Week of Jan 16th

  • 02º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    02º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    14 de Janeiro, 2024

    ANO B

    2.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 2.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 2.º Domingo do Tempo Comum convida-nos a descobrir que Deus conta connosco para concretizar, no mundo e na história, o seu projeto; e propõe-nos acolher, com disponibilidade e generosidade, os desafios de Deus.

    A primeira leitura traz-nos a história do chamamento do profeta Samuel. Diz-nos que o chamamento é sempre uma iniciativa de Deus: é Ele que vem ao encontro do homem, chama-o pelo nome, desafia-o a ser sinal e testemunho do projeto de Deus no mundo. A resposta do jovem Samuel pode constituir a paradigma da nossa resposta ao Deus que chama.

    O Evangelho descreve o encontro de Jesus com os seus primeiros discípulos e esboça o caminho que o discípulo deve percorrer depois desse primeiro encontro: deve ir atrás de Jesus, estabelecer contato com Ele, perceber que Ele é fonte de Vida verdadeira, aceitar viver em comunhão com Ele, tornar-se testemunha dele junto dos outros irmãos.

    Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto a viverem de forma coerente com o chamamento que Deus lhes fez. No crente que vive em comunhão com Cristo e que é Templo do Espírito deve manifestar-se sempre a vida nova de Deus. Todos os baptizados são chamados a dar testemunho do Homem Novo, do Homem que vive de Jesus e que caminha com Jesus.

     

    LEITURA I – 1 Samuel 3,3b-10.19

    Naqueles dias,
    Samuel dormia no templo do Senhor,
    onde se encontrava a arca de Deus.
    O Senhor chamou Samuel
    e ele respondeu: «Aqui estou».
    E, correndo para junto de Heli, disse:
    «Aqui estou, porque me chamaste».
    Mas Heli respondeu:
    «Eu não te chamei; torna a deitar-te».
    E ele foi deitar-se.
    O Senhor voltou a chamar Samuel.
    Samuel levantou-se, foi ter com Heli e disse:
    «Aqui estou, porque me chamaste».
    Heli respondeu:
    «Não te chamei, meu filho; torna a deitar-te».
    Samuel ainda não conhecia o Senhor,
    porque, até então,
    nunca se lhe tinha manifestado a palavra do Senhor.
    O Senhor chamou Samuel pela terceira vez.
    Ele levantou-se, foi ter com Heli e disse:
    «Aqui estou, porque me chamaste».
    Então Heli compreendeu que era o Senhor
    que chamava pelo jovem.
    Disse Heli a Samuel:
    «Vai deitar-te; e se te chamarem outra vez, responde:
    ‘Falai, Senhor, que o vosso servo escuta’».
    Samuel voltou para o seu lugar e deitou-se.
    O Senhor veio, aproximou-Se e chamou como das outras vezes:
    «Samuel! Samuel!»
    E Samuel respondeu:
    «Falai, Senhor, que o vosso servo escuta».
    Samuel foi crescendo;
    o Senhor estava com ele
    e nenhuma das suas palavras deixou de cumprir-se.

     

    CONTEXTO

    O Livro de Samuel situa-nos no período histórico que vai de meados do séc. XI a.C. até ao final do reinado de David (972 a.C.). É durante esse arco temporal que diversas tribos da região – quer as que tinham regressado do Egito com Moisés, quer outras que há vários séculos habitavam a terra de Canaã – vão estreitar laços, de forma a constituírem uma unidade política. Nos últimos anos do séc. XI a.C., essas tribos vão unir-se à volta da realeza davídica.

    Os primeiros capítulos do Livro de Samuel situam-nos ainda na fase pré-monárquica. Nessa fase observa-se, por um lado, um processo crescente de sedentarização, de consolidação e de unificação das tribos no território de Canaã, a partir de determinados elementos unificadores, como sejam os “juízes”, os pactos de defesa diante dos inimigos comuns, as federações de tribos vizinhas e os santuários que periodicamente acolhem a Arca da Aliança e assentam as bases da fé monoteísta; por outro lado, observa-se também a precariedade das coligações defensivas diante dos ataques inimigos, a escassa consciência unitária, o descrédito de alguns “juízes”, todo um conjunto de debilidades que geram instabilidade e incerteza… As instituições tribais revelam-se inadequadas para responder aos novos desafios, nomeadamente à pressão militar exercida pelos filisteus. O modelo monárquico dos povos vizinhos parece ser a solução ideal para abordar os novos desafios da história.

    Samuel aparece nesse tempo de transição da vida tribal para a monarquia. Pertence à tribo de Efraim, uma tribo instalada no centro do país, na montanha de Efraim (onde, aliás, Samuel exerce o seu ministério). O Livro de Samuel apresenta-o como um “juiz” (narra-se o seu nascimento maravilhoso nos mesmos moldes que o nascimento de Sansão – 1 Sm 1; cf. Jz 13); mas logo se diz que ele foi educado no templo de Silo, onde estava depositada a Arca da Aliança (1 Sm 2,18-21) – o que pode significar que exercia igualmente funções litúrgicas. Mais tarde irá ser chamado, num período de desolação, a conduzir o Povo no combate contra os filisteus.

    Samuel é, portanto, uma figura complexa e multifacetada, simultaneamente juiz, sacerdote e chefe dos exércitos. Faz a ponte entre uma época de confusão e de escassa consciência unitária, para uma época onde começa a estruturar-se uma organização mais centralizada.

    O texto que a liturgia de hoje nos propõe como primeira leitura apresenta a vocação de Samuel. A cena coloca-nos no santuário de Silo, onde estava a Arca da Aliança. Samuel, consagrado a Deus por sua mãe, era servidor do santuário (cf. 1 Sm 1,11.22-28).

    Mais do que um relato fidedigno de acontecimentos concretos, este texto deve ser visto como uma catequese sobre o chamamento de Deus e a resposta do homem, redigida de acordo com o esquema típico dos relatos de vocação.

    MENSAGEM

    A primeira nota que é preciso sublinhar, a partir do relato da vocação de Samuel, é que a vocação é sempre uma iniciativa de Deus (“o Senhor chamou Samuel” – vers. 4a). É Deus que, seguindo critérios que nos escapam absolutamente, escolhe, chama, interpela, desafia o homem. A indicação de que “Samuel ainda não conhecia o Senhor porque, até então, nunca se lhe tinha manifestado a Palavra do Senhor” (vers. 7) sugere claramente que o chamamento de Samuel parte só de Deus e é uma iniciativa exclusiva de Deus, à qual Samuel é, num primeiro momento, totalmente alheio.

    Uma segunda nota é sugerida pelo enquadramento temporal do chamamento: Deus dirige-Se a Samuel enquanto este estava deitado, presumivelmente, durante a noite. É o momento do silêncio, da tranquilidade e da calma, quando a algazarra, o barulho e a confusão se calaram. A nota sugere que a voz de Deus se torna mais facilmente percetível no silêncio, quando o coração e a mente do homem abandonaram a preocupação com os problemas do dia a dia e estão mais livres e disponíveis para escutar os apelos e os desafios de Deus.

    Como se plasma a resposta de Samuel ao chamamento de Deus? Antes de mais, o autor desta catequese sublinha a dificuldade de Samuel em reconhecer a voz do Senhor. Javé chamou Samuel por quatro vezes e só na última vez o jovem conseguiu perceber que voz era aquela. Com este pormenor, o catequista evidencia a dificuldade que qualquer chamado experimenta no sentido de identificar a voz de Deus, no meio da multiplicidade de vozes e de apelos que todos os dias atraem a sua atenção e seduzem os seus sentidos.

    Depois, sobressai o papel de Heli na descoberta vocacional do jovem Samuel. É Heli que compreende “que era o Senhor quem chamava o menino” e que ensina Samuel a abrir o coração ao chamamento de Javé (“se fores chamado outra vez, responde: «fala, Senhor; o teu servo escuta»” – vers. 9). O pormenor sugere que, tantas vezes, os irmãos que nos rodeiam têm um papel decisivo na perceção da vontade de Deus a nosso respeito e na nossa sensibilização para os apelos e para os desafios que Deus nos apresenta.

    Finalmente, o autor põe em relevo a disponibilidade de Samuel para ouvir e para acolher a voz de Deus: “fala, Senhor; o teu servo escuta” (vers. 10). No mundo bíblico, “escutar” não significa apenas ouvir com os ouvidos; mas significa, sobretudo, acolher no coração e integrar na própria vida aquilo que se escutou. É isso que o jovem Samuel se compromete a fazer. Completamente disponível para o serviço de Javé, ele abraça a missão de ser um sinal vivo de Deus, a voz “humana” de Deus que ecoa na vida e na história do seu Povo.

    INTERPELAÇÕES

    • A vocação é sempre uma iniciativa, misteriosa e gratuita, de Deus. O profeta deve ter plena consciência de que na origem da sua vocação está Deus e que a sua missão só se entende e só se realiza em referência a Deus. Um profeta não se torna profeta por iniciativa própria, para realizar sonhos pessoais, ou porque entende ter as “qualidades profissionais” requeridas para o cargo… O profeta torna-se profeta porque um dia escutou Deus a chamá-lo pelo nome e a confiar-lhe uma missão. Todos nós, chamados por Deus a uma missão no mundo, não podemos esquecer isto: a nossa missão vem de Deus e tem de se desenvolver em referência a Deus. Como profetas, não nos anunciamos a nós próprios, não vendemos os nossos sonhos, não impomos aos outros a nossa visão pessoal das coisas; mas anunciamos e testemunhamos Deus e os seus projetos no meio dos nossos irmãos.
    • O relato da vocação de Samuel situa-nos num quadro temporal próprio: de noite, quando já terminaram as tarefas do dia e quando o santuário de Silo está envolvido na tranquilidade, na calma e no silêncio… Provavelmente, o catequista autor deste texto não escolheu este enquadramento por acaso. Ele quis sugerir que é mais fácil detetar a presença de Deus e ouvir a sua voz nesse ambiente favorável de silêncio que favorece a escuta. Quando corremos de um lado para o outro, afadigados em mil e uma atividades, preocupados em responder às solicitações que nos chegam de todos os lados, dificilmente temos espaço e disponibilidade para ouvir a voz de Deus e para detetar esses sinais discretos através dos quais Ele nos indica os seus caminhos. O profeta necessita de tempo e de espaço para rezar, para falar com Deus, para interrogar o seu coração sobre o sentido do que está a fazer, para ouvir esse Deus que fala nas “pequenas coisas” a que nem sempre damos importância. Procuro reservar tempo para interiorizar a Palavra de Deus, para dialogar com Ele e para responder aos desafios que Ele me lança? Estou disponível para escutar o Espírito, como exige o modo sinodal de ser Igreja?
    • São muitas as “vozes” que ouvimos todos os dias, vendendo propostas de vida e de felicidade. Muitas vezes, essas “vozes” confundem-nos, alienam-nos e conduzem-nos por caminhos onde a felicidade não está. Como identificar a voz de Deus no meio das vozes que dia a dia escutamos e que nos sugerem uma colorida multiplicidade de caminhos e de propostas? Samuel não identificou a voz de Deus sozinho, mas recorreu à ajuda do sacerdote Heli… Na verdade, aqueles que partilham connosco a mesma fé e que percorrem o mesmo caminho podem ajudar-nos, com as suas palavras e com o seu testemunho, a identificar a voz de Deus. A nossa comunidade cristã desafia-nos, interpela-nos, questiona-nos, ajuda-nos a purificar as nossas opções e a perceber os caminhos que Deus nos propõe.
    • Depois de identificar essa “voz” misteriosa que se lhe dirigia, Samuel respondeu: “fala, Senhor; o teu servo escuta”. É a expressão de uma total disponibilidade, abertura e entrega face aos desafios e aos apelos de Deus. É evidente que, na figura de Samuel, o catequista bíblico propõe a atitude paradigmática que devem assumir todos aqueles a quem Deus chama. Como é que me situo face aos apelos e aos desafios de Deus? Com uma obstinada recusa, com um “sim” reticente, ou com total disponibilidade e entrega?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 39 (40)

    Refrão: Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.

    Esperei no Senhor com toda a confiança
    e Ele atendeu-me.
    Pôs em meus lábios um cântico novo,
    um hino de louvor ao nosso Deus.

    Não Vos agradaram sacrifícios nem oblações,
    mas abristes-me os ouvidos;
    não pedistes holocaustos nem expiações,
    então clamei: «Aqui estou».

    «De mim está escrito no livro da Lei
    que faça a vossa vontade.
    Assim o quero, ó meu Deus,
    a vossa lei está no meu coração».

    «Proclamei a justiça na grande assembleia,
    não fechei os meus lábios, Senhor, bem o sabeis.
    Não escondi a justiça no fundo do coração,
    proclamei a vossa bondade e fidelidade».

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 6,13c-15a.17-20

    Irmãos:
    O corpo não é para a imoralidade, mas para o Senhor,
    e o Senhor é para o corpo.
    Deus, que ressuscitou o Senhor,
    também nos ressuscitará a nós pelo seu poder.
    Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?
    Aquele que se une ao Senhor
    constitui com Ele um só Espírito.
    Fugi da imoralidade.
    Qualquer outro pecado que o homem cometa
    é exterior ao seu corpo;
    mas o que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo.
    Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo,
    que habita em vós e vos foi dado por Deus?
    Não pertenceis a vós mesmos,
    porque fostes resgatados por grande preço:
    glorificai a Deus no vosso corpo.

     

    CONTEXTO

    No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca de 18 meses (anos 50-52). De acordo com At 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. Ao sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; At 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com os líderes da comunidade judaica e foi expulso da sinagoga.

    Corinto, cidade nova e próspera, era a capital da Província romana da Acaia e a sede do procônsul romano. Servida por dois portos de mar, nela se cruzavam pessoas de todas as raças e religiões. Era a cidade do desregramento para os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo e que, após semanas de navegação, chegavam com vontade de se divertir. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.

    Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maioria dos membros da comunidade era de origem grega, embora de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. At 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13).

    De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10).

    Tratava-se de uma comunidade forte e vigorosa, mas que mergulhava as suas raízes em terreno adverso. No centro da cidade, o templo de Afrodite, a deusa grega do amor, atraía os peregrinos e favorecia os desregramentos e a libertinagem sexual. Os cristãos, naturalmente, viviam envolvidos por este mundo e acabavam por transportar para a comunidade alguns dos vícios da cultura ambiente. Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.

    Em 1 Cor 6,12 aparece uma frase – possivelmente do próprio Paulo – que servia a alguns cristãos de Corinto para justificar os seus excessos: “Tudo me é permitido”… Paulo explica que “tudo me é permitido, mas nem tudo é conveniente; tudo me é permitido, mas eu não me farei escravo de nada”. Na sequência, Paulo recorda aos membros da comunidade as exigências da sua adesão a Cristo.

     

    MENSAGEM

    Pelo Batismo, o cristão torna-se membro de Cristo e forma com ele um único corpo. A partir desse momento, os pensamentos, as palavras, as atitudes do cristão devem ser os de Cristo e devem testemunhar, diante do mundo, o próprio Cristo. No “corpo” do cristão manifesta-se, portanto, a realidade do “corpo” de Cristo.

    Mais ainda: o cristão é também Templo do Espírito. Para os judeus, o “templo” de Jerusalém era o lugar onde Deus residia no mundo e se manifestava ao seu Povo… Dizer que os cristãos são “Templo do Espírito” significa que eles são agora o lugar onde reside e se manifesta a vida de Deus. No Batismo, o cristão recebe o Espírito de Deus; e é esse Espírito que vai, a partir desse instante, conduzi-lo, inspirar os seus pensamentos, condicionar as suas ações e comportamentos.

    Estão aqui sugeridos os elementos fundamentais da antropologia cristã… O “corpo” é o lugar onde se manifesta historicamente essa vida nova que inunda o crente, após a sua adesão a Cristo. Por isso, o “corpo” – ao contrário do que defendiam algumas correntes bem representadas nas escolas filosóficas de Corinto – não é algo desprezível, baixo, miserável, condenado; mas é algo que tem uma suprema dignidade, pois é nele que se manifesta no mundo a vida de Deus.

    Paulo tira disto algumas consequências práticas e não hesita em aplicá-las à situação concreta dos crentes de Corinto, às vezes tentados por comportamentos pouco edificantes, particularmente no âmbito da vivência da sexualidade: se os cristãos são membros de Cristo e vivem em comunhão com Cristo, devem evitar os comportamentos desregrados no domínio da sexualidade; se os cristãos são “Templo do Espírito” e os seus corpos são o lugar onde se manifesta a vida nova de Deus, certas atitudes e hábitos desordenados não são dignos dos crentes.

    No “corpo” dos cristãos deve manifestar-se a vida de Deus. Ora, tudo aquilo que é expressão de egoísmo, de procura desenfreada dos próprios interesses, de realização descontrolada dos próprios caprichos, de comportamentos que usam e instrumentalizam o outro, está em absoluta contradição com essa vida nova de Deus que é relação, entrega mútua, compromisso sério, amor verdadeiro. É verdade que os crentes são livres; mas a liberdade cristã tem como limite o próprio Cristo: nada do que contradiz os valores e o projeto de Jesus pode ser aceite pelo cristão. Aliás, os crentes devem ter consciência de que o radicalismo da liberdade acaba frequentemente na escravidão.

    Paulo termina com um convite singular: “glorificai a Deus no vosso corpo” (vers. 20). É através de comportamentos e atitudes onde se manifesta a realidade da vida nova de Jesus que os crentes podem “prestar culto” a Deus. O “culto” a Deus não passa pela prática de um conjunto de ritos externos, mais ou menos pomposos, mais ou menos solenes, mas sim por um compromisso de vida que afeta a pessoa inteira e que diz respeito à relação do crente com os outros irmãos ou irmãs e consigo próprio. É preciso que em todas as circunstâncias – inclusive no campo da vivência da sexualidade – a vida do crente seja entrega, serviço, doação, respeito, amor verdadeiro. É esse o culto que Deus exige.

    INTERPELAÇÕES

    • Somos todos chamados a integrar o “corpo” de Cristo. No dia do nosso Batismo respondemos positivamente ao convite que, nesse sentido, nos foi feito; e depois, ao longo do caminho, reiterámos vezes sem conta esse compromisso… Vivemos conscientes disso? Essa opção fundamental é uma realidade que temos sempre presente em todos os passos do nosso percurso de vida?
    • A adesão a Cristo implica assumirmos comportamentos coerentes com o que Jesus nos disse em palavras e em gestos; implica segui-l’O no caminho do amor incondicional, do serviço simples e gratuito, da doação total a Deus e aos nossos irmãos. Assim, nada do que é egoísmo, exploração, violência, prepotência, mentira, abuso dos direitos e dignidade do outro, procura desordenada do bem próprio à custa do outro, poderá entrar, como normalidade, na vida do discípulo de Jesus. O meu comportamento no contexto familiar, no espaço onde exerço a minha vida profissional, no meu círculo de relações é condizente com a minha qualidade de discípulo de Jesus?
    • A propósito, Paulo coloca o problema da vivência da sexualidade… Essa importante dimensão da nossa realização como pessoas não pode concretizar-se em ações egoístas, que nos escravizam a nós e que instrumentalizam os outros; mas tem de concretizar-se num quadro de amor verdadeiro, de relação, de entrega mútua, de compromisso, de respeito absoluto pelo outro e pela sua dignidade. Neste campo surgem, com alguma frequência, denúncias de comportamentos e atitudes, dentro e fora da Igreja, que afetam e magoam pessoas frágeis e indefesas. Devemos ter sempre isto bem claro: qualquer comportamento abusivo que desrespeite a dignidade e a autonomia dos outros irmãos e irmãs que se cruzam connosco constitui uma grave subversão dos valores de Jesus.
    • “Tudo me é permitido” – dizia-se no tempo de Paulo e repete-se hoje… Será a liberdade um valor absoluto? Para os discípulos de Jesus, a liberdade não pode traduzir-se em comportamentos e opções que neguem a nossa opção fundamental por Cristo. Há quem ache que só nos realizaremos plenamente se pudermos fazer tudo o que nos apetecer… Contudo, o cristão sabe que “nem tudo lhe convém”. Aliás, certas opções contrárias aos valores do Evangelho não conduzem à liberdade, mas à dependência e à escravidão.
    • Qual é o verdadeiro “culto” que Deus pede? Como é que traduzimos, em gestos concretos, a nossa adesão a Deus? Paulo sugere que o verdadeiro culto, o culto que Deus espera, é uma vida coerente com os compromissos que assumimos com Ele, traduzida em gestos concretos de amor, de entrega, de doação, de respeito pelo outro e pela sua dignidade.

     

    ALELUIA – cf. João 1,41.17b

    Aleluia. Aleluia.

    Encontramos o Messias, que é Jesus Cristo.
    Por Ele nos veio a graça e a verdade.

     

    EVANGELHO – João 1,35-42

    Naquele tempo,
    estava João Baptista com dois dos seus discípulos
    e, vendo Jesus que passava, disse:
    «Eis o Cordeiro de Deus».
    Os dois discípulos ouviram-no dizer aquelas palavras
    e seguiram Jesus.
    Entretanto, Jesus voltou-Se;
    e, ao ver que O seguiam, disse-lhes:
    «Que procurais?»
    Eles responderam:
    «Rabi – que quer dizer ‘Mestre’ – onde moras?»
    Disse-lhes Jesus: «Vinde ver».
    Eles foram ver onde morava
    e ficaram com Ele nesse dia.
    Era por volta das quatro horas da tarde.
    André, irmão de Simão Pedro,
    foi um dos que ouviram João e seguiram Jesus.
    Foi procurar primeiro seu irmão Simão e disse-lhe:
    «Encontrámos o Messias» – que quer dizer ‘Cristo’ –;
    e levou-o a Jesus.
    Fitando os olhos nele, Jesus disse-lhe:
    «Tu és Simão, filho de João.
    Chamar-te-ás Cefas» – que quer dizer ‘Pedro’.

     

    CONTEXTO

    Este trecho integra a secção introdutória do Quarto Evangelho (cf. Jo 1,19-3,36). Nessa secção, a principal preocupação do autor é apresentar a figura de Jesus.

    João, o autor do Quarto Evangelho, convida-nos a participar numa montagem cénica. Diante dos nossos olhos, diversas personagens vão entrando no palco e apresentam-nos Jesus. As declarações que lhes são postas na boca não são palavras de circunstância, mas são afirmações categóricas, carregadas de significado teológico, que nos convidam a mergulhar no mistério de Jesus. O quadro final que resulta destas diversas intervenções apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, que possui o Espírito e que veio ao encontro dos homens para fazer aparecer o Homem Novo, nascido da água e do Espírito.

    João Baptista tem um lugar especial neste contexto de apresentação de Jesus. O seu testemunho aparece no início e no fim da secção – cf. Jo 1,19-37; 3,22-36), como se ele tivesse mais a dizer do que qualquer outro. De facto, a catequese cristã sempre o viu como “o percursor do Messias”, aquele que Deus enviou para preparar os homens para acolherem Jesus.

    O nosso texto põe ainda em cena três discípulos: André, um outro discípulo não identificado e Simão Pedro. Os dois primeiros são apresentados como discípulos de João e é por indicação de João que seguem Jesus. Trata-se de um quadro de vocação que difere substancialmente dos relatos de chamamento dos primeiros discípulos apresentados pelos sinópticos (cf. Mt 4,18-22; Mc 1,16-20; Lc 5,1-11). Em todo o caso, estamos diante de um modelo de chamamento e de seguimento de Jesus, mais do que uma reportagem sobre um acontecimento real.

    MENSAGEM

    O quadro inicial situa-nos junto do rio Jordão (vers. 35-37). Em cena estão, inicialmente, três personagens: João Batista e dois dos seus discípulos. Os discípulos referidos são, certamente, homens que tinham escutado a pregação de João e recebido o seu baptismo. Estavam disponíveis para romper com a “vida velha” e para acolher o Messias que Israel esperava ansiosamente e que, segundo João, estava para chegar.

    Entretanto, Jesus entra em cena. João viu Jesus “que passava” e indicou-O aos seus dois discípulos, dizendo: “eis o cordeiro de Deus” (vers. 36). João é uma figura estática, cuja missão é meramente circunstancial e consiste apenas em preparar os homens para acolher o Messias libertador; quando esse Messias “passa”, a missão de João termina e começa uma nova realidade. João está plenamente consciente disso… Não procura prolongar o seu protagonismo ou conservar no seu círculo restrito esses discípulos que durante algum tempo o escutaram e que beberam a sua mensagem. Ele sabe que a sua missão não é congregar à sua volta um grupo de adeptos, mas preparar o coração dos homens para acolher Jesus e a sua proposta libertadora. Por isso, na ocasião certa, indica Jesus aos seus discípulos e convida-os a segui-l’O.

    A expressão “eis o cordeiro de Deus”, usada por João para apresentar Jesus, fará, provavelmente, referência ao “cordeiro pascal”, símbolo da libertação oferecida por Deus ao seu Povo, prisioneiro no Egipto (cf. Ex 12,3-14. 21-28). Esta expressão define Jesus como o enviado de Deus, que vem inaugurar a nova Páscoa e realizar a libertação definitiva dos homens. A missão de Jesus consiste, portanto, em eliminar as cadeias do egoísmo e do pecado que prendem os homens à escravidão e que os impedem de chegar à vida plena.

    Depois da declaração de João, os discípulos reconhecem em Jesus esse Messias com uma proposta de vida verdadeira e seguem-n’O. “Seguir Jesus” é uma expressão técnica que o autor do Quarto Evangelho aplica, com frequência, aos discípulos (cf. Jo 1,43; 8,12; 10,4; 12,26; 13,36; 21,19). Significa caminhar atrás de Jesus, percorrer o mesmo caminho de amor e de entrega que Ele percorreu, adotar os mesmos objetivos de Jesus e colaborar com Ele na missão. A reação dos discípulos é imediata. Não há aqui lugar para dúvidas, para desculpas, para considerações que protelem a decisão, para pedidos de explicação, para procura de garantias… Eles, simplesmente, “seguem” Jesus.

    Num segundo quadro, somos convidados a assistir a um diálogo entre Jesus e os dois discípulos (vers. 38-39). A pergunta inicial de Jesus (“que procurais?”) sugere que é importante, para os discípulos, terem consciência do que esperam de Jesus, daquilo que Jesus lhes pode oferecer. O autor do Quarto Evangelho insinua aqui, talvez, que há quem segue Jesus por motivos errados, procurando n’Ele a realização de objetivos pessoais que estão muito longe da proposta que Jesus veio fazer.

    Os discípulos respondem com uma pergunta (“Rabi, onde moras?”). Nela, está implícita a sua vontade de aderir totalmente a Jesus, de aprender com Ele, de habitar com Ele, de estabelecer comunhão de vida com Ele. Ao chamar-Lhe “Rabi”, indicam que estão dispostos a seguir as suas instruções, a aprender com Ele um modo de vida; a referência à “morada” de Jesus indica que eles estão dispostos a ficar perto de Jesus, a partilhar a sua vida, a viver sob a sua influência. É uma afirmação respeitosa de adesão incondicional a Jesus e ao seu seguimento.

    Jesus convida-os: “vinde ver”. O convite de Jesus significa que Ele aceita a pretensão dos discípulos e os convida a segui-l’O, a aprender com Ele, a partilhar a sua vida. Os discípulos devem “ir” e “ver”, pessoalmente, pois a identificação com Jesus não é algo a que se chega por simples informação, mas algo que se alcança apenas por experiência pessoal de adesão, comunhão e encontro com Ele.

    Os discípulos aceitam o convite e fazem a experiência da partilha da vida com Jesus. Essa experiência direta convence-os a ficar com Jesus (“ficaram com Ele nesse dia”). Nasce, assim, a comunidade do Messias, a comunidade da nova aliança. É a comunidade daqueles que encontram Jesus que passa, procuram n’Ele a verdadeira vida e a verdadeira liberdade, identificam-se com Ele, aceitam segui-l’O no caminho que Ele apontar, estão dispostos a uma vida de total comunhão com Ele.

    Num terceiro quadro (vers. 40-41), os discípulos tornam-se testemunhas. É o último passo deste “caminho vocacional”: quem encontra Jesus e experimenta a comunhão com Ele, não pode deixar de se tornar testemunha da sua mensagem e da sua proposta libertadora. Trata-se de uma experiência tão marcante que transborda os limites estreitos do próprio eu e se torna anúncio libertador para os irmãos. O encontro com Jesus, se é verdadeiro, conduz sempre a uma dinâmica missionária.

    INTERPELAÇÕES

    • Começamos há poucos dias um novo ano. Que programa temos para o caminho? O autor do Quarto Evangelho tem uma proposta irrecusável a fazer-nos para este ano… Convida-nos a redescobrir Jesus que passa, a ir atrás dele, a entrar na casa dele, a partilhar a sua vida e o seu projeto, a interiorizar as suas atitudes fundamentais… Se aceitarmos, espera-nos uma aventura inolvidável, uma experiência profundamente libertadora, um percurso que nos conduzirá a uma Vida de plena realização. Aceitamos o convite?
    • “Que procurais?” – pergunta Jesus àqueles dois discípulos que ousaram ir atrás dele… A todos nós que nos sentimos insatisfeitos, que não nos conformamos com a mediocridade, que temos sede de mais humanidade e de mais paz, que não estamos dispostos a passar o nosso tempo de vida comodamente refugiados na nossa estéril zona de conforto, que nos questionamos sobre a forma como o nosso mundo está a ser construído, Jesus pergunta também: “Que procurais?” Estamos conscientes de que Jesus é a fonte que pode saciar a nossa sede de Vida? E estamos disponíveis para dar testemunho de Jesus a todos os homens e mulheres que vivem perdidos no labirinto da vida e que não sabem como dar sentido à sua existência?
    • De acordo com esta bela página do Evangelho segundo João, a adesão a Jesus só pode ser radical e absoluta, sem meias tintas nem hesitações. Os dois primeiros discípulos não discutiram o “ordenado” que iam ganhar, se a aventura tinha futuro ou se estava condenada ao fracasso, se o abandono de um mestre para seguir outro representava uma promoção ou uma despromoção, se o que deixavam para trás era importante ou não era importante; simplesmente “seguiram Jesus”, sem garantias, sem condições, sem explicações supérfluas, sem “seguros de vida”, sem se preocuparem em salvaguardar o futuro se a aventura não desse certo. A aventura da vocação é sempre – e para nós também – um salto, decidido e sereno, para os braços de Deus.
    • André e o outro discípulo contaram com a ajuda de João Batista para encontrar Jesus e se decidirem a ir atrás dele. Este pormenor lembra-nos o papel dos irmãos da nossa comunidade na nossa caminhada de fé e na nossa descoberta de Jesus. A fé não é um caminho solitário, que cada um percorre isoladamente; mas é uma experiência comunitária, vivida no diálogo e na partilha com os irmãos e irmãs que caminham ao nosso lado e com quem nos reunimos, ao menos no “dia do Senhor”, para rezar e celebrar. A comunidade cristã é o espaço habitual onde a minha fé se expressa, se concretiza, se confronta e se desenvolve?
    • O encontro com Jesus é um caminho que tem de me levar ao encontro dos irmãos e que deve tornar-se, em qualquer tempo e em qualquer circunstância, anúncio e testemunho. Quem experimenta a vida e a liberdade que Cristo oferece, não pode calar essa descoberta; mas deve sentir a necessidade de a partilhar com os outros, a fim de que também eles possam encontrar o verdadeiro sentido para a sua existência. “Encontrámos o Messias” deve ser o anúncio jubiloso de quem encontrou Jesus, fez com Ele uma verdadeira experiência de vida nova e anseia por levar os irmãos a uma descoberta semelhante.
    • João Baptista nunca procurou apontar os holofotes para a sua própria pessoa e criar um grupo de adeptos ou seguidores que satisfizessem a sua vaidade ou a sua ânsia de protagonismo… A sua preocupação foi apenas preparar o coração dos seus concidadãos para acolher Jesus. Depois, retirou-se discretamente para a sombra, deixando que os projetos de Deus seguissem o seu curso. João ensina-nos a nunca nos tornarmos protagonistas ou a atrair sobre nós as atenções; a sermos testemunhas de Jesus, não de nós próprios.

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA meditada ao longo da semanA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 2.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. PALAVRA DE VIDA.

    Rosto de Deus, de Cristo, da Igreja… Acolhemos o Rosto de Deus que está acima de tudo e está tão próximo de nós, que nos dá gratuitamente todos os seus dons. Acolhemos o Rosto do Filho muito amado, revelação da ternura e do amor do Pai, saboreando com Cristo o gosto infinito da relação íntima e única que O une ao Abba, Pai. Acolhemos na nossa fé o Rosto da Palavra, que nos compromete no seu anúncio.

     

    3. UM PONTO DE ATENÇÃO.

    Dar atenção à oração universal… Na oração universal, os fiéis exercem a função sacerdotal que receberam no Batismo. Seria bom, de vez em quando, solenizar este momento e sublinhar que não se trata de alinhar uma lista de intenções, mas de se comprometer nos pedidos feitos a Deus. A formulação é, pois, importante, mas também a maneira de pronunciar estas intenções e de fazer participar a assembleia. Para dar mais importância à oração, aqueles que a pronunciam podem colocar-se de joelhos diante do altar ou ao pé da cruz. Algumas pessoas podem acompanhá-los, em silêncio, e mantêm simplesmente as mãos erguidas durante a oração.

     

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    «Aqui estou!» A minha resposta à maneira de Samuel… Como, sob que forma, não necessariamente explícita, foi dada esta resposta? Que escolhas mais ou menos importantes ela provocou? Que consequências teve a seguir? Que balanço fazer hoje? Faço regularmente um balanço espiritual da minha vida? Esta semana, é importante voltar a dizer “aqui estou”, com generosidade, liberdade e felicidade…

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • II Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    II Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    15 de Janeiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Samuel 15, 16-23

    Naqueles dias, 16Samuel disse a Saul: «Cala-te! Vou dizer-te o que o Senhor me disse esta noite.» Saul respondeu: «Fala.» 17Samuel disse: «Apesar de te considerares pequeno, acaso não te tornaste chefe das tribos de Israel, e não te ungiu o Senhor rei de Israel? 18O Senhor enviou-te a essa expedição, dizendo: 'Passa ao fio de espada esses amalecitas pecadores e combate contra eles até ao completo extermínio.' 19Porque não ouviste a sua voz e te lançaste sobre os despojos, fazendo o que desagrada ao Senhor?» 20Respondeu Saul a Samuel: «Eu obedeci à voz do Senhor, fui pelo caminho que Ele me traçou, trouxe Agag, rei dos amalecitas, e exterminei esse povo. 21O povo somente tomou dos despojos algumas ovelhas e bois, como primícias do que devia destruir, para os sacrificar ao Senhor, teu Deus, em Guilgal.» 22Samuel replicou-lhe, então: «Porventura, o Senhor se compraz tanto nos holocaustos e sacrifícios como na obediência à sua palavra? A obediência vale mais do que os sacrifícios, e a submissão, mais do que a gordura dos carneiros.23A desobediência é tão culpável como a superstição, e a insubmissão é como o pecado da idolatria. Visto, pois, que rejeitaste a palavra do Senhor, também Ele te rejeita e te tira a realeza!»

    Saul é tão maltratado na Bíblia, que chega a inspirar compaixão. No nosso texto, é acusado por não ter sacrificado a Deus todos os despojos, o que pressupõe falta de fé e de obediência a Deus. Saul não foi certamente um santo. Mas o autor sagrado parece ter carregado as tintas para fazer realçar a pessoa de David, cuja figura, com o decorrer do tempo, vai sendo cada vez mais idealizada até chegar à do rei perfeito apresentado no primeiro livro das Crónicas. O elemento mais considerável da narrativa está na declaração de Samuel: a obediência vale mais do que o sacrifício. Trata-se de uma relevante conquista do pensamento religioso: mais do que os actos de culto, que podem não estar em sintonia com a fé, valoriza-se a vida; mais do que aos actos externos de culto, dá-se importância à atitude interior da pessoa que os pratica. A oferta sacerdotal e existencial de Jesus será caracterizada pela obediência vivida no amor.

    Evangelho: Mc 2, 18-22

    Naquele tempo, 18os discípulos de João e os fariseus guardavam o jejum. Vieram dizer-lhe: «Porque é que os discípulos de João e os dos fariseus guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam?» 19Jesus respondeu: «Poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar. 20Dias virão em que o esposo lhes será tirado; e então, nesses dias, hão-de jejuar.» 21«Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, pois o pano novo puxa o tecido velho e o rasgão fica maior. 22E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho romperá os odres e perde-se o vinho, tal como os odres. Mas vinho novo, em odres novos.»

    Ao contrário dos grupos religiosos do seu tempo, incluindo o de João Baptista, os discípulos de Jesus não praticavam o jejum. Porquê? Porque Jesus tinha introduzido no mundo o tempo gozoso das núpcias entre Deus, o esposo, e o seu povo, a esposa. Não fazia sentido reiterar um sinal que indicava luto. Além disso, não havia que precipitar os acontecimentos: tempos viriam em que a adesão dos discípulos a Jesus havia de lhes custar momentos difíceis em que, para fazer penitência, não seria preciso estabelecer o jejum. As palavras sobre o «pano novo em roupa velha» e sobre «vinho novo em odres velhos» convidam-nos a compreender a novidade introduzida pelo Evangelho, confirmando a suspensão do sinal do jejum. Neste texto, Jesus também polemiza contra um ritualismo que, como todos os ritualismos, pretende planificar a própria salvação, esquecendo que ela é uma iniciativa absoluta de Deus.

    Meditatio

    «A obediência vale mais do que os sacrifícios» (1 Sam 15, 22). A nossa relação com Deus é verdadeira quando é modulada pela obediência à sua vontade. Podemos ser tentados a buscar segurança em interpretações arbitrárias da Palavra de Deus ou em formas de culto à medida dos nossos interesses. Mas a obediência ao Senhor é a nossa única segurança. Obedecer a Deus significa estar de alma e coração atentos e disponíveis às inspirações do Espírito, preferindo-as ao nosso bom senso. Significa também estar dispostos a converter-nos a uma maior autenticidade nas nossas formas de culto, de modo que exprimam e motivem a nossa vida. Jesus também pede disponibilidade superior à dos fariseus, muito preocupados com coisas a fazer ou a evitar: «Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, pois o pano novo puxa o tecido velho... E ninguém deita vinho novo em odres velhos...mas vinho novo, em odres novos» (vv. 22-23). Jesus não escolheu para apóstolos fariseus conhecedores da Lei, mas indisponíveis; escolheu pessoas talvez menos cultas, mas abertas à graça, às novidades de Deus. Em cada Eucaristia, Jesus enche-nos de um vinho novo, de um vinho forte e generoso, que é o seu sangue. Esse vinho faz explodir a nossa generosidade, o nosso entusiasmo, o nosso zelo, o nosso amor. Se isso não acontece, há que pedir-Lhe um «odre novo», um coração novo, que é o seu próprio Coração. Só unidos ao Coração de Jesus, tendo em nós os seus sentimentos, podemos receber em nós o vinho novo da Nova Aliança. Lembram-nos as nossas Constituições: «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito» (n. 3). Este nascimento, preanunciado a Nicodemos (cf. Jo 3, 3.5), realizou-se na transfixão do Lado, onde a água que brota de Cristo é sinal do dom do Espírito, do Baptismo, do nascimento da Igreja e, na Igreja, de cada um de nós. "O homem de coração novo" é uma expressão bíblica: "Dar-vos-ei um coração novo" (Ez 36, 26; cf. Sal 51(50), 12). NO AT e no NT o coração é o lugar onde o homem encontra Deus. E esse encontro torna-se total e efectivo no "Coração de Cristo, aberto na cruz"(Cst. 3). De facto, Jesus em vista da nossa "conversão permanente" (Cst. 144), convida-nos a irmos à escola do Seu Coração: «Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração» (cf. Mt 11, 29). S. Paulo também exorta a nos "revestir-nos do homem novo, criado segundo Deus, na justiça e na santidade verdadeira" ( Ef 4, 24; cf. Col 3, 9-11). A realidade do "homem de coração novo, animado pelo Espírito", que nasce do "Coração de Jesus, aberto na cruz" (Cst 3) é um tema importante p ara o Pe. Dehon e para nós. Por isso, é várias vezes retomado nas Constituições (cf. nn. 10.11.21.39).

    Oratio

    Senhor Jesus, abre a minha mente e o meu coração para receber o grande dom do teu Espírito, de modo que eu não rebente, qual odre velho, mas seja repleto de uma vida nova, que Te dê glória e seja útil aos meus irmãos. Animado pelo mesmo Espírito, farei, não a minha, mas a vontade do Pai, e crescerei na inteligência do coração, para não me encerrar em certezas da minha razão, mas permanecer aberto à exigências da tua Palavra, fonte de vida e de novidade. Amen.

    Contemplatio

    «Eis-me aqui, meu Deus, para vos servir e para fazer a vossa vontade: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra». Esta é a regra, Maria obedece. Está escrito na lei, no Levítico e no Êxodo. A jovem mãe apresentar-se-á no templo para ser purificada, quarenta dias depois do nascimento de um filho e oitenta dias depois do nascimento de uma filha. Maria não costuma hesitar quando se trata da lei. Cumpre tudo à letra, segundo a Lei de Moisés. No quadragésimo dia, está em Jerusalém. Não examina se está dispensada pelo carácter sobrenatural da sua maternidade... Como o seu divino Filho, renuncia a todo o privilégio e, contente com a sorte comum, obedece à lei. Jesus obedece e deixa-se levar, apresentar, resgatar, Maria obedece também e deixa-se purificar. Como Jesus, Maria leva no meio do seu Coração a lei de Deus, como sua regra de vida. Oh! Como esta obediência pontual, humilde, heróica, condena todas as nossas hesitações, toda a nossa procura de excepções e de dispensas! Maria podia dizer: Eis a serva do Senhor. E eu posso dizer: Ecce venio: eis que venho, Senhor, para obedecer, para fazer a vossa vontade. Sou teu servo. Em que é que ainda sou recalcitrante à lei, à vontade divina? Examinar-me-ei e mudarei (Leão Dehon, OSP 3, p. 119s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «A obediência vale mais do que os sacrifícios» (1 Sam 15, 22).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • II Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    II Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    16 de Janeiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Samuel 16, 1-13

    Naqueles dias, o Senhor disse a Samuel: «Até quando chorarás Saul, tendo-o Eu rejeitado para que não reine em Israel? Enche o teu chifre de óleo e vai. Quero enviar-te a Jessé de Belém, pois escolhi um rei entre os seus filhos.» Samuel respondeu: «Como hei-de ir? Se Saul souber, irá tirar-me a vida.» 2O Senhor disse: «Levarás contigo um novilho e dirás que vais oferecer um sacrifício ao Senhor. 3Convidarás Jessé para o sacrifício e Eu te revelarei o que deverás fazer. Darás por mim a unção àquele que Eu te indicar.» 4Fez Samuel como o Senhor ordenara. Ao chegar a Belém, os anciãos da cidade saíram-lhe ao encontro, inquietos, e disseram: «É de paz a tua vinda?» 5Ele respondeu: «Sim. Venho oferecer um sacrifício ao Senhor; purificai-vos e acompanhai-me para o sacrifício.» Ele mesmo purificou Jessé e os filhos e convidou-os para o sacrifício. 6Logo que entraram, Samuel viu Eliab e pensou consigo: «Certamente é este o ungido do Senhor.» 7Mas o Senhor disse a Samuel: «Que te não impressione o seu belo aspecto, nem a sua alta estatura, pois Eu rejeitei-o. O que o homem vê não importa; o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração.» 8Jessé chamou Abinadab e apresentou-o a Samuel, que disse: «Não é este o que o Senhor escolheu.» 9Jessé trouxe-lhe, também, Chamá. E Samuel disse: «Ainda não é este o que o Senhor escolheu.» 10Jessé apresentou-lhe, assim, os seus sete filhos, mas Samuel disse: «O Senhor não escolheu nenhum deles.» 11E acrescentou: «Estão aqui todos os teus filhos?» Jessé respondeu: «Resta ainda o mais novo, que anda a apascentar as ovelhas.» Samuel ordenou a Jessé: «Manda buscá-lo, pois não nos sentaremos à mesa antes de ele ter chegado.» 12Jessé mandou então buscá-lo. David era louro, de belos olhos e de aparência formosa. O Senhor disse: «Ei-lo, unge-o: é esse.» 13Samuel tomou o chifre de óleo e ungiu-o na presença dos seus irmãos. E, a partir daquele dia, o espírito do Senhor apoderou-se de David. E Samuel voltou para Ramá.

    A Bíblia apresenta-nos três versões do acesso de David à vida pública: como bom músico, entrou ao serviço de Saul, que andava triste e abatido, para o alegrar (1 Sam 16, 14-23); indo levar provisões aos seus três irmãos mais velhos, que faziam parte do exército de Saul, dispõe-se a combater Golias, vencendo-o, caindo nas graças do rei que o põe ao seu serviço (1 Sam 17, 12-30); sendo o mais novo e o mais fraco dos filhos de Jessé, é ungido rei por indicação de Deus (1 Sam 16, 1-13). O relato da unção de David por Samuel segue um esquema comum a quase todos os relatos de eleição, a começar pelo próprio povo de Israel que é eleito, não por ser o mais numeroso nem por ser melhor que os outros, mas por puro amor de Deus (Dt 7, 7-8). O esquema repete-se no Antigo e no Novo Testamento. Paulo vê-o verificar-se na eleição do novo Povo de Deus, a Igreja. Ao observar a igreja de Corinto, escreve: «Considerai, pois, irmãos, a vossa vocação: humanamente falando, não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Mas o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa.» (1 Cor 1, 26-28). Deus actua com absoluta liberdade, suscitando surpresa.

    Evangelho: Mc 2, 23-28

    23Passeava Jesus através das searas num dia de sábado, os discípulos puseram-se a colher espigas pelo caminho. 24Os fariseus diziam-lhe: «Repara! Porque fazem eles ao sábado o que não é permitido?» 25Ele disse: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele? 26Como entrou na casa de Deus, ao tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu os pães da oferenda, que apenas aos sacerdotes era permitido comer, e também os deu aos que estavam com ele?» 27E disse-lhes: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. 28O Filho do Homem até do sábado é Senhor.»

    Este breve texto realça a autoridade definitiva de Jesus e um dos princípios centrais do Evangelho: a libertação da «alienação legal». Como dirá S. Paulo, Cristo veio libertar o homem da tirania da Lei (cf. Rom 3, 20; 4, 13; 6, 14; 8, 2; Gal 1, 4-5, etc). A autoridade do «filho do homem» é uma autoridade em favor do homem. Jesus não veio condenar o homem, mas salvá-lo de toda a alienação, em primeiro lugar da alienação legal. Marcos não indica claramente o objecto da transgressão dos discípulos. Mas, mais do que eles, é Jesus que é posto em questão. O Senhor responde: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele?» (v. 25). Se o velho rei, por motivos de força maior, podia passar sobre a lei, quanto mais Jesus o podia fazer! Mais ainda: a autoridade de Jesus permitia-lhe ab-rogar o sábado e substituí-lo por outro dia. O Evangelho transcende a «ordem estabelecida». O cristão relativiza a ordem legal quando ela não está «em função do homem».

    Meditatio

    «O homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração» (1 Sam 16, 7). Deus não se deixa impressionar pela imponência de Eliab, nem pela beleza de Saul. Escolheu para rei de Israel o mais novo dos filhos de Jessé, que nem julgara necessário chamá-lo do meio do seu rebanho. Deus não olha às aparências, mas ao coração. E o de David agradou-lhe! Por isso disse a Samuel: «Ei-lo, unge-o: é esse.» (1 Sam 16, 12). A escolha de David é figura da de Jesus, o novo David, que vem na mansidão e na humildade para fazer a união, não de um só povo, mas de todos os povos, de todos os homens. O pequeno pastor Belém, David, é figura do Bom Pastor, que cuida das suas ovelhas, as defende dos lobos, as guia para os prados verdejantes e para as águas cristalinas, e morre pela unidade do rebanho. Deus é o Senhor das pessoas, que conhece, pois foi Ele Quem lhes plasmou o coração. Mas é também o Senhor do tempo e da história. Por isso, actua com liberdade absoluta nas suas escolhas e nas suas acções. Mas essa liberdade coincide com o seu amor, que se manifesta na predilecção pelos pequenos e no absoluto respeito pelo primado da pessoa humana. As opções de Deus podem desorientar-nos e pôr em crise as nossas regras, as nossas leis, as nossas seguranças humanas, quando não temos na devida conta as pessoas con cretas e as suas necessidades. O respeito pela dignidade e pela liberdade da pessoa humana é a primeira caridade que devemos a cada irmão. Esta caridade é também esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser, por absoluta iniciativa de Deus, ou com a ajuda do nosso apoio fraterno. A caridade afasta todo e qualquer preconceito em relação às pessoas concretas com quem nos encontramos, vivemos ou temos de trabalhar. Todo o Evangelho é uma defesa da dignidade da pessoa humana, especialmente quando é espezinhada nos pobres, nos marginalizados, como os leprosos, ou nas pessoas desprezadas, como os pecadores, publicanos, prostitutas. "O sábado foi feito para o homem - diz Jesus - e não o homem para o sábado" (Mc 2, 27). Para realçar a dignidade da pessoa humana, Jesus realiza muitos milagres ao sábado (cf. Mc 3, 1-6; Lc 14, 1-6; Jo 5, 1-14) e convive com todos, mesmo os com os pecadores. Respeitar o homem e fazer-lhe bem, especialmente quando carenciado, é uma lei maior que todas as outras. É mesmo o melhor modo de santificar o sábado, de prestar culto a Deus.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, Deus nosso Pai, pela revelação progressiva do teu projecto de amor, definitivamente realizado em Jesus, Bom Pastor da humanidade. Dá-nos um coração semelhante ao d´Ele, um coração manso e humilde, um coração justo e compassivo para com todos. Assim seremos bons samaritanos da humanidade, e obreiros da paz e da comunhão entre os homens. Obrigado pela tua palavra, que nos convida e nos provoca a sabermos discernir a verdade das coisas lembrando-nos de que és o Senhor de tudo e de todos. Amen.

    Contemplatio

    É a fé, de facto, que é o princípio de todas as graças de Maria. Toda a vida do Salvador parece contrária às promessas do anjo. - «O vosso filho, disse-lhe Gabriel, será altamente reconhecido como Filho do Altíssimo; o Senhor dar-lhe-á o trono de David seu pai; reinará para sempre sobre a família de Jacob, e o seu reino não terá fim». Quantos factos pareceram afastados destas promessas! Jesus nasce pobre, leva durante trinta anos uma vida obscura; na sua vida pública, sobrevive de esmolas e é alvo de inveja, de ódio; depois desenvolve-se o drama da paixão. E Maria conservava a sua fé. Oh! Como devemos corar pela nossa falta de fé e de vida sobrenatural! (Leão Dehon, OSP 4, p. 22).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «O homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração» (1 Sam 16, 7).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • II Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    II Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    17 de Janeiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Samuel 17, 32-33.37.40-51

    Naqueles dias, David foi levado à presença do rei Saul e disse-lhe: 32«Ninguém desanime por causa desse filisteu! O teu servo irá combatê-lo.» 33Disse-lhe Saul: «Não poderás ir lutar contra esse filisteu. Não passas de uma criança, e ele é um homem de guerra desde a sua mocidade.» 37E acrescentou: «O Senhor, que me livrou das garras do leão e do urso, há-de salvar-me igualmente das mãos desse filisteu.» Disse-lhe o rei: «Vai, e que o Senhor esteja contigo.» 40E tirou a armadura. Tomou o seu cajado e escolheu no regato cinco pedras lisas, pondo-as no alforge de pastor que lhe servia de bolsa. Depois, com a funda na mão, avançou contra o filisteu. 41Este, precedido do escudeiro, aproximou-se de David, 42mediu-o com os olhos e, vendo que era jovem, louro e de aspecto delicado, desprezou-o. 43Disse-lhe: «Sou eu, porventura, um cão, para vires contra mim de pau na mão?» E amaldiçoou David em nome dos seus deuses. 44E acrescentou: «Vem, que eu darei a tua carne às aves do céu e aos animais da terra!» 45David respondeu: «Tu vens para mim de espada, lança e escudo; eu, porém, vou a ti em nome do Senhor do universo, do Deus dos esquadrões de Israel, a quem tu desafiaste. 46O Senhor vai entregar-te hoje nas minhas mãos e eu vou matar-te, cortar-te a cabeça e dar os cadáveres do campo dos filisteus às aves do céu e aos animais da terra, para que todo o mundo saiba que há um Deus em Israel. 47E toda essa multidão de gente saberá que não é com a espada nem com a lança que o Senhor triunfa, porque Ele é o árbitro da guerra e Ele vos entregará nas nossas mãos!» 48Levantou-se o filisteu e avançou contra David. Este também correu para as linhas inimigas ao encontro do filisteu. 49Meteu a mão no alforge, tomou uma pedra e arremessou-a com a funda, ferindo o filisteu na fronte. A pedra penetrou-lhe na cabeça, e o gigante tombou com o rosto por terra. 50Assim venceu David o filisteu, ferindo-o de morte com uma funda e uma pedra. E, como não tinha espada na mão, 51David correu para o filisteu e, quando já estava junto dele, arrancou-lhe a espada da bainha e acabou de o matar, cortando-lhe a cabeça. Vendo morto o seu guerreiro mais valente, os filisteus fugiram.

    No combate, que o texto nos descreve, mais do que dois homens, David e Golias, enfrentam-se duas teses, duas políticas: a tese da política da fé contra a tese da política da força e da técnica humanas. É significativa a descrição de Golias, filisteu, povo que já dominava a força dos metais e fabricava armas desse tipo. David, pelo contrário, incapaz de usar essas armas, enfrenta Golias «em nome do Senhor» (v. 45). «Uns confiam nos carros, outros nos cavalos: nós confiamos no nome do Senhor, nosso Deus» (cf. Sl 20, 8). Confiar em Deus, mais do que nos homens e nos meios humanos é um tema recorrente na Bíblia. O nosso texto realça a fé de David que enfrenta uma situação ignominiosa para o povo e para a fé em Deus; a impotência do rapaz, mas também a sua fé na Providência divina, já tantas vezes experimentada; o conteúdo religioso do desafio que é o confronto entre os deuses e o único Deus verdadeiro. Assim se conclui que a verdadeira fé pode enfrentar e desfazer as mais ameaçadoras dificuldades. Tudo isto coincide com a chamada doutrina da pobreza espiritual, já formulada por S. Paulo: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza.» De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 9-10).

    Evangelho: Mc 3, 1-6

    1Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem que tinha uma das mãos paralisada. 2Ora eles observavam-no, para ver se iria curá-lo ao sábado, a fim de o poderem acusar. 3Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e vem para o meio.» 4E a eles perguntou: «É permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou matá-la?» Eles ficaram calados. 5Então, olhando-os com indignação e magoado com a dureza dos seus corações, disse ao homem: «Estende a mão.» Estendeu-a, e a mão ficou curada. 6Assim que saíram, os fariseus reuniram-se com os partidários de Herodes para deliberar como haviam de matar Jesus.

    O texto que a liturgia nos propõe hoje contém a quinta e última polémica de Jesus com os seus adversários. No fundo é uma reafirmação de que o Evangelho transcende toda a «ordem estabelecida», e que ela deve ser relativizada quando não concorrer para o bem do homem. O clima está cada vez mais carregado: Jesus mostra indignação e amargura; os seus interlocutores revelam obstinação e astúcia e tramam a morte de Jesus (v. 6). Mas o Senhor não se deixa intimidar. Continua fielmente o seu serviço profético, insistindo numa instituição sabática que sirva o homem. É um drama que se irá repetir muitas vezes até ao fim. Fazer bem ao homem, exigirá a Deus o preço da eliminação do seu Filho.

    Meditatio

    As leituras de hoje ensinam-nos a enfrentar as lutas e as dificuldades da vida de modo correcto. Acanhar-se, como fizeram Saul e o seu exército, que «ficaram assombrados e cheios de medo» (1 Sam 17, 11), não é solução. Mas uma esperança ilusória, que leve a refugiar-se em Deus de modo genérico, esperando tudo dele, contando apenas com a sua presença no meio de nós, como de algum modo tinham feito os israelitas na batalha em que perderam a arca do Senhor (cf. 1 Sam 4, 11), também não é solução. David mostra-nos como enfrentar adequadamente as nossas lutas. Não se deixa dominar pelo medo, pela falta de coragem, e procura os meios para enfrentar o combate: «tomou o seu cajado e escolheu no regato cinco pedras lisas, pondo-as no alforge de pastor que lhe servia de bolsa. Depois, com a funda na mão, avançou contra o filisteu» (1 Sam 17, 20). São instrumentos humildes e quase ridículos, diante do equipamento «moderno» do filisteu. Mas eram aqueles de que podia dispor. Quanto ao resto, confiava em Deus. Quando dispomos de todos de meios que julgamos necessários, podemos confiar mais neles do que em Deus. Mas, quando nos sentimos pobres, avançamos porque Deus o quer e no-lo pede. É a atitude da pobreza espiritual de que falará S. Paulo: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza.» De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 9-10). David faz o que pode e confia em De us. Alcança um triunfo que só poderá ser atribuído a Deus. Por isso, todos ficarão a saber que há um Deus em Israel (1 Sam 17, 46). Se a primeira leitura nos fala de vitória, a vitória de um «fraco», que Deus apoia, o evangelho também nos fala de vitória, a vitória de Jesus sobre a paralisia do homem e sobre a interpretação opressiva da Lei por parte do fariseus. Certamente todos podemos ler nestas páginas da Escritura algumas experiências de luta nossas. Provavelmente já todos nos encontramos perante situações que parecem exigir forças e meios superiores àqueles de que dispomos, ou julgamos dispor. Talvez, alguma vez, nos tenhamos sentido bloqueados, incapazes de actuar, condenados à impotência, reduzidos a objectos da compaixão dos outros. A Palavra de Deus convida-nos à ousadia, a actuar: «em nome do Senhor» (1 Sam 17, 45), isto é, pondo n´Ele a nossa confiança. Não podemos ficar sempre à espera de nos sentir idóneos para enfrentarmos os desafios que nos são postos. Há que avançar com os meios de que dispomos, conscientes dos nossos limites, das nossas paralisias, confiando no Senhor. E a vitória irá acontecer, para que se «saiba que há um Deus em Israel» (1 Sam 17, 46). Num mundo que nos enche de angústias e nos torna muitas vezes pessimistas, porque nos parece que "tudo... jaz sob o poder do maligno" (1 Jo 5, 19), Cristo, "Homem novo" (Ef 4, 24) dá-nos coragem, ilumina-nos, pacifica-nos e dá-nos alegria (Cf. Jo 20, 20-21), porque n´Ele, "apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça, a redenção é possível, oferecida e já está presente (Cst. 12). Insistimos sobretudo na convicção de que «está presente». "Corramos com perseverança a carreira que nos é proposta, com os olhos fixos em Jesus, autor e consumador da fé" (Heb 12, 1-2), que deu a Sua vida por nós e, agora, glorioso, intercede por nós junto do Pai (Cf. Heb 7, 25). E Jesus não faltará às Suas promessas: "Não vos deixarei órfãos..." (Jo 14, 18).

    Oratio

    Senhor, dá-me a graça de viver a paradoxal condição da esperança cristã que me leva a fazer tudo o que posso, aceitando a pobreza dos meios de que disponho e pondo toda a minha confiança em Ti, que gostas de fazer maravilhas com instrumentos fracos. Liberta-me do medo que me bloqueia e do sentimento de inferioridade que me paralisa. Faz-me acreditar que, em mim, serás sempre vitorioso. Amen.

    Contemplatio

    «Satanás, escreve S. Margarida Maria, está enraivecido por ver que, pelo meio salutar da amável devoção ao Sagrado Coração, verá escaparem-se dele muitas almas que julgava já possuir. Assim ameaçou que faria surgir obstáculos a tudo o que se fizesse para estabelecer essa devoção. «É preciso que estejamos resolvidos a suportar generosamente todas as dificuldades e borrascas de Satanás, e não nos devemos espantar por todas as contradições que havemos de encontrar trabalhando pelo estabelecimento do reino deste amável Coração». «As cruzes e as oposições são uma das marcas mais seguras de que a coisa vem de Deus e que ele deve ser muito glorificado pelo reino do Sagrado coração do seu divino Filho» (Carta à Madre de Saumaise). «Para mim, diz ainda, quanto mais vejo dificuldades, quanto mais mágoas, calúnias e dores encontro mais me sinto fortalecida e encorajada a prosseguir, e mais esperança tenho no pensamento de que Deus será glorificado e que tudo resultará para a glória deste amável Coração, para a salvação de muitas almas, porque estas obras só se realizam por meio das contradições» (Carta 47 à Irmã Joly). Aqui está o nosso programa de acção: Coragem e perseverança, apesar de todas as contradições. Trabalhemos no reino do Sagrado Coração nas almas e nas sociedades. Satanás há-de opor mil embustes a todos os nossos passos. Nada detesta tanto como este reino do Sagrado Coração que prepara a sua derrota definitiva (Leão Dehon, OSP 3, p. 50s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Vou a ti em nome do Senhor!» (1 Sam 17, 45).

    | Fernando Fonseca, scj |

    Santo Antão, Abade

    Santo Antão, Abade


    17 de Janeiro, 2024

    S. Antão nasceu em 252, no Egipto Médio. Os seus pais eram ricos proprietários rurais. Quando tinha 20 anos, ao entrar numa igreja, ouviu proclamar Mt 10, 21: "Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens..." Fulminado pelo convite de Jesus, vendeu os campos recebidos em herança, reservando uma parte deles para a sua irmã, e iniciou a vida ascética. Primeiro juntou-se a um velho monge, perto da sua aldeia. Depois, encerrou-se num sepulcro cerca de 13 anos. Submetido a fortes tentações do demónio, empenhou-se ainda mais na luta ascética, fixando-se num fortim abandonado, onde permaneceu vinte anos. Em 306, deixou o seu retiro aceitando receber discípulos. Para escapar aos malefícios da fama, que começava a rodeá-lo, refugiou-se no monte Kolzum. Aí morreu a 17 de Janeiro de 356, com a idade de cento e cinco anos, muitos dos quais passados a ensinar os anacoretas, a curar os enfermos, e a refutar os hereges. Embora rigorosamente não tenha sido o primeiro monge o seu ministério carismático e autorizado fez dele, para sempre, o pai dos monges. A sua vida, escrita pelo seu contemporâneo e amigo, S. Atanásio, tornou-se a "primeira regra" para quem optava pela vida ascética nos ermos.
    Primeira Leitura: Miqueias, 6, 6-8

    Com que me apresentarei ao Senhor, e me prostrarei diante do Deus excelso? Irei à sua presença com holocaustos, com novilhos de um ano? 7Porventura o Senhor receberá com agrado milhares de carneiros ou miríades de torrentes de azeite? Hei-de sacrificar-lhe o meu primogénito pelo meu crime, o fruto das minhas entranhas pelo meu próprio pecado? 8Já te foi revelado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor requer de ti: nada mais do que praticares a justiça, amares a lealdade e andares humildemente diante do teu Deus.

    Recorrendo ao género literário chamado "requisitório judicial", o profeta procura levar o povo a ser fiel à Aliança. Tocado no seu íntimo, por reconhecer não ter correspondido ao amor do Senhor, o fiel pergunta: "Com que me apresentarei ao Senhor, e me prostrarei diante do Deus excelso?" (v. 6). O profeta recusa a oferta de sacrifícios exteriores, exigindo a conversão verdadeira, que leve a "praticar a justiça, amar a lealdade e andar humildemente diante do teu Deus" (cf. v. 8). É a essência da verdadeira religião interior, o compêndio da Lei e dos Profetas, o antecipado sumário religioso proposto por Jesus (cf. Mt 22,34-40). É a religião, não como objeto em si mesma, mas como veícolo de diálogo com Deus e com os homens. O amor como fundamento das relações humanas e divinas. E isto dito no século VIII a. C.
    Evangelho: Mateus 19, 16-21
    Naquele tempo, quando se punha a caminho, alguém correu para Jesus e ajoelhou-se, perguntando: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» 18Jesus disse: «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um só: Deus. 19Sabes os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes, honra teu pai e tua mãe.» 20Ele respondeu: «Mestre, tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude.» 21Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.»

    O encontro de Jesus com o jovem rico é referido pelos três Sinópticos. Mas só Mateus fala de "um jovem", chamando a Jesus "Mestre". Marcos e Lucas acrescentam: "bom Mestre".
    Jesus propõe ao jovem as exigências do Reino, da "perfeição", isto é, a renúncia aos próprios bens em favor dos pobres e o seu seguimento incondicional. O jovem fica triste, porque punha a sua alegria exactamente nesses bens, e não queria deixá-los. Faltava-lhe, pois, a única coisa necessária: um coração livre e bem disposto para acolher aquela "vida eterna" que dizia desejar.
    Não se pode seguir Jesus sem estar dispostos a quebrar as amarras que impeçam a dociliddade e a obediência ao Mestre divino. Ele olha para todos com amor. Mas só se deixa atrair por aqueles que têm um coração humilde, pobre e livre.
    Meditatio

    Pensando em S. Antão, e no movimento monástico a que a sua vida e os seus ensinamentos deram um decisivo impulso, as leituras, que hoje escutamos, suscitam em nós uma verdadeira comoção. Antão escutou-as como Palavra do Senhor dirigida a ele. A sua resposta foi generosa, radical, iniciando um itinerário espiritual que nos pode inspirar. Antão desejava ardentemente agradar a Deus, e deixou-se conduzir pelo Espírito na busca do caminho adequado. A primeira resposta, quando se libertou os bens terrenos, abriu-o a um compromisso cada vez mais exigente e forte na busca humilde de Deus, longe dos olhares dos homens. Vencidas as paixões, Antão pôde servir serenamente os outros, tornando-se para todos um amigo, um irmão, um pai. Assim ensinou e cuidou daqueles que o procuraram como mestre de ascetismo, inventando, por assim dizer, um novo modelo de vida cristã, caracterizado pela liberdade, pela ascese, pela fidelidade à Palavra, pelo amor a Cristo e ao próximo. Reconhecido como "pai dos monges", S. Antão é, sobretudo, um modelo de vida cristã empenhada. Escreve S. Atanásio: "Antão trabalhava com as suas mãos, pois ouvira a palavra da Escritura: Quem não quiser trabalhar não coma". Do fruto do seu trabalho destinava parte para comprar o pão que comia; o resto distribui-o pelos pobres. Rezava constantemente, pois aprendera que é preciso rezar interiormente, sem cessar; era tão atento à leitura que nada lhe esquecia do que tinha lido na Escritura: tudo retinha de tal maneira que a sua memória acabou por substituir o livro".
    Oratio

    Senhor, dá-me ouvidos para escutar a tua Palavra e coração para a acolher. Que ela transforme a minha vida e me faça progredir decididamente pelo caminho que me chamas a percorrer e apoias com as tuas graças. Enche-me do teu Espírito, aquele grande Espírito de fogo que acendestes em S. Antão. Que esse mesmo Espírito me leve a viver no bulício do mundo, ou na paz da vida consagrada, aquela vida heroica que S. Antão viveu na solidão do deserto e, sobretudo, me leve a renunciar a mim mesmo para Te amar acima de todas as coisas. Ámen.
    Contemplatio

    Desde o sermão da montanha, Nosso Senhor tinha indicado os conselhos de perfeição: «Há, dizia, um caminho estreito, mas são raros os que o encontram». Propunha já a pobreza voluntária: «Não acumuleis tesouros sobre a terra, onde a traça e os vermes os corroem, onde os ladrões escavam e roubam. Vendei o que tendes e fazei esmolas. Preparai tesouros no céu... Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração» (Mt 6). Depois vem a aplicação. Um jovem de nobre família vem lançar-se aos pés de Jesus, perguntando-lhe qual é o melhor caminho a seguir. O Coração de Jesus é tocado, observa com afeto o jovem, ama-o, propõe-lhe os conselhos de perfeição. É uma vocação: «vai, diz-lhe, vende o que tens, dá-o aos pobres, e vem comigo. Que graça insigne! Ser chamado por Jesus a viver com ele, abandonando-se à sua providência! (L. Dehon, OSP 4, p. 105).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Quem quer vencer as tentações, não confie em si mas em Deus» (Pensamento de S. Antão, citado por S. Atanásio).

     

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    Santo Antão, Abade (17 Janeiro)

  • II Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    II Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    18 de Janeiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Samuel 18, 6-9; 19, 1-7

    Naqueles dias, 6ao regressar o exército, depois de David ter morto o filisteu, de todas as cidades de Israel as mulheres saíram ao encontro de Saul, cantando e dançando alegremente, ao som de tambores e címbalos. 7E, à medida que dançavam, cantavam em coro: «Saul matou mil, mas David matou dez mil.» 8Saul irritou-se em extremo e ficou sumamente desgostoso por isso. E disse: «Dão dez mil a David e a mim apenas mil! Só lhe falta a coroa!» 9A partir daquele dia, não voltou a olhar para David com bons olhos. 1Saul falou ao seu filho Jónatas e a todos os seus servos da sua intenção de matar David. Mas Jónatas, filho de Saul, amava cordialmente David 2e preveniu-o, dizendo: «Saul, meu pai, quer matar-te. Procura fugir amanhã de manhã; foge para um lugar oculto e esconde-te. 3Sairei em companhia de meu pai, até ao lugar onde tu te encontrares; falarei com ele a teu respeito, para ver o que ele pensa, e depois avisar-te-ei.» 4Jónatas falou bem de David a seu pai e acrescentou: «Não faças mal algum ao teu servo David, pois ele nunca te fez mal; pelo contrário, prestou-te grandes serviços. 5Arriscou a vida, matando o filisteu, e o Senhor deu, assim, uma grande vitória a Israel. Foste testemunha e alegraste-te. Porque queres pecar contra o sangue inocente, matando David sem motivo?» 6Saul ouviu as palavras de Jónatas e fez este juramento: «Pela vida do Senhor, David não morrerá!» 7Então, Jónatas chamou David, contou-lhe tudo isto e apresentou-o novamente a Saul. David voltou a estar ao seu serviço como antes.

    A acção salvífica de Deus realiza-se na história, tantas vezes marcada pelos limites, fragilidades e pecados dos homens. A inveja de Saul não leva a melhor sobre a graça divina que já actua claramente em David, que se vai afirmando cada vez mais como o eleito do Senhor. Porque é que, estando Saul em franca decadência, não se pensa em Jónatas para lhe suceder, mas em David? Não é fácil responder. Mas parece certo que o autor sagrado quis realçar a figura de David e tudo concebeu e escreveu em função desse objectivo. Neste contexto, adquire maior relevância e simpatia a amizade aberta, generosa e desinteressada que o filho de Saul mostra para com David. Se a inveja de Saul agride David, a amizade de Jónatas salva-o. Há grandes males e grandes bens que passam pelas nossas paixões. E Deus pode actuar por meio delas. Da nossa parte, se não devemos deixar-nos dominar por elas, também havemos de pô-las ao serviço do Senhor.

    Evangelho: Mc 3, 7-12

    Naquele tempo, 7Jesus retirou-se para o mar com os discípulos. Seguiu-o uma imensa multidão vinda da Galileia. E da Judeia, 8de Jerusalém, da Idumeia, de além-Jordão e das cercanias de Tiro e de Sídon, uma grande multidão veio ter com Ele, ao ouvir dizer o que Ele fazia. 9E disse aos discípulos que lhe aprontassem um barco, a fim de não ser molestado pela multidão, 10pois tinha curado muita gente e, por isso, os que sofriam de enfermidades caíam sobre Ele para lhe tocarem. 11Os espíritos malignos, ao vê-lo, prostravam-se diante dele e gritavam: «Tu és o Filho de Deus!» 12Ele, porém, proibia-lhes severamente que o dessem a conhecer.

    Nos textos escutados nos últimos dias, Jesus mostra que é inútil querer aproveitar as instituições judaicas para nelas infundir a novidade evangélica do reino de Deus. Então retira-se para o mar de Genesaré. A sua acção, que até aí se desenvolvera na sinagoga, ou perto dela, abria-se agora a horizontes mais vastos. Começa uma nova secção do evangelho de Marcos. A actividade de Jesus alarga-se e causa admiração nas multidões. Mas é ainda um entusiasmo superficial, que não leva à decisão da fé (6, 6). Entretanto, Jesus vai preparando uma nova família formada por pessoas que mostram verdadeira disponibilidade para com Ele e cria para elas a escola do discipulado. A palavra e a acção de Jesus, na Galileia, colocam-no no centro das atenções. Mas, não buscando interesses pessoais, mas os de Deus, Jesus proíbe aos demónios falarem dele. Ele não é um curandeiro, mas o enviado do Pai que narra o que Deus quer dar a conhecer de Si mesmo, e o que pede aos mesmos homens, que estão mais interessados em procurar a si mesmos do que a Deus, inclusivamente nos seus actos religiosos.

    Meditatio

    Quantas vezes nos sentimos mal interpretados nas nossas palavras e nos nossos actos. Quantas vezes nos damos conta de que não somos reconhecidos nem acolhidos na nossa verdade. E tudo isso nos causa sofrimento. Pior ainda quando nos sentimos alvo da inveja e do ciúme dos outros por sermos quem somos. David alcança uma grande vitória. As mulheres, nos seus cantares, comparam-no com Saul: «Saul matou mil, mas David matou dez mil» (1 Sam 18, 7). O rei fica irritado e decide matar David. Às vezes, os nossos elogios aos outros podem prejudicá-los, porque provocam a inveja de terceiros. Parece que Jesus quer evitar a inveja dos sacerdotes, dos escribas e dos fariseus. Por isso é que impõe silêncio aos espíritos malignos, que proclamavam a sua identidade: «Tu és o Filho de Deus!» (Mc 3, 12). O comportamento de Jónatas é um bom exemplo de reconciliação. David, seu amigo, tornara-se involuntariamente seu rival. Mas Jónatas não leva a mal. Atreve-se mesmo a defender David diante de Saul: «Não faças mal algum ao teu servo David, pois ele nunca te fez mal; pelo contrário, prestou-te grandes serviços. Arriscou a vida...» (1 Sam 18, 4). Jónatas é quase uma figura de Cristo. Como Ele, dá-nos exemplo daquela humildade de coração e daquela caridade que constroiem a união e a paz. Jesus, em vez de acusar os culpados, lava-lhes os pés, purificando-os das culpas e reconstruindo a unidade. A atitude de Jónatas é de enorme generosidade e amor à verdade, tal como será a de Jesus. Assim deve ser também a nossa atitude de discípulos, colocando-nos do lado da verdade, que nos torna humildes, caridosos, objectivos e sem hostilidade contra ninguém. Devemos aprender com Jónatas. Precisamos, sobretudo, de ir à escola de Jesus e aprender d´Ele a mansidão e a humildade do coração (Cf. Mt 11, 29). A humildade é o caminho da caridade e, portanto, do serviço por amor, especialmente pelos "pequenos", "por aqueles que sofrem" (Cst. 18). Para ser humildes, não é suficiente "sentir-se humildes", é preciso "tornar-se humildes", como Jesus no lava-pés: "Dei-vos o exemplo... Eu, o Mestre e Senhor... Sabendo estas coisas, sereis felizes se as puserdes em prática" (Jo 13, 14-15.17). "Deveis lavar os pés uns aos outros" (Jo 13, 14). É o serviço aos irmãos, de que Cristo nos deu o exemplo mais heróico, até ao dom da vida (Cf. Jo 15, 13), até Se tornar alimento e bebida para nós (Cf. n. 17). "Neste amor de Cristo encontramos a certeza de alcançar a fraternidade humana e a força de lutar por ela" (Cst. 18).

    Oratio

    Senhor Jesus, quando me sentir incompreendido, não reconhecido e não acolhido na minha verdade, quando me sentir alvo da inveja e do ciúme de alguém, dá-me um espírito de serenidade, de calma, de paz semelhante àquele que Te animou durante a tua gloriosa Paixão. Que jamais me deprima, desanime, ou perca tempo em justificar-me, mas, animado pelo Espírito Santo, continue a viver e a actuar em sintonia com a tua vontade e a missão que me confias na Igreja e no mundo. Não faltarão ocasiões para a verdade venha ao de cima serenamente e, à volta dela, será construída aquela unidade pela qual rezaste. Amen.

    Contemplatio

    Há que ler o livro do amor. Um dia, quando S. Margarida Maria fazia leitura espiritual, Nosso Senhor disse-lhe: «Quero fazer-te ler no livro da vida onde está contida toda a ciência do amor». E descobrindo-lhe o seu Coração, fez-lhe ler estas palavras: «O meu Coração reina no sofrimento, triunfa na humildade e alegra-se na unidade». Quando sofremos pacientemente por amor do Sagrado Coração, ele reina verdadeiramente em nós. Quando somos humildes ele triunfa; quando estamos unidos a ele, ele encontra nisso o seu prazer. Noutro dia, em que ela tinha longamente adorado o Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor disse à santa: «Tudo o que puderes fazer e sofrer com a minha graça, deves meter no meu Coração para ser convertido num bálsamo precioso que será o óleo desta lâmpada, a fim de que tudo seja consumido pelo fogo do meu divino amor». Um dia, em que ela desejava ardentemente receber Nosso Senhor, disse-lhe: «Meu Senhor, ensinai-me o que quereis que eu vos diga. - Nada, respondeu Ele, senão estas palavras: Meu Deus, meu único e meu tudo, vós sois tudo para mim e eu sou toda para vós. Estas palavras suprirão todos os actos que quiseres fazer e servir-te-ão de preparação nas tuas acções». É sempre a lição de amor que se lê no Sagrado Coração (Leão Dehon, OSP 4, p. 349s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «O meu Coração reina no sofrimento, triunfa na humildade e alegra-se na unidade». (Jesus a Santa Margarida Maria).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • II Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    II Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    19 de Janeiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Samuel 24, 3-21

    Naqueles dias, 3Saul tomou consigo três mil homens escolhidos em todo o Israel, foi em busca de David e dos seus homens pelos rochedos de Jelim, só acessíveis às cabras monteses. 4Chegando perto dos apriscos de ovelhas que encontrou ao longo do caminho, Saul entrou numa gruta para satisfazer as suas necessidades. No fundo desta gruta, encontrava-se David com os seus homens, 5os quais lhe disseram: «Eis o dia do qual o Senhor te disse: 'Eu entregarei o teu inimigo nas tuas mãos, para que faças dele o que quiseres.'» David levantou-se e cortou sigilosamente a ponta do manto de Saul. 6E logo o seu coração se encheu de remorsos por ter cortado a ponta do manto de Saul. 7E disse aos seus homens: «Deus me guarde de fazer tal coisa ao meu senhor, o ungido do Senhor, estender a minha mão contra ele, pois ele é o ungido do Senhor!» 8David conteve os seus homens com estas palavras e impediu que agredissem Saul. O rei levantou-se, afastou-se da gruta e prosseguiu o seu caminho. 9Depois, levantou-se David e saiu da caverna atrás de Saul, clamando: «Ó rei, meu senhor!» Saul voltou-se, e David, inclinando-se, fez-lhe uma profunda reverência. 10E disse David a Saul: «Porque dás ouvidos ao que te dizem: 'David procura fazer-te mal'? 11Viste hoje com os teus olhos que o Senhor te entregou nas minhas mãos, na gruta. O pensamento de te matar assaltou-me, incitou-me contra ti, mas eu disse: 'Não levantarei a mão contra o meu senhor, porque é o ungido do Senhor.' 12Olha, meu pai, e vê se é a ponta do teu manto que tenho na minha mão. Se eu cortei a ponta do teu manto e não te matei, reconhece que não há maldade nem revolta contra ti. Não pequei contra ti e tu, ao contrário, procuras matar-me. 13Que o Senhor julgue entre mim e ti! Que o Senhor me vingue de ti, mas eu não levantarei a minha mão contra ti. 14O mal vem dos perversos, como diz um provérbio antigo; por isso, não te tocará a minha mão. 15Mas a quem persegues, ó rei de Israel? A quem persegues? Um cão morto? Uma pulga? 16Pois bem! O Senhor julgará e sentenciará entre mim e ti. Que Ele julgue e defenda a minha causa, e me livre das tuas mãos.» 17Logo que David acabou de falar, Saul disse-lhe: «É esta a tua voz, ó meu filho David?» E Saul elevou a voz, soluçando. 18E disse a David: «Tu portas-te bem comigo, e eu comporto-me mal contigo. 19Provaste hoje a tua bondade para comigo, pois o Senhor havia-me entregado nas tuas mãos e não me mataste. 20Qual é o homem que, encontrando o seu inimigo, o deixa ir embora tranquilamente? Que o Senhor te recompense pelo que fizeste comigo! 21Agora eu sei que serás rei e que nas tuas mãos estará firme o reino de Israel.

    À medida que avançamos na leitura do primeiro livro de Samuel, verificamos que a figura de David é cada vez mais engrandecida, muitas vezes à custa da de Saul. É certo que também Saul pronuncia belas palavras sobre David: «É esta a tua voz, ó meu filho David?» E Saul elevou a voz, soluçando. 18E disse a David: «Tu portas-te bem comigo, e eu comporto-me mal contigo. 19Provaste hoje a tua bondade para comigo, pois o Senhor havia-me entregado nas tuas mãos e não me mataste». Mas faltou-lhe dar o último passo: libertar-se do ódio, da inveja e da sede de vingança, oferecendo a David o abraço da reconciliação. O que faltou a Saul, superabundou em David: venceu Golias, triunfou nos campos de batalha, e triunfou sobre si mesmo ao controlar a paixão do ódio e da vingança até limites que suscitam comoção e emocionam. A nobreza e a magnanimidade de David são realmente notáveis. O contraste com Saul fica ainda mais evidente, mostrando a justeza do seu afastamento e da eleição do humilde filho de Jessé.

    Evangelho: Mc 3, 13-19

    Naquele tempo, 13Jesus subiu a um monte, chamou os que Ele queria e foram ter com Ele. 14Estabeleceu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar, 15com o poder de expulsar demónios. 16Estabeleceu estes doze: Simão, ao qual pôs o nome de Pedro; 17Tiago, filho de Zebedeu, e João, irmão de Tiago, aos quais deu o nome de Boanerges, isto é, filhos do trovão; 18André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o Cananeu, 19e Judas Iscariotes, que o entregou.

    Jesus forma a sua nova família, um grupo de pessoas dispostas a acolhê-lo, embora também elas devam ainda converter-se. Embora falemos de família, para acentuar a relação pessoal e afectiva que deve existir entre Jesus e os seus discípulos, o grupo apresenta uma valência estrutural mais ampla: são o novo Israel, os fundamentos da futura Igreja. Tudo acontece sobre um «monte». Os montes são lugares propícios para as revelações de Deus (cf. 6, 43; 9, 2). As grandes decisões de Deus sobre o seu povo foram tomadas sobre os montes (cf. Ex 1, 20; 24, 12; Num 27, 12; Dt 1, 6-8, etc). Aqui é Cristo que chama, escolhe e constitui a comunidade. Marcos não diria isto, se não acreditasse que Jesus era Deus. O grupo é convocado para «ir ter com Ele» (v. 13 e, em primeiro lugar, para «estar com Ele» (v. 14). O novo povo de Deus constitui-se à volta de Jesus, que se apresenta como referência absoluta, assumindo uma função que pertencia à Lei. Isto causava escândalo aos Judeus. Os discípulos recebem os próprios poderes de Jesus, actuando com a força do Evangelho. A vocação implica a missão, está em função dela.

    Meditatio

    David, perseguido por Saul, tem oportunidade de se vingar dele, matando-o. Mas respeita a sua dignidade e oferece-lhe mais uma oportunidade de reconciliação: «Deus me guarde de fazer tal coisa ao meu senhor, o ungido do Senhor, estender a minha mão contra ele, pois ele é o ungido do Senhor!... Se eu cortei a ponta do teu manto e não te matei, reconhece que não há maldade nem revolta contra ti. Não pequei contra ti e tu, ao contrário, procuras matar-me. 13Que o Senhor julgue entre mim e ti!». O reconhecimento da dignidade do outro, dignidade querida por Deus, é a base da reconciliação, em qualquer conflito. David dá-nos também um belo exemplo de fidelidade, cheio de actualidade, num mundo onde a falta dela já quase não causa espanto. Mas Deus é fiel, e o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, não pode deixar de ser fiel. Os apóstolos, chamados a partilhar a vida e a missão de Jesus, aprenderão que a lealdade e a fidelidade comportam o dom de si mesmo. A lealdade e a fidelidade que, antes de serem virtudes cristãs, são virtudes humanas que libertam o homem dos caprichos dos seus instintos e das emoções passageiras. A fé leva-me a ser leal e fiel porque me revela a lealdade e a fidelidade de Deus. Todo o cristão, e particularmente o religioso, deve "respeito" e "lealdade" para com os seus semelhantes e especialmente para com os seus superiores, ainda que nem sempre sejam modelos de virtude. A violência, mesmo contra os inimigos, n&ati lde;o é uma atitude digna dos discípulos d´Aquele que disse: "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração" (Mt 11, 29). Muito menos digna será quando visar satisfazer a ânsia de domínio, privando os outros da sua liberdade, ou instrumentalizando-os para afirmação de si mesmo. É fechar-se no próprio egoísmo, sem reconhecer a dignidade humana dos outros, e despedaçando a verdadeira relação pessoal. O Oblato-Sacerdote do Coração de Jesus, e quantos quiseram partilhar a sua espiritualidade, deve ter a serena consciência de que todos somos fracos e imperfeitos, incluindo as autoridades civis e religiosas, que todavia respeita e trata com lealdade.

    Oratio

    Senhor, meu Deus, que, em Jesus Cristo, reconciliaste o mundo Contigo, dá-me um coração leal e fiel, um coração disponível e generoso que faça de mim um profeta e servidor da reconciliação. Obrigado pelo exemplo de David, que leal e fiel a Saul, que o persegue, lhe oferece um gesto de reconciliação. Obrigado pelo exemplo de Paulo, que, perseguido pelos seus próprios irmãos de raça, testemunha a generosidade de Deus que, também a eles, oferece a reconciliação em Cristo. Obrigado, sobretudo, pelo exemplo de Jesus que, ao morrer pela salvação do mundo, oferece o perdão àqueles que o matam. Faz-me caminhar na mansidão e na humildade, conforme o desejo do Coração de Jesus, teu Filho, para que me torne arauto e obreiro da unidade pela qual rezou e ofereceu a Si mesmo na cruz. Amen.

    Contemplatio

    Sebastião, zeloso no cumprimento de todos os seus deveres, tinha sido desde cedo educado para os cargos militares. Era um oficial amável, hábil, pontual. É pela sua bondade e pela sua justiça que ganha influência junto dos seus homens e até no serviço das prisões, o que lhe permite tornar-se útil a muitos dos cristãos e mesmo ganhar pagãos para a fé. Pelas suas qualidades de cidadão e de oficial ganhou as boas graças do imperador Diocleciano, que o fez capitão da primeira companhia dos guardas. Quando a sua religião foi descoberta, Diocleciano mandou-o chamar e repreendeu-o pela sua ingratidão. Mas Sebastião pode responder que observou fielmente todos os deveres da sua carreira. Acrescenta que se não ofereceu pelo imperador sacrifícios a Júpiter, a Marte, a Esculápio, rezou, no entanto, por ele e pelo império, dirigindo-se ao Deus do céu, o único verdadeiro e poderoso e a Jesus Cristo seu único Filho. Belo modelo de fidelidade a todos os deveres civis e militares! A fé não destrói as qualidades naturais, mas eleva-as e fortalece-as. A religião não impede de servir o soberano e a pátria, pelo contrário, torna este serviço mais fiel e mais dedicado. Como S. Sebastião, cumpramos todos os nossos deveres naturais e cívicos, ao mesmo tempo que servimos a Cristo com amor (Leão Dehon, OSP 3, p. 74s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Ensina-me, Senhor, a mansidão e a humildade» (cfr. Mt 11, 29).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • II Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    II Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    20 de Janeiro, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Samuel 1, 1-4.11-12.19.23-27

    Naqueles dias, David regressou da derrota que infligiu aos amalecitas e esteve dois dias em Ciclag. 2Ao terceiro dia, apareceu um homem que vinha do acampamento de Saul, com as vestes rasgadas e a cabeça coberta de pó. Chegando perto de David, prostrou-se por terra e fez-lhe uma profunda reverência. 3David perguntou: «De onde vens?» Respondeu ele: «Escapei do acampamento de Israel.» 4Disse-lhe David: «Que aconteceu? Conta-me tudo.» Ele respondeu: «As tropas fugiram do campo de batalha, muitos tombaram, e Saul assim como seu filho Jónatas pereceram.» 11Então, David rasgou as suas vestes, e todos os que estavam com ele o imitaram. 12E prantearam, choraram e jejuaram até à tarde, por amor de Saul, de seu filho Jónatas, do povo do Senhor e do povo de Israel, porque tinham sido passados ao fio da espada. 19«A Honra de Israel pereceu sobre as colinas! Tombaram os heróis! 23Saul e Jónatas, amados e gloriosos, jamais se separaram, nem na vida nem na morte, mais velozes do que as águias, mais fortes do que os leões. 24Filhas de Israel, chorai sobre Saul! Ele vestia-vos de púrpura sumptuosa e ornava de ouro as vossas vestes.25Tombaram os heróis no campo de batalha! Jónatas, morto sobre as tuas colinas! 26Jónatas, meu irmão, que angústia sofro por ti! Como eu te amava! O teu amor era uma maravilha para mim mais excelente que o das mulheres. 27Como tombaram os heróis e se destruíram as armas de guerra!»

    Saul é o fundo negro em que ressalta a figura de David. Já o vimos várias vezes. Hoje verificamo-lo novamente. Saul, devido à sua má conduta, foi abandonado e recusado por Deus (1 Sam 15). Hoje, executa-se a sentença (1 Sam 31). É o fim trágico de uma vida marcada por um destino sinistro e fatídico. David chora sinceramente a desgraça de Saul e do seu amigo Jónatas. Parece uma elegia guerreira, sem referências religiosas. Na verdade, todos estes factos ilustram as vicissitudes do Povo de Israel, libertado do Egipto por Deus e sempre suspenso no fio da sua graça e do seu julgamento. A lamentação de David é uma tomada de consciência da não-redenção em que o povo, vítima dos filisteus, vive naquele momento. Por outro lado, a elegia revela a nobreza de alma do eleito do Senhor, preocupado com o seu povo, admitindo a relativa grandeza do seu adversário, capaz de ternura para com o amigo Jónatas. O Senhor escuta a lamentação como uma sentida invocação em momento de prova.

    Evangelho: Mc 3, 20-21

    Naquele temo, 20Jesus chegou a casa com os seus discípulos. E de novo a multidão acorreu, de tal maneira que nem podiam comer. 21E quando os seus familiares ouviram isto, saíram a ter mão nele, pois diziam: «Está fora de si!»

    A presença e a actividade de Jesus adquirem notável ressonância. Mas essa ressonância não leva necessariamente à fé. Jesus tem de enfrentar as primeiras recusas, a começar pela dos seus familiares que decidem tomar medidas drásticas contra os embaraços que lhes estava a causar. A consanguinidade não é suficiente para criar sintonia com o Evangelho. O discípulo de Jesus também está sujeito a ser isolado e hostilizado, até pelos seus familiares.

    Meditatio

    A primeira leitura, tendo como pano de fundo o ódio e a crueldade de Saul, realça a magnanimidade e a lealdade de David, um homem segundo o coração de Deus (cfr. Act 13, 13). Um mensageiro anuncia a David a morte de Saul e de Jónatas numa batalha contra os filisteus travada no monte Gelboé. Havia mais de um ano que David fugia de Saul, que via nele um perigoso rival, andando de terra em terra, e acabando por se refugiar na própria região dos inimigos de Israel, que eram os filisteus. Nesse momento, encontrava-se em Ciclag. A notícia da morte de Saul devia enchê-lo de alegria. Todavia David reage com uma dor profunda e sincera. Rasga as vestes em sinal de luto, chora, jejua, e entoa uma emocionante elegia: «A Honra de Israel pereceu sobre as colinas! Tombaram os heróis!... Saul e Jónatas, amados e gloriosos...tombaram... no campo de batalha! » (cfr. 2 Sam 1, 19-24). O sofrimento de David com a morte de Saul e de Jónatas vem na linha do respeito, da lealdade e da fidelidade ao rei, «ungido do Senhor», e da sincera amizade por Jónatas. Jamais o jovem filho de Jessé respondeu ao ódio com o ódio, à crueldade com a crueldade. Jónatas tornou-se o mais caro amigo de David: «Jónatas, meu irmão, que angústia sofro por ti! Como eu te amava! O teu amor era uma maravilha para mim mais excelente que o das mulheres» (2 Sam 1, 26). A verdadeira amizade tem como preço o dom de si mesmo e tem como ganho a experiência do amor. David, com a sua generosidade, com a sua magnanimidade, ensina-nos a viver como homens e mulheres «segundo o coração de Deus». O amor cristão não é algo de genérico, de vago. Dirige-se a pessoas muito concretas, com limites, defeitos e pecados. O próximo são aqueles que encontramos no caminho, talvez caídos e cobertos de chagas. O amor cristão vai até aos próprios inimigos: «Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem» (Mt 5, 44). Também quem professa a castidade consagrada não pode viver um amor desencarnado, um amor que corra o risco de não amar ninguém. A Sagrada Escritura diz-nos: "A doçura de um amigo dá segurança à alma" (Prov. 27, 9); "Um amigo fiel é uma protecção" (Sir 6, 5); "Por um amigo, podes perder dinheiro" (Sir 29, 20). Pensemos na amizade de Jónatas, que amava David como a si mesmo (cf. 1 Sam 18, 1-5; 20, 1-41). Pensemos no discípulo que Jesus amava (cf. Jo 13, 23). E pensemos em "Jesus (que) amava Marta, a sua irmã e Lázaro" (Jo 11, 5).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque Te declaras meu amigo e me permites tratar-Te como amigo: «Já não vos chamo servos, mas amigos» (Jo 15, 15). Obrigado por todos os amigos que me tens dado e por todos quantos me convidas a amar, homens e mulheres. Os amigos fazem-me conhecer a mim mesmo, e fazem-me conhecer-Te a Ti. Obrigado pelas alegrias e pelos sofrimentos que vivemos juntos. Com eles, aprendi que a partilha multiplica os dons e que, dando generosamente, recebemos com abundância. Obrigado por cada um dos meus amigos, que têm sido presenças de luz e de esperança na minha vida. Lembra-te daqueles que ainda não experimentaram a amizade, ou que se sentiram atraiçoados pelos amigos. Que todos possam experimentar-Te como Amigo, sempre presente e fiel, sempre leal e generoso. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor deseja que nós vamos ter com ele com simplicidade. - O discípulo: Senhor, começo com um acto de simplicidade pedindo-vos hoje que vós mesmo faleis comigo. - O Salvador: Compreendei a santa liberdade e simplicidade com as quais deveis viver comigo: «Sede simples como pombas» (Mt 10). Não peço uma tensão penosa do espírito para estar atento a pensar em mim em todo o instante. Quando tiverdes passado algum tempo sem me produzirdes actos de amor, em vez de desesperardes e de crerdes que jamais podereis fazer o que espero de vós, vinde ter comigo simplesmente. Dizei-me com uma ternura cheia de abandono, que me amais; pedi-me perdão por me haverdes esquecido e não penseis mais nisso. Agi da mesma maneira nestas mil pequenas fraquezas de que os vossos dias estão cheios. Não vos desoleis por não terdes feito melhor do que o não podeis. Oferecei-me todos os pequenos sacrifícios que quiserdes, mas guardai-vos de passar o vosso tempo a contar tudo o que fazeis. Os pequenos sacrifícios que eu peço devem ser-me oferecidos espontaneamente: Deus ama aquele que dá com alegria (2Cor 9,7). Falai-me como um amigo fala ao seu amigo, um filho a sua mãe. «Já não vos chamo servos, mas amigos», dizia aos meus discípulos. «Recebestes o espírito de adopção de filhos», diz-vos S. Paulo (Rom 8). Imaginai que sois um menino admitido junto de mim em Nazaré e comportai-vos comigo como faríeis se esta imaginação fosse realidade. O meu coração faz as suas delícias com estas efusões cheias de candura e de simplicidade: As minhas delícias são estar com os filhos dos homens. (Leão Dehon, OSP 3, p. 44).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Um amigo fiel é uma protecção» (Sir 6, 5)»

    | Fernando Fonseca, scj |

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