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  • Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus - Ano B [atualizado]

    Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus - Ano B [atualizado]

    1 de Janeiro, 2024

    ANO B

    SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS

    Dia Mundial da Paz

    Tema da Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus

     

    Oito dias depois da celebração do Natal de Jesus, a liturgia convida-nos a olhar para Maria, a mãe de Deus (“Theotókos”), solenemente designada com este título no Concílio de Éfeso, em 431. Com o seu “sim” tornou possível a presença de Jesus nas nossas vidas e no nosso mundo.

    Mas este dia é também o primeiro dia do ano civil: é o início de uma caminhada que queremos percorrer de mãos dadas com esse Deus que nos ama, que nos abençoa e que conduzirá os nossos passos, com cuidado de Pai, ao longo deste Ano Novo.

    Também celebramos o Dia Mundial da Paz: em 1968, o Papa Paulo VI propôs aos homens de boa vontade que, no primeiro dia de cada novo ano, se rezasse pela paz no mundo. Hoje, portanto, pedimos a Deus que nos dê a paz e que faça de cada um de nós testemunha e arauto da reconciliação e da paz.

    As leituras que a liturgia deste dia nos propõe abraçam esta diversidade de temas e de evocações.

    A primeira leitura oferece-nos, através de uma antiga fórmula de bênção, a certeza da presença contínua de Deus ao nosso lado nos caminhos que percorremos todo os dias. Ele será sempre para nós fonte de Vida e de paz.

    Na segunda leitura evoca-se o amor e o cuidado de Deus, mil vezes manifestados na história dos homens. Ele enviou o seu Jesus ao nosso encontro para nos libertar da escravidão e para nos tornar seus “filhos”. É nessa situação privilegiada de “filhos” livres e amados que podemos dirigir-nos a Deus e chamar-lhe “abbá” (“papá”).

    O Evangelho mostra como a presença de Deus na nossa história é fonte de alegria e de esperança para todos os homens e mulheres, mas particularmente para os pobres e os marginalizados. Sugere ainda que Maria, a mãe de Jesus, é o modelo do crente que, em silêncio e sem espalhafato, acolhe as propostas de Deus, guarda-as no coração e deixa-se guiar por elas.

     

    LEITURA I – Números 6,22-27

    O Senhor disse a Moisés:
    «Fala a Aarão e aos seus filhos e diz-lhes:
    Assim abençoareis os filhos de Israel, dizendo:
    ‘O Senhor te abençoe e te proteja.
    O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face
    e te seja favorável.
    O Senhor volte para ti os seus olhos
    e te conceda a paz’.
    Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel,
    e Eu os abençoarei».

     

    CONTEXTO

    O texto situa-nos no Sinai, frente à montanha onde se celebrou a aliança entre Deus e o seu Povo… No contexto das últimas instruções de Javé a Moisés, antes de Israel levantar o acampamento e iniciar a caminhada em direcção à Terra Prometida, é apresentada uma fórmula de bênção, que os “filhos de Aarão” (sacerdotes) deviam pronunciar sobre a comunidade.

    Provavelmente trata-se de uma fórmula litúrgica utilizada no Templo de Jerusalém para abençoar a comunidade, no final das celebrações litúrgicas, antes de o Povo regressar a suas casas… Essa bênção é aqui apresentada como um dom de Deus, no Sinai.

    A “bênção” (“beraka”) é concebida, no universo dos povos semitas, como uma comunicação de vida, real e eficaz, que atinge o “abençoado” e que lhe transmite vigor, força, êxito, felicidade. É um dom que, uma vez pronunciado, não pode ser retirado nem anulado. Aqui, essa comunicação de vida – fruto da generosidade e do amor de Deus – derrama-se sobre os membros da comunidade por intermédio dos sacerdotes (no Antigo Testamento, os intermediários entre o mundo de Javé e a comunidade israelita).

     

    MENSAGEM

    Esta “bênção” apresenta-se numa tríplice fórmula, sempre em crescendo (no texto hebraico, a primeira afirmação tem três palavras; a segunda, cinco; a terceira, sete). Em cada uma das fórmulas, é pronunciado o nome de Javé… Ora, pronunciar três vezes o nome do Deus da aliança é dar uma nova atualidade à aliança, às suas promessas e às suas exigências; é lembrar aos israelitas que é do Deus da Aliança que recebem a vida nas suas múltiplas manifestações e que tudo é um dom de Deus.

    A cada uma das invocações, correspondem dois pedidos de bênção: “que Javé te abençoe (isto é, que te comunique a sua vida) e te proteja”; “que Javé faça brilhar sobre ti a sua face (hebraísmo que se pode traduzir como ‘que te mostre um rosto sorridente e favorável’) e te conceda a sua graça”; que Javé dirija para ti o seu olhar (hebraísmo que significa ‘olhe para ti com benevolência’, ‘te acolha’) e te conceda a paz” (em hebraico, ‘shalom’ – no sentido de bem-estar, harmonia, felicidade plena).

    Este texto lembra ao israelita que tudo é um dom do amor de Javé e que o Deus da aliança está ao lado do seu Povo em cada dia e em cada passo do caminho, oferecendo-lhe a Vida plena e a felicidade em abundância.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Temos à nossa frente um novo ano. Não sabemos, para já, o que ele nos trará… Provavelmente conheceremos, nesta nova etapa, as vicissitudes que são inerentes à nossa condição humana: alegrias e tristezas, esperanças e desilusões, encantos e desencantos, momentos de festa e momentos de desânimo… Mas, no meio de tudo isso, de uma coisa podemos estar seguros: não caminhamos sozinhos, abandonados à nossa sorte. Esse Deus que conduz a história dos homens, que nos criou com amor e que sempre se interessou pela nossa vida e pela nossa história, vai continuar a olhar para nós com o olhar terno de um Pai e o sorriso amoroso de uma Mãe; vai, em cada dia, consolar o nosso coração e guiar-nos em direção à Vida. Esta certeza deve acompanhar-nos em cada passo deste caminho que hoje começa.
    • É de Deus que tudo recebemos: vida, saúde, força, amor e aquelas mil e uma pequeninas coisas que enchem a nossa vida e que nos dão instantes plenos. Tendo consciência dessa presença contínua de Deus ao nosso lado, do seu amor e do seu cuidado, somos gratos por isso? No nosso diálogo com Ele, sentimos a necessidade de O louvar e de Lhe agradecer por tudo o que Ele nos oferece? Agradecemos todos os dons que Ele derramou sobre nós no ano que acaba de terminar?
    • A “bênção” de Deus de que fala este texto do livro dos Números não cai do céu como uma chuva mágica que transforma toda a nossa vida, quer queiramos quer não. A oferta de vida que Deus nos faz, para ter efeitos práticos na nossa vida, tem de ser acolhida com amor e gratidão. Temos de estar disponíveis para acolher os dons de Deus e para nos deixarmos transformar por Ele. Temos de dar ouvidos a Deus, temos de acolher as suas indicações, desafios e propostas; e então, efetivamente, trilharemos caminhos de Vida nova, de felicidade e de paz.

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 66 (67)

     Refrão: Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção.

    Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção,
    resplandeça sobre nós a luz do seu rosto.
    Na terra se conhecerão os seus caminhos
    e entre os povos a sua salvação.

    Alegrem-se e exultem as nações,
    porque julgais os povos com justiça
    e governais as nações sobre a terra.

     

    Os povos Vos louvem, ó Deus,
    todos os povos Vos louvem.
    Deus nos dê a sua bênção,
    e chegue o seu temor aos confins da terra.

     

    LEITURA II – Gálatas 4,4-7

    Irmãos:
    Quando chegou a plenitude dos tempos,
    Deus enviou o seu Filho,
    nascido de uma mulher e sujeito à Lei,
    para resgatar os que estavam sujeitos à Lei
    e nos tornar seus filhos adotivos.
    E porque sois filhos,
    Deus enviou aos nossos corações
    o Espírito de seu Filho, que clama:
    «Abbá! Pai!»
    Assim, já não és escravo, mas filho.
    E, se és filho, também és herdeiro, por graça de Deus.

     

    CONTEXTO

    Entre as comunidades cristãs do norte da Galácia manifestou-se, pelos anos 55/56, uma grave crise… À região gálata chegaram pregadores cristãos de origem judaica, que punham em causa a validade e a legitimidade do Evangelho anunciado por Paulo. Este era acusado de pregar um Evangelho mutilado, distante do Evangelho pregado pelos apóstolos de Jerusalém… Para estes pregadores (“judaizantes”), a fé em Cristo devia ser complementada pelo cumprimento rigoroso da Lei de Moisés, nomeadamente pelo rito da circuncisão.

    Paulo foi avisado da situação quando estava em Éfeso. Não o preocupava que a sua pessoa fosse posta em causa; preocupava-o o dano que este tipo de discurso podia trazer às comunidades cristãs… Paulo estava convencido que o movimento religioso iniciado por Jesus de Nazaré não era uma religião formalista e ritual, uma religião de práticas exteriores, como o judaísmo farisaico do seu tempo, que se preocupava com questões formais e secundárias; além disso, estava convencido de que a salvação não tinha a ver com conquistas humanas, como se a salvação fosse conseguida à custa dos atos heroicos do homem, mas era um dom de Deus.

    Alarmado pela gravidade da situação, Paulo escreveu aos gálatas. Com alguma dureza justificada pela gravidade do problema, Paulo diz-lhes que o cristianismo é liberdade e que a ação de Cristo libertou os homens da escravidão da Lei… Os gálatas devem, portanto, fazer a sua escolha: pela escravidão, ou pela liberdade; no entanto – não deixa de observar Paulo – é uma estupidez ter experimentado a liberdade e querer voltar à escravidão…

    No texto que nos é proposto, Paulo recorda aos gálatas a encarnação de Cristo e o objetivo da sua vinda ao mundo: fazer dos que a Ele aderem “filhos de Deus” livres.

     

    MENSAGEM

    Paulo recorda aqui aos gálatas algo de fundamental: Cristo veio a este mundo para libertá-los, definitivamente, do jugo da Lei; a consequência da ação redentora de Cristo é que os homens deixaram de ser escravos e passaram a ser “filhos” que partilham a vida de Deus.

    A palavra-chave é, aqui, a palavra “filho”, aplicada tanto a Cristo como aos cristãos. Cristo, o “Filho”, foi enviado ao mundo pelo Pai com uma missão concreta: libertar os homens de uma religião de ritos estéreis e inúteis, que não potenciava o encontro entre Deus e os homens; e Cristo, identificando os homens com Ele, levou-os a um novo tipo de relacionamento com Deus e fê-los “filhos” de Deus. Por ação de Cristo, os homens deixaram de ser escravos (que cumprem obrigatoriamente regras e leis) e passaram a relacionar-se com Deus como “filhos” livres e amados, herdeiros com Cristo da vida eterna. Depois desta “promoção”, fará algum sentido querer voltar a ser escravo da religião das leis e dos ritos?

    A nova situação dos homens dá-lhes o direito de chamar a Deus “abbá” (“papá”). Paulo utiliza esta palavra aqui (bem como na Carta aos Romanos), apesar de os judeus nunca designarem Deus desta forma. Ela expressa uma relação muito próxima, muito íntima, do género daquela que uma criança tem com o seu pai: exprime a confiança absoluta, a entrega total, o amor sem limites. A insistência de Paulo nesta palavra deve ter a ver com o Jesus histórico: Jesus adotou-a para expressar a sua confiança filial em Deus e a sua entrega total à sua causa. Ora, é este tipo de relação que os cristãos, identificados com Cristo, são convidados a estabelecer com Deus.

    Gl 4,4 é o único lugar, nos escritos paulinos, em que o apóstolo se refere à mãe de Jesus; “Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher”. De facto, nesta passagem Paulo parece mais interessado em sublinhar a solidariedade de Cristo com o género humano do que em deter-se na figura de Nossa Senhora. No entanto, nesta afirmação breve e densa, aparece, na sua plenitude, a glorificação de Maria como Mãe de Jesus. Pelo seu “sim” a Deus, ela tornou possível a presença do Filho de Deus na nossa história. Temos, nós também, a possibilidade de ser “filhos de Deus” porque Maria ousou dizer “sim” ao projeto de Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A experiência cristã é fundamentalmente uma experiência de encontro com um Deus que é “abbá” – isto é, que é um “papá” muito próximo, com quem nos identificamos, a quem amamos, a quem nos entregamos e em quem confiamos plenamente. Era assim que Jesus sentia Deus e foi essa experiência de Deus que Ele nos comunicou. É esta proximidade libertadora e confiante que temos com o nosso Deus? É esse o testemunho que procuramos transmitir a todos aqueles que nos questionam sobre a nossa fé?
    • Paulo dá a entender que o essencial, na experiência cristã, não é o cumprimento de regras e obrigações, mas sim a nossa identificação com esse Deus bom que olha para nós com a ternura e o amor de um Pai muito querido. Às vezes, no entanto, na nossa experiência de fé, privilegiamos o cumprimento de ritos externos e de tradições vazias e estéreis. Podemos, nesse caso, estar a perder a oportunidade de viver algo de marcante e transformador: a experiência gozosa de nos sentirmos filhos livres de um Deus que nos ama.
    • A constatação de que somos “filhos” de Deus leva-nos a uma outra constatação fundamental: estamos unidos a todos os outros homens – “filhos” de Deus como nós – por laços fraternos. É a mesma vida de Deus que circula em todos nós… O que é que esta constatação implica, em termos concretos? A que é que ela nos obriga? Faz algum sentido marginalizar os nossos irmãos por causa da sua raça, estatuto social, ideologia, ou qualquer outra diferença? Sentimos que aquilo que acontece aos outros nossos irmãos – de bom ou de mau – é algo que nos diz respeito? Sentimo-nos responsáveis por cada pessoa que Deus colocou no nosso caminho?

     

    ALELUIA – Hebreus 1,1-2

    Aleluia. Aleluia.

    Muitas vezes e de muitos modos
    falou Deus antigamente aos nossos pais pelos Profetas.
    Nestes dias, que são os últimos,
    Deus falou-nos por seu Filho.

     

    EVANGELHO – Lucas 2,16-21

    Naquele tempo,
    os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém
    e encontraram Maria, José
    e o Menino deitado na manjedoura.
    Quando O viram, começaram a contar
    o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino.
    E todos os que ouviam
    admiravam-se do que os pastores diziam.
    Maria conservava todas estas palavras,
    meditando-as em seu coração.
    Os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus
    por tudo o que tinham ouvido e visto,
    como lhes tinha sido anunciado.
    Quando se completaram os oito dias
    para o Menino ser circuncidado,
    deram-Lhe o nome de Jesus,
    indicado pelo Anjo,
    antes de ter sido concebido no seio materno.

     

    CONTEXTO

    O texto do Evangelho que a liturgia nos oferece neste primeiro dia do ano é a continuação daquele que foi lido na noite de Natal: uns pastores que escutaram o anúncio do nascimento de Jesus dirigiram-se a Belém e encontraram o Menino, deitado numa manjedoura de uma gruta onde os animais se acolhiam para passar a noite.

    Continuamos no domínio do chamado “Evangelho da Infância de Jesus”. O objetivo do evangelista não é fornecer-nos um relato de acontecimentos reais que rodearam o nacimento de Jesus, mas sim oferecer-nos uma catequese sobre a identidade do Menino do presépio e a missão de que ele foi investido por Deus.

    Os pastores – personagens centrais no evangelho deste dia – eram, de acordo com a mentalidade da época, pessoas pouco recomendáveis. A literatura rabínica descreve-os como gente violenta, ignorante e desonesta, que levava os rebanhos para propriedades alheias e roubava parte dos produtos que o rebanho proporcionava. Eram também vistos como pessoas que não praticavam os preceitos da Lei de Deus. Pertenciam à categoria dos pobres e marginalizados, que viviam à margem da comunidade do Povo santo de Deus. Para Lucas, contudo, os pastores são destinatários privilegiados da proposta que o Menino de Belém vem trazer ao mundo e aos homens. É uma ideia muito cara a Lucas: a opção preferencial de Deus vai para os pequenos, os pobres, os desprezados, aqueles que a vida maltrata e a sociedade despreza.

     

    MENSAGEM

    Com a chegada de Jesus, atingimos o âmago do projeto salvífico de Deus… Naquele Menino do presépio de Belém, a proposta libertadora que Deus tinha para nos oferecer veio ao nosso encontro e materializou-se no meio dos homens. Aliás, o próprio nome que foi dado ao Menino, por indicação do anjo que anunciou o seu nascimento, aponta nesse sentido (“Jesus” significa “Javé salva”). O Menino do presépio é o “Salvador”, “o Messias Senhor”.

    O que parece estranho é que a “boa notícia” da chegada de “um Salvador”, seja dada, em primeira mão, a gente improvável: esses pastores que a sociedade palestina tinha em tão pouca consideração e considerava longe de Deus. Lucas está a afirmar, dessa forma, que a proposta libertadora que Jesus traz se destina de forma especial aos pobres e marginalizados, àqueles que a teologia oficial excluía e condenava. Deus aproxima-se deles em primeiro lugar para nos dizer que os mais desgraçados, os mais abandonados, os mais esquecidos têm um lugar privilegiado no seu coração de Pai e de Mãe.

    No texto evangélico que a liturgia deste dia nos propõe, Lucas compraz-se em descrever a forma como os pastores respondem à chegada de Jesus, o Salvador. Diz-nos, em primeiro lugar, que eles, depois de escutarem a “boa nova” do nascimento do libertador, se dirigem “apressadamente” ao encontro do Menino. A palavra “apressadamente” sublinha a ânsia com que os pobres e os marginalizados esperam a ação libertadora de Deus em seu favor. Aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão reconhecem Jesus como o único Salvador e apressam-se a ir ao seu encontro. É d’Ele e de mais ninguém que brota a libertação por que os oprimidos anseiam. A disponibilidade de coração para acolher a sua proposta é a primeira coisa que Deus pede.

    Em segundo lugar, Lucas descreve a forma como os pastores reagem ao encontro com Jesus. Começam por glorificar e louvar a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em ação de graças ao Deus libertador. Depois, esse louvor torna-se testemunho: quem faz a experiência do encontro com o Deus libertador tem obrigatoriamente de dar testemunho, a fim de que os outros homens possam participar da mesma experiência gratificante.

    Neste dia em que celebramos a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, devemos reparar também na atitude de Maria: ela “conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração” – diz Lucas. Maria mantém-se em silêncio, mas escuta, guarda e medita… Atenta, ela lê os sinais da presença amorosa de Deus na história dos homens, acolhe no seu coração os projetos de Deus, procura entender os acontecimentos maravilhosos que testemunha e acomodar a sua vida aos desafios de Deus.

    A atitude meditativa de Maria, que interioriza e aprofunda os acontecimentos, complementa a atitude “missionária” dos pastores, que testemunham com exuberância a ação salvadora de Deus expressa na Encarnação do Menino de Belém. Estas duas atitudes definem as coordenadas essenciais daquilo que deve ser a existência do crente.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Naquele Menino frágil que os pastores encontram deitado numa manjedoura de uma gruta de Belém, Deus desce à nossa história e abraça a nossa frágil humanidade. Ele traz-nos a salvação e a paz. Não sejamos insensatos a ponto de colocar a nossa esperança de salvação nas ideologias, na clarividência dos líderes, no poder do dinheiro, na força das armas, na embriaguez dos aplausos. A salvação verdadeira vem de Jesus e da proposta irrecusável que Ele nos trouxe. Hoje, ao olhar para o Menino do presépio, podemos decidir-nos a viajar com Ele e a fazer dele a nossa referência; hoje, ao contemplar o Deus que se vestiu de fragilidade para nos apontar caminhos novos de realização e de plenitude, podemos decidir-nos por uma vida mais digna, mais fraterna, mais solidária. Estamos disponíveis, neste Ano Novo, para um novo começo, com Jesus?
    • É bem singular a lógica de Deus na sua aproximação ao mundo e aos homens… Ele não apresenta o seu “cartão de visita” aos poderosos e influentes, mas sim a uns pobres pastores de fama duvidosa. Os que estão em primeiro lugar, no coração paterno e materno de Deus, são aqueles filhos que mais necessitam de ternura e de amor. No nosso mundo aumenta todos os dias o imenso cortejo dos homens e mulheres descartáveis, para os quais não há lugar à mesa da dignidade e da abundância; a cada instante há mais irmãos nossos arrumados em campos de refugiados, sem perspetivas nem futuro; a cada passo há mais seres humanos esquecidos e desamparados, sem cuidados e sem amor. Nós, os que conhecemos a lógica de Deus e do seu amor seremos peças desta engrenagem de indiferença e de sofrimento? Podemos aceitar que o mundo se construa deste jeito? Que podemos fazer pelos nossos irmãos e irmãs que não têm vez, nem voz, nem direitos, nem vida?
    • Os pastores, maravilhados pela “boa notícia” da chegada da salvação e da paz, reagiram com o louvor e a ação de graças. Sabemos ser gratos ao nosso Deus pelos seus dons, pelo seu cuidado, pelo seu amor, pelo seu empenho em nos libertar da escravidão e em nos ensinar os caminhos da paz?
    • Os pastores, tocados pelo projeto libertador de Deus, tornaram-se “testemunhas” desse projeto. Sentimos também o imperativo do testemunho? Temos consciência de que a experiência da libertação é para ser passada aos nossos irmãos que ainda a desconhecem?
    • Maria, a mãe de Jesus, guardava todas estas coisas “e meditava-as no seu coração”. Guardava-as porque não é possível olvidar os gestos incríveis que traduzem o amor e a bondade de Deus pelos seus filhos e filhas; meditava-as porque queria percebê-las plenamente e conformar a sua vida com o projeto de Deus. No meio da agitação, do ruído, das correrias destes dias, temos conseguido reservar momentos para guardar, meditar e tirar conclusões desta história extraordinária que é Deus vir ao encontro dos homens para lhes oferecer a salvação e a paz?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. PALAVRA DE VIDA.

    Existe melhor cumprimento que dizer a uma mãe: “o seu filho é parecido consigo?” Maria preferia seguramente que lhe dissessem: “É parecida com o seu Filho!” Na Anunciação, ao dizer “faça-se segundo a tua Palavra”, Maria falava a língua do seu Filho que afirmará: “Eu vim para fazer a vontade de meu Pai!” Ao cantar o Magnificat, Maria rezava como o seu Filho Jesus que exclamará: “Pai, Eu te dou graças, porque escondeste estas coisas aos sábios e as revelaste aos mais pequeninos!” Pela sua atenção aos esposos de Canaã, Maria levava o olhar do seu Filho Jesus às pessoas que terão necessidade de salvação. Ao pé da cruz, Maria sentia os sofrimentos do seu Filho que dava a maior prova de amor. A sua oração com os apóstolos na manhã de Pentecostes juntava-se ao dom do Espírito concedido pelo seu Filho à sua Igreja. Decididamente, Maria assemelha-se bem ao seu Filho e, assim, a Deus de quem ela é Mãe.

     

    3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Desenvolver a oração universal… Visto que é o primeiro domingo do ano, fazer da oração de intercessão (a oração universal) um momento de memória. Pode-se recordar juntos os acontecimentos importantes do ano decorrido. Podem ser evocados, quer para dizer obrigado ao Senhor se foram sinais ou portadores de fraternidade, de paz e de partilha, quer para pedir perdão quando provocaram violência, ódio e injustiça no mundo. No final desta oração, pode-se ler o texto da antiga segunda leitura (Col 3,12-19), apresentando-o como um convite feito a cada um para praticar as virtudes evangélicas.

     

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Com Maria, aprender a contemplar e bendizer… Voltemo-nos para Maria que festejamos hoje. Maria, nosso modelo e nossa Mãe. Maria não cessou de “dizer bem”, ela era incapaz de “dizer mal”! Maria dizia bem, sem cessar, ela louvava Deus, ela bendizia-O no seu Magnificat. E mesmo sem compreender, Maria tinha confiança. Maria ensina-nos a contemplar e a bendizer: por ela, com ela, desejemos um ano em que saibamos contemplar a obra de Deus e bendizê-l’O.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • São Basílio Magno e São Gregório Nanzianzeno

    São Basílio Magno e São Gregório Nanzianzeno


    2 de Janeiro, 2024

    Basílio de Cesareia (329-379) nasceu duma família profundamente cristã, na Capadócia, região da atual Turquia. Com o seu irmão, Gregório de Nissa e o amigo Gregório de Nazianzo, forma o grupo dos chamados "Padres Capadócios", que tiveram importante papel na divulgação da doutrina do Concílio de Niceia sobre a Santíssima Trindade.

    Basílio e o seu irmão receberam esmerada educação. Durante a sua formação humanista, em Atenas, estabeleceram uma grande amizade com Gregório de Nazianzo. Juntos iniciaram uma nova forma de vida monástica, o chamado monaquismo basiliano, que continua a ser vivido sobretudo no Oriente.

    Basílio, ordenado sacerdote e bispo, distinguiu-se pelas suas obras caritativas e pelo esplendor que deu ao culto divino. Deixou-nos preciosas obras teológicas, espirituais e homiléticas.

    Gregório de Nazianzo (330-390) nasceu igualmente de uma família cristã piedosa. A sua mãe ofereceu-o ao Senhor, tendo-lhe proporcionado uma boa educação, que o levou a ser reitor e a ser proposto para altos cargos civis. Com os seus amigos, Basílio e Gregório de Nissa, abandonou o mundo para se tornar monge. Já sacerdote, foi nomeado bispo de Constantinopla (381), permanecendo sobretudo um místico, cantor apaixonado da SS. Trindade. Os seus escritos revelam a sua experiência e inteligência do mistério de Cristo. Foi chamado "o teólogo".

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Coríntios 2, 10b-16

    Irmãos: o Espírito tudo penetra, até as profundidades de Deus. 11Quem, de entre os homens, conhece o que há no homem, senão o espírito do homem que nele habita? Assim também, as coisas que são de Deus, ninguém as conhece, a não ser o Espírito de Deus. 12Quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para podermos conhecer os dons da graça de Deus. 13E deles não falamos com palavras que a sabedoria humana ensina, mas com as que o Espírito inspira, falando de realidades espirituais em termos espirituais. 14O homem terreno não aceita o que vem do Espírito de Deus, pois é uma loucura para ele. Não o pode compreender, pois só de modo espiritual pode ser avaliado. 15Pelo contrário, o homem espiritual julga todas as coisas e a ele ninguém o pode julgar. 16Pois quem conheceu o pensamento do Senhor, para poder instruí-lo? Mas nós temos o pensamento de Cristo.
    Paulo justifica o seu ministério afirmando que recebeu o Espírito que vem de Deus (cf. v. 12). Só o Espírito de Deus nos torna "homens espirituais", capazes de conhecer os mistérios divinos e nos dá uma mentalidade conforme ao "pensamento do Senhor" (v. 16). O homem terreno, isto é, aquele que apenas possui o espírito do mundo e se deixa conduzir por ele, não pode compreender as coisas do Espírito e aceitar a "loucura" da mensagem evangélica, que culmina na Cruz. S. Basílio e S. Gregório, como todos os santos, deixaram-se fascinar por Cristo, assumiram o seu modo de pensar e viveram em conformidade com ele. Tornaram-se, assim, verdadeiros homens espirituais, capazes de julgar todas as coisas.

    Evangelho: Mateus 5, 13-16

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: «Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. 14Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; 15nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. 16Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.»

    Depois de proclamar as Bem-aventuranças, Mateus apresenta dois provérbios em forma de parábola que definem a missão dos discípulos: ser sal e luz. Tal como o sal e a luz influem sobre os alimentos e sobre as realidades terrenas, assim os discípulos de Cristo devem influir sobre o mundo, ajudando-o a descobrir o sentido da vida, para que não seja enganado pelas suas tendências e aspirações rasteiras. Como o sal, os discípulos hão-de dar sabor à humanidade e preservá-la da corrupção. Como a luz, hão-de ser para o mundo um raio do esplendor da glória de Deus. Tudo isso acontece quando os discípulos vivem à maneira de Cristo, guiados pela fé e atuando a caridade. A vida cristã é um compromisso com Deus, que tem implicações sociais e universais. Por isso, não deve ser escondida, mas brilhar no mundo, para glória de Deus.

    Meditatio

    Basílio de Cesareia e Gregório de Nissa são exemplos de cristãos cujas vidas refletem o Evangelho, verdadeiros luminares da fidelidade e da beleza do ideal cristão.

    Basílio, dotado de forte personalidade, foi um homem de pensamento e de ação. Escreveu e pregou, especulou e socorreu. Gregório é o filósofo elegante, o poeta delicado, o contemplativo irrequieto. Ambos nos revelam o que significa tornar-se discípulos da verdadeira sabedoria e receber o dom do Espírito, que perscruta as profundezas de Deus. Estes dois amigos, que hoje celebramos foram génios e santos. Por isso, a Igreja os venera como santos e doutores. A caridade de Deus fê-los operadores de bem e servidores dos irmãos, como monges, como padres e como bispos. Ambos cantaram a beleza de Deus. Como amigos e companheiros, compreenderam que o seu ideal mais profundo era o amor da sabedoria. Movia-os a ânsia de saber. Escreve Gregório: "Uma só tarefa e um só objetivo havia para ambos: aspirar à virtude, viver para as esperanças futuras e comportar-nos de tal modo que, mesmo antes de ter partido desta vida, tivéssemos emigrado dela. Esse foi o ideal que nos propusemos, e assim tratávamos de orientar a nossa vida e as nossas ações, em atitude de docilidade aos mandamentos divinos, entusiasmando-nos mutuamente à prática do bem: e, se não parecer demasiada arrogância, direi que éramos um para o outro a norma e a regra para discernir o bem do mal".

    Oratio

    Vem Espírito Santo, eleva o meu coração, ampara a minha fraqueza, conduz-me à perfeição da caridade. Purifica-me de todo o mal e, pela união contigo, faz-me homem espiritual. Penetra-me e enche-me com a tua luz divina de modo que eu mesmo me torne luminoso e reflita ao meu redor a tua luz, a tua graça. Ámen.

    Contemplatio

    Jesus viera para operar a grande obra da reconciliação. Tudo estava preparado e, no entanto, leva uma longa vida de trinta anos, desconhecida, escondida, em aparência inativa e inútil. O Redentor tinha sido prometido ao género humano e anunciado pelos profetas. Os sinais da sua vinda estavam marcados. Era esperado pelos justos com um ardente desejo. Prodígios foram realizados na altura do seu nascimento. A própria natureza manifestou a sua alegria pela vinda do Criador. Uma estrela maravilhosa surpreendeu os sábios do Oriente e conduziu-os ao presépio. Mas logo a seguir, que silêncio! Tudo retorna à obscuridade e à calma. Os que acreditavam verdadeiramente que seguiam a atração da graça, a voz dos anjos e as inspirações do Espírito Santo conservavam no seu coração a recordação dos mistérios, que tinham tido um brilho tão curto. Adoravam no silêncio, na esperança e no abandono, os decretos da sabedoria, do amor e da misericórdia de Deus. E esta vida obscura, vida de submissão, de trabalho e da misericórdia de Deus vai durar trinta anos! Quem é que está em condição de aprofundar as vias da sabedoria, do amor e da bondade de Deus? Quem pode conceber e contar os atos de virtude destes anos de obscuridade? E então porquê tudo isto? Porquê esta viagem penosa e longa ao país pagão e idólatra? Porque Jesus era vítima, porque era libertador e redentor; porque isto correspondia aos desígnios de misericórdia que os homens não podiam compreender perfeitamente. (L. Dehon, OSP 3, p. 41).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:

    "Para nós o maior título de glória era sermos cristãos
    e como tal reconhecidos" (S. Gregório Nazianzeno).

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    S. Basílio Magno e s. Gregório Nanzianzeno (2 Janeiro)
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  • Solenidade da Epifania do Senhor - Ano B [atualizado]

    Solenidade da Epifania do Senhor - Ano B [atualizado]

    7 de Janeiro, 2024

    ANO B

    SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR

    Tema da Solenidade da Epifania do Senhor

    A liturgia deste dia celebra a manifestação de Jesus a todos os homens… O Menino do presépio é uma “luz” que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Essa “luz” encarnou na nossa história e no nosso mundo, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação e da vida definitiva.

    A primeira leitura anuncia a Jerusalém a chegada da luz salvadora de Deus. Essa luz transfigurará o rosto da cidade, iluminará o regresso a casa dos exilados na Babilónia e atrairá à cidade de Deus povos de todo o mundo.

    No Evangelho, vemos a concretização dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm uns “magos” do oriente, que representam todos os povos da terra… Atentos aos sinais da chegada do Messias, esses “magos” procuram-n’O com esperança até O encontrar, reconhecem n’Ele a “salvação de Deus” e aceitam-n’O como “o Senhor”. A salvação rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os homens, sem exceção.

    A segunda leitura apresenta o projeto salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos – a comunidade de Jesus.

     

    LEITURA I – Isaías 60,1-6

    Levanta-te e resplandece, Jerusalém,
    porque chegou a tua luz
    e brilha sobre ti a glória do Senhor.
    Vê como a noite cobre a terra,
    e a escuridão os povos.
    Mas sobre ti levanta-Se o Senhor,
    e a sua glória te ilumina.
    As nações caminharão à tua luz,
    e os reis ao esplendor da tua aurora.
    Olha ao redor e vê:
    todos se reúnem e vêm ao teu encontro;
    os teus filhos vão chegar de longe
    e as tuas filhas são trazidas nos braços.
    Quando o vires ficarás radiante,
    palpitará e dilatar-se-á o teu coração,
    pois a ti afluirão os tesouros do mar,
    a ti virão ter as riquezas das nações.
    Invadir-te-á uma multidão de camelos,
    de dromedários de Madiã e Efá.
    Virão todos os de Sabá,
    trazendo ouro e incenso
    e proclamando as glórias do Senhor.

     

    CONTEXTO

    Os capítulos 56-66 do Livro de Isaías apresentam um conjunto de profecias cuja proveniência não é, entre os estudiosos da Bíblia, totalmente consensual… Para alguns, são textos de um profeta anónimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilónia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de diversos autores pós-exílicos e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os sécs. VI e V a.C.).

    Em geral, estas profecias situam-nos em Jerusalém, a cidade que os Babilónios deixaram em ruínas, em 586 a.C., e que agora começa a reerguer-se. As marcas do passado ainda se notam nas pedras calcinadas da cidade; os filhos e filhas de Jerusalém que regressaram do exílio na Babilónia são ainda em número reduzido; a pobreza geral obriga a que a reconstrução seja lenta e muito modesta; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada… Sonha-se, no entanto, com o dia em que Deus vai voltar à sua cidade para trazer a salvação definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do seu Povo.

    O texto que nos é proposto é uma glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a “cidade dos dois sóis” (o sol nascente e o sol poente: pela sua situação geográfica, no alto das montanhas da Judeia, a cidade é iluminada desde o nascer do dia, até ao pôr do sol).

     

    MENSAGEM

    É de noite. Jerusalém está mergulhada na obscuridade. Mas, de repente, soa o grito da sentinela, anunciando a aurora. O sol aparece atrás das montanhas, a oriente, e ilumina as pedras brancas das casas. A cidade está em reconstrução, mas parece transfigurada pela luz matutina. É como se Jerusalém tivesse tirado os seus vestidos negros de viúva e se vestisse de branco. Parece, agora, uma noiva preparada para acolher o seu amado.

    O profeta/poeta que contemplou esta transformação sente-se inspirado pelo que viu. E sonha… Sonha com uma Jerusalém nova, iluminada pela luz salvadora de Deus. Quando a luz de Deus se levantar sobre Jerusalém e a iluminar novamente, a cidade que parecia uma viúva triste, sem marido (porque Deus já não reside no Templo, destruído e queimado) e abandonada pelos filhos (exilados na Babilónia), irá vestir-se-á de alegria, como uma jovem resplandecente no seu vestido de noiva e adornada com joias belíssimas. Os filhos, exilados numa terra estrangeira, irão regressar em triunfo (“trazidos nos braços”), devolvendo a alegria e a vida à cidade. Mas a luz salvadora de Deus que brilha sobre Jerusalém fará ainda mais: atrairá homens e mulheres de todas as raças e nações, que convergirão para Jerusalém, inundando-a de riquezas (nomeadamente o incenso, para o serviço do Templo) e cantando os louvores de Deus.

    Este anúncio profético acende a esperança nos corações cansados e abatidos dos exilados. Todos ficarão à espera do dia supremamente festivo em que começará a brilhar essa “luz” salvadora e transformadora. O evangelista Mateus liga esta profecia à chegada de Jesus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • É bela esta imagem de Deus como uma luz que se acende nas nossas vidas e nas nossas cidades, iluminando os caminhos que temos de percorrer, aquecendo os nossos corações cansados e abatidos e transformando o nosso pessimismo e derrotismo em esperança e vida nova. Às vezes temos a sensação de que este mundo onde peregrinamos se tornou um lugar sombrio e triste, onde o ódio pode mais do que o amor, a guerra se impõe aos esforços pela paz, o egoísmo é mais apreciado do que a comunhão… Mas a verdade é que, quando parecemos perdidos em becos sem saída, a luz de Deus vem iluminar o mapa dos caminhos que devemos andar para encontrar Vida. Não vivamos de olhos postos no chão, afogados numa escuridão que nos rouba a esperança; ousemos, mesmo em momentos complicados da história do mundo e da nossa história pessoal, levantar os olhos e perceber a presença desse Deus que nunca desistirá de iluminar todos os passos do nosso caminho rumo à Vida.
    • Podemos, naturalmente, ligar a chegada da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo profeta) com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação que Jesus veio apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em Jesus a “luz” libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa “luz” nos fale, nos aponte caminhos de vida nova e nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Estamos disponíveis para dar testemunho dessa luz junto dos irmãos que compartilham o caminho connosco?
    • Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades cristãs e religiosas brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, a nossa passividade e conformismo não contribuirão para embaciar o brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?
    • Será que na nossa comunidade cristã há espaço e voz para todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos cuja vida é considerada irregular ou pouco condizente com a visão oficial são acolhidos, respeitados e amados? As diferenças próprias da diversidade de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são rejeitadas porque ameaçam a uniformidade? A nossa comunidade cristã é o “hospital” onde “todos, todos, todos” podem curar as feridas que a vida lhes infligiu?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 71 (72)

    Refrão: Virão adorar-Vos, Senhor, todos os povos da terra.

    Ó Deus, concedei ao rei o poder de julgar
    e a vossa justiça ao filho do rei.
    Ele governará o vosso povo com justiça
    e os vossos pobres com equidade.

    Florescerá a justiça nos seus dias
    e uma grande paz até ao fim dos tempos.
    Ele dominará de um ao outro mar,
    do grande rio até aos confins da terra.

    Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes,
    os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas.
    Prostrar-se-ão diante dele todos os reis,
    todos os povos o hão de servir.

    Socorrerá o pobre que pede auxílio
    e o miserável que não tem amparo.
    Terá compaixão dos fracos e dos pobres
    e defenderá a vida dos oprimidos.

     

    LEITURA II – Efésios 3,2-3a.5-6

    Irmãos:
    Certamente já ouvistes falar
    da graça que Deus me confiou a vosso favor:
    por uma revelação,
    foi-me dado a conhecer o mistério de Cristo.
    Nas gerações passadas,
    ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens
    como agora foi revelado pelo Espírito Santo
    aos seus santos apóstolos e profetas:
    os gentios recebem a mesma herança que os judeus,
    pertencem ao mesmo corpo
    e participam da mesma promessa,
    em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.

     

    CONTEXTO

    A Carta aos Efésios apresenta-se como uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo da prisão (os que aceitam a autoria paulina desta carta discutem qual o lugar onde Paulo está preso, nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre 61/63).

    É, de qualquer forma, uma apresentação sólida de uma catequese bem elaborada e amadurecida. A carta, talvez uma “carta circular” enviada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor, parece apresentar uma espécie de síntese do pensamento paulino.

    O tema mais importante da Carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, oculto durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.

    Na parte dogmática da carta (cf. Ef 1,3-3,19), Paulo apresenta a sua catequese sobre “o mistério”: depois de um hino que celebra a ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da salvação (cf. Ef 1,3-14), o autor fala da soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do seu papel como cabeça da Igreja (cf. Ef 1,15-23); depois, reflete sobre a situação universal do homem, mergulhado no pecado, e afirma a iniciativa salvadora e gratuita de Deus em favor do homem (cf. Ef 2,1-10); expõe ainda como é que Cristo – realizando “o mistério” – levou a cabo a reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, que é a Igreja (cf. 2,11-22)… O texto que nos é proposto vem nesta sequência: nele, Paulo apresenta-se como testemunha do “mistério” diante dos judeus e diante dos pagãos (cf. Ef 3,1-13).

     

    MENSAGEM

    A Paulo, apóstolo como os Doze, também foi revelado “o mistério”. É esse “mistério” que Paulo aqui desvela aos crentes da Ásia Menor… Paulo insiste que, em Cristo, chegou a salvação definitiva para os homens; e essa salvação não se destina exclusivamente aos judeus, mas destina-se a todos os povos da terra, sem exceção. Paulo é, por chamamento divino, o pregoeiro desta novidade… Percebemos, assim, porque é que Paulo se fez o grande arauto da “boa nova” de Jesus entre os pagãos.

    Agora, judeus e gentios são membros de um mesmo e único “corpo” (o “corpo de Cristo” ou Igreja), partilham o mesmo projeto salvador que os faz, em igualdade de circunstâncias com os judeus, “filhos de Deus”; e todos participam da promessa feita por Deus a Abraão (cf. Gn 12,3), promessa cuja realização Cristo levou a cabo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Segundo Paulo, a salvação oferecida por Deus e revelada em Jesus não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para todos os povos, sem distinção de raça, de cor, de cultura ou de estatuto social. Todos os homens e mulheres são filhos e filhas queridos de Deus. A todos Deus ama, todos fazem parte de uma família universal. Será que conseguimos ver em cada pessoa, independentemente das diferenças e particularismos que apresenta, um irmão ou uma irmã? Conseguimos apreciar devidamente a beleza de pertencer a uma família onde as diferenças não dividem, mas são um bem acrescentado que a todos enriquece?
    • A fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade… Sentimo-nos solidários com todos os irmãos que partilham connosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?
    • A Igreja, “corpo de Cristo”, é a comunidade daqueles que acolheram “o mistério”. Esta comunidade é um espaço privilegiado onde se revela o projeto salvador que Deus tem para oferecer a todos os homens. É isso que, de facto, acontece? Na vida das nossas comunidades transparece realmente o amor de Deus? As nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, de cor, de estatuto social, ou de história de vida?

     

    ALELUIA – Mateus 2,2

    Aleluia. Aleluia.

    Vimos a sua estrela no Oriente
    e viemos adorar o Senhor.

     

    EVANGELHO – Mateus 2,1-12

    Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia,
    nos dias do rei Herodes,
    quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
    «Onde está – perguntaram eles –
    o rei dos judeus que acaba de nascer?
    Nós vimos a sua estrela no Oriente
    e viemos adorá-l’O».
    Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado,
    e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.
    Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
    e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
    Eles responderam:
    «Em Belém da Judeia,
    porque assim está escrito pelo profeta:
    ‘Tu, Belém, terra de Judá,
    não és de modo nenhum a menor
    entre as principais cidades de Judá,
    pois de ti sairá um chefe,
    que será o Pastor de Israel, meu povo’».
    Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos
    e pediu-lhes informações precisas
    sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
    Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
    «Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
    e, quando O encontrardes, avisai-me,
    para que também eu vá adorá-l’O».
    Ouvido o rei, puseram-se a caminho.
    E eis que a estrela que tinham visto no Oriente
    seguia à sua frente
    e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
    Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.
    Entraram na casa,
    viram o Menino com Maria, sua Mãe,
    e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O.
    Depois, abrindo os seus tesouros,
    ofereceram-Lhe presentes:
    ouro, incenso e mirra.
    E, avisados em sonhos
    para não voltarem à presença de Herodes,
    regressaram à sua terra por outro caminho.

     

    CONTEXTO

    O episódio da visita dos magos ao Menino de Belém, narrado no evangelho de Mateus, é um episódio de grande beleza, que rapidamente se tornou muito popular entre os cristãos. Ao longo dos séculos a piedade popular não cessou de o embelezar com acrescentos que, na maior parte dos casos, não encontram eco no texto de Mateus.

    Os biblistas estão de acordo em que este relato se encaixa na categoria do midrash haggádico, um método de leitura e de exploração do texto bíblico muito utilizado pelos rabis de Israel, que incluía o recurso a histórias fantasiosas para ilustrar um ensinamento. Na verdade, Mateus não pretende descrever uma visita de personagens importantes ao Menino do presépio, mas sim apresentar Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra.

    Na base da inspiração de Mateus pode estar a crença generalizada, na região do Crescente Fértil, de que cada criança que nascia tinha a sua própria estrela e de que uma nova estrela anunciava um acontecimento que iria mudar a história humana. É provável também que Mateus se tenha inspirado, para construir esta bonita narrativa, num texto do livro dos Números onde um profeta chamado Balaão, “o homem de olhar penetrante” (Nm 24,15), anuncia “uma estrela que sai de Jacob e um cetro flamejante que surge do seio de Israel” (Nm 24,27). Esse anúncio teve sempre, para os teólogos de Israel, um claro sabor messiânico.

    Finalmente, o relato de Mateus faz uma referência ao rei que governava a Palestina na altura do nascimento de Jesus: Herodes, chamado “o Grande”, falecido no ano 4 a.C., cerca de dois anos após o nascimento de Jesus. Embora se tenha distinguido pelas grandes obras que levou a cabo, foi um rei cruel e despótico, sempre pronto a matar para defender o seu trono.

     

    MENSAGEM

    A análise dos vários detalhes do relato confirma que a preocupação do autor (Mateus) não é de tipo histórico, mas catequético.

    Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus no facto de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. vers. 1.5.6.7). Para entender esta insistência, temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a família de David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l’O a esses anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (cf. Mi 5,1.3; 2 Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai.

    Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os “magos” para Belém. A interpretação desta referência como histórica levou alguém a cálculos astronómicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenómeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente… Na realidade, é inútil procurar nos céus a estrela ou cometa em causa pois, como vimos, Mateus não está a narrar factos históricos. Mateus está, simplesmente, a dizer-nos que o Menino de Belém é essa “estrela de Jacob” de que falava o anúncio profético de Balaão (cf. Nm 24,17) e que, com o seu nascimento, se concretiza a chegada daquela “luz salvadora” de que falava a primeira leitura, que vai brilhar sobre Jerusalém e atrair à cidade santa povos de toda a terra.

    Temos ainda as figuras dos “magos”. A palavra “mágos” (que parece ser de origem persa) abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses “magos” representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa “luz”.

    Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os “magos” do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” diante da notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador.

    Mateus anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu Povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus – que conhecem as Escrituras – o que fazer, encontram Jesus e adoram-n’O como “o Senhor”. É muito possível que um grande número de pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Em primeiro lugar, atentemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo… Diante de Jesus, a “luz salvadora” enviada por Deus, estes distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os “magos”), até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Com qual destes grupos nos identificamos? Será possível sermos “cristãos praticantes”, andarmos envolvidos nas atividades da comunidade cristã e, simultaneamente, passarmos ao lado das propostas de Jesus? Nós, os que conhecemos as Escrituras, levámo-las a sério quando elas nos desafiam à conversão, ao compromisso, à opção clara pelos valores do Evangelho?
    • Os “magos” são os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada da luz libertadora de Deus. Talvez hoje, com toda a pressão que a vida nos coloca, não consigamos ter tempo para olhar para o céu, à procura dos sinais de Deus; talvez a vida nos obrigue a andar de olhos no chão, ocupados em coisas bem rasteiras e materiais… Mas a aventura da existência terá mais cor se arranjarmos tempo para parar, para meditar, para falar com Deus, para escutar as suas indicações, para tentar ler os sinais que Ele vai colocando ao longo do nosso caminho… Talvez a nossa peregrinação pela terra tenha mais sentido se aprendermos a ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus. Vale a pena pensar nisto…
    • O relato de Mateus sublinha, por outro lado, a “desinstalação” dos “magos”: eles descobriram a “estrela” e, imediatamente, deixaram tudo para procurar Jesus. O risco da viagem, a incomodidade do caminho, o confronto com o desconhecido, nada os impediu de partir. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, ao nosso comando da televisão, ao nosso computador, à nossa zona de conforto, à nossa segurança, ao nosso comodismo? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz, muitas vezes através dos irmãos que necessitam da nossa ajuda e do nosso cuidado?
    • Os “magos” representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a imagem da Igreja – essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor. Estamos bem conscientes de que Jesus é o centro para o qual todos convergimos e do qual irradia a luz salvadora que ilumina a nossa vida e a vida do mundo? E, quando olhamos para os irmãos e irmãs que connosco se reúnem à volta de Jesus, sentimos a comunhão, a fraternidade, os laços de família que a todos nos ligam?
    • Os “magos”, depois de se encontrarem com Jesus e de o reconhecerem como “o Senhor”, “regressaram ao seu país por outro caminho”. O encontro com o Menino do presépio tem sido, nestes dias, um momento de confronto que nos leva a reequacionar a nossa vida, os nossos valores e opções, e a enveredar por um caminho novo, mais simples, mais humilde, mais fraterno, mais humano?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA EPIFANIA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Epifania, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. PALAVRA DE VIDA.

    A caminho da estrela… Os magos tinham o hábito de perscrutar os astros. Eles viram uma estrela, sem dúvida nova para os seus olhos, então puseram-se a caminho… Aquele que procuravam parece querer fazer-se conhecer, um sinal basta para estes magos. Param, experimentam uma grande alegria, prostram-se e oferecem os seus presentes. A criança que eles descobrem não é uma criança como as outras: é rei, então oferecem-lhe oiro; é Deus, então queimam incenso; passará pela morte antes de ressuscitar, então apresentam a mirra. Para o regresso, não têm necessidade de estrela. Deus convida-os a regressar por outro caminho. O verdadeiro rei não é Herodes, mas esta criança que acaba de nascer.

     

    3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Um convite ao acolhimento e à abertura… Festa da salvação para todos os povos, a Epifania convida as comunidades cristãs ao acolhimento e à abertura. Como viver isso concretamente hoje na celebração? Por exemplo, dando a cada um, ao chegar à igreja, uma pequena estrela. Em cada uma, está escrito o nome de um dos continentes: África, América, Ásia, Europa, Oceânia. No fim da primeira leitura que descreve em imagens sumptuosas Jerusalém como o cruzamento das nações, o animador diz o nome África, depois América, e os outros; a cada apelo, aqueles que têm o nome escrito na estrela levantam a estrela e mantêm-na levantada durante o salmo responsorial. Em seguida, vão colocá-la no presépio.

     

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Aceitar pôr-se a caminho… Erguer os olhos: tal é o convite que nos é feito hoje. Uma estrela brilha sempre na noite, se nós a perscrutamos com atenção. Erguer os olhos: descentrar-se de si mesmo, procurar ajuda da parte de qualquer outro, de Deus. Depois de ver a estrela, aceitar pôr-se a caminho. Nos próximos dias, esta estrela será talvez uma caminhada a empreender para sair, encontrar ajuda ou levar ajuda a alguém, tomar uma decisão até aqui adiada…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS

    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Festa do Batismo do Senhor – Ano B [atualizado]

    Festa do Batismo do Senhor – Ano B [atualizado]

    8 de Janeiro, 2024

    ANO B

    FESTA DO BATISMO DO SENHOR

    Tema da Festa do Batismo do Senhor

    A liturgia deste dia celebra o Batismo de Jesus. Evoca o momento em que Jesus, ungido pelo Espírito Santo e apresentado aos homens como “Filho Amado” de Deus, abraçou a missão que o Pai lhe entregou: recriar o mundo, fazer nascer um Homem Novo. E propõe-nos, a todos nós que fomos batizados em Cristo, que tiremos desse facto as consequências que se impõem.

    A primeira leitura anuncia um misterioso “Servo”, escolhido por Deus e enviado aos homens para instaurar um mundo de justiça e de paz sem fim… Investido do Espírito de Deus, ele concretizará essa missão com humildade e simplicidade, sem recorrer ao poder, à imposição, à prepotência, pois esses esquemas não são os de Deus.

    No Evangelho, aparece-nos a concretização da promessa profética da primeira leitura: Jesus é o Filho/”Servo” enviado pelo Pai, sobre quem repousa o Espírito e cuja missão é realizar a libertação dos homens. Obedecendo ao Pai, Ele tornou-Se pessoa, identificou-Se com as fragilidades dos homens, caminhou ao lado deles, a fim de os promover e de os levar à Vida em plenitude.

    A segunda leitura reafirma que Jesus é o Filho amado que o Pai enviou ao mundo para concretizar um projeto de salvação em favor dos homens; por isso, Ele “passou pelo mundo fazendo o bem” e libertando todos os que eram oprimidos. É este o testemunho que os discípulos devem dar, para que a salvação que Deus oferece chegue a todos os povos da terra.

     

    LEITURA I – Isaías 42,1-4.6-7

    Diz o Senhor:
    «Eis o meu servo, a quem Eu protejo,
    o meu eleito, enlevo da minha alma.
    Sobre ele fiz repousar o meu espírito,
    para que leve a justiça às nações.
    Não gritará, nem levantará a voz,
    nem se fará ouvir nas praças;
    não quebrará a cana fendida,
    nem apagará a torcida que ainda fumega:
    proclamará fielmente a justiça.
    Não desfalecerá nem desistirá,
    enquanto não estabelecer a justiça na terra,
    a doutrina que as ilhas longínquas esperam.
    Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça;
    tomei-te pela mão, formei-te
    e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações,
    para abrires os olhos aos cegos,
    tirares do cárcere os prisioneiros
    e da prisão os que habitam nas trevas».

     

    CONTEXTO

    O texto pertence ao “Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55). Este profeta anónimo cumpriu a sua missão profética na Babilónia, na fase final do Exílio (entre 550 e 539 a.C.). Tinham passado algumas dezenas de anos desde que Nabucodonosor havia destruído Jerusalém e arrastado para o cativeiro a maior parte dos habitantes de Judá. Os judeus cativos desesperam porque o tempo vai passando e a libertação (anunciada por Ezequiel, um outro profeta do tempo do Exílio) nunca mais acontece. Será que Deus se esqueceu das suas promessas?

    O Deutero-Isaías sente que Deus o envia a dizer aos seus concidadãos, exilados e desanimados, palavras de esperança. Cumprindo o mandato de Deus, o profeta fala da iminência da libertação, comparando-a ao antigo êxodo, quando Deus salvou o seu Povo da escravidão do Egipto (cf. Is 40-48); e anuncia-lhes, também, a reconstrução de Jerusalém, a cidade que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e a paz sem fim (cf. Is 49-55).

    No meio desta proposta “consoladora” do Deutero-Isaías aparecem, contudo, quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que fogem um tanto a esta temática. São cânticos que falam de um personagem misterioso e enigmático, que os biblistas designam como o “Servo de Javé”. Esse personagem será Jeremias, o profeta que tanto sofreu por causa da missão? Será o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho de Deus num cenário tão difícil? Será Ciro, rei dos persas, que alguns anos depois libertará os judeus exilados e autorizará o seu regresso a Jerusalém? Não sabemos ao certo. Mas esse “Servo de Javé” é apresentado como um predileto de Javé, chamado para o serviço de Deus, enviado por Deus aos homens de todo o mundo. A sua missão cumpre-se no sofrimento e numa entrega incondicional à Palavra. O sofrimento do profeta tem, contudo, um valor expiatório e redentor, pois dele resulta o perdão para o pecado do Povo. Deus aprecia o sacrifício deste “Servo” e recompensá-lo-á, fazendo-o triunfar diante dos seus detratores e adversários.

    O texto que hoje nos é proposto é parte do primeiro cântico do “Servo” (cf. Is 42,1-9).

    MENSAGEM

    O texto tem duas partes; ambas afirmam – como se estivéssemos diante de dois movimentos concêntricos, que partem do mesmo lugar e terminam da mesma forma – a eleição do “Servo” e a sua missão. No entanto, a primeira desenvolve mais a dimensão do chamamento; a segunda define melhor a questão da missão.

    Na primeira parte (vers. 1-4), afirma-se que o “Servo” é um “eleito” (“behir”) de Deus: é alguém que Deus Se dignou “escolher” (“bahar”) entre muitos, em vista de uma função ou missão especial (cf. Nm 16,5.7; 17,20; Dt 4,37; 7,6.7; 10,15; 14,2; 18,5; 21,5; 1 Sm 2,28; 10,24; 2 Sm 6,21; 1 Re 3,8; etc.). Estamos no contexto da “eleição”, isto é, num contexto em que Deus, por uma iniciativa soberana e deliberada da sua vontade, destaca alguém de entre muitos para o seu serviço.

    A “ordenação” do “Servo” realiza-se através do dom do Espírito (“ruah”), que dará ao “eleito” o alento de Javé, a capacidade para levar a cabo a missão: é o mesmo Espírito que Deus derrama sobre os chefes carismáticos de Israel (cf. Jz 33,10; 1 Sm 9,17; 16,12-13). Animado por esse Espírito, o “Servo” irá levar “a justiça (“mishpat”) às nações”: será uma missão de âmbito universal, que consistirá na implementação das decisões justas dos tribunais, base de uma ordem social consentânea com os esquemas e os projetos de Deus. A instauração dessa “nova ordem” não se dará com o recurso à força, à violência, a gestos espetaculares; mas resultará de uma intervenção caraterizada pela bondade, pela mansidão, pela simplicidade, que são os sinais que identificam o estilo de Deus. Sobretudo, o “Servo” atuará com humildade, sem nada impor e sem desanimar perante as dificuldades da missão.

    A segunda parte (vers. 6-7), começa com a confirmação de que o “Servo” foi escolhido pelo próprio Deus para instaurar “a justiça” (“tzedeq” – a palavra refere-se a um ordenamento social reto, que esteja de acordo com as indicações de Deus). O “Servo”, atuando no exercício da missão que Deus lhe confiou, será uma luz que brilha no meio das nações; e todos os que são vítimas da injustiça, da exploração ou da violência conhecerão uma nova esperança, pois o “Servo” irá abrir os olhos aos cegos, tirar do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas. A sua missão é, portanto, uma missão de libertação e de salvação.

    A figura misteriosa e enigmática do “Servo” de que fala o Deutero-Isaías apresenta evidentes pontos de contacto com a figura de Jesus… Aliás, os primeiros cristãos – colocados perante a dificuldade de explicar como é que o Messias tinha sido condenado pelos homens e pregado na cruz – irão utilizar os cânticos do “Servo” para justificar o sofrimento e o aparente fracasso humano de Jesus: Ele é esse “eleito de Deus”, que recebeu a plenitude do Espírito, que veio ao encontro dos homens com a missão de trazer a justiça e a paz definitivas, que sofreu e morreu para ser fiel a essa missão que o Pai lhe confiou.

    INTERPELAÇÕES

    • A história do “Servo de Javé”, que recebeu a plenitude do Espírito para ser “luz das nações”, abrir “os olhos aos cegos”, tirar “do cárcere os prisioneiros” e “da prisão os que habitam nas trevas”, lembra-nos, desde logo, que Deus age através de “profetas” a quem confia a transformação do mundo e a libertação dos homens. No dia em que fomos batizados, recebemos, também nós, o Espírito que nos capacitou para uma missão semelhante à desse “Servo”. Tenho consciência de que cada batizado é um instrumento de Deus na renovação e transformação do mundo? Estou disposto a corresponder ao chamamento de Deus e a assumir a minha responsabilidade profética? Os pobres, os oprimidos, os que “jazem nas trevas e nas sombras da morte”, os que não têm eira nem beira, nem voz nem vez, nem convite para se sentar à mesa da humanidade podem contar com a minha solidariedade ativa, com a minha ajuda fraterna, com o meu abraço, com a minha partilha generosa?
    • A missão profética só faz sentido à luz de Deus: é sempre Ele que toma a iniciativa, que escolhe, que chama, que envia e que capacita para a missão… Aquilo que fazemos, por mais válido que seja, não é obra nossa, mas sim de Deus; o nosso êxito na missão não resulta das nossas qualidades, mas da iniciativa de Deus que age em nós e através de nós. Somos apenas colaboradores de Deus, “humildes trabalhadores da vinha do Senhor”. É sempre Deus que projeta e que age, através da nossa fragilidade, para oferecer ao mundo a Vida e a salvação. Esquecer isto pode conduzir-nos à arrogância, à autossuficiência, à vaidade, ao convencimento; e, sempre que isso acontece, a nossa intervenção no mundo acaba por desvirtuar o projeto de Deus.
    • Atentemos ainda na forma de atuar do “Servo”: ele não se impõe pela força, pela violência, pelo dinheiro, ou pelos amigos poderosos; mas atua com suavidade, com mansidão, com humildade, no respeito pela liberdade dos irmãos e irmãs a quem é enviado… É esta lógica – a lógica de Deus – que eu utilizo no desempenho da missão profética que Deus me confiou?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 28 (29)

    Refrão: O Senhor abençoará o seu povo na paz.

    Tributai ao Senhor, filhos de Deus,
    tributai ao Senhor glória e poder.
    Tributai ao Senhor a glória do seu nome,
    adorai o Senhor com ornamentos sagrados.

    A vos do Senhor ressoa sobre as nuvens,
    o Senhor está sobre a vastidão das águas.
    A voz do Senhor é poderosa,
    a voz do Senhor é majestosa.

    A majestade de Deus faz ecoar o seu trovão
    e no seu templo todos clamam: Glória!
    Sobre as águas do dilúvio senta-Se o Senhor,
    o Senhor senta-Se como rei eterno.

     

    LEITURA II – Atos 10,34-38

    Naqueles dias,
    Pedro tomou a palavra e disse:
    «Na verdade,
    eu reconheço que Deus não faz aceção de pessoas,
    mas, em qualquer nação,
    aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável.
    Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel,
    anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos.
    Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia,
    a começar pela Galileia,
    depois do batismo que João pregou:
    Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré,
    que passou fazendo o bem
    e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio,
    porque Deus estava com Ele».

     

    CONTEXTO

    Os “Atos dos Apóstolos” são uma catequese sobre a “etapa da Igreja”, isto é, sobre a forma como os discípulos assumiram ou continuaram o projeto salvador do Pai e o levaram – após a partida de Jesus deste mundo – a todos os homens.

    O livro divide-se em duas partes. Na primeira (cf. At 1-12), a reflexão centra-se na difusão do Evangelho dentro das fronteiras palestinas, por ação de Pedro e dos Doze; na segunda (cf. At 13-28), conta-se a expansão do Evangelho fora da Palestina (sobretudo por ação de Paulo): no Mediterrâneo, na Ásia Menor, na Grécia, até atingir Roma, o coração do império.

    O texto de hoje está integrado na primeira parte dos “Atos”. Insere-se numa perícope que descreve a atividade missionária de Pedro na planície do Sharon (cf. At 9,32-11,18) – isto é, na planície junto da orla mediterrânica palestina. Em concreto, o texto propõe-nos o testemunho e a catequese de Pedro em Cesareia Marítima, em casa do centurião romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf. At 10,19-20), Pedro entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e batiza-o, bem como a toda a sua família (cf. At 10,23b-48). O episódio é importante porque Cornélio é a primeira pessoa completamente pagã (o etíope evangelizado e convertido por Filipe e de que se fala em At 8,26-40 era “prosélito” e por isso já estava ligado ao judaísmo) admitida na comunidade cristã por um dos Doze. Admite-se, assim, que o Evangelho de Jesus não deve ficar circunscrito às fronteiras étnicas judaicas, mas é uma Boa Notícia destinada a todos os homens e mulheres, de todas as raças e culturas.

    Cesareia Marítima, cidade reconstruída por Herodes, o Grande, ficava na costa palestina. Era a sede do poder romano, pois era aí que residiam os governadores romanos da Judeia (como Pôncio Pilatos, o governador que, pelo ano 30, autorizou a morte de Jesus). A cidade foi evangelizada pelo diácono Filipe (cf. At 8,40).

    MENSAGEM

    No seu discurso, em casa de Cornélio, Pedro começa por reconhecer que a proposta de salvação oferecida por Deus e trazida por Cristo é universal e se destina a todas as pessoas, sem distinção de qualquer tipo (vers. 34-36). Israel foi, na verdade, o primeiro recetor privilegiado da Palavra de Deus; mas Cristo veio trazer a “boa nova da paz” (salvação) a todos os homens. Ao partir ao encontro do Pai, Jesus ressuscitado enviou os seus discípulos ao mundo e pediu-lhes que levassem a todos os homens a Boa Nova da salvação. Os discípulos, testemunhas de Jesus, devem cumprir esse mandato e fazer chegar a proposta da salvação a todos os homens e mulheres, sem distinção de raça, de cor ou de estatuto social.

    Depois de definir os contornos universais da proposta salvadora de Deus, Pedro apresenta uma espécie de resumo da fé primitiva (vers. 37-38). É, nem mais nem menos, do que o pôr em ato a missão fundamental dos discípulos: anunciar Jesus e testemunhar essa salvação que deve chegar a todos os homens. A leitura que nos é proposta conserva apenas a parte inicial do “kerigma” primitivo e resume a atividade de Jesus que, depois de ter sido ungido com a força Espírito Santo no rio Jordão, “passou pelo mundo fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele” (vers. 38). No entanto, o anúncio de Pedro continua (embora a nossa leitura de hoje não o refira) com a catequese sobre a morte (vers. 39), sobre a ressurreição (vers. 40) e sobre a dimensão salvífica da vida de Jesus (vers. 43).

    Cornélio e a sua família acolheram o “kerigma” cristão proclamado por Pedro, abraçaram a fé, receberam o Espírito, foram baptizados e passaram a fazer parte da comunidade de Jesus (cf. At 10,44-48).

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus recebeu o Batismo e foi ungido com a força do Espírito; depois, “passou pelo mundo fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio”. Em cada passo do caminho que percorreu, Ele distribuiu, em gestos concretos, bondade, misericórdia, perdão, solidariedade, amor… Nós, cristãos, que “acreditamos” em Jesus, que nos comprometemos com Ele e O seguimos, assumimos este “programa”? Nós, que fomos batizados e ungidos com a força do Espírito, testemunhamos também, em gestos concretos, a bondade, a misericórdia, o perdão e o amor de Deus pelos homens? Empenhamo-nos em libertar todos os que são oprimidos pelo demónio do egoísmo, da injustiça, da exploração, da exclusão, da solidão, da doença, do analfabetismo, do sofrimento?
    • “Reconheço que Deus não faz aceção de pessoas” – diz Pedro no seu discurso em casa de Cornélio. E nós, filhos desse Deus que ama a todos da mesma forma e que a todos oferece igualmente a salvação, aceitamos todos os irmãos da mesma forma, reconhecendo a igualdade fundamental de todos os homens em direitos e dignidade? Temos consciência de que a discriminação de pessoas por causa da cor da pele, da raça, do sexo, da orientação sexual ou do estatuto social é uma grave subversão da lógica de Deus?

     

    ALELUIA – cf. Marcos 9,6

    Aleluia. Aleluia.

    Abriram-se os céus e ouviu-se a voz do Pai:
    «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O».

     

    EVANGELHO – Marcos 1,7-11

    Naquele tempo,
    João começou a pregar, dizendo:
    «Vai chegar depois de mim
    quem é mais forte do que eu,
    diante do qual eu não sou digno de me inclinar
    para desatar as correias das suas sandálias.
    Eu batizo na água,
    mas Ele batizar-vos-á no Espírito Santo».
    Sucedeu que, naqueles dias,
    Jesus veio de Nazaré da Galileia
    e foi batizado por João no rio Jordão.
    Ao subir da água, viu os céus rasgarem-se
    e o Espírito, como uma pomba, descer sobre Ele.
    E dos céus ouviu-se uma voz:
    «Tu és o meu Filho muito amado,
    em Ti pus toda a minha complacência».

     

    CONTEXTO

    O Evangelho deste domingo refere o encontro entre Jesus e João Batista, nas margens do rio Jordão. Na circunstância, Jesus foi batizado por João.

    João foi o guia carismático de um movimento de cariz popular, que anunciava a proximidade do “juízo de Deus”. No final do ano 27 ou princípio do ano 28, a sua voz começou a ouvir-se lá para os lados do deserto de Judá, nas margens do rio Jordão, num lugar que a tradição identifica com o atual Qasr El Yahud, a cerca de 10 quilómetros do Mar Morto. A mensagem proposta por João estava centrada na urgência da conversão (pois, na opinião de João, a intervenção definitiva de Deus na história para destruir o mal estava iminente) e incluía um rito de purificação pela água.

    O judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água, sempre ligados a contextos de purificação ou de mudança de vida. Era, inclusive, um ritual usado na integração dos “prosélitos” (os pagãos que aderiam ao judaísmo) na comunidade do Povo de Deus. A imersão na água sugeria a rutura com a vida passada e o ressurgir para uma vida nova, um novo nascimento, um novo começo. No que diz respeito ao Batismo proposto por João, estamos provavelmente diante de um rito de iniciação à comunidade messiânica: quem aceitava este “batismo”, renunciava ao pecado, convertia-se a uma vida nova e passava a integrar a comunidade que esperava o Messias.

    O texto que hoje nos é proposto faz parte de um tríptico (cf. Mc 1,2-8; 1,9-11; 1,12-13) onde Marcos define, logo no início do seu Evangelho, a identidade e a missão específica de Jesus: Ele é o Messias, o Filho de Deus enviado ao mundo para oferecer aos homens a salvação de Deus. Marcos irá, nos capítulos seguintes, desenvolver estas coordenadas.

    MENSAGEM

    O relato de Marcos divide-se claramente em duas partes. A primeira incide sobre a figura de João Batista; a segunda sobre a figura de Jesus.

    Na primeira parte do texto (vers. 7-8), aparece João Batista a dar testemunho sobre “Aquele que vai chegar depois”. Os que escutam João não identificam imediatamente quem é esse de quem ele fala; mas percebem que será alguém muito importante, para cuja chegada é preciso preparar-se. João explicará também que essa preparação passará pela conversão, pela mudança de vida (cf. Mc 1,4). João revela ainda que “Aquele que vai chegar” será “mais forte do que eu, diante do qual não sou digno de me inclinar para lhe desatar as correias das sandálias”; e há de batizar “no Espírito Santo”. Talvez as palavras de João soem de forma enigmática; mas apontam claramente numa direção: a fortaleza e a unção do Espírito estão associadas ao Messias que Israel esperava (cf. Is 9,5-6; 11,2). Portanto, o testemunho de João não oferece dúvidas: está para chegar o Messias anunciado pelos profetas, o enviado de Deus que vai libertar Israel.

    Na segunda parte do relato, entra em cena Jesus (Mc 1,9-11). É o auge do relato. Os leitores de Marcos percebem imediatamente que Jesus é esse cuja chegada João anunciava. Estranhamente, o Messias vem de Nazaré, uma cidade insignificante perdida nas montanhas da Galileia, que até essa altura nunca tinha desempenhado qualquer papel na história da salvação. São estranhos os caminhos e as lógicas de Deus. Outra coisa estranha: esse Messias a quem João não é digno de desatar as correias das sandálias faz-se batizar por João nas águas do rio Jordão. Para que precisava Jesus desse batismo purificador, que significava conversão e purificação do pecado? Por causa dos seus pecados? É claro que não. Mas, ao entrar na água juntamente com todos aqueles que pediam o batismo de João, Jesus coloca-se ao lado do povo pecador e afirma a sua solidariedade – a solidariedade de Deus – com todos os homens e mulheres que o pecado envolve e marca. Jesus veio para se colocar ao lado do homem pecador, para lhe dar a mão, para o ajudar a sair da sua triste situação e chegar a uma Vida nova. É tão grande, tão belo e tão comovente este gesto solidário de Deus com a humanidade pecadora!

    Marcos passa, depois, a descrever a cena do Batismo de Jesus... Nessa descrição há três elementos que, por aquilo que evocam, importa considerar…

    O primeiro é a abertura do céu. A imagem inspira-se, provavelmente, em Is 63,19, onde o profeta pede a Deus que “rasgue os céus” e desça ao encontro do seu Povo, refazendo a relação que o pecado do Povo tinha interrompido. O envio de Jesus ao mundo mostra a resposta favorável de Deus a esse pedido. A presença de Jesus na história dos homens relança a história de comunhão entre Deus e a humanidade pecadora.

    O segundo elemento é a descida do Espírito, como uma pomba, sobre Jesus. Esse Espírito que desce sobre Jesus é o sopro de vida de Deus que cria, que renova, que transforma, que cura os seres vivos. Leva-nos ao Espírito de Deus que, no momento da criação, “pairava sobre a superfície das águas” (Gn 1,2). Ungido com a força do Espírito, Jesus vai recriar o mundo e fazer nascer uma nova humanidade.

    Temos ainda um terceiro elemento: a voz do céu que ecoa quando Jesus saía da água. Os rabis usavam frequentemente a “voz do céu” como uma forma de expressar a opinião de Deus acerca de uma pessoa ou de um acontecimento. Ora, “a voz” que se ouve nas margens do rio Jordão declara solenemente que Jesus é o Filho de Deus; e fá-lo com uma fórmula tomada daquele cântico do “Servo de Javé” que vimos na primeira leitura de hoje (cf. Is 42,1). Sim, Jesus é o eleito de Deus, o Filho no qual o Pai “pôs toda a sua complacência”, enviado ao encontro dos homens para recriar a humanidade; mas a missão de Jesus, como a do Servo de Javé, não se desenrolará no triunfalismo, mas na obediência total ao Pai; não se cumprirá com poder e prepotência, mas na suavidade, na simplicidade, no respeito pelos homens (“não gritará, nem levantará a voz; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega” – Is 42,2-3).

    Depois deste momento, as coisas estão bem definidas. Jesus, ungido pelo Espírito, partirá ao encontro do mundo para concretizar a missão que o Pai Lhe entregou.

    INTERPELAÇÕES

    • O episódio do batismo de Jesus coloca-nos frente a frente com um Deus que aceitou identificar-Se com o homem, partilhar a sua humanidade e fragilidade, a fim de oferecer ao homem um caminho de liberdade e de vida plena. Eu, filho deste Deus, aceito ir ao encontro dos meus irmãos mais desfavorecidos e estender-lhes a mão? Partilho a sorte dos pobres, dos sofredores, dos injustiçados, sofro na alma as suas dores, aceito identificar-me com eles e participar dos seus sofrimentos, a fim de melhor os ajudar a conquistar a liberdade e a vida plena? Não tenho medo de me sujar ao lado dos pecadores, dos marginalizados, se isso contribuir para os promover e para lhes dar mais dignidade e mais esperança?
    • Jesus, o Filho Amado de Deus, veio ao encontro dos homens, solidarizou-se com as suas dores e limitações e quebrou o muro que nos separava de Deus. Ao ser batizado no rio Jordão, foi ungido pelo Espírito de Deus e abraçou, sem reticências, a missão que o Pai lhe confiava: propor e construir o Reino de Deus. Todos nós que fomos batizados em Cristo recebemos o mesmo Espírito de Deus que Ele recebeu e entramos na comunidade do Reino. No dia do nosso batismo recebemos a missão de colaborar com Jesus na construção de um mundo mais fraterno e mais humano. Temos sido fiéis a essa missão? O nosso compromisso batismal é uma realidade que procuramos renovar a cada passo, ou é letra morta que não toca a forma como vivemos? Somos batizados “de assinatura” (porque o nosso nome aparece num qualquer livro de registos de Batismo), ou somos cristãos de facto, que procuram seguir Jesus em cada passo do caminho e colaborar com Ele no sentido de curar o mundo das suas feridas?
    • Jesus sempre levou muito a sério aquela declaração de Deus que se escutou junto do rio Jordão: “Tu és o meu Filho muito amado, em Ti pus toda a minha complacência”. Esse amor que o Pai lhe dedicava sempre sustentou as opções de Jesus e sempre iluminou o caminho que Ele ia percorrendo (mesmo quando no horizonte estava a cruz, o abandono dos amigos, o aparente fracasso da missão). Sustentado pelo amor de Deus, Jesus assumiu incondicionalmente o projeto do Pai de dar vida à humanidade. Obedeceu em tudo ao Pai, sem reticências de qualquer espécie. É esta mesma atitude de obediência radical, de entrega incondicional, de confiança absoluta que eu – filho amado de Deus – assumo na minha relação com o Pai? O projeto de Deus é, para mim, mais importante de que os meus projetos pessoais ou do que os desafios que o mundo me lança? Como Jesus, confio plenamente no Pai, nas suas propostas, no seu cuidado, no seu amor?
    • Depois de batizado e de ser ungido pelo Espírito, Jesus não se instalou numa crença religiosa de meias tintas ou de serviços mínimos. Animado pela força do Espírito, partiu para a Galileia a anunciar o Reino de Deus e a testemunhar – com palavras e com gestos – o projeto libertador do Pai. É dessa forma – coerente, comprometida, apaixonada – que eu procuro viver a missão que Deus me confiou no dia em que eu fui batizado? Os meus irmãos e irmãs maltratados pela vida e pelos homens podem contar com o meu empenho em levar-lhes a carícia do Deus que cura e que dá Vida?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA A FESTA DO BATISMO DO SENHOR

    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.

    Ao longo dos dias da semana anterior à Festa do Batismo do Senhor, procurar meditar a Palavra de Deus deste dia. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. PALAVRA DE VIDA.

    Reunião de família… A voz do Pai profere uma palavra de ternura: “Tu és o meu Filho bem amado, em ti pus todo o meu amor”. Como se o Filho tivesse necessidade de ouvir dizer que era amado pelo seu Pai… A efusão é do Espírito para que o sopro de vida e de libertação que o Filho veio espalhar sobre a terra seja o sopro do Espírito, um sopro que não guardará para si, pois no Pentecostes derramará sobre os apóstolos. A solidariedade é a do Filho para manifestar a sua humanidade. Ele é verdadeiramente homem, homem no meio dos homens, partilhando toda a condição humana, exceto o pecado.

     

    3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Neste dia tão significativo em que as comunidades vivem este sacramento da iniciação cristã, pode-se aproveitar para apelar à presença das famílias que celebraram batismos durante o ano. Depois, valorizar alguns momentos da celebração: rito penitencial com a aspersão da água; acompanhar gestualmente (um grupo de crianças e jovens) a cena do Batismo de Jesus no Evangelho; procurar partilhar sobre a forma como vivemos o nosso Batismo (homilia partilhada, se possível); escolher a oração eucarística para celebrações com crianças, envolvendo a assembleia nas respostas previstas; colocar as crianças junto do altar do Pai Nosso até à comunhão, onde reconhecemos a presença de Cristo no sinal do Pão partilhado.

     

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Um tempo novo abre-se diante de nós: Jesus vai seguir, com toda a liberdade, o caminho de Jerusalém e nós iremos acompanhar, ao longo do ano litúrgico, o seu ensino e redescobrir os sinais que Ele realiza. Fazendo memória dos batismos que a Igreja celebra e do nosso próprio Batismo, somos convidados a seguir os passos de Cristo. Que Ele nos envolva no seu seguimento e nos leve a viver juntos como irmãos!

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 02º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    02º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    14 de Janeiro, 2024

    ANO B

    2.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 2.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 2.º Domingo do Tempo Comum convida-nos a descobrir que Deus conta connosco para concretizar, no mundo e na história, o seu projeto; e propõe-nos acolher, com disponibilidade e generosidade, os desafios de Deus.

    A primeira leitura traz-nos a história do chamamento do profeta Samuel. Diz-nos que o chamamento é sempre uma iniciativa de Deus: é Ele que vem ao encontro do homem, chama-o pelo nome, desafia-o a ser sinal e testemunho do projeto de Deus no mundo. A resposta do jovem Samuel pode constituir a paradigma da nossa resposta ao Deus que chama.

    O Evangelho descreve o encontro de Jesus com os seus primeiros discípulos e esboça o caminho que o discípulo deve percorrer depois desse primeiro encontro: deve ir atrás de Jesus, estabelecer contato com Ele, perceber que Ele é fonte de Vida verdadeira, aceitar viver em comunhão com Ele, tornar-se testemunha dele junto dos outros irmãos.

    Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto a viverem de forma coerente com o chamamento que Deus lhes fez. No crente que vive em comunhão com Cristo e que é Templo do Espírito deve manifestar-se sempre a vida nova de Deus. Todos os baptizados são chamados a dar testemunho do Homem Novo, do Homem que vive de Jesus e que caminha com Jesus.

     

    LEITURA I – 1 Samuel 3,3b-10.19

    Naqueles dias,
    Samuel dormia no templo do Senhor,
    onde se encontrava a arca de Deus.
    O Senhor chamou Samuel
    e ele respondeu: «Aqui estou».
    E, correndo para junto de Heli, disse:
    «Aqui estou, porque me chamaste».
    Mas Heli respondeu:
    «Eu não te chamei; torna a deitar-te».
    E ele foi deitar-se.
    O Senhor voltou a chamar Samuel.
    Samuel levantou-se, foi ter com Heli e disse:
    «Aqui estou, porque me chamaste».
    Heli respondeu:
    «Não te chamei, meu filho; torna a deitar-te».
    Samuel ainda não conhecia o Senhor,
    porque, até então,
    nunca se lhe tinha manifestado a palavra do Senhor.
    O Senhor chamou Samuel pela terceira vez.
    Ele levantou-se, foi ter com Heli e disse:
    «Aqui estou, porque me chamaste».
    Então Heli compreendeu que era o Senhor
    que chamava pelo jovem.
    Disse Heli a Samuel:
    «Vai deitar-te; e se te chamarem outra vez, responde:
    ‘Falai, Senhor, que o vosso servo escuta’».
    Samuel voltou para o seu lugar e deitou-se.
    O Senhor veio, aproximou-Se e chamou como das outras vezes:
    «Samuel! Samuel!»
    E Samuel respondeu:
    «Falai, Senhor, que o vosso servo escuta».
    Samuel foi crescendo;
    o Senhor estava com ele
    e nenhuma das suas palavras deixou de cumprir-se.

     

    CONTEXTO

    O Livro de Samuel situa-nos no período histórico que vai de meados do séc. XI a.C. até ao final do reinado de David (972 a.C.). É durante esse arco temporal que diversas tribos da região – quer as que tinham regressado do Egito com Moisés, quer outras que há vários séculos habitavam a terra de Canaã – vão estreitar laços, de forma a constituírem uma unidade política. Nos últimos anos do séc. XI a.C., essas tribos vão unir-se à volta da realeza davídica.

    Os primeiros capítulos do Livro de Samuel situam-nos ainda na fase pré-monárquica. Nessa fase observa-se, por um lado, um processo crescente de sedentarização, de consolidação e de unificação das tribos no território de Canaã, a partir de determinados elementos unificadores, como sejam os “juízes”, os pactos de defesa diante dos inimigos comuns, as federações de tribos vizinhas e os santuários que periodicamente acolhem a Arca da Aliança e assentam as bases da fé monoteísta; por outro lado, observa-se também a precariedade das coligações defensivas diante dos ataques inimigos, a escassa consciência unitária, o descrédito de alguns “juízes”, todo um conjunto de debilidades que geram instabilidade e incerteza… As instituições tribais revelam-se inadequadas para responder aos novos desafios, nomeadamente à pressão militar exercida pelos filisteus. O modelo monárquico dos povos vizinhos parece ser a solução ideal para abordar os novos desafios da história.

    Samuel aparece nesse tempo de transição da vida tribal para a monarquia. Pertence à tribo de Efraim, uma tribo instalada no centro do país, na montanha de Efraim (onde, aliás, Samuel exerce o seu ministério). O Livro de Samuel apresenta-o como um “juiz” (narra-se o seu nascimento maravilhoso nos mesmos moldes que o nascimento de Sansão – 1 Sm 1; cf. Jz 13); mas logo se diz que ele foi educado no templo de Silo, onde estava depositada a Arca da Aliança (1 Sm 2,18-21) – o que pode significar que exercia igualmente funções litúrgicas. Mais tarde irá ser chamado, num período de desolação, a conduzir o Povo no combate contra os filisteus.

    Samuel é, portanto, uma figura complexa e multifacetada, simultaneamente juiz, sacerdote e chefe dos exércitos. Faz a ponte entre uma época de confusão e de escassa consciência unitária, para uma época onde começa a estruturar-se uma organização mais centralizada.

    O texto que a liturgia de hoje nos propõe como primeira leitura apresenta a vocação de Samuel. A cena coloca-nos no santuário de Silo, onde estava a Arca da Aliança. Samuel, consagrado a Deus por sua mãe, era servidor do santuário (cf. 1 Sm 1,11.22-28).

    Mais do que um relato fidedigno de acontecimentos concretos, este texto deve ser visto como uma catequese sobre o chamamento de Deus e a resposta do homem, redigida de acordo com o esquema típico dos relatos de vocação.

    MENSAGEM

    A primeira nota que é preciso sublinhar, a partir do relato da vocação de Samuel, é que a vocação é sempre uma iniciativa de Deus (“o Senhor chamou Samuel” – vers. 4a). É Deus que, seguindo critérios que nos escapam absolutamente, escolhe, chama, interpela, desafia o homem. A indicação de que “Samuel ainda não conhecia o Senhor porque, até então, nunca se lhe tinha manifestado a Palavra do Senhor” (vers. 7) sugere claramente que o chamamento de Samuel parte só de Deus e é uma iniciativa exclusiva de Deus, à qual Samuel é, num primeiro momento, totalmente alheio.

    Uma segunda nota é sugerida pelo enquadramento temporal do chamamento: Deus dirige-Se a Samuel enquanto este estava deitado, presumivelmente, durante a noite. É o momento do silêncio, da tranquilidade e da calma, quando a algazarra, o barulho e a confusão se calaram. A nota sugere que a voz de Deus se torna mais facilmente percetível no silêncio, quando o coração e a mente do homem abandonaram a preocupação com os problemas do dia a dia e estão mais livres e disponíveis para escutar os apelos e os desafios de Deus.

    Como se plasma a resposta de Samuel ao chamamento de Deus? Antes de mais, o autor desta catequese sublinha a dificuldade de Samuel em reconhecer a voz do Senhor. Javé chamou Samuel por quatro vezes e só na última vez o jovem conseguiu perceber que voz era aquela. Com este pormenor, o catequista evidencia a dificuldade que qualquer chamado experimenta no sentido de identificar a voz de Deus, no meio da multiplicidade de vozes e de apelos que todos os dias atraem a sua atenção e seduzem os seus sentidos.

    Depois, sobressai o papel de Heli na descoberta vocacional do jovem Samuel. É Heli que compreende “que era o Senhor quem chamava o menino” e que ensina Samuel a abrir o coração ao chamamento de Javé (“se fores chamado outra vez, responde: «fala, Senhor; o teu servo escuta»” – vers. 9). O pormenor sugere que, tantas vezes, os irmãos que nos rodeiam têm um papel decisivo na perceção da vontade de Deus a nosso respeito e na nossa sensibilização para os apelos e para os desafios que Deus nos apresenta.

    Finalmente, o autor põe em relevo a disponibilidade de Samuel para ouvir e para acolher a voz de Deus: “fala, Senhor; o teu servo escuta” (vers. 10). No mundo bíblico, “escutar” não significa apenas ouvir com os ouvidos; mas significa, sobretudo, acolher no coração e integrar na própria vida aquilo que se escutou. É isso que o jovem Samuel se compromete a fazer. Completamente disponível para o serviço de Javé, ele abraça a missão de ser um sinal vivo de Deus, a voz “humana” de Deus que ecoa na vida e na história do seu Povo.

    INTERPELAÇÕES

    • A vocação é sempre uma iniciativa, misteriosa e gratuita, de Deus. O profeta deve ter plena consciência de que na origem da sua vocação está Deus e que a sua missão só se entende e só se realiza em referência a Deus. Um profeta não se torna profeta por iniciativa própria, para realizar sonhos pessoais, ou porque entende ter as “qualidades profissionais” requeridas para o cargo… O profeta torna-se profeta porque um dia escutou Deus a chamá-lo pelo nome e a confiar-lhe uma missão. Todos nós, chamados por Deus a uma missão no mundo, não podemos esquecer isto: a nossa missão vem de Deus e tem de se desenvolver em referência a Deus. Como profetas, não nos anunciamos a nós próprios, não vendemos os nossos sonhos, não impomos aos outros a nossa visão pessoal das coisas; mas anunciamos e testemunhamos Deus e os seus projetos no meio dos nossos irmãos.
    • O relato da vocação de Samuel situa-nos num quadro temporal próprio: de noite, quando já terminaram as tarefas do dia e quando o santuário de Silo está envolvido na tranquilidade, na calma e no silêncio… Provavelmente, o catequista autor deste texto não escolheu este enquadramento por acaso. Ele quis sugerir que é mais fácil detetar a presença de Deus e ouvir a sua voz nesse ambiente favorável de silêncio que favorece a escuta. Quando corremos de um lado para o outro, afadigados em mil e uma atividades, preocupados em responder às solicitações que nos chegam de todos os lados, dificilmente temos espaço e disponibilidade para ouvir a voz de Deus e para detetar esses sinais discretos através dos quais Ele nos indica os seus caminhos. O profeta necessita de tempo e de espaço para rezar, para falar com Deus, para interrogar o seu coração sobre o sentido do que está a fazer, para ouvir esse Deus que fala nas “pequenas coisas” a que nem sempre damos importância. Procuro reservar tempo para interiorizar a Palavra de Deus, para dialogar com Ele e para responder aos desafios que Ele me lança? Estou disponível para escutar o Espírito, como exige o modo sinodal de ser Igreja?
    • São muitas as “vozes” que ouvimos todos os dias, vendendo propostas de vida e de felicidade. Muitas vezes, essas “vozes” confundem-nos, alienam-nos e conduzem-nos por caminhos onde a felicidade não está. Como identificar a voz de Deus no meio das vozes que dia a dia escutamos e que nos sugerem uma colorida multiplicidade de caminhos e de propostas? Samuel não identificou a voz de Deus sozinho, mas recorreu à ajuda do sacerdote Heli… Na verdade, aqueles que partilham connosco a mesma fé e que percorrem o mesmo caminho podem ajudar-nos, com as suas palavras e com o seu testemunho, a identificar a voz de Deus. A nossa comunidade cristã desafia-nos, interpela-nos, questiona-nos, ajuda-nos a purificar as nossas opções e a perceber os caminhos que Deus nos propõe.
    • Depois de identificar essa “voz” misteriosa que se lhe dirigia, Samuel respondeu: “fala, Senhor; o teu servo escuta”. É a expressão de uma total disponibilidade, abertura e entrega face aos desafios e aos apelos de Deus. É evidente que, na figura de Samuel, o catequista bíblico propõe a atitude paradigmática que devem assumir todos aqueles a quem Deus chama. Como é que me situo face aos apelos e aos desafios de Deus? Com uma obstinada recusa, com um “sim” reticente, ou com total disponibilidade e entrega?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 39 (40)

    Refrão: Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.

    Esperei no Senhor com toda a confiança
    e Ele atendeu-me.
    Pôs em meus lábios um cântico novo,
    um hino de louvor ao nosso Deus.

    Não Vos agradaram sacrifícios nem oblações,
    mas abristes-me os ouvidos;
    não pedistes holocaustos nem expiações,
    então clamei: «Aqui estou».

    «De mim está escrito no livro da Lei
    que faça a vossa vontade.
    Assim o quero, ó meu Deus,
    a vossa lei está no meu coração».

    «Proclamei a justiça na grande assembleia,
    não fechei os meus lábios, Senhor, bem o sabeis.
    Não escondi a justiça no fundo do coração,
    proclamei a vossa bondade e fidelidade».

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 6,13c-15a.17-20

    Irmãos:
    O corpo não é para a imoralidade, mas para o Senhor,
    e o Senhor é para o corpo.
    Deus, que ressuscitou o Senhor,
    também nos ressuscitará a nós pelo seu poder.
    Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?
    Aquele que se une ao Senhor
    constitui com Ele um só Espírito.
    Fugi da imoralidade.
    Qualquer outro pecado que o homem cometa
    é exterior ao seu corpo;
    mas o que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo.
    Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo,
    que habita em vós e vos foi dado por Deus?
    Não pertenceis a vós mesmos,
    porque fostes resgatados por grande preço:
    glorificai a Deus no vosso corpo.

     

    CONTEXTO

    No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca de 18 meses (anos 50-52). De acordo com At 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. Ao sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; At 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com os líderes da comunidade judaica e foi expulso da sinagoga.

    Corinto, cidade nova e próspera, era a capital da Província romana da Acaia e a sede do procônsul romano. Servida por dois portos de mar, nela se cruzavam pessoas de todas as raças e religiões. Era a cidade do desregramento para os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo e que, após semanas de navegação, chegavam com vontade de se divertir. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.

    Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maioria dos membros da comunidade era de origem grega, embora de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. At 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13).

    De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10).

    Tratava-se de uma comunidade forte e vigorosa, mas que mergulhava as suas raízes em terreno adverso. No centro da cidade, o templo de Afrodite, a deusa grega do amor, atraía os peregrinos e favorecia os desregramentos e a libertinagem sexual. Os cristãos, naturalmente, viviam envolvidos por este mundo e acabavam por transportar para a comunidade alguns dos vícios da cultura ambiente. Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.

    Em 1 Cor 6,12 aparece uma frase – possivelmente do próprio Paulo – que servia a alguns cristãos de Corinto para justificar os seus excessos: “Tudo me é permitido”… Paulo explica que “tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente; tudo me é permitido, mas eu não me farei escravo de nada”. Na sequência, Paulo recorda aos membros da comunidade as exigências da sua adesão a Cristo.

     

    MENSAGEM

    Pelo Batismo, o cristão torna-se membro de Cristo e forma com ele um único corpo. A partir desse momento, os pensamentos, as palavras, as atitudes do cristão devem ser os de Cristo e devem testemunhar, diante do mundo, o próprio Cristo. No “corpo” do cristão manifesta-se, portanto, a realidade do “corpo” de Cristo.

    Mais ainda: o cristão é também Templo do Espírito. Para os judeus, o “templo” de Jerusalém era o lugar onde Deus residia no mundo e se manifestava ao seu Povo… Dizer que os cristãos são “Templo do Espírito” significa que eles são agora o lugar onde reside e se manifesta a vida de Deus. No Batismo, o cristão recebe o Espírito de Deus; e é esse Espírito que vai, a partir desse instante, conduzi-lo, inspirar os seus pensamentos, condicionar as suas ações e comportamentos.

    Estão aqui sugeridos os elementos fundamentais da antropologia cristã… O “corpo” é o lugar onde se manifesta historicamente essa vida nova que inunda o crente, após a sua adesão a Cristo. Por isso, o “corpo” – ao contrário do que defendiam algumas correntes bem representadas nas escolas filosóficas de Corinto – não é algo desprezível, baixo, miserável, condenado; mas é algo que tem uma suprema dignidade, pois é nele que se manifesta no mundo a vida de Deus.

    Paulo tira disto algumas consequências práticas e não hesita em aplicá-las à situação concreta dos crentes de Corinto, às vezes tentados por comportamentos pouco edificantes, particularmente no âmbito da vivência da sexualidade: se os cristãos são membros de Cristo e vivem em comunhão com Cristo, devem evitar os comportamentos desregrados no domínio da sexualidade; se os cristãos são “Templo do Espírito” e os seus corpos são o lugar onde se manifesta a vida nova de Deus, certas atitudes e hábitos desordenados não são dignos dos crentes.

    No “corpo” dos cristãos deve manifestar-se a vida de Deus. Ora, tudo aquilo que é expressão de egoísmo, de procura desenfreada dos próprios interesses, de realização descontrolada dos próprios caprichos, de comportamentos que usam e instrumentalizam o outro, está em absoluta contradição com essa vida nova de Deus que é relação, entrega mútua, compromisso sério, amor verdadeiro. É verdade que os crentes são livres; mas a liberdade cristã tem como limite o próprio Cristo: nada do que contradiz os valores e o projeto de Jesus pode ser aceite pelo cristão. Aliás, os crentes devem ter consciência de que o radicalismo da liberdade acaba frequentemente na escravidão.

    Paulo termina com um convite singular: “glorificai a Deus no vosso corpo” (vers. 20). É através de comportamentos e atitudes onde se manifesta a realidade da vida nova de Jesus que os crentes podem “prestar culto” a Deus. O “culto” a Deus não passa pela prática de um conjunto de ritos externos, mais ou menos pomposos, mais ou menos solenes, mas sim por um compromisso de vida que afeta a pessoa inteira e que diz respeito à relação do crente com os outros irmãos ou irmãs e consigo próprio. É preciso que em todas as circunstâncias – inclusive no campo da vivência da sexualidade – a vida do crente seja entrega, serviço, doação, respeito, amor verdadeiro. É esse o culto que Deus exige.

    INTERPELAÇÕES

    • Somos todos chamados a integrar o “corpo” de Cristo. No dia do nosso Batismo respondemos positivamente ao convite que, nesse sentido, nos foi feito; e depois, ao longo do caminho, reiterámos vezes sem conta esse compromisso… Vivemos conscientes disso? Essa opção fundamental é uma realidade que temos sempre presente em todos os passos do nosso percurso de vida?
    • A adesão a Cristo implica assumirmos comportamentos coerentes com o que Jesus nos disse em palavras e em gestos; implica segui-l’O no caminho do amor incondicional, do serviço simples e gratuito, da doação total a Deus e aos nossos irmãos. Assim, nada do que é egoísmo, exploração, violência, prepotência, mentira, abuso dos direitos e dignidade do outro, procura desordenada do bem próprio à custa do outro, poderá entrar, como normalidade, na vida do discípulo de Jesus. O meu comportamento no contexto familiar, no espaço onde exerço a minha vida profissional, no meu círculo de relações é condizente com a minha qualidade de discípulo de Jesus?
    • A propósito, Paulo coloca o problema da vivência da sexualidade… Essa importante dimensão da nossa realização como pessoas não pode concretizar-se em ações egoístas, que nos escravizam a nós e que instrumentalizam os outros; mas tem de concretizar-se num quadro de amor verdadeiro, de relação, de entrega mútua, de compromisso, de respeito absoluto pelo outro e pela sua dignidade. Neste campo surgem, com alguma frequência, denúncias de comportamentos e atitudes, dentro e fora da Igreja, que afetam e magoam pessoas frágeis e indefesas. Devemos ter sempre isto bem claro: qualquer comportamento abusivo que desrespeite a dignidade e a autonomia dos outros irmãos e irmãs que se cruzam connosco constitui uma grave subversão dos valores de Jesus.
    • “Tudo me é permitido” – dizia-se no tempo de Paulo e repete-se hoje… Será a liberdade um valor absoluto? Para os discípulos de Jesus, a liberdade não pode traduzir-se em comportamentos e opções que neguem a nossa opção fundamental por Cristo. Há quem ache que só nos realizaremos plenamente se pudermos fazer tudo o que nos apetecer… Contudo, o cristão sabe que “nem tudo lhe convém”. Aliás, certas opções contrárias aos valores do Evangelho não conduzem à liberdade, mas à dependência e à escravidão.
    • Qual é o verdadeiro “culto” que Deus pede? Como é que traduzimos, em gestos concretos, a nossa adesão a Deus? Paulo sugere que o verdadeiro culto, o culto que Deus espera, é uma vida coerente com os compromissos que assumimos com Ele, traduzida em gestos concretos de amor, de entrega, de doação, de respeito pelo outro e pela sua dignidade.

     

    ALELUIA – cf. João 1,41.17b

    Aleluia. Aleluia.

    Encontramos o Messias, que é Jesus Cristo.
    Por Ele nos veio a graça e a verdade.

     

    EVANGELHO – João 1,35-42

    Naquele tempo,
    estava João Baptista com dois dos seus discípulos
    e, vendo Jesus que passava, disse:
    «Eis o Cordeiro de Deus».
    Os dois discípulos ouviram-no dizer aquelas palavras
    e seguiram Jesus.
    Entretanto, Jesus voltou-Se;
    e, ao ver que O seguiam, disse-lhes:
    «Que procurais?»
    Eles responderam:
    «Rabi – que quer dizer ‘Mestre’ – onde moras?»
    Disse-lhes Jesus: «Vinde ver».
    Eles foram ver onde morava
    e ficaram com Ele nesse dia.
    Era por volta das quatro horas da tarde.
    André, irmão de Simão Pedro,
    foi um dos que ouviram João e seguiram Jesus.
    Foi procurar primeiro seu irmão Simão e disse-lhe:
    «Encontrámos o Messias» – que quer dizer ‘Cristo’ –;
    e levou-o a Jesus.
    Fitando os olhos nele, Jesus disse-lhe:
    «Tu és Simão, filho de João.
    Chamar-te-ás Cefas» – que quer dizer ‘Pedro’.

     

    CONTEXTO

    Este trecho integra a secção introdutória do Quarto Evangelho (cf. Jo 1,19-3,36). Nessa secção, a principal preocupação do autor é apresentar a figura de Jesus.

    João, o autor do Quarto Evangelho, convida-nos a participar numa montagem cénica. Diante dos nossos olhos, diversas personagens vão entrando no palco e apresentam-nos Jesus. As declarações que lhes são postas na boca não são palavras de circunstância, mas são afirmações categóricas, carregadas de significado teológico, que nos convidam a mergulhar no mistério de Jesus. O quadro final que resulta destas diversas intervenções apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, que possui o Espírito e que veio ao encontro dos homens para fazer aparecer o Homem Novo, nascido da água e do Espírito.

    João Baptista tem um lugar especial neste contexto de apresentação de Jesus. O seu testemunho aparece no início e no fim da secção – cf. Jo 1,19-37; 3,22-36), como se ele tivesse mais a dizer do que qualquer outro. De facto, a catequese cristã sempre o viu como “o percursor do Messias”, aquele que Deus enviou para preparar os homens para acolherem Jesus.

    O nosso texto põe ainda em cena três discípulos: André, um outro discípulo não identificado e Simão Pedro. Os dois primeiros são apresentados como discípulos de João e é por indicação de João que seguem Jesus. Trata-se de um quadro de vocação que difere substancialmente dos relatos de chamamento dos primeiros discípulos apresentados pelos sinópticos (cf. Mt 4,18-22; Mc 1,16-20; Lc 5,1-11). Em todo o caso, estamos diante de um modelo de chamamento e de seguimento de Jesus, mais do que uma reportagem sobre um acontecimento real.

    MENSAGEM

    O quadro inicial situa-nos junto do rio Jordão (vers. 35-37). Em cena estão, inicialmente, três personagens: João Batista e dois dos seus discípulos. Os discípulos referidos são, certamente, homens que tinham escutado a pregação de João e recebido o seu baptismo. Estavam disponíveis para romper com a “vida velha” e para acolher o Messias que Israel esperava ansiosamente e que, segundo João, estava para chegar.

    Entretanto, Jesus entra em cena. João viu Jesus “que passava” e indicou-O aos seus dois discípulos, dizendo: “eis o cordeiro de Deus” (vers. 36). João é uma figura estática, cuja missão é meramente circunstancial e consiste apenas em preparar os homens para acolher o Messias libertador; quando esse Messias “passa”, a missão de João termina e começa uma nova realidade. João está plenamente consciente disso… Não procura prolongar o seu protagonismo ou conservar no seu círculo restrito esses discípulos que durante algum tempo o escutaram e que beberam a sua mensagem. Ele sabe que a sua missão não é congregar à sua volta um grupo de adeptos, mas preparar o coração dos homens para acolher Jesus e a sua proposta libertadora. Por isso, na ocasião certa, indica Jesus aos seus discípulos e convida-os a segui-l’O.

    A expressão “eis o cordeiro de Deus”, usada por João para apresentar Jesus, fará, provavelmente, referência ao “cordeiro pascal”, símbolo da libertação oferecida por Deus ao seu Povo, prisioneiro no Egipto (cf. Ex 12,3-14. 21-28). Esta expressão define Jesus como o enviado de Deus, que vem inaugurar a nova Páscoa e realizar a libertação definitiva dos homens. A missão de Jesus consiste, portanto, em eliminar as cadeias do egoísmo e do pecado que prendem os homens à escravidão e que os impedem de chegar à vida plena.

    Depois da declaração de João, os discípulos reconhecem em Jesus esse Messias com uma proposta de vida verdadeira e seguem-n’O. “Seguir Jesus” é uma expressão técnica que o autor do Quarto Evangelho aplica, com frequência, aos discípulos (cf. Jo 1,43; 8,12; 10,4; 12,26; 13,36; 21,19). Significa caminhar atrás de Jesus, percorrer o mesmo caminho de amor e de entrega que Ele percorreu, adotar os mesmos objetivos de Jesus e colaborar com Ele na missão. A reação dos discípulos é imediata. Não há aqui lugar para dúvidas, para desculpas, para considerações que protelem a decisão, para pedidos de explicação, para procura de garantias… Eles, simplesmente, “seguem” Jesus.

    Num segundo quadro, somos convidados a assistir a um diálogo entre Jesus e os dois discípulos (vers. 38-39). A pergunta inicial de Jesus (“que procurais?”) sugere que é importante, para os discípulos, terem consciência do que esperam de Jesus, daquilo que Jesus lhes pode oferecer. O autor do Quarto Evangelho insinua aqui, talvez, que há quem segue Jesus por motivos errados, procurando n’Ele a realização de objetivos pessoais que estão muito longe da proposta que Jesus veio fazer.

    Os discípulos respondem com uma pergunta (“Rabi, onde moras?”). Nela, está implícita a sua vontade de aderir totalmente a Jesus, de aprender com Ele, de habitar com Ele, de estabelecer comunhão de vida com Ele. Ao chamar-Lhe “Rabi”, indicam que estão dispostos a seguir as suas instruções, a aprender com Ele um modo de vida; a referência à “morada” de Jesus indica que eles estão dispostos a ficar perto de Jesus, a partilhar a sua vida, a viver sob a sua influência. É uma afirmação respeitosa de adesão incondicional a Jesus e ao seu seguimento.

    Jesus convida-os: “vinde ver”. O convite de Jesus significa que Ele aceita a pretensão dos discípulos e os convida a segui-l’O, a aprender com Ele, a partilhar a sua vida. Os discípulos devem “ir” e “ver”, pessoalmente, pois a identificação com Jesus não é algo a que se chega por simples informação, mas algo que se alcança apenas por experiência pessoal de adesão, comunhão e encontro com Ele.

    Os discípulos aceitam o convite e fazem a experiência da partilha da vida com Jesus. Essa experiência direta convence-os a ficar com Jesus (“ficaram com Ele nesse dia”). Nasce, assim, a comunidade do Messias, a comunidade da nova aliança. É a comunidade daqueles que encontram Jesus que passa, procuram n’Ele a verdadeira vida e a verdadeira liberdade, identificam-se com Ele, aceitam segui-l’O no caminho que Ele apontar, estão dispostos a uma vida de total comunhão com Ele.

    Num terceiro quadro (vers. 40-41), os discípulos tornam-se testemunhas. É o último passo deste “caminho vocacional”: quem encontra Jesus e experimenta a comunhão com Ele, não pode deixar de se tornar testemunha da sua mensagem e da sua proposta libertadora. Trata-se de uma experiência tão marcante que transborda os limites estreitos do próprio eu e se torna anúncio libertador para os irmãos. O encontro com Jesus, se é verdadeiro, conduz sempre a uma dinâmica missionária.

    INTERPELAÇÕES

    • Começamos há poucos dias um novo ano. Que programa temos para o caminho? O autor do Quarto Evangelho tem uma proposta irrecusável a fazer-nos para este ano… Convida-nos a redescobrir Jesus que passa, a ir atrás dele, a entrar na casa dele, a partilhar a sua vida e o seu projeto, a interiorizar as suas atitudes fundamentais… Se aceitarmos, espera-nos uma aventura inolvidável, uma experiência profundamente libertadora, um percurso que nos conduzirá a uma Vida de plena realização. Aceitamos o convite?
    • “Que procurais?” – pergunta Jesus àqueles dois discípulos que ousaram ir atrás dele… A todos nós que nos sentimos insatisfeitos, que não nos conformamos com a mediocridade, que temos sede de mais humanidade e de mais paz, que não estamos dispostos a passar o nosso tempo de vida comodamente refugiados na nossa estéril zona de conforto, que nos questionamos sobre a forma como o nosso mundo está a ser construído, Jesus pergunta também: “Que procurais?” Estamos conscientes de que Jesus é a fonte que pode saciar a nossa sede de Vida? E estamos disponíveis para dar testemunho de Jesus a todos os homens e mulheres que vivem perdidos no labirinto da vida e que não sabem como dar sentido à sua existência?
    • De acordo com esta bela página do Evangelho segundo João, a adesão a Jesus só pode ser radical e absoluta, sem meias tintas nem hesitações. Os dois primeiros discípulos não discutiram o “ordenado” que iam ganhar, se a aventura tinha futuro ou se estava condenada ao fracasso, se o abandono de um mestre para seguir outro representava uma promoção ou uma despromoção, se o que deixavam para trás era importante ou não era importante; simplesmente “seguiram Jesus”, sem garantias, sem condições, sem explicações supérfluas, sem “seguros de vida”, sem se preocuparem em salvaguardar o futuro se a aventura não desse certo. A aventura da vocação é sempre – e para nós também – um salto, decidido e sereno, para os braços de Deus.
    • André e o outro discípulo contaram com a ajuda de João Batista para encontrar Jesus e se decidirem a ir atrás dele. Este pormenor lembra-nos o papel dos irmãos da nossa comunidade na nossa caminhada de fé e na nossa descoberta de Jesus. A fé não é um caminho solitário, que cada um percorre isoladamente; mas é uma experiência comunitária, vivida no diálogo e na partilha com os irmãos e irmãs que caminham ao nosso lado e com quem nos reunimos, ao menos no “dia do Senhor”, para rezar e celebrar. A comunidade cristã é o espaço habitual onde a minha fé se expressa, se concretiza, se confronta e se desenvolve?
    • O encontro com Jesus é um caminho que tem de me levar ao encontro dos irmãos e que deve tornar-se, em qualquer tempo e em qualquer circunstância, anúncio e testemunho. Quem experimenta a vida e a liberdade que Cristo oferece, não pode calar essa descoberta; mas deve sentir a necessidade de a partilhar com os outros, a fim de que também eles possam encontrar o verdadeiro sentido para a sua existência. “Encontrámos o Messias” deve ser o anúncio jubiloso de quem encontrou Jesus, fez com Ele uma verdadeira experiência de vida nova e anseia por levar os irmãos a uma descoberta semelhante.
    • João Baptista nunca procurou apontar os holofotes para a sua própria pessoa e criar um grupo de adeptos ou seguidores que satisfizessem a sua vaidade ou a sua ânsia de protagonismo… A sua preocupação foi apenas preparar o coração dos seus concidadãos para acolher Jesus. Depois, retirou-se discretamente para a sombra, deixando que os projetos de Deus seguissem o seu curso. João ensina-nos a nunca nos tornarmos protagonistas ou a atrair sobre nós as atenções; a sermos testemunhas de Jesus, não de nós próprios.

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 2.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. PALAVRA DE VIDA.

    Rosto de Deus, de Cristo, da Igreja… Acolhemos o Rosto de Deus que está acima de tudo e está tão próximo de nós, que nos dá gratuitamente todos os seus dons. Acolhemos o Rosto do Filho muito amado, revelação da ternura e do amor do Pai, saboreando com Cristo o gosto infinito da relação íntima e única que O une ao Abba, Pai. Acolhemos na nossa fé o Rosto da Palavra, que nos compromete no seu anúncio.

     

    3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Dar atenção à oração universal… Na oração universal, os fiéis exercem a função sacerdotal que receberam no Batismo. Seria bom, de vez em quando, solenizar este momento e sublinhar que não se trata de alinhar uma lista de intenções, mas de se comprometer nos pedidos feitos a Deus. A formulação é, pois, importante, mas também a maneira de pronunciar estas intenções e de fazer participar a assembleia. Para dar mais importância à oração, aqueles que a pronunciam podem colocar-se de joelhos diante do altar ou ao pé da cruz. Algumas pessoas podem acompanhá-los, em silêncio, e mantêm simplesmente as mãos erguidas durante a oração.

     

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    «Aqui estou!» A minha resposta à maneira de Samuel… Como, sob que forma, não necessariamente explícita, foi dada esta resposta? Que escolhas mais ou menos importantes ela provocou? Que consequências teve a seguir? Que balanço fazer hoje? Faço regularmente um balanço espiritual da minha vida? Esta semana, é importante voltar a dizer “aqui estou”, com generosidade, liberdade e felicidade…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Santo Antão, Abade

    Santo Antão, Abade


    17 de Janeiro, 2024

    S. Antão nasceu em 252, no Egipto Médio. Os seus pais eram ricos proprietários rurais. Quando tinha 20 anos, ao entrar numa igreja, ouviu proclamar Mt 10, 21: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens..." Fulminado pelo convite de Jesus, vendeu os campos recebidos em herança, reservando uma parte deles para a sua irmã, e iniciou a vida ascética. Primeiro juntou-se a um velho monge, perto da sua aldeia. Depois, encerrou-se num sepulcro cerca de 13 anos. Submetido a fortes tentações do demónio, empenhou-se ainda mais na luta ascética, fixando-se num fortim abandonado, onde permaneceu vinte anos. Em 306, deixou o seu retiro aceitando receber discípulos. Para escapar aos malefícios da fama, que começava a rodeá-lo, refugiou-se no monte Kolzum. Aí morreu a 17 de Janeiro de 356, com a idade de cento e cinco anos, muitos dos quais passados a ensinar os anacoretas, a curar os enfermos, e a refutar os hereges. Embora rigorosamente não tenha sido o primeiro monge o seu ministério carismático e autorizado fez dele, para sempre, o pai dos monges. A sua vida, escrita pelo seu contemporâneo e amigo, S. Atanásio, tornou-se a "primeira regra" para quem optava pela vida ascética nos ermos.
    Primeira Leitura: Miqueias, 6, 6-8

    Com que me apresentarei ao Senhor, e me prostrarei diante do Deus excelso? Irei à sua presença com holocaustos, com novilhos de um ano? 7Porventura o Senhor receberá com agrado milhares de carneiros ou miríades de torrentes de azeite? Hei-de sacrificar-lhe o meu primogénito pelo meu crime, o fruto das minhas entranhas pelo meu próprio pecado? 8Já te foi revelado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor requer de ti: nada mais do que praticares a justiça, amares a lealdade e andares humildemente diante do teu Deus.

    Recorrendo ao género literário chamado "requisitório judicial", o profeta procura levar o povo a ser fiel à Aliança. Tocado no seu íntimo, por reconhecer não ter correspondido ao amor do Senhor, o fiel pergunta: "Com que me apresentarei ao Senhor, e me prostrarei diante do Deus excelso?" (v. 6). O profeta recusa a oferta de sacrifícios exteriores, exigindo a conversão verdadeira, que leve a "praticar a justiça, amar a lealdade e andar humildemente diante do teu Deus" (cf. v. 8). É a essência da verdadeira religião interior, o compêndio da Lei e dos Profetas, o antecipado sumário religioso proposto por Jesus (cf. Mt 22,34-40). É a religião, não como objeto em si mesma, mas como veícolo de diálogo com Deus e com os homens. O amor como fundamento das relações humanas e divinas. E isto dito no século VIII a. C.
    Evangelho: Mateus 19, 16-21
    Naquele tempo, quando se punha a caminho, alguém correu para Jesus e ajoelhou-se, perguntando: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» 18Jesus disse: «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um só: Deus. 19Sabes os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes, honra teu pai e tua mãe.» 20Ele respondeu: «Mestre, tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude.» 21Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.»

    O encontro de Jesus com o jovem rico é referido pelos três Sinópticos. Mas só Mateus fala de "um jovem", chamando a Jesus "Mestre". Marcos e Lucas acrescentam: "bom Mestre".
    Jesus propõe ao jovem as exigências do Reino, da "perfeição", isto é, a renúncia aos próprios bens em favor dos pobres e o seu seguimento incondicional. O jovem fica triste, porque punha a sua alegria exactamente nesses bens, e não queria deixá-los. Faltava-lhe, pois, a única coisa necessária: um coração livre e bem disposto para acolher aquela "vida eterna" que dizia desejar.
    Não se pode seguir Jesus sem estar dispostos a quebrar as amarras que impeçam a dociliddade e a obediência ao Mestre divino. Ele olha para todos com amor. Mas só se deixa atrair por aqueles que têm um coração humilde, pobre e livre.
    Meditatio

    Pensando em S. Antão, e no movimento monástico a que a sua vida e os seus ensinamentos deram um decisivo impulso, as leituras, que hoje escutamos, suscitam em nós uma verdadeira comoção. Antão escutou-as como Palavra do Senhor dirigida a ele. A sua resposta foi generosa, radical, iniciando um itinerário espiritual que nos pode inspirar. Antão desejava ardentemente agradar a Deus, e deixou-se conduzir pelo Espírito na busca do caminho adequado. A primeira resposta, quando se libertou os bens terrenos, abriu-o a um compromisso cada vez mais exigente e forte na busca humilde de Deus, longe dos olhares dos homens. Vencidas as paixões, Antão pôde servir serenamente os outros, tornando-se para todos um amigo, um irmão, um pai. Assim ensinou e cuidou daqueles que o procuraram como mestre de ascetismo, inventando, por assim dizer, um novo modelo de vida cristã, caracterizado pela liberdade, pela ascese, pela fidelidade à Palavra, pelo amor a Cristo e ao próximo. Reconhecido como "pai dos monges", S. Antão é, sobretudo, um modelo de vida cristã empenhada. Escreve S. Atanásio: "Antão trabalhava com as suas mãos, pois ouvira a palavra da Escritura: Quem não quiser trabalhar não coma". Do fruto do seu trabalho destinava parte para comprar o pão que comia; o resto distribui-o pelos pobres. Rezava constantemente, pois aprendera que é preciso rezar interiormente, sem cessar; era tão atento à leitura que nada lhe esquecia do que tinha lido na Escritura: tudo retinha de tal maneira que a sua memória acabou por substituir o livro".
    Oratio

    Senhor, dá-me ouvidos para escutar a tua Palavra e coração para a acolher. Que ela transforme a minha vida e me faça progredir decididamente pelo caminho que me chamas a percorrer e apoias com as tuas graças. Enche-me do teu Espírito, aquele grande Espírito de fogo que acendestes em S. Antão. Que esse mesmo Espírito me leve a viver no bulício do mundo, ou na paz da vida consagrada, aquela vida heroica que S. Antão viveu na solidão do deserto e, sobretudo, me leve a renunciar a mim mesmo para Te amar acima de todas as coisas. Ámen.
    Contemplatio

    Desde o sermão da montanha, Nosso Senhor tinha indicado os conselhos de perfeição: «Há, dizia, um caminho estreito, mas são raros os que o encontram». Propunha já a pobreza voluntária: «Não acumuleis tesouros sobre a terra, onde a traça e os vermes os corroem, onde os ladrões escavam e roubam. Vendei o que tendes e fazei esmolas. Preparai tesouros no céu... Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração» (Mt 6). Depois vem a aplicação. Um jovem de nobre família vem lançar-se aos pés de Jesus, perguntando-lhe qual é o melhor caminho a seguir. O Coração de Jesus é tocado, observa com afeto o jovem, ama-o, propõe-lhe os conselhos de perfeição. É uma vocação: «vai, diz-lhe, vende o que tens, dá-o aos pobres, e vem comigo. Que graça insigne! Ser chamado por Jesus a viver com ele, abandonando-se à sua providência! (L. Dehon, OSP 4, p. 105).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Quem quer vencer as tentações, não confie em si mas em Deus» (Pensamento de S. Antão, citado por S. Atanásio).

     

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    Santo Antão, Abade (17 Janeiro)

  • 03º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    03º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    21 de Janeiro, 2024

    Ano B

    3.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 3.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 3.º Domingo do Tempo Comum lembra-nos que Deus conta connosco para sermos arautos, no mundo, da sua Vida e da sua salvação; e desafia-nos a acolher de braços abertos o chamamento que, nesse sentido, Deus nos dirige.

    A primeira leitura diz-nos – através da história do envio do profeta Jonas a pregar a conversão aos habitantes de Nínive – que Deus ama todos os homens e a todos chama à salvação. Jonas, mesmo contra vontade, vai ser o instrumento de Deus para que os ninivitas repensem o caminho que estão a seguir e deem um novo sentido às suas vidas.

    No Evangelho, Marcos descreve-nos os primeiros passos de Jesus no anúncio do Reino de Deus; e, na sequência, mostra-nos o convite que Jesus deixa a alguns discípulos no sentido de colaborarem com Ele na construção do Reino.

    A segunda leitura convida o cristão a ter consciência de que “o tempo é breve” – isto é, que as realidades e valores deste mundo são passageiros e não devem ser absolutizados. Deus convida cada cristão, em marcha pela história, a viver de olhos postos no mundo futuro – quer dizer, a dar prioridade aos valores eternos, a converter-se aos valores do “Reino”.

     

    LEITURA I – Jonas 3,1-5.10

    A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas nos seguintes termos:
    «Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive
    e apregoa nela a mensagem que Eu te direi».
    Jonas levantou-se e foi a Nínive,
    conforme a palavra do Senhor.
    Nínive era uma grande cidade aos olhos de Deus;
    levava três dias a atravessar.
    Jonas entrou na cidade, caminhou durante um dia
    e começou a pregar nestes termos:
    «Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída».
    Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus,
    proclamaram um jejum
    e revestiram-se de saco, desde o maior ao mais pequeno.
    Quando Deus viu as suas obras
    e como se convertiam do seu mau caminho,
    desistiu do castigo com que os ameaçara
    e não o executou.

     

    CONTEXTO

    O “Livro de Jonas” foi, muito provavelmente, escrito na segunda metade do séc. V a.C., entre 440 e 410 a.C. Conta-nos uma história bonita e edificante, mas que provavelmente não é real. Trata-se de um texto que poderíamos classificar no género “ficção didática”. Dito de outra forma: o Livro de Jonas não é uma coleção de oráculos proféticos proferidos por um homem chamado Jonas, nem sequer um relato de caráter histórico; mas é uma obra de ficção, escrita com a finalidade de ensinar e educar.

    Estamos nos anos posteriores ao Exílio na Babilónia. A política dos líderes judaicos – especialmente Esdras e Neemias – favorecia o nacionalismo e o fechamento do Povo de Deus aos outros povos. Por um lado, sublinhava-se o facto de Judá ser o Povo Eleito de Deus, o povo preferido de Deus, um povo diferente de todos os outros; por outro, considerava-se que todos os outros povos eram inimigos de Deus, odiados por Deus, que deviam ser inapelavelmente condenados e destruídos por Deus.

    Reagindo contra a ideologia dominante, o autor do “Livro de Jonas” apresenta Javé como um Deus universal, cuja bondade e misericórdia se estendem a todos os povos, sem exceção. A escolha de Nínive como a cidade destinatária da ação salvadora de Deus não é casual: Nínive, situada na margem oriental do rio Tigre, capital do império assírio a partir de Senaquerib, tinha ficado na consciência dos habitantes de Judá como símbolo do imperialismo e da mais cruel agressividade contra o Povo de Deus (cf. Is 10,5-15; Sof 2,13-15).

    É precisamente esta cidade que Javé quer salvar. Por isso, chama Jonas e convida-o a ir a Nínive pregar a conversão. No entanto, Jonas, como os outros seus contemporâneos, não está interessado em que Javé perdoe aos opressores do Povo de Deus e recusa-se a cumprir o mandato divino. Em lugar de se dirigir para Nínive, no Oriente, toma o barco para Társis, no Ocidente. Na sequência de uma tempestade, Jonas é atirado ao mar e engolido por um peixe. Mais tarde, o peixe vai depositá-lo em terra firme. Jonas é, de novo, chamado por Deus para a missão em Nínive.

    MENSAGEM

    O texto começa com Jonas a receber o segundo mandato de Javé para ir a Nínive. Jonas aceita, desta vez, a missão, vai a Nínive e anuncia aos ninivitas a destruição da sua cidade. Contra todas as expectativas, os ninivitas escutam-no e fazem penitência. Constatando a boa vontade dos ninivitas e a forma como eles acolhem o convite à conversão, Deus desiste do castigo.

    A primeira lição da “parábola” é a da universalidade do amor de Deus. Deus ama todos os homens, sem exceção, e sobre todos quer derramar a sua bondade e a sua misericórdia. Mais: Deus ama mesmo os maus, os injustos e opressores e até a esses oferece a possibilidade de salvação. Deus não ama o pecado, mas ama os pecadores. Ele não quer a morte do pecador, mas que este se converta e viva.

    A segunda lição da nossa “parábola” brota da resposta dada pelos ninivitas ao desafio de Deus. Ao descrever a forma imediata e radical como os ninivitas “acreditaram em Deus” e se converteram “do seu mau caminho” (ao contrário do que, tantas vezes, acontecia com o próprio Povo de Deus), o autor sugere, com alguma ironia, que esses pagãos, considerados como maus, prepotentes, injustos e opressores são capazes de estar mais atentos aos desafios de Deus do que o próprio Povo eleito. Desta forma, o autor desta história denuncia uma certa visão nacionalista, particularista, exclusivista e xenófoba, que estava em moda na sua época entre os seus contemporâneos. Desafia o seu Povo a aceitar que Javé seja um Deus misericordioso, que oferece o seu amor e a sua salvação a todos os homens, até aos maus. Desafia, ainda, os habitantes de Judá a assumirem a mesma lógica de Deus – lógica de bondade, de misericórdia, de perdão, de amor sem limites – e a não verem nos outros homens inimigos que merecem ser destruídos, mas irmãos que é preciso amar.

    Uma terceira lição resulta do chamamento de Jonas e da forma como o profeta responde ao apelo de Deus. Lembra-nos que Deus, para intervir no mundo, conta connosco. Por isso, Ele chama-nos e envia-nos. É através de nós, seus profetas, que Ele fala aos homens e lhes aponta os caminhos que conduzem à Vida. Se nós não aceitarmos a missão, estaremos a defraudar o projeto de Deus e a impedir que a salvação de Deus chegue aos homens e mulheres que caminham ao nosso lado. O profeta – aquele que Deus chama a ser sua voz no mundo – não tem o direito de se esconder, de se demitir, de se afastar quando Deus precisa dele. Quando o profeta ousa vencer os seus medos e resolve comprometer-se na missão, Deus fará coisas extraordinários, apesar da fragilidade e da debilidade do mensageiro.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Nesta catequese que nos é oferecida pelo autor do Llivro de Jonas tomemos nota, antes de mais, daquilo que se sugere sobre Deus. Segundo o nosso catequista, Deus ama todos os homens e mulheres, sem exceção e de forma incondicional. Ele ama até os maus e os opressores; no seu coração de Pai, todos têm lugar. Esta lógica exclui, naturalmente, a eliminação do pecador: Deus não quer a morte de nenhum dos seus filhos; o que quer é que eles se convertam e percorram, de mãos dadas com Ele, o caminho que conduz à Vida plena, à felicidade sem fim. É este Deus que somos chamados a descobrir, a aceitar e a amar. O nosso caminho é mais leve e mais feliz quando sabemos que, seja qual for a amplitude dos nossos fracassos, o nosso Deus nunca nos descartará.
    • Nós temos, por vezes, alguma dificuldade em aceitar esta lógica de Deus. Em certas circunstâncias, preferíamos um Deus mais duro e exigente, que se impusesse decisivamente aos maus, que frustrasse os seus projetos de violência e de injustiça, que não desse qualquer hipótese àqueles que ameaçam o nosso bem-estar e a nossa segurança, que condenasse ostensivamente aqueles que não partilham a nossa visão da fé… A Palavra de Deus que hoje nos é servida apresenta-nos um Deus de coração misericordioso, que escancara as portas a todos e que ama até aqueles que consideramos maus. Deus deve converter-se à nossa lógica, ou seremos nós que devemos converter-nos à lógica de Deus? Diante desse Deus que nunca fecha a porta a ninguém, fará algum sentido olharmos para o mundo que está para além das portas das nossas igrejas como um mundo que nos ameaça e diante do qual temos de assumir uma atitude defensiva e condenatória?
    • O texto sugere também que aqueles que consideramos “maus” estão, por vezes, mais disponíveis para acolher os desafios de Deus e para escutar o seu chamamento, do que os “bons”. Muitas vezes, aqueles que têm comportamentos “certinhos”, religiosamente corretos, podem estar de tal forma instalados nas suas certezas absolutas, que já não tenham espaço para se deixarem questionar por Deus. Teremos disponibilidade para pôr em causa as nossas seguranças e as nossas certezas inabaláveis para nos deixarmos desafiar pela contínua novidade de Deus e pelo seu sempre renovado convite à conversão?
    • Há também neste texto uma severa denúncia do racismo, da exclusão, da marginalização, da xenofobia. A Palavra de Deus alerta-nos para a necessidade de ver em cada pessoa que caminha ao nosso lado um irmão, independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua cultura, das suas diferenças, ou até da sua bondade ou maldade. Como vemos e como acolhemos os nossos irmãos imigrantes que a vida trouxe até nós e que colaboram connosco na construção do mundo: como inimigos, culpados por todos os males do universo, ou como irmãos por quem somos responsáveis e que Deus nos convida a acolher e a amar? Como nos situamos face aos nossos irmãos diferentes – pela raça, pela cultura, pelos valores, pelos hábitos de vida: como gente que nos incomoda e que temos de afastar para o mais longe possível, ou como irmãos que nos podem ajudar a questionar as nossas cómodas certezas, as nossas seguranças absolutas, os nossos preconceitos inabaláveis?
    • Jonas, o homem que Deus chamou, mas que procurou evitar comprometer-se na missão, convida-nos a reflectir sobre a resposta que temos dado ao chamamento de Deus. O nosso comodismo, o nosso bem-estar, os nossos medos, o nosso egoísmo, a nossa miopia, alguma vez nos impediram de acolher o chamamento de Deus e de abraçar a missão que Deus nos entregou? E temos consciência de que ignorar os desafios de Deus é, em boa parte, falhar o sentido da nossa vida?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 24 (25)

    Refrão: Ensinai-me, Senhor, os vossos caminhos.

    Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,
    ensinai-me as vossas veredas.
    Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,
    porque Vós sois Deus, meu Salvador.

    Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias
    e das vossas graças, que são eternas.
    Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência,
    por causa da vossa bondade, Senhor.

    O Senhor é bom e reto,
    ensina o caminho aos pecadores.
    Orienta os humildes na justiça
    e dá-lhes a conhecer os seus caminhos.

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 7,29-31

    O que tenho a dizer-vos, irmãos,
    é que o tempo é breve.
    Doravante,
    os que têm esposas procedam como se as não tivessem;
    os que choram, como se não chorassem;
    os que andam alegres, como se não andassem;
    os que compram, como se não possuíssem;
    os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem.
    De facto, o cenário deste mundo é passageiro.

     

    CONTEXTO

    As Cartas de Paulo aos Coríntios – e particularmente a primeira – refletem a realidade de uma comunidade jovem, viva e entusiasta, mas com problemas e dificuldades muito particulares… As luzes e sombras da comunidade cristã de Corinto resultam, em parte, de ser uma comunidade que provém do mundo grego – isto é, de um mundo animado e estruturado por dinamismos muito próprios, com uma grande vitalidade, mas ao mesmo tempo com valores e dinâmicas que tornam difícil o acolhimento dos valores de Jesus. Na comunidade cristã de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em se inserir num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.

    Um dos sectores onde se nota particularmente o choque entre a fé cristã e a cultura helénica é nas questões de ética sexual. Neste âmbito, a cultura coríntia balouçava entre dois extremos: por um lado, um grande laxismo (como era normal numa cidade marítima, onde chegavam marinheiros de todo o mundo e onde reinava Afrodite, a deusa grega do amor); por outro lado, um desprezo absoluto pela sexualidade (típico de certas escolas influenciadas pela filosofia platónica, que consideravam a matéria um mal e que faziam do não casar um ideal absoluto).

    O desejo de Paulo é o de apresentar um caminho equilibrado, face a estes exageros: condenação sem apelo de todas as formas de desordem sexual, defesa do valor do casamento, elogio do celibato (cf. 1 Cor 7).

    Provavelmente, os coríntios tinham consultado Paulo acerca do melhor caminho a seguir – o do matrimónio ou o do celibato. Paulo responde-lhes na primeira carta que lhes dirige (cf. 1 Cor 7). O texto da segunda leitura deste domingo é parte dessa resposta. Paulo considera que não tem, a este propósito, “nenhum preceito do Senhor”; no entanto, o seu parecer é que quem não está comprometido com o casamento deve continuar assim e quem está comprometido não deve “romper o vínculo” (1 Cor 7,25-28).

    MENSAGEM

    Na perspetiva de Paulo, os cristãos não devem esquecer que “o tempo é breve”, quando tiverem que fazer as suas opções – nomeadamente, quando tiverem que fazer a sua escolha entre o casamento ou o celibato. Em concreto, o que é que isto significa?

    O cristão vive mergulhado nas realidades terrenas, mas não vive para elas. Ele sabe que as realidades terrenas são passageiras e efémeras e não devem ser absolutizadas. Para o cristão, o que é fundamental e deve ser posto em primeiro lugar são as realidades eternas… E o cristão, embora estimando e amando as realidades deste mundo, pode renunciar a elas em vista de um bem maior. O mais importante, para um cristão, deve ser sempre o amor a Cristo e a adesão ao Reino. Tudo o resto, mesmo que seja muito importante, deve subjugar-se a isto.

    Na sua catequese aos coríntios, o apóstolo aplica estes princípios à questão do casamento/celibato. Para ele, o casamento é uma realidade importante (ele considera que tanto o casamento como o celibato são dons de Deus – cf. 1 Cor 7,7); mas não deixa de ser uma realidade terrena e efémera, que não deve, por isso, ser absolutizada. Paulo nunca diz que o casamento seja uma realidade má ou um caminho a evitar; mas é evidente, nas suas palavras, uma certa predileção pelo celibato… Na sua perspetiva, o celibato leva vantagem enquanto caminho que aponta para as realidades eternas: anuncia a vida nova de ressuscitados que nos espera, ao mesmo tempo que facilita um serviço mais eficaz a Deus e aos irmãos (cf. 1 Cor 7,32-38).

    Para percebermos melhor a lógica de Paulo, devemos ter em conta o ambiente escatológico que se respirava nas primeiras comunidades. Para os crentes a quem a Primeira Carta aos Coríntios se destinava, a segunda e definitiva vinda de Jesus estava iminente; era preciso, portanto, relativizar as realidades transitórias e efémeras, entre as quais se contava o casamento.

    INTERPELAÇÕES

    • A todo o instante somos colocados diante de realidades diversas e contrastantes e temos de fazer as nossas escolhas. A mentalidade dominante, a moda, o politicamente correto, os nossos preconceitos e interesses egoístas interferem frequentemente com as nossas opções e impõem-nos valores que nem sempre são geradores de liberdade, de paz, de vida verdadeira. Mais grave, ainda: muitas vezes, endeusamos determinados valores efémeros e passageiros, que nos fazem perder de vista os valores autênticos, verdadeiros, definitivos. O texto sugere um princípio a ter em conta, a propósito desta questão: os valores deste mundo, por mais importantes e interessantes que sejam, não devem ser absolutizados. Não se trata de desprezar as coisas boas que o mundo coloca à nossa disposição; mas trata-se de não colocar nelas, de forma incondicional, a nossa esperança, a nossa segurança, o objetivo último da nossa vida. Como me situo face a isto? Até que ponto os valores efémeros a que dou importância me condicionam e me impedem de olhar para horizontes mais vastos e mais puros?
    • Na verdade, o cristão deve viver com a consciência de que “o tempo é breve”. Ele sabe que a sua vida não encontra sentido pleno e absoluto nesta terra e que a sua passagem por este mundo é uma peregrinação ao encontro dessa vida verdadeira e definitiva que só se encontra na comunhão plena com Deus. Para chegar a atingir esse objetivo último, o cristão deve converter-se a Cristo e segui-l’O no caminho do amor, da entrega, do serviço aos irmãos. Tudo aquilo que deixa um espaço maior para essa adesão a Cristo e ao seu caminho deve ser valorizado e potenciado. É aí que deve ser colocada a nossa aposta.

     

    ALELUIA – Marcos 1,15

    Aleluia. Aleluia.

    Está próximo o reino de Deus;
    arrependei-vos e acreditai no Evangelho.

     

    EVANGELHO – Marcos 1,14-20

    Depois de João ter sido preso,
    Jesus partiu para a Galileia
    e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo:
    «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus.
    Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».
    Caminhando junto ao mar da Galileia,
    viu Simão e seu irmão André,
    que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores.
    Disse-lhes Jesus:
    «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens».
    Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O.
    Um pouco mais adiante,
    viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João,
    que estavam no barco a consertar as redes;
    e chamou-os.
    Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados
    e seguiram Jesus.

     

    CONTEXTO

    A primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30) tem como objetivo fundamental levar à descoberta de Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação. Este percurso de descoberta do Messias que o catequista Marcos nos propõe termina em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe (que é, evidentemente, a confissão que se espera de cada crente, depois de ter acompanhado o percurso de Jesus a par e passo): “Tu és o Messias”.

    O texto que nos é hoje proposto aparece, exatamente, no princípio desta caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Neste texto, Marcos apresenta aos seus leitores os primeiros passos da ação do Messias libertador.

    O lugar geográfico em que o texto nos situa é a Galileia: uma região situada a norte da Palestina, em permanente contacto com os territórios pagãos e, por isso, considerada pelas autoridades religiosas de Jerusalém uma terra de onde “não podia vir nada de bom”. Terra insignificante e sem especial relevo na história religiosa do Povo de Deus, a “Galileia dos gentios” parecia condenada a continuar uma região esquecida, marginalizada, por onde nunca passariam os caminhos de Deus e a proposta libertadora do Messias.

    Uma referência ainda ao “mar”, chamado “da Galileia”, em cujas margens Jesus encontrou os seus primeiros discípulos: trata-se de um lago de água doce, com cerca de 21 km de comprimento e 11 de largura máxima, na época de Jesus rico em peixe e com as margens cobertas de vegetação abundante, incluindo vinhedos. Era também chamado “mar de Kineret”, ou “mar de Tiberíades”. Nas suas margens situavam-se diversas cidades referidas nos evangelhos: Magdala, Corozaim, Betsaida e Cafarnaum.

    MENSAGEM

    O texto evangélico deste dia divide-se em duas partes. Na primeira, Marcos faz uma espécie de resumo da pregação inicial de Jesus (cf. Mc 1,14-15); na segunda, apresenta os primeiros passos da comunidade dos discípulos – a comunidade do Reino (cf. Mc 1,16-20).

    No breve resumo da pregação inicial de Jesus, Marcos coloca na boca de Jesus as seguintes palavras: “cumpriu-se o tempo e está próximo o Reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1, 15). Na expressão “cumpriu-se o tempo”, a palavra grega utilizada por Marcos e que traduzimos por “tempo” (“kairós”) refere-se a um tempo bem distinto do tempo material (“chronos”), que é o tempo medido pelos relógios. Poderia traduzir-se como “de acordo com o projeto de salvação que Deus tem para o mundo, chegou a altura determinada por Deus para o cumprimento das suas promessas”.

    Que “tempo” é esse que “se aproximou” dos homens e que está para começar? É o “tempo” do “Reino de Deus”. A expressão – tão frequente no Evangelho segundo Marcos – leva-nos a um dos grandes sonhos do Povo de Deus… A catequese de Israel referia-se, com frequência, a Javé como a um rei que, sentado no seu trono, governa o seu Povo. Mesmo quando Israel passou a ter reis terrenos, esses eram considerados apenas como homens escolhidos e ungidos por Javé para governar o Povo, em lugar do verdadeiro rei que era Deus. O exemplo mais típico de um rei/servo de Javé, que governou Israel submetendo-se à vontade de Deus, foi David. A saudade deste rei ideal e do tempo ideal de paz e de felicidade em que Javé reinava, através de David, sobre o seu povo vai marcar toda a história futura de Israel. Nas épocas de crise e de frustração nacional, quando reis medíocres conduziam a nação por caminhos de morte e de desgraça, o Povo sonhava com o regresso aos tempos gloriosos de David. Os profetas, por sua vez, vão alimentar a esperança do Povo anunciando a chegada de um tempo, no futuro, em que Javé vai voltar a reinar sobre Israel e vai restabelecer a situação ideal da época de David. Essa missão, na perspetiva profética, será confiada a um “ungido” que Deus vai enviar ao seu Povo. Esse “ungido” (em hebraico “messias”, em grego “cristo”) estabelecerá, então, um tempo de paz, de justiça, de abundância, de felicidade sem fim – isto é, o tempo do “reinado de Deus”.

    O “Reino de Deus” é, portanto, uma noção que resume a esperança de Israel num mundo novo, de paz e de abundância, preparado por Deus para o seu Povo. Esta esperança está bem viva no coração de Israel na época em que Jesus aparece a dizer: “o tempo completou-se e o Reino de Deus aproximou-se”. Certas afirmações de Jesus, transmitidas pelos Evangelhos sinópticos, mostram que Ele tinha consciência de estar pessoalmente ligado ao Reino e de que a chegada do Reino dependia da sua ação.

    Jesus começa, precisamente, a construção desse “Reino” pedindo aos seus conterrâneos a conversão (“metanoia”) e o acolhimento da Boa Nova (“evangelho”).

    “Converter-se” significa transformar a mentalidade e os comportamentos, assumir uma nova atitude de base, reformular os valores que orientam a própria vida, reequacionar a vida, de modo a que Deus passe a estar no centro da existência da pessoa e ocupe sempre o primeiro lugar. Na perspetiva de Jesus, não é possível que esse mundo novo de amor e de paz se torne uma realidade, sem que a pessoa renuncie ao egoísmo, ao orgulho, à autossuficiência e passe a escutar de novo Deus e as suas propostas. “Acreditar”, por sua vez, não é apenas aceitar um conjunto de verdades intelectuais; mas é, sobretudo, aderir à pessoa de Jesus, escutar a sua proposta, acolhê-la no coração, fazer dela o guia da própria vida; é escutar essa “Boa Notícia” de salvação e de libertação (“evangelho”) que Jesus propõe e fazer dela o centro à volta do qual se constrói toda a existência.

    “Conversão” e “adesão ao projeto de Jesus” são duas faces de uma mesma moeda: a construção de um Homem Novo, com uma nova mentalidade, com novos valores, com uma postura vital inteiramente nova. Esse Homem Novo, formado nos valores de Jesus, será capaz de amar o próximo (Mt 22,39), mesmo aquele que é adversário ou inimigo (Lc 10,29-37); não viverá para a riqueza e para os bens materiais, mas sim para a partilha (Mc 6,32-44); não se deixará prender pelo desejo do poder e do domínio, mas optará pelo serviço e pela entrega da vida (Mc 9,35). Então, sim, teremos um mundo novo, o “Reino de Deus”.

    Depois de dizer qual a proposta inicial de Jesus, Marcos apresenta-nos os primeiros discípulos. Pedro e André, Tiago e João são – na versão de Marcos – os primeiros a responder positivamente ao desafio do Reino.

    A descrição da vocação dos primeiros discípulos – modelo de toda a vocação cristã – apresenta algumas linhas fundamentais que importa pôr em relevo. Em primeiro lugar, notemos que o chamamento é uma iniciativa apenas de Jesus. Não são os discípulos que o escolhem a Ele, mas é Ele que se dirige aos discípulos e que os convida a segui-l’O. É uma iniciativa soberana de Jesus, que faz pensar na maneira como o próprio Deus chamava os seus profetas (cf. Ex 3,7-10; Am 7,15; Jr 1.5.10; 1 Re 19,19-21). Em segundo lugar, registemos que o chamamento de Jesus é dirigido a simples pescadores do mar da Galileia e não a pessoas com nomes sonantes ou com qualificações excecionais. É com pessoas assim – simples, comuns, “normais” – que Jesus conta para construir o Reino de Deus. Em terceiro lugar reparemos que o chamamento de Jesus é imperativo e decisivo: Ele “passa” e chama, sem dar explicações, sem dar garantias e sem sequer ficar a olhar para trás para ver se aqueles homens aceitaram ou não o desafio. Tudo isso sugere a gravidade do compromisso a que os discípulos são chamados. Em quarto lugar, notemos que os discípulos são convidados a colocar-se atrás de Jesus (“Vinde atrás de mim”). É esse o lugar do discípulo. Ele deve seguir o seu Mestre, percorrer o caminho que Ele vai traçando. Estamos bem distantes dos discípulos dos rabis judaicos da época, que se limitavam a frequentar as aulas do seu mestre para aprender e depois repetir uma determinada doutrina. Os discípulos de Jesus devem ir atrás dele, aderir à sua pessoa, fazer com Ele uma experiência de vida, caminhar com Ele até ao fim – até à cruz, até ao dom da vida. Em quinto lugar, observemos que a resposta ao chamamento é imediata, total e incondicional. Pedro, André, Tiago e João não pedem tempo para pôr em ordem os negócios pendentes ou para se despedir da família: limitam-se a deixar toda a sua vida em suspenso e a ir atrás de Jesus. É dessa forma decidida e radical que o verdadeiro discípulo responde a Jesus.

    Uma última nota para a missão confiada aos discípulos: ser “pescadores de homens”. A metáfora estará, provavelmente, relacionada com a ideia que o “mar” evocava na mentalidade semita: as águas abissais, o caos, o horror do mundo do mal. Os discípulos, enquanto “pescadores de homens”, teriam como missão salvar os homens do mar do sofrimento e da opressão em que eles estavam afogados. Deviam anunciar, com gestos concretos, um Deus Pai Bom e Amigo da Vida. Ser “pescador de homens” é ser enviado de um Deus que cura e que dá vida. Afinal, essa era a missão do próprio Jesus.

    INTERPELAÇÕES

    • A nossa experiência de todos os dias mostra-nos a existência de sombras que desfeiam o mundo e que ameaçam a nossa existência tranquila. E nós, ameaçados por essas sombras, deixamos que a angústia, a desilusão e o desespero se apossem de nós. Para onde caminhamos? Para um beco sem saída? Para um qualquer final dramático e infeliz? Jesus veio dizer-nos que, no projeto de Deus, está um mundo diferente – um mundo de harmonia, de justiça, de reconciliação, de amor e de paz. A esse mundo novo, Jesus chamava o “Reino de Deus”. E foi essa a realidade que Ele colocou no horizonte da história dos homens. Ora, esse Reino não morreu naquela cruz onde tentaram calar Jesus e o seu projeto. Reparemos nos sinais da presença do Reino de Deus na nossa história do séc. XXI. Por cada gesto de violência e de maldade que desfeia o nosso mundo, há mil outros gestos de amor, de partilha, de perdão, de cuidado que tornam o mundo mais bonito, mais humano e mais feliz. O Reino está a fazer-se, todos os dias. Somos testemunhas desse Reino? Somos arautos da esperança?
    • Para que o “Reino de Deus” se torne uma realidade cada vez mais impactante, o que é necessário fazer? Na perspetiva de Jesus, o “Reino de Deus” exige, antes de mais, a “conversão”. Converter-se implica alterar as nossas atitudes de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de comodismo e de voltar a escutar Deus e as suas propostas, para que aconteça, na nossa vida e à nossa volta, uma transformação radical – uma transformação no sentido do amor, da justiça e da paz. Pessoalmente, o que devo mudar na minha maneira de pensar e de agir para que o Reino de Deus seja uma realidade mais presente na minha vida e na vida dos que me rodeiam? E, no que diz respeito aos valores que a sociedade de que faço parte cultiva, quais favorecem e quais impedem a construção do Reino de Deus?
    • Para que o Reino aconteça é preciso também “acreditar” no Evangelho. Em concreto, isso significa aderir a Jesus, acolher o seu projeto, escutar as suas palavras, aprender com os seus gestos de amor, de serviço, de doação, de perdão. As palavras e os gestos de Jesus estão integrados na minha vida e transparecem na minha forma de tratar, de servir e de cuidar aqueles irmãos e irmãs que caminham ao meu lado? Os meus gestos e palavras dão testemunho desse mundo mais humano e mais fraterno que Jesus nos veio ensinar a construir?
    • Desde que começou a anunciar o Reino de Deus, Jesus rodeou-se de discípulos. Pedro, André, Tiago, João e alguns outros cruzaram-se com Jesus, ouviram o seu chamamento e foram com Ele. Eram homens simples, com defeitos e virtudes, como qualquer um de nós; mas tiveram a coragem de corresponder ao convite de Jesus e de embarcar com Ele na aventura de construir o Reino de Deus. A nós, Jesus lança todos os dias o mesmo convite. Estamos dispostos a fazer da construção do Reino a nossa prioridade? Estamos dispostos a ir atrás de Jesus, mesmo que isso implique deixarmos para trás certos projetos pessoais? Aquele compromisso que, no dia do nosso batismo, assumimos com Jesus, está a ser concretizado na nossa vida?
    • Jesus confia aos seus discípulos – quer àqueles que chamou nas margens do mar da Galileia, quer a nós – a missão de serem “pescadores de homens”. É uma missão que não passou de moda: hoje, como ontem, há muitos irmãos nossos que vivem mergulhados nas águas revoltas do egoísmo, da violência, da exploração, da solidão, da doença… E Jesus conta connosco para lhes dar a mão, para aliviar o seu sofrimento, para lhes levar esperança, para humanizar as suas vidas. Sentimos a responsabilidade desta missão? Sentimo-nos responsáveis por levar alívio e esperança a cada homem ou a cada mulher que sofre? Sabemos que também por aí passa a construção do Reino de Deus?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 3.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    Troca de olhares… Diz-se muita coisas nestes olhares trocados! João Baptista põe o seu olhar em Jesus e diz quem Ele é. Jesus olha André e o seu companheiro, interroga-os e convida-os a vir e a ver. Estes veem onde Ele mora e ficam com Ele. André leva o seu irmão a Jesus que põe nele o seu olhar e dá-lhe um novo nome, o que constitui todo um programa de vida. Olhares que interrogam, olhares que nomeiam, olhares que convidam, olhares que dizem a amizade. Se Jesus olha os homens, é porque Deus os olha. Deixemo-nos olhar por Deus e aceitemos olhá-l’O, olhando o seu Filho Jesus. Então pode-se estabelecer a relação.

    3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Sublinhar a unidade das três leituras. Em cada domingo são propostos três textos diferentes, em que o primeiro e o Evangelho têm uma ligação particular. É, pois, útil sublinhar este aspeto, para que esta sucessão de leituras encontre, aos olhos dos fiéis, uma certa unidade. Na meditação da Palavra de Deus de hoje (não necessariamente na celebração da Eucaristia), pode-se ler a primeira leitura, o salmo responsorial e o Evangelho, deixando a segunda leitura para mais tarde.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Voltarmo-nos para Cristo… Em comunidade, é bom ouvir o apelo à conversão: as nossas maneiras de viver e de trabalhar devem também, sem cessar, ser regeneradas para melhor corresponder àquilo que Cristo espera de nós. É preciso que, juntos, nos viremos para Ele. E o Evangelho deste domingo é a ocasião para um tempo de discernimento que muito raramente fazemos.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • S. Francisco de Sales, Bispo e doutor da Igreja

    S. Francisco de Sales, Bispo e doutor da Igreja


    24 de Janeiro, 2024

    Nasceu em Thorans, pequena aldeia da Saboia francesa, em 1567. Tendo recebido uma boa educação na família, estudou num colégio de Jesuítas, em Paris e, depois, frequentou a universidade de Pádua, onde se formou em Direito. Contrariando as expetativas do pai, abraçou a vida eclesiástica e dedicou-se com sucesso à evangelização. Nomeado bispo de Genebra, desenvolveu grande atividade na reforma da diocese e exerceu profícuo apostolado entre os protestantes. Para além da sua iluminada atividade pastoral, dedicou-se à direção espiritual de muitas pessoas, escrevendo as preciosas obras de espiritualidade para todos, particularmente para os leigos, intituladas Filoteia, ou Introdução à vida devota, e Teotimo, ou tratado do amor de Deus. Com Santa Joana de Chantal, fundou a Visitação. Faleceu em 1622. É padroeiro da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos, e dos jornalistas católicos.
    Lectio
    Primeira leitura: Efésios 3, 8-12

    Irmãos, a mim, o menor de todos os santos, foi dada a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo 9e a todos iluminar sobre a realização do mistério escondido desde séculos em Deus, o criador de todas as coisas 10para que agora, por meio da Igreja, seja dada a conhecer, aos Principados e às Autoridades no alto do Céu, a multiforme sabedoria de Deus, 11de acordo com o desígnio eterno que Ele realizou em Cristo Jesus Senhor nosso. 12Em Cristo, mediante a fé nele, temos a liberdade e coragem de nos aproximarmos de Deus com confiança.

    Paulo apresenta-se como ministro do mistério de Cristo, não por iniciativa própria, mas por vocação e graça. O seu trabalho de evangelizador dos pagãos é um dom recebido e uma missão a realizar. Deus tinha um desígnio arcano (mysterium), preparado longamente e agora revelado, na sua realização, a Paulo, de modo particular. Por meio dele, Deus quer revelá-lo a todos, especialmente aos pagãos. O conteúdo do mistério é o seguinte: todos são chamados a conhecer a extraordinária sabedoria de Deus, que também representa a extraordinária riqueza de Cristo.
    Evangelho: João 10, 11-18

    Naquele tempo, Jesus disse: "Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas. 12O mercenário, e o que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê vir o lobo e abandona as ovelhas e foge e o lobo arrebata-as e espanta-as, 13porque é mercenário e não lhe importam as ovelhas. 14Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-me, 15assim como o Pai me conhece e Eu conheço o Pai; e ofereço a minha vida pelas ovelhas. 16Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil. Também estas Eu preciso de as trazer e hão-de ouvir a minha voz; e haverá um só rebanho e um só pastor. 17É por isto que meu Pai me tem amor: por Eu oferecer a minha vida, para a retomar depois. 18Ninguém ma tira, mas sou Eu que a ofereço livremente. Tenho poder de a oferecer e poder de a retomar. Tal é o encargo que recebi de meu Pai.»

    A figura do pastor é comum na tradição hebraica para indicar o rei de Israel e a relação do crente com Deus, o pastor por excelência. Jesus identifica-se com essa imagem, aprofundando-a e levando-a à sua plena realização. Ele é o pastor belo (kalós) e bom não só na aparência, mas também na qualidade. É o autêntico pastor. O termo "belo" ou "bom" significa suave e afável, mas, sobretudo, autêntico. Jesus é o novo David, chefe e guia conforme o coração de Deus. É pastor, não só de Israel, mas também de "outras ovelhas" como os samaritanos e os pagãos, que são filhos de Deus dispersos e devem ser reconduzidos ao redil e à salvação, conforme o desígnio do Pai.
    Meditatio

    S. Francisco de Sales foi o pastor belo e bom que tornou amável o rosto da Igreja num tempo de grandes contrastes e lutas. Como Cristo, entregou-se e consumiu a sua vida, não só pelas ovelhas do redil, mas também pelas que andavam perdidas. Foi esse dar a vida por todos que abriu os olhos a muitas ovelhas "perdidas". S. Francisco de Sales foi, nos séculos XVI e XVII, o pastor autêntico, preocupado exclusivamente em dar a própria vida, arriscando-a em situações por vezes muito difíceis para evangelizar, servir a sua diocese e restaurar a vida da Igreja nas dioceses de Genebra e Annecy. Em tudo se deixa conduzir pelo princípio do amor puro, como disponibilidade incondicional ao projeto de Deus. É isso que também ensina às pessoas sedentas de perfeição cristã.
    É um verdadeiro repouso para a alma contemplar este santo, ler os seus escritos, tal é a sua caridade, a paciência e o otimismo que exala. A fonte de tudo isto está na esperança em Deus, ao qual se entrega para servir sem reservas o seu povo.
    Francisco de Sales exultava de alegria ao pensar que toda a lei se resume no mandamento do amor e que não devemos ter medo de amar excessivamente.
    O P. Dehon aponta-o como um "santo do Coração de Jesus". E justifica: "A grande obra da sua piedade foi a fundação da Visitação donde saiu a devoção ao Sagrado Coração", uma evidente alusão a Santa Margarida Maria, visitandina, favorecida com extraordinárias revelações de Jesus e apóstola do seu Coração.
    Oratio

    Amável santo, vós sois um dos mestres da devoção ao Sagrado Coração. Haveis formado tão bem a Ordem da Visitação, que Nosso Senhor aí encontrou um campo bem preparado para lá semear esta bela devoção. Preparai também os nossos corações. Por vossa intercessão, purificai-nos e formai-nos ao apostolado do Coração de Jesus. (Leão Dehon, OSP 3, p. 103).
    Contemplatio

    S. Francisco de Sales é modelo de mansidão. É a característica da sua vida. Foi suave como o bom Mestre. Não o era por natureza, mas tornou-se pelos seus esforços e pela graça de Deus. Imagem perfeita do Bom Pastor, vai através de todas as fadigas procurar as ovelhas perdidas. Fala às pessoas pobres, aos pastores das montanhas com uma bondade que os enternece. Entra nas suas necessidades e nas suas mágoas e assiste-os com a sua bolsa e os seus bens. A sua reputação de mansidão é conhecida longe... A sua caridade sem limites punha em desespero o seu ecónomo, mas o caro santo mostrava-lhe o crucifixo e dizia-lhe: "Como é que hesitaremos em despojar-nos, quando vemos o que um Deus fez por nós". A doçura era a sua virtude dominante. Dizia um dia que tinha estado três anos a estudar na escola de Jesus Cristo e que não podia contentar-se lá em cima. Algumas pessoas tendo-o um dia censurado por causa da sua indulgência para com os pecadores, respondeu-lhes: "Se houvesse alguma coisa melhor que a mansidão, Deus no-la teria ensinado. Mas ele não nos recomenda senão duas coisas, ser mansos e humildes de coração. Quereis impedir-me de observar o mandamento de Deus e de imitar o mais que puder a virtude da qual nos deu o exemplo?" (Leão Dehon, OSP 3, p. 102).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas" (Jo 10, 11b).
    ----

    S. Francisco de Sales, Bispo e doutor da Igreja (24 Janeiro)

  • Conversão de S. Paulo

    Conversão de S. Paulo


    25 de Janeiro, 2024

    Saulo, cidadão romano por privilégio da sua cidade natal, Tarso, era um judeu convicto, formado na escola de Gamaliel, em Jerusalém. Opôs-se decididamente à nova fé que começava a propagar-se na Palestina e arredores. Clamou pela morte de Estêvão, e tomou parte nela, guardando as capas dos que apedrejavam o protomártir. Perseguiu violentamente os crentes em Jesus Cristo. O seu nome causava terror nas comunidades cristãs. Ao dirigir-se para Damasco para prender os cristãos que lá encontrasse e conduzi-los a Jerusalém, encontrou Jesus ressuscitado. Esse encontro mudou-lhe para sempre a vida, com a sua forma de crer e de pensar. Jesus ressuscitado, que ele perseguia, tornou-se o centro da sua espiritualidade e da sua teologia. Em Antioquia, Saulo faz a sua primeira experiência de vida cristã. Tornado apóstolo do Evangelho, com o nome de Paulo, Antioquia será também o ponto de partida para as suas viagens missionárias. Funda diversas comunidades na Ásia e na Europa. Escreve-lhes cartas que testemunham o seu amor a Jesus Cristo e à Igreja, e nos dão elementos importantes da sua teologia. Como apóstolo verdadeiro e autêntico, Paulo tem sempre o cuidado de voltar a Jerusalém para se confrontar com os outros apóstolos e não correr em vão.

    Há muitos séculos que a festa da conversão de S. Paulo foi fixada no dia 25 de Janeiro, talvez por causa da data da transladação do seu corpo, que atualmente repousa na Basílica de S. Paulo Fora dos Muros, em Roma.
    Lectio

    Primeira Leitura: Act 22, 3-16

    Naqueles dias, Paulo disse ao povo: "Sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas fui educado nesta cidade, instruído aos pés de Gamaliel, em todo o rigor da Lei dos nossos pais e cheio de zelo pelas coisas de Deus, como todos vós sois agora. 4Persegui de morte esta «Via», algemando e entregando à prisão homens e mulheres, 5como o podem testemunhar o Sumo Sacerdote e todos os anciãos. Recebi até, da parte deles, cartas para os irmãos de Damasco, onde ia para prender os que lá se encontrassem e trazê-los agrilhoados a Jerusalém, a fim de serem castigados. 6Ia a caminho, e já próximo de Damasco, quando, por volta do meio dia, uma intensa luz, vinda do Céu, me rodeou com a sua claridade. 7Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: 'Saulo, Saulo, porque me persegues?' 8Respondi: 'Quem és Tu, Senhor?' Ele disse-me, então: 'Eu sou Jesus de Nazaré, a quem tu persegues.' 9Os meus companheiros viram a luz, mas não ouviram a voz de quem me falava. 10E prossegui: 'Que hei-de fazer, Senhor?' O Senhor respondeu-me: 'Ergue-te, vai a Damasco, e lá te dirão o que se determinou que fizesses.' 11Mas, como eu não via, devido ao brilho daquela luz, fui levado pela mão dos meus companheiros e cheguei a Damasco. 12Ora um certo Ananias, homem piedoso e cumpridor da Lei, muito respeitado por todos os judeus da cidade, 13foi procurar-me e disse: 'Saulo, meu irmão, recupera a vista.' E, no mesmo instante, comecei a vê-lo. 14Ele prosseguiu: 'O Deus dos nossos pais predestinou-te para conheceres a sua vontade, para veres o Justo e para ouvires as palavras da sua boca, 15porque serás testemunha diante de todos os homens, acerca do que viste e ouviste. 16E agora, porque esperas? Levanta-te, recebe o batismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o seu nome.

    Este é um dos três relatos com que Lucas enriquece a história da primitiva comunidade cristã. Sem se preocupar com o rigor histórico, - alguns pormenores são mesmo improváveis -, o autor do livros dos Atos pretende personificar em Paulo a justificação do cristianismo e a falta de razão do judaísmo.
    O evento de Damasco articula-se em três momentos: um diálogo de reconhecimento mútuo entre Jesus Ressuscitado e Saulo de Tarso; a conversão de Saulo revelada na pergunta: "Que hei de fazer, Senhor?"; a missão: quem conheceu a vontade de Deus e viu o Justo recebendo a palavra da sua boca, torna-se testemunha do que viu e ouviu. Doravante, para Paulo, a única forma de vida é ser missionário.
    Evangelho: Marcos 16, 15-18

    Naquele tempo, Jesus apareceu aos Onze e disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. 16Quem acreditar e for batizado será salvo; mas, quem não acreditar será condenado. 17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.»

    Paulo não pertenceu ao grupo dos Doze. Mas a Liturgia aplica-lhe também as palavras de Jesus aos Doze, no momento em que subia ao céu: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura" (v. 15). Paulo, depois da sua experiência de fé e de comunidade, torna-se verdadeiro apóstolo de Jesus. Desde sempre a Igreja entendeu que o mandato missionário do Ressuscitado se dirigia também a ele. Paulo submete-se e obedece.
    Deus quer salvar a humanidade com a colaboração da própria humanidade. Jesus precisa de missionários-testemunhas. A salvação é fruto da pregação e realiza-se pelo ato de fé de quem a escuta: "Quem acreditar e for batizado será salvo" (v. 16). Deus, que nos criou sem nós, não nos salva sem a nossa colaboração.
    Os sinais e prodígios que acompanham a pregação dos apóstolos manifestam a presença consoladora de Deus no meio de nós.
    Meditatio

    Em S. Paulo revela-se verdadeiramente o poder de Deus. Inimigo acérrimo do nome de Cristo, Saulo encontra-se com o Senhor no caminho de Damasco, acolhe-o na fé e torna-se seu Apóstolo entusiasta, com uma fecundidade extraordinária, que ainda não terminou. O seu itinerário de fé é símbolo do nosso.
    Acreditar implica, antes de mais, encontrar pessoalmente Jesus de Nazaré, Deus feito homem. O cristão não se acredita numa doutrina, num sistema, mas numa pessoa, a pessoa humano-divina de Jesus. Ter fé é aderir vitalmente a Jesus, de tal modo que já não se pode viver sem Ele.
    Realizado o encontro, passa-se ao diálogo, uma vez que a fé é encontro e adesão entre pessoas inteligentes e livres. A quem se dispõe ao diálogo, Deus revela a Si mesmo, revela a sua vontade e os seus projetos. Este diálogo vital leva aqueles que o realizam a uma forma de vida cada vez mais elevada.
    Mas a fé cristã também é obediência, submissão, abandono total da criatura ao Criador. Obedecer não significa abdicar da própria liberdade ou dos próprios direitos. Significa, sim, perceber a imensa distância que existe entre si o interlocutor e, ao mesmo tempo, intuir que a adesão à vontade divina leva à total satisfação e realização de si mesmo.
    Finalmente, a fé cristã é também missão. Não se pode privatizar um bem que, por sua natureza, é comunitário. Quem recebeu de Cristo o dom da salvação em Cristo, sente-se intimamente obrigado a fazer dele um dom para os outros.
    O Apóstolo Paulo é nosso guia em tempos de aprofundamento espiritual e de renovação apostólica. Como ele, o apóstolo dos tempos novos deve procurar, em primeiro lugar, a inteligência do Mistério de Cristo num apego inquebrantável ao seu Amor (cf. Ef 3, 4; Rm 8, 35; Fl 3, 8-10). É apóstolo, em primeiro lugar, pelo testemunho da visão de Cristo (At 26, 1) e tornando-se no Espírito imagem viva do Salvador morto e ressuscitado. É a caridade do Senhor que vive nele e que o impele em direção aos homens para lhes anunciar o Evangelho de Deus, o Evangelho que todos podem ler na sua vida e nos seus escritos. Ensina-nos o serviço ardente e inteligente em favor do Reino. Vivendo de Cristo, a ponto de ser identificado com Ele pela graça (Gl 2, 20), lembra-nos que o serviço apostólico enraíza numa verdadeira consagração a Deus e dá à nossa oblação capacidade para se manifestar e aprofundar no trabalho generoso para que a humanidade se torne «uma oblação agradável santificada pelo Espírito Santo (XV Capítulo Geral, DOC VII, n. 167).
    Oratio

    Apóstolo S. Paulo, na tua juventude, deixaste-te levar por um zelo ardente mas errado em favor da unidade do povo de Deus. Por isso, perseguiste duramente os cristãos. Deus converteu-te e introduziu-te na Igreja, Corpo de Cristo, onde deve integrar-se quem quiser viver na verdadeira fé. Mas a tua adesão a Cristo e a tua integração na Igreja não te fizerem esquecer o teu povo, pelo qual sentias uma dor profunda e permanente. Que a minha alegria de estar em Cristo não me faça esquecer a situação do antigo Povo de Deus, nem a dos cristãos divididos, que tardam em chegar à unidade que Deus quer. Ámen.
    Contemplatio

    S. Paulo recolhe-se alguns dias, depois começa a pregar a divindade de Jesus Cristo. Será um dos mais poderosos apóstolos pela palavra e pelo sofrimento. «Escolhi-o, dizia Nosso Senhor, para levar o meu nome diante das nações e dos reis e dos filhos de Israel, e hei de mostrar-lhe quanto terá de sofrer pelo meu nome». A sua conversão e a sua vocação são devidas à misericórdia do Coração de Jesus. O Coração de Jesus ama as almas ardentes, zelosas, dedicadas. Mas a oração de Santo Estêvão contribuiu para estas grandes graças. Santo Estêvão rezava pelos seus perseguidores, entre os quais S. Paulo era o mais ardente. Se soubermos rezar e sofrer pelas almas, obteremos grandes graças, ilustres conversões, vocações poderosas. Ofereçamos as nossas orações, as nossas cruzes, os nossos sofrimentos ao Coração de Jesus para que envie à sua Igreja, nestes tempos difíceis, apóstolos poderosos em palavras e em obras (L. Dehon, OSP 3, p. 90s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Que hei de fazer, Senhor?" (At 22, 10).

     

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    Conversão de S. Paulo (25 Janeiro)

  • S. Timóteo e S. Tito, Bispos

    S. Timóteo e S. Tito, Bispos


    26 de Janeiro, 2024

    S. Timóteo nasceu em Listra. A sua mãe era hebreia e o seu pai era grego. Colaborou intimamente com S. Paulo na evangelização, mantendo por ele um afeto filial. O Apóstolo colocou-o à frente da Igreja de Éfeso.

    S. Tito, que parece vir do paganismo, tornou-se um cristão de fé sólida e um evangelizador ativo e fervoroso. Na carta que lhe é dirigida, aparece-nos como responsável pela Igreja de Creta.
    Lectio
    Primeira leitura: 2 Timóteo 1, 1-8

    Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, por desígnio de Deus, segundo a promessa de vida que há em Cristo Jesus, 2a Timóteo, meu filho querido: graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. 3Dou graças a Deus, a quem sirvo em consciência pura, como já o fizeram os meus antepassados, ao recordar-te constantemente nas minhas orações, noite e dia. 4Ao lembrar-me das tuas lágrimas, anseio ver-te, para completar a minha alegria, 5pois trago à memória a tua fé sem fingimento, que se encontrava já na tua avó Loide e na tua mãe Eunice e que, estou seguro, se encontra também em ti. 6Por isso recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, 7pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso. 8Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus.

    A Segunda Carta a Timóteo é uma espécie de testamento espiritual do Apóstolo, na véspera do seu martírio. Trata-se de um escrito da escola paulina, de finais do século I. Entre expressões de afeto e de estima por Timóteo, Paulo afirma a sua condição de Apóstolo, vocação e missão a que foi chamado e às quais correspondeu generosamente. Paulo sublinha também a continuidade entre o seguimento de Jesus e a fidelidade à lei hebraica, que viveu e pregou. O mesmo sucede com Timóteo, filho de pai grego, mas iniciado ao cristianismo pela sua avó e pela sua mãe, ambas hebreias. O autor da carta acentua também o carisma de pastor de almas personificado em Timóteo, e transmitido pelo Apóstolo, através da imposição das mãos. Em todo o texto domina o testemunho dado a Cristo por Paulo nas diversas e difíceis provações por que passou, e que Timóteo deve continuar, com a graça de Deus.
    Evangelho: Lucas 10, 1-9

    Naquele tempo, designou o Senhor outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Disse-lhes:«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. 3Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho. 5Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!' 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. 8Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, 9curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: 'O Reino de Deus já está próximo de vós.'

    A obra de Jesus está internamente aberta e realiza-se através dos discípulos. Os Doze continuam a ser o fundamento de toda a missão da Igreja. Mas, juntamente com eles, e depois deles, Jesus escolheu muitos outros. A messe é grande e os trabalhadores acabam sempre por ser poucos. O nosso texto alude a setenta e dois, número de plenitude e sinal de todos os missionários posteriores que anunciam a mensagem do reino na nossa Igreja. Através desses discípulos, a missão de Jesus alcança todas as fronteiras da história, chegando à sua plenitude na grande meta da ceifa escatológica.
    Meditatio

    "Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti" (v. 6). Para nós, esse dom é a vocação cristã, primeiro anel de uma corrente de dons que Deus tem para nos dar. Podemos meditar nesse dom na perspetiva da fraternidade, sublinhando dois aspectos: a simplicidade fraterna e a fidelidade fraterna. Quanto à simplicidade fraterna, não havemos de nos julgar mais do que os outros, alimentar ambições, ser presumidos. Pelo contrário, há que fazer-nos pequenos com os outros, irmãos entre os irmãos: "Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo" (Mc 10, 43). A fraternidade cristã apoia-se numa igualdade fundamental: diante de Deus, todos somos iguais; diante dos outros, todos somos carenciados. Por isso, ninguém pode pretender ser mais do que os outros. O nosso modelo é Jesus, que se fez nosso irmão. Poderia fazer sentir o seu poder, a sua autoridade; mas preferiu estar no meio de nós como quem serve! "Pois, quem é maior: o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é o que está sentado à mesa? Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que serve." (Lc 22, 27).
    A fraternidade, a simplicidade fraterna manifestam-se também como afeto fraterno. Os sentimentos recíprocos entre Paulo e Timóteo manifestam essa igualdade de afeto solidário, e não meramente jurídica: "Ao lembrar-me das tuas lágrimas, anseio ver-te, para completar a minha alegria" (v. 4). Timóteo tinha chorado quando Paulo partiu. Paulo deseja estar com os irmãos que se amam. Por vezes chama a Timóteo "irmão", mas aqui chama-o "filho querido", porque o gerou para a graça de Cristo pela pregação e pelo Batismo.
    A fraternidade inclui outro aspeto ainda mais realista e exigente: a fidelidade fraterna. Trata-se da solidariedade uns para com os outros, especialmente em momentos de crise e de sofrimento: "Vós sois os que permaneceram sempre junto de mim nas minhas provações," (Lc 22, 28), diz Jesus aos seus discípulos. É isto que faz perdurar e crescer a fraternidade. Irmão é aquele que ajuda o seu irmão. Jesus fez-se nosso irmão para nos ajudar e ajudou, mesmo à custa de muito sofrimento. Ao fazer-se nosso irmão, também quis precisar da nossa ajuda e ser ajudado por nós. Por isso, congratula-se com os apóstolos que permaneceram junto d´Ele nas suas tribulações.
    Paulo pede a Timóteo que ponha em prática, na solidariedade fraterna, essa fidelidade: "Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus." (v. 8).
    Havemos de sentir esta solidariedade, de modo particular, para com aqueles que têm maiores responsabilidades na Igreja. Se Jesus se fez nosso irmão, é porque quis ensinar-nos a viver esse espírito de fraternidade, sem o não é possível caminhar no amor.
    Oratio

    Senhor, bem sabes que a nossa solidariedade para com os irmãos, muitas vezes, dá lugar ao desejo de sermos os primeiros. Mesmo nas atividades pastorais, em vez de partilharmos com simplicidade e alegria as responsabilidades, muitas vezes queremos impor as nossas decisões e os nossos pontos de vista. Dá-nos um coração manso e humilde como o teu. Ajuda-nos a pôr no centro o teu Evangelho, e não as nossas convicções. Põe ordem e clareza nas motivações do nosso agir, para vencermos o nosso orgulho, mesmo quando mascarado de "boas intenções". Dá-nos a alegria de nos reconhecermos pequenos. Sê a nossa única força, e nada nos meterá medo. Ámen.
    Contemplatio

    Ó Jesus, que nos dissestes para aprendermos do vosso coração a sermos mansos e humildes, tornai o nosso coração semelhante ao vosso! Como é manso e humilde o Menino divino de Belém e de Nazaré! É o seu carácter próprio, é o estilo da sua vida. Na sua vida pública, é manso e bom para com todos. Isaías tinha-o descrito (42, 1), e Jesus deleitava-se a reler este quadro na sinagoga: «Eis o meu Filho bem amado, que não gosta das querelas, dos gritos, do barulho das praças, não quebra a cana rachada e não extingue a mexa que ainda fumega...». Jeremias tinha-o apresentado como um cordeiro cheio de mansidão... S. João chama-o o Cordeiro que é sacrificado desde a origem do mundo. Quando entra em Jerusalém sobre a sua modesta montada, é o Rei de mansidão predito por Isaías e Zacarias (Mt 21). Na sua paixão, a sua mansidão traduz-se pelo seu silêncio e pela sua paciência. A mansidão, diz S. Paulo, é fruto do Espírito Santo, com as virtudes que se lhe assemelham: a paz, a benignidade, a bondade (Gal 5, 22). A caridade é mansa, benevolente, amável, S. Paulo repete a todas as Igrejas: aos Efésios, aos Gálatas, aos Coríntios. Recomenda a Timóteo para ser manso para com todos, paciente e modesto, como convém a um bom servidor de Deus (2Tim 2, 24). O homem manso será bem-aventurado, porque Deus o abençoará, mas também porque ganhará facilmente os corações e não terá inimigos. (L. Dehon, OSP 4, p. 36s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Reacende o dom de Deus que há em ti" (cf. 2 Tm 1, 6).

     

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    S. Timóteo e S. Tito, Bispos (26 Janeiro)

  • 04º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    04º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    28 de Janeiro, 2024

    Ano B

    4.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 4.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 4.º Domingo do Tempo Comum reafirma a irreversível decisão de Deus de oferecer aos homens, em cada passo do caminho que percorrem na história, a Vida e a salvação. Os textos bíblicos que neste domingo nos são servidos mostram algumas das estratégias de que Deus se socorre para vir ao encontro dos homens e para lhes apresentar os seus desafios e propostas.

    A primeira leitura propõe-nos – a partir da figura de Moisés – uma reflexão sobre a missão profética. O profeta é alguém que Deus escolhe, chama e envia para ser a sua “palavra” viva no meio dos homens. Através dos profetas, Deus apresenta-nos, em linguagem que entendemos, as suas indicações e propostas.

    O Evangelho mostra como Jesus, o Filho de Deus, com a autoridade que lhe vem do Pai, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.

    A segunda leitura convida os crentes a repensar as suas prioridades e a não deixar que as realidades transitórias sejam impeditivas de um verdadeiro compromisso com as realidades perenes, nomeadamente o serviço de Deus e dos irmãos.

     

    LEITURA I – Deuteronómio 18,15-20

    Moisés falou ao povo, dizendo:
    «O Senhor teu Deus fará surgir
    no meio de ti, de entre os teus irmãos,
    um profeta como eu; a ele deveis escutar.
    Foi isto mesmo que pediste ao Senhor teu Deus
    no Horeb, no dia da assembleia:
    ‘Não ouvirei jamais a voz do Senhor meu Deus,
    nem verei este grande fogo, para não morrer’.
    O Senhor disse-me:
    ‘Eles têm razão;
    farei surgir para eles, do meio dos seus irmãos,
    um profeta como tu.
    Porei as minhas palavras na sua boca
    e ele lhes dirá tudo o que Eu lhe ordenar.
    Se alguém não escutar as minhas palavras
    que esse profeta disser em meu nome,
    Eu próprio lhe pedirei contas.
    Mas se um profeta tiver a ousadia
    de dizer em meu nome o que não lhe mandei,
    ou de falar em nome de outros deuses,
    tal profeta morrerá’».

     

    CONTEXTO

    O Livro do Deuteronómio é aquele “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém (cf. 2 Re 22,3-13) no 18.º ano do reinado de Josias (622 a.C.). Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel, libertou-o da escravidão do Egito e fez com Ele uma aliança eterna, acompanhou-o na sua caminhada pelo deserto, deu-lhe a Terra Prometida… O Povo de Deus – esse povo com quem Deus se comprometeu – é o Povo eleito, a propriedade pessoal de Javé.

    A finalidade fundamental dos catequistas deuteronomistas, ao formular esta teologia, é levar o Povo de Deus a um compromisso firme e exigente com a Lei de Deus, proclamada no Sinai. É um convite firme ao Povo de Deus no sentido de abraçar a aliança com Javé e de viver na fidelidade aos compromissos assumidos.

    Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, antes da entrada do Povo na Terra Prometida. Pressentindo a proximidade da morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Javé.

    O texto que a liturgia deste dia nos propõe apresenta-se como parte do segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-28,68). Trata-se de um texto que integra um conjunto legislativo sobre as estruturas de governo do Povo de Deus (cf. Dt 16,18-18,22). Em concreto, o texto refere-se a uma dessas estruturas: o profetismo.

    O fenómeno profético não é exclusivo de Israel, mas é um fenómeno relativamente conhecido entre os povos do Crescente Fértil. Entre os cananeus, os movimentos proféticos apareciam com relativa frequência, normalmente ligados à adivinhação, ao êxtase, a convulsões, a delírios (habitualmente provocados por instrumentos sonoros, gritos, danças, etc.). A multiplicidade de experiências proféticas obriga, exatamente, a pôr o problema do discernimento entre a verdadeira e a falsa profecia… O que é que carateriza o verdadeiro profeta? Quando é que um profeta fala, realmente, em nome de Deus? Este problema devia pôr-se, particularmente, no Reino do Norte, na época de Acab (874-853 a.C.) e de Jezabel, quando os profetas de Baal dominavam. As tradições sobre o profeta Elias (cf. 1 Re 17-2 Re 13,21) traçam esse quadro de confronto diário entre a verdadeira e a falsa profecia.

    O catequista deuteronomista refere-se, precisamente, a esta questão. Ele apresenta, aqui, os critérios para que o Povo possa distinguir o verdadeiro e o falso profeta.

     

    MENSAGEM

    Para os teólogos deuteronomistas, Moisés é o exemplo e o modelo do verdadeiro profeta. O que é que isso significa?

    Significa, em primeiro lugar, que na origem e no centro da vocação de Moisés está Deus. Não foi Moisés que se candidatou à missão profética, por sua iniciativa; não foi Moisés que conquistou, pelas suas ações ou pelas suas qualidades, o “direito” a ser “profeta”. A iniciativa foi de Deus que, de forma gratuita, o escolheu, o chamou e o enviou em missão. Se Moisés foi designado para ser um sinal de Javé, foi porque Deus assim o quis. A consagração do “profeta” resulta de uma ação gratuita de Deus que, de acordo com critérios muitas vezes ilógicos na perspetiva dos homens, escolhe aquela pessoa em concreto, com as suas qualidades e defeitos, para o enviar aos seus irmãos.

    Em segundo lugar, Moisés disse sempre e testemunhou sempre as palavras que Deus lhe colocou na boca e que lhe ordenou que dissesse. A mensagem transmitida não era a mensagem de Moisés, mas a mensagem de Deus. O verdadeiro profeta não é aquele que transmite uma mensagem pessoal, ou que diz aquilo que os homens gostam de ouvir; o verdadeiro profeta é aquele que, com coragem e frontalidade, testemunha fielmente as propostas de Deus para os homens e para o mundo.

    As palavras do profeta devem ser cuidadosamente escutadas e acolhidas, pois são palavras de Deus. O próprio Deus pedirá contas a quem fechar os ouvidos e o coração aos desafios que, através do profeta, Ele apresenta ao mundo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Moisés exerceu a sua missão profética no séc. XIII a.C.; mas os profetas não são figuras extintas de um passado que não volta. Deus, para se fazer presente na história dos homens, sempre chamou e enviou pessoas para serem sinais vivos da sua presença na vida do mundo. E isto continua a acontecer no nosso tempo e na nossa história. No momento do nosso Batismo fomos ungidos com o óleo do crisma, que nos constituiu profetas. Recebemos, nesse dia, a missão de sermos sinais vivos de Deus no meio dos nossos irmãos. Estou consciente deste compromisso? Tenho procurado ser um profeta de Deus no meio dos homens e mulheres que caminham comigo?
    • O profeta é a voz de Deus que ecoa no mundo dos homens. Ele tem a responsabilidade de dizer aos homens aquilo que Deus pretende transmitir-lhes. Por isso, o profeta deve viver em permanente escuta de Deus. Só assim saberá o que deve, em nome de Deus, dizer àqueles a quem é enviado. Procuro escutar Deus, dialogar com Ele, acolher as suas indicações, ler os seus sinais, antes de ir ao encontro dos meus irmãos para lhes testemunhar as indicações de Deus?
    • Consciente de que é um instrumento de Deus no meio da comunidade humana, o profeta deve levar muito a sério a missão que lhe foi confiada. A missão profética não é um passatempo ou um compromisso para as horas vagas; também não é algo que posso levar a sério ou deitar fora, conforme a minha disposição de momento. Trata-se de um compromisso que decorre da minha vocação batismal e que eu tenho de assumir com fidelidade absoluta e total empenho.
    • Se o profeta é designado para tornar presente no meio dos homens o projeto de Deus, ele não pode utilizar a missão em benefício próprio. O profeta não deve ceder à tentação de se vender aos poderes do mundo e pactuar com eles, a fim de concretizar a sua sede de poder; não pode “vender a alma ao diabo” para daí tirar algum benefício; não deve utilizar o seu ministério para conseguir sucesso, para promover a sua imagem e obter os aplausos das multidões. A missão profética tem de estar sempre ao serviço de Deus, dos planos de Deus, da verdade de Deus, e não ao serviço de esquemas pessoais, interesseiros e egoístas.

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 94 (95)

    Refrão:  Se hoje ouvirdes a voz do Senhor,
                  não fecheis os vossos corações.

    Vinde, exultemos de alegria no Senhor,
    aclamemos a Deus, nosso Salvador.
    Vamos à sua presença e dêmos graças,
    ao som de cânticos aclamemos o Senhor.

    Vinde, prostremo-nos em terra,
    adoremos o Senhor que nos criou;
    pois Ele é o nosso Deus
    e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

    Quem dera ouvísseis hoje a sua voz:
    «Não endureçais os vossos corações,
    como em Meriba, como no dia de Massa no deserto,
    onde vossos pais Me tentaram e provocaram,
    apesar de terem visto as minhas obras».

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 7,32-35

    Irmãos:
    Não queria que andásseis preocupados.
    Quem não é casado preocupa-se com as coisas do Senhor,
    com o modo de agradar ao Senhor.
    Mas aquele que se casou preocupa-se com as coisas do mundo,
    com a maneira de agradar à esposa,
    e encontra-se dividido.
    Da mesma forma, a mulher solteira e a virgem
    preocupam-se com os interesses do Senhor,
    para serem santas de corpo e espírito.
    Mas a mulher casada preocupa-se com as coisas do mundo,
    com a forma de agradar ao marido.
    Digo isto no vosso próprio interesse
    e não para vos armar uma cilada.
    Tenho em vista o que mais convém
    e vos pode unir ao Senhor sem desvios.

     

    CONTEXTO

    O texto da Carta aos Coríntios que nos é dado escutar neste 4.º domingo comum é a continuação de um outro – da mesma carta – que ouvimos no 3.º domingo comum. É o mesmo contexto e a mesma problemática.

    Paulo havia sido questionado pelos cristãos de Corinto sobre o melhor estado de vida, do ponto de vista cristão: o do matrimónio ou o do celibato. Era uma questão pertinente, para uma comunidade que oscilava, nas questões relativas à vivência da sexualidade, entre uma moral laxista (típica de uma cidade portuária, onde chegavam marinheiros de todo o Mediterrâneo e onde pontificava Afrodite, a deusa grega do amor) e uma moral marcada por tendências filosóficas que propunham o desprezo pelas realidades materiais, nomeadamente o casamento.

    Na sua resposta, Paulo explica que não tem “nenhum preceito do Senhor” sobre esta questão, e que tanto o casamento como o celibato são caminhos possíveis, perfeitamente aceitáveis, para o cristão. Mas lembra que “o tempo é breve” (o tempo entre a primeira vinda de Jesus e a sua segunda vinda); e, nesse cenário, o mais importante é que os crentes não absolutizem as realidades passageiras e vivam de olhos postos no encontro com o Senhor, que não tarda.

    É neste enquadramento que Paulo apresenta o elogio da virgindade.

     

    MENSAGEM

    O mais importante, na vida de um cristão, é o amor e a adesão a Cristo. E, na perspetiva de Paulo, o celibato deixa mais espaço à pessoa para viver para Cristo: quem não é casado tem mais tempo e disponibilidade para se preocupar “com as coisas do Senhor” (vers. 32b) e para agradar ao Senhor.

    Paulo é um missionário itinerante, que vive totalmente dedicado ao serviço do Evangelho. Nos últimos anos tem gastado a sua vida em viagens missionárias e em trabalhos sem conta, ao serviço de Cristo. Sente que, se tivesse de atender às necessidades de uma família e de dividir a sua atenção por uma série de realidades ligadas à vida do dia a dia, estaria muito mais limitado na sua entrega à missão. Mas, sem uma família que dependa dele, está muito mais livre para o serviço do Evangelho e do Reino de Deus.

    Paulo estará, aqui, a desvalorizar a vida conjugal e a sexualidade? Estará a sugerir que o matrimónio é um caminho a evitar, ou é um caminho que afaste de Deus? De modo nenhum. A reflexão de Paulo assenta noutra ordem. A insistência na “bondade” do celibato deve ser entendida na perspetiva da liberdade para o serviço do Reino.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Por detrás das afirmações que Paulo faz neste texto está a convicção de que as realidades terrenas são passageiras e efémeras e não devem, em nenhum caso, ser absolutizadas. Não se trata de propor uma evasão do mundo e uma espiritualidade descarnada, insensível, alheia ao amor, à partilha, à ternura; mas trata-se de avisar que as realidades desta terra não podem ser o objetivo final e único da vida da pessoa. Esta reflexão convida-nos a repensar as nossas prioridades e a não ancorar a nossa vida em realidades transitórias.
    • Paulo vê na castidade por amor do Reino uma forma de vida que liberta o coração do homem para o serviço de Deus e dos irmãos. E na verdade, hoje como ontem, muitos homens e mulheres sentem-se chamados por Deus a viverem deste jeito para serem mais livres na sua doação e no seu serviço. Nem sempre o mundo os aprecia e entende. Muitas vezes são mesmo criticados e ridicularizados pela sua opção. Mas essas pessoas generosas, de coração livre, que colocaram o serviço de Deus e dos irmãos como prioridade absoluta, são um dom de Deus à Igreja e ao mundo. Estamos conscientes disso e agradecemos a Deus esse dom?
    • Os irmãos e as irmãs que optaram pela castidade para se entregarem ao serviço de Deus e dos irmãos devem viver a sua vocação sem amargura, sem frustração, sem tristeza. Eles não “perderam” irremediavelmente as coisas bonitas da vida; mas, de forma livre e consciente, escolheram um amor maior e mais universal. Essa escolha é fonte inesgotável de alegria e de paz. E eles devem dar testemunho, no meio do mundo, dessa alegria e dessa paz.

     

    ALELUIA – Mateus 4,16

    Aleluia. Aleluia.

    O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz;
    para aqueles que habitavam na sombria região da morte
    uma luz se levantou.

     

    EVANGELHO – Marcos 1,21-28

    Jesus chegou a Cafarnaum
    e quando, no sábado seguinte, entrou na sinagoga
    e começou a ensinar,
    todos se maravilhavam com a sua doutrina,
    porque os ensinava com autoridade
    e não como os escribas.
    Encontrava-se na sinagoga um homem com um espírito impuro,
    que começou a gritar:
    «Que tens Tu a ver connosco, Jesus Nazareno?
    Vieste para nos perder?
    Sei quem Tu és: o Santo de Deus».
    Jesus repreendeu-o, dizendo:
    «Cala-te e sai desse homem».
    O espírito impuro, agitando-o violentamente,
    soltou um forte grito e saiu dele.
    Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros:
    «Que vem a ser isto?
    Uma nova doutrina, com tal autoridade,
    que até manda nos espíritos impuros e eles obedecem-Lhe!»
    E logo a fama de Jesus se divulgou por toda a parte,
    em toda a região da Galileia.

     

    CONTEXTO

    Na primeira parte do Evangelho que escreveu (cf. Mc 1,14-8,30), Marcos leva-nos numa viagem pela Galileia à descoberta de Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores de Marcos são convidados a acompanhar o dia a dia de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a notar os seus gestos libertadores, a aderir à sua proposta de salvação. Este percurso de descoberta do Messias que o catequista Marcos nos propõe atinge o seu momento culminante em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe (que é, evidentemente, a confissão que se espera de cada crente, depois de ter acompanhado o percurso de Jesus a par e passo): “Tu és o Messias”.

    O texto que nos é hoje proposto aparece, exatamente, no princípio desta caminhada de encontro com o Messias e com o seu anúncio de salvação. Rodeado já pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-Se como o Messias-libertador, que está no meio dos homens para lhes apresentar a proposta de salvação que Deus Lhe confiou.

    A cena situa-nos em Cafarnaum (em hebraico Kfar Nahum, a “aldeia de Naum”), uma pequena cidade situada na costa noroeste do Lago Kineret (o Mar da Galileia). A sua importância advinha de estar ao lado da estrada onde passavam as caravanas provenientes da Síria. De acordo com os Evangelhos Sinópticos, é aí que Jesus se vai instalar durante o tempo do seu ministério na Galileia. Vários dos discípulos – Simão e seu irmão André, Tiago e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.

     

    MENSAGEM

    A cena narrada no Evangelho deste dia acontece num sábado. A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia sinagogal. Jesus, chegado há pouco à cidade, entra na sinagoga – como qualquer bom judeu – para participar na liturgia sabática. A celebração comunitária começava, normalmente, com a “profissão de fé” (cf. Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras (uma da Tora e outra dos Profetas); depois, vinha o comentário às leituras e as bênçãos. É provável que Jesus tivesse sido convidado, nesse dia, para comentar as leituras feitas. Fê-lo de uma forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir aos “escribas” (os estudiosos das Escrituras). As pessoas ficaram maravilhadas com as palavras de Jesus, “porque ensinava com autoridade e não como os escribas” (vers. 22). Os escribas costumavam repetir uma e outra vez as tradições rabínicas e as opiniões dos mestres do passado. Jesus é diferente. Não repete lições que aprendeu dos mestres. Ele fala com autoridade. O que Ele diz vem-Lhe da sua experiência de Deus. É uma palavra livre, sincera, convincente, que mexe com os corações. As pessoas que O escutam percebem que as suas palavras vêm de Deus e têm a marca de Deus.

    A “autoridade” que se revela nas palavras de Jesus manifesta-se, também, em ações concretas (como se a “autoridade” das palavras tivesse de ser caucionada pela própria ação). Na sequência das palavras ditas por Jesus e que transmitem aos ouvintes um sinal inegável da presença de Deus, aparece em cena “um homem com um espírito impuro”. Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram provocadas por “espíritos maus” que se apropriavam dos homens e os tornavam prisioneiros. As pessoas afetadas por esses males deixavam de cumprir a Lei (as normas corretas de convivência social e religiosa) e ficavam numa situação de “impureza” – isto é, afastadas de Deus e da comunidade. Na perspetiva dos contemporâneos de Jesus, esses “espíritos maus” que afastavam os homens da órbita de Deus tinham um poder absoluto, que os homens não podiam, com as suas frágeis forças, ultrapassar. Acreditava-se que só Deus, com o seu poder e autoridade absolutos, era capaz de vencer os “espíritos maus” e devolver aos homens a vida e a liberdade perdidas.

    Numa encenação com um singular poder evocador, Marcos põe o “espírito mau” que domina “um homem” presente na sinagoga a interpelar violentamente Jesus. Marcos está a sugerir que, diante da proposta libertadora que Jesus veio apresentar, em nome de Deus, os “espíritos maus” responsáveis pelas cadeias que oprimem os homens ficam inquietos, pois sentem que o seu poder sobre a humanidade chegou ao fim. A ação da cura do homem “com um espírito impuro” constitui “a prova provada” de que Jesus traz uma proposta de libertação que vem de Deus; pela ação de Jesus, Deus vem ao encontro da pessoa para a salvar de tudo aquilo que a impede de ter vida em plenitude.

    Para Marcos, este primeiro episódio é uma espécie de apresentação de um programa de ação: Jesus veio ao encontro dos homens para os libertar de tudo aquilo que lhes rouba a vida. A libertação que Deus quer oferecer à humanidade está a acontecer. O “Reino de Deus” instalou-se no mundo. Jesus, cumprindo o projeto libertador de Deus, pela sua Palavra e pela sua ação, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Aquele homem “com um espírito impuro” que interpela Jesus na sinagoga de Cafarnaum representa todos os homens e mulheres, de todas as épocas, que são reféns do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência, do medo, da exploração, da exclusão, da injustiça, do ódio, da violência, do pecado; representa essa humanidade que percorre um caminho à margem de Deus e das suas propostas, que aposta em valores efémeros e escravizantes ou que procura a vida em propostas falíveis ou efémeras. Para todos nós que, de uma forma ou de outra, vivemos mergulhados nesta realidade desumanizadora, o relato de Marcos deixa uma Boa Notícia: Deus não Se conforma com o facto de os homens trilharem caminhos de morte, e virá sempre ter connosco para nos oferecer a liberdade e a salvação.
    • Para Marcos, a proposta de Deus chega torna-se realidade viva e atuante em Jesus. Ele é o Messias libertador que, com a sua vida, com a sua palavra, com os seus gestos, com as suas ações, vem propor aos homens um caminho novo de liberdade e de vida. Ao egoísmo, Ele contrapõe a doação e a partilha; ao orgulho e à autossuficiência, Ele contrapõe o serviço simples e humilde a Deus e aos irmãos; à exclusão, Ele propõe a tolerância e a misericórdia; à injustiça, ao ódio, à violência, Ele contrapõe o amor sem limites; ao medo, Ele contrapõe a liberdade; à morte, Ele contrapõe a vida. Estou disponível para caminhar com Jesus, para acolher as suas propostas, para abraçar o seu projeto, para acolher a libertação que Ele me veio oferecer?
    • Os discípulos de Jesus são as testemunhas, aqui e agora, da sua proposta libertadora. Eles têm de continuar a missão de Jesus e de assumir a mesma luta de Jesus contra todos os “demónios” que introduzem no mundo dinâmicas criadoras de sofrimento e de morte. Ser discípulo de Jesus é percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu e lutar, se necessário até ao dom total da vida, por um mundo mais humano, mais livre, mais solidário, mais justo, mais fraterno. Os seguidores de Jesus não podem ficar de braços cruzados, a olhar para o céu, enquanto o mundo é construído e dirigido por aqueles que propõem uma lógica de egoísmo e de morte; mas têm a grave responsabilidade de lutar, objetivamente, contra tudo aquilo que desumaniza os filhos e filhas de Deus. Essa é também a minha luta?
    • O texto refere o incómodo do “homem com um espírito impuro”, diante da presença libertadora de Jesus. O pormenor faz-nos pensar nas reações agressivas e intolerantes – por parte daqueles que pretendem perpetuar situações de injustiça e de escravidão – diante do testemunho e do anúncio dos valores do Evangelho. Apesar da incompreensão e da intolerância de que são, por vezes, vítimas, os discípulos de Jesus não devem deixar-se encerrar nas sacristias, ficando à margem da história por medo ou comodismo; mas devem assumir corajosamente e de forma bem visível o seu empenho na transformação das realidades políticas, económicas, sociais, laborais, familiares.
    • Aquele homem dominado “por um espírito impuro” não deve ter entrado pela primeira vez na sinagoga de Cafarnaum naquele sábado. Provavelmente participava habitualmente na liturgia sinagogal, escutava a Palavra de Deus que era lida e as explicações dos escribas. Mas só nesse dia se sentiu questionado e incomodado pela Palavra que escutou. Porquê? Porque Jesus proclamou e explicou a Palavra de uma forma nova, “com autoridade”, com aquela autoridade que lhe vinha da sua experiência de Deus? É possível. E a Palavra de Deus que ecoa todos os dias nas nossas celebrações comunitárias? Transmite uma experiência de Deus e faz-nos sentir a presença de Deus? Provoca alguma transformação no coração dos que a escutam? Interroga-nos, desafia-nos, provoca-nos, inquieta-nos ou deixa-nos impávidos, indiferentes e sempre adormecidos?
    • A luta contra os “demónios” que desfeiam o mundo e escravizam os homens nossos irmãos é sempre um processo doloroso, que gera conflitos, divisões, sofrimento; mas é, também, uma aventura que vale a pena ser vivida e uma luta que vale a pena travar. Embarcar nessa aventura é tornar-se cúmplice de Deus na construção de um mundo de homens livres.

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A liturgia meditada ao longo da semana.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 4.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…

    2. PALAVRA DE VIDA.

    Os ouvintes de Jesus estavam habituados a receber ensinamentos. A diferença que fazem entre o ensino de Jesus e o dos escribas e fariseus é que Jesus ensina como homem que tem autoridade. Eles sentem que a sua palavra não é dita de cor, mas pronunciada do coração para atingir o coração. Será necessário tempo para que eles descubram que esta palavra vem do coração de Deus. O espírito mau sabe quem é Jesus – o Santo de Deus – e reconhece a sua autoridade: Jesus veio para vencer as forças do mal. Compreendemos a admiração da multidão, que já não tem mais medo porque, no seu meio, ergue-se o Salvador que fala e age. Tal é a sua verdadeira autoridade: Ele vem fazer uma nova criação: como na manhã do mundo, Ele diz e tudo é criado. Compreendemos então que o seu nome se espalhe em toda a Galileia. E se nós espalhássemos o seu nome? Com efeito, ainda hoje Ele diz e age.

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Que fazemos da Palavra? Por duas vezes, Marcos chama a nossa atenção para o ensino de Jesus, feito “com autoridade”. As multidões são atingidas: esta palavra é verdadeiramente diferente das dos escribas. Estes últimos eram, na realidade, repetidores que apenas rediziam a Lei, triturando-a de mil maneiras, disputando sobre o sentido de cada palavra, acabando por diluir a Palavra de Deus nas suas argúcias. Jesus anuncia uma palavra nova, uma palavra de “autoridade”. Trata-se de uma palavra que faz crescer, que está ao serviço do crescimento do ser e da vida. É o sentido da ordem de Jesus ao espírito mau: “Silêncio! Sai deste homem!” Jesus veio para que os homens “tenham a vida e a tenham em abundância”. A sua autoridade é unicamente um poder de vida e não de morte. Os escribas acabavam por esterilizar a Lei. Jesus liberta-a de toda a carcaça para fazer dela uma Palavra criadora de vida. E nós, em Igreja, que fazemos desta Palavra? Muitas vezes, transformamos as palavras do Evangelho em tantos preceitos morais e jurídicos, que enfermam as consciências culpabilizando-as, em lugar de fazermos apelos ao Espírito de liberdade que nos quer colocar de pé, fazer de nós seres vivos.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Encontros com o Senhor… Os nossos dias, a nossa semana, podem ser pontuadas com encontros, mesmo curtos, com o Senhor: momentos de oração (sozinhos, em casal, em família, em comunidade), celebrações na paróquia ou na comunidade religiosa, momentos de meditação da Palavra de Deus; gestos e encontros para servir os mais pequenos. Agradar ao Senhor, colocando o nosso quotidiano sob o seu olhar: procurar fazer o ponto da situação, em cada noite, com Ele.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
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