Como é que se processa a nossa resposta ao amor de Deus? Como “filhos de Deus”, procuramos conduzir a nossa vida de acordo com os valores e as propostas de Deus?

     

    • O autor da carta avisa também os cristãos para o inevitável choque com a incompreensão do “mundo”. Viver como “filho de Deus” implica fazer opções que, muitas vezes, estão em contradição com os valores que o mundo considera prioritários; por isso, os crentes são frequentemente objeto do desprezo, da irrisão, dos ataques daqueles que não estão dispostos a acolher os valores e propostas de Deus. Jesus Cristo conheceu e enfrentou a mesma realidade; mas viveu sempre na obediência ao Pai e nunca se deixou condicionar pela opinião do “mundo”. Como Jesus, aguentamos os embates do mundo e mantemo-nos coerentes com a nossa condição de “filhos de Deus”? O que é que “dirige” e condiciona a nossa forma de viver: as propostas de Deus, ou as propostas do “mundo”?

     

    ALELUIA – João 10,14

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o bom pastor, diz o Senhor:
    conheço as minhas ovelhas
    e as minhas ovelhas conhecem-Me.

     

    EVANGELHO – João 10,11-18

    Naquele tempo, disse Jesus.
    «Eu sou o Bom Pastor.
    O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas.
    O mercenário, como não é pastor, nem são suas as ovelhas,
    logo que vê vir o lobo, deixa as ovelhas e foge,
    enquanto o lobo as arrebata e dispersa.
    O mercenário não se preocupa com as ovelhas.
    Eu sou o Bom Pastor:
    conheço as minhas ovelhas
    e as minhas ovelhas conhecem-Me,
    do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai;
    Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas.
    Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil
    e preciso de as reunir;
    elas ouvirão a minha voz
    e haverá um só rebanho e um só Pastor.
    Por isso o Pai Me ama:
    porque dou a minha vida, para poder retomá-la.
    Ninguém Ma tira, sou Eu que a dou espontaneamente.
    Tenho o poder de a dar e de a retomar:
    foi este o mandamento que recebi de meu Pai».

     

    CONTEXTO

    O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a Vida em plenitude.

    A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente o texto de Ez 34, onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”. Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de sofrimento, de injustiça e de morte; mas – diz também Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele irá colocar à frente do seu “rebanho” um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à Vida. A catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o “Bom Pastor” sugere que a promessa de Deus – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus.

    De acordo com o Evangelho de João, Jesus teria pronunciado o “discurso do Bom Pastor” (cf. Jo 10) em Jerusalém, em contexto da “festa da Dedicação do Templo” (cf. Jo 10,22). Esta festa (chamada, em hebraico, “Hanûkkah”) celebra a purificação do Templo de Jerusalém (164 a.C.), por Judas Macabeu, depois de o rei selêucida Antíoco IV Epifânio o ter profanado (167 a.C.), construindo um altar em honra de Zeus dentro do espaço sagrado. É a festa da Luz. O símbolo por excelência dessa festa é um candelabro de oito braços (“hanûkkiyyah”), que vão sendo progressivamente acesos durante os oito dias que a festa dura. Jesus tinha, pouco antes, curado um cego de nascença, assumindo-se como “a Luz” que veio para iluminar as trevas do mundo (cf. Jo 8,12; 9,1-41).

    Apesar do ambiente festivo, a relação entre Jesus e os líderes judaicos é de grande tensão (cf. Jo 9,40; 10,19-21.24.31-39). Depois de ver a pressão que esses líderes colocaram sobre um cego de nascença para que ele não abraçasse a luz (cf. Jo 9,1-41), Jesus denuncia a forma como eles tratam a comunidade: estão apenas interessados em proteger os seus interesses pessoais e usam o Povo em benefício próprio; são, pois, “ladrões e salteadores” (Jo 10,1.8.10), que tomaram de assalto o rebanho que lhes foi confiado e roubam ao Povo a oportunidade de encontrar Vida.

     

    MENSAGEM

    O evangelho que a liturgia deste 4º domingo da Páscoa nos propõe começa com uma solene apresentação que Jesus faz de si próprio: “Eu sou o Bom Pastor”. O adjetivo “bom” deve, neste contexto, entender-se no sentido de “modelo”, de “ideal”. E Jesus explica, logo de seguida, que o “pastor modelo” é aquele que é capaz de dar a própria vida pelas suas ovelhas (vers. 11).

    Na continuação do discurso, Jesus põe em contraste dois tipos de cuidadores do rebanho. O primeiro tipo é o do “pastor mercenário”. (vers. 12-13). O “pastor mercenário” é o pastor contratado por dinheiro. O rebanho não é dele e ele não ama as ovelhas que lhe foram confiadas. Limita-se a cumprir o seu contrato, fugindo de tudo aquilo que pode pôr em perigo a sua vida ou os seus interesses pessoais. Limita-se a cumprir determinadas obrigações, sem que o seu coração esteja com o rebanho. Ele tem como função enquadrar e dirigir o rebanho, mas a sua ação é sempre ditada por uma lógica de egoísmo e de interesse. Por isso, quando sente que há perigo, abandona o rebanho à sua sorte, a fim de salvaguardar os seus interesses egoístas e a sua posição. Portanto, o “pastor mercenário”, quando vê que o lobo se prepara para atacar o rebanho, abandona as ovelhas e foge. O “lobo” representa, nesta “parábola”, tudo aquilo que põe em perigo a vida das ovelhas: os interesses dos poderosos, a opressão, a injustiça, a violência, o ódio do mundo. Os dirigentes judeus, mais interessados nos seus interesses pessoais e de grupo do que no bem do Povo, são “pastores mercenários”.

    O outro tipo de cuidador do rebanho é o “Bom Pastor”. O “Bom Pastor”, o pastor verdadeiro, presta o seu serviço por amor e não por dinheiro. Ele não está apenas interessado em cumprir o contrato, mas em fazer com que as ovelhas tenham vida e se sintam felizes. A sua prioridade é o bem das ovelhas que lhe foram confiadas. Ele ama as suas ovelhas; por isso, arrisca tudo em benefício do rebanho. Está, inclusive, disposto a dar a própria vida por essas ovelhas que ama. As ovelhas podem confiar no “Bom Pastor”; sabem que ele não defende interesses pessoais, mas os interesses do seu rebanho. Jesus é o modelo do verdadeiro pastor (vers. 14a).

    Depois, o discurso de Jesus aprofunda a ligação que o “Bom Pastor” tem às suas ovelhas (vers. 14b). Ele conhece cada uma delas, tem com cada uma relação pessoal e única, ama cada uma, conhece os sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças das suas ovelhas. A relação que Jesus, o verdadeiro pastor, tem com as suas ovelhas é tão especial, que Ele até a compara à relação de amor e de intimidade que tem com o próprio Deus, seu Pai (vers. 15). É este amor, pessoal e íntimo, que leva Jesus a pôr a própria vida ao serviço das suas ovelhas, e até a oferecer a própria vida para que todas elas tenham Vida e Vida em abundância. Quando as ovelhas estão em perigo, Ele não as abandona, mas é capaz de dar a vida por elas. Nenhum risco, dificuldade ou sofrimento O faz desanimar. A sua atitude de defesa intransigente do rebanho é ditada por um amor sem limites, que vai até ao dom de si próprio.

    Depois de definir desta forma a sua missão e a sua atitude para com o rebanho, Jesus explica quais são as suas ovelhas e quem pode fazer parte do seu rebanho. Ao dizer “tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir” (vers. 16a), Jesus deixa claro que a sua missão não se encerra nas fronteiras limitadas do Povo judeu, mas é uma missão universal, que se destina a dar Vida a todos os povos da terra. A comunidade de Jesus não se esgota numa determinada instituição nacional, social ou cultural; é uma comunidade sem fronteiras, onde todos têm lugar. O que é decisivo, para integrar a comunidade de Jesus, é acolher a sua proposta, aderir ao projeto que Ele apresenta, segui-l’O. Nascerá, então, uma comunidade única, cuja referência é Jesus e que caminhará com Jesus ao encontro da Vida eterna e verdadeira (“elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor” – vers. 16b).

    Finalmente, Jesus explica que a sua missão se insere no projeto do Pai para dar Vida aos homens (vers. 17). Jesus assume esse projeto e dedica toda a sua vida terrena a cumprir a missão que o Pai lhe confiou. O que O move não é o seu interesse pessoal, mas o cumprimento da vontade do Pai. Ao cumprir o projeto de amor do Pai em favor dos homens, Ele está a agir de acordo com a sua condição de Filho.

    Ao dar a sua vida, Jesus está consciente de que não perde nada (vers. 18). Quem gasta a vida ao serviço do projeto de Deus, não perde a vida, mas está a construir para si e para o mundo a Vida eterna e verdadeira. O seu dom não termina em fracasso, mas em glorificação. Para quem ama, não há morte, pois o amor gera Vida definitiva.

    A entrega de Jesus não é um acidente ou uma inevitável fatalidade, mas um gesto livre de alguém que ama o Pai e ama os homens e escolhe o amor até às últimas consequências. O dom de Jesus é um dom livre, gratuito e generoso. Na decisão de Jesus em oferecer livremente a vida por amor, manifesta-se o seu amor pelo Pai e pelos homens.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Todos nós temos os nossos heróis, os nossos mestres, os nossos modelos. São figuras que consideramos como referências, figuras que respeitamos e de quem esperamos orientações, figuras cujas opiniões acolhemos e seguimos. Os povos antigos, ainda muito ligados a contextos agrários e pastoris, facilmente designavam uma figura dessas como “o Pastor” (nós hoje utilizamos outras palavras: “presidente”, “rei”, “diretor”, “superior”, “chefe”, “professor”, “guru”…). Será que todas essas figuras que admiramos e cujas opiniões seguimos merecem a nossa confiança? Todas elas estarão interessadas no nosso bem?
    • O Evangelho deste domingo diz-nos que, para o cristão, o “Pastor” por excelência é Jesus. É n’Ele que devemos confiar, é à volta d’Ele que nos devemos juntar, são as suas indicações e propostas que devemos seguir. O nosso “Pastor” é, de facto, Cristo, ou temos outros “pastores” que nos arrastam e que são as referências fundamentais à volta das quais construímos a nossa existência? Quem é que nos dita os caminhos em que andamos e os valores em que apostamos: Jesus Cristo? O patrão que nos paga o salário? O presidente do nosso partido político ou da nossa equipa desportiva? Um qualquer líder da moda ou um qualquer “influencer”? O herói mais bonito da telenovela? A conta bancária? O comodismo e a instalação? O êxito e o triunfo profissional a qualquer custo?
    • No cumprimento da sua missão de “Pastor”, Jesus não atua por interesse, mas por amor. Ele não foge quando as ovelhas estão em perigo, mas defende-as e até é capaz de dar a vida por elas; Ele preocupa-se com as suas ovelhas e mantém com cada uma delas uma relação única, especial, pessoal; Ele não se serve das suas ovelhas, mas serve-as e condu-las onde há alimento em abundância; Ele cuida de cada uma delas, particularmente das mais frágeis e necessitadas. Ora, esta forma de atuar de Jesus deve ser uma referência para aqueles que têm responsabilidades na condução e animação da comunidade, quer em âmbito civil, quer em âmbito religioso. Quando somos chamados à missão de presidir a um grupo, de animar uma comunidade, de exercer o serviço da autoridade, cumprimos a nossa missão no dom total, no amor incondicional, no serviço desinteressado, a exemplo de Jesus?
    • No “rebanho” de Jesus, não se entra por convite especial, nem há um número restrito de vagas a partir do qual mais ninguém pode entrar. A proposta de salvação que Jesus faz destina-se a todos os homens e mulheres, sem exceção. O que é decisivo para entrar a fazer parte do rebanho de Deus é “escutar a voz” de Jesus, aceitar as suas indicações, tornar-se seu discípulo… Isso significa, concretamente, ir atrás de Jesus, aderir ao projeto de salvação que Ele veio apresentar, percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projetos de Deus e na doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso “Pastor” (Jesus) no caminho exigente do dom da vida, ou estamos convencidos que esse caminho é apenas um caminho de derrota e de fracasso, que não leva aonde nós pretendemos ir?
    • O nosso texto acentua a identificação total de Jesus com a vontade do Pai e a sua disponibilidade para colocar toda a sua vida ao serviço do projeto de Deus. Garante-nos também que é dessa entrega livre, consciente, assumida, que resulta Vida eterna, verdadeira e definitiva. O exemplo de Jesus convida-nos a aderir, com a mesma liberdade, mas também com a mesma disponibilidade, às propostas de Deus e ao cumprimento do projeto de Deus para nós e para o mundo. Procuramos, como Jesus, discernir a vontade do Pai e obedecer ao projeto que Ele tem para nós, mesmo que isso signifique abandonar os nossos esquemas pessoais, as nossas conveniências, os nossos caminhos particulares?
    • Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam, pessoas a quem foi confiado o serviço da autoridade. Podemos aceitar, sem problemas, que elas receberam essa missão de Jesus e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições. Mas convém igualmente ter presente que o único “Pastor verdadeiro”, aquele que nunca falha, aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Jesus. Procuremos escutar e acolher, com humildade, mas também com consciência crítica, as indicações que nos são dadas pelos líderes das nossas comunidades; mas não nos esqueçamos de as confrontar, para aquilatar da sua validade, com as indicações que nos foram deixadas por Jesus, o Bom Pastor, o nosso único Pastor. Como me posiciono diante daqueles a quem foi confiado, na comunidade cristã, o serviço da autoridade?
    • Para que distingamos a “voz” de Jesus de outros apelos, de propostas enganadoras, de “cantos de sereia” que não conduzem à vida plena, é preciso um permanente diálogo íntimo com “o Pastor” (Jesus), um confronto permanente com a sua Palavra e a participação ativa nos sacramentos onde se nos comunica essa vida que “o Pastor” nos oferece. Procuro manter um diálogo frequente com Jesus, a fim de ter sempre vivas as suas indicações?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4.º DOMINGO DE PÁSCOA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 4,º Domingo de Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus…

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    O que distingue um mercenário de um pastor é a relação que eles têm com as suas ovelhas. Para o pastor, cada ovelha é única aos seus olhos e cada uma reconhece o seu pastor. Ele está pronto a tudo para que as suas ovelhas vivam, indo mesmo ao ponto de arriscar a sua própria vida. Enfim, ele cuida mesmo das que não são do seu rebanho. Mas Jesus, que se compara a este bom pastor, dá o significado desta relação, que é reflexo da sua relação com o Pai: “conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me, do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai”. Neste domingo em que os cristãos são convidados a rezar pelas vocações, que a sua oração seja dirigida, em primeiro lugar, para o único Pastor, Jesus Cristo, depois que se peça para que Ele dê à sua Igreja pastores que procurem conhecer cada vez melhor os homens, amá-los, e que tenham o cuidado daqueles que não são ainda da Igreja.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    “Eu sou o Bom Pastor”. Jesus retoma uma imagem tradicional na Bíblia para designar os chefes do povo judeu. Porque estes pastores são muitas vezes maus pastores, é o próprio Deus que pastoreará o seu rebanho. E o salmista gritará: “O Senhor é meu pastor!” Jesus atribui a Si próprio este título e esta missão, que confia em seguida a Pedro. Por seu lado, este recorre ao vocabulário pastoral para designar a função dos “anciãos”, dos “presbíteros”, na comunidade cristã. Estamos, de facto, muito longe da estrutura “sacerdotal”, sobre a qual estava fundada toda a vida cultual do povo judeu. O serviço do templo estava reservado à tribo de Levi e às famílias sacerdotais. Ora, na Igreja, o “pastor” não é um homem do “sagrado”, “separado” do resto do povo. O próprio Jesus não era uma “especialista do sagrado”! O pastor só tem sentido se ligado a um rebanho. Ele “conhece as suas ovelhas e as suas ovelhas conhecem-no”. Elas “contam verdadeiramente para ele”. Ele ama as ovelhas e cuida delas. Vigia-as. Condu-las a boas pastagens, dando-lhes o bom alimento da Palavra de Deus. Ele vai ao ponto de dar a sua vida pelas suas ovelhas. Nunca se deve cessar de pedir ao Senhor que suscite sempre bons pastores para a sua Igreja!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Discernir em Igreja… Não é fácil saber em que ponto estamos realmente, em matéria de vocação: o discernimento nunca se faz só, seja para um acompanhador espiritual, seja num pequeno grupo que saberia praticar esta entreajuda fraterna que permita a cada um fazer o ponto da situação sobre aquilo que o Senhor espera dele. Não seria a ocasião, nesta semana, para se pensar em fazer um tal encontro?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 4ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    4ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    22 de Abril, 2024

    4ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 11, 1-18

    Naqueles dias, 1os Apóstolos e os irmãos da Judeia ouviram, entretanto, dizer que também os pagãos tinham recebido a palavra de Deus. 2E, quando Pedro subiu a Jerusalém, os circuncisos começaram a censurá-lo, 3dizendo-lhe: «Tu entraste em casa de incircuncisos e comeste com eles.» 4Pedro expôs-lhes, então, o caso, do princípio ao fim, dizendo: 5«Estava eu em oração na cidade de Jope quando, em êxtase, tive uma visão: um objecto semelhante a uma grande toalha, descia do céu, preso pelas quatro pontas, e chegou até junto de mim. 6Fitando os olhos nele, pus-me a observar e vi os quadrúpedes da terra, os animais ferozes, os répteis e as aves do céu. 7Ouvi também uma voz que me dizia: 'Vamos, Pedro, mata e come.' 8Mas eu respondi: 'De modo algum, Senhor! Nunca entrou na minha boca nada de profano ou impuro!' 9A voz fez-se ouvir do Céu, pela segunda vez: 'O que Deus purificou não o consideres tu impuro.' 10Isto repetiu-se três vezes; depois, tudo foi novamente elevado ao Céu. 11Nesse instante, apresentaram-se três homens na casa em que estávamos, enviados de Cesareia à minha presença. 12O Espírito disse-me que os acompanhasse, sem hesitar. Vieram também comigo os seis irmãos, aqui presentes, e entrámos em casa do homem. 13Ele contou-nos que tinha visto um anjo apresentar-se em sua casa, dizendo-lhe: 'Envia alguém a Jope e manda chamar Simão, cujo sobrenome é Pedro; 14ele dir-te-á palavras que te hão-de trazer a salvação, a ti e a toda a tua casa.' 15Ora, quando principiei a falar, o Espírito Santo desceu sobre eles, como sobre nós, ao princípio. 16Recordei-me, então, da palavra do Senhor, quando Ele dizia: 'João baptizou em água; vós, porém, sereis baptizados no Espírito Santo.' 17Se Deus, portanto, lhes concedeu o mesmo dom que a nós, por terem acreditado no Senhor Jesus Cristo, quem era eu para me opor a Deus?»
    18Estas palavras apaziguaram-nos, e eles deram glória a Deus, dizendo: «Deus também concedeu aos pagãos o arrependimento que conduz à Vida!»

    O baptismo de Cornélio e da sua família, passo decisivo na abertura do evangelho aos pagãos, foi oficialmente comunicado às autoridades da Igreja de Jerusalém. Mas os ambientes judeo-cristãos levantaram problemas e, quando Pedro chegou a Jerusalém, pediram-lhe explicações. Embora sendo a máxima autoridade na Igreja, o Apóstolo não queria agir de modo independente e caprichoso. Por isso, explica o passo dado e as motivações do mesmo. Não conta todo o episódio, mas apenas os pormenores que julga necessários para a sua compreensão. Além do seu próprio testemunho, acrescenta o dos seis irmãos que o acompanham, e lembra as palavras de Jesus, antes da ascensão: «vós, porém, sereis baptizados no Espírito Santo». A efusão do Espírito incluía os pagãos.
    Os argumentos de Pedro acalmam os seus opositores. Estes reconhecem a acção de Deus e verificam que a penitência em ordem à vida também é concedida aos gentios, que não precisam de se tornar previamente judeus, nem de ser circuncidados e observar a Lei. A missão entre os pagãos ficava oficialmente autorizada. A acção de Pedro, que inicia a missão entre os gentios, uma vez aprovada pela Igreja, torna-se acção da própria Igreja. Mais ainda: sendo Cornélio romano, Lucas também insinua a boa relação entre os primeiros cristãos e as autoridades romanas, a tolerância do Estado frente à Igreja, decisiva na história do cristianismo.

    Evangelho: João 10, 1-10

    Naquele tempo, disse Jesus: 1«Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no redil das ovelhas, mas sobe por outro lado, é um ladrão e salteador. 2Aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. 3A esse o porteiro abre-a e as ovelhas escutam a sua voz. E ele chama as suas ovelhas uma a uma pelos seus nomes e fá-las sair. 4Depois de tirar todas as que são suas, vai à frente delas, e as ovelhas seguem-no, porque reconhecem a sua voz. 5Mas, a um estranho, jamais o seguiriam; pelo contrário, fugiriam dele, porque não reconhecem a voz dos estranhos.» 6Jesus propôs-lhes esta comparação, mas eles não compreenderam o que lhes dizia.
    7Então, Jesus retomou a palavra: «Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas. 8Todos os que vieram antes de mim eram ladrões e salteadores, mas as ovelhas não lhes prestaram atenção. 9Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim estará salvo; há-de entrar e sair e achará pastagem. 10O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.

    Esta parábola é dirigida por Jesus, não aos judeus, mas aos fariseus com quem mantinha controvérsias por causa da sua dignidade divina, da fé exigida aos homens e da atitude de recusa que, em relação a Ele, mantinham os dirigentes de Israel. Os fariseus são os pastores que não entraram pela porta. São, pois, ladrões e salteadores. Jesus é o único pastor, que entra pela porta, que é a própria porta do redil.
    As diversas analogias, que aparecem na alegoria, têm por fim realçar a autoridade de Jesus, cuja finalidade é apenas o bem-estar das suas ovelhas, a quem se entrega sem reserva. Dá a vida por elas. A autoridade dos fariseus não é legítima, porque se baseava numa interpretação da Lei que esmagava o povo em vez de o libertar. Os fariseus buscavam o seu próprio interesse e não o do povo (cf. Mt 23; Mc
    12, 38ss.). Jesus é pastor legítimo, porque está preocupado com as ovelhas. Veio para servi-las, e não para ser servido por elas. Conhece-as e elas conhecem-no; conhecem a sua voz. Têm dele um conhecimento amoroso. Jesus, o Bom Pastor, não procura dominar, não exige renúncia a nossa dignidade. Apenas pede que tenhamos confiança n´Ele para chegarmos à meta, às pastagens eternas.

    Meditatio

    O Evangelho, de vez em quando, fala de mortificação. Podemos até cair na tentação de pensar que o Senhor veio para nos complicar a vida, para nos fazer sofrer e morrer, e que a vida cristã é mutilação. Hoje, o Senhor, tira-nos todas as dúvidas: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10, 10). Se nos pede algum sacrifício, se nos convida a carregar a cruz, é por razões positivas, é para termos uma vida de maior plenitude. É o que nos diz na alegoria da videira: «Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor. Ele... poda o ramo que dá fruto, para que dê mais fruto ainda» (Jo 15, 1-2).
    «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10, 10). No evangelho de hoje, Jesus apresenta-se como Bom Pastor. Não é um pastor à maneira dos dirigentes de Israel que «dispersam e extraviam o rebanho» (Jr 23, 1) e «que se apascentam a si mesmos» (Ez 34, 2). É um pastor plenamente solidário com as suas ovelhas, a ponto de dar a vida por elas. É um pastor que conhece as pastagens eternas e o caminho para lá chegar. É um pastor diferente! Podemos deixar-nos guiar por Ele, porque não pretende dominar, não quer fazer-nos seus súbditos, não pede renúncia à nossa própria dignidade. Apenas pede que nos fiemos dele, que confiemos nele, para chegarmos à meta. É um pastor desapegado do poder e completamente entregue à orientação mansa e segura das ovelhas, pelas quais dá a sua vida.
    Para o rebanho de Jesus são convidados todos os povos da terra. É o que nos mostra a conversão de Cornélio, um pagão romano. Como afirma Pedro, «Deus não faz acepção de pessoas» (Act 10, 34). Para Ele não há discriminação por razões sociais, raciais ou de qualquer outro tipo. Pedro, como judeu, sabia que era ilegal entrar na casa de um pagão, do modo como o fez. Mas a visão que teve em Jope fez- lhe dar-se conta de que essa ilegalidade tinha desaparecido com a morte e a ressurreição do Senhor. A salvação realizada por Jesus é para todos. Ninguém é excluído. Jesus ressuscitado é o Senhor de todos e, a todo o que n´Ele crê, são perdoados os pecados (cf. Act 10, 34-36). Pedro tem uma prova clara de tudo isso quando, ao discursar em casa de Cornélio, vê realizar-se um novo Pentecostes:
    «quando principiei a falar, o Espírito Santo desceu sobre eles, como sobre nós, ao princípio» (11, 15). É o Pentecostes «pagão» (em comparação com Pentecostes judeu). Trata-se de um acontecimento decisivo para a missão entre os pagãos. Como poderiam negar-se as águas do baptismo àqueles a quem Deus concedera o Espírito? Será o argumento de Pedro diante da igreja de Jerusalém.
    Se a vocação à fé e ao baptismo é para todos, então também todos os que já têm fé e são baptizados têm o dever da missão, particularmente os consagrados. Como lembrava o nosso Superior Geral, no encerramento da VII Conferência Geral, compreendemos que a abertura universal do coração à missão não pode ser apenas de alguns, mas deve ser vocação de todo o dehoniano. Ainda que nem todos sejam chamados a trabalhar concretamente fora do seu país, a todos se pede que não reduzam a missão à realização de "serviços religiosos" para aqueles que já frequentam as nossas igrejas, mas façam da sua consagração um testemunho e um anúncio de Cristo à nossa sociedade.

    Oratio

    Ó Jesus, Bom pastor, quando vezes, também eu, tenho medo de me deixar guiar por Ti, preferindo outros pastores. Querendo fugir ao teu rebanho, deixo-me envolver pelo rebanho dos que caminham sem rumo e sem esperança. Quanto sou condicionado pelo pensamento do ambiente que me rodeia! Como é difícil escapar da manada dos que vivem tranquilamente o dia a dia, sem se preocuparem com o que virá depois!
    Dá-me a tua luz, para que compreenda que Tu és a luz, o guia, o caminho. Ilumina-me também para compreenda que fazer parte do teu rebanho não significa renunciar à minha inteligência, mas fazê-la penetrar pelos caminhos da vida, que só Tu conheces, porque só Tu desceste do Céu. Amen.

    Contemplatio

    O verdadeiro pastor não tem senão uma preocupação, sustentar e desenvolver a vida do seu rebanho. O seu coração é absorvido por esta preocupação. A sua vida desenvolve-se na oração, no zelo, nas obras de pregação e de caridade. É um exemplo vivo das virtudes que ensina. É assim que dá a sua vida pelas suas ovelhas. Não se preocupa com os lucros em dinheiro, com as comodidades que o seu lugar pode proporcionar. Basta-lhe viver dia a dia, de receber o pão que sustenta as forças do corpo. Não conhece os cuidados da avareza, do luxo ou da ambição. Os que vivem assim amam verdadeiramente a Nosso Senhor; e o amor que lhe dedicaram é o segredo do seu zelo e do seu desinteresse.

    O zelo pelas almas é inseparável do amor de Nosso Senhor, Jesus é devorado pelo zelo pela glória de seu Pai e pela salvação dos homens seus irmãos. Estes dois zelos não fazem senão um só. O bom padre deve como ele estar animado desde duplo zelo, e por isso basta-lhe amar Nosso Senhor e tudo reportar ao seu amor. O amor que testemunhamos a Nosso Senhor toca-o no coração e inclina-se a comunicar-se àquele que o ama. É assim que os padres que dão como móbil de todas as suas acções o amor do Sagrado Coração produzem os maiores frutos. Obrigam-no por uma doce coacção a substituir-se a eles, a viver neles e tornar-se pastor por seu intermédio.
    Mas, para que penetre assim numa alma sacerdotal, é preciso que não encontre nela nenhuma resistência. É preciso que se agrade nela e que nela se encontre em casa: Já não sou eu que vive; é Cristo que vive em mim. Que os seus padres o amem portanto! Pede-lhes o seu coração em troca do dele. Quando eles estiverem bem na frente do seu coração, fará brilhar à sua volta a sua divina influência; espalhará por eles ondas de graças. O seu ministério será abençoado (Leão Dehon, OSP 3, p. 469s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu vim para que tenham vida... em abundância» (Jo 10, 10).

  • 4ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    4ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    23 de Abril, 2024

    4ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 11, 19-26

    19Naqueles dias, os irmãos que se tinham dispersado, devido à perseguição desencadeada por causa de Estêvão, adiantaram-se até à Fenícia, Chipre e Antioquia, mas não anunciavam a palavra senão aos judeus. 20Houve, porém, alguns deles, homens de Chipre e Cirene que, chegando a Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando-lhes a Boa-Nova do Senhor Jesus. 21A mão do Senhor estava com eles e grande foi o número dos que abraçaram a fé e se converteram ao Senhor. 22A notícia chegou aos ouvidos da igreja de Jerusalém, e mandaram Barnabé a Antioquia. 23Assim que ele chegou e viu a graça concedida por Deus, regozijou-se com isso e exortou-os a todos a que se conservassem unidos ao Senhor, de coração firme; 24ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé. Assim, uma grande multidão aderiu ao Senhor. 25Então, Barnabé foi a Tarso procurar Saulo.
    26Encontrou-o e levou-o para Antioquia. Durante um ano inteiro, mantiveram-se
    juntos nesta igreja e ensinaram muita gente. Foi em Antioquia que, pela primeira vez, os discípulos começaram a ser tratados pelo nome de «cristãos.»

    A perseguição que levou à morte de Estêvão, e provocou a dispersão dos
    «helenistas», foi providencial para a vida da Igreja. Os discípulos dispersos tornaram-se missionários entre os pagãos. Pregaram na Samaria, na Fenícia, em Chipre e Antioquia, dirigindo-se, não só às comunidades judaicas, mas também aos gregos, que eram pagãos. Antioquia, na Síria, torna-se uma comunidade cristã importante, pólo de difusão da fé entre os gregos. Os habitantes de Antioquia dão-se conta da diferença entre a comunidade dos discípulos de Jesus e a comunidade dos judeus. Por isso, começam a chamar cristãos aos discípulos de Cristo. O nome novo afirma eloquentemente que se trata de uma realidade nova.
    A comunidade de Jerusalém está atenta ao que se passa em Antioquia e manda dois emissários para que verificassem o que estava a acontecer. Felizmente envia Barnabé «homem bom, cheio do Espírito Santo», que é capaz de fazer um bom discernimento e acaba por compreender e estimular a acção da comunidade. Para ajudar, vai chamar Paulo a Tarso e introdu-lo na comunidade de Antioquia.

    Evangelho: João 10, 22-30

    Naquele Tempo, 22celebrava-se em Jerusalém a festa da Dedicação do templo. Era Inverno. 23Jesus passeava pelo templo, debaixo do pórtico de Salomão.
    24Rodearam-no, então, os judeus e começaram a perguntar-lhe: «Até quando nos deixarás na incerteza? Se és o Messias, di-lo claramente.» 25Jesus respondeu-lhes: «Já vo-lo disse, mas não credes. As obras que Eu faço em nome de meu Pai, essas dão testemunho a meu favor; 26mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas.
    27As minhas ovelhas escutam a minha voz: Eu conheço-as e elas seguem-me. 28Dou-
    lhes a vida eterna, e nem elas hão-de perecer jamais, nem ninguém as arrancará da minha mão. 29O que o meu Pai me deu vale mais que tudo e ninguém o pode arrancar da mão do Pai. 30Eu e o Pai somos Um.»

    Jesus vai ao Templo, na festa da Dedicação, e passeia debaixo do pórtico de
    Salomão. Os judeus ansiosos rodeiam-no e disparam a pergunta que os atormentava:
    «Até quando nos deixarás na incerteza? Se és o Messias, di-lo claramente» (v. 24). As palavras de Jesus deixavam entender que ele é o Messias. Mas podiam ser mal entendidas. Daí o chamado «segredo messiânico» no evangelho de Marcos. Jesus impõe silêncio a todos aqueles que, a ver as obras de Jesus, podiam directa ou indirectamente afirmar que Ele era o Messias. Desta vez, Jesus responde que a pergunta já está suficientemente respondida. Basta ouvir as suas palavras e, mais ainda, observar as suas obras. O problema é que eles não estão dispostos a acreditar. E não querem acreditar, isto é, aderir a Jesus, porque não lhe pertencem, não são seus, não são suas ovelhas. Não são atraídos pelo Pai (cf. Jo 6, 4). Pelo contrário, quem O escuta, dá prova de que pertence ao novo povo de Deus, é ovelha Jesus, escuta a sua voz, segue-O, não perecerá jamais (cf. vv. 27-28).
    Os discípulos de Jesus terão de sofrer como Ele sofreu. Mas, tal como Ele venceu a morte, também os seus discípulos, que vivem unidos a Ele, a hão-de vencer. Estão protegidos pelo Pai (cf. vv. 28-30).

    Meditatio

    Os pioneiros da igreja de Antioquia foram missionários anónimos, tal como aconteceu em Éfeso (18, 1), em Alexandria (18, 24) e em Roma (28, 14) e em tantas outras comunidades cristãs ao longo dos séculos. Essas igrejas são monumentos a tantos missionários desconhecidos que, mesmo sem missão oficial, sem organização e sem propaganda, assumiram a sua condição de baptizados e, animados pelo Espírito Santo, levaram por diante o trabalho da evangelização. Um exemplo e um estímulo para todos nós, hoje.
    No evangelho reencontramos a relação com Deus como condição de adesão a
    Cristo. Para acreditarmos, é preciso que o Pai nos atraia para Jesus. Por outras palavras, para que alguém se torne ovelha do rebanho de Jesus, e O escute, é preciso que o Pai lho dê. «Vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas» (v.
    26), isto é: não credes porque o Pai ainda não vos deu a mim. Por isso, não sois minhas ovelhas, não acreditais e não me reconheceis. Quando Jesus se apresenta a uma alma que lhe foi dada pelo Pai, acontece algo de semelhante ao que se passa quando duas pessoas se encontram pela primeira vez e se descobrem apaixonadas. Há um reconhecimento mútuo, há a descoberta de que se pertencem um ao outro. E a vida torna-se mais bela. Quando o Pai apresenta uma alma a Jesus, ela reconhece o seu Mestre e o Mestre reconhece a ovelha que o Pai lhe dá.
    «As minhas ovelhas escutam a minha voz» (v. 27). Há ainda muitas ovelhas que não estão no rebanho, na Igreja, porque ainda não ouviram a voz do Pastor. Quando a ouvirem, vão reconhecê-la, porque o Pai lhas deu, e vão aderir a Jesus em amor recíproco.
    Nós, que pertencemos ao rebanho, temos a responsabilidade de fazer ouvir a voz do Senhor, de modo perceptível, àqueles que ainda não a ouviram. Para isso, havemos de dar um testemunho coerente e puro.
    O Pe. Dehon sentiu pessoalmente a vocação missionária desde a primeira
    infância. Escreve no último caderno do seu Diário: " O ideal da minha vida, o voto que formulava entre lágrimas
    na minha adolescência era o de ser missionário e mártir. Parece-me que este voto se realizou por meio dos mais de cem missionários que tenho em todas as partes do mundo".
    Numa carta escrita aos seus missionários, o Pe. Dehon mostra-se orgulhoso por
    esses seus filhos, porque vão para terras longínquas alargar o Reino do Coração de Jesus, para viver a vida de reparação e de imolação, que a sua vocação exige. Devem desejar morrer na missão, para que o sacrifício seja mais completo e sem reservas,

    para fazer conhecer e amar a Deus, e para fazer conhecer o amor do Coração de
    Jesus.

    Oratio

    Ó Jesus, Bom Pastor, ilumina o meu coração e abre a minha inteligência para compreender a tua palavra. Na complexidade do mundo em que vivo, batido por tantas propostas religiosas, diante do pulular de tantas divindades, velhas e novas, sinto-me, às vezes, abalado, e compreendo a incerteza, o desencanto e o cepticismo de tantos irmãos. São muitas as vozes que lhes dificultam ouvir e discernir a tua voz.
    Tem compaixão de mim. Confirma no mais íntimo do meu coração a tua
    palavra, com aquela certeza que só o Espírito Santo pode dar. Tem compaixão dos meus irmãos, perdidos e confusos, como ovelhas sem pastor. Fala-lhes ao coração. Faz que Te escutem, não como um dos tantos mestres que por aí andam, mas como o Mestre, porque Tu e o Pai são Um. Amen.

    Contemplatio

    Como Nosso Senhor é amável sob o título de Bom Pastor, um título que resume tão bem todas as bondades do seu Coração para connosco! Foi ele que deu a si mesmo este título e que nos recordou todas as solicitudes, todas as ternuras, todas as dedicações de um bom pastor. O bom pastor conhece todas as suas ovelhas. Chama-as uma a uma. Caminha diante delas. Condu-las às melhores pastagens.
    Espiritualmente, temos por alimento da nossa alma a palavra viva de Nosso Senhor, e para o nosso coração o alimento celeste da Eucaristia. O bom Pastor dá os seus cuidados mais diligentes a todas as suas ovelhas. Se vê algumas que sofrem, feridas, cansadas, toma-as sobre os seus ombros, leva-as para o redil e cuida delas amorosamente. Nosso Senhor faz isto por nós pela confissão, pela direcção (espiritual) e pela sua Providência, tão assídua e tão delicada.
    O bom Pastor não perde de vista as suas ovelhas, a sua solicitude é extrema.
    Vela pela sua segurança, preserva-as da malícia dos maus e defende-os contra os embustes do demónio. Para as salvar, dá até à última gota do seu sangue. Não é verdadeiramente o Salvador com o seu Coração cheio de uma bondade inesgotável? (Leão Dehon, OSP 3, p. 472)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «As minhas ovelhas escutam a minha voz» (Jo 10, 27).

  • 4ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    4ª Semana –Quarta-feira - Páscoa

    24 de Abril, 2024

    4ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 12, 24 - 13, 5a

    Naqueles dias, 24a palavra de Deus crescia e multiplicava-se. 25Barnabé e Saulo, depois de terem cumprido a sua missão, regressaram de Jerusalém, levando consigo João, de sobrenome Marcos.
    1Havia na igreja, estabelecida em Antioquia, profetas e doutores: Barnabé, Simeão, chamado 'Níger', Lúcio de Cirene, Manaen, companheiro de infância do tetrarca Herodes, e Saulo. 2Estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei.» 3Então, depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir. 4Enviados, pois, pelo Espírito Santo, Barnabé e Saulo desceram a Selêucia e ali meteram-se num barco, rumo à ilha de Chipre. 5Chegados que foram a Salamina, começaram a anunciar a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. Tinham também João como auxiliar.

    Com esta pequena secção, começa mais um dos resumos característicos de Lucas. Este trata do avanço do Evangelho. E vem uma notícia surpreendente: Barnabé e Saulo foram a Jerusalém, onde a comunidade dos discípulos passava por grave crise económica, para levarem ajuda da igreja de Antioquia. É o começo da partilha de bens entre as igrejas. Nessa mesma altura, Herodes desencadeou a perseguição que levou Tiago à morte. Pedro também foi preso, mas acabou por ser libertado. Segundo Lucas, Barnabé e Saulo, parecem ter escapado ilesos, o que não parece verosímil, pelo menos no caso de Saulo, cordialmente odiado pelos judeus. Mas o autor do Actos não está interessado em contar a sucessão exacta e cronológica dos acontecimentos. Interessa- lhe particularmente referir Antioquia como a igreja da qual vai partir a grande missão cujos protagonistas serão precisamente Barnabé e Saulo, acompanhados por João Marcos, uma excelente conquista feita em Jerusalém.
    A comunidade de Antioquia, viva e cheia de dinamismo, estava empenhada na evangelização da enorme cidade. Distinguiam-se, nessa tarefa, Saulo, Barnabé e João Marcos. Mas o Espírito tinha outros projectos. Um dia, enquanto jejuavam e rezavam manifestou a sua vontade por meio de um profeta: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei» (v. 2). Esse trabalho era a evangelização do mundo mediterrânico, particularmente da Grécia e de Roma.

    Evangelho: João 12, 44-50

    Naquele tempo, 44Jesus levantou a voz e disse: «Quem crê em mim não é em mim que crê, mas sim naquele que me enviou; 45e quem me vê a mim vê aquele que me enviou. 46Eu vim ao mundo como luz, para que todo o que crê em mim não fique nas trevas. 47Se alguém ouve as minhas palavras e não as cumpre, não sou Eu que o julgo, pois não vim para condenar o mundo, mas sim para o salvar. 48Quem me rejeita e não aceita as minhas palavras tem quem o julgue: a palavra que Eu anunciei, essa é que o há-de julgar no último dia; 49porque Eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, é que me encarregou do que devo dizer e anunciar. 50E Eu bem sei que este seu mandato traz consigo a vida eterna; por isso, as coisas que Eu anuncio, anuncio-as tal como o Pai as disse a mim.»

    Esta perícopa encerra o «livro dos sinais», no evangelho de João. Jesus lança um clamor, um grito, que introduz uma declaração sobre a sua identidade. Já o fizera na festa dos Tabernáculos (Jo 7, 28) e no dia mais solene da mesma (Jo 7, 37). Aqui fá-lo, pela última vez, numa espécie de resumo dos temas tratados na primeira parte do evangelho de João: 1º - acreditar em Jesus, vê-lo, significa acreditar e ver Aquele que O enviou; é o tema da unidade: o Pai e Jesus são uma só coisa; Jesus é o resplendor do Pai, aproxima-O do homem, dá-lho a conhecer, comunica-O; 2º - Jesus é a luz; a missão de Jesus é portadora de salvação; 3º - o destino do homem joga-se no dilema fé-incredulidade, o acolhimento ou recusa de Jesus, na escuta ou não escuta da sua palavra. A fé, o acolhimento, a escuta de Jesus salvam o homem; a incredulidade, a recusa, a não escuta de Jesus, condenam o homem. Jesus não veio para julgar, mas para salvar. Será a Lei, em que os judeus põem toda a confiança, que os há-de julgar no último dia (cf. v. 48). 4º - a vinda de Jesus, a sua acção e a sua palavra, tinham um único objectivo: comunicar a vida. Foi esse o mandamento recebido do Pai (v. 50).

    Meditatio

    A igreja da Antioquia era viva e dinâmica. Tinha profetas e doutores, entre os quais se distinguiam Barnabé e Saulo, e estava empenhada na evangelização da grande cidade. Era uma igreja fervorosa e atenta à voz do Espírito. Assim: «estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo:
    «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei.» Então, depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir». Assim começou a grande missão: «Enviados, pois, pelo Espírito Santo, Barnabé e Saulo desceram a Selêucia e ali meteram-se num barco, rumo à ilha de Chipre. Chegados que foram a Salamina, começaram a anunciar a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. Tinham também João como auxiliar». A igreja de Antioquia, que tinha ainda tanto para fazer na sua cidade, organiza uma missão pelas regiões vizinhas, confiando-a a dos seus mais destacados membros. Um exemplo que continua actual para todas as igrejas, mas também para as ordens e congregações, que fazem parte da vida e santidade da Igreja!
    Jesus não veio «para condenar o mundo» (v. 47). Mas a sua palavra e a sua missão realizam automaticamente um juízo e tornam-se critério último de verdade e de acção. A minha atitude diante de Jesus, e da sua palavra, realiza o juízo em relação a mim mesmo, agora e no futuro. Na pessoa de Jesus está presente a realidade definitiva. E eu devo confrontar-me, aqui e agora, com essa realidade, porque é o definitivo que avalia o transitório. É hoje que eu decido o meu destino eterno. É hoje que a minha vida está suspensa entre a vida e a morte, entre a luz e as trevas, entre o tudo e nada, porque é hoje que me confronto com Jesus e com a sua palavra, e é hoje que tenho de optar.
    O momento presente é sumamente importante, porque é o hoje de Deus, que podemos acolher ou rejeitar. Desse acolhimento ou rejeição derivam consequências eternas. O Hoje de Deus salvador está personificado em Jesus: "Hoje nasceu para vós na cidade de David um Salvador" (Lc 2, 11); "Hoje - diz Jesus na sinagoga de Nazaré – cumpriu-se esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir" (Lc 4, 21); "Hoje tenho de ficar em tua casa" - diz Jesus a Zaqueu (Lc 19, 5); e ai nda "Hoje a salvação entrou nesta casa" (Lc 19, 9); "Hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23, 43), promete Jesus ao bom ladrão. Hoje é Jesus, é a salvação: "Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre" (Heb 13, 8).
    A este Hoje de Deus, que é Jesus, deve responder cada homem com um "sim" de amor, que é «sim» à salvação, à verdade, à vida, ao bem, à santidade.

    Oratio

    Pai santo, que enviaste o teu Filho ao mundo, não para o condenar, mas para o salvar, faz com que eu, carregado de misérias, jamais perca a confiança, e me afaste de Ti, triste e desanimado. Infunde o teu Espírito no mais íntimo de mim mesmo para que, iluminado pela tua luz, ganhe força e coragem para retomar o caminho. As tuas palavras, por vezes, são duras. Mas sei que, com elas, apenas queres recuperar-me e salvar-me, dar-me ajuda para que não perca a vida eterna que me preparaste. Sei que és benevolente, mesmo quando te mostras severo. Por isso, imprime no meu coração as palavras do teu Filho para que possa saborear hoje, amanhã e sempre, a tua salvação. Amen.

    Contemplatio

    Santa Gertrudes faz comparecer a alma com o amor seu poderoso advogado diante da verdade e da justiça divina.
    – Ó verdade! Ó justiça divina! Como comparecer na vossa presença, eu que estou esmagado sob o peso da minha iniquidade, sob o fardo da minha vida que perdi, sob a carga de todas as minhas negligências? Não soube fazer valer, infelizmente, o tesouro da fé cristã e da vida espiritual.
    Sei o que vou fazer: tomarei o cálice da salvação, o cálice de Jesus. Colocá-lo- ei sobre o prato vazio da verdade e da justiça. Por este meio, acorrerei a tudo o que me falta, cobrirei todos os meus pecados. Este cálice levantará as minhas ruínas, por ele suprirei e muito além à minha indignidade.
    – Ó amor divino, emprestai-me o meu Jesus, vosso real cativo, Ele que foi levado por mim de tribunal em tribunal, Ele que foi condenado por me ter amado, e entregado à morte por minha causa.
    Ó Jesus, amável penhor da minha redenção, vinde portanto comigo ao juízo. Julgai-me, tendes esse direito, mas vós sois também o meu advogado. Para que eu seja justificado, não tereis senão que relatar o que fizestes por mim e o preço pelo qual me adquiristes. Tomastes a minha natureza a fim de que eu não pereça; levastes o fardo dos meus pecados, morrestes por mim para que eu não morra da morte eterna; querendo enriquecer-me de méritos, destes-me tudo. Julgai-me, portanto, na hora da minha morte de acordo com esta inocência e esta pureza que me conferistes pagando toda a minha dívida e deixando-vos condenar em meu lugar (Leão Dehon, OSP 4, p. 486s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu não vim condenar o mundo, mas salvá-lo» (Jo 12, 47).

  • 4ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    4ª Semana –Quinta-feira - Páscoa

    25 de Abril, 2024

    4ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 13, 13-25

    Naqueles dias, Paulo e os seus companheiros, largaram de Pafos, e dirigiram- se a Perga da Panfília. João, porém, separando-se deles, voltou para Jerusalém.
    14Quanto àqueles, deixaram Perga e, caminhando sempre, chegaram a Antioquia da
    Pisídia.
    A um sábado, entraram na sinagoga e sentaram-se. 15Depois da leitura da Lei e dos Profetas, os chefes da sinagoga mandaram-lhes dizer: «Irmãos, se tiverdes alguma exortação a dirigir ao povo, falai.»16Então, Paulo, levantando-se, fez sinal com a mão e disse:«Homens de Israel e vós os tementes a Deus, escutai: 17O Deus deste povo, o Deus de Israel, escolheu os nossos pais e engrandeceu este povo durante a sua permanência no Egipto. Depois, com a força do seu braço, retirou-o de lá 18e, durante uns quarenta anos, sustentou-o no deserto. 19A seguir, exterminando sete nações na terra de Canaã, conferiu-lhes a posse do seu território, 20por cerca de quatrocentos e cinquenta anos. Depois disso, deu-lhes juízes até ao profeta Samuel. 21Em seguida, pediram um rei, e Deus concedeu-lhes, durante quarenta anos, Saul, filho de Quis, da tribo de Benjamim. 22Pondo este de parte, Deus elevou David como rei, e a seu respeito deu este testemunho: 'Encontrei David, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará todas as minhas vontades.'
    23Da sua descendência, segundo a sua promessa, Deus proporcionou a Israel um Salvador, que é Jesus. 24João preparou a sua vinda, anunciando um baptismo de penitência a todo o povo de Israel. 25Quase a terminar a sua carreira, João dizia:
    'Eu não sou quem julgais; mas vem, depois de mim, alguém cujas sandálias não sou digno de desatar.'

    Lucas empenhou-se em realçar a importância e a transcendência decisiva do momento em que a igreja de Antioquia organizava oficialmente a grande missão. Barnabé, Saulo e João Marcos partem. Em Chipre alcançam a conversão do procurador romano, Sérgio Paulo. Saulo passa a ser chamado com o nome romano de Paulo e, torna-se o chefe da expedição, até aí dirigida por Barnabé. E começam os chamados
    «Actos de Paulo». De facto, o centro da narrativa recai sobre o discurso de Paulo em Antioquia da Pisídia, perto da Galácia. Este discurso, que tem um tom programático, faz lembrar o discurso de Jesus na sinagoga de Nazaré. A história de Israel é apresentada nas suas linhas gerais, centrando-se em David, a quem ficou ligada a promessa do Salvador. A alusão a João Baptista tem dois objectivos: situar no tempo a actividade de Jesus e apresentar João como precursor e testemunha. Paulo quer chegar rapidamente a Jesus, Aquele em quem se realizam as promessas. As comunidades da Diáspora estavam mais preparadas para acolherem a mensagem dos primeiros missionários cristãos. É, pois, a elas que Paulo se dirige, em primeiro lugar. Só depois, quando se sente recusado, se dirige aos pagãos.

    Evangelho: João 13, 16-20

    Naquele tempo, depois de ter lavado os pés aos discípulos, Jesus disse-lhes:
    16Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia. 17Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática. 18Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi, e há-de cumprir-se a Escritura: Aquele que come do meu pão levantou contra mim o calcanhar.
    19Desde já vo-lo digo, antes que isso aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu sou. 20Em verdade, em verdade vos digo: quem receber aquele que Eu enviar é a mim que recebe, e quem me recebe a mim, recebe aquele que me enviou.»

    Este texto conclui a secção do lava-pés. Esse gesto de Jesus, para além de muitas outras lições, quer ser uma explicação do provérbio que diz: «o servo não é maior do que o seu Senhor» (cf. Jo 15, 20; Mt 10, 24). O discípulo não experimentará menos perseguições do que o seu mestre. Provavelmente este provérbio surgiu do silêncio ou dos protestos diante das palavras de Jesus: «dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também», tomadas muito à letra (Jo 13, 15). O provérbio que vem a seguir: «não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia» (v. 16) acrescenta um outro aspecto que ilustra a relação entre Jesus e os discípulos. Maltratar um embaixador, constitui uma gravíssima injúria àquele que representa, àquele que o envia. Esta analogia é aplicada por Jesus aos seus discípulos, que são enviados por Ele, tal como Ele foi enviado pelo Pai. Quem receber um enviado de Jesus, não só recebe o próprio Jesus que envia, mas também o Pai que enviou Jesus. Assim se chega à raiz última da missão. Um dos melhores modos de lavar os pés aos outros, talvez o mais importante, é anunciar-lhes Cristo, tornando-O presente no meio deles.

    Meditatio

    Deus prepara-nos para os acontecimentos da vida, por meio das Escrituras, por meio da história do povo eleito, por meio da história de Jesus. Sem essa preparação, correríamos o risco de ficarmos desconcertados, escandalizados, de não os compreendermos de modo justo. Mas se os enfrentarmos e vivermos à luz de Deus, podemos dar-nos conta da graça que o Senhor nos oferece em cada um deles. Esta afirmação não é uma teoria mais ou menos rebuscada. É o próprio Jesus que o diz:
    «Desde já vo-lo digo, antes que isso aconteça, para que, quando acontecer,
    acrediteis que Eu sou» (v. 19).
    Jesus disse estas palavras referindo-se à traição de Judas evocada nas palavras: «Não me refiro a todos vós. Eu bem sei quem escolhi» (v. 18). Entre os discípulos há alguém que não será fiel, que trama traição. A fé dos restantes receberá um rude golpe. Parece que Jesus se enganou ao escolher um deles. Na verdade, apenas obedeceu ao Pai, para que se cumprissem as Escrituras. Era preciso que Cristo enfrentasse o mal e o vencesse. Era preciso que o mal chegasse muito perto de Jesus, e que a acção do maligno se verificasse também no grupo dos mais íntimos do Senhor. Deviam cumprir-se as Escrituras: «Aquele que come do meu pão levantou contra mim o calcanhar» (v. 18). Quando os discípulos verificaram que tudo se tinha realizado, puderam compreender o desígnio de Deus e verificar como, por meio da traição, esse projecto se realizou. Puderam dar-se conta de como o amor vence o ódio.
    Paulo, ao pregar em Antioquia da Pisída, revela a mesma mentalidade. Para
    falar de Jesus, da sua morte e da sua ressurreição, ao seu povo, começa muito
    longe; começa pela eleição do mesmo povo, percorrendo a sua história, até chegar a David. Aí repete a promessa de Deus: «Encontrei David, filho de Jessé, homem segundo o meu coração... Da sua descendência, segundo a sua promessa, Deus proporcionou a Israel um Salvador, que é Jesus» (vv. 22-23).
    Esta longa história é o fundamento da nossa fé. A morte e a ressurreição de Jesus não foram obra do acaso. Foram longamente preparadas por Deus na história. Por isso, iluminam toda a história futura. Mergulhados como estamos nos

    acontecimentos, nem sempre nos damos conta do seu sentido, correndo o risco de ficarmos desorientados. Por isso, devemos meditar demoradamente no Antigo Testamento e no mistério de Cristo, sempre disponíveis a fazer o que Ele quer, aqui e agora, ainda que seja algo de imprevisto. A fé robusta e consistente não vem de fórmulas mais ou menos perfeitas, que lemos ou ouvimos. Vem da experiência da vida, iluminada pela palavra de Deus. Algo de parecido ao que aconteceu aos discípulos de Emaús, na tarde da Páscoa. Estavam desiludidos e desorientados pelos acontecimentos. Mas, uma vez iluminados esses acontecimentos pela Palavra, logo adquiriram sentido, se lhes aqueceu o coração e se lhes abriram os olhos.

    Oratio

    Pai santo, infunde em mim uma fé robusta, uma confiança inabalável. Sei que jamais faltas às tuas promessas, porque és um Deus fiel. Dá-me olhos para ver, na vida e nos acontecimentos que me envolvem, a realização do teu projecto de salvação, apesar de tantos sinais contrários. Faz-me compreender que continuas a salvar o mundo e cada um dos homens, também na conturbada situação histórica em que nos encontramos, e que o mistério de Cristo, teu Filho, continua a realizar-se. Amen.

    Contemplatio

    Havia em Antioquia um grupo de padres, de profetas e de doutores. O Espírito Santo revelou-lhes positivamente a missão de Paulo e de Barnabé para a conversão dos gentios. Enviaram, portanto, estes dois apóstolos para os países do ocidente. Barnabé e Paulo passaram na ilha de Chipre onde fizeram maravilhas e ganharam para a fé o próprio procônsul, Sérgio Paulo. De lá foram para a Ásia Menor e pregaram em Pisídia, em Perga, em Antioquia, em Icónio, em Listra. Foi uma alternativa de sucessos e de perseguições.
    Em Listra um curioso incidente mostra bem como os dois apóstolos eram admiráveis no seu zelo, no poder da sua palavra e na sua dignidade de vida. O povo, testemunha dos seus milagres, tomou-os por deuses. Paulo, o brilhante orador devia ser Mercúrio, Barnabé, o santo levita com porte majestoso parecia ser Júpiter. Já lhes queriam oferecer sacrifícios. Tiveram de se desembaraçar para impedirem este sacrilégio. Mas no dia seguinte Judeus de Antioquia e de Icónio vêm persegui-los com as suas calúnias, e o povo tão móvel nos seus sentimentos expulsa-os à pedrada. Regressaram a Antioquia e separaram-se em seguida. Barnabé voltou a passar por Chipre e aí consolidou as cristandades que tinha fundado precedentemente. Foi em seguida pregar na Itália, e depois regressou a Chipre onde morreu (Leão Dehon, OSP
    3, p. 644s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Já vo-lo digo, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu sou» (Jo 13, 19).

    S. Marcos, Evangelista

    S. Marcos, Evangelista


    25 de Abril, 2024

    Marcos era filho de Maria de Jerusalém, em cuja casa Pedro se refugiou depois de ser libertado do cárcere (cf. At 12, 12). Era primo de Barnabé. Acompanhou o apóstolo Paulo na sua primeira viagem a Roma (cf. Col 4, 10) e esteve próximo dele durante a sua prisão em Roma (Fm 24). Depois, tornou-se discípulo de Pedro, de cuja pregação se fez intérprete no Evangelho que escreveu (cf. 1 Pe 5, 13). O seu evangelho é comumente reconhecido como o mais antigo, utilizado e completado por Mateus e por Lucas. Parece que também os grandes discursos da primeira parte do Atos dos Apóstolos são uma retomada e desenvolvimento do evangelho de Marcos, a partir de Mc 1, 15. É-lhe atribuída a fundação da Igreja de Alexandria.
    Lectio
    Primeira Leitura: 1 Pedro 5, 5b-14

    Irmãos: revesti-vos todos de humildade no trato uns com os outros, porque Deus opõe-se aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes. 6Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte no devido tempo. 7Confiai-lhe todas as vossas preocupações, porque Ele tem cuidado de vós. 8Sede sóbrios e vigiai, pois o vosso adversário, o diabo, como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar. 9Resisti-lhe, firmes na fé, sabendo que a vossa comunidade de irmãos, espalhada pelo mundo, suporta os mesmos padecimentos. 10Depois de terdes padecido por um pouco de tempo, o Deus que é todo graça e vos chamou em Jesus Cristo à sua eterna glória, há-de restabelecer-vos e consolidar-vos, tornar-vos firmes e fortes. 11Para Ele o poder pelos séculos dos séculos. Ámen. 12Por Silvano, a quem considero um irmão fiel, escrevo-vos estas breves palavras, para vos exortar e para vos assegurar que esta é a verdadeira graça de Deus; perseverai nela! 13Manda-vos saudações a comunidade dos eleitos que está em Babilónia e, em particular, Marcos, meu filho. 14Saudai-vos uns aos outros com um ósculo de irmãos que se amam. Paz a todos vós, que estais em Cristo.

    A tradição, segundo a qual Marcos recolheu, no seu evangelho, a pregação de Pedro, apoia-se nesta página, onde Pedro lhe chama "meu filho" (v. 13). Mas as exortações do primeiro dos apóstolos dirigem-se a todos quantos na Igreja têm responsabilidades de guias e mestres.
    O verdadeiro pastor deve, antes de mais, ser humilde e consciente de não ser dono de nada, mas ter recebido tudo de Deus. E a humildade é verdade!
    Os pastores devem também ser sóbrios e vigilantes. Nestas palavras ecoa o discurso escatológico de Jesus (cf. Mc 13, 1ss.). Pedro dirige aos pastores humildes e fiéis, sóbrios e vigilantes, a promessa de que Aquele Deus que os chamou à vida nova em Cristo os confirmará na graça e os coroará de glória (v. 10).
    Evangelho: Marcos 16, 15-20

    Naquele tempo, Jesus apareceu ao Onze Apóstolos e disse-lhes: 15«Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. 16Quem acreditar e for batizado será salvo; mas, quem não acreditar será condenado. 17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.» 19Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus. 20Eles, partindo, foram pregar por toda a parte; o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam.

    Nesta conclusão do evangelho original de Marcos, encontramos o chamado discurso missionário: Jesus envia os seus discípulos a levar o evangelho a todas as criaturas (vv. 15ss.). O missionário do Pai, Jesus, precisa de outros missionários. Aquele que é a Boa Nova confia a Boa Nova aos seus apóstolos: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (v. 15).
    Depois do mandato missionário, Marcos alude, de modo muito breve, e discreto à ascensão de Jesus ao céu: "O Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus." (v. 19). E conclui afirmando: "Eles, partindo, foram pregar por toda a parte" (v. 20). E assim mudou radicalmente a vida dos apóstolos e de muitas outras pessoas ao longo dos séculos.
    Meditatio

    A primeira leitura da festa de S. Marcos foi escolhida por causa da expressão "meu filho" usada por S. Pedro para se referir ao segundo evangelista, mas também pelas palavras: "Resisti-lhe, firmes na fé, sabendo que a vossa comunidade de irmãos, espalhada pelo mundo, suporta os mesmos padecimentos." (v. 9). Marcos é, de modo especial, o evangelista da fé. Insiste em que deve ser vivida mesmo no meio da obscuridade. O evangelista tem um sentido muito vivo dessa experiência. Mais do que desenvolver os ensinamentos do Mestre, preocupa-se em acentuar a manifestação do Messias crucificado. Apresenta-nos Jesus rodeado de pessoas que, depois de um primeiro entusiasmo, O recusam. Os próprios Doze, escolhidos por Ele, não O compreendem: têm o coração endurecido, fechado à Sua mensagem, à Sua Pessoa. Mesmo Pedro, que reconhece Jesus como Messias, não quer aceitar o caminho que Ele escolheu percorrer, o caminho da cruz. O centro do evangelho de Marcos é o paradoxal testemunho de fé do centurião, que reconhece em Jesus, que morre na cruz, o Filho de Deus. Marcos compreende a realidade profunda do itinerário doloroso de Jesus e apresenta-o à luz da fé, definitivamente consolidada na ressurreição. O segundo evangelho ajuda-nos a viver na fé e a alimentá-la no sofrimento e a apoiá-la unicamente em Cristo, sem procurar provas humanas.
    A reflexão de Marcos não é académica, mas existencial e vital. O Evangelho é Deus (cf. Mc 1, 14); contém e manifesta o projeto salvífico que o Pai quer realizar por meio do Filho em favor de toda a humanidade. É do coração de Deus que brota a "Boa Nova" capaz de encher de alegria todos os corações humanos que estejam disponíveis a acolher o dom da salvação. O "Evangelho é de Jesus Cristo" (cf. Mc 1, 1), quer dizer, é Jesus o Cristo, o Filho de Deus. Mas é também memorial de tudo quanto Jesus fez e disse. Numa palavra: para Marcos, o Evangelho é tudo, e tudo é Evangelho.
    Lembremos as nossas Constituições: "A missão em sentido estrito sempre esteve presente entre nós e continua a conservar para nós uma importância particular" (Cst 33). A nossa admiração e atenção por aqueles que hoje são "missionários" continuam bem vivas. Esses confrades deixaram a sua terra, a sua gente, para adotar uma outra, em favor da qual desenvolvem todas as atividades de apostolado (cf. Cst 15). "Reconhecemos como parte importante da nossa missão reparadora todo o trabalho que desde os princípios da Congregação muitos de nós desenvolvem na atividade missionária, em vista do anúncio do Evangelho e em solidariedade com os povos, cuja situação é particularmente difícil" (Documenta XIV).
    Oratio

    Abre, Senhor, os meus ouvidos para que se encham do tesouro do teu Evangelho, porque a minha vida, iluminada e confortada pela tua Palavra, terá sentido pleno e duradoiro. Faz-me acolher o Verbo da verdade presente no teu Evangelho. Abre, Senhor, a minha boca para que a Boa Nova acolhida, se torne proclamação da tua glória e mensagem de sentido e esperança para os irmãos. Que a minha vida se abra a Ti, se encontre contigo, que vens ao meu encontro todos os dias na Palavra que o teu Evangelho encerra e me dá. Ámen.
    Contemplatio

    S. Marcos amava Nosso Senhor sem qualquer reserva; estava maduro para o martírio. Os seus sucessos e os progressos da fé exasperavam os pagãos e em particular os sacerdotes de Serapis. Apoderaram-se de S. Marcos durante a solenidade da Páscoa do ano 68. Fizeram-lhe sofrer durante dois dias um horrível suplício, fazendo-o arrastar com cordas por terrenos pedregosos dos subúrbios de Buroles; mas o amor é mais forte do que a morte, e o santo bendizia a Nosso Senhor e dava-lhe graças por ter sido julgado digno de sofrer por seu amor. Durante a noite que separou os dois dias de torturas, o santo foi reconfortado por visitas celestes. Foi primeiro um anjo que lhe disse: «Marcos, servo de Deus e chefe dos ministros de Cristo, no Egipto, o vosso nome está escrito no livro da vida e as potências celestes virão em breve procurar-vos para vos conduzirem ao céu». Depois apareceu-lhe o próprio Nosso Senhor, como o tinha conhecido na Galileia: «A paz esteja convosco, Marcos nosso evangelista», diz-lhe; depois desapareceu. Esta palavra de encorajamento bastava. S. Marcos foi de novo arrastado e dilacerado pelas pedras, enquanto bendizia a Deus: «Meu Deus, nas vossas mãos entrego a minha alma». (L. Dehon, OSP 3, p. 479).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Convertei-vos e acreditai no Evangelho" (Mc 1, 15).

    S. Marcos, Evangelista (25 Abril)

  • 4ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    4ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    26 de Abril, 2024

    4ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 13, 26-33

    Naqueles dias, disse Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia: 26Irmãos, filhos da estirpe de Abraão, e os que de entre vós são tementes a Deus, a nós é que foi dirigida a palavra de salvação. 27Sem dúvida, os habitantes de Jerusalém e os seus chefes não quiseram reconhecer Jesus, mas, condenando-o, cumpriram, sem disso se aperceberem, as profecias que são lidas todos os sábados. 28Embora não tivessem encontrado nele motivo algum de morte, exigiram a Pilatos que o mandasse matar. 29Quando cumpriram tudo o que acerca dele estava escrito, desceram-no do madeiro e sepultaram-no. 30Mas Deus ressuscitou-o dos mortos 31e, durante muitos dias, apareceu aos que tinham subido com Ele da Galileia a Jerusalém, os quais são agora suas testemunhas diante do povo. 32E nós estamos aqui para vos anunciar a Boa-Nova de que a promessa feita a nossos pais, 33Deus a cumpriu em nosso benefício, para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus, como está escrito no Salmo segundo: Tu és meu filho, Eu hoje te gerei!

    O discurso de Paulo, em Antioquia da Pisída, pode resumir-se assim: o evangelho é a consumação de tudo quanto Deus fez, anunciou e prometeu ao seu povo. No fundo, Paulo usa os mesmos argumentos de Pedro no seu primeiro discurso, no dia de Pentecostes. Provavelmente era um esquema habitual para quem anunciava o Evangelho em ambientes judaicos. Jesus, injustamente condenado, foi reconhecido justo por Deus na ressurreição. É esta a palavra de salvação, a boa nova, a realização da promessa feita aos pais (cf. v. 32). Deus é suficientemente forte para vencer o mal, ainda o mais horrível. Deus salva aqueles que acreditam no seu poder, esse poder com que ressuscitou Jesus.
    Ao anunciar a ressurreição, Paulo fundamenta-se em «testemunhas» (v. 30), transmitindo aquilo que recebeu. Sabe que não é testemunha, como Pedro e os outros Apóstolos, mas tem consciência de pertencer ao grupo dos missionários. Por isso, acrescenta: «nós estamos aqui para vos anunciar a Boa-Nova de que a promessa feita a nossos pais».

    Evangelho: João 14, 1-6

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: «Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim. 2Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, como teria dito Eu que vos vou preparar um lugar? 3E quando Eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei-de levar-vos para junto de mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também. 4E, para onde Eu vou, vós sabeis o caminho.» 5Disse-lhe Tomé: «Senhor, não sabemos para onde vais, como podemos nós saber o caminho?» 6Jesus respondeu-lhe: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim».

    As primeiras palavras de Jesus, no quarto evangelho, «Que procurais?»(1, 38), têm resposta neste capítulo 14: «Na casa de meu Pai há muitas moradas» (v. 2). Jesus anunciara a sua partida no capítulo 13. A afirmação de fidelidade, por parte de

    Pedro, é contrabalançada pelo anúncio da sua negação. Os discípulos estavam decepcionados. No capítulo 14, João apresenta-nos Jesus a inculcar-lhes segurança e confiança. Eles devem acreditar em Jesus como acreditam em Deus. E devem confiar que a sua partida os favorece. Mais ainda: conhecendo a Jesus, conhecem o caminho para o Pai, porque é Ele o caminho. É tudo o que o homem precisa para se salvar, porque o Pai está em Jesus para salvação do homem.
    A partida de Jesus implica o seu regresso, para completar a missão que o Pai
    lhe confiou. Jesus voltará aos seus amigos depois da crucifixão; Ele e o Pai viverão naqueles ques os amam e guardam as suas palavras; não se trata de uma manifestação expectacular, mas de uma manifestação captada pela fé, através do Espírito; ainda que Jesus volte, depois da sua morte, permanece em pé a sua vinda no fim dos tempos.
    «Na casa de meu Pai há muitas moradas» (v. 2), dizia Jesus. Na mentalidade
    da época, o mais além tinha uma capacidade limitada. Por isso, havia que pesar os vícios e as virtudes dos candidatos à entrada. Só entraria quem tivesse um peso de virtudes superior ao dos vícios. Jesus afirma que, na vida do além, há lugar para todos os seus discípulos. Estarão com Ele. E Ele é o caminho que leva à vida eterna:
    «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim».

    Meditatio

    «Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim» (v. 1). A crucificação de Jesus causará grande perturbação aos discípulos. Por isso, Jesus prepara-os dizendo-lhes palavras de consolação e de esperança. Irá repeti-las depois da ressurreição. Essas palavras mostram aos apóstolos que a paixão era o meio querido por Deus para renovar e salvar o homem. Também para nós chegará, mais cedo ou mais tarde, o momento da perturbação, motivado pelos ódios, pelas vinganças, pelas violências, pela corrupção, pela indiferença, pela fome de dinheiro e de poder que campeiam pelo mundo. As nossas cidades tornaram-se semelhantes a Sodoma e a Gomorra. Como é possível não ficar perturbados? A perturbação do coração acrescenta dificuldades às dificuldades. É uma reacção natural. Mas o Senhor diz-nos que podemos ultrapassar tudo com uma atitude de fé, apoiando-nos no seu poder, na sua riqueza. Somos fracos e pobres. Mas as riquezas do Senhor são também nossas, e Ele está connosco sempre. Quando diz que nos vai preparar um lugar, não quer dizer que nos abandona, mas que sofrerá para transformar o homem, para o tornar capaz de se aproximar de Deus. «Em Cristo, mediante a fé nele, temos a liberdade e coragem de nos aproximarmos de Deus com confiança», escreve Paulo aos Efésios (3, 12). E acrescenta «por isso, peço-vos que não desanimeis com as tribulações que sofro por vós; elas são a vossa glória» (3, 13). Graças à morte e à ressurreição do Filho, o homem pode aproximar-se de Deus sem tremer, e cheio de um amor confiante e agradecido. Foi desse modo que Jesus nos preparou um lugar na casa do Pai. Ele continua a ser para nós, hoje, o caminho a verdade e a vida. Só com Ele podemos ultrapassar os ciclones da ganância e da sensualidade sem limites, e os ventos gélidos da injustiça e do cinismo. Se alguém nos quiser levar por outros caminhos, não esqueçamos que só Ele é o caminho. Se nos propuserem soluções mais avançadas, lembremo-nos que só Ele é a verdade.
    Se nos quiserem ensinar a viver mais intensamente e com mais liberdades, recordemo-nos de que só Ele é a vida.

    Oratio

    Senhor, ampara o meu coração vacilante. Como é difícil resistir a tantos vendavais que parecem varrer da face da terra o património espiritual acumulado

    durante séculos pelo trabalho generoso dos teus missionários e pastores. As nossas comunidades envelhecem, declina a prática religiosa, são cada vez menos as vocações. Vem, Senhor, em auxílio da minha fé vacilante. Não quero abandonar-te, porque és tudo para mim. Apoia a minha esperança fraca, que gostava de ver os novos tempos iluminados pela tua verdade. Atiça a frágil chama do meu amor pelos irmãos, que gostaria de ajudar a pôr em contacto Contigo. Sê para mim o caminho, a verdade e a vida. Amen.

    Contemplatio

    Jesus é o caminho. «Para onde vou, vós sabeis e sabeis o caminho». A questão de Tomé é surpreendente, Jesus falou sempre tão claramente!
    Para onde vai? Vai para o seu Pai, disse-o muitas vezes e acaba de o repetir:
    «Vou preparar-vos um lugar na casa de meu Pai».
    Jesus é o caminho. Não disse ele a todos os que chamava: «Sequere me, segui-me? Mostrou-nos o caminho que conduz ao céu, é aquele que ele mesmo percorreu primeiro. É o caminho da humildade e da doçura, é o caminho do desapego e da renúncia, a via da penitência e da reparação, é a via da dedicação e do sacrifício.
    É também a via de união e de amor. Quantas vezes, Nosso Senhor nos disse:
    «Vivo no meu Pai, e o meu Pai em mim; faço sempre a vontade de meu Pai; amo o meu Pai, observo os seus preceitos e permaneço no seu amor». Eis o caminho: manter-nos unidos a Jesus, ao seu divino Coração: fazer em tudo a sua vontade, permanecer no seu amor; aprender dele que é doce e humilde, que foi sacrificado e imolado, que se abandonou nas mãos do Pai (Leão Dehon, OSP 3, p. 441s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu sou o Caminho» (Jo 14, 6).

  • 4ª Semana - Sábado - Páscoa

    4ª Semana - Sábado - Páscoa

    27 de Abril, 2024

    4ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 13, 44-52

    44No segundo sábado em que Paulo e Barnabé estiveram em Antioquia da Pisídia, quase toda a cidade se reuniu para ouvir a palavra do Senhor. 45A presença da multidão encheu os judeus de inveja, e responderam com blasfémias ao que Paulo dizia. 46Então, desassombradamente, Paulo e Barnabé afirmaram: «Era primeiramente a vós que a palavra de Deus devia ser anunciada. Visto que a repelis e vós próprios vos julgais indignos da vida eterna, voltamo-nos para os pagãos, 47pois assim nos ordenou o Senhor: Estabeleci-te como luz dos povos, para levares a salvação até aos confins da Terra.» 48Ao ouvirem isto, os pagãos encheram-se de alegria e glorificavam a palavra do Senhor; e todos os que estavam destinados à vida eterna abraçaram a fé. 49Assim, a palavra do Senhor divulgava-se por toda aquela região. 50Mas os judeus incitaram as senhoras devotas mais distintas e os de maior categoria da cidade, desencadeando uma perseguição contra Paulo e Barnabé, e expulsaram-nos do seu território. 51Estes, sacudindo contra eles o pó dos pés, foram para Icónio. 52Quanto aos discípulos, estavam cheios de alegria e do Espírito Santo.

    É breve o intervalo que separa o discurso de Paulo em Antioquia e a continuação do seu ensino, no sábado seguinte, na sinagoga. Mas este intervalo tem por fim mostrar o interesse que a pregação do Apóstolo desperta entre judeus e pagãos. Querem ouvir mais, e Paulo exorta-os a permanecerem na graça de Deus, isto é, na escuta do Evangelho. De facto, no sábado seguinte «quase toda a cidade» (v. 44) acorre a escutar a Palavra de Deus. Mas os judeus encheram-se de inveja e «judeus incitaram as senhoras devotas mais distintas e os de maior categoria da cidade» contra Paulo e Barnabé, que são expulsos do território. É nesse momento que se dá a separação definitiva entre o Evangelho e o Judaísmo.
    Paulo reafirma o direito dos judeus a serem evangelizados antes de mais ninguém... Mas, uma vez que recusavam o evangelho, era a vez de o anunciarem aos pagãos. Em Antioquia, os missionários declaram que se voltam para os pagãos, não só por causa da recusa dos judeus, mas também por causa das palavras de Isaías que fala da luz para todos os povos (49, 6). Os cristãos são herdeiros do destino glorioso que estava reservado a Israel, que se tornou incapaz de o realizar, uma vez que recusou Jesus Cristo. Lucas termina a narrativa de um modo positivo: «Quanto aos discípulos, estavam cheios de alegria e do Espírito Santo» (v. 52).

    Evangelho: João 14, 7-14

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «7Se ficastes a conhecer-me, conhecereis também o meu Pai. E já o conheceis, pois estais a vê-lo.» 8Disse-lhe Filipe:
    «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» 9Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? 10Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em mim?As coisas que Eu vos digo não as manifesto por mim mesmo: é o Pai, que, estando em mim, realiza as suas obras. 11Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em mim; crede, ao menos, por causa dessas mesmas obras. 12Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai, 13e o que pedirdes em meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se manifeste a glória do Pai. 14Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, Eu o farei.»

    «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!». Jesus, no quarto evangelho, fala frequentemente da sua relação com o Pai, da sua união com Ele, do facto de ter sido enviado por Ele. Os discípulos, agora representados por Filipe, queriam algo mais: uma visão directa do Pai. Mas esse desejo estava em contradição com aquilo que já nos aparece no prólogo de João: «A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer» (Jo 1, 18). Mas os discípulos não souberam reconhecer na presença visível do seu Mestre as palavras e as obras do Pai (cf. v. 9) porque, para ver o Pai no Filho, é preciso acreditar na união recíproca que existe entre ambos. Só pela fé se reconhece a mútua imanência entre o Jesus e o Pai. Por isso, a única coisa que havemos de pedir é a fé, esperando confiadamente esse dom. Jesus ao apelar para a fé, apoia os seus ensinamentos em duas razões: a sua autoridade pessoal, tantas vezes experimentada pelos discípulos, e o testemunho das suas obras (cf. v. 11).
    A obra de Jesus, inaugurada pela sua missão de revelador, é apenas um começo. Os discípulos hão-de continuar a sua missão de salvação, farão obras iguais e mesmo superiores às suas. Jesus quer mesmo dar coragem, aos seus e a todos os que hão-de acreditar n´Ele, para que se tornem participantes convictos e decididos na sua própria missão.

    Meditatio

    Jesus falou muito do Pai. Filipe entusiasmou-se e pediu a Jesus que lhe mostrasse o Pai. Mas o Senhor respondeu-lhe: «Quem me vê, vê o Pai». Filipe queria ver o Pai, mas não conseguiu vê-lo em Jesus. Ao contemplar o Mestre ficou pela realidade externa, não conseguindo atingir o interior, a sua realidade íntima, com o olhar penetrante da fé. O verbo «ver», para João, indica duas ordens de realidades: a do sinal visível (a realidade natural) e o da glória do Verbo (realidade sobrenatural).
    «Quem me vê, vê o Pai... Eu estou no Pai e o Pai está em mim». Jesus é a revelação de amor, de um amor generoso que quer espalhar-se sem limites, que não tem ciúmes: «quem crê em mim também fará as obras que Eu realizo; e fará obras maiores do que estas» (v. 12). Nós pensaríamos que, sendo Jesus o Filho de Deus vindo ao mundo, é a Ele que pertence fazer as obras maiores. Mas não é essa a lógica do amor de Deus, que é generoso e enriquece de modo ilimitado aqueles nos quais se derrama.
    Deus não tem ciúmes. Mas os judeus têm-nos. É o que nos mostra a página dos Actos que hoje escutamos. Quando vêem a multidão, que o discurso de Paulo atraiu, enchem-se de inveja. A mensagem deve ser reservada para eles, é seu privilégio. Ao verem que era oferecida a «quase toda a cidade» organizaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé. Os judeus não toleravam que a fé fosse oferecida também aos pagãos. Mas Deus não cede e, Paulo, atento à vontade de Deus (cf. v. 47), declara: «Visto que a repelis e vós próprios vos julgais indignos da vida eterna, voltamo-nos para os pagãos».
    Há que alegrar-nos com o bem dos outros, para estarmos com o Senhor.
    Quando vemos o bem que Deus faz a outros, não há que ficar invejosos, mas que dar graças.

    Infelizmente nas comunidades cristãs, e até mesmo nas comunidades religiosas, também nascem inimizades geralmente causadas pela mesquinhez, pela tacanhez de espírito, pelo ciúme e pela inveja. São inimizades que provocam muito sofrimento em quem delas é objecto, sem culpa. Valem, então, as palavras de Jesus: "Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam (ou que, sem um verdadeiro ódio, são invejosos, ciumentos), bendizei aqueles que vos amaldiçoam (no sentido de que falam mal de vós), rezai por aqueles que vos maltratam (não fisicamente, mas moralmente) (Lc 6, 27-28). "Para que sejais filhos do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol para os bons e para os maus, e manda a chuva para os justos e os injustos... Sede, portanto, perfeitos como é perfeito o Pai celeste" (Mt 5, 45-46).

    Oratio

    Senhor, dá-me aquela abertura de coração que é fonte de alegria perene, que é dom de amor generoso, que se alegra com o bem e com a felicidade dos outros, com todo o bem que há no mundo. Dá-me também aquele olhar penetrante da fé que me permite observar a tua presença e acção no mundo. Ensina-me a ler os sinais dos tempos para que não oscile entre o pessimismo e o optimismo. Ensina-me a arte do discernimento, para que Te veja onde actuas e como actuas. Purifica o meu coração, para que me deixe guiar, não pelos meus estados de espírito, mas pela tua luz, que me mostra onde estás. Então poderei tornar-me teu colaborador na obra da redenção que realizas no coração do mundo, e amar-Te como queres e tens direito a ser amado. Amen.

    Contemplatio

    «Se me tivésseis conhecido como devíeis, diz Jesus, teríeis também conhecido o meu Pai, porque o meu Pai e eu somos um; mas em breve o conhecereis, ao receberdes o Espírito Santo, e já, ao me verdes, o vistes.
    – Senhor, disse-lhe Filipe, mostrai-nos o Pai celeste, por alguma visão miraculosa, e isso nos basta. – O quê? diz-lhe Jesus, com uma doce censura, há tanto tempo que estou convosco, e ainda não me conheceis? Não sabeis ainda que eu sou o Filho único e consubstancial do Pai? Filipe, quem me vê, vê também o Pai, e não tem necessidade de outra revelação, porque o Pai e eu somos um só na unidade da essência divina. Como dizeis então: Mostrai-nos o Pai? Não credes que eu estou no Pai e que o meu Pai está em mim? As palavras, que vos digo, não as digo de mim mesmo; elas não são o fruto de uma inteligência humana; e os milagres que eu faço são a obra de meu Pai que permanece em mim. São a prova da minha missão e da minha natureza divina. Não credes que eu estou no meu Pai e que o meu Pai está em mim? Ainda uma vez, se não crerdes nas minhas palavras, crede ao menos por causa das obras que faço».
    – Somos cegos como os apóstolos. Vendo as obras de Nosso Senhor, deveríamos ver claramente que é o nosso Deus (Leão Dehon, OSP 3, 448).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem crê em mim fará obras maiores do que estas» (Jo 14, 12)».

  • 05º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    05º Domingo da Páscoa - Ano B [atualizado]

    28 de Abril, 2024

    ANO B

    5.º DOMINGO DA PÁSCOA

    Tema do 5.º Domingo da Páscoa

    A liturgia do quinto Domingo da Páscoa fala-nos de Jesus como a fonte da Vida autêntica. Os discípulos de Jesus, unidos a Ele, bebem d’Ele essa Vida e testemunham-na em gestos concretos de amor. É assim que a proposta de Vida nova de Deus alcança o mundo e a vida dos homens.

    No Evangelho Jesus, em contexto de despedida, apresenta-se aos discípulos como “a verdadeira videira” e convida-os a permanecerem ligados a Ele para receberem d’Ele Vida. Jesus (a videira) e os discípulos (os ramos) produzirão frutos bons, os frutos que Deus espera. Enquanto se mantiverem unidos a Jesus, os discípulos serão testemunhas verdadeiras, no meio dos homens, da Vida nova de Deus.

    A primeira leitura, a pretexto de nos contar a inserção de Paulo de Tarso na comunidade cristã de Jerusalém, lembra-nos que a experiência cristã é um caminho feito em comunidade: é no diálogo e na partilha com os irmãos que a nossa fé nasce, cresce e amadurece. A comunidade cristã deve ser uma casa de portas abertas, onde todos têm lugar e onde todos podem fazer, de mãos dadas com os outros irmãos, uma experiência de encontro com Jesus ressuscitado.

    A segunda leitura lembra que na base da vida cristã autêntica está o “acreditar em Jesus” e o amar os irmãos “como Ele mandou”. São esses os “frutos” que Deus espera de todos aqueles que estão unidos a Cristo. Se testemunharmos em gestos concretos o amor de Jesus, estamos unidos a Jesus e a vida de Jesus circula em nós.

     

    LEITURA I – Atos dos Apóstolos 9,26-31

    Naqueles dias,
    Saulo chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos.
    Mas todos os temiam, por não acreditarem que fosse discípulo.
    Então, Barnabé tomou-o consigo, levou-o aos Apóstolos
    e contou-lhes como Saulo, no caminho,
    tinha visto o Senhor, que lhe tinha falado,
    e como em Damasco tinha pregado com firmeza
    em nome de Jesus.
    A partir desse dia, Saulo ficou com eles em Jerusalém
    e falava com firmeza no nome do Senhor.
    Conversava e discutia também com os helenistas,
    mas estes procuravam dar-lhe a morte.
    Ao saberem disto, os irmãos levaram-no para Cesareia
    e fizeram-no seguir para Tarso.
    Entretanto, a Igreja gozava de paz
    por toda a Judeia, Galileia e Samaria,
    edificando-se e vivendo no temor do Senhor
    e ia crescendo com a assistência do Espírito Santo.

     

    CONTEXTO

    A secção de At 9,1-30 é dedicada a um acontecimento que marcará a história do cristianismo: a vocação/conversão de Paulo. Foi depois de se encontrar com Jesus ressuscitado que Paulo, convertido à Boa Nova de Jesus, abraçou a missão de levar a Boa Nova da salvação ao encontro de outras culturas e realidades; e o projeto de Jesus “viajou” com Paulo desde as fronteiras do mundo judaico até ao coração do mundo greco-romano.

    De acordo com At 9,1 Paulo, pouco depois da morte do diácono Estevão, pôs-se a caminho de Damasco, mandatado pelo Sinédrio, para prender e trazer algemados para Jerusalém os membros da comunidade judaica que tivessem aderido a Jesus; mas, no caminho, viu-se “envolvido por uma luz intensa” e fez a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Percebeu, então, que estava a perseguir o próprio Jesus. Isso abalou todas as suas certezas e levou-o a questionar o caminho que estava a seguir (cf. At 9,1-9). Entrando em Damasco, Paulo encontrou-se com Ananias, membro da comunidade cristã dessa cidade, que o ajudou a situar as coisas, a esclarecer as dúvidas que tinha e a posicionar-se face a Jesus (cf. At 9,10-19a). Paulo ficou em Damasco, integrado na comunidade cristã, dando testemunho de Jesus (cf. At 9,20-22); mas, ao fim de algum tempo, os judeus da cidade conspiraram para o matar e Paulo teve que fugir (cf. At 9,23-25). Dirigiu-se, então, para Jerusalém, indo apresentar-se à comunidade cristã da cidade.

    Pensa-se que a conversão de Paulo terá acontecido por volta do ano 36 e que ele permaneceu em Damasco cerca de três anos. O regresso de Paulo a Jerusalém deve ter acontecido, portanto, por volta do ano 39 (cf. Gal 1,18).

    O texto que nos é proposto como primeira leitura neste quinto domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, logo após o regresso do regresso de Paulo. Inclui, além disso, num versículo final, um breve sumário da vida da Igreja: é um dos tantos sumários típicos de Lucas, através dos quais o autor dos Atos faz um balanço da situação e prepara os temas que vai tratar nas secções seguintes.

     

    MENSAGEM

    Na sua narração, o autor dos Atos dos Apóstolos apresenta um conjunto de informações históricas sobre a forma como Paulo foi acolhido pela comunidade cristã de Jerusalém, depois da sua fuga de Damasco. Mas percebe-se que Lucas pretende ir um pouco mais além da simples informação histórica: nas entrelinhas, ele deixa aos membros das comunidades cristãs – do seu tempo e de todos os tempos – algumas interrogações e desafios sobre a forma de viver e de testemunhar, em comunidade, a fé em Jesus. Vamos sublinhar algumas dessas interrogações.

    1. A desconfiança da comunidade cristã de Jerusalém em relação a Paulo (“todos o temiam, por não acreditarem que fosse discípulo” – vers. 26) é um dado verosímil e que é, muito provavelmente, histórico. Decorre, naturalmente, daquilo que os cristãos de Jerusalém sabiam do passado de Paulo. Mas, por outro lado, sem ser demasiado direto, Lucas põe as comunidades cristãs de sobreaviso para um “perigo” bem real: o medo do risco, a excessiva prudência, a instalação cómoda nos velhos esquemas de sempre, podem ser obstáculos que não deixam acontecer o “hoje” de Deus. Se a comunidade cristã de Jerusalém tivesse decidido, por medo ou prudência excessiva, fechar as portas a Paulo, teria fechado as portas ao dom de Deus e à novidade do Espírito; e isso teria empobrecido consideravelmente a Igreja de Jesus.
    2. O esforço de Paulo em integrar-se (“chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos” – vers. 26) mostra a importância que ele dava ao viver em comunidade, à partilha da fé com os irmãos. O cristianismo não é apenas um encontro pessoal com Jesus Cristo; mas é também uma experiência de partilha da fé e do amor com os irmãos que aderiram ao mesmo projeto e que são membros da grande família de Jesus. É no diálogo e na partilha comunitária que nos questionamos sobre os limites dos nossos entendimentos pessoais, que nos enriquecemos com a experiência dos outros irmãos, que nos ajudamos mutuamente a vencer as dificuldades, que discernimos os caminhos do Espírito e que purificamos a nossa experiência de fé.
    3. O papel de Barnabé na integração de Paulo é muito significativo (“Barnabé tomou-o consigo, levou-o aos apóstolos e contou-lhes como Saulo, no caminho, tinha visto o Senhor” – vers. 27a): ele não só acredita em Paulo, como consegue que o resto da comunidade cristã o acolha. Mostra-nos o papel que cada cristão pode ter na integração comunitária dos irmãos, inclusive daqueles que, pelo seu percurso de vida, foram rotulados e afastados; e mostra, sobretudo, que é tarefa de cada crente questionar a sua comunidade e ajudá-la a descobrir os desafios sempre novos de Deus.
    4. Outro elemento sublinhado por Lucas é o entusiasmo com que Paulo dá testemunho de Jesus e a coragem com que ele enfrenta as dificuldades e oposições resultantes do seu testemunho (vers. 27b-28). Trata-se, aliás, de uma atitude que vai caracterizar toda a vida apostólica de Paulo. O encontro com Jesus, se é verdadeiro, tem de resultar no testemunho do Evangelho. Paulo está consciente de que foi chamado por Jesus, que recebeu de Jesus a missão de anunciar a salvação a todos os homens; por isso, nada nem ninguém será capaz de arrefecer o seu zelo no anúncio do Evangelho. Lucas está a sugerir, com esta “notícia”, que todos aqueles que se encontram com Jesus e aderem à sua proposta devem tornar-se testemunhas credíveis e corajosas do Evangelho.
    5. A pregação cristã suscita, naturalmente, o conflito com os poderes interessados em perpetuar as trevas, a mentira, a opressão. A fidelidade ao Evangelho e a Jesus provoca sempre a oposição de quem teme a luz e a verdade do Evangelho (vers. 29). O caminho do discípulo de Jesus é sempre um caminho marcado pela cruz (não é, no entanto, um caminho de morte, mas de Vida). Convém que os discípulos de Jesus estejam bem conscientes desta realidade e que não se deixem paralisar pelo medo.
    6. O sumário final (vers. 31) recorda um elemento que está sempre presente no horizonte da catequese de Lucas: é o Espírito Santo que conduz a Igreja na sua marcha pela história. É o Espírito que lhe dá estabilidade (“como um edifício”), que lhe alimenta o dinamismo (“caminhava no temor do Senhor”) e que a faz crescer (“ia aumentando”). A certeza da presença e da assistência do Espírito Santo deve fundamentar a nossa esperança.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A comunidade cristã de Jerusalém colocou algumas reticências ao acolhimento de Paulo. Trata-se de uma “precaução” que podemos compreender, considerando o historial de Paulo. Mas a verdade é que a comunidade cristã não é um condomínio fechado, com direito de admissão reservado; mas é uma casa de portas abertas, onde todos podem entrar, onde todos são acolhidos como irmãos e onde todos podem fazer uma experiência de encontro com Jesus ressuscitado. Como é a nossa comunidade cristã? É uma comunidade fechada, pouco acolhedora, cheia de preconceitos, criadora de exclusão, ou é uma comunidade aberta, fraterna, solidária, disposta a acolher?

     

    • Paulo, mal chega a Jerusalém, procura imediatamente a comunidade cristã. Já tinha, então, percebido, que a vivência da fé é uma experiência comunitária. É no diálogo e na partilha com os irmãos que a nossa fé nasce, cresce e amadurece; é na comunidade, unida por laços de amor e de fraternidade, que a nossa vocação se realiza plenamente; é na comunidade e sempre em referência comunitária que celebramos ritualmente a fé. Como é que nós vivemos a fé? Como experiência isolada (“eu cá tenho a minha fé”), ou como experiência comunitária? Consideramos que a comunidade, apesar das tensões e conflitos que possa ter, é a “casa de família” onde nos sentimos bem e onde podemos fazer, de forma privilegiada, a experiência do encontro com o nosso irmão Jesus?
    • Barnabé assume, na comunidade cristã de Jerusalém, o papel de questionar os preconceitos, o fechamento, a atitude defensiva da comunidade em relação a Paulo. Faz-nos pensar no papel que Deus reserva a cada um de nós, no sentido de ajudarmos a nossa comunidade cristã a crescer, a sair de si própria, a viver com mais coerência o seu compromisso com Jesus Cristo e com o Evangelho. Nenhum membro da comunidade é detentor de verdades absolutas; mas todos os membros da comunidade devem sentir-se responsáveis para que a comunidade dê, no meio do mundo, um verdadeiro testemunho de Jesus e do seu projeto de salvação. Somos, nas nossas comunidades cristãs, pessoas envolvidas e comprometidas, que questionam, que propõem caminhos, que colaboram na procura comum da verdade de Deus e do Espírito?
    • O encontro com Jesus ressuscitado no caminho de Damasco foi um momento transformador. A partir desse encontro, Paulo tornou-se o arauto entusiasta e imparável do projeto libertador de Jesus. A perseguição dos judeus, a oposição das autoridades, a indiferença dos não crentes, a incompreensão dos irmãos na fé, os perigos dos caminhos, as incomodidades das viagens, não conseguiram desencorajá-lo e desarmar o seu testemunho. O exemplo de Paulo recorda-nos que ser cristão é dar testemunho de Jesus e do Evangelho. A experiência que fazemos de Jesus e do seu projeto libertador não pode ser calada ou guardada apenas para nós; mas tem de se tornar um anúncio libertador que, através de nós, chega a todos os nossos irmãos. Procuramos assumir, no dia a dia, este papel de “missionários” (“enviados”), de testemunhas da Boa Notícia de Jesus?
    • A Igreja é uma comunidade formada por homens e mulheres e, portanto, marcada pela debilidade e fragilidade; mas é, sobretudo, uma comunidade que marcha pela história assistida, animada e conduzida pelo Espírito Santo. O “caminho” que percorremos como Igreja pode ter avanços e recuos, infidelidades, quedas e vicissitudes várias; mas é um caminho que conduz a Deus, à Vida definitiva à salvação. A presença do Espírito dirigindo a caminhada dá-nos essa garantia. Confiamos na ação do Espírito? Acreditamos que a Igreja, apesar da fragilidade dos seus membros, será sempre “sacramento universal de salvação”, pois é conduzida pelo Espírito de Deus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)

    Refrão 1: Eu Vos louvo, Senhor, na assembleia dos justos.

    Refrão 2: Eu Vos louvo, Senhor, no meio da multidão.

     

    Cumprirei a minha promessa na presença dos vossos fiéis.
    Os pobres hão de comer e serão saciados,
    louvarão o Senhor os que O procuram:
    vivam para sempre os seus corações.

    Hão de lembrar-se do Senhor e converter-se a Ele
    todos os confins da terra;
    e diante d’Ele virão prostrar-se
    todas as famílias das nações.

    Só a Ele hão de adorar
    todos os grandes do mundo,
    diante d’Ele se hão de prostrar
    todos os que descem ao pó da terra.

    Para Ele viverá a minha alma,
    Há de servi-l’O a minha descendência.
    Falar-se-á do Senhor às gerações vindouras
    e a sua justiça será revelada ao povo que há de vir:
    «Eis o que fez o Senhor».

     

    LEITURA II – 1 João 3,18-24

    Meus filhos,
    não amemos com palavras e com a língua,
    mas com obras e em verdade.
    Deste modo saberemos que somos da verdade
    e tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus;
    porque, se o nosso coração nos acusar,
    Deus é maior que o nosso coração
    e conhece todas as coisas.
    Caríssimos, se o coração não nos acusa,
    tenhamos confiança diante de Deus
    e receberemos d’Ele tudo o que Lhe pedirmos,
    porque cumprimos os seus mandamentos
    e fazemos o que Lhe é agradável.
    É este o seu mandamento:
    acreditar no nome de seu Filho, Jesus Cristo,
    e amar-nos uns aos outros, como Ele nos mandou.
    Quem observa os seus mandamentos
    permanece em Deus e Deus nele.
    E sabemos que permanece em nós
    pelo Espírito que nos concedeu.

     

    CONTEXTO

    Já vimos, nos domingos anteriores, que a Primeira Carta de João é um escrito dirigido às Igrejas joânicas da Ásia Menor, destinado a intervir na controvérsia levantada por hereges pré-gnósticos a propósito de pontos fundamentais da teologia cristã. Nesse contexto, o autor da Carta procura fornecer aos cristãos (algo confusos diante das proposições heréticas) uma síntese da vida cristã autêntica.

    Uma questão que tem um tratamento desenvolvido na Primeira Carta de João é a questão do amor ao próximo. Os hereges pré-gnósticos afirmavam que o essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus; mas, ocupados a olhar para o céu, negligenciavam o amor ao próximo (cf. 1 Jo 2,9). Ora, de acordo com o autor da Primeira Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência central da experiência cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer que está em comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor. Jesus demonstrou isso mesmo ao amar os homens até ao extremo de dar a vida por eles, na cruz; e exigiu que os seus discípulos O seguissem no caminho do amor e do dom da vida aos irmãos (cf. 1 Jo 3,16). Em última análise, é o amor aos irmãos que decide o acesso à Vida: só quem ama alcança a Vida verdadeira e eterna (cf. 1 Jo 3,13-15). A realização plena do homem depende da sua capacidade de amar os irmãos.

    O texto que a liturgia deste quinto domingo da Páscoa nos apresenta como segunda leitura pertence a uma secção que poderíamos intitular “viver como filhos de Deus” (3,1-24). Conclui a reflexão sobre o tema do amor aos irmãos, que é apresentado como consequência da filiação divina.

     

    MENSAGEM

    No versículo que antecede o texto (um versículo que a liturgia deste domingo não apresenta), o autor da Carta coloca aos crentes uma questão muito concreta: “se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?” (1 Jo 3,17). E, logo de seguida, o nosso “catequista” conclui (e é aqui que começa o nosso texto): o amor aos irmãos não é algo que se manifesta em declarações solenes de boas intenções, mas em gestos concretos de partilha e de serviço. É com atitudes concretas em favor dos irmãos que se revela a autenticidade da vivência cristã e se dá testemunho do projeto salvador de Deus (vers. 18).

    Quando, efetivamente, deixamos que o amor conduza a nossa vida, podemos estar seguros de que estamos no caminho da verdade; quando temos o coração aberto ao amor, ao serviço e à partilha, podemos estar tranquilos porque estamos em comunhão com Deus. Na verdade, a nossa consciência pode acusar-nos dos erros passados e reprovar algumas das nossas opções; mas, se amarmos, sabemos que estamos perto de Deus, pois Deus é amor (vers. 19). O amor autêntico liberta-nos de todas as dúvidas e inquietações, pois dá-nos a certeza de que estamos no caminho de Deus; e se Deus “é maior do que o nosso coração e conhece tudo” (vers. 20), nada temos a recear. Viver no amor é viver em Deus e estar entregue à bondade e à misericórdia de Deus.

    Com a consciência em paz, e sabendo que Deus nos aceita e nos ama (porque nós aceitamos o amor e vivemos no amor), podemos dirigir-Lhe a nossa oração com a certeza de que Ele nos escuta. Deus atende a oração daquele que cumpre os seus mandamentos (vers. 21-22).

    Os dois versículos finais apenas recapitulam e resumem tudo o que atrás ficou dito… A exigência fundamental do caminho cristão é “acreditar em Jesus” e amar os irmãos (vers. 23). “Acreditar” deve ser aqui entendido no sentido de aderir à sua proposta e segui-l’O; ora, seguir Jesus é fazer da vida um dom total de amor aos irmãos. “Acreditar em Jesus” e cumprir o mandamento do amor são a mesma e única questão.

    Quem guarda os mandamentos (especialmente o mandamento do amor, que tudo resume) vive em comunhão com Deus e já possui algo da natureza divina (o Espírito). É o Espírito de Deus que dá ao crente a possibilidade de produzir obras de amor (vers. 24).

     

    INTERPELAÇÕES

    • O autor da primeira Carta de João define a vida cristã autêntica como “acreditar no Nome” de Jesus Cristo e amar os irmãos “como Jesus nos mandou”. Aliás, parece evidente que uma coisa não “vai” sem a outra. É possível “acreditar” em Jesus e aceitar a marginalização dos “diferentes”, dos que não têm voz nem vez no nosso mundo? É possível “acreditar” em Jesus e não nos sentirmos profundamente comovidos quando encontramos alguém caído e abandonado na berma da estrada (cf. Lc 10,33)? É possível “acreditar” em Jesus sem nos dispormos a servir, com simplicidade e humildade, os nossos irmãos (cf. Jo 13,13-17)? É possível “acreditar” em Jesus e recusar o perdão a quem fez opções erradas, mas busca uma vida nova, um recomeço (cf. Lc 19,8-10)? É possível “acreditar” em Jesus e vivermos fechados na nossa vida cómoda, ignorando a sorte daqueles que têm fome, ou que não conseguem garantir uma vida digna aos seus filhos? A minha adesão a Jesus traduz-se em gestos semelhantes aos que Ele fazia e que levavam Vida e esperança aos pobres, aos doentes, aos abandonados, aos condenados que Ele encontrava pelos caminhos da Galileia e da Judeia? Como é que vivemos o mandamento do amor? Com declarações inconsequentes de boas intenções, ou com ações concretas que dão significado às vidas?
    • Por vezes, apesar do nosso esforço e da nossa vontade em acertar, sentimo-nos indignos e longe de Deus. Como é que sabemos se estamos no caminho certo? Qual é o critério para avaliarmos a força da nossa relação e da nossa proximidade com Deus? A vida de uma árvore vê-se pelos frutos que ela dá… Se realizamos obras de amor, se os nossos gestos de bondade e de solidariedade curam o sofrimento dos nossos irmãos, se a nossa ação torna o mundo um pouco melhor, é porque estamos em comunhão com Deus e a vida de Deus circula em nós. O nosso amor a Deus vê-se nos nossos gestos? Os nossos gestos reproduzem e anunciam o amor e a bondade de Deus na vida daqueles que caminham ao nosso lado?
    • Muitas vezes somos testemunhas de espantosos gestos proféticos realizados por pessoas que fizeram opções religiosas diferentes das nossas ou até por parte de pessoas que assumem uma aparente atitude de indiferença face a Deus… No entanto, não tenhamos dúvidas: onde há amor, aí está Deus. O Espírito de Deus está presente até fora das fronteiras da Igreja e atua no coração de todos os homens de boa vontade. De resto, certos testemunhos de amor e de solidariedade que vemos surgir nos mais variados quadrantes constituem uma poderosa interpelação aos crentes, convidando-os a uma maior fidelidade a Jesus e ao seu projeto. Sou capaz de reconhecer e de agradecer o “toque” de Deus nos gestos de amor, de bondade, de misericórdia que vejo acontecer à minha volta? Deixo-me interpelar pelo exemplo e testemunho daqueles que procuram tornar o mundo mais belo e mais humano, mesmo quando se trata de pessoas que não se consideram membros da minha Igreja ou da minha família cristã?

     

    ALELUIA – João 15,4a-5a

    Aleluia. Aleluia.

    Diz o Senhor:
    «Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós;
    quem permanece em Mim dá muito fruto».

     

    EVANGELHO – João 15,1-8

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor.
    Ele corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto
    e limpa todo aquele que dá fruto,
    para que dê ainda mais fruto.
    Vós já estais limpos, por causa da palavra que vos anunciei.
    Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós.
    Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo,
    se não permanecer na videira,
    assim também vós, se não permanecerdes em Mim.
    Eu sou a videira, vós sois os ramos.
    Se alguém permanece em Mim e Eu nele,
    esse dá muito fruto,
    porque sem Mim nada podeis fazer.
    Se alguém não permanece em Mim,
    será lançado fora, como o ramo, e secará.
    Esses ramos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem.
    Se permanecerdes em Mim
    e as minhas palavras permanecerem em vós,
    pedireis o que quiserdes e ser-vos-á concedido.
    A glória de meu Pai é que deis muito fruto.
    Então vos tornareis meus discípulos».

     

    CONTEXTO

    O Evangelho do quinto domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, numa noite de quinta-feira, um dia antes da celebração da Páscoa judaica, por volta do ano 30. Jesus está reunido com os seus discípulos à volta de uma mesa. Consciente de que os dirigentes judaicos tinham decidido dar-Lhe a morte e que a cruz estava no seu horizonte próximo, Jesus organizou uma ceia especial de despedida. Queria preparar os seus discípulos para os acontecimentos dramáticos que se avizinhavam. Não queria que a sua morte lançasse os discípulos num desespero sem esperança. Naquela hora, de certeza que algumas perguntas pairavam no ar… Que iria acontecer àquele grupo de discípulos quando Jesus lhes fosse tirado? O projeto do Reino seria viável sem Jesus? Os discípulos conseguiriam, sozinhos no mundo, viver e testemunhar aquilo que tinham aprendido enquanto caminhavam atrás de Jesus? Como é que os discípulos poderiam manter uma ligação a Jesus e continuar a receber d’Ele a Vida de que necessitavam para continuar o caminho?

    Nessa noite, Jesus conversou longamente com os discípulos e deu-lhes indicações para o caminho… Lembrou-lhes que deviam ser sempre uma comunidade de serviço (cf. Jo 13,3-17), recomendou-lhes que colocassem no centro de tudo o mandamento do amor (cf. Jo 13,33-35), deixou-lhes a promessa do Espírito (cf. Jo 14,15-6. 25-26; 15,26-27; 16,5-15), transmitiu-lhes a sua paz (cf. Jo 14,27-31), prometeu-lhes que nunca os abandonaria e que não os deixaria órfãos (cf. Jo 14,18-21), pediu-lhes que continuassem unidos a Ele (cf. Jo 15,1-8). Os gestos e as palavras de Jesus, nessa noite, foram o seu “testamento”. No Quarto Evangelho, o “discurso de despedida” de Jesus vai de 13,1 a 17,26.

    O texto que a liturgia deste domingo nos propõe integra esse “discurso de despedida”. É designado como a “alegoria da videira e dos ramos”. Diz aos discípulos o que devem fazer para que, pelo tempo fora, se mantenham em comunhão com Jesus.

     

    MENSAGEM

    A “alegoria da videira e dos ramos” tem profundas conotações véterotestamentárias e assume um significado especial no universo religioso judaico. No Antigo Testamento – e de forma especial na mensagem profética – a “videira” e a “vinha” eram símbolos do Povo de Deus. Israel era apresentado como uma “videira” que Javé arrancou do Egipto, que transplantou para a Terra Prometida e da qual cuidou sempre com amor (cf. Sl 80,9.15); era também apresentado como “a vinha”, que Deus plantou com cepas escolhidas, que Ele cuidou e da qual esperava frutos abundantes, mas que só produziu frutos amargos e impróprios (cf. Is 5,1.7; Jr 2,21; Ez 17,5-10; 19,10-12; Os 10,1). A antiga “videira” ou “vinha” de Javé revelou-se como uma verdadeira desilusão. Israel nunca produziu os frutos que Deus esperava.

    Agora, Jesus apresenta-Se como a “verdadeira videira” (vers. 1). A Ele, a “verdadeira videira”, estão ligados os “ramos”. Os “ramos” são, nesta alegoria, os discípulos de Jesus. Esta “verdadeira videira” e estes ramos são, portanto, o novo Povo de Deus. Da ação criadora e vivificadora de Jesus irá nascer o novo Povo de Deus, a comunidade do Reino. Hoje, como ontem, Deus continua a ser o agricultor que cuida da sua vinha.

    Da “verdadeira videira” (Jesus) e dos “ramos” (discípulos) a ela ligados vão nascer bons frutos, os frutos que Deus espera ver na sua “vinha”. Esses bons frutos são os mesmos que o próprio Jesus produziu quando andava pelos caminhos da Galileia e da Judeia a anunciar o Reino de Deus, a curar os doentes, a libertar os que viviam prisioneiros, a dar Vida a todos aqueles que estavam privados de Vida. Se algum dos “ramos” não der bons frutos – frutos condizentes com a Vida que lhe é comunicada –, o “agricultor” (Deus) não poderá fazer mais nada senão cortá-lo. Esse “ramo” não está a receber Vida da “videira” ou não está a deixar que essa Vida se traduza nos frutos que Deus espera. Está, portanto, a autoexcluir-se da comunidade de Jesus (vers. 2a). Não pertence a essa “videira”; o seu lugar não é ali. Em contrapartida Deus, o “agricultor” cuidará de todos os “ramos” que dão bons frutos para que eles, através de um processo de limpeza (conversão) nunca terminado, se libertem cada vez mais do egoísmo e deem frutos, cada vez mais abundantes, de amor e de Vida (vers. 2b).

    Naturalmente, para que todo este dinamismo de Vida se concretize, os “ramos” devem permanecer ligados à “videira”. Eles não têm vida própria e não podem produzir frutos por si próprios; necessitam da seiva que lhes é comunicada pela “videira”. Por isso, os discípulos têm de “permanecer” em Jesus (vers. 4). O verbo “permanecer” (“ménô”) é uma das palavras-chave do nosso texto (do vers. 4 ao vers. 8, aparece sete vezes). Expressa a confirmação ou renovação de uma atitude já anteriormente assumida. Supõe que o discípulo tenha já aderido anteriormente a Jesus e que essa adesão adquira agora estatuto de solidez, de estabilidade, de constância, de continuidade. É um convite a que o discípulo mantenha a sua adesão a Jesus, a sua identificação com Ele, a sua comunhão com Ele. Se o discípulo mantiver a sua adesão, Jesus, por sua vez, permanece no discípulo – isto é, continuará fielmente a oferecer ao discípulo a sua Vida/Espírito.

    Como é que o discípulo se mantém unido a Jesus? O discípulo “permanece” em Jesus se continua a escutar as suas palavras, a acolhê-las no coração, a pautar a sua vida por elas; o discípulo “permanece” em Jesus se continua a “ver” os gestos que Ele fazia e a desenhar, a partir deles, a sua maneira de viver; o discípulo “permanece” em Jesus se não perde Jesus de vista e caminha atrás d’Ele, numa adesão todos os dias renovada. Há, no Quarto Evangelho, uma afirmação de Jesus, feita no “discurso do Pão da Vida”, que pode iluminar o sentido do “permanecer” unido a Jesus: “Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele” (Jo 6,56). A “carne” de Jesus é a sua vida, o “sangue” de Jesus é a sua entrega por amor até à morte. Assim, “comer a carne e beber o sangue” de Jesus é assimilar a Sua existência, feita serviço e entrega por amor, até ao dom total de si mesmo; é acolher a sua proposta de vida e comprometer-se com uma existência feita entrega a Deus e aos irmãos, até à doação completa da vida por amor. Na eucaristia comemos a carne e bebemos o sangue de Jesus: é a celebração, sempre renovada, da nossa comunhão e do nosso compromisso com Jesus, que se traduz em compromisso com o seu estilo de vida.

    É preciso dizer ainda que a união com Jesus não é algo automático, que nos chega no Batismo e que fica para sempre; mas é algo que depende da decisão livre e consciente do discípulo, uma decisão que tem de ser, aliás, continuamente renovada e assumida.

    Voltemos a uma das questões que pairava no ar quando Jesus, à mesa da Última Ceia, se despedia da sua comunidade: é possível que os discípulos se mantenham ligados a Jesus e recebam d’Ele Vida, mesmo depois de Ele deixar de caminhar fisicamente no meio deles? É sim. Ele garantiu-lhes, nessa noite, que seria sempre a “verdadeira videira” onde os discípulos (os “ramos”) encontram Vida em abundância. Mas os discípulos têm de permanecer ligados a Jesus; têm de continuar a escutar as suas indicações e de continuar a assumir, em cada passo, o seu estilo de viver e de amar.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus é “a verdadeira videira”; é n’Ele e nas suas propostas que os homens podem encontrar a Vida. Ele permanece sempre no centro, como nossa referência fundamental, como fonte inesgotável de Vida; e nós dispomo-nos à volta d’Ele, atentos à suas palavras, aos seus gestos, às suas indicações. À nossa volta ecoam, a cada instante, mil e uma outras propostas que nos oferecem acesso rápido ao sucesso, à realização, aos triunfos humanos, à concretização de todos os nossos sonhos e anseios… Mas, quase sempre, essas outras propostas deixam-nos frustrados e insatisfeitos: são efémeras e fúteis e não matam a nossa sede de Vida autêntica. O Evangelho deste domingo, através da alegoria da videira e dos ramos, garante-nos: na nossa busca de uma vida com sentido, é para Cristo que devemos olhar. Temos consciência de que é em Cristo que podemos encontrar uma proposta de Vida autêntica? Ele é, para nós, a verdadeira “árvore da Vida”, ou preferimos trilhar caminhos de autossuficiência e colocamos a nossa confiança e a nossa esperança noutras “árvores”, noutras propostas, noutras sugestões?
    • Hoje Jesus, “a verdadeira videira”, continua a oferecer ao mundo e aos homens os seus frutos; e fá-lo através dos seus discípulos. A missão da comunidade de Jesus é produzir esses mesmos frutos de justiça, de amor, de verdade, de paz, de reconciliação que Ele produzia quando andava pela Galileia a proclamar a Boa Nova do Reino e a curar os que sofriam. Jesus não criou um gueto fechado onde os seus discípulos podem viver tranquilamente sem “incomodarem” os outros homens e mulheres; mas criou uma comunidade viva e dinâmica, que tem como missão testemunhar em gestos concretos o amor e a salvação de Deus. Se ficamos indiferentes diante das injustiças, se não procuramos curar as feridas dos que sofrem, se não abraçamos aqueles que a sociedade abandonou e condenou, se não somos arautos da paz e da reconciliação, se não defendemos a verdade contra todas as formas de mentira e de manipulação, se não lutamos com todas as nossas forças para construir um mundo mais são e mais humano, estamos a trair Jesus e a missão que Ele nos confiou. A Vida de Jesus – essa Vida de que se alimentam os que estão unidos a Ele – transparece nos nossos gestos, nas nossas causas, nas nossas apostas, na nossa vida?
    • No entanto, o discípulo só pode produzir bons frutos se permanecer unido a Jesus. No dia do nosso Batismo, optámos por Jesus e assumimos o compromisso de O seguir no caminho do amor e da entrega; quando celebramos a Eucaristia, acolhemos e assimilamos a vida de Jesus – vida partilhada com os homens, feita entrega e doação total por amor, até à morte. O cristão identifica-se com Jesus, vive em comunhão com Ele, segue-O a cada instante. Nunca interrompe a sua ligação a Jesus. O cristão vive de Cristo, vive com Cristo e vive para Cristo. Reavivamos e alimentamos a cada passo a nossa união a Cristo através da escuta da Palavra, da oração, dos sacramentos?
    • A comunidade cristã é o lugar privilegiado para o encontro com Cristo, “a verdadeira videira” da qual somos os “ramos”. É no âmbito da comunidade que celebramos, experimentamos e acolhemos – no Batismo, na Eucaristia, na Reconciliação – a Vida nova que brota de Cristo. A comunidade cristã é o Corpo de Cristo; e um membro amputado do Corpo é um membro condenado à morte… Por vezes, a comunidade cristã, com as suas misérias, fragilidades e incompreensões, dececiona-nos e magoa-nos; por vezes sentimos que a comunidade segue caminhos onde não nos revemos… Sentimos, então, a tentação de nos afastarmos e de vivermos a nossa relação com Cristo à margem da comunidade. Contudo, não é possível continuar unido a Cristo e a receber vida de Cristo, em rutura com os nossos irmãos na fé. É a mesma Vida de Cristo que nos alimenta a todos e que nos une a todos. Como é que sentimos e vivemos a ligação à comunidade cristã de que fazemos parte?
    • O que é que pode interromper a nossa união com Cristo e tornar-nos ramos secos e estéreis? Tudo aquilo que nos impede de responder positivamente ao desafio de Jesus no sentido do O seguir provoca em nós esterilidade e privação de Vida: o egoísmo, a autossuficiência, o orgulho, a vaidade, a arrogância, a preguiça, o comodismo, a ganância, a instalação, o amor ao dinheiro ou aos aplausos… O que é que, na minha maneira de ser ou no meu estilo de vida constitui obstáculo para que eu permaneça unido a Jesus?
    • A escuta da Palavra de Deus tem um papel decisivo no processo (de conversão) destinado a eliminar tudo aquilo que impede a nossa união com Cristo. Precisamos de escutar a Palavra de Jesus, de a meditar, de confrontar a nossa vida com ela, de olhar para os desafios que ela nos deixa… Então, por contraste, vão tornar-se nítidas as nossas opções erradas, os valores falsos e essas mil e uma pequenas infidelidades que nos impedem de ter acesso pleno à Vida que Jesus oferece. Que espaço é que tem na minha vida a escuta da Palavra de Deus? Ela é, para mim, critério para afinar e redimensionar as minhas opções e apostas?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 5.º DOMINGO DE PÁSCOA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 5.º Domingo de Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus…

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Como seriam as nossas relações humanas se em cada um dos nossos encontros exclamássemos: “eu não faço senão passar” sem permanecer? Como seria a nossa relação com Deus se na nossa oração não fizéssemos senão passar, sem permanecer? Algumas horas antes da sua morte, Jesus emprega várias vezes o verbo “permanecer”, “morar”. Não esqueçamos que, pela sua incarnação, Ele veio morar no meio dos homens, escutando-os, olhando-os, caminhando diante ou no meio deles, parando para fazer milagres. Ele permaneceu com o seu Pai, rezando-Lhe e fazendo a sua vontade até ao fim. Ele pode, então, pedir-nos para permanecer n’Ele, pondo em prática o seu mandamento do amor e rezando. É uma questão de vida ou de morte, porque, não o esqueçamos, “sem Ele nada podemos fazer”.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    “Eu sou a vinha e meu Pai o vinhateiro”. Eis outra imagem muito presente no Antigo Testamento. Desta parábola, retivemos muitas vezes as palavras “ameaçadoras”: “Os ramos secos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem”. Mas isso é para quem “não permanece em Jesus”. É o verbo “permanecer” que é o mais importante. Ele aparece mais de dez vezes neste capítulo de João. Trata-se, antes de mais, de “estar com” o Senhor, porque Ele, o primeiro, é “Emanuel – Deus connosco”. Esta presença não é fugitiva. Inscreve-se na duração, na fidelidade. Quando Deus se une à humanidade no seu Filho feito homem, é para sempre. A Ressurreição de Jesus é garante de que este “estar com os homens” não acabará jamais. Se aceitamos permanecer com Jesus, Ele introduz-nos na sua intimidade. Segundo a imagem dos sarmentos, Ele faz correr em nós a seiva da sua própria vida. Então podemos dar frutos que terão o sabor de Jesus. Isso cumpre-se de modo pleno na Eucaristia. Jesus alimenta-nos com o seu corpo e o seu sangue de Ressuscitado. Ele coloca em nós o poder da sua Vida. Esta passa pelo pão e pelo vinho, que vão vivificar cada célula do nosso corpo, isto é, finalmente, cada detalhe da nossa vida, cada uma das relações que criamos com os outros. Tornamo-nos assim seus discípulos. É assim que se constrói e cresce a Vinha do Senhor, o Corpo de Cristo, que é a Igreja.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    É por vezes difícil… O ato de amor mais difícil de praticar é, sem dúvida, o perdão. Mas perdoar é amar de verdade… Se vivemos uma situação “bloqueada”, em que o perdão é necessário, não será a ocasião de o praticar nesta semana? Não seria um belo fruto da vida de Cristo em nós?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 5ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    5ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    29 de Abril, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 14, 5-18

    Naqueles dias, surgiu em Icónio um movimento da parte dos pagãos e dos judeus, conduzidos pelos respectivos chefes, levantou-se um movimento para os maltratar e apedrejar. 6Logo que tiveram conhecimento disso, refugiaram-se nas cidades da Licaónia, Listra e Derbe, e arredores, 7onde começaram a anunciar a Boa- Nova 8Havia em Listra um homem aleijado dos pés, coxo de nascença e que nunca tinha andado. 9Um dia, ouviu Paulo falar. Este, fitando nele os olhos e vendo que tinha fé para ser curado, 10disse-lhe em voz alta: «Ergue-te, direito sobre os teus pés!» Ele deu um salto e começou a andar. 11Ao ver o que Paulo acabava de fazer, a multidão gritou em licaónio: «Os deuses tomaram forma humana e desceram até nós!» 12E chamavam Zeus a Barnabé, e Hermes a Paulo, pois este é que lhes dirigia a palavra. 13Então, o sacerdote do templo de Zeus, venerado junto da cidade, trazendo touros e grinaldas para as portas da cidade, pretendia, juntamente com a multidão, oferecer-lhes um sacrifício. 14Ao terem conhecimento disso, os Apóstolos Barnabé e Paulo rasgaram as vestes e precipitaram-se para a multidão, gritando: 15«Amigos, que fazeis? Também nós somos homens da mesma condição que vós, homens que vos anunciam a Boa-Nova de que deveis abandonar os ídolos vãos e voltar-vos para o Deus vivo, que fez o céu, a terra, o mar e tudo quanto neles se encontra. 16Nas gerações passadas, permitiu que todos os povos seguissem os seus próprios caminhos, 17mas nem por isso deixou de dar testemunho da sua generosidade, dispensando-vos do céu chuvas e estações de fertilidade, enchendo os vossos corações de alimento e de felicidade.» 18Mesmo depois de terem assim falado, foi a custo que impediram a multidão de lhes oferecer um sacrifício.

    Lucas, no livro dos Actos, narra algumas curas de paralíticos: duas realizadas por Pedro (Act 3, 1ss; Act 9, 32ss.) e uma realizada por Paulo (Act 14, 8ss.). Já no evangelho narrara uma outra realizada por Jesus (Lc 5, 18ss.). Quer assim mostrar que os Apóstolos continuam as obras de Jesus, ao proclamarem o Evangelho aos judeus em Jerusalém (milagres de Pedro) e aos pagãos no seu próprio mundo (milagre de Paulo). Lucas realça também um certo paralelismo entre os «actos de Pedro» e os «actos de Paulo», como são conhecidos alguns capítulos dos Actos dos Apóstolos, devido ao protagonismo que neles tem um ou outro.
    A reacção do público é que é diferente: enquanto em ambiente judaico o milagre leva a glorificar a Deus (cf. 4, 21), em ambiente pagão leva a glorificar os homens. Uma antiga lenda, conhecida na região de Listra, falava de dois camponeses que, sem saberem, tinha dado hospitalidade a Zeus e a Hermes. Hermes era o deus da saúde, e Paulo, acompanhado por Barnabé, tinha curado o paralítico. Não andariam por aí novamente os deuses? De qualquer modo, não convinha punir impensadamente aqueles que os não aceitavam. Daí a atitude em relação aos apóstolos.
    O discurso que vem a seguir é importante, porque é o primeiro directamente dirigido aos pagãos. Não são citadas as Escrituras, mas convidam-se os pagãos a converterem-se dos ídolos ao Deus vivo e verdadeiro, criador de todas as coisas. É um exemplo de inculturação e de adaptação à situação concreta dos ouvintes.

    Evangelho: João 14, 21-26

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Quem recebe os meus mandamentos e os observa esse é que me tem amor; e quem me tiver amor será amado por meu Pai, e Eu o amarei e hei-de manifestar-me a ele.» 22Perguntou-lhe Judas, não o Iscariotes: «Porque te hás-de manifestar a nós e não te manifestarás ao mundo?» 23Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. 24Quem não me tem amor não guarda as minhas palavras; e a palavra que ouvis não é minha, mas é do Pai, que me enviou.» 25«Fui-vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecido convosco; 26mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.»

    Os discípulos de Jesus são amados pelo Pai. Porquê? Porque o amor do Pai por Jesus também atinge os seus discípulos. Por Jesus, os crentes participam no amor do Pai pelo Filho.
    Jesus tinha prometido manifestar-se aos seus discípulos. Judas, irmão de Tiago, não entendia o modo como Jesus se manifestava. Pensava certamente numa manifestação gloriosa e messiânica diante de todos. Mas, durante o seu ministério terreno, o Mestre tinha tomado uma aparência humilde. Por isso, tinha provocado uma certa indiferença em relação à sua pessoa, e mesmo atitudes de recusa. Mas, agora, como dizia o próprio Jesus, esse período tinha terminado. Tinha começado a sua «glorificação». Por que é que não se manifestava de modo sensacional ao mundo? Jesus aproveita a ocasião para voltar a falar da presença de Deus na vida do crente. Só quem ama é capaz de observar a palavra de Jesus e de acolher a sua manifestação espiritual e interior. E quem observa a palavra é amado pelo Pai. Mais ainda: quem ama a Jesus, recebe a sua presença no seu íntimo, juntamente com a do Pai e a do Espírito Santo.
    A manifestação de Jesus será espiritual, sem milagres e sem sensacionalismos exteriores. É que a manifestação de Jesus só é possível na obediência e no amor. Por isso é que se manifesta aos crentes, e não ao mundo.
    A perícopa termina com a promessa do Espírito que tudo recordará e fará entender. Graças a Ele, os crentes poderão aprofundar e interpretar as palavras, a vida e a pessoa de Jesus em todas as dimensões e com todo o alcance para a vida da Igreja.

    Meditatio

    Barnabé e Paulo continuam a obra de Jesus: anunciam a Boa Nova e realizam curas prodigiosas. A sua pregação é inculturada. A reacção dos ouvintes é diferente. Os judeus glorificam a Deus. Os pagãos tentam glorificar os apóstolos. Estes resistem. Sabem que as maravilhas que realizam apenas acontecem pelo poder de Jesus que está com eles. Como seria bom que todos os agentes pastorais tivessem a mesma consciência e reagissem como Barnabé e Paulo...
    O evangelho leva-nos a meditar no mistério da inabitação da Trindade com um grande sentido de intimidade e de realismo. «Nós viremos a ele e nele faremos morada», diz o Senhor. Estas palavras revelam-nos a impensável intimidade que Deus quer ter com os homens. É nessa intimidade que Jesus se revela a nós, e nos revela os seus segredos por meio do Espírito Santo, o Mestre da vida espiritual. Noutros tempos este tema da inabitação era muito caro aos cristãos. Uma vida «habitada» por Deus é bem diferente de uma vida deserta, sem Deus, encerrada nos estreitos limites humanos.

    A vida do crente é visitada por Deus. Ele habita no mais íntimo do coração de cada um. É, na verdade, o doce hóspede da alma. Como é possível viver distraídos, fora de si, com um tão grande hóspede na alma?
    Mas o evangelho também nos leva ao realismo. O amor do cristão não paira nas nuvens. É um amor muito concreto: «Quem recebe os meus mandamentos e os observa esse é que me tem amor» (v. 21). O amor que Jesus espera de nós não se manifesta em palavras ou sentimentos vagos mas na vontade de amarmos a sua vontade. Assim foi o seu amor pelo Pai. Sem união de vontades não há verdadeiro amor. Quem ama a Jesus, ama cumprir a sua vontade. E quem ama a Jesus, cumprindo a sua vontade, é amado pelo Pai, que quer a glorificação do Filho.
    «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada». (Jo 14, 23). Quantas vezes, procuramos a Deus fora de nós ou acima de nós. Mas Deus está dentro de nós: «mais íntimo do que o meu íntimo...», como afirma Santo Agostinho (Confissões 3.6.11). Realiza-se deste modo a palavra de S. Paulo: «Cristo habite pela fé, nos vossos corações de sorte que, enraizados e fundados no amor, possais compreender... qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer (fazer a experiência), enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para serdes repletos da plenitude de Deus» (Ef 3,17-19).
    Experimentar o mistério de Cristo no mais íntimo de nós mesmos, no eu profundo, no "coração" entendido biblicamente". O "coração" é o lugar teológico da verdadeira oração, do encontro de amor com Cristo.

    Oratio

    Senhor Jesus, eu te bendigo e Te dou graças porque, hoje, me fazes compreender a maravilha da inabitação da Trindade em mim. Dá-me a graça de apreciar esse magnífico dom e de desejar, com todo o meu coração, viver Contigo numa intimidade cada vez mais profunda. Faz-me amar o que me ordenas, de modo que possa viver e experimentar o teu amor sem medida.
    Perdoa-me por ter superlotado o meu coração de pessoas e de coisas, que não deixam lugar para Ti, que monopolizam a minha atenção, fazendo-me esquecer de Ti. Quantas vezes, sofro de solidão, porque não me lembro da tua presença.
    Que, em todos os momentos da minha vida, possa ver-te e sentir-te como o meu Tu, e estabelecer Contigo um perene diálogo de amor. Amen.

    Contemplatio

    Jesus quer ser amado pelos homens e sobretudo por aqueles que estão consagrados ao seu Coração. Mas é preciso não esquecer que é por Jesus que vamos ao Pai. «Se alguém me ama, disse, observará a minha palavra, meu Pai o amará, viremos a ele e faremos nele a nossa morada» (Jo 14,23). Jesus e o seu Pai comprazem-se em habitar nos corações que os amam e a enchê-los com graças do Espírito Santo. Deus Pai quer esta união de amor com o seu Filho. É por esta união que há-de estender-se o reino do Sagrado Coração.
    Basta ao amor de Nosso Senhor que a massa dos fiéis lhe dedique o afecto que uma criança amorosa dá ao seu pai. Mas pede mais, ou antes, oferece mais às almas privilegiadas, aos padres, às almas consagradas. Quer que estas almas o amem com uma grande ternura, que vão ter com Ele com o abandono de um amigo que vai ter com o seu amigo, de um irmão que ama o seu irmão.

    Pensar n' Ele uma vez por dia, no momento em que a regra prescreve uma meditação, isso pode bastar à salvação e à santificação, mas não basta para o seu amor. A meditação de uma alma unida ao Coração de Jesus é incessante; ela prolonga-se mesmo nas ocupações mais variadas. Jesus é de tal modo o objecto dos afectos desta alma, que ela se compraz em procurá-lo por toda a parte. Encontra-O sempre.
    Este género de meditação não exige uma tensão fatigante do espírito. Aliás quem ama verdadeiramente não se cansa a pensar no objecto do seu amor. - Um sábio persegue a ideia que o preocupa, mesmo no meio do barulho; um poeta contempla o seu sonho favorito, mesmo no meio das circunstâncias mais absorventes; um amigo pensa no seu amigo ausente, um filho no seu pai, uma esposa no seu esposo.
    Para os amigos do seu Coração, Nosso Senhor é o pai, o amigo, o esposo. Devem pensar com o seu coração nas circunstâncias da sua vida. As promessas que Nosso Senhor fez à devoção ao seu Coração sagrado devem entender-se neste sentido. É preciso amar no seu coração o coração de um pai, de um amigo, de um irmão, o coração de um Deus que se fez homem para permitir aos homens abordá-lo com os sentimentos humanos e por aquilo que há de melhor nestes sentimentos: os afectos do coração. - As almas consagradas ao Coração de Jesus devem contrair sem embaraço e sem constrangimento, esta união habitual, sempre respeitosa, mas constante e afectuosa com o Coração de Jesus (Leão Dehon, OSP 4, p.574s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Viremos a ele e nele faremos morada» (Jo 14, 23).

    S. Catarina de Sena, Virgem e doutora da Igreja, padroeira da Europa

    S. Catarina de Sena, Virgem e doutora da Igreja, padroeira da Europa


    29 de Abril, 2024

    S. Catarina nasceu em Sena, Itália, a 25 de Março de 1347. Dotada por Deus com graças especiais, desde a sua infância, cortou o cabelo e cobriu a cabeça com um véu branco, em sinal de consagração, quando tinha apenas 12 anos e pretendiam casá-la. Sofreu muito com essa decisão, mas manteve-se fiel. Vestiu o hábito das religiosas dominicanas, mantendo-se na família e na cidade, e dedicando-se ao exercício das obras de misericórdia e procurando restabelecer a paz entre as famílias desavindas. Sendo analfabeta, em breve começou a ditar a diversos amanuenses as suas experiências místicas, reflexões e conselhos. Ditou cartas para prelados, pais de família, magistrados, reis e até para o próprio Papa, que, nessa época, se encontrava em Avinhão, incitando-o a regressar a Roma. A 13 de Outubro de 1376 Gregório XI iniciou a viagem de regresso a Roma, acompanhado por Catarina. Depois da morte de Gregório XI, a santa foi conselheira do seu sucessor, Urbano VI. O seu ideal era pacificar a Pátria (a Itália) e purificar a Igreja. Faleceu, em Roma, a 29 de Abril de 1380. Com S. Brígida e S. Teresa Benedita da Cruz, é padroeira da Europa.
    Lectio
    Primeira leitura: Primeira de João 1, 5 - 2, 2

    Caríssimos: esta é a mensagem que ouvimos de Jesus e vos anunciamos: Deus é luz e nele não há nenhuma espécie de trevas. 6Se dizemos que temos comunhão com Ele, mas caminhamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. 7Pelo contrário, se caminhamos na luz, como Ele, que está na luz, então temos comunhão uns com os outros e o sangue do seu Filho Jesus purifica-nos de todo o pecado. 8Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. 9Se confessamos os nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a iniquidade. 10Se dizemos que não somos pecadores, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. 1Filhinhos meus, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo, 2pois Ele é a vítima que expia os nossos pecados, e não somente os nossos, mas também os de todo o mundo.

    Jesus disse-nos que Deus é luz. O cristão deve caminhar na luz, que alegra, ilumina e é símbolo de tudo o que há de bom e puro (cf. Jo 3, 19-20). O contrário, o mal, é simbolizado pelas trevas. Mas, mais do que fazer especulações sobre a natureza de Deus, o autor da Carta lança as bases necessárias para extrair as implicações morais, que o fato de ser de Deus impõe ao cristão. Luz/trevas, bem/mal, verdade/mentira, graça/pecado... são incompatíveis, não podem estar juntos no mesmo sujeito. Mas, estar em comunhão com Deus e andar na luz não significa ser impecáveis. Também o cristão peca e tem consciência disso. A Igreja não é uma comunidade de puros e perfeitos, que nunca pecaram, mas uma comunidade que acredita que os seus pecados não são obstáculo permanente para nos aproximarmos de Deus. O pecado é superável pela ação de Deus em Cristo. É a partir dessa ação que surge o imperativo de lutar contra o pecado. Se o cristão se dá conta de que a sua comunhão com Deus foi quebrada pelo pecado, deve recordar que Jesus Cristo é seu intercessor e defensor diante do Pai. Mais ainda, que é o meio de expiação pelos pecados cometidos.
    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta. 11Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: 'Senhor, senhor, abre-nos a porta!' 12Mas ele respondeu: 'Em verdade vos digo: Não vos conheço.' 13Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora."

    A parábola de Jesus encerra uma dinâmica que leva a um evento culminante: o encontro das virgens com o esposo, decisivo para a sua felicidade ou infelicidade, irrevogável. Não sabemos quando será esse encontro, mas sabemos como prepará-lo. A parábola pretende ajudar-nos na preparação.
    As virgens, prudentes ou imprudentes, adormecem todas. A nossa vida tem momentos de flexão, de abaixamento do fervor, de relaxamento espiritual. Quando o Senhor não está presente é sempre noite, e é fácil que as provações e as preocupações da vida nos distraiam, dificultando-nos estar vigilantes. Mas a vigilância, mais do que um estado físico ou mental, é uma atitude do coração. É o que nos indica o Cântico dos Cânticos: "Durmo, mas o meu coração vigia!" (5, 2). Para estar prontos, de lâmpadas acesas, havemos de frequentar o Evangelho, para com ele alimentarmos os nossos pensamentos, os nossos sentimentos, a nossa ação, para vivermos a Palavra e perseverarmos na fé.
    Meditatio

    O v.1 do segundo capítulo da 1 Jo parece-nos particularmente adequado à memória de Santa Catarina de Sena, que hoje celebramos: "escrevo-vos estas coisas para que não pequeis" (2, 1). Como S. João, Santa Catarina de Sena escreveu para que fosse evitado o pecado. Entre as muitas cartas que escreveu, também se dirigiu aos padres para os incitar a viver em maior fidelidade ao Senhor, evitando as desordens, que ela notava, tais como a procura dos prazeres, o apego ao dinheiro... Ansiava por reconduzir todos à vivência da vida cristã, à fidelidade a Cristo: "escrevo-vos estas coisas para que não pequeis". Mas, sobretudo, estava convencida de que Jesus nos salvou pelo seu sangue, que temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo justo, vítima de expiação pelos nossos pecados: "o sangue do seu Filho Jesus purifica-nos de todo o pecado" (1 Jo 1, 8). Catarina tinha uma grande devoção ao sangue de Cristo, e falava dele muito frequentemente: fogo e sangue, fogo e sangue... Fogo do amor, alusão ao sangue de Cristo que nos cobre para nos lavar dos nossos pecados e nos unir na caridade divina.
    "Se caminhamos na luz, como Ele, que está na luz, então temos comunhão uns com os outros" (1 Jo 1, 7). Santa Catarina caminhava na luz. Mas a sua vida impecável não a separou dos pecadores, mas uniu-a profundamente a eles. Como aconteceu com tantas Santas, Catarina de Sena soube unir em si mesma a vocação de Marta e de Maria. Ao mesmo tempo, estava aos pés de Jesus, e mergulhada nas necessidades e lutas dos homens do seu tempo. Rezava, mas também se ocupava na reconciliação das fações em luta no seu país, de lançar a paz na igreja italiana, de fazer regressar o Papa de Avinhão a Roma, de que era bispo. Cuidou pessoalmente dos encarcerados, dos condenados, e andou por todo o lado. Vivia na paz do Senhor e na agitação do mundo.
    Hoje apetece-nos deixar-nos iluminar pela sua luz e permanecer aos pés de Santa Catarina, reconhecer nela a "filha da luz" de que nos fala a Escritura, para que "vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu" (Mt 5, 16). Gostamos de contemplá-la na sua incansável caminha ao encontro da Igreja e de Cristo, para nos deixarmos envolver nesse mesmo movimento. Olhando-a, parece-nos repetir, ela mesma, como que um convite ou mandato: "Ide ao seu encontro!" (v. 6).
    A exemplo de Santa Catarina de Sena, e conforme o desejo do P. Dehon, "sejam profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo" (Cst 7).
    Oratio

    Oh abismo, oh Trindade eterna, oh Divindade, oh mar profundo! Que mais podíeis dar do que dar-Vos a Vós mesmo? Sois um fogo que arde sempre e não se consome. Sois Vós que consumis com o vosso calor todo o amor profundo da alma. Sois um fogo que dissipa toda frialdade e iluminais as mentes com a vossa luz, aquela luz com que me fizestes conhecer a vossa verdade... Sois a veste que cobre toda minha nudez; e alimentais a nossa fome com a vossa doçura, porque sois doce sem qualquer amargor. Oh Trindade eterna. (S. Catarina de Sena).
    Contemplatio

    O coração da virgem de Sena partia-se diante dos crimes do mundo e das paixões humanas, que se agitavam como ondas tumultuosas, nos tempos difíceis em que vivia... Ela teria querido dar até à última gota do seu sangue pelos interesses de Nosso Senhor. Consumia a sua vida nas austeridades e na oração, oferecendo-se como que vítima das iniquidades da terra. Suportou longos sofrimentos, que somente a comunhão acalmava um pouco. Da quarta-feira de cinzas ao dia da Ascensão, não tomava nenhum alimento exceto a adorável Eucaristia. Nosso Senhor deu-lhe os seus estigmas sem os deixar aparecer. Exercia a caridade com heroísmo para com os pobres e os doentes. Um dia em que a sua natureza estava revoltada à vista de uma úlcera repugnante, levou até lá os lábios para vencer a sua sensibilidade. Nosso Senhor apareceu-lhe na noite seguinte, e para a recompensar descobriu-lhe a chaga do seu lado e permitiu-lhe que lhe aplicasse a sua boca. Nosso Senhor apresentou à sua escolha uma coroa de ouro enriquecida de pedrarias e uma coroa de espinhos. Ela escolheu a coroa de espinhos, a coroa da reparação. A humilde religiosa consumiu-se em caminhadas penosas para fazer cessar o cisma do Ocidente. Convenceu o Papa Gregório XI a deixar Avinhão para voltar a Roma. Ofereceu a sua vida pelo bem da Igreja e morreu santamente no dia 29 de Abril de 1382. (Leão Dehon, OSP 2, p. 494s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Escrevo-vos estas coisas para que não pequeis" (1 Jo 2, 1).
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    S. Catarina de Sena, virgem e doutora da igreja, padroeira da Europa (29 de Abril)

  • 5ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    5ª Semana –Terça-feira - Páscoa

    30 de Abril, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 14, 19-28

    Naqueles dias, 19apareceram, então, vindos de Antioquia e de Icónio, alguns judeus que aliciaram o povo, apedrejaram Paulo e, julgando-o morto, arrastaram-no para fora da cidade. 20Mas, como os discípulos o tivessem rodeado, ele ergueu-se e voltou para a cidade. No dia seguinte, partiu para Derbe com Barnabé.
    21Depois de terem anunciado a Boa-Nova àquela cidade e de terem feito numerosos discípulos, Paulo e Barnabé voltaram a Listra, Icónio e Antioquia.
    22Fortaleciam a alma dos discípulos, encorajavam-nos a manterem-se firmes na fé, porque, diziam eles: «Temos de sofrer muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus.» 23Depois de lhes terem constituído anciãos em cada igreja, pela imposição das mãos, e de terem feito orações acompanhadas de jejum, recomendaram-nos ao Senhor, em quem tinham acreditado. 24A seguir, atravessaram a Pisídia, chegaram à Panfília e, 25depois de anunciarem a palavra em Perga, desceram a Atália. 26De lá, foram de barco para Antioquia, de onde tinham partido, confiados na graça de Deus, para o trabalho que agora acabavam de realizar. 27Assim que chegaram, reuniram a igreja e contaram tudo o que Deus fizera com eles, e como abrira aos pagãos a porta da fé. 28E demoraram-se bastante tempo com os discípulos.

    O mundo pagão aceitou com facilidade e entusiasmo o Evangelho. Mas os judeus continuam a reagir com hostilidade aos evangelizadores. É o que revela o episódio narrado no início da perícopa que escutamos hoje. Paulo salvou-se porque os discípulos o rodearam (v. 20), isto é, o defenderam.
    Antes de fazer regressar os missionários à igreja mãe de Antioquia, Lucas oferece-nos alguns dados da máxima importância. Paulo e Barnabé repetem a visita às comunidades já evangelizadas para as ajudar na consolidação da fé. Trata-se de uma verdadeira «visita pastoral», em que os apóstolos encorajam os fiéis e lançam as bases de uma organização eclesiástica (v. 23), que permite a continuidade das igrejas, que lhes custaram «muitas tribulações» (v. 22). A viagem de regresso é descrita de modo sucinto. Ao chegarem a Antioquia prestaram contas do seu trabalho aos irmãos:
    «contaram tudo o que Deus fizera com eles, e como abrira aos pagãos a porta da fé» (v. 27). Para a comunidade de Antioquia, a abertura do Evangelho aos pagãos, era dado adquirido. Mas, na igreja mãe, de Jerusalém nem todos partilhavam dessa opinião. Vão surgir novas tensões, mas também esclarecimentos decisivos.

    Evangelho: João 14, 27-31a

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 27«Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz. Não é como a dá o mundo, que Eu vo-la dou. Não se perturbe o vosso coração nem se acobarde. 28Ouvistes o que Eu vos disse: 'Eu vou, mas voltarei a vós.' Se me tivésseis amor, havíeis de alegrar-vos por Eu ir para o Pai, pois o Pai é mais do que Eu. 29Digo-vo-lo agora, antes que aconteça, para crerdes quando isso acontecer.
    30Já não falarei muito convosco, pois está a chegar o dominador deste mundo; ele nada pode contra mim, 31mas o mundo tem de saber que Eu amo o Pai e actuo como o Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui!»

    Jesus, ao despedir-se dos seus discípulos, dirige-lhes palavras de adeus e de conforto. O nosso texto começa com o dom da paz (shalom), que inclui todos os bens messiânicos: «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz» (v. 27). A partida de Jesus não deve causar perturbação ou medo nos seus: «Não se perturbe o vosso coração» (v. 27). Jesus liberta-se da humilhação do seu ministério terreno e caminha para a glória do Pai. Ao anunciar a sua morte, Jesus quer apoiar a fé dos discípulos e fazer-lhes ver que o que vai acontecer entra nos planos de Deus.
    O tempo do ministério terreno de Jesus está a terminar, porque «está a chegar o dominador deste mundo» (v. 30). Mas, ainda que ele venha precipitar o fim de Jesus, por meio de Judas Iscariotes, Satanás não tem poder sobre Ele. O poder do Demónio sobre o homem depende dos seus pecados, e Jesus não tem pecado. Por outro lado, o mundo deve saber que Jesus ama o Pai. Ama e obedece. Cumpre o mandamento que recebeu dele e, por isso, entrega a vida. Este é um argumento para que o mundo saiba que Jesus ama o Pai.

    Meditatio

    «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz» (v. 27). A paz é um dom que Jesus derrama nos nossos corações. Jesus vive em nós e, com Ele, está o Pai e está o Espírito Santo. Quem nos pode perturbar? Paulo, apedrejado, e julgado morto, ergue-se, volta à cidade, anuncia a Boa Nova, faz numerosas conversões e parte para animar na fé e encorajar as comunidades de Listra, Icónio e Antioquia, que também passavam por dificuldades: «Temos de sofrer muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus», – dizia-lhes. O Apóstolo resiste e está tranquilo porque tem em si a paz do Senhor, uma paz que o mundo não pode compreender. Essa paz leva-o a afirmar: «Comprazo-me nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10). Pedro também dirá: «Alegrai-vos, pois assim como participais dos padecimentos de Cristo, assim também rejubilareis de alegria na altura da revelação da sua glória» (1 Pe 4, 13).
    Vivemos num mundo cheio de ameaças, as nossas paixões não dão tréguas, tudo parece avançar como se Deus não existisse. E, como os discípulos que, na escuridão da noite, se debatiam contra os ventos e contra as ondas do mar, também nós nos enchemos de pavor. Assaltam-nos as dúvidas e a nossa fé entra em crise. Deus cala-se dentro de nós. Parece jogar às escondidas. Não responde aos nossos gritos. É a noite escura da fé. É o momento de a exercitarmos para sentirmos o que não sentimos e vermos o que não vemos. É essa a fé que está na base da paz, que vem da comunhão com Deus. Fé em Deus presente, mas ainda não completamente possuído, fé que amadurece na ausência do Esposo, que se aperfeiçoa na busca do Esposo, fé que se purifica nos momentos mais duros e atrozes. As vidas dos Santos mostram-nos tantos exemplos do que estamos a dizer!
    A paz vem-nos de um olhar de fé sobre a realidade de um Deus presente, mas procurado com o ardor de um coração ferido pela sua ausência. A paz vem quando se aceita o mistério da ausência de Deus, o seu silêncio, o sofrimento e o mistério da cruz como o momento mais alto do amor de Deus e do testemunho do nosso amor por Ele.
    As nossas Constituições lembram-nos: «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo» (n. 24); «Para Glória e Alegria de Deus» (n. 25). Há que não esquecê-lo, quando a tribulação nos bate à porta. Só assim manteremos a paz.

    Oratio

    Senhor Jesus Cristo, dá-me a paz, dá-me a tua paz. Quantas vezes, procuro paz onde ela não se pode encontrar: longe da cruz, fugindo de tudo o que me incomoda, evitando quem me faz perder a paciência, esquivando-me do que me pode causar aborrecimento e fechando os olhos ao sofrimento dos outros! São tentações que me assaltam frequentemente, como sabes, Senhor! São tentações que me fazem afastar o olhar de Ti, fonte da paz, que me fazem esquecer as tuas palavras construtoras da paz sólida e perene.
    Vence, Senhor, as minhas tentações. Que a tua voz ecoe no meu coração perturbado e me ensine os teus caminhos, aqueles que levam à tua paz. Amen.

    Contemplatio

    O Espírito Santo é o espírito de paz. É como tal que Nosso Senhor no-lo deixa. Dar-nos-á a paz, não aquela do mundo que é falsa, baseada na ilusão e na cegueira, mas uma paz verdadeira, a dos filhos de Deus; uma paz que acalma todas as inquietações da consciência, que consola de todas as mágoas da vida; uma paz que o mundo não conhece, que nada pode perturbar e que é um antegozo das doçuras celestes.
    Esta paz é o fruto do Espírito Santo; repousa sobre a contrição, a humildade, o amor do Sagrado Coração e sobre o abandono. «Ne turbetur cor vestrum. Não vos entristeçais, não vos perturbeis por causa da minha ausência. Estou ainda convosco», diz-nos Nosso Senhor. «O meu Espírito vos consolará. Ele alimentará e fortificará a vossa fé. Dir-vos-á que se fui para o Céu, foi para vo-lo abrir e para lá vos preparar uma morada eterna, junto de mim e de meu Pai, vado parare vobis locum... accipiam vos ad meipsum. Ele vos há-de ensinar o caminho que conduz ao céu, é aquele que eu segui. Sou eu mesmo que sou o vosso caminho. Se me amais, seguir-me-eis na paz, na consolação e na alegria» (Leão Dehon, OSP 3, p. 436).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Deixo-vos a paz; dou-vos a minha paz» (Jo 14, 27).