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  • Solenidade do Pentecostes – Ano C

    Solenidade do Pentecostes – Ano C


    5 de Junho, 2022

    Solenidade do Pentecostes – Ano C

    ANO C

    SOLENIDADE DO PENTECOSTES

    Tema do Domingo de Pentecostes

    O tema deste domingo é, evidentemente, o Espírito Santo. Dom de Deus a todos os crentes, o Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Homem Novo.
    O Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, nova, a partir do dom do Espírito. É o Espírito que permite aos crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que Jesus viveu até às últimas consequências.
    Na primeira leitura, Lucas sugere que o Espírito é a lei nova que orienta a caminhada dos crentes. É Ele que cria a nova comunidade do Povo de Deus, que faz com que os homens sejam capazes de ultrapassar as suas diferenças e comunicar, que une numa mesma comunidade de amor, povos de todas as raças e culturas.
    Na segunda leitura, Paulo avisa que o Espírito é a fonte de onde brota a vida da comunidade cristã. É Ele que concede os dons que enriquecem a comunidade e que fomenta a unidade de todos os membros; por isso, esses dons não podem ser usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao serviço de todos.

    LEITURA I – Actos 2,1-11

    Leitura dos Actos dos Apóstolos

    Quando chegou o dia de Pentecostes,
    os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar.
    Subitamente, fez se ouvir, vindo do Céu,
    um rumor semelhante a forte rajada de vento,
    que encheu toda a casa onde se encontravam.
    Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo,
    que se iam dividindo,
    e poisou uma sobre cada um deles.
    Todos ficaram cheios do Espírito Santo
    e começaram a falar outras línguas,
    conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem.
    Residiam em Jerusalém judeus piedosos,
    procedentes de todas as nações que há debaixo do céu.
    Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu se
    e ficou muito admirada,
    pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua.
    Atónitos e maravilhados, diziam:
    «Não são todos galileus os que estão a falar?
    Então, como é que os ouve cada um de nós
    falar na sua própria língua?
    Partos, medos, elamitas,
    habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia,
    do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília,
    do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene,
    colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos,
    cretenses e árabes,
    ouvimo los proclamar nas nossas línguas
    as maravilhas de Deus».

    AMBIENTE

    Já vimos, no comentário aos textos dos domingos anteriores, que o livro dos “Actos” não pretende ser uma reportagem jornalística de acontecimentos históricos, mas sim ajudar os cristãos – desiludidos porque o “Reino” não chega – a redescobrir o seu papel e a tomar consciência do compromisso que assumiram, no dia do seu baptismo.
    No que diz respeito ao texto que nos é proposto e que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes, não existem dúvidas de que é uma construção artificial, criada por Lucas com uma clara intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens, aos símbolos, à linguagem poética das metáforas. Resta-nos descodificar os símbolos para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva, pela palavra de Lucas, nos deixa. Uma interpretação literal deste relato seria, portanto, uma boa forma de passarmos ao lado do essencial da mensagem; far-nos-ia reparar na roupagem exterior, no folclore, e ignorar o fundamental. Ora, o interesse fundamental do autor é apresentar a Igreja como a comunidade que nasce de Jesus, que é assistida pelo Espírito e que é chamada a testemunhar aos homens o projecto libertador do Pai.

    MENSAGEM

    Antes de mais, Lucas coloca a experiência do Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma festa judaica, celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma festa agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, no séc. I, tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas sugere que o Espírito é a lei da nova aliança (pois é Ele que, no tempo da Igreja, dinamiza a vida dos crentes) e que, por Ele, se constitui a nova comunidade do Povo de Deus – a comunidade messiânica, que viverá da lei inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo (cf. Ez 36,26-28).
    Vem, depois, a narrativa da manifestação do Espírito (Act 2,2-4). O Espírito é apresentado como “a força de Deus”, através de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus (cf. Ex 19,16.18; Dt 4,36). Estes símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao encontro do homem, comunica com o homem e que, dando ao homem o Espírito, constitui a comunidade de Deus.
    O Espírito (força de Deus) é apresentado em forma de língua de fogo. A língua não é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de criar comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é a possibilidade de superar o gueto, o egoísmo, a divisão, o racismo, a marginalização… Aqui, temos o reverso de Babel (cf. Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram o orgulho, a ambição desmedida que conduziu à separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde a acção de Deus (pelo Espírito) modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.
    É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito (cf. Act 2,5-13): todos “os ouviam proclamar na sua própria língua as maravilhas de Deus”. O elenco dos povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo antigo, desde a Mesopotâmia, passando por Canaan, pela Ásia Menor, pelo norte de África, até Roma: a todos deve chegar a proposta libertadora de Jesus, que faz de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha. A comunidade de Jesus é assim capacitada pelo Espírito para criar a nova humanidade, a anti-Babel. A possibilidade de
    ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade universal. Sem deixarem a sua cultura e as suas diferenças, todos os povos escutarão a proposta de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse amor e essa comunhão que tornam povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações da terra.
    O Pentecostes dos “Actos” é, podemos dizê-lo, a página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da acção das “testemunhas” de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da acção do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes indicações:

    • Temos, neste texto, os elementos essenciais que definem a Igreja: uma comunidade de irmãos reunidos por causa de Jesus, animada pelo Espírito do Senhor ressuscitado e que testemunha na história o projecto libertador de Jesus. Desse testemunho resulta a comunidade universal da salvação, que vive no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e étnicas. A Igreja de que fazemos parte é uma comunidade de irmãos que se amam, apesar das diferenças? Está reunida por causa de Jesus e à volta de Jesus? Tem consciência de que o Espírito está presente e que a anima? Testemunha, de forma efectiva e coerente, a proposta libertadora que Jesus deixou?

    • Nunca será demais realçar o papel do Espírito na tomada de consciência da identidade e da missão da Igreja… Antes do Pentecostes, tínhamos apenas um grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume como comunidade de amor e de liberdade. Temos consciência de que é o Espírito que nos renova, que nos orienta e que nos anima? Damos suficiente espaço à acção do Espírito, em nós e nas nossas comunidades?

    • Para se tornar cristão, ninguém deve ser espoliado da própria cultura: nem os africanos, nem os europeus, nem os sul-americanos, nem os negros, nem os brancos; mas todos são convidados, com as suas diferenças, a acolher esse projecto libertador de Deus, que faz os homens deixarem de viver de costas voltadas, para viverem no amor. A Igreja de que fazemos parte é esse espaço de liberdade e de fraternidade? Nela todos encontram lugar e são acolhidos com amor e com respeito – mesmo os de outras raças, mesmo aqueles de quem não gostamos, mesmo aqueles que não fazem parte do nosso círculo, mesmo aqueles que a sociedade marginaliza e afasta?

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 103 (104)

    Refrão 1: Enviai, Senhor, o vosso Espírito
    e renovai a face da terra.

    Refrão 2: Mandai, Senhor, o vosso Espírito
    e renovai a terra.

    Refrão 3: Aleluia.

    Bendiz, ó minha alma, o Senhor.
    Senhor, meu Deus, como sois grande!
    Como são grandes, Senhor, as vossas obras!
    A terra está cheia das vossas criaturas.

    Se lhes tirais o alento, morrem
    e voltam ao pó donde vieram.
    Se mandais o vosso espírito, retomam a vida
    e renovais a face da terra.

    Glória a Deus para sempre!
    Rejubile o Senhor nas suas obras.
    Grato Lhe seja o meu canto
    e eu terei alegria no Senhor.

    LEITURA II – 1 Cor 12,3b-7.12-13

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor»
    a não ser pela acção do Espírito Santo.
    De facto, há diversidade de dons espirituais,
    mas o Senhor é o mesmo.
    Há diversas operações,
    mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
    Em cada um se manifestam os dons do Espírito
    para o bem comum.
    Assim como o corpo é um só e tem muitos membros
    e todos os membros, apesar de numerosos,
    constituem um só corpo,
    assim também sucede com Cristo.
    Na verdade, todos nós
    – judeus e gregos, escravos e homens livres –
    fomos baptizados num só Espírito,
    para constituirmos um só Corpo.
    E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.

    AMBIENTE

    A comunidade cristã de Corinto era viva e fervorosa, mas não era uma comunidade exemplar no que diz respeito à vivência do amor e da fraternidade: os partidos, as divisões, as contendas e rivalidades perturbavam a comunhão e constituíam um contra-testemunho. As questões à volta dos “carismas” (dons especiais concedidos pelo Espírito a determinadas pessoas ou grupos para proveito de todos) faziam-se sentir com especial acuidade: os detentores desses dons carismáticos consideravam-se os “escolhidos” de Deus, apresentavam-se como “iluminados” e assumiam com frequência atitudes de autoritarismo e de prepotência que não favorecia a fraternidade e a liberdade; por outro lado, os que não tinham sido dotados destes dons eram desprezados e desclassificados, considerados quase como “cristãos de segunda”, sem vez nem voz na comunidade.
    Paulo não pode ignorar esta situação. Na Primeira Carta aos Coríntios, ele corrige, admoesta, dá conselhos, mostra a incoerência destes comportamentos, incompatíveis com o Evangelho. No texto que nos é proposto, Paulo aborda a questão dos “carismas”.

    MENSAGEM

    Em primeiro lugar, Paulo acha que é preciso saber ajuizar da validade dos dons carismáticos, para que não se fale em “carismas” a propósito de comportamentos que pretendem apenas garantir os privilégios de certas figuras. Segundo Paulo, o verdadeiro “carisma” é o que leva a confessar que “Jesus é o Senhor” (pois não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito) e que é útil para o bem da comunidade.
    De resto, é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que actua em todos; que apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em todos; que apesar da diversidade de acções, é o mesmo Deus que age em todos. Não há, portanto, “cristãos de primeira” e “cristãos de segunda”. O que é importante é que os dons do Espírito resultem no bem de todos e sejam usados – não para melhorar a própria posição ou o próprio “ego” – mas para o bem de toda a comunidade.
    Paulo conclui o seu raciocínio comparando a
    comunidade cristã a um “corpo” com muitos membros. Apesar da diversidade de membros e de funções, o “corpo” é um só. Em todos os membros circula a mesma vida, pois todos foram baptizados num só Espírito e “beberam” um único Espírito.
    O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que alimenta e que dá vida ao “corpo de Cristo”; dessa forma, Ele fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros que formam a comunidade.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para reflectir e actualizar a Palavra, considerar os seguintes elementos:

    • Temos todos consciência de que somos membros de um único “corpo” – o corpo de Cristo – e é o mesmo Espírito que nos alimenta, embora desempenhemos funções diversas (não mais dignas ou mais importantes, mas diversas). No entanto, encontramos, com alguma frequência, cristãos com uma consciência viva da sua superioridade e da sua situação “à parte” na comunidade (seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas “qualidades” humanas), que gostam de mandar e de fazer-se notar. Às vezes, vêem-se atitudes de prepotência e de autoritarismo por parte daqueles que se consideram depositários de dons especiais; às vezes, a Igreja continua a dar a impressão – mesmo após o Vaticano II – de ser uma pirâmide no topo da qual há uma elite que preside e toma as decisões e em cuja base está o rebanho silencioso, cuja função é obedecer. Isto faz algum sentido, à luz da doutrina que Paulo expõe?

    • Os “dons” que recebemos não podem gerar conflitos e divisões, mas devem servir para o bem comum e para reforçar a vivência comunitária. As nossas comunidades são espaços de partilha fraterna, ou são campos de batalha onde se digladiam interesses próprios, atitudes egoístas, tentativas de afirmação pessoal?

    • É preciso ter consciência da presença do Espírito: é Ele que alimenta, que dá vida, que anima, que distribui os dons conforme as necessidades; é Ele que conduz as comunidades na sua marcha pela história. Ele foi distribuído a todos os crentes e reside na totalidade da comunidade. Temos consciência da presença do Espírito e procuramos ouvir a sua voz e perceber as suas indicações? Temos consciência de que, pelo facto de desempenharmos esta ou aquela função, não somos as únicas vozes autorizadas a falar em nome do Espírito?

    SEQUÊNCIA DO PENTECOSTES

    Vinde, ó santo Espírito,
    vinde, Amor ardente,
    acendei na terra
    vossa luz fulgente.

    Vinde, Pai dos pobres:
    na dor e aflições,
    vinde encher de gozo
    nossos corações.

    Benfeitor supremo
    em todo o momento,
    habitando em nós
    sois o nosso alento.

    Descanso na luta
    e na paz encanto,
    no calor sois brisa,
    conforto no pranto.

    Luz de santidade,
    que no Céu ardeis,
    abrasai as almas
    dos vossos fiéis.

    Sem a vossa força
    e favor clemente,
    nada há no homem
    que seja inocente.

    Lavai nossas manchas,
    a aridez regai,
    sarai os enfermos
    e a todos salvai.

    Abrandai durezas
    para os caminhantes,
    animai os tristes,
    guiai os errantes.

    Vossos sete dons
    concedei à alma
    do que em Vós confia:

    Virtude na vida,
    amparo na morte,
    no Céu alegria.

    ALELUIA

    Aleluia. Aleluia.

    Vinde, Espírito Santo,
    enchei os corações dos vossos fiéis
    e acendei neles o fogo do vosso amor.

    EVANGELHO – Jo 20,19-23

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
    estando fechadas as portas da casa
    onde os discípulos se encontravam,
    com medo dos judeus,
    veio Jesus, colocou Se no meio deles e disse lhes:
    «A paz esteja convosco».
    Dito isto, mostrou lhes as mãos e o lado.
    Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
    Jesus disse lhes de novo:
    «A paz esteja convosco.
    Assim como o Pai Me enviou,
    também Eu vos envio a vós».
    Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
    «Recebei o Espírito Santo:
    àqueles a quem perdoardes os pecados ser lhes ão perdoados;
    e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».

    AMBIENTE

    Este texto (lido já no segundo domingo da Páscoa) situa-nos no cenáculo, no próprio dia da ressurreição. Apresenta-nos a comunidade da nova aliança, nascida da acção criadora e vivificadora do Messias. No entanto, esta comunidade ainda não se encontrou com Cristo ressuscitado e ainda não tomou consciência das implicações da ressurreição. É uma comunidade fechada, insegura, com medo… Necessita de fazer a experiência do Espírito; só depois, estará preparada para assumir a sua missão no mundo e dar testemunho do projecto libertador de Jesus.
    Nos “Actos”, Lucas narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa (sem dúvida por razões teológicas e para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do Pentecostes, a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus); mas João situa no anoitecer do dia de Páscoa a recepção do Espírito pelos discípulos.

    MENSAGEM

    João começa por pôr em relevo a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo” (vers. 19 a), são o quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar.
    Entretanto, Jesus aparece “no meio deles” (vers. 19b). João indica desta forma que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
    Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz” (“shalom”, em hebraico). A “paz” é um dom messiânico; mas, neste contexto, significa, sobretudo, a transmissão da serenidade, da tranquilidade, da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a insegurança: a partir de agora, nem o sofrimento, nem a morte, nem a hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado está “no meio deles”.
    Em seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”. São os “sinais” que evocam a entrega de Jesus, o amor to
    tal expresso na cruz. É nesses “sinais” (na entrega da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue) que os discípulos reconhecem Jesus. O facto de esses “sinais” permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.
    Vem, depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila (João utiliza, aqui, precisamente o mesmo verbo do texto grego de Gn 2,7). Com o “sopro” de Deus de Gn 2,7, o homem tornou-se um “ser vivente”; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o Homem Novo. Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados – como Jesus – para fazerem da sua vida um dom de amor aos homens. Animados pelo Espírito, eles formam a comunidade da nova aliança e são chamados a testemunhar – com gestos e com palavras – o amor de Jesus.
    Finalmente, Jesus explicita qual a missão dos discípulos (ver. 23): a eliminação do pecado. As palavras de Jesus não significam que os discípulos possam ou não – conforme os seus interesses ou a sua disposição – perdoar os pecados. Significam, apenas, que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos os homens. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte (isto é, de pecado). A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta de salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes coordenadas:

    • A comunidade cristã só existe de forma consistente, se está centrada em Jesus. Jesus é a sua identidade e a sua razão de ser. É n’Ele que superamos os nossos medos, as nossas incertezas, as nossas limitações, para partirmos à aventura de testemunhar a vida nova do Homem Novo. As nossas comunidades são, antes de mais, comunidades que se organizam e estruturam à volta de Jesus? Jesus é o nosso modelo de referência? É com Ele que nos identificamos, ou é num qualquer ídolo de pés de barro que procuramos a nossa identidade? Se Ele é o centro, a referência fundamental, têm algum sentido as discussões acerca de coisas não essenciais, que às vezes dividem os crentes?

    • Identificar-se como cristão significa dar testemunho diante do mundo dos “sinais” que definem Jesus: a vida dada, o amor partilhado. É esse o testemunho que damos? Os homens do nosso tempo, olhando para cada cristão ou para cada comunidade cristã, podem dizer que encontram e reconhecem os “sinais” do amor de Jesus?

    • As comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço simples e humilde… É Ele que nos faz vencer os medos, superar as cobardias e fracassos, derrotar o cepticismo e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus questionamentos.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DO PENTECOSTES
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo do Pentecostes, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

    2. EVIDENCIAR OS CARISMAS.
    O Pentecostes é a festa do nascimento da Igreja. Seria, pois, importante fazer uma liturgia em que aos variados carismas pudessem aparecer. Seria necessário pensar em fazer-se apelo aos talentos de leitores, de salmista, de músico, de director do canto, de decorador, etc… Importa que a assembleia apareça como una e diversa.

    3. NÃO OMITIR A SEQUÊNCIA.
    Não omitir a sequência de Pentecostes depois da segunda leitura e antes da aclamação ao Evangelho. Pode ser lida por duas pessoas (com um fundo musical) ou, melhor ainda, cantada.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Deus de luz e de vida, sopro criador e fogo de amor. Nós Te louvamos pelo dom do teu Espírito, que chama todos os povos da terra a proclamar, cada um na sua língua, as maravilhas da tua bondade.
    Nós Te pedimos por todos os membros do teu Povo: torna-nos receptivos às múltiplas linguagens dos nossos irmãos e confiantes no teu espírito de unidade.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te bendizemos, Pai, pelo novo corpo do teu Filho, que é a Igreja, e nós Te damos graças por nos teres permitido ser os seus membros, cada um na sua parte e na diversidade das funções confiadas.
    Nós Te pedimos, Espírito Santo, Tu que ages em nós para o bem de todos: nós acolhemos o teu sopro; manifesta em nós a tua presença.

    No final do Evangelho:
    Nós Te damos graças, Pai, pela maravilha realizada por Jesus ressuscitado, porque Ele deu nova força aos seus apóstolos, tirando-os do medo e da paralisia, comunicando-lhes o sopro da sua ressurreição.
    Nós Te suplicamos: que a tua Paz esteja connosco, por Jesus, vencedor de todas as formas de morte, e pelo teu Espírito, que é perdão e santificação.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, que contém uma oração própria para o Pentecostes e que evoca o Espírito…

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Tempestade! Fogo! Portas arrombadas! O Pentecostes é a irrupção do Espírito Santo na vida dos discípulos que vão deixar-se transformar em todas as dimensões do seu ser. O Pentecostes continua! Mas não estamos muitas vezes, face a este Espírito Santo, como diante de uma ameaça nuclear? Ousamos, enfim, deixar-nos irradiar por Ele sem qualquer protecção?

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • Solenidade da Santíssima Trindade - Ano C

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano C


    12 de Junho, 2022

    ANO C
    SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE

    Tema da Solenidade da Santíssima Trindade

    A Solenidade que hoje celebrámos não é um convite a decifrar a mistério que se esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
    A primeira leitura sugere-nos a contemplação do Deus criador. A sua bondade e o seu amor estão inscritos e manifestam-se aos homens na beleza e na harmonia das obras criadas (Jesus Cristo é “sabedoria” de Deus e o grande revelador do amor do Pai).
    A segunda leitura convida-nos a contemplar o Deus que nos ama e que, por isso, nos “justifica”, de forma gratuita e incondicional. É através do Filho que os dons de Deus/Pai se derramam sobre nós e nos oferecem a vida em plenitude.
    O Evangelho convoca-nos, outra vez, para contemplar o amor do Pai, que se manifesta na doação e na entrega do Filho e que continua a acompanhar a nossa caminhada histórica através do Espírito. A meta final desta “história de amor” é a nossa inserção plena na comunhão com o Deus/amor, com o Deus/família, com o Deus/comunidade.

    LEITURA I – Prov 8,22-31

    Leitura do Livro dos Provérbios

    Eis o que diz a Sabedoria de Deus:
    «O Senhor me criou como primícias da sua actividade,
    antes das suas obras mais antigas.
    Desde a eternidade fui formada,
    desde o princípio, antes das origens da terra.
    Antes de existirem os abismos e de brotarem as fontes das águas,
    já eu tinha sido concebida.
    Antes de se implantarem as montanhas e as colinas,
    já eu tinha nascido;
    ainda o Senhor não tinha feito a terra e os campos,
    nem os primeiros elementos do mundo.
    Quando Ele consolidava os céus,
    eu estava presente;
    Quando traçava sobre o abismo a linha do horizonte,
    quando condensava as nuvens nas alturas,
    quando fortalecia as fontes dos abismos,
    quando impunha ao mar os seus limites
    para que as águas não ultrapassassem o seu termo,
    quando lançava os fundamentos da terra,
    eu estava a seu lado como arquitecto,
    cheia de júbilo, dia após dia,
    deleitando-me continuamente na sua presença.
    Deleitava-me sobre a face da terra
    e as minhas delícias eram estar com os filhos dos homens».

    AMBIENTE

    O Livro dos Provérbios apresenta uma colecção de “ditos”, de “sentenças”, de “máximas”, de “provérbios” (“mashal”), onde se cristaliza o resultado da reflexão e da experiência (“sabedoria”) dos “sábios” antigos (israelitas e alguns não israelitas), empenhados em definir as regras para viver bem, para ter êxito, para ser feliz. Alguns dos materiais aí apresentados podem ser do séc. X a. C.; outros, no entanto, são bem mais recentes.
    O texto que nos é hoje proposto faz parte de um bloco de “instruções” e “advertências” que vai de 1,8 a 9,6. Trata-se da parte mais recente do “Livro dos Provérbios” (segundo os especialistas, não pode ser anterior ao séc. IV ou III a. C.).
    O capítulo 8 do “Livro dos Provérbios” (do qual é retirado o texto que hoje nos é proposto) apresenta-nos um discurso posto na boca da própria “sabedoria”, como se ela fosse uma pessoa: trata-se de um artifício literário, através do qual o autor pretende dar força e intensidade dramática ao convite que ele lança no sentido de acolher e amar a “sabedoria”. Na primeira parte desse discurso (vers. 1-11), o autor apresenta o “púlpito” de onde a “sabedoria” vai discursar (o cume das montanhas, a encruzilhada dos caminhos, as entradas das cidades, os umbrais das casas), os destinatários da mensagem (todos os homens) e apela à escuta das palavras que ela vai pronunciar; na segunda parte (vers. 12-21), o autor apresenta as “credenciais” da “sabedoria” (ela possui a ciência, a reflexão, o conselho, a equidade, a força) e o prémio reservado àqueles que a acolhem; na terceira parte (vers. 8,22-31) – que é a que nos interessa directamente – o autor reflecte sobre a origem da sabedoria e a sua função no plano de Deus.

    MENSAGEM

    Em primeiro lugar, diz-se que a “sabedoria” tem origem em Deus. O autor do texto põe na boca da “sabedoria” a forma hebraica “qânâny” (“gerou-me”) para expressar a responsabilidade de Deus na origem da “sabedoria” (vers. 22).
    Afirma também que ela é a primeira das obras de Deus. Antes de serem lançadas as estruturas do cosmos, a “sabedoria” já existia (vers. 24-29); mais, ela estava lá, tendo um papel interveniente na criação: no vers. 30, a “sabedoria” é apresentada como “arquitecto” (“amon”), isto é, como assistente activo de Deus na obra criadora (embora certas versões antigas leiam como “amun” – “criança” – o que sugere a ideia da “sabedoria” como uma “criança” feliz que brinca e se deleita no meio da obra criada).
    Em terceiro lugar, a “sabedoria” afirma que o seu interesse e deleite é estar “junto dos filhos dos homens” (vers. 31): ela dirige-se aos homens e o seu objectivo é “ser para os homens”. Ela desempenha, portanto, um papel em favor dos homens.
    Qual é esse papel? A perícopa está dominada por três palavras, que aparecem no princípio, no meio e no fim: “Jahwéh” (vers. 22), “sabedoria” (“eu” – vers. 30) e “homens” (vers. 31). Esta “coluna vertebral” revela, desde já, o objectivo do autor do texto: ao dizer que a “sabedoria” tem origem em Jahwéh, está em íntima relação com Deus e se destina aos homens, está a sugerir-se que ela tem a capacidade de pôr os homens em relação e contacto com Deus. Através dessa realidade criada que a “sabedoria” viu nascer, ela espevita a inteligência dos homens, leva-os a Deus, atrai-os para Deus. A “sabedoria”, presente desde sempre na criação, revela aos homens a grandeza e o amor do Deus criador.
    A tradição judaica acabará por identificar esta “sabedoria” com a Torah (cf. Ba 3,38-4,1; Pirkê Rabbí Eliezer, III, 2). Por outro lado, os autores neo-testamentários, conhecedores dos livros sapienciais, atribuirão a Jesus algumas das características que este texto atribui à “sabedoria”: Paulo chama a Jesus “sabedoria” e “sabedoria de Deus” (cf. 1 Cor 1,24.30); considera também que Jesus, como a “sabedoria” de Prov 8, existe antes de todas as coisas e desempenhou um papel privilegiado na criação do mundo (cf. Col 1,16-17); por sua vez, o “prólogo” do Quarto Evangelho atribui ao “Lógos”/Jesus os traços da “sabedoria” criadora de Prov 8 (diz que Jesus é anterior à criação – cf. Jo 1,1) e que Ele deu existência a todas as obras criadas – cf. Jo 1,3).
    Os Padres da Igreja verão nesta “sabedoria”, pré-criada e anterior à restante obra de Deus, traços de Jesus Cristo ou do Espírito Santo.

    ACTUALIZAÇÃO

    Ter em conta, na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:

    • A referência ao Deus que tudo criou para nós com sabedoria faz-nos pensar num Pai providente e cuidadoso, que tem um projecto bem definido para os homens e para o mundo. Contemplar a criação é descobrir, na beleza e na harmonia das obras criadas, esse Pai cheio de bondade e de amor. Somos capazes de nos sentirmos “provocados” pela criação de forma que, através dela, descubramos o amor e a bondade de Deus?

    • Olhando para a obra de Deus, aprendemos que o homem não é um concorrente de Deus, nem Deus um adversário do homem. Ao homem compete reconhecer o poder e a grandeza de Deus e entregar-se, confiante, nas mãos desse Pai que tudo criou com cuidado e que tudo nos entrega com amor. Entregamo-nos nas mãos d’Ele, não como adversários, mas como crianças que confiam incondicionalmente no seu pai?

    • O desenvolvimento desordenado e a exploração descontrolada dos recursos da natureza põem em causa a harmonia desse “mundo bom” que Deus criou e que nos confiou. Temos o direito de pôr em causa, por egoísmo, a obra de Deus?

    • A contemplação da obra criada leva ao espanto e ao louvor. Somos capazes de nos extasiarmos diante das coisas que Deus nos oferece e de deixarmos que a nossa admiração se derrame em louvor e agradecimento?

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 8

    Refrão: Como sois grande em toda a terra,
    Senhor, nosso Deus!

    Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos,
    a lua e as estrelas que lá colocastes,
    que é o homem para que Vos lembreis dele,
    o filho do homem para dele Vos ocupardes?

    Fizestes dele quase um ser divino,
    de honra e glória o coroastes;
    destes-lhes poder sobre a obra das vossas mãos,
    tudo submetestes a seus pés:

    Ovelhas e bois, todos os rebanhos,
    e até os animais selvagens,
    as aves do céu e os peixes do mar,
    tudo o que se move nos oceanos.

    LEITURA II – Rom 5,1-5

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Tendo sido justificados pela fé,
    estamos em paz com Deus,
    por Nosso Senhor Jesus Cristo,
    pelo qual temos acesso, na fé,
    a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos,
    apoiados na esperança da glória de Deus.
    Mais ainda, gloriamo-nos nas nossas tribulações,
    porque sabemos que a tribulação produz a constância,
    a constância a virtude sólida,
    a virtude sólida a esperança.
    Ora a esperança não engana,
    porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações
    pelo Espírito Santo que nos foi dado.

    AMBIENTE

    Quando Paulo escreve aos romanos, está a terminar a sua terceira viagem missionária e prepara-se para partir para Jerusalém. Tinha terminado a sua missão no oriente (cf. Rom 15,19-20) e queria levar o Evangelho ao ocidente. Sobretudo, Paulo aproveita a carta para contactar a comunidade de Roma e apresentar aos romanos e a todos os crentes os principais problemas que o ocupavam (entre os quais sobressaía a questão da unidade – um problema bem presente na comunidade de Roma, afectada por alguma dificuldade de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos). Estamos no ano 57 ou 58.
    Paulo aproveita, então, para sublinhar que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Depois de notar que todos os homens vivem mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20), Paulo acentua que é a “justiça de Deus” que dá vida a todos sem distinção (cf. Rom 3,1-5,11). Neste texto, que a segunda leitura de hoje nos propõe, Paulo refere-se à acção de Deus, por Cristo e pelo Espírito, no sentido de “justificar” todo o homem.

    MENSAGEM

    Paulo parte da ideia de que todos os crentes – judeus, gregos e romanos – foram justificados pela fé. Que significa isto?
    Na linguagem bíblica, a justiça é, mais do que um conceito jurídico, um conceito relacional. Define a fidelidade a si próprio, à sua maneira de ser e aos compromissos assumidos no âmbito de uma relação. Ora, se Jahwéh Se manifestou na história do seu Povo como o Deus da bondade, da misericórdia e do amor, dizer que Deus é justo não significa dizer que Ele aplica os mecanismos legais quando o homem infringe as regras; significa, sim, que a bondade, a misericórdia, o amor, próprios do “ser” de Deus, se manifestam em todas as circunstâncias, mesmo quando o homem não foi correcto no seu proceder. Paulo, ao falar do homem justificado, está a falar do homem pecador que, por exclusiva iniciativa do amor e da misericórdia de Deus, recebe um veredicto de graça que o salva do pecado e lhe dá, de modo totalmente gratuito, acesso à salvação. Ao homem é pedido somente que acolha, com humildade e confiança, uma graça que não depende dos seus méritos e que se entregue completamente nas mãos de Deus. Este homem, objecto da graça de Deus, é uma nova criatura (cf. Gal 6,15): é o homem ressuscitado para a vida nova (cf. Rom 6,3-11), que vive do Espírito (cf. Rom 8,9.14), que é filho de Deus e co-herdeiro com Cristo (cf. Rom 8,17; Gal 4,6-7).
    Quais os frutos que resultam deste acesso à salvação que é um dom de Deus? Em primeiro lugar, a paz (vers. 1). Esta paz não deve ser entendida em sentido psicológico (tranquilidade, serenidade), mas no sentido teológico semita de relação positiva com Deus e, portanto, de plenitude de bens, já que Deus é a fonte de todo o bem.
    Em segundo lugar, a esperança (vers. 2-4). Trata-se desse dom que nos permite superar as dificuldades e a dureza da caminhada, apontando a um futuro glorioso de vida em plenitude. Não se trata de alimentar um optimismo fácil e irresponsável, que permita a evasão do presente; trata-se de encontrar um sentido novo para a vida presente, na certeza de que as forças da morte não terão a última palavra e que as forças da vida triunfarão.
    Em terceiro lugar, o amor de Deus ao homem (vers. 5-8). O cristão é, fundamentalmente, alguém a quem Deus ama. Como prova desse amor que age em nós através do Espírito, está Jesus de Nazaré a quem Deus “entregou à morte por nós quando ainda éramos pecadores”.
    Tudo aquilo que enche a vida do crente, que lhe dá sentido, é um dom de Deus Pai que, através de Jesus, demonstra o seu amor e que, pelo Espírito, derrama continuamente esse amor sobre nós.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão da Palavra, considerar as seguintes coordenadas:

    • Na Solenidade da Santíssima Trindade, somos convidados a contemplar o amor de um Deus que nunca desistiu dos homens e que sempre soube encontrar formas de vir ao nosso encontro, de fazer caminho connosco. Apesar de os homens insistirem, tantas vezes, no egoísmo, no orgulho, na auto-suficiência, no pecado, Deus continua a amar e a fazer-nos propostas de vida. Trata-se de um amor gratuito e incondicional, que se traduz em dons não merecidos, mas que, uma vez acolhidos, nos conduzem à felicidade plena.

    • A vinda de Jesus Cristo ao encontro dos homens é a expressão plena do amor de Deus e o sinal de que Deus não nos abandonou nem esqueceu, mas quis até partilhar connosco a precariedade e a fragilidade da nossa existência para nos mostrar como nos tornarmos “filhos de Deus” e herdeiros da vida em plenitude.

    • A presença do Espírito acentua no nosso tempo – o tempo da Igreja – essa realidade de um Deus que continua presente e actuante, derramando o seu amor ao longo do caminho que dia a dia vamos percorrendo e impelindo-nos à renovação, à transformação, até chegarmos à vida plena do Homem Novo.

    • Está em moda uma certa atitude de indiferença face a Deus, ao seu amor e às suas propostas. Em geral, os homens de hoje preocupam-se mais com os resultados da última jornada do campeonato de futebol, ou com as últimas peripécias da “telenovela das nove” do que com Deus ou com o seu amor. Não será tempo de redescobrirmos o Deus que nos ama, de reconhecermos o seu empenho em conduzir-nos rumo à felicidade plena e de aceitarmos essa proposta de caminho que Ele nos faz?

    ALELUIA – cf. Ap 1,8

    Aleluia. Aleluia.

    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    ao Deus que é, que era e que há-de vir.

    EVANGELHO – Jo 16,12-15

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos seus discípulos:
    «Tenho ainda muitas coisas para vos dizer,
    mas não as podeis compreender agora.
    Quando vier o Espírito da verdade,
    Ele vos guiará para a verdade plena;
    porque não falará de Si mesmo,
    mas dirá tudo o que tiver ouvido
    e vos anunciará o que está para vir.
    Ele Me glorificará,
    porque receberá do que é meu
    e vo-lo anunciará.
    Tudo o que o Pai tem é meu.
    Por isso vos disse
    que Ele receberá do que é meu
    e vo-lo anunciará».

    AMBIENTE

    Estamos no contexto da última ceia e do discurso de despedida que antecede a “hora” de Jesus.
    Depois de constituir a comunidade do amor e do serviço (cf. Jo 13,1-17) e de apresentar o mandamento fundamental que deve dar corpo à vida dessa comunidade (cf. Jo 15,9-17), Jesus vai definir a missão da comunidade no mundo: testemunhar acerca de Jesus, com a ajuda do Espírito (cf. Jo 15,26-27).
    Jesus avisa, no entanto, que o caminho do testemunho deparará com a oposição decidida da religião estabelecida e dos poderes de morte que dominam o mundo (cf. Jo 16,1-4a); mas os discípulos contarão com o Espírito: Ele ajudá-los-á e dar-lhes-á segurança no meio da perseguição (cf. Jo 16,8-11). De resto, a comunidade em marcha pela história encontrar-se-á muitas vezes diante de circunstâncias históricas novas, diante das quais terá de tomar decisões práticas: também aí se verá a presença do Espírito, que ajudará a responder aos novos desafios e a interpretar as circunstâncias à luz da mensagem de Jesus (cf. Jo 16,12-15).

    MENSAGEM

    O tema fundamental desta leitura tem, portanto, a ver com a ajuda do Espírito aos discípulos em caminhada pelo mundo.
    Jesus começa por dizer aos discípulos que há muitas outras coisas que eles não podem compreender de momento (vers. 12). Será o “Espírito da verdade” que guiará os discípulos para a verdade, que comunicará tudo o que ouvir a Jesus e que interpretará o que está para vir (vers. 13). Isto significa que Jesus não revelou tudo o que havia para revelar ou que a sua proposta de salvação/libertação ficou incompleta?
    De forma nenhuma. As palavras de Jesus acerca da acção do Espírito referem-se ao tempo da existência cristã no mundo, ao tempo que vai desde a morte de Jesus até à “parusia”. Como será possível aos discípulos, no tempo da Igreja, continuar a captar, na fé, a Palavra de Jesus e a guiar a vida por ela? A resposta de Jesus é: “pelo Espírito da verdade, que fará com que a minha proposta continue a ecoar todos os dias na vida da comunidade e no coração de cada crente; além disso, o Espírito ensinar-vos-á a entender a nova ordem que se segue à cruz e à ressurreição e a discernir, a partir das circunstâncias concretas diante das quais a vida vos vai colocar, como proceder para continuar fiel às minhas propostas”. O Espírito não apresentará uma doutrina nova, mas fará com que a Palavra de Jesus seja sempre a referência da comunidade em caminhada pelo mundo e que essa comunidade saiba aplicar a cada circunstância nova que a vida apresentar, a proposta de Jesus.
    Aonde irá o Espírito buscar essa verdade que vai transmitir continuamente aos discípulos? A resposta é: ao próprio Jesus (“receberá do que é meu e vo-lo anunciará” – vers. 14). Assim, Jesus continuará em comunhão, em sintonia com os discípulos, comunicando-lhes a sua vida e o seu amor. Tal é a função do Espírito: realizar a comunhão entre Jesus e os discípulos em marcha pela história.
    A última expressão deste texto (vers. 15) sublinha a comunhão existente entre o Pai e o Filho. Essa comunhão atesta a unidade entre o plano salvador do Pai, proposto nas palavras de Jesus e tornado realidade na vida da Igreja, por acção do Espírito.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes desenvolvimentos:

    • O Espírito aparece, aqui, como presença divina na caminhada da comunidade cristã, como essa realidade que potencia a fidelidade dinâmica dos crentes às propostas que o Pai, através de Jesus, fez aos homens. A Igreja de que fazemos parte tem sabido estar atenta, na sua caminhada histórica, às interpelações do Espírito? Ela tem procurado, com a ajuda do Espírito, captar a Palavra eterna de Jesus e deixar-se guiar por ela? Tem sabido, com a ajuda do Espírito, continuar em comunhão com Jesus? Tem-se esforçado, com a ajuda do Espírito, por responder às interpelações da história e por actualizar, face aos novos desafios que o mundo lhe coloca, a proposta de Jesus?

    • Sobretudo, somos convidados a contemplar o mistério de um Deus que é amor e que, através do plano de salvação/libertação do Pai, tornado realidade viva e humana em Jesus, e continuado pelo Espírito presente na caminhada dos crentes, nos conduz para a vida plena do amor e da felicidade total – a vida do Homem Novo, a vida da comunhão e do amor em plenitude.

    • A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de “um em três”. Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família – pai, mãe e filho – é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é, também, negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue “dizer” o mistério de Deus.

    • As nossas comunidades cristãs são, realmente, a expressão desse Deus que é amor e que é comunidade – onde a unidade significa amor verdadeiro, que respeita a identidade e a especificidade do outro, numa experiência verdadeira de amor, de partilha, de família, de comunidade?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. DAR LUGAR AO SILÊNCIO.
    É sempre difícil falar da Trindade, de explicá-la, de descrevê-la… Daí a importância de prever algum (ou alguns) momento forte de interiorização e de adoração durante a celebração: depois da homilia… depois da comunhão… Dar espaço ao silêncio para que a Trindade ecoe em nós.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus eterno, Pai e criador de todo o universo, contemplamos o céu, a terra, os oceanos e todas as suas maravilhas, onde vemos a obra admirável da tua Sabedoria. Por todas as tuas obras, nós Te bendizemos.
    Nós Te confiamos as nossas inquietações quanto ao futuro da tua criação e ao equilíbrio da natureza, que as nossas técnicas violentas já muito perturbaram.

    No final da segunda leitura:
    Pai, nós Te damos graças pelos dons incomparáveis com que nos gratificaste: a justiça, a paz, a fé, a esperança e, sobretudo, o teu amor, que derramaste nos nossos corações pelo Espírito Santo que Tu nos deste.
    Nós Te pedimos pela unidade das Igrejas, outrora quebrada por diferentes compreensões da justificação. Ilumina-nos com o teu Espírito.

    No final do Evangelho:
    Deus fiel, Pai revelado pelo teu Filho no teu Espírito, nós Te damos graças, porque nos introduzes na comunhão da tua glória e na verdade do teu amor.
    Nós Te pedimos: Deus, Espírito de verdade, guia-nos para a verdade completa e dá-nos a força de levar as mensagens do Evangelho.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    O pintor crente Roublev tentou mostrar, numa troca de olhares, a relação de amor que existe entre o Pai, o Filho e o Espírito: quando o Pai e o Filho se olham, cada um guarda a sua personalidade e revela ao mesmo tempo a personalidade do outro, e esta relação de amor faz existir o Espírito que olha o Pai e o Filho, eles próprios deixando-se olhar, olhando ao mesmo tempo o Espírito de Amor que faz a sua unidade. Muitas vezes basta um olhar para dizer muitas coisas, basta um olhar para dar de novo esperança, confiança e vida, basta um olhar para dizer “amo-te!” e ouvir dizer em eco: “amo-te!” A Trindade é um intercâmbio de “amo-te!” Há unidade e, ao mesmo tempo, personalidades diferentes: cada um diz “amo-te!” e pode acrescentar “eu sou amado!” Tal é o segredo da sua existência e da sua eternidade. Mistério! Não por ser incompreensível, mas por, sem cessar, merecer ser melhor compreendido. E a Trindade não é o único mistério, a humanidade também o é, porque criada à imagem de Deus, homens e mulheres capazes de dizer “amo-te!” e capazes de dizer “eu sou amado!”

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Esta passagem de São João retoma o que Jesus nos dizia domingo passado na Solenidade do Pentecostes sobre o Espírito de verdade que nos guiará para a verdade total… É o Espírito que nos dará a força para a compreender. Domingo passado, reflectimos sobre a verdade que o Espírito Santo desvela progressivamente, ao longo da história da Igreja. Hoje, estamos atentos ao facto de a verdade do Evangelho nos atingir enquanto seres em crescimento de humanidade e de fé. Ora a fé, contrariamente ao que por vezes se imagina, não é uma luz que cega. Ela é uma espécie de luz obscura, uma confiança dada na noite. Ela implica um salto no desconhecido. Isto verifica-se particularmente a propósito do mistério da Santíssima Trindade. A palavra não se encontra na Bíblia, mas a realidade que quer exprimir está muito presente no ensino de Jesus. Assim, hoje, vemos com que insistência Jesus fala de seu Pai e do Espírito de verdade. Jesus diz, o mais explicitamente possível, que entre o Pai, o Espírito e Ele tudo é comum… Deus que é Pai, Filho e Espírito, Deus Único mas não solitário, Deus comunhão eterna de Amor infinito no mais profundo do seu mistério, é a pedra angular da fé cristã, a diferença, sem dúvida, fundamental em relação às outras concepções de Deus. O nosso acto de fé é aqui decisivo e determina se somos verdadeiramente “de Cristo”. “Senhor, eu creio, mas aumenta a minha fé”.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que traça todo o plano de salvação, da criação à vinda de Cristo, e situa-o sob o signo da Aliança que é comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Mergulhar no coração do mistério… Uma festa para celebrar a relação de Amor que une o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Um mistério imenso que ultrapassa as nossas concepções humanas e no qual somos convidados a entrar. Durante a próxima semana podemos dedicar um tempo à oração, à contemplação, para nos deixarmos mergulhar no coração deste mistério de Amor da Trindade… e um tempo para recentrar de novo as nossas vidas de baptizados: a vida, o amor, a paz, o serviço… passam livremente através de nós? Ou estamos desgarrados do conjunto?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    scj.lu@netcabo.pt – www.ecclesia.pt/dehonianos

  • Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo – Ano C

    Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo – Ano C


    16 de Junho, 2022

    ANO C
    Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

    Tema da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

    No centro da Solenidade deste domingo está quer a celebração de Deus que alimenta o seu povo e que, no seu Filho, dá-lhe o alimento supremo e eterno, quer a grande Eucaristia dos crentes.
    Para exprimir esta oração de louvor e de agradecimento, que dirigimos ao Senhor acolhendo o dom do seu amor, a Escritura emprega duas palavras: a bênção (primeira leitura) e a ação de graças (segunda leitura).
    Estas duas dimensões de oração estão intimamente ligadas e devem habitar a nossa vida para além da missa, para testemunhar todo o amor com o qual Cristo ama os homens (Evangelho).
    A Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo é a festa da Pessoa de Cristo. Ao levantarmos os olhos para o Pão e o Vinho consagrados, só podemos dizer: «É mesmo Ele! Meu Senhor e meu Deus!»

    LEITURA I – Gen 14, 18-20

    Leitura do Livro do Génesis

    Naqueles dias,
    Melquisedec, rei de Salém, trouxe pão e vinho.
    Era sacerdote do Deus Altíssimo
    e abençoou Abraão, dizendo:
    «Abençoado seja Abraão pelo Deus Altíssimo,
    criador do céu e da terra.
    Bendito seja o Deus Altíssimo,
    que entregou nas tuas mãos os teus inimigos».
    E Abraão deu-lhe a dízima de tudo.

    Breve comentário à primeira leitura.
    Na história do povo de Deus, o rei Melquisedec só intervém uma vez, no seu encontro com Abraão. Mas este episódio teve uma importância decisiva para a ação de Jesus.
    O Antigo testamento está cheio de sacrifícios sangrentos. Mas eis aqui um sacrifício sem qualquer efusão de sangue. Melquisedec, um rei sacerdote, oferece diante de Abraão pão e vinho. Os cristãos reconheceram nesse gesto um anúncio da Eucaristia e muitas vezes representaram este sacrifício nas pinturas e vitrais das igrejas, na proximidade do altar. Reconhecemos também neste episódio antigo um traço da pedagogia divina, que provocou continuamente o seu Povo a purificar as suas práticas sacrificiais, para prepará-lo para acolher a ação definitiva do seu Filho.

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 109 (110)

    Refrão 1: O Senhor é sacerdote para sempre.

    Refrão 2: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.

    Disse o Senhor ao meu Senhor:
    «Senta-te à minha direita,
    até que Eu faça de teus inimigos escabelo de teus pés».

    O Senhor estenderá de Sião
    o cetro do teu poder
    e tu dominarás no meio dos teus inimigos.

    A ti pertence a realeza desde o dia em que nasceste
    nos esplendores da santidade,
    antes da aurora, como orvalho, Eu te gerei».

    O Senhor jurou e não Se arrependerá:
    «Tu és sacerdote para sempre,
    segundo a ordem de Melquisedec».

    LEITURA II – 1 Cor 11, 23-26

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti:
    o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue,
    tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse:
    «Isto é o meu Corpo, entregue por vós.
    Fazei isto em memória de Mim».
    Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse:
    «Este cálice á a nova aliança no meu Sangue.
    Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim».
    Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão
    e beberdes deste cálice,
    anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha».

    Breve comentário à segunda leitura.
    As dificuldades surgidas na primeira comunidade de Corinto tinham incitado o apóstolo Paulo a recordar por escrito o que comporta a celebração do grande mistério da fé, a Eucaristia.
    Nesta narração da instituição da Eucaristia, Paulo põe na boca de Jesus uma dupla «ordem de reiteração». Depois da fração do pão, e mesmo antes de lhes dar o cálice, Jesus diz aos Apóstolos: «Fazei isto em memória de Mim». Palavra explícita, fundadora da nossa prática eucarística. E Jesus explica todo o alcance deste memorial, tal como o canta a anamnese: proclamar o que Jesus fez por nós (dom da sua vida), celebrar a sua Ressurreição que nos salva, esperar a sua vinda na glória.
    O que os Apóstolos nos dizem da Eucaristia está nestas breves linhas de uma carta de São Paulo. Que diferenças entre as primeiras celebrações e as nossas, atualmente. Paulo dá-nos indicações importantes: refere-se, em primeiro lugar, à tradição que ele mesmo recebeu, e esta tradição vem do próprio Senhor, que deu a ordem de «refazer isso em memória dele»; indica, em seguida, que esta celebração recebida da tradição está integrada numa refeição, como a fração do pão na última Ceia e as refeições do Ressuscitado com os seus discípulos, em Emaús e em Jerusalém. Esta refeição coloca-nos em situação de esperança, sempre na espera do regresso do nosso Mestre Jesus Cristo, nosso Deus e Senhor.

    SEQUÊNCIA

    Terra, exulta de alegria,
    Louva o teu pastor e guia,
    Com teus hinos, tua voz.

    Quanto possas tanto ouses,
    Em louvá-l’O não repouses:
    Sempre excede o teu louvor.

    Hoje a Igreja te convida:
    O pão vivo que dá vida
    Vem com ela celebrar.

    Este pão – que o mundo creia –
    Por Jesus na santa Ceia
    Foi entregue aos que escolheu.

    Eis o pão que os Anjos comem
    Transformado em pão do homem;
    Só os filhos o consomem:
    Não será lançado aos cães.

    Em sinais prefigurado,
    Por Abraão imolado,
    No cordeiro aos pais foi dado,
    No
    deserto foi maná.

    Bom pastor, pão da verdade,
    Tende de nós piedade,
    Conservai-nos na unidade,
    Extingui nossa orfandade
    E conduzi-nos ao Pai.

    Aos mortais dando comida,
    Dais também o pão da vida:
    Que a família assim nutrida
    Seja um dia reunida
    Aos convivas lá do Céu.

    ALELUIA – Jo 6,51

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o pão vivo descido do Céu, diz o Senhor.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.

    EVANGELHO – Lc 9, 11b-17

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    estava Jesus a falar à multidão sobre o reino de Deus
    e a curar aqueles que necessitavam.
    O dia começava a declinar.
    Então os Doze aproximaram-se e disseram-Lhe:
    «Manda embora a multidão
    para ir procurar pousada e alimento
    às aldeias e casais mais próximos,
    pois aqui estamos num local deserto».
    Disse-lhes Jesus:
    «Dai-lhes vós de comer».
    Mas eles responderam:
    «Não temos senão cinco pães e dois peixes…
    Só se formos nós mesmos
    comprar comida para todo este povo».
    Eram de facto uns cinco mil homens.
    Disse Jesus aos discípulos:
    «Mandai-os sentar por grupos de cinquenta».
    Assim fizeram e todos se sentaram.
    Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes,
    ergueu os olhos ao Céu
    e pronunciou sobre eles a bênção.
    Depois partiu-os e deu-os aos discípulos,
    para eles os distribuírem pela multidão.
    Todos comeram e ficaram saciados;
    e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram.

    Breve comentário ao Evangelho.
    A refeição da fração do pão, que Jesus celebrou com os seus discípulos, é destinada ao conjunto do seu povo. O próprio Jesus significou isso alimentando a multidão que O seguia, como Deus o havia feito outrora no deserto.
    Para viver, é preciso comer. E como Deus nos quer vivos, Ele próprio intervém. Como um Pai que cuida dos seus filhos, quando estes não encontram o alimento necessário. A tradição de Israel tinha guardado a memória de uma intervenção providencial, em que Deus tinha alimentado o seu povo no deserto, depois da saída do Egipto, com o maná e as codornizes (Ex 16); era um pão vindo do céu, portanto, de Deus.
    Por seu lado, Jesus alimenta o povo que está quase a fracassar. Vários detalhes anunciam a Eucaristia: Jesus parte os pães e fá-los distribuir pelos seus discípulos, como na comunhão: o povo está organizado, os Apóstolos fazem o serviço, é a Igreja; no deserto, o maná era apenas suficiente, mas aqui, no banquete do Senhor, restam cestos cheios, porque o pão de Jesus é-nos oferecido generosamente, para que tenhamos a vida em abundância (Jo 10,10).
    É impossível isolar a «ordem de reiteração» da Eucaristia propriamente dita de outras ordens que Jesus nos deu: muito próximo da Eucaristia, há o «exemplo» do lava-pés; há ainda o «mandamento do amor» e a necessidade primordial de amar o nosso próximo; e hoje, o apelo a darmos nós mesmos de comer àqueles que nada têm que comer. Significando já o Reino onde todos os bens superabundam, Jesus recorda que Ele quer associar desde já todos os batizados à sua construção, ao seu anúncio. E para isso, Ele santifica-nos com a sua própria vida.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DO CORPO E SANGUE DE CRISTO

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. VALORIZAR ESPAÇOS E GESTOS EUCARÍSTICOS.
    Valorizar os espaços e gestos eucarísticos, assim como os que se relacionam com a Palavra, é atitude de sempre. Mas isso pode ser relevado em particular neste domingo: cuidar com mais atenção da preparação do altar e seus elementos, podendo prever-se uma procissão das oferendas; valorizar o momento penitencial em ligação com o Batismo que nos conduz à Eucaristia; proclamar a oração eucarística n.º 4, que evoca as alianças sucessivas até à Nova Aliança; dar realce aos grandes gestos da oração eucarística, como a elevação do Corpo de Cristo e do cálice, a doxologia final, assim como a fração do pão; preparar hoje a distribuição da comunhão sob as duas espécies; prever, no momento de ação de graças, uma oração em que alguém possa testemunhar de que modo concreto a Eucaristia o faz viver no quotidiano; proclamar a bênção solene e o envio final, recordando a nossa missão de «dar de comer» a todos os que têm necessidade.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    A fé da Igreja na presença do seu Senhor ressuscitado no mistério da Eucaristia remonta à origem da comunidade cristã. São Paulo transmite o que recebeu da tradição, cerca de 25 anos depois da morte de Jesus. É a narração mais antiga da Eucaristia. A Igreja nunca abandonou esta centralidade.
    A Solenidade do Corpo e do Sangue de Cristo foi instituída em meados do século XIII, numa época em que se comungava muito pouco e onde se levantavam dúvidas sobre a «presença real» de Jesus na hóstia consagrada depois da celebração da Eucaristia. A Igreja respondeu, não com longos discursos, mas com um ato: Sim, Jesus está verdadeiramente presente mesmo depois do fim da missa. E para provar esta fé, criou-se o hábito de organizar procissões com a hóstia consagrada pelas ruas, fora das igrejas.
    Hoje, não é raro encontrar católicos que põem em dúvida esta permanência da presença Jesus no pão eucarístico. As palavras de Jesus esclarecem-nos: «Este é o meu Corpo… Este cálice é a nova
    Aliança no meu sangue». Estas afirmações de Jesus, na noite de quinta-feira santa, não dependiam nem da fé nem da compreensão dos apóstolos. É Jesus que se compromete, que dá o pão como sendo o seu corpo, o cálice de vinho como sendo o cálice da nova Aliança no seu sangue. Só Ele pode ter influência neste pão e neste vinho.
    Hoje, é o sacerdote ordenado que pronuncia as palavras de Jesus, mas não é ele que lhes dá sentido e realidade. É sempre Jesus ressuscitado que se compromete, exatamente como na noite de quinta-feira santa. O sacerdote e toda a comunidade com ele são convidados a aderir na fé a esta ação de Jesus. Mas não têm o poder de retirar a eficácia das palavras que não lhes pertencem. A Igreja tem razão em celebrar esta permanência da presença de Jesus. Que esta seja para nós fonte de maravilhamento e de ação de graças!

    4. PALAVRA PARA O CAMINHO: COMER PARA VIVER.
    É a lei biológica da nossa condição humana: é preciso comer para viver. A nossa vida espiritual exige também ser alimentada e cuidada, para crescer e ser fecunda. Ao multiplicar os pães e os peixes para a multidão que tinha vindo escutar o seu ensinamento, Jesus respondia, certamente, a uma necessidade física imediata. Mas revelava já todo o seu amor pelos homens e o seu desejo de os saciar com o verdadeiro alimento: a sua própria vida, o seu corpo entregue como Pão da Vida, o seu sangue derramado como sangue da Aliança.
    Assim, comungar é ser alimentado pela vida de Jesus, enriquecido pelas suas próprias forças, ser capaz do seu amor. Do mesmo modo que comemos para viver, comungamos na Eucaristia para viver como discípulos de Jesus… Que fazemos das nossas comunhões? Que vidas fazem elas crescer em nós?
    Para meditar estas interrogações, perguntemo-nos verdadeiramente sobre o que nos faltaria se não tivéssemos Eucaristia…
    A Eucaristia é verdadeiramente «vital» para nós? Se assim não for, um período de «jejum eucarístico», um tempo de retiro espiritual para lhe descobrir o sentido, podem ajudar a reencontrar a grandeza deste sacramento. Se assim for, procuremos rezar por aqueles que são privados da Eucaristia e sofrem, e peçamos ao Senhor para lhes dar de novo a graça do seu amor.
    E como andamos de adoração? Com a Festa do Corpo de Deus vem também a questão das procissões e da adoração eucarísticas. Se a ocasião se proporcionar, vivamos este tempo de adoração em ligação com a própria celebração, como prolongamento desta e para melhor nos prepararmos ao serviço dos nossos irmãos.
    Na próxima sexta-feira celebramos a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Mais uma relevante coincidência que nos impele a recentrar o nosso coração no Coração de Jesus, de modo essencial na Eucaristia celebrada e adorada!

    Anexo 1.
    MEDITAÇÃO: O PÃO DA VIDA

    O dia começava a declinar.
    Os Doze aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe:
    Manda embora esta multidão…
    Aqui estamos num local deserto…

    Manda embora esta multidão…
    Durante todo o dia, a multidão escutou-Te longamente.
    Alimentou-se da tua Palavra
    a ponto de esquecer o alimento corporal…
    Felizmente que estamos aí, pensam talvez os teus Apóstolos.
    Porque a noite chega: é preciso encontrar uma solução!
    Eles têm uma:Manda embora esta multidão…
    É a solução humana bem indicada:
    nas aldeias dos arredores, as pessoas poderão alojar-se e alimentar-se.

    É a solução de facilidade. Mas não é o teu ponto de vista.
    Dai-lhes vós mesmos de comer!
    É demasiado fácil dar conselhos aos outros
    sem se comprometer a si mesmo|
    O teu discípulo Tiago retomará o teu pensamento, Senhor, escrevendo:
    «Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano,
    e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”,
    mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará?» (Tg 2,15-16)
    Tu pedes-nos para fazer qualquer coisa
    para ir em ajuda aos outros.
    Por vezes a nossa ação não será muito grande,
    mas tu queres ter necessidade dela.
    A ação dos apóstolos, nesse dia, foi simplesmente
    de Te trazer os cinco pães
    e de convidar as pessoas a instalarem-se na erva.

    Todos comeram…
    e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram.
    Os apóstolos terão cada um cesto cheio do «dom de Deus»
    para levar aos famintos o alimento essencial, o Pão de vida…
    E isso até aos fim dos tempos, até ao teu regresso!

    Pelo alimento eucarístico, obrigado, Senhor!
    Os homens têm fome, sabe-lo bem,
    e Tu queres que ninguém caia no caminho…
    Mas muitos já não sentem mais esta fome…
    Tem piedade deles, Senhor!
    Tu queres também ter necessidade de ajuda para partilha o teu Pão
    a todas as multidões de todos os lugares…
    Dá à tua Igreja, Senhor,
    os sacerdotes que continuarão a missão
    e o trabalho dos Apóstolos em favor dos famintos de hoje.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • 12º Domingo do Tempo Comum – Ano C

    12º Domingo do Tempo Comum – Ano C


    19 de Junho, 2022

    ANO C
    12º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 12º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo coloca no centro da nossa reflexão a figura de Jesus: quem é Ele e qual o impacto que a sua proposta de vida tem em nós? A Palavra de Deus que nos é proposta impele-nos a descobrir em Jesus o “messias” de Deus, que realiza a libertação dos homens através do amor e do dom da vida; e convida cada “cristão” à identificação com Cristo – isto é, a “tomar a cruz”, a fazer da própria vida um dom generoso aos outros.
    O Evangelho confronta-nos com a pergunta de Jesus: “e vós, quem dizeis que Eu sou?” Paralelamente, apresenta o caminho messiânico de Jesus, não como um caminho de glória e de triunfos humanos, mas como um caminho de amor e de cruz. “Conhecer Jesus” é aderir a Ele e segui-l’O nesse caminho de entrega, de doação, de amor total.
    A primeira leitura apresenta-nos um misterioso profeta “trespassado”, cuja entrega trouxe conversão e purificação para os seus concidadãos. Revela, pois, que o caminho da entrega não é um caminho de fracasso, mas um caminho que gera vida nova para nós e para os outros. João, o autor do Quarto Evangelho, identificará essa misteriosa figura profética com o próprio Cristo.
    A segunda leitura reforça a mensagem geral da liturgia deste domingo, insistindo que o cristão deve “revestir-se” de Jesus, renunciar ao egoísmo e ao orgulho e percorrer o caminho do amor e do dom da vida. Esse caminho faz dos crentes uma única família de irmãos, iguais em dignidade e herdeiros da vida em plenitude.

    LEITURA I – Zac 12,10-11;13,1

    Leitura da Profecia de Zacarias

    Eis o que diz o Senhor:
    «Sobre a casa de David e os habitantes de Jerusalém
    derramarei um espírito de piedade e de súplica.
    Ao olhar para Mim, a quem trespassaram,
    lamentar-se-ão como se lamenta um filho único,
    chorarão como se chora o primogénito.
    Naquele dia, haverá grande pranto em Jerusalém,
    como houve em Hadad-Rimon, na planície de Megido.
    Naquele dia, jorrará uma nascente para a casa de David
    e para os habitantes de Jarusalém,
    a fim de lavar o pecado e a impureza.

    AMBIENTE

    Como o livro de Isaías, o livro de Zacarias não pode ser atribuído a um só e mesmo profeta. Só os capítulos 1-8 podem ser atribuídos a esse Zacarias, filho de Baraquias (cfr. Zac 1,1.7), que actuou em Jerusalém no pós-exílio e teve um papel preponderante na reconstrução do Templo (estamos à volta de 520 a.C.).
    Os capítulos 9-14 parecem ser uma outra colecção de textos, que provêm de um, ou mais provavelmente de vários autores tardios; costuma falar-se deste conjunto de textos usando a designação “Deutero-Zacarias”.
    A época em que os textos do Deutero-Zacarias apareceram também é muito discutida (a partir das referências históricas do livro, é possível deduzir todas as épocas, desde o séc. VIII até ao séc. II a.C.). No entanto, a opinião mais difundida actualmente é a que situa a redacção destes capítulos em finais do séc. IV e durante o séc. III a.C. (o ambiente parece revelar a época posterior às vitórias de Alexandre da Macedónia).
    O texto que nos é proposto integra uma colecção que vai de 12,1 a 14,21. Essa colecção apresenta-nos um mosaico de temas diversos, embora unidos por uma certa expectativa messiânica. Depois do anúncio da intervenção definitiva de Deus na pessoa de um rei/messias que, na humildade, procurará instaurar o reino ideal (cf. Zac 9,9-10) e da referência a um “pastor” enigmático que virá apascentar o rebanho de Deus (cf. Zac 11,4-17), os textos apresentam-nos um conjunto de oráculos que se referem à salvação e glória de Jerusalém. É nesse enquadramento que podemos situar o nosso texto.

    MENSAGEM

    O profeta começa por anunciar a efusão de um espírito de piedade e de súplica sobre a casa de David e os habitantes de Jerusalém: esse espírito irá provocar uma transformação interior que colocará toda a gente na órbita de Deus, numa atitude de confiança e de abertura a Deus.
    Tal acção resultará da actividade profética de um misterioso “trespassado”. Primeiro, o autor identifica-o com Deus (“olharão para mim”, a quem trespassaram”); mas, logo a seguir, a frase distingue de novo Deus e o misterioso personagem evocado. O “’ly” (“para mim”) significa, provavelmente, que o próprio Deus Se sente atingido pela morte infligida ao seu enviado.
    Quem é este personagem? Há quem o identifique com o rei Josias, morto em Meggido em combate contra os egípcios (cf. 2 Re 23,29-30); há, também, quem diga que esta figura se inspira no sumo sacerdote Onias III (cf. 2 Mac 4,34) ou em Simão Macabeu (cf. 1 Mac 16,11-17; se este personagem fosse Simão Macabeu, teríamos de colocar a redacção deste texto na segunda metade do séc. II a.C.). Pode, ainda, ser um qualquer profeta cujo nome desconhecemos… De qualquer forma, trata-se de um mártir inocente e anónimo, por cuja morte os habitantes de Jerusalém se tornaram responsáveis. A figura que melhor ilumina esta passagem ainda é a do “servo sofredor” de Is 53, mesmo se os termos utilizados são bastante diferentes. Como acontece com o “servo de Jahwéh”, o sacrifício deste mártir inocente é fonte de transformação dos corações (cf. Zac 12,10) e de purificação (cf. Zac 13,1): a contemplação dessa vítima inocente iniciará no Povo um processo de arrependimento e de purificação.
    A repetida evocação de David neste contexto (cf. Zac 12,7-8.10.12; 13,1) liga este personagem com a promessa messiânica.
    João, o autor do Quarto Evangelho, verá em Jesus, morto na cruz e com o coração trespassado pela lança do soldado, a concretização da figura aqui evocada (cf. Jo 19,37).

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, os seguintes dados:

    ¨ Esta figura do “trespassado” faz-nos pensar em todos os “profetas” que lutam pela justiça e pela verdade e que são torturados, vilipendiados, massacrados por causa do seu testemunho incómodo. A identificação do “trespassado” com o próprio Deus diz-nos que o profeta nunca está só e perdido face ao ódio do mundo, mas que Deus está sempre do seu lado; diz-nos, também, que é de Deus que brota a missão profética, mesmo quando ela incomoda e questiona os homens.

    ¨ Fomos constituídos profetas no momento da nossa opção por Cristo (Baptismo). Como se tem “cumprido” a nossa missão profética? Na fidelidade e no empenho, ou na preguiça e no comodismo? No medo que paralisa, ou na inquebrantável
    confiança no Deus que está ao nosso lado?

    ¨ Como acolhemos a interpelação e o questionamento dos outros profetas que Deus envia ao nosso encontro? Com desprezo e arrogância, com frieza e indiferença? Ou com a convicção de que é o próprio Deus que, através deles, nos interpela?

    ¨ Este texto garante-nos que o sofrimento por causa do testemunho profético não é em vão. Do testemunho profético – mesmo quando “cumprido” na dor, na dificuldade, no fracasso aos olhos do mundo – resultará sempre a transformação dos corações, a conversão e, portanto, o nascimento de um mundo novo.

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 62 (63)

    Refrão: A minha alma tem sede de Vós, meu Deus.

    Senhor, sois o meu Deus: desde a autora Vos procuro.
    A minha alma tem sede de Vós.
    Por Vós suspiro,
    como terra árida, sequiosa, sem água.

    Quero contemplar-Vos no santuário,
    para ver o vosso poder e a vossa glória.
    A vossa graça vale mais que a vida:
    por isso os meus lábios hão-de cantar-Vos louvores.

    Assim Vos bendirei toda a minha vida
    e em vosso louvor levantarei as mãos.
    Serei saciado com saborosos manjares
    e com vozes de júbilo Vos louvarei.

    Porque Vos tornastes o meu refúgio,
    exulto à sombra das vossas asas.
    Unido a Vós estou, Senhor,
    a vossa mão me serve de amparo.

    LEITURA II – Gal 3, 26-29

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Gálatas

    Irmãos:
    Todos vós sois filhos de Deus
    pela fé em Jesus Cristo,
    porque todos vós, que fostes baptizados em Cristo,
    fostes revestidos de Cristo.
    Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre,
    não há homem nem mulher;
    todos vós sois um só em Cristo Jesus.
    Mas, se pertenceis a Cristo,
    sois então descendência de Abraão,
    herdeiros segundo a promessa.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler essa carta enviada aos habitantes da região central da Ásia Menor (Galácia), onde se discute se Cristo basta para chegar à salvação ou são precisas também as obras da Lei. Já sabemos que, para Paulo, só Cristo salva; por isso, os gálatas são convidados a fazer “ouvidos de mercador” às exigências dos “judaizantes” e a não se preocuparem com a circuncisão, nem com outras exigências da Lei de Moisés.
    Este texto, em concreto, aparece na segunda parte da Carta aos Gálatas (cf. Gal 3,1-6,18), em que Paulo apresenta uma reflexão sobre o cristão e a liberdade. Nos versículos anteriores, Paulo comparara a Lei a um “carcereiro” (cf. Gal 3,23) e a um “pedagogo” greco-romano (cf. Gal 3,24). Estas duas imagens são bem elucidativas: o carcereiro da época era, com muita frequência, exemplo de crueldade; e o pedagogo (geralmente um escravo pouco instruído que acompanhava a criança à escola e a mantinha disciplinada) também não era muito apreciado e evocava a imagem de reprimendas e castigos. É verdade, considera Paulo (cf. Gal 3,25), que é melhor ser conduzido pela mão do que perder-se no caminho; mas seria uma estupidez aspirar a viver sempre no cárcere ou considerar como um ideal ser sempre conduzido pela mão, sem experimentar a liberdade.

    MENSAGEM

    Aos gálatas, tentados a voltar à escravidão da Lei, Paulo recorda a experiência libertadora que resultou da sua adesão a Cristo.
    Pelo Baptismo, os crentes foram “revestidos de Cristo” e tornaram-se “filhos de Deus”. Dizer que os crentes foram “revestidos de Cristo” significa que entre os baptizados e Cristo se estabeleceu uma relação que não é apenas exterior, mas que toca o âmago da existência: pelo Baptismo, os cristãos assumiram a existência do próprio Cristo e tornaram-se, como Ele, pessoas que renunciaram à vida velha do egoísmo e do pecado, para viverem a vida nova da entrega a Deus e do amor aos irmãos. Em todos os crentes circula, agora, a vida do próprio Cristo; essa vida veste-os completamente, da cabeça aos pés.
    A primeira consequência que daqui resulta é que os cristãos são livres: eles receberam de Cristo uma vida nova e não estão mais sujeitos à escravatura do egoísmo, do pecado e da morte.
    A segunda consequência que daqui resulta é que os cristãos são iguais. Identificados com Cristo (porque todos – judeus e não judeus, homens e mulheres – foram revestidos da mesma vida), não há qualquer diferença ou discriminação quanto à raça, ou ao sexo; todos são “filhos”, com igual direito quanto à herança (todos são filhos do mesmo Pai e todos têm acesso, em Cristo, à mesma vida plena). A “salvação” que Cristo trouxe significa a igualdade fundamental de todos.
    A questão é esta: depois de experimentar isto, os gálatas estarão dispostos a ser, outra vez, escravos?

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, para a reflexão, as seguintes linhas:

    ¨ O cristão é, fundamentalmente, aquele que se “revestiu de Cristo”. Que significa isto, em concreto? Que assinamos um documento no qual nos comprometemos a viver como baptizados? Que respeitamos apenas as leis e orientações da hierarquia? Que nos comprometemos somente a ir à missa ao domingo, a ir a Fátima uma vez por ano e a rezar o terço de vez em quando? Ou significa que assumimos o compromisso de viver como Cristo, de assumir os seus valores, de fazer da nossa vida um dom de amor, de nos entregarmos até à morte para construir um mundo de justiça e de paz para todos?

    ¨ Para os judeus, contemporâneos de Jesus e de Paulo de Tarso, os pagãos e as mulheres eram gente discriminada. “Dou-te graças, Deus altíssimo – diz uma célebre oração rabínica – porque não me fizeste pagão, escravo ou mulher”. Paulo proclama, neste texto, que, a partir da nossa identificação com Cristo, toda a discriminação entre os homens e, sobretudo entre os cristãos, carece de sentido. A Igreja soube tirar as consequências deste facto? Como acolhemos os estrangeiros, os discriminados, os divorciados, os homossexuais, os drogados, as mulheres? Como filhos iguais do mesmo Deus, ou como irmãos “coitados”, que é preciso tolerar e tratar com caridade mas que não são iguais nem têm a mesma dignidade dos outros?

    ALELUIA – Jo 10,27

    Aleluia. Aleluia.

    As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor;
    Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.

    EVANGELHO – Lc 9,18-24

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Um dia, Jesus orava sozinho,
    estando com Ele apenas os discípulos.
    Então perguntou-lhes:
    «Quem dizem as multidões que Eu sou?»
    Eles responderam:
    «Uns, João Baptista; outros, que és Elias;
    e outros, que és um dos antigos
    profetas que ressuscitou».
    Disse-lhes Jesus:
    «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
    Pedro tomou a palavra e respondeu:
    «És o Messias de Deus».
    Ele, porém, proibiu-lhes severamente
    de o dizerem fosse a quem fosse
    e acrescentou:
    «O Filho do homem tem de sofrer muito,
    ser rejeitado pelos anciãos,
    pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas;
    tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia».
    Depois, dirigindo-Se a todos, disse:
    «Se alguém quiser vir comigo,
    renuncie a si mesmo,
    tome a sua cruz todos os dias e siga-Me.
    Pois quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la;
    mas quem perder a sua vida por minha causa,
    salvá-la-á».

    AMBIENTE

    Estamos na fase final da etapa da Galileia. Jesus passou algum tempo a apresentar o seu programa e a levar a Boa Nova aos pobres, aos marginalizados, aos oprimidos (cf. Lc 4,16-21). À volta d’Ele, foi-se formando um grupo de “testemunhas”, que apreciaram a sua actuação e que se juntaram a esse sonho de criar um mundo novo, de justiça, de liberdade e de paz para todos. Agora, antes de começar a etapa decisiva da sua caminhada nesta terra (o “caminho” para Jerusalém, onde Jesus vai concretizar a sua entrega de amor), os discípulos são convidados a tirar as suas conclusões acerca do que viram, ouviram e testemunharam. Quem é este Jesus, que se prepara para cumprir a etapa final de uma vida de entrega, de dom, de amor partilhado? E os discípulos estarão dispostos a seguir esse mesmo caminho de doação e de entrega da vida ao “Reino”?

    MENSAGEM

    A cena de hoje começa com a indicação da oração de Jesus (vers. 18). É um dado típico de Lucas que põe sempre Jesus a rezar antes de um momento fundamental (cf. Lc 5,16; 6,12; 9,28-29; 10,21; 11,1; 22,32.40-46; 23,34). A oração é o lugar do reencontro de Jesus com o Pai; depois de rezar, Jesus tem sempre uma mensagem importante – uma mensagem que vem do Pai – para comunicar aos discípulos. A questão importante que, no contexto do episódio de hoje, Jesus tem a comunicar, tem a ver com a questão: “quem é Jesus?”
    A época de Jesus foi uma época de crise profunda para o Povo de Deus; foi, portanto, uma época em que o sofrimento gerou uma enorme expectativa messiânica. Asfixiado pela dor que a opressão trazia, o Povo de Deus sonhava com a chegada desse libertador anunciado pelos profetas – um grande chefe militar que, com a força das armas, iria restaurar o império de seu pai David e obrigar os romanos opressores a levantar o jugo de servidão que pesava sobre a nação. Na época apareceram, aliás, várias figuras que se assumiram como “enviados de Deus”, criaram à sua volta um clima de ebulição, arrastaram atrás de si grupos de discípulos exaltados e acabaram, invariavelmente, chacinados pelas tropas romanas. Jesus é também um destes demagogos, em quem o Povo vê cristalizada a sua ânsia de libertação?
    Aparentemente, Jesus não é considerado pelas multidões “o messias”: o Povo identifica-o, preferentemente, com Elias, o profeta que as lendas judaicas consideravam estar junto de Deus, reservado para o anúncio do grande momento da libertação do Povo de Deus (vers. 19); talvez a sua postura e a sua mensagem não correspondessem àquilo que se esperava de um rei forte e vencedor.
    Os discípulos, no entanto, companheiros de “caminho” de Jesus, deviam ter uma perspectiva mais elaborada e amadurecida. De facto, é isso que acontece; por isso, Pedro não tem dúvidas em afirmar: “Tu és o messias de Deus” (vers. 20). Pedro representa aqui a comunidade dos discípulos – essa comunidade que acompanhou Jesus, testemunhou os seus gestos e descobriu a sua ligação com Deus. Dizer que Jesus é o “messias” significa reconhecer nele esse “enviado” de Deus, da linha davídica, que havia de traduzir em realidade essas esperanças de libertação que enchiam o coração de todos.
    Jesus não discorda da afirmação de Pedro. Ele sabe, no entanto, que os discípulos sonhavam com um “messias” político, poderoso e vitorioso e apressa-se a desfazer possíveis equívocos e a esclarecer as coisas: Ele é o enviado de Deus para libertar os homens; no entanto, não vai realizar essa libertação pelo poder das armas, mas pelo amor e pelo dom da vida (vers. 22). No seu horizonte próximo não está um trono, mas a cruz: é aí, na entrega da vida por amor, que Ele realizará as antigas promessas de salvação feitas por Deus ao seu Povo.
    A última parte do texto (vers. 23-24) contém palavras destinadas aos discípulos: aos de ontem, de hoje e de amanhã. Todos são convidados a seguir Jesus, isto é, a tomar – como Ele – a cruz do amor e da entrega, a derrubar os muros do egoísmo e do orgulho, a renunciar a si mesmo e a fazer da vida um dom. Isto não deve acontecer em circunstâncias excepcionais, mas na vida quotidiana (“tome a sua cruz todos os dias”). Desta forma fica definida a existência cristã.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar os seguintes elementos:

    ¨ O Evangelho de hoje define a existência cristã como um “tomar a cruz” do amor, da doação, da entrega aos irmãos. Supõe uma existência vivida na simplicidade, no serviço humilde, na generosidade, no esquecimento de si para se fazer dom aos outros. É esse o “caminho” que eu procuro percorrer?

    ¨ Na sociedade em geral e na Igreja em particular, encontramos muitos cristãos para quem o prestígio, as honras, os postos elevados, os tronos, os títulos são uma espécie de droga de que não prescindem e a que não podem fugir. Frequentemente, servem-se dos carismas e usam as tarefas que lhe são confiadas para se auto-promover, gerando conflitos, rivalidades, ciúmes e mal-estar. À luz do “tomar a cruz e seguir Jesus”, que sentido é que isto fará? Como podemos, pessoal e comunitariamente, lidar com estas situações? Podemos tolerá-las – em nós ou nos outros? Como é possível usar bem os talentos que nos são confiados, sem nos deixarmos tentar pelo prestígio, pelo poder, pelas honras? Tem alguma importância, à luz do que Jesus aqui ensina, que a Igreja apareça em lugar proeminente nos acontecimentos sociais e mundanos e que exija tratamentos de privilégio?

    ¨ Quem é Jesus, para nós? É alguém que conhecemos das fórmulas do catecismo ou dos livros de teologia, sobre quem sabemos dizer coisas que aprendemos nos livros? Ou é alguém que está no centro da nossa existência, cujo “caminho” tem um real impacto no nosso dia a dia, cuja vida circula em nós e nos transforma, com quem dialogamos, com quem nos identificamos e a quem amamos?

    ¨ É na oração que eu procuro perceber a vontade de Deus e encontrar o caminho do amor e do dom da vida? Nos momentos das decisões importantes da mi
    nha vida, sinto a necessidade de dialogar com Deus e de escutar o que Ele tem para me dizer?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (em parte adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 12º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. A CRUZ EM DESTAQUE E A FÉ EM DIÁLOGO.
    “…Tome a sua cruz todos os dias e siga-Me…” Durante a celebração, pode-se pôr em destaque a cruz. Se houver cruz processional, pode ser colocada no espaço de entrada da igreja; assim, ao chegarem, os fiéis olharão logo de início para cruz. De seguida, como habitualmente, a cruz irá à frente na procissão de entrada; ou, como alternativa, pode permanecer na entrada e ser levada após o Evangelho.
    “…E vós, quem dizeis que Eu sou?…” Como eco à questão de Jesus, a profissão de fé pode ser a mesma do ritual da Confirmação, dialogada sob a forma de pergunta/resposta.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    “Pai, erguemos os olhos para a imagem do teu Filho na cruz e, no seu lado trespassado, descobrimos a relação vital entre a sua Páscoa e o nosso baptismo. Nós Te damos graças pela salvação que assim Ele nos concedeu.
    Nós Te pedimos pelas vítimas inocentes de todas as violências da nossa terra. Venha sobre nós e em nós o teu Espírito de paz”.

    No final da segunda leitura:
    “Pai, nós Te damos graças pelo nosso baptismo e confirmação: pela água e pela unção fomos revestidos de Cristo, pertencemos-Lhe e n’Ele formamos um só povo.
    Nós Te pedimos pelas nossas comunidades, que as classes sociais e as clivagens de toda a espécie podem levar à divisão. Que o teu Espírito nos mantenha sempre unidos”.

    No final do Evangelho:
    “Cristo Jesus, benditas sejas. Com o Apóstolo Pedro nós confessamos: Tu és o Messias de Deus. Nós Te damos graças pelo caminho que tomaste.
    Nós Te pedimos: que o teu Espírito sustente a nossa fé, no meio das dúvidas que tantas vezes nos assaltam”.

    4. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    A Oração Eucarística II sublinha bem a liberdade de Cristo face à Paixão, anunciada no Evangelho de hoje: “no momento em que ia ser entregue e entrar livremente na sua paixão…”

    5. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    “E vós, quem dizeis que Eu sou?” Jesus põe-nos esta questão a nós, hoje. Que dizemos nós d’Ele, diante de Deus, no mais secreto do nosso ser? Que dizemos nós d’Ele, em família, aos nossos filhos, aos nossos amigos, aos nossos irmãos…? Quando a ocasião se apresenta (no nosso trabalho, nas nossas relações sociais…), ousamos anunciar claramente quem somos ou temos receio de dizer que somos de Cristo?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – Ano C

    Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – Ano C


    24 de Junho, 2022

    ANO C
    SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

    Tema da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

    A liturgia deste dia convida-nos a contemplar a bondade, a ternura e a misericórdia de Deus pelos homens – por todos os homens, sem exceção. Como imagem privilegiada para exprimir esta realidade, a Palavra de Deus utiliza a figura do Pastor: Deus é o Pastor que, com amor, cuida do seu rebanho.
    A primeira leitura apresenta Deus como um “bom pastor” (contraposto aos líderes de Israel, os “maus pastores” que conduziram o Povo por caminhos de egoísmo e de morte), cuja preocupação fundamental é o bem-estar do seu rebanho; nesse contexto, o profeta anuncia a obra do Pastor/Deus: libertação do rebanho/Povo, o êxodo para a terra da liberdade, a condução do rebanho para “pastagens excelentes” e os cuidados amorosos que o Pastor dispensará a cada uma das suas ovelhas.
    A segunda leitura lembra-nos que o amor de Deus se derrama continuamente sobre os homens. A prova cabal desse imenso amor é Jesus Cristo, o Filho que o Pai enviou ao nosso encontro para nos libertar do egoísmo e do pecado e que deu a própria vida para que o projeto de amor do Pai se concretizasse e atingisse a humanidade inteira.
    O Evangelho retoma a imagem do Deus/Pastor, cujo amor se derrama, de forma especial, sobre as ovelhas feridas e perdidas do rebanho. Dessa forma, sugere-se que o Pastor/Deus não só não exclui ninguém da sua proposta de salvação – nem sequer aqueles que, pelas suas atitudes “politicamente incorretas” são marginalizados pelos outros homens – mas até tem um “fraco” especial pelos excluídos: são precisamente esses os destinatários privilegiados do amor de Deus.

    LEITURA I – Ez 34,11-16

    Leitura da Profecia de Ezequiel

    Eis o que diz o Senhor Deus:
    «Eu próprio irei em busca das minhas ovelhas
    e hei de encontrá-las.
    Como o pastor que vigia o rebanho,
    quando estiver no meio das ovelhas que andavam tresmalhadas,
    assim Eu cuidarei das minhas ovelhas,
    para as tirar de todos os sítios em que se desgarraram
    num dia de nevoeiro e de trevas.
    Arrancá-las-ei de entre os povos
    e as reunirei dos vários países,
    para as reconduzir à sua própria terra.
    Apascentá-las-ei nos montes de Israel,
    nas ribeiras e em todos os lugares habitados do país.
    Eu as apascentarei em boas pastagens
    e terão as suas devesas nos altos montes de Israel.
    Descansarão em férteis devesas
    e encontrarão pasto suculento sobre as montanhas de Israel.
    Eu apascentarei o meu rebanho,
    Eu o farei repousar, diz o Senhor Deus.
    Hei de procurar a ovelha que anda perdida
    e reconduzir a que anda tresmalhada.
    Tratarei a que estiver ferida,
    darei vigor à que andar enfraquecida
    e velarei pela gorda e vigorosa.
    Hei de apascentar com justiça».

    AMBIENTE

    Ezequiel, o “profeta da esperança”, integrou essa primeira leva de exilados que, em 597 a.C., Nabucodonosor enviou para a Babilónia. Foi na Babilónia que ele se sentiu chamado por Deus e foi entre os exilados que ele desenvolveu a sua missão profética (entre 592 e 571 a.C., aproximadamente).
    Numa primeira fase (entre 592 e 586 a.C.), a mensagem que Ezequiel se propõe transmitir procura desfazer as falsas esperanças dos exilados (apostados em regressar rapidamente a Judá) e anuncia um novo castigo para Jerusalém: não somos nós que vamos regressar rapidamente à nossa terra – diz o profeta; os que estão em Jerusalém e que continuam a trilhar caminhos de pecado e de infidelidade a Jahwéh é que virão ao nosso encontro, no Exílio.
    Numa segunda fase (entre 586 e 571 a.C.), a mensagem de Ezequiel vai ser, sobretudo, uma mensagem de salvação, destinada a consolar os exilados e a alimentar a esperança num futuro novo de felicidade e de paz.
    O texto que nos é proposto pertence a esta segunda fase. Depois de denunciar a responsabilidade dos dirigentes da nação (os “maus pastores”) na catástrofe nacional (cf. Ez 34,1-10), o profeta anuncia uma nova fase da história, na qual o próprio Deus vai apascentar o seu Povo.
    A ideia de apresentar Deus como um pastor que apascenta o seu Povo não é original: os sumérios, os babilónios e os egípcios aplicavam esta imagem quer aos deuses, quer aos homens; e em Israel é uma imagem que, com frequência, se aplica a Deus (cf. Sal 23; 80; Jr 23,1-8).

    MENSAGEM

    O tema fundamental deste texto é, portanto, a apresentação de Deus como um “bom pastor”, que cuida com amor do rebanho que é o seu Povo.
    O nosso texto começa por apresentar a iniciativa de Deus, que “em pessoa” vem ao encontro do Povo escravizado (vers. 11: “Eu próprio tomarei cuidado das minhas ovelhas”). Apesar do pecado do Povo, Deus não abandonou o seu rebanho: até no Exílio os membros do Povo continuam a ser, para Deus, “as minhas ovelhas”.
    Qual é o objetivo de Deus ao vir ao encontro das suas ovelhas? É libertá-las da escravidão, reuni-las e conduzi-las de regresso à terra prometida (vers. 12-13b). Tudo isto é descrito segundo o esquema do êxodo: saída e entrada. Deus quer repetir a maravilhosa iniciativa libertadora do êxodo do Egipto, trazendo novamente o seu Povo da terra da escravidão para a terra da liberdade.
    Com a chegada dos exilados à terra da liberdade, estará terminada a ação de Deus? Não. Mesmo depois de as ovelhas terem reencontrado a sua terra, o pastor (Deus) continuará a dispensar-lhes os seus cuidados… As imagens utilizadas (vers. 13c-15) sublinham, por um lado, a abundância de vida, por outro lado, a tranquilidade e a paz que Deus Se propõe dar – em todos os momentos – ao seu “rebanho”.
    A ação salvadora e amorosa de Deus concretizar-se-á, ainda, na solicitude com que Ele tratará as ovelhas perdidas, desgarradas, feridas, enfermas (vers. 16). Aí manifestar-se-á a “justiça” de Deus que é amor, solicitude, ternura, misericórdia para com os mais pobres, marginalizados e débeis.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão deste texto pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:

    • Dizer que Deus é o “bom pastor” implica falar de um Deus com o coração cheio de amor, que em todos os instantes está presente nos caminhos da nossa história, luta ao nosso lado contra tudo o que oprime e escraviza, aponta horizontes de esperança àqueles que andam perdidos, cuida de todos aqueles que a vida magoou e feriu, oferece a todos a vida e a salvação. Neste dia do Coração de Jesus, somos convidados a contemplar o amor e a ternura do Pastor/Deus que se derramam sobre todos os homens e, de forma especial, sobre os pobres, os oprimidos, os excluídos.

    • A imagem do “bom pastor” é posta, nesta leitura, em contraste com os “maus pastores” (os líderes), os quais, procurando apenas “apascentar-se a si próprios”, conduziram o Povo e a nação
    por caminhos de egoísmo e de morte… Convida-nos a não colocar a nossa esperança e a nossa segurança em mãos humanas, pois só Deus é o “bom pastor” em quem podemos encontrar a vida em plenitude.

    • Há aqui, também, um convite implícito a todos aqueles que têm responsabilidades na sociedade, na Igreja, na comunidade: que o serviço da autoridade seja exercido com solicitude e amor, não para nos servirmos a nós próprios, mas para servirmos os irmãos que Deus nos confiou. Que nos nossos gestos não haja egoísmo e prepotência, mas sim a presença efetiva e concreta do amor de Deus.

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)

    Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.

    O Senhor é meu pastor: nada me falta.
    Leva-me a descansar em verdes prados,
    conduz-me às águas refrescantes
    e reconforta a minha alma.

    Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
    Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
    não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
    o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.

    Para mim preparais a mesa
    à vista dos meus adversários;
    com óleo me perfumais a cabeça
    e meu cálice transborda.

    A bondade e a graça hão de acompanhar-me
    todos os dias da minha vida
    e habitarei na casa do Senhor
    para todo o sempre.

    LEITURA II – Rom 5,5b-11

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    O amor de Deus foi derramado em nossos corações
    pelo Espírito Santo que nos foi dado.
    Quando ainda éramos fracos,
    Cristo morreu pelos ímpios no tempo determinado.
    Dificilmente alguém morrerá por um justo;
    por um homem bom,
    talvez alguém tivesse a coragem de morrer.
    Mas Deus prova assim o seu amor para connosco:
    Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.
    E agora, que fomos justificados pelo seu sangue,
    com muito maior razão
    seremos por Ele salvos da ira divina.
    Se, na verdade, quando éramos inimigos,
    fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho,
    com muito maior razão, depois de reconciliados,
    seremos salvos pela sua vida.
    Mais ainda: também nos gloriamos em Deus,
    por Nosso Senhor Jesus Cristo,
    por quem alcançámos agora a reconciliação.

    AMBIENTE

    Quando escreve aos Romanos, Paulo prepara-se para deixar Corinto e para regressar a Jerusalém, no termo da sua terceira viagem missionária (ano 57 ou 58). Ele sente que terminou a sua missão na Ásia e pretende, agora, dirigir o seu esforço missionário para Ocidente. Por outro lado, Paulo está preocupado com a ameaça que pesa sobre a Igreja: ela corre o risco de se dividir em duas comunidades, uma judeo-cristã, outra pagano-cristã… Mais do que para a comunidade de Roma, é uma carta para todas as comunidades cristãs, onde Paulo – em tom sereno e didático – expõe as questões fundamentais que o preocupam. Sublinhando a unidade da revelação, a unidade do Antigo Testamento e do Evangelho, as promessas feitas a Israel e o papel do antigo Povo de Deus na história da salvação, Paulo demonstra que judeus e pagãos, reconciliados por Cristo, têm lugar nessa comunidade fraterna que é a Igreja.
    O texto que nos é proposto está incluído na parte dogmática da carta (cf. Rm 1,18-11,36), onde Paulo procura dizer que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente. Depois de esclarecer que ninguém tem méritos superiores aos outros, porque todos – judeus e pagãos – são pecadores (cf. Rom 1,18-3,20), Paulo ensina que é a “justiça” de Deus que dá a vida a todos, sem distinção (cf. Rm 3,21-5,11).

    MENSAGEM

    O texto começa com uma referência ao amor de Deus, “derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo” (vers. 5). Aqui refere-se algo de essencial na nossa experiência religiosa: o cristão não é um “pobre coitado”, que se tornou escravo de fórmulas e de ritos e que vive prisioneiro de uma moral pré-histórica ou de uma hierarquia centralizadora; mas é, fundamentalmente, alguém a quem Deus ama… Nunca será demais insistir nesta evidência: Deus ama-nos. É essa a grande “boa notícia” que Paulo quer propor a todos os homens.
    A prova desse amor é essa história incrível de Jesus de Nazaré, o Filho, a quem o Pai enviou ao mundo para “justificar” esses homens mergulhados numa história de egoísmo e de pecado e para os reconciliar definitivamente consigo. Paulo convida-nos a reparar nesse facto espantoso: Deus, o Pai, não passou a amar-nos quando nos convertemos; amou-nos desde sempre e, por isso, enviou o Filho ao nosso encontro “quando éramos ainda pecadores” (vers. 8). É claro que agora, salvos pelo sangue de Jesus, inseridos numa dinâmica de vida nova, temos ainda mais razões para esperar que Deus nos ame e continue a derramar sobre nós a sua vida (vers. 9-10). Esta é a raiz da nossa esperança.
    Que significa dizer que fomos “justificados” e “reconciliados” com Deus pelo sangue de Jesus (vers. 9-11)? Significa que o Pai exigiu a morte do Filho em nosso lugar, a fim de nos poder perdoar as nossas faltas? Não. Significa que o Pai tinha um projeto de vida e de salvação para nós e que enviou o Filho ao nosso encontro para nos apresentar esse projeto… A morte do Filho foi o resultado do confronto do projeto libertador do Pai com o ódio, o egoísmo, a opressão que dominavam o mundo… Mas, se esse projeto foi cumprido – apesar das resistências – até ao dom da vida do Filho, isso demonstra a imensidão do amor de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes linhas:

    • Já o dissemos, mas não é demais repeti-lo: o cristão não é um “pobre coitado” nem um “pobre idealista” que, com os olhos no céu, luta contra moinhos de vento, condenado ao fracasso e à irrisão; o cristão é alguém que tem consciência do amor de Deus e que, com o coração cheio de alegria e de esperança, sente a necessidade de testemunhar aos homens – com palavras e com gestos – esse amor. Sentimos, verdadeiramente, que a nossa vocação é o encontro com o Deus/amor e o testemunho, diante dos homens, desse amor libertador?

    • A consciência do amor de Deus dá-nos a coragem de enfrentar o mundo e de, no seguimento de Jesus, fazer da vida um dom de amor. O cristão não teme o confronto com a injustiça, com a perseguição, com a morte: tudo isso é secundário, perante o Deus que nos ama e que nos desafia a amar sem medida. Enfrente quem enfrentar, o que importa ao crente é ser, no mundo, um sinal vivo do amor de Deus. A nossa vida de encontro com quem nos cruzamos todos os dias, nos caminhos deste mundo, é testemunho e sinal vivo do amor de Deus que nos enche o coração?

    ALELUIA – Mt 11,291b

    Aleluia. Aleluia.

    Tomai o meu jugo sobre vós, diz o senhor,
    e aprendei de Mim,
    que sou manso e humilde de coração.

    (Ou Jo 10,14):
    Eu sou o bom pastor, diz o Senhor:
    conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me.

    EVANGELHO – Lc 15,3-7

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    disse Jesus aos fariseus e aos escribas a seguinte parábola:
    «Quem de vós, que possua cem ovelhas
    e tenha perdido uma delas,
    não deixa as outras noventa e nove no deserto,
    para ir à procura da que anda perdida, até a encontrar?
    Quando a encontra, põe-na alegremente aos ombros
    e, ao chegar a casa,
    chama os amigos e vizinhos e diz-lhes:
    ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’.
    Eu vos digo:
    Assim haverá mais alegria no Céu
    por um só pecador que se arrependa,
    do que por noventa e nove justos,
    que não precisam de arrependimento».

    AMBIENTE

    A história que, hoje, Lucas nos conta deve ser colocada no contexto do “caminho para Jerusalém”, quer dizer, nessa caminhada “espiritual”, durante a qual Jesus prepara os discípulos para serem, após a sua partida para o Pai, as testemunhas do “Reino” no meio dos homens. Em várias lições, Jesus revela aos discípulos o ser do Pai e apresenta-lhes os valores fundamentais do “Reino”; na lição de hoje, Jesus apresenta uma catequese que revela o amor e a misericórdia do Pai.
    Todo o capítulo 15 é dedicado a mostrar a força do amor de Deus. Em três parábolas, Jesus desenvolve o tema da busca e do encontro do que estava perdido, para mostrar o amor e a solicitude de Deus para com todos, nomeadamente para com os pecadores e os marginais. Trata-se de um tema muito caro ao evangelista Lucas.
    A “parábola da ovelha perdida” aqui apresentada aparece também em Mateus (cf. Mt 18,12-14); mas, enquanto que em Mateus ela é aplicada à responsabilidade dos chefes da Igreja no que diz respeito aos “pequenos” das suas comunidades, em Lucas a parábola serve para ilustrar a misericórdia de Deus e o seu cuidado para com os pecadores: não há dúvida que o sentido de Lucas deve estar muito mais próximo do sentido original com que Jesus contou esta história.
    Para percebermos cabalmente o que está aqui em causa, é importante termos em conta o “enquadramento” em que a parábola nos aparece. Tudo começa com uma observação dos escribas e fariseus que, vendo como os publicanos e pecadores se aproximavam de Jesus para O ouvir, comentaram: “este homem acolhe os pecadores e come com eles”. Para os fariseus, era absolutamente escandaloso manter contactos com um pecador notório. Na época, um cobrador de impostos não podia fazer parte da comunidade farisaica; não podia ser juiz, nem prestar testemunho em tribunal sendo, para efeitos judiciais, equiparado ao escravo; estava também privado de certos direitos cívicos, políticos e religiosos… Jesus vai demonstrar, àqueles que o criticam, que a lógica dos fariseus (criadora de exclusão e de marginalidade) está em oposição à lógica de Deus.

    MENSAGEM

    A parábola do pastor que abandona noventa e nove ovelhas no deserto para ir à procura de uma que se perdeu e que, chegado a casa, convoca os amigos e vizinhos para celebrar o achamento da ovelha perdida, é uma parábola estranha, se olharmos para ela com critérios de coerência e de lógica. Faz sentido abandonar noventa e nove ovelhas por causa de uma? E faz sentido esse espalhafato diante dos amigos e dos vizinhos, por causa de um facto tão banal para um pastor como é o reencontrar uma ovelha que se extraviou do grupo? Ora, são precisamente nesses exageros e nessas reações desproporcionadas que transparece a mensagem essencial da parábola.
    Os relatos evangélicos põem, com frequência, Jesus em contacto com gente reprovável, apontada a dedo pela sociedade, como os cobradores de impostos e as mulheres de má vida. É impossível que os discípulos tenham inventado isto: ninguém da comunidade cristã primitiva estaria interessado em atribuir a Jesus um comportamento “politicamente incorreto”, se isso não correspondesse à realidade histórica. Não há dúvida: Jesus deu-Se com gente duvidosa, com pessoas a quem os “justos” preferiam evitar, com pessoas que eram anatematizadas e marginalizadas por causa dos seus comportamentos escandalosos, atentatórios da moral pública. Certamente não foram os discípulos a inventar para Jesus o injurioso apelativo de “comilão e bêbedo, amigo de publicanos e de pecadores (Mt 11,19; cf. 15,1-2). Porque é que Jesus se dava com essas pessoas?
    Porque, na perspetiva de Lucas, Jesus é o amor de Deus que Se faz pessoa e que vem ao encontro dos homens – de todos os homens – para os libertar da sua miséria e para lhes apresentar essa realidade de vida nova que é o projeto do “Reino”. A solicitude de Jesus para com os pecadores mostra-lhes que Deus os ama, que Deus não os rejeita, que Deus os convida a fazer parte da sua família e a integrar a comunidade do “Reino”. É que o projeto de salvação de Deus não é um condomínio fechado, com seguranças fardados para evitar a entrada de indesejáveis; mas é uma proposta universal, onde todos os homens e mulheres têm lugar, porque todos – maus e bons – são filhos queridos e amados do Pai/Deus. A lógica de Deus é sempre dominada pelo amor.
    A “parábola da ovelha perdida” pretende, precisamente, dar conta desta realidade. A atitude desproporcionada de “deixar as noventa e nove ovelhas no deserto para ir ao encontro da que estava perdida” sublinha a imensa preocupação de Deus por cada homem que se afasta da comunidade da salvação e o “inqualificável” amor de Deus por todos os homens que necessitam de libertação. O “pôr a ovelha aos ombros” significa o cuidado e a solicitude de Deus, que trata com amor e com cuidados de Pai os filhos feridos e magoados; a alegria desmesurada do “pastor” significa a felicidade imensa de Deus sempre que o homem reentra no caminho da felicidade e da vida plena.
    Jesus anuncia, aqui, a salvação de Deus oferecida aos pecadores, não porque estes se tornaram dignos dela mediante as suas boas obras, mas porque o próprio Deus Se solidariza com os excluídos e marginalizados e lhes oferece a salvação. Encontramos aqui o cumprimento da profecia de Ezequiel que nos foi apresentada na primeira leitura: Deus vai assumir-Se (através de Jesus) como o Bom Pastor, que cuidará com amor de todas as ovelhas e, de forma especial, das desencaminhadas e perdidas.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:

    • Antes de mais, o que está em causa na leitura que nos é proposta é a apresentação do imenso amor de Deus. Deus ama de forma desmesurada cada mulher e cada homem. É esta a primeira coisa que nos deve “tocar” ao celebrarmos
    o Coração de Jesus. Interiorizamos suficientemente esta certeza, deixamos que ela marque a nossa vida e condicione as nossas opções?

    • O amor de Deus dirige-se, de forma especial, aos pequenos, aos marginalizados, aos necessitados de salvação. Os pobres e débeis que encontramos nas ruas das nossas cidades ou à porta das igrejas das nossas paróquias encontram nos “profetas do amor” a solicitude maternal e paternal de Deus? Apesar do imenso trabalho, do cansaço, do “stress”, dos problemas que nos incomodam, somos capazes de “perder” tempo com os pequenos, de ter disponibilidade para acolher e escutar, de “gastar” um sorriso com esses excluídos, oprimidos, sofredores, que encontramos todos os dias e para os quais temos a responsabilidade de tornar real o amor de Deus?

    • Tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo significa lutar objetivamente contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento… Inquieto-me, realmente, frente a tudo aquilo que desfeia o mundo? Pactuo (com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram injustiça, ou esforço-me ativamente por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus?

    • As nossas comunidades (cristãs e religiosas) são espaços de acolhimento e de hospitalidade, oásis do amor de Deus, não só para os amigos e confrades, mas também para os pobres, os marginalizados, os sofredores que buscam em nós um sinal de amor, de ternura e de esperança?

    ANEXO: LEITURA PARA MEDITAÇÃO.

    “Meus caríssimos filhos! Deixo-vos o mais maravilhoso de todos os tesouros: o Coração de Jesus!”
    Com estas palavras, o Padre João Leão Dehon inicia o testamento espiritual que legou aos Sacerdotes do Coração de Jesus e a todos os que querem centrar a sua vida no Coração de Jesus.
    A Igreja mergulha as suas raízes em Cristo, no seu Coração, no Amor que transforma os corações e as sociedades. A Igreja deve lutar pela partilha, pelo amor, pelas condições justas de trabalho, pela habitação para todos… A Igreja aponta para o reino do Coração de Jesus que deve começar nos indivíduos, penetrar nas famílias e envolver toda a sociedade.
    “É necessário que o culto do Coração de Jesus, começado na vida mística nas almas, desça e penetre na vida social dos povos. Ele trará o soberano remédio para os males cruéis do nosso mundo moral” (Padre Dehon, Obras Sociais I, 3).
    O Coração de Jesus foi a força interior que moveu continuamente o Padre Dehon. Como homem de Igreja no seu tempo, contribuiu para que o Coração de Jesus reinasse nas almas e nas sociedades. Sonhou com isso, lutou por esse projeto, tentou que ele se tornasse realidade. Fê-lo pela contemplação, pelo silêncio interior, pela intensa vida contemplativa. Fê-lo também pela ação apostólica, pela luta social.
    Aponta o Coração de Jesus como caminho do homem, como caminho da Igreja, como caminho da sociedade.
    O Padre Dehon torna-se arauto do reino do Coração de Jesus, como resposta às interrogações do coração humano. Conversão pessoal e justiça social: os alicerces do reino assentam na prática destas dimensões.
    Bebendo da fonte que é o Coração de Jesus, o Padre Dehon pratica a contemplação na ação e a ação na contemplação. Só assim faz sentido o ser e o agir da Igreja, na atenção constante ao homem. Como diz um dos seus discípulos hoje:
    “O que faltava era arregaçar as mangas. O problema da sua Igreja não eram ideias ou diretivas; era fé na pessoa humana e coragem de mudar o que devia ser mudado… Era preciso mergulhar na política para mudar a Sociedade, mas antes disso era urgente tornar o coração humano semelhante ao de Jesus!” (Padre Zezinho, Por causa de um certo reino, 26).
    O amor de Deus vivo torna-se presente no amor do Coração de Cristo: o Coração de Jesus como aquele que nos chama e nos congrega em Igreja. Nas palavras iluminadas do Padre Dehon:
    “O Coração de Jesus é o sol que nos ilumina através da sua Igreja, esta Igreja que Jesus concebeu na atenção do seu Coração por nós, que ele adquiriu e fundou pelo sangue do seu Coração. O Coração de Jesus aparece no seio da Igreja como o astro que tudo ilumina, tudo anima e tudo vivifica” (Padre Dehon, Obras Espirituais I, 504).
    A Igreja é gerada no Coração de Jesus, a Igreja procura espalhar o reino do Coração de Jesus nas almas e na sociedade, a Igreja luta pela promoção dos valores do Reino, como a vida, a dignidade, o bem, a verdade, a justiça, o amor, a paz…, a Igreja constrói a civilização do Amor!
    O Padre Dehon não é único nesta luta, é certo. Mas, no seu tempo, a grande novidade da sua proposta está na insistência, sem cessar e sem se cansar, da reflexão e das ações tendentes a construir o reino do Coração de Jesus na sociedade. Está convicto da fidelidade ao Coração de Jesus, como autêntico profeta que tem a coragem de ir contra a corrente. Isto num mundo que se regulava quase exclusivamente (tal como hoje!) pelas leis da economia e da finança. O Padre Dehon anuncia o caminho radical do Evangelho e do Coração de Jesus:
    “Só o Coração de Jesus pode dar à terra a caridade perdida. Só ele reconquistará o coração das massas, o coração dos operários, o coração da juventude. Esta nova conquista dos corações começou manifestamente com o Sagrado Coração” (Padre Dehon, Obras Sociais I, 5).
    O Venerável Padre Dehon termina o seu testamento espiritual, escrito em 1914, com uma oração centrada no Coração de Jesus:
    “Ofereço uma vez mais e consagro a minha vida e a minha morte ao Sagrado Coração de Jesus, por seu amor e segundo todas as suas intenções. Tudo por vosso amor, ó Coração de Jesus!”

    [Construir a civilização do amor. Espiritualidade dehoniana para os tempos atuais. Col. Estudos Dehonianos 1, Lisboa 2007, 27-29]

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • 13º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    13º Domingo do Tempo Comum - Ano C

    26 de Junho, 2022

    ANO C
    13º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 13º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia de hoje sugere que Deus conta connosco para intervir no mundo, para transformar e salvar o mundo; e convida-nos a responder a esse chamamento com disponibilidade e com radicalidade, no dom total de nós mesmos às exigências do "Reino".
    A primeira leitura apresenta-nos um Deus que, para actuar no mundo e na história, pede a ajuda dos homens; Eliseu (discípulo de Elias) é o homem que escuta o chamamento de Deus, corta radicalmente com o passado e parte generosamente ao encontro dos projectos que Deus tem para ele.
    O Evangelho apresenta o "caminho do discípulo" como um caminho de exigência, de radicalidade, de entrega total e irrevogável ao "Reino". Sugere, também, que esse "caminho" deve ser percorrido no amor e na entrega, mas sem fanatismos nem fundamentalismos, no respeito absoluto pelas opções dos outros.
    A segunda leitura diz ao "discípulo" que o caminho do amor, da entrega, do dom da vida, é um caminho de libertação. Responder ao chamamento de Cristo, identificar-se com Ele e aceitar dar-se por amor, é nascer para a vida nova da liberdade.

    LEITURA I - 1 Re 19,16b.19-21

    Leitura do Primeiro Livro dos Reis

    Naqueles dias,
    disse o Senhor a Elias:
    «Ungirás Eliseu, filho de Safat, de Abel-Meola,
    como profeta em teu lugar».
    Elias pôs-se a caminho
    e encontrou Eliseu, filho de Safat,
    que andava a lavrar com doze juntas de bois
    e guiava a décima segunda.
    Elias passou junto dele e lançou sobre ele a sua capa.
    Então Eliseu abandonou os bois,
    correu atrás de Elias e disse-lhe:
    «Deixa-me ir abraçar meu pai e minha mãe;
    depois irei contigo».
    Elias respondeu:
    «Vai e volta,
    porque eu já fiz o que devia».
    Eliseu afastou-se,
    tomou uma junta de bois e matou-a;
    com a madeira do arado assou a carne,
    que deu a comer à sua gente.
    Depois levantou-se e seguiu Elias,
    ficando ao seu serviço.

    AMBIENTE

    Esta passagem do Primeiro Livro dos Reis leva-nos até ao séc. IX a.C. Estamos na época dos dois reinos divididos.
    Os profetas Elias e Eliseu, aqui referenciados, exerceram o seu ministério profético no reino do norte (Israel), no tempo dos reis Acab e Ocozias (Elias), Jorão e Jehú (Eliseu). É uma época de grande desnorte, em termos religiosos: a fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros assumem na cultura religiosa de Israel.
    Uma grande parte do ministério de Elias desenrola-se durante o reinado de Acab (874-853 a.C.). O rei - influenciado por Jezabel, a sua esposa fenícia - erige altares a Baal e Astarte e prostra-se diante das estátuas desses deuses. Estamos diante de uma tentativa de abrir Israel ao intercâmbio com outras culturas; mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. Nessa época, Elias torna-se o grande campeão da fé jahwista (cf. 1 Re 18 - o episódio do "duelo" religioso entre Elias e os profetas de Baal, no monte Carmelo), defendendo a Lei em todas as suas vertentes (inclusive na vertente social - cf. 1 Re 21 - o célebre episódio da vinha de Nabot), contra uma classe dirigente que subvertia a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.
    A luta de Elias no sentido de preservar os valores fundamentais da fé jahwista será continuada nos reinados seguintes por um dos seus discípulos - Eliseu. A leitura que nos é proposta apresenta-nos, precisamente, o chamamento de Eliseu.

    MENSAGEM

    O texto propõe-nos uma reflexão sobre o chamamento de Deus e a resposta do homem.
    O quadro inicial da nossa leitura situa-nos no Horeb, a montanha da revelação de Deus ao seu Povo (cf. 1 Re 19,8). Porquê no Horeb? Porque aí, no lugar onde começou a Aliança, Deus vai definir os instrumentos do restabelecimento da Aliança: Elias é convidado a ungir Eliseu como profeta; ele será (juntamente com Jehú, futuro rei de Israel e de Hazael, futuro rei de Damasco) o instrumento de Deus na aniquilação de Acab, o rei infiel a Jahwéh e à Aliança. Trata-se da única vez que o Antigo Testamento refere a "unção" de um profeta.
    Após a apresentação inicial, o autor deuteronomista desenha o quadro do chamamento de Eliseu. Ele está no campo, com os bois, a lavrar a terra quando Elias o encontra e o convida a ser profeta: o profeta não é alguém que, repentinamente, cai do céu e invade de forma anormal o mundo dos homens; também não é alguém que se torna profeta porque não serve para outra coisa; mas é sempre um homem normal, com uma vida normal, a quem Deus chama, indo ao seu encontro e falando-lhe na normalidade do trabalho diário, para lhe apresentar o seu desafio.
    Elias lança sobre Eliseu o seu "manto". Este gesto tem de ser entendido à luz da crença de que as roupas ou os objectos pertencentes a uma pessoa representavam essa pessoa e continham qualquer coisa do seu poder: dessa forma, Elias comunica a Eliseu o seu poder e o seu espírito proféticos (cf. 2 Re 2,13-14; 4,29-31; Lc 8,44; Act 19,12).
    Temos, depois, a resposta de Eliseu ao desafio que Deus lhe lança através do gesto de Elias: imolou uma junta de bois, queimou o arado, assou a carne dos bois e deu-a a comer à sua família; depois, seguiu Elias e ficou ao seu serviço.
    O gesto de Eliseu significa, provavelmente, o abandono da vida antiga, a renúncia à antiga profissão, a ruptura com a própria família e a entrega total à missão profética. Exprime a radicalidade da sua entrega ao serviço de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Ter em conta, para a reflexão, os seguintes dados:

    ¨ A história da salvação não é a história de um Deus que intervém no mundo e na vida dos homens de forma espalhafatosa, prepotente, dominadora; mas é uma história de um Deus que, discretamente, sem se impor nem dar espectáculo, age no mundo e concretiza os seus planos de salvação através dos homens que Ele chama. É como se Ele nos dissesse como fazer as coisas, mas respeitasse o nosso caminho e Se escondesse por detrás de nós. É necessário ter em conta que somos os instrumentos de Deus para construir a história, até que o nosso mundo chegue a ser esse "mundo bom" que Deus sonhou. Aceitamos este desafio?

    ¨ O relato da "vocação" de Eliseu não é o relato de uma situação excepcional, que só acontece a alguns privilegiados, eleitos entre todos por Deus para uma missão no mundo; mas é a história de cada um de nós e dos apelos que Deus nos faz, no sentido de nos disponibilizarmos para a missão que Ele nos quer confiar, quer no mundo, quer na nossa comunidade cristã. Estou atento aos apelos de Deus? Tenho disponibilidade, generosidade e entusiasmo para me empenhar nas tarefas a que Ele me chama?

    ¨ O chamamento de Deus chega a Eliseu através da acção de Elias... É preciso ter em conta que, muitas vezes, o desafio de Deus nos chega através da palavra ou da interpelação de um irmão; e que, muitas vezes, é preciso contar com o apoio de alguém para discernir o caminho e ser capaz de enfrentar os desafios da vocação.

    ¨ Finalmente, somos chamados a contemplar a disponibilidade de Eliseu e a forma radical como ele acolheu o desafio de Deus. A referência à morte dos bois, ao desmantelamento do arado (cuja madeira serviu para assar a carne dos animais) e ao banquete de despedida oferecido à família significa que o profeta resolveu "cortar todas as amarras", pois queria dar-se, radicalmente, ao projecto de Deus. É esse corte radical com o passado e essa entrega definitiva à missão que nos questiona e interpela.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 15 (16)

    Refrão: O Senhor é a minha herança.

    Defendei-me, Senhor: Vós sois o meu refúgio.
    Diga ao Senhor: «Vós sois o meu Deus».
    Senhor, porção da minha herança e do meu cálice,
    está nas vossas mãos o meu destino.

    Bendigo o Senhor por me ter aconselhado,
    até de noite me inspira interiormente.
    O Senhor está sempre na minha presença,
    com Ele a meu lado não vacilarei.

    Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta
    e até o meu corpo descansa tranquilo.
    Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos,
    nem deixareis o vosso fiel sofrer a corrupção.

    Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida,
    alegria plena na vossa presença,
    delícias eternas à vossa direita.

    LEITURA II - Gal 5,1.13-18

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Gálatas

    Irmãos:
    Foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou.
    Portanto, permanecei firmes
    e não torneis a sujeitar-vos ao jugo da escravidão.
    Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade.
    Contudo, não abuseis da liberdade
    como pretexto para viverdes segundo a carne;
    mas, pela caridade,
    colocai-vos ao serviço uns dos outros,
    porque toda a Lei se resume nesta palavra:
    «Amarás o teu próximo como a ti mesmo».
    Se vós, porém, vos mordeis e devorais mutuamente,
    tende cuidado, que acabareis por destruir-vos uns aos outros.
    Por isso vos digo:
    Deixai-vos conduzir pelo Espírito
    e não satisfareis os desejos da carne.
    Na verdade, a carne tem desejos contrários aos do Espírito,
    e o Espírito desejos contrários aos da carne.
    São dois princípios antagónicos
    e por isso não fazeis o que quereis.
    Mas se vos deixais guiar pelo Espírito,
    não estais sujeitos à Lei de Moisés.

    AMBIENTE

    Continuamos a ler a Carta aos Gálatas. Já sabemos qual é o problema fundamental aí abordado: os Gálatas estão a ser perturbados por esses "judaízantes" para quem os rituais da Lei de Moisés também são necessários para chegar à vida em plenitude ("salvação"); e Paulo - para quem "Cristo basta" e para quem as obras da Lei já não dizem nada - procura fazer com que os Gálatas não se sujeitem mais à escravidão, nomeadamente à escravidão dos ritos e das leis.
    O texto que nos é proposto aparece na parte final da Carta. É o início de uma reflexão sobre a verdadeira liberdade, que é fruto do Espírito (cf. Gal 5,1-6,10).

    MENSAGEM

    As palavras de Paulo são um convite veemente à liberdade. Logo no início deste texto (vers. 1), ele avisa os Gálatas que foi para a liberdade que Cristo os libertou (a repetição - libertar para a liberdade - é, sem dúvida, um hebraísmo destinado a dar ao verbo "libertar" um sentido mais intenso) e que não convém voltar a cair no jugo da escravidão (mais à frente - vers. 2-4 - ele identifica essa escravidão com a Lei e com a circuncisão).
    Os vers. 13-18 explicam em que consiste a liberdade para o cristão. Trata-se da faculdade de escolher entre duas coisas distintas e opostas? Não. Trata-se de uma espécie de independência ético-moral, em virtude da qual cada um pode fazer o que lhe apetece, sem barreiras de qualquer espécie? Também não.
    Para Paulo, a verdadeira liberdade consiste em viver no amor (vers. 13-14). O que nos escraviza, nos limita e nos impede de alcançar a vida em plenitude ("salvação") é o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência; mas superar esse fechamento em nós próprios e fazer da nossa vida um dom de amor torna-nos verdadeiramente livres. Só é autenticamente livre aquele que se libertou de si próprio e vive para se dar aos outros.
    Como é que esta "liberdade" (a capacidade de amar, de dar a vida) nasce em nós? Ela nasce da vida que Cristo nos dá: pela adesão a Cristo, gera-se em cada pessoa um dinamismo interior que a identifica com Cristo e lhe dá uma capacidade infinita de amar, de superar o egoísmo, o orgulho e os limites - ou seja, com uma capacidade infinita de viver em liberdade. É o Espírito que alimenta, dia a dia, essa vida de liberdade (ou de amor) que se gerou em nós, a partir da nossa adesão a Cristo (vers. 16).
    Viver na escravidão é continuar a viver uma vida centrada em si próprio (Paulo enumera, mais à frente, as obras de quem é escravo - cf. Gal 5,19-21); viver na liberdade ("segundo o Espírito") é sair de si e fazer da sua vida um dom, uma partilha (Paulo enumera, mais à frente, as obras daquele que é livre e vive no Espírito - cf. Gal 5,22-23).

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, os seguintes elementos:

    ¨ Os homens do nosso tempo têm em grande apreço esse valor chamado "liberdade"; no entanto têm, frequentemente, uma perspectiva demasiado egoísta deste valor fundamental. Quando a "liberdade" se define a partir do "eu", identifica-se com "libertinagem": é a capacidade de "eu" fazer o que quero; é a capacidade de "eu" poder escolher; é a capacidade de "eu" poder tomar as minhas decisões sem que ninguém me impeça... Esta liberdade não gera, tantas vezes, egoísmo, isolamento, orgulho, auto-suficiência e, portanto, escravidão?

    ¨ Para Paulo, só se é verdadeiramente livre quando se ama. Aí, eu não me agarro a nada do que é meu, deixo de viver obcecado comigo e com os meus interesses e estou sempre disponível - totalmente disponível - para me partilhar com os meus irmãos. É esta experiência de liberdade que fazem hoje tantas pessoas que não guardam a própria vida para si próprias, mas fazem dela uma oferta de amor aos irmãos mais necessitados. Como dar este testemunho e passar esta mensagem aos homens do nosso tempo, sempre obcecados com a verdadeira liberdade? Como explicar que só o amor nos faz totalmente livres?

    ¨ Falar de uma comunidade (cristã ou religiosa) formada por pessoas livres em Cristo implica falar de uma comunidade voltada para o amor, para a partilha, para as necessidades e carências dos irmãos que estão à sua volta. É isso que realmente acontece com as nossas comunidades? Damos este testemunho de liberdade no dom da vida aos irmãos que nos rodeiam? As nossas comunidades são comunidades de pessoas livres que vivem no amor e na doação, ou comunidades de escravos, presos aos seus interesses pessoais e egoístas, que se magoam e ofendem por coisas sem importância, dominados por interesses mesquinhos e capazes de gestos sem sentido de orgulho e prepotência?

    ALELUIA - 1 Sam 3,9; Jo 6,68c

    Aleluia. Aleluia.

    Falai, Senhor, que o vosso servo escuta.
    Vós tendes palavras de vida eterna.

    EVANGELHO - Lc 9,51-62

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Aproximando-se os dias de Jesus ser levado deste mundo,
    Ele tomou a decisão de Se dirigir a Jerusalém
    e mandou mensageiros à sua frente.
    Estes puseram-se a caminho
    e entraram numa povoação de samaritanos,
    a fim de Lhe prepararem hospedagem.
    Mas aquela gente não O quis receber,
    porque ia a caminho de Jerusalém.
    Vendo isto, os discípulos Tiago e João disseram a Jesus:
    «Senhor,
    queres que mandemos descer fogo do céu que os destrua?»
    Mas Jesus voltou-Se e repreendeu-os.
    E seguiram para outra povoação.
    Pelo caminho, alguém disse a Jesus:
    «Seguir-Te-ei para onde quer que fores».
    Jesus respondeu-lhe:
    «As raposas têm as suas tocas
    e as aves do céu os seus ninhos;
    mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça».
    Depois disse a outro: «Segue-Me».
    Ele respondeu:
    «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar meu pai».
    Disse-lhe Jesus:
    «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos;
    tu, vai anunciar o reino de Deus».
    Disse-Lhe ainda outro:
    «Seguir-Te-ei, Senhor;
    mas deixa-me ir primeiro despedir-me da minha família».
    Jesus respondeu-lhe:
    «Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás
    não serve para o reino de Deus».

    AMBIENTE

    Aqui começa, precisamente, a segunda parte do Evangelho segundo Lucas. Até agora, Lucas situou Jesus na Galileia (1ª parte); mas, a partir de 9,51, Lucas põe Jesus a caminhar decididamente para Jerusalém. A "caminhada" que Jesus aqui inicia com os discípulos é mais teológica do que geográfica: não se trata tanto de fazer um diário da viagem ou de fazer a lista dos lugares por onde Jesus vai passar até chegar a Jerusalém; trata-se, sobretudo, de apresentar um itinerário espiritual, ao longo do qual Jesus vai mostrando aos discípulos os valores do "Reino" e os vai presenteando com a plenitude da revelação de Deus. Todo este percurso que aqui se inicia converge para a cruz: ela vai trazer a revelação suprema que Jesus quer apresentar aos discípulos e nela vai irromper a salvação definitiva. Os discípulos são exortados a seguir este "caminho", para se identificarem plenamente com Jesus... Lucas propõe aqui à sua comunidade o itinerário que os autênticos crentes devem percorrer.

    MENSAGEM

    Lucas começa por apresentar as "exigências" do "caminho". O nosso texto apresenta, nitidamente, duas partes, dois desenvolvimentos.
    Na primeira parte (vers. 51-56), o cenário de fundo situa-nos no contexto da hostilidade entre judeus e samaritanos. Trata-se de um dado histórico: a dificuldade de convivência entre os dois grupos era tradicional; os peregrinos que iam a Jerusalém para as grandes festas de Israel procuravam evitar a passagem pela Samaria, utilizando preferencialmente o "caminho do mar" (junto da orla costeira), ou o caminho que percorria o vale do rio Jordão, a fim de evitar "maus encontros".
    A primeira lição de Jesus ao longo desta "caminhada" vai para a atitude que os discípulos devem assumir face ao "ódio" do mundo. Que fazer quando o mundo tem uma atitude de rejeição face à proposta de Jesus? Tiago e João pretendem uma resposta agressiva, "musculada", que retribua na mesma moeda, face à hostilidade manifestada pelos samaritanos (a referência ao "fogo do céu" leva-nos ao castigo que Elias infligiu aos seus adversários - cf. 2 Re 1,10-12); mas Jesus avisa-os que o seu "caminho" não passa nem passará nunca pela imposição da força, pela resposta violenta, pela prepotência (no seu horizonte próximo continua a estar apenas a cruz e a entrega da vida por amor: é no dom da vida e não na prepotência e na morte que se realizará a sua missão). Isto é algo que os discípulos nunca devem esquecer, se estão interessados em percorrer o "caminho" de Jesus.
    Na segunda parte (vers. 57-62), Lucas apresenta - através do diálogo entre Jesus e três candidatos a discípulos - algumas das condições para percorrer, com Jesus, esse "caminho" que leva a Jerusalém, isto é, que leva ao acontecer pleno da salvação. Que condições são essas?
    O primeiro diálogo sugere que o discípulo deve despojar-se totalmente das preocupações materiais: para o discípulo, o Reino tem de ser infinitamente mais importante do que as comodidades e o bem-estar material.
    O segundo diálogo sugere que o discípulo deve despegar-se desses deveres e obrigações que, apesar da sua relativa importância (o dever de sepultar os pais é um dever fundamental no judaísmo), impedem uma resposta imediata e radical ao Reino.
    O terceiro diálogo sugere que o discípulo deve despegar-se de tudo (até da própria família, se for necessário), para fazer do Reino a sua prioridade fundamental: nada - nem a própria família - deve adiar e demorar o compromisso com o Reino.
    Não podemos ver estas exigências como normativas: noutras circunstâncias, Ele mandou cuidar dos pais (cf. Mt 15,3-9); e os discípulos - nomeadamente Pedro - fizeram-se acompanhar das esposas durante as viagens missionárias (cf. 1 Cor 9,5)... O que estes ensinamentos pretendem dizer é que o discípulo é convidado a eliminar da sua vida tudo aquilo que possa ser um obstáculo no seu testemunho quotidiano do Reino.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar os seguintes elementos:

    ¨ A nós, discípulos de Jesus, é proposto que O sigamos no "caminho" de Jerusalém, nesse "caminho" que conduz à salvação e à vida plena. Trata-se de um "caminho" que implica a renúncia a nós mesmos, aos nossos interesses, ao nosso orgulho, e um compromisso com a cruz, com a entrega da vida, com o dom de nós próprios, com o amor até às últimas consequências. Aceitamos ser discípulos, isto é, embarcar com Jesus no "caminho de Jerusalém"?

    ¨ Jesus recusa, liminarmente, responder à oposição e à hostilidade do mundo com qualquer atitude de violência, de agressividade, de vingança. No entanto, a Igreja de Jesus, na sua caminhada histórica, tem trilhado caminhos de violência, de fanatismo, de intolerância (as cruzadas, as conversões à força, os julgamentos da "santa" Inquisição, as exigências que criam em tantas consciências escravidão e sofrimento...). Diante disto, resta-nos reconhecer que, infelizmente, nem sempre vivemos na fidelidade aos caminhos de Jesus e pedir desculpa aos nossos irmãos pela nossa falta de amor. É preciso, também, continuar a anunciar o Evangelho com fidelidade, com firmeza e com coragem, mas no respeito absoluto por aqueles que querem seguir outros caminhos e fazer outras opções.

    ¨ O "caminho do discípulo" é um caminho exigente, que implica um dom total ao "Reino". Quem quiser seguir Jesus, não pode deter-se a pensar nas vantagens ou desvantagens materiais que isso lhe traz, nem nos interesses que deixou para trás, nem nas pessoas a quem tem de dizer adeus... O que é que, na nossa vida quotidiana, ainda nos impede de concretizar um compromisso total com o "Reino" e com esse caminho do dom da vida e do amor total?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 13º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (em parte adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 13º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. VALORIZAR AS PROCISSÕES DA CELEBRAÇÃO.
    O "Segue-Me" que Cristo nos dirige no Evangelho pode ser realçado particularmente nas procissões da Eucaristia:
    - procissão de entrada: seguir atrás de Cristo, salvador dos homens;
    - procissão do Evangeliário no momento da aclamação do Evangelho: seguir atrás de Cristo, Palavra de Vida;
    - procissão de ofertório: seguir atrás de Cristo, sacerdote eterno na sua oblação ao Pai;
    - procissão de comunhão: é Cristo que nos convida a comungar o seu Corpo e o seu Sangue;
    - procissão de saída: é Cristo que nos envia para o mundo.
    Cada comunidade procurará encontrar os meios mais adequados para valorizar as procissões na Eucaristia, tantas vezes esquecidas ou mal preparadas, como expressão simbólica e profunda do nosso seguimento de Cristo.

    3. O SALMO.
    O Salmo de hoje é um dos mais belos e mais profundos. Seria útil que toda a assembleia tivesse o texto fotocopiado, para ser acompanhado no momento próprio da sua proclamação. Depois da comunhão, pode ser retomado: em acção de graças, toda a assembleia pode ler lentamente as quatro estrofes.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus de bondade, de luz, de vida e de alegria, como Elias e Eliseu, vale a pena agarrarmo-nos a Ti sem olhar para trás. Nós Te damos graças pelos teus apelos.
    Nós Te pedimos pelos nossos irmãos e irmãs indecisos, que duvidam e hesitam em dar o passo, nas múltiplas solicitações da existência.

    No final da segunda leitura:
    Pai, nós Te damos graças pela libertação realizada pelo teu Filho, que nos purifica das forças do mal, e pelo dom do teu Espírito, que nos purifica do egoísmo.
    Escutando o teu Filho Jesus, colocamo-nos sob a acção do Espírito Santo, para que nos penetre com a sua luz e nos indique o caminho.

    No final do Evangelho:
    Deus fiel, bendito sejas pela paciência que o teu Filho Jesus nos revela: não lanças o fogo do céu sobre os indiferentes e os duros de coração, porque não queres a morte do pecador, mas que ele viva.
    Nós Te pedimos: liberta-nos do peso das nossas culpabilidades, purifica-nos dos erros cometidos, para que possamos seguir o teu Filho com um coração leve e puro.

    5. BILHETE DE EVANGELHO.
    Quando Lucas menciona que Jesus tomou com coragem o caminho de Jerusalém, apresenta Cristo plenamente livre e decidido em ir até ao fim da sua missão, com o risco de aí viver a sua Paixão. É, pois, um Cristo a caminho que reencontram os seus discípulos e, nesta caminhada como em todas as outras, há obstáculos de toda a espécie. Encontra a recusa dos Samaritanos, mas Jesus passa e respeita a liberdade das pessoas que encontra. Ao contrário de Tiago e João que queriam empregar o método da força... E depois, quando alguém caminha dá também vontade de seguir os seus passos. Somente Cristo em marcha sabe aonde vai, avança com passo decidido. Então, quem quiser segui-l'O não pode ter hesitações nem restrições. Para Ele, o tempo urge, tem a ver com a salvação da humanidade, com a vontade do Pai. Se Jesus parece exigente para com aqueles que O querem seguir, é porque Ele mesmo é exigente quanto à sua própria caminhada. É caminhando que Jesus convida a colocarmo-nos a caminho atrás d'Ele. Então, aqueles que o seguirem poderão dizer como Paulo: "combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé".

    6. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Frases fortes, às vezes revoltantes, as do Evangelho de hoje. É impossível pararmos em cada uma delas. Retenhamos a última afirmação de Jesus: "Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus". Mas olhar para trás pode ser útil, mesmo necessário: parar para fazer o ponto da situação, fazer o balanço, saber onde se está, reconhecer os erros cometidos mas também os progressos realizados, para poder recomeçar melhor. É também dar graças pelas amizades, pelas experiências enriquecedoras. E tirar lições positivas dos fracassos. Tudo isso é bom e Jesus não pode condenar ou proibir isso. Mas há outra maneira de olhar para trás: é querer voltar para trás, manter em si uma vã nostalgia, como quando dizemos, por exemplo, que "antigamente, é que era bom, era melhor que agora!". Lamentamos o tempo em que, pensamos nós, havia o respeito dos verdadeiros valores, onde havia referências seguras, que pensávamos imutáveis. Lembramo-nos das igrejas cheias, das missas em latim. "Nessa altura, sim, havia fé!", dizemos, enquanto que, hoje, só há dinheiro, violência, sexo, divórcios, droga! E suspiramos: "No meu tempo, não era assim!" Ora, esquecemos simplesmente que o "meu tempo" é o tempo que me é dado hoje. Não é mais ontem, não é ainda amanhã, é hoje. Mais ainda, quando acreditamos que Jesus ressuscitou, referimo-nos a um acontecimento que se passou há dois mil anos. E pensamos, por vezes, que para nos juntarmos a Jesus, é preciso voltar atrás. Isso é um grande erro. Pela sua ressurreição, Jesus saiu do nosso tempo, tornou-Se o contemporâneo de cada momento do tempo. Jesus conhece-me, encontra-me, dá-me a sua presença hoje, em cada instante da minha vida. Jesus pede-me para não voltar atrás, porque me diz: "É agora que te amo, é agora que quero encontrar-te, estar contigo". Se aceito isso, então sou "feito para o Reino!"

    7. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Em ligação com o Evangelho, pode-se escolher a Oração Eucarística II, sublinhando a expressão "Tu nos escolheste para servir em tua presença".

    8. PALAVRA PARA O CAMINHO...
    Apelo e convite a amar. Apelo: um convite presente em todas as leituras deste domingo. Apelo que recebe um acolhimento favorável, mas com resistências quanto à resposta. Sim, mas... Vamos aceitar o apelo de Jesus a segui-l'O, vamos renovar o convite a segui-l'O no amor. Em cada momento, ao longo da semana que se segue...

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra nas Comunidades Dehonianas
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
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