Events in Junho 2022

  • 7ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    7ª Semana - Quinta-feira - Páscoa


    2 de Junho, 2022

    7ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 22, 30; 23, 6-11

    Naqueles dias, querendo o tribuno averiguar com imparcialidade do que era acusado pelos judeus, fê-lo desalgemar, convocou os sumos sacerdotes e todo o Sinédrio e mandou buscar Paulo, fazendo-o comparecer diante deles.
    6Sabendo que havia dois partidos no Sinédrio, o dos saduceus e o dos fariseus, Paulo bradou diante deles: «Irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseus, e é pela nossa esperança, a ressurreição dos mortos, que estou a ser julgado.» 7Estas palavras desencadearam um conflito entre fariseus e saduceus e a assembleia dividiu-se, 8porque os saduceus negam a ressurreição, assim como a existência dos anjos e dos espíritos, enquanto os fariseus ensinam publicamente o contrário. 9Estabeleceu-se enorme gritaria, e alguns escribas do partido dos fariseus ergueram-se e começaram a protestar com energia, dizendo: «Não encontramos nada de mau neste homem. E se um espírito lhe tivesse falado ou mesmo um anjo?» 10A discussão redobrou de violência, a tal ponto que o tribuno, receando que Paulo fosse despedaçado por eles, mandou descer a tropa para o arrancar das mãos deles e reconduzi-lo à fortaleza.
    11Na noite seguinte, o Senhor apresentou-se diante dele e disse-lhe: «Coragem!
    Assim como deste testemunho de mim em Jerusalém, assim é necessário que o dês também em Roma.»

    A defesa de Paulo diante do Sinédrio é relatada por Lucas de um modo que deixa supor uma profunda elaboração do texto, pois encontramos pormenores inverosímeis e outros que se adaptam às circunstâncias históricas. O Apóstolo fora a Jerusalém para visitar a comunidade e, a conselho de Tiago, tinha subido ao Templo. Descoberto pelos seus adversários, só não perdeu a vida porque interveio o tribuno romano, que até lhe permitiu falar à multidão. Paulo conta, mais uma vez, a história da sua conversão. Mas as suas palavras desencadeiam novo tumulto e o tributo manda reconduzi-lo à fortaleza, onde Paulo se declara cidadão romano. No dia seguinte, é levado ao sinédrio e pronuncia o seu discurso, em que habilmente explora a controvérsia existente entre fariseus e saduceus acerca da ressurreição. A confusão aumenta e, mais uma vez, Paulo é salvo pelos romanos. Mas o Senhor conforta o seu missionário e garante-lhe que o seu testemunho vai continuar, não só em Jerusalém, mas também no centro do próprio Império, em Roma.

    Evangelho: Jo 17, 20-26

    Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos ao céu e disse: 20Pai, santo, não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em mim, por meio da sua palavra, 21para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste. 22Eu dei-lhes a glória que Tu me deste, de modo que sejam um, como Nós somos Um. 23Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim. 24Pai, quero que onde Eu estiver estejam também comigo aqueles que Tu me confiaste, para que contemplem a minha glória, a glória que me deste, por me teres amado antes da criação do mundo. 25Pai justo, o mundo não te conheceu, mas Eu conheci-te e estes reconheceram que Tu me enviaste. 26Eu dei-lhes a conhecer quem Tu és e continuarei a dar-te a conhecer, a fim de que o amor que me tiveste esteja neles e Eu esteja neles também.»

    Estamos na terceira parte da «oração sacerdotal». Jesus amplia o horizonte, fazendo referência a todos aqueles que, ao longo dos séculos, hão-de acreditar n´Ele pela palavra dos discípulos. Depois pede por todos os crentes (vv. 20-26). Pede especialmente, para eles, uma união e unidade semelhantes às que existem entre o Pai e o Filho, ou melhor ainda, que participem nessa união e nessa unidade (vv. 21-
    23). Pede pela salvação dos discípulos (vv. 24-26).
    Como o Pai está no Filho e o Filho está no Pai, também os crentes hão-de estar com eles, para que o mundo creia que Jesus é o enviado do Pai. Esta unidade é possível pelo amor, a única forma de uma pessoa estar noutra sem perder a sua própria identidade. Mas o amor é obediência, é realização da vontade do Pai.
    Meditatio

    Jesus quis partilhar connosco a glória que o Pai Lhe deu: «Eu dei-lhes a glória que Tu me deste, de modo que sejam um, como Nós somos Um» (v. 22). Que quer dizer o Senhor com estas palavras? Não é certamente a glória mundana, que tantas vezes procuramos, para satisfazer o nosso orgulho e a nossa vaidade. A glória de Cristo é a glória daquele que veio para servir, que se baixou ao nosso nível, que se identificou connosco, que nos lavou os pés. É, portanto, a puríssima glória daquele que jamais procurou a glória e que, por isso mesmo, foi glorificado pelo Pai. É a glória daquele que «se levantou da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura e, depois, deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura» (Jo 13, 4-5) ou que, como escreve Paulo, «se rebaixou a si mesmo, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo e lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome» e lhe deu uma glória que está acima de toda a glória, a glória de «Senhor!».
    Trata-se, pois, de uma glória que vem do amor do Pai e que tem por objectivo fazer com que todos «sejam um»: «Eu dei-lhes a glória que Tu me deste, de modo que sejam um, como Nós somos Um» (v. 22). É, pois, uma glória dada por amor, esse amor que está na base da fraternidade entre os discípulos. Essa fraternidade é testemunho seguro e autorizado da verdade da nossa fé cristã. O cristianismo ganha credibilidade, e cresce em credibilidade, quando os fiéis se empenham em viver como irmãos e irmãs, que se aceitam uns aos outros como são para tender à unidade, quando não se deixam levar por rivalidades, mas se ajudam, se apoiam, são benevolentes uns com os outros. Há que ter tudo isto bem presente na vida espiritual, na missão, na pastoral, para darmos testemunho do «amor de Cristo num mundo à procura de uma unidade difícil e de novas relações entre pessoas e grupos» (Cst 43) e para colaborarmos eficazmente na construção de uma nova civilização, a «civilização do amor», que será, na terra, um reflexo da comunidade trinitária, conforme a oração de Jesus: «Que todos sejam um só. Como Tu, ó Pai, estás em Mim, e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste» (Jo 17, 21). Notemos a insistência de Jesus, não só sobre a unidade no amor, mas também sobre a dimensão missionária da comunidade unida no amor. "Ut sint unum" («Para que sejam um») é um dos motes caros ao Pe. Dehon.

    Oratio

    «Ó Jesus, realiza o teu testamento. Vem a mim e dá-me também o amor do Pai. Devo da minha parte fazer o que é próprio para favorecer esta união. Devo viver junto de Ti, Contigo, em Ti, em união com o teu divino Coração, fazendo tão constantemente quanto possível actos de amor, de reconhecimento, de reparação e de oração». Assim Te rezava o teu servo Leão Dehon. Faço minha a sua oração, mas quero também pedir-Te que a graça da união Contigo me leve a empenhar-me na união com todos os meus irmãos e irmãs. Trabalhar pelo teu Reino é, sobretudo, mergulhar na fraternidade, que é sinal da tua presença, da presença do teu Reino. A tua mensagem, muitas vezes, não emerge, porque não emergem comunidades fraternas realizadas. Faz-me compreender o mistério da união Contigo, mas também o mistério da fraternidade e a força missionária da comunhão. Amen.

    Contemplatio

    «Quero que, onde eu estiver, eles estejam comigo». É a promessa do céu, a promessa da visão intuitiva e da posse de Deus: «Quero que eles vejam a minha glória, Ut videant claritatem meam». É mais do que uma oração, mais do que um desejo, Nosso Senhor exprime uma vontade, fala ao seu Pai como de igual para igual. Pede que os seus discípulos sejam testemunhas da glória que o seu Pai lhe destinou desde toda a eternidade.
    Depois recorda sumariamente as condições desta beatitude para os seus discípulos: «O mundo não os conhece, diz a seu Pai, e por causa disso não chega à salvação nem à glória do céu. Mas eu conheci-vos e vós me glorificastes. Os meus apóstolos conheceram-vos em mim, compreenderam que eu era vosso enviado. Dei- lhes a conhecer o vosso nome e dá-lo-ei a conhecer ainda mais».
    Conhecer Deus, conhecer prática e progressivamente Jesus e a revelação, eis, portanto, o caminho da beatitude.
    Este conhecimento começou pelo ensino comum da Igreja. Ele cresce sempre mais pelas luzes mais abundantes que Nosso Senhor comunica àqueles que se aplicam a conhecê-lo na oração e no recolhimento. Deve estar unido ao amor, que cresce em nós nas mesmas proporções. Quanto mais conhecemos a Deus mais o amamos, quanto mais nos tornamos dignos do seu amor, mais nos unimos intimamente com ele e com Jesus Cristo.Eis o caminho, eis a via: melhor conhecer Nosso Senhor para melhor o amar.
    «Pai, que o amor com que me amastes esteja neles e eu neles!». São as últimas palavras do testamento do Sagrado Coração. Nosso Senhor podia mostrar-se mais amoroso e mais terno por nós? Pensemos bem nestas palavras: «Meu Pai, amai- os como me amastes a mim desde toda a eternidade. Amai-me neles, amai-os como meus irmãos, como outros que eu mesmo...».
    Que diríamos nós sobre a terra de um príncipe real que dissesse ao seu pai:
    «Eis alguns dos vossos súbditos, adoptai-os como vossos filhos, amai-os como me amais a mim, dai-lhes uma parte da minha herança...». Isto seria o cúmulo da amizade, da abnegação, da dedicação, e isto nunca se viu, mas Nosso Senhor pediu isto por nós a seu Pai. E acrescentou: «E eu mesmo estarei neles, et ego in ipsis. Habitarei neles, viverei nos seus corações, serei um só com eles...».
    Foi esta união divina que nos foi prometida. Tornamo-nos participantes da natureza divina; divinae consortes naturae, como diz S. Pedro.
    Esta união estabelece-se pelo estado de graça e acrescenta-se cada dia pela vida interior. Está à minha disposição e posso torná-la todos os dias mais íntima. Que loucura se o não fizesse! (Leão Dehon, OSP 3, p. 490s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Qj.Je todos sejam um» ( Jo 17, 21 ).

  • 7ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    7ª Semana - Sexta-feira - Páscoa


    3 de Junho, 2022

    7ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 25, 13-21

    Naqueles dias, 13o rei Agripa e Berenice chegaram a Cesareia e foram apresentar cumprimentos a Festo. 14Como se demorassem vários dias, Festo expôs ao rei o caso de Paulo, dizendo: «Está aqui um homem que Félix deixou preso, 15e contra o qual, estando eu em Jerusalém, os sumos-sacerdotes e os Anciãos dos judeus apresentaram queixa, pedindo a sua condenação. 16Respondi-lhes que não era costume dos romanos conceder a entrega de homem algum, antes de o acusado ter os acusadores na sua frente e dispor da possibilidade de se defender da acusação. 17Vieram, pois, comigo e, sem mais demoras, sentei-me, no dia seguinte, no tribunal e mandei comparecer o homem. 18Postos em frente dele, os acusadores não alegaram nenhum dos crimes que eu pudesse suspeitar; 19só tinham com ele discussões acerca da sua religião e de um certo Jesus, que morreu e Paulo afirma estar vivo. 20Quanto a mim, embaraçado perante um debate deste género, perguntei-lhe se queria ir a Jerusalém, a fim de lá ser julgado sobre o assunto.
    21Mas Paulo apelou para que a sua causa fosse reservada à decisão de Augusto e eu ordenei que o mantivessem preso até o enviar a César.»

    Paulo estava na prisão havia dois anos por ordem do procurador Félix que se tinha negado a pô-lo à disposição dos Judeus. Três dias depois da chegada de Pórcio Festo, os Judeus voltaram à carga, na esperança de que o novo procurador aproveitasse a oportunidade para se reconciliar com eles. Mas Festo preferiu actuar de acordo com o direito romano. Homem honesto, deu-se conta de que o que verdadeiramente dividia os Judeus do Apóstolo não era uma qualquer doutrina, mas um acontecimento, a ressurreição de Jesus. E propôs a Paulo ser julgado em Jerusalém, na sua presença. O Apóstolo não aceitou e apelou para César, na esperança de anunciar o Evangelho na própria capital do império.

    Aproveitando a passagem do rei Agripa por Cesareia, Festo expôs-lhe questão. Agripa interessou-se, quis ouvir pessoalmente Paulo e reconheceu a sua inocência. O Apóstolo não deixou perder a boa ocasião para anunciar ao rei e à sua corte a Boa Nova da Ressurreição, a ponto de Agripa afirmar: «Por pouco não me persuades a fazer-me cristão» (Act 26, 28). A Ressurreição de Jesus tornou-se tema de conversa na corte.

    Paulo não perde uma única oportunidade de anunciar Cristo Morto e Ressuscitado. Já antes, o fizera diante do Sinédrio (Actos 23, 6ss.) e diante de Pórcio Festo. Tirando partido dos seus direitos de cidadão romano, dispõe-se a ir testemunhar em Roma, diante do Imperador.
    A coragem de Paulo é espantosa e obriga várias categorias de pessoas a confrontar-se com o acontecimento da ressurreição de Jesus, fundamento do novo caminho de salvação, cuja notícia se ia espalhando pelo mundo.

    Evangelho: João 21, 15-19

    Quando Jesus se manifestou aos seus discípulos junto ao mar de Tiberíades, depois de terem comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: «Simão, filho de João, tu amas-me mais do que estes?» Pedro respondeu: «Sim, Senhor, Tu sabes que eu gosto muito de ti.» Jesus disse-lhe: «Apascenta os meus cordeiros.» 16Voltou a perguntar- lhe uma segunda vez: «Simão, filho de João, tu amas-me?» Ele respondeu: «Sim, Senhor, Tu sabes que eu gosto muito de ti.» Jesus disse-lhe: «Apascenta as minhas ovelhas.» 17E perguntou-lhe, pela terceira vez: «Simão, filho de João, tu gostas muito de mim?» Pedro ficou triste por Jesus lhe ter perguntado, à terceira vez: 'Tu gostas muito de mim?' Mas respondeu-lhe: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu bem sabes que eu gosto muito de ti!» E Jesus disse-lhe: «Apascenta as minhas ovelhas. 18*Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais novo, tu mesmo atavas o cinto e ias para onde querias; mas, quando fores velho, estenderás as mãos e outro te há-de atar o cinto e levar para onde não queres.» 19E disse isto para indicar o género de morte com que ele havia de dar glória a Deus. Depois destas palavras, acrescentou:
    «Segue-me!»

    Simão é o centro da atenção do evangelista João, no texto que hoje lemos. O pescador da Galileia é chamado a ser pastor (vv. 15-17) e a dar testemunho de Cristo pelo martírio (vv. 18s.).
    Jesus exige a Pedro uma confissão de fé e de amor, antes de lhe confiar o cuidado pastoral da Igreja. Trata-se de uma condição indispensável para o exercício da função de guia espiritual. Jesus pede três vezes essa confissão a Pedro.
    A insistência de Jesus no amor compreende-se na relação de filial intimidade que Pedro tinha com Ele. No serviço pastoral, a relação de confiança e de comunhão com o Senhor precede a exigência das próprias qualidades humanas. Jesus conhece intimamente Pedro. Mas exige-lhe uma confissão explícita de fé e de amor. E, então, confia-lhe o serviço pastoral da Igreja: «Apascenta as minhas ovelhas» (v. 17).
    Depois do ministério pastoral, virá o testemunho do martírio. O verdadeiro amor vai até ao dom da própria vida: «Ninguém tem mais amor do que quem dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13).
    «Segue-me» (v. 19). Este mandato do Senhor é uma clara referência a outras palavras, tais como: «Não podes seguir-me agora; seguir-me-ás depois» (Jo 13, 36).

    Meditatio

    O procurador Festo resume ao rei Agripa a pregação de Paulo: «Os acusadores não alegaram nenhum dos crimes que eu pudesse suspeitar; só tinham com ele discussões acerca da sua religião e de um certo Jesus, que morreu e Paulo afirma estar vivo» (v. 19-29). Paulo pregava Jesus morto e ressuscitado. Era essa a razão pela qual os seus acusadores o queriam ver condenado.
    No evangelho, vemos Jesus, que esteve morto mas agora está vivo, a manifestar-se aos Apóstolos. Não se trata de um fantasma, mas de verdadeiro corpo humano, com um coração igualmente humano, que deseja ser amado: «Simão, filho de João, tu amas-me?» (v. 15). Pedro responde com modéstia. Ama o Senhor, mas não o diz com a mesma segurança em si com que o dizia antes da paixão, quando O negou. Experimentou a sua fragilidade, a sua inconstância e aprendeu que só o Senhor pode tornar consistente e forte o seu amor. Por isso, repete três vezes:
    «Senhor, Tu sabes que eu gosto muito de ti» (v. 15). Jesus nada mais pretende do que essa afirmação de amor para lhe confiar a Igreja: «Apascenta as minhas ovelhas!» (v. 15). O serviço apostólico fundamenta-se nesta ligação íntima com o Senhor. As qualidades humanas ajudam, e são até muito importantes. Mas de pouco valem sem a união com Jesus, o Supremo Pastor da Igreja. É Ele a fonte do amor com que somos chamados a amar a Deus, e a amar-nos uns aos outros. O único amor verdadeiramente consistente é aquele que vamos beber ao Coração de Cristo. Só esse amor nos torna capazes de seguir o Senhor até ao martírio, como aconteceu com Pedro. Antes da paixão, tinha perguntado a Jesus: «Senhor, para onde vais?». Jesus tinha-lhe respondido: «Para onde Eu vou tu não me podes seguir por agora; hás-de seguir-me mais tarde» (Jo 13, 36). Pedro parece não ter gostado da resposta e ripostou: «Por que não posso seguir-te agora? Eu daria a vida por ti!». Sabemos o que aconteceu poucas horas depois: negou o seu Senhor e Mestre, três vezes. Só podemos amar o Senhor e dar a vida por Ele, porque Ele nos amou e deu a vida por nós. Depois da sua Morte e Ressurreição é que Jesus convida Pedro a segui-Lo até à morte, dando por Ele a maior prova de amor.
    Abrir-nos ao amor de Cristo, acolhê-lo, é o fundamento de toda a generosidade: «Nisto consiste o Seu amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele, que nos amou... Amou-nos por primeiro...» (1 Jo 4, 19).

    Oratio

    Que hei-de dizer-te hoje, Senhor, perante a confissão de fé e de amor de Pedro? Aqui está a vida, o seu mistério, a sua luz, o seu sabor, o seu significado! Todas as outras questões não passam de simples ocasiões para Te dizer o meu «sim». Criaste-me para dizeres que me amas, e para pedir-me que corresponda ao teu amor. Pedes-mo como um mendigo! De facto, enviaste-me o teu Filho como servo para que não te sirva por medo, ou por espanto diante da tua grandeza, mas unicamente por amor. Tocaste-me o coração com a tua benevolência e a tua humildade. Conquistaste-me com o teu rosto desfigurado na cruz.
    Ainda que, como Pedro tenha hesitado, ou pecado, quero hoje dizer-te que Te amo, que quero amar-Te toda a vida, que jamais quero separar-me de Ti, que estou disposto a perder tudo por Ti.
    Dá-me a fé e o amor ardente de Pedro, e dá-me a coragem de Paulo para que, vivendo em Ti e para Ti, testemunhe a ressurreição do teu Filho Jesus, e o teu amor que excede todo o conhecimento. Amen.

    Contemplatio

    S. Paulo foi uma vítima sempre imolada pela glória de Deus e a salvação das almas. Nosso Senhor tinha dito: «Mostrar-lhe-ei tudo o que terá de sofrer pelo meu nome» (Act 1, 16). Sabia-se vítima. Dizia: «Não quero gloriar-me senão na cruz de Jesus. - Levo no meu corpo os seus estigmas» (Gal 6). «Gastar-me-ei e gastarei tudo pela salvação das vossas almas» (2Cor 12, 15). Enumera na sua segunda carta aos Coríntios tudo o que sofreu por Cristo: foi flagelado pelos Judeus; por três vezes foi flagelado e apedrejado três vezes. Três vezes naufragado; passou um dia e uma noite no fundo do mar. Sofreu a fome, a sede, o frio, a nudez. Deu a fórmula do puro amor quando disse: «Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo pela glória de Deus» (1Cor 10, 31). Finalmente, morreu por Cristo como desejava, feliz por dar a sua vida por aquele que morreu por nós. S. Paulo tinha eminentemente Pedro é apóstolo do Sagrado Coração. - Pedro está entre os íntimos do Coração de Jesus. Está sempre junto de Jesus com João e Tiago (Leão Dehon, OSP 3, p 707).

    S. João amava Jesus mais ternamente. S. Pedro amava fortemente, amava muito porque muito lhe tinha sido perdoado. Caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. Defende Jesus ferindo Malco. Tem um momento de fraqueza no Sinédrio, mas repara-o generosamente com as suas lágrimas. Opõe a sua tríplice confissão de amor à sua tríplice negação. Jesus tinha-o mantido sempre entre os seus preferidos, com André, Tiago e João. Foram os primeiros que chamou. Foi viver em casa de Pedro. Toma-o consigo no Tabor, envia-o a preparar a Ceia com João, leva-o também para junto de si na agonia. Pedro e João correm ao túmulo. Jesus manda avisar Pedro a respeito da sua ressurreição e aparece-lhe em particular. É sempre a intimidade, sempre a união. O chefe da Igreja deve aliás possuir eminentemente o que possuem os seus membros. João é o apóstolo do Sagrado Coração, Pedro devia sê-lo também, embora com matizes na forma (Leão Dehon, OSP 3, p.703s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, Tu sabes que Te amo!» (Jo 21, 17).

    SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires

    SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires


    3 de Junho, 2022

    Carlos Luanga e os seus vinte e um companheiros, ugandeses, foram martirizados entre 1885 e 1886, por ordem do rei Mwanga. Tendo abraçado a fé, graças à pregação dos Padres Brancos, opuseram-se ao rei, esclavagista e pederasta. Uns foram decapitados e outros queimados vivos. Foram canonizados por Paulo VI, em 1964.

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Macabeus 7, 1-2.9-14

    Naqueles dias, foram presos sete irmãos com a mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de azorrague e de nervos de boi, quis obrigar a comer carnes de porco, proibidas pela lei. 2Um deles, tomou a palavra e falou assim: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos a antes morrer do que violar as leis dos nossos pais.» 3O rei, irritado, ordenou que aquecessem ao fogo sertãs e caldeirões. 4Logo que ficaram em brasa, ordenou que cortassem a língua ao que primeiro falara, lhe arrancassem a pele da cabeça e lhe cortassem também as extremidades das mãos e dos pés, na presença dos irmãos e da mãe. 5Mutilado de todos os seus membros, o rei mandou aproximá-lo do fogo e, vivo ainda, assá-lo na sertã. Enquanto o cheiro da panela se espalhava ao longe, os outros, com a mãe, animavam-se a morrer corajosamente, dizendo: 6«Deus, o Senhor, nos vê e, na verdade, Ele terá compaixão de nós, como diz claramente Moisés no seu cântico de admoestação: Ele terá piedade dos seus servidores.» 7Morto, deste modo, o primeiro, conduziram o segundo ao suplício. Arrancaram-lhe a pele da cabeça com os cabelos e perguntaram-lhe: «Comes carne de porco, ou preferes que o teu corpo seja torturado, membro por membro?» 9Prestes a dar o último suspiro, disse: «Ó malvado, tu arrebatas-nos a vida presente, mas o rei do universo há-de ressuscitar-nos para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis.» 10Depois deste, torturaram o terceiro, o qual, mal lhe pediram a língua, deitou-a logo de fora e estendeu as mãos corajosamente. 11E disse, cheio de confiança: «Do Céu recebi estes membros, mas agora menosprezo-os por amor das leis de Deus, mas espero recebê-los dele, de novo, um dia.» 12O próprio rei e os que o rodeavam ficaram admirados com o heroísmo deste jovem, que nenhum caso fazia dos sofrimentos.13Morto também este, aplicaram os mesmos suplícios ao quarto, 14o qual, prestes a expirar, disse: «É uma felicidade perecer à mão dos homens, com a esperança de que Deus nos ressuscitará; mas a tua ressurreição não será para a vida.»

    Perante a perseguição de Antíoco IV, que pretendia impor a cultura e a religião gregas em todo o reino, também em Jerusalém, o autor do 2 Macabeus apresenta o testemunho heroico dos seus irmãos perseguidos. Os Macabeus lutam para evitar a normalização política e religiosa, que vai contra a identidade e a liberdade do povo de Deus. Hoje escutamos a impressionante narrativa do martírio dos sete irmãos e da sua mãe. Os Mártires de Uganda, em nome da fé cristã, e dos seus princípios morais, resistiram ao tirano Mwanga, pagando o seu atrevimento com a própria vida.

    Evangelho: Mateus 5, 1-12ª

    Naquele tempo, ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. 2Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo:3«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. 4Felizes os que choram, porque serão consolados. 5Felizes os mansos, porque possuirão a terra.  6Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. 9Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.  10Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. 11Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa.12Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu.

    Mateus apresenta a Jesus como o novo Moisés, que promulga a nova lei. O reino de Deus está presente e atuante no mundo. A situação do homem, tornado filho de Deus, é nova. Há que viver de acordo com ela, há que construir uma sociedade nova. Há que viver "segundo o espírito" e não "segundo a carne" (cf. Gl 5, 10ss.). O novo estilo de vida, pessoal e coletivo, - ser construtores de paz, misericordiosos, amigos da justiça, puros de coração, pobres em espírito, vai contra os princípios e hábitos do mundo. Por isso, há que contar com o sofrimento e a perseguição, tal como aconteceu com Cristo. Mas Cristo diz-lhes: "Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu. (v. 12).

    Meditatio

    Ao canonizar os mártires, que hoje celebramos, Paulo VI pronunciou estas palavras: "Estes Mártires Africanos acrescentam ao álbum dos vencedores, chamado Martirológio, uma página ao mesmo trágica e grandiosa, verdadeiramente digna de figurar ao lado das célebres narrações da África antiga, as quais, neste tempo em que vivemos, julgávamos, por causa da nossa pouca fé, que nunca mais viriam a ter semelhante continuação... Estes Mártires Africanos dão, sem dúvida, início a uma nova era... Com efeito, a África, orvalhada com o sangue destes mártires, que são os primeiros desta nova era, (e queira Deus que sejam os últimos - tão grande e precioso é o seu holocausto), a África renasce livre e resgatada".
    Nos Mártires de Uganda realizou-se a palavra de Jesus: "Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto." (Jo 12, 24). As novas comunidades cristã, no coração da África, nascem marcadas pelo seu martírio. O seu sangue é semente de novas comunidades, que floresceram e continuarão a florescer em África, comunidades jovens, dinâmicas e evangelizadoras.
    Os Mártires de Uganda são para nós um ícone vivo. São um desafio a construir, com clareza de identidade, a sociedade contemporânea e, como escreveu João Paulo II, a "não deixar faltar a este mundo o clarão da divina beleza que ilumine o caminho da existência humana".
    Como batizados, participamos no sacerdócio de Cristo, mas, com Ele e como Ele, somos também "vítimas" do seu e nosso sacerdócio: "Saiamos, então, ao seu encontro fora do acampamento, suportando a sua humilhação... ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o seu nome." (Heb 13, 13.15). Os Mártires participam na oblação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, para glória e alegria de Deus, e para redenção da humanidade. Com efeito, comenta Cipriani, "O sacrifício de Cristo não pode permanecer isolado, não partilhável; o Seu martírio é um apelo ao nosso martírio". S. Paulo, ao escrever aos Romanos, diz-lhes: "Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos (isto é, vós mesmos) como sacrifício, vivo, santo e agradável a Deus; é este o vosso culto espiritual" (Rom 12, 1).

    Oratio

    Senhor nosso Deus, que fazeis do sangue dos mártires semente de cristãos, concedei que a seara da vossa Igreja, regada com o sangue de São Carlos Lwanga e seus companheiros, produza sempre abundante colheita para o vosso reino. Ámen. (Coleta da Missa).

    Contemplatio

    As ladainhas cantam a glória do nome de Jesus, o seu valor, a sua fecundidade... É um nome glorioso pelas suas origens celestes: Jesus, filho do Deus vivo; Jesus, esplendor do Pai; Jesus pureza da luz eterna; Jesus, rei de glória; Jesus, sol de justiça, tende piedade de nós. É um nome glorioso sobre a terra, pela sua beleza sobrenatural e pela sua grande missão: Jesus, filho da Virgem Maria; Jesus amável; Jesus admirável; Jesus, Deus forte; Jesus, Pai do século que há-de vir; Jesus, anjo do grande conselho; Jesus muito poderoso tende piedade de nós. É um nome glorioso pelas suas virtudes: Jesus, muito paciente; Jesus muito obediente; Jesus manso e humilde de coração; Jesus que amais a castidade; Jesus, que nos amastes; Jesus, Deus de paz; Jesus, autor da vida; Jesus, modelo de toda a virtude; Jesus zelador das almas, tende piedade de nós. É um nome glorioso pelos seus títulos mais amáveis: Jesus, nosso Deus; Jesus, nosso refúgio; Jesus, pai dos pobres; Jesus, tesouro dos fiéis; Jesus, bom Pastor; Jesus, verdadeira luz; Jesus, sabedoria eterna; Jesus, bondade infinita; Jesus, nosso caminho e nossa vida; tende piedade de nós. É um nome glorioso pela sua preeminência sobre todas as glórias: Jesus, alegria dos anjos; Jesus, rei dos patriarcas; Jesus, senhor dos apóstolos; Jesus, doutor dos evangelistas; Jesus, mártir e força dos mártires; Jesus, confessor e luz dos confessores; Jesus, virgem e pureza das virgens; Jesus, santo e coroa de todos os santos, tende piedade de nós. Verdadeiramente este nome está acima de todos os nomes. (Leão Dehon, OSP 3, p.59s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Felizes sereis quando vos perseguirem por minha causa." (cf. Mt 5, 12).
    ----

    SS. Carlos Lwanga e Companheiros, Mártires (03 Junho)

  • 7ª Semana - Sábado - Páscoa

    7ª Semana - Sábado - Páscoa


    4 de Junho, 2022

    7ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 28, 16-20.30s.

    16Quando entrámos em Roma, Paulo foi autorizado a ficar em alojamento próprio com o soldado que o guardava. 17Três dias depois, convocou os principais dos judeus e, quando estavam todos reunidos, disse-lhes:«Irmãos, embora nada tenha feito contra o povo ou contra os costumes paternos, fui preso em Jerusalém e entregue às mãos dos romanos. 18Estes, depois de me terem interrogado, queriam libertar-me, por não haver em mim crime algum digno de morte. 19Mas, como os judeus se opuseram, fui constrangido a apelar para César, sem querer, de modo algum, acusar o meu povo. 20Foi por este motivo que pedi para vos ver e falar, pois é por causa da esperança de Israel que trago estas cadeias.» 30Paulo permaneceu dois anos inteiros no alojamento que alugara, onde recebia todos os que iam procurá-lo, 31anunciando o Reino de Deus e ensinando o que diz respeito ao Senhor Jesus Cristo, com o maior desassombro e sem impedimento.

    Entre a leitura de ontem e a de hoje, temos a narrativa da atribulada viagem de Paulo até Roma: parte de Cesareia para a ilha de Creta, sofre uma grande tempestade durante 14 dias, demora-se em Malta, viaja até Roma e é calorosamente recebido pela comunidade cristã. Na capital do Império, o Apóstolo vive uma liberdade vigiada, que aproveita para anunciar o Reino de Deus com muita coragem.
    A obra de Lucas atingiu o objectivo: nada nem ninguém pode deter o caminho da Palavra, que chega ao coração do Império e é pregada «nos extremos confins da terra». Paulo é uma das muitas testemunhas de Jesus. É um modelo, um campeão da fé e do testmunho da mesma, mas não é o único. Paulo cumpriu a sua missão com fidelidade e coragem exemplares. Mas todo o cristão há-de ser testemunha da Ressurreição. Em todo o tempo e lugar, em todas as circunstâncias, o discípulo há-de proclamar Jesus como «Senhor» e Salvador, porque «a palavra de Deus não pode ser acorrentada» (2 Tm 2, 9).

    Evangelho: João 21, 20-25

    Naquele tempo, 20Pedro voltou-se e viu que o seguia o discípulo que Jesus amava, o mesmo que na ceia se tinha apoiado sobre o seu peito e lhe tinha perguntado: 'Senhor, quem é que te vai entregar?' 21Ao vê-lo, Pedro perguntou a Jesus: «Senhor, e que vai ser deste?» 22Jesus respondeu-lhe: «E se Eu quiser que ele fique até Eu voltar, que tens tu com isso? Tu, segue-me!» 23Foi assim que, entre os irmãos, correu este rumor de que aquele discípulo não morreria. Jesus, porém, não disse que ele não havia de morrer, mas sim: «Se Eu quiser que ele fique até Eu voltar, que tens tu com isso?»
    24Este é o discípulo que dá testemunho destas coisas e que as escreveu. E nós sabemos bem que o seu testemunho é verdadeiro. 25Há ainda muitas outras coisas
    que Jesus fez. Se elas fossem escritas, uma por uma, penso que o mundo não teria espaço para os livros que se deveriam escrever.

    No epílogo do evangelho de João, o discípulo amado aparece, mais uma vez, com Pedro. A presença de Pedro, cuja autoridade é reconhecida, serve para acreditar a de João e, de algum modo, a autoridade do próprio quarto evangelho que, directa ou indirectamente remonta ao discípulo amado.
    Quando o quarto evangelho foi escrito, os mártires eram já tidos em grande
    consideração. A morte de um mártir era o modo mais elevado de glorificar a Deus. Jesus tinha predito o martírio de Pedro. Mas não terá dito nada sobre o «outro discípulo»? Claro que disse: «Se Eu quiser que ele fique até Eu voltar, que tens tu com isso? Tu, segue-me!» (v. 22). Os primeiros cristãos julgavam iminente a segunda vinda de Jesus. Embora muitos morressem, muitos outros viveriam até ao regresso do Senhor. Entre eles, João. Mas a vinda do Senhor não aconteceu como pensavam. O próprio quarto evangelho inculca seriamente a presença, a actualidade das realidades escatológicas: o juízo final, a vida eterna... têm lugar aqui e agora, ainda que isso não exclua a dimensão do futuro. A morte do discípulo amado, entretanto ocorrida, desconcertou muito gente, e foi preciso esclarecer a sentença ambígua de Cristo. O capítulo 21 foi acrescentado para corrigir a má interpretação das palavras de Jesus. Esclarece-se, diante do testemunho de Pedro, o testemunho do discípulo que Jesus amava, testemunho que está na base do quarto evangelho. «E nós sabemos bem que o seu testemunho é verdadeiro» (v. 24). O «nós» indica a comunidade de discípulos que surgiu à volta do testemunho de João.

    Meditatio

    Estamos na vigília do Pentecostes. As leituras deste sábado não falam directamente do Espírito Santo, mas falam de testemunho. Do testemunho de João, que «dá testemunho destas coisas e que as escreveu» (v. 24) e do testemunho de Paulo, que «recebia todos os que iam procurá-lo, anunciando o Reino de Deus e ensinando o que diz respeito ao Senhor Jesus Cristo, com o maior desassombro e sem impedimento» (vv. 30-31).
    O testemunho do Evangelho é fruto da presença do Espírito Santo. É o que
    vemos no relato do Pentecostes (Actos 2, 1ss.): recebido o Espírito Santo, aqueles homens inconstantes e tímidos tornam-se apóstolos decididos e corajosos em Jerusalém, na Samaria, na Galileia e até aos confins da terra. O Espírito Santo é o protagonista da evangelização: por meio d´Ele, difunde-se a boa nova do Evangelho; é Ele que indica os caminhos a seguir, e as pessoas a escolher; os Apóstolos foram escolhidos por Jesus «no Espírito Santo» (Act 1, 2); foi o Espírito que ordenou:
    «Separai Barnabé e Paul para o trabalho (missão) a que Eu os chamei» (Act 13, 2); os Apóstolos afirmam: «O Espírito Santo e nós próprios resolvemos...» (Act 15, 28); o Espírito Santo proíbe a Paulo e a Timóteo «pregar a Palavra na província da Ásia» (Act 16, 6) e também na Bitínia (cf. Act 16, 7). Apenas lhes resta um caminho a percorrer, o caminho indicado pelo Espírito, que os levará à Macedónia, na Grécia e, portanto, à Europa (cf. Act 16, 9ss). «Movidos pelo Espírito Santo esses homens falaram em nome de Deus» (2 Pe 1, 21).
    A Igreja sempre acolheu o testemunho dos Apóstolos como verdadeiro, porque inspirado pelo Espírito Santo. Acolheu o testemunho de Pedro e o dos outros Apóstolos, incluindo o de João, definitivamente consignado por escrito pelos seus discípulos, já em finais do século I: «nós sabemos bem que o seu testemunho é verdadeiro» (v. 24), escrevem esses discípulos. É esse testemunho verdadeiro, de João e dos outros Apóstolos, que a Igreja contin
    ua a transmitir ao longo dos séculos para acreditarmos «que Jesus é o Messias, o Filho de Deu», e, crendo, tenhamos vida n´Ele (cf. Jo 20, 31.

    Oratio

    Senhor Jesus, perdoa as minhas curiosidades inúteis e faz-me ouvir o teu amoroso convite: «Segue-me», como o fizeste ao teu discípulo Pedro, e dá-me a graça da fidelidade até ao fim.
    Que o teu apóstolo João, seja o meu guia na descoberta do amor do teu
    coração, na assiduidade e na delicadeza com que quero realizar o teu serviço. Com o teu discípulo amado, e como ele, quero seguir-Te em toda, fazendo sempre o que mais Te agrada. Infunde em mim o teu Espírito Santo. Que Ele seja a minha força, o garante da minha fidelidade. Amen.

    Contemplatio

    S. João teve com Jesus todos os laços mais íntimos: foi seu familiar, seu discípulo, seu amigo, seu herdeiro. Tiago e João eram filhos de Salomé, a parente de Maria. Chamavam-nos os irmãos de Jesus; era costume chamar irmãos os parentes próximos. João deve ter conhecido Jesus em menino.
    Com Santo André, foi o primeiro que se ligou a Ele como discípulo (Jo 1,37). Tendo ouvido João Baptista chamar Jesus o Cordeiro de Deus, comprazia-se muito com doçura deste nome, meditava nele sem cessar, recorda-o muitas vezes no Apocalipse.
    S. João está sempre junto de Jesus. Quando Jesus chama à parte alguns apóstolos, para os seus mais belos milagres, para a transfiguração, para a agonia, S. João está sempre.
    Está sentado junto de Jesus. S. Pedro sabe bem que João é o amigo e que por ele poderá conhecer os segredos que Jesus não revela a todos.
    S. João pode contar em pormenor o discurso depois da Ceia, porque melhor que os outros ele tudo escutou e compreendeu.
    S. João ama como é amado. Segue Jesus por toda a parte. (Petrus vidit illum sequentem). Segui-lo-á até ao Calvário. Assiste à morte de Jesus, ao misterioso golpe de lança, ao enterro. Vê de perto o lado de Jesus aberto. Abraça-o sem dúvida como devia um dia fazer S. Francisco (Haurietis aquas in gaudio).
    S. João é o herdeiro de Jesus, que lhe legou a sua mãe e necessariamente com ela a casa de Nazaré e as recordações.
    Jesus disse a Pedro que João deve esperá-lo e recebê-lo sobre a terra. Voltarão a ver-se em Patmos. João irá reencontrar lá o divino Cordeiro com o lado ferido: Agnum occisum... quem pupugerunt.
    Ó divina amizade, que merece uma contemplação e uma admiração eterna! (Leão Dehon, OSP 4, p. 591s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Tu, segue-me!» (Jo 21, 22).

  • X Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 17, 1-6

    Naqueles dias, 1Elias, o tisbita, habitante de Guilead, disse a Acab: «Pela vida do Senhor, Deus de Israel, a quem eu sirvo, não cairá orvalho nem chuva nestes anos senão à minha ordem.» 2A palavra do Senhor foi-lhe dirigida nestes termos: 3«Vai-te daqui, dirige-te para Oriente e esconde-te na torrente de Querit, que fica em frente do Jordão. 4Beberás da torrente, e Eu já ordenei aos corvos que te levem lá de comer.» 5Então ele partiu segundo a palavra do Senhor e foi morar junto à margem do Querit, em frente do Jordão. 6Os corvos traziam-lhe pão e carne, de manhã e de tarde, e ele bebia água da torrente.

    Retomamos hoje a leitura do Primeiro Livro dos Reis, iniciada na quarta semana do tempo comum. O reino de David, que atingira a sua máxima grandeza no tempo de Salomão, estava dividido pelo cisma político-religioso de 931 a. C. O reino do Norte, Israel, formado por dez tribos, tinha a capital em Samaria. O reino do Sul, Judá, tinha a capital em Jerusalém. Enquanto no reino do Norte se sucederam dez famílias reinantes, no reino do Sul, manteve-se sempre a dinastia de David.
    O nosso texto situa-nos no Norte, durante o reinado de Acab e Jezabel. O casamento do rei de Israel com essa princesa fenícia tinha sido fatal para a causa javista. Acab mandou construir um templo a Baal em Samaria, promoveu uma política favorável ao baalismo, e uma ofensiva feroz contra o javismo, matando os seus profetas. É então que surge Elias, proveniente de Guilead, na Transjordânia, onde perdurava um javismo vigoroso. Elias significa «Javé é o meu Deus», um nome que resume a sua vida. O profeta foi enviado a Acab (854-853) para denunciar o culto de Baal, deus de Tiro, propiciador da chuva (1 Re 18, 19). Elias, em nome de Javé, anuncia e garante uma seca, que revelará a fraqueza de Baal aos seus devotos, pois não conseguirá fazer que chova em Israel, contra a vontade do profeta. Acab, instigado pela mulher, persegue Elias. Mas Deus protege-o directamente, alimentando-o de modo miraculoso, junto da torrente de Querit, tal como tinha alimentado o povo no deserto.

    Evangelho: Mateus 5, 1-12

    Naquele tempo, 1ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. 2Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo: 3«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. 4Felizes os que choram, porque serão consolados. 5Felizes os mansos, porque possuirão a terra. 6Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. 9Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. 10Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. 11Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. 12Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.»

    Começamos hoje a ler o primeiro dos cinco grandes discursos em que Mateus agrupou os ensinamentos de Jesus. Este primeiro discurso, o «Sermão da Montanha», ou a Magna Carta do Reino, como alguém já lhe chamou, vai prolongar-se pelos capítulos sexto e sétimo. Mateus, além das mais importantes exigências éticas de Jesus aos seus discípulos, narra dez milagres (cc. 8-9). Assim nos apresenta Cristo mestre, cuja palavra divina, não só é autorizada, mas também eficaz.
    Mateus apresenta Cristo como o novo Moisés, aquele que promulga a nova lei, sobre o monte das Bem-aventuranças, de que o Sinai fora antecipação. No discurso das Bem-aventuranças, o evangelista colecciona e sistematiza ensinamentos ministrados por Jesus em diversas ocasiões. Assim seria mais fácil e prático utilizá-los na pregação e no ensino da Igreja.
    A expressão «pobres em espírito», ainda que não se encontre no Antigo Testamento, reflecte um aspecto fundamental do mesmo: a expectativa do Reino por parte dos pequenos e humildes. Estes hão-de possuir a terra (cf. Sl 37, 11) e, portanto, o Reino, que começa já agora. Por isso, é que é «deles é o Reino do Céu» (v. 3).
    A consolação é apresentada como um traço característico de Deus e dom messiânico por excelência (Is 61, 2; cf. Lc 2, 25). O próprio Cristo se considera consolador e, a esse título, anuncia o dom do Espírito Santo (Jo 14, 26; 15, 26; 16, 7).
    O termo justiça indica o recto cumprimento da vontade divina, realizado com entusiasmo e determinação (fome e sede), conota o acesso à salvação, e será a razão de ser da incarnação do Verbo, cujo nome será «Senhor-nossa-Justiça» (Jr 23, 6).
    A expressão «coração puro» é recorrente na Sagrada Escritura e é sinónimo de «coração simples» (cf Sl 24, 3s; 51, 12; 73, 13; Pr 22, 11; Sab 1, 1: Ef 6, 5). O homem de coração puro verá a Deus, não nesta terra, mas nos céus, onde «O veremos tal qual é» (1 Jo 3, 2), «face a face» ( 1 Cor 13, 12).
    «Obreiro da paz» é o próprio Deus (Cl 1, 20), tantas vezes definido como «Deus da paz».
    A perseguição «por causa da justiça» não é outra coisa senão o preço a pagar pela coerência e pelo testemunho evangélico.

    Meditatio

    A primeira leitura apresenta-nos o exemplo de Elias, grande testemunha da santidade de Deus, num momento de decadência, em Israel, por causa da idolatria, que, por influência de Jezabel, e com a conivência de Acaz, ia ganhando terreno. Elias não suporta a situação e anuncia a punição de Deus. O rei não suporta a intervenção do profeta, e procura matá-lo. Mas Deus está com Elias e diz-lhe: «Vai-te daqui» (v. 3). O profeta refugia-se junto da torrente de Querit, onde Deus cuida do seu sustento.
    O Sermão da Montanha revela-nos o coração de Deus, que não só não abandona os seus profetas, mas ama a todos e a todos quer felizes: «Felizes... felizes ... felizes» é o termo mais repetido no evangelho que escutamos hoje. Deus quer a nossa felicidade, e ensina-nos o caminho para lá chegar. Esse caminho não passa pelas ilusões da riqueza, do poder, das alegrias fáceis, que não passam de becos sem saída, que nos afastam d´Ele e, por isso, também da felicidade.
    O caminho que Jesus nos indica para a felicidade é o seu próprio caminho. O mundo proclama as bem-aventuranças do egoísmo: felizes os ricos, os poderosos, os que mandam, os que, a qualquer custo, procuram satisfazer as suas reivindicações, os seus interesses. Jesus assume uma posição paradoxal, unindo termos em clara
    contraposição: «Felizes os pobres, os que choram...». É um convite a não nos determos à superfície das coisas, mas a olhá-las em profundidade, para vermos o que realmente conta, o que desde já nos dá alegria, ainda que em condições de sofrimento e de pobreza. É o caso da mansidão, da humildade, da misericórdia, que são premissas necessárias a um bem maior, como é a união com Cristo. Por isso, é particularmente paradoxal a última bem-aventurança: «Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa... porque grande será a vossa recompensa no Céu» (v. 11-12). Segundo Jesus, na injustiça, sofrida por causa d´Ele, havemos de encontrar a felicidade. E, aqui, encontramos a ligação com a primeira leitura: são felizes «os que têm fome e sede de justiça», isto é, de santidade, e que sofrem perseguições por causa disso. Elias, profeta perseguido e sofredor, já experimentou a felicidade que Jesus, nove séculos mais tarde, viria proclamar, para quantos tivessem de sofrer por sua causa.
    O verdadeiro discípulo, com efeito, alegra-se em participar nos sofrimentos do seu Senhor (1 Pe 4, 13). À imitação de Cristo, prefere a cruz à alegria imediata: «Em vista da alegria que Lhe era oferecida (Cristo) submeteu-Se à cruz» (Heb 12, 2). Considera «perfeita alegria» sofrer toda a espécie de provações (cf. Tg 1, 2). O laborioso ministério do Apóstolo é um exemplo típico de alegria nas tribulações (Cf. 2 Cor 6, 20; 7, 4; Fl 1, 17-18; 2, 17-18).
    A alegria nas provações é, desde já, posse e garantia da alegria do céu (cf. Apoc 18, 20; 19, 1-4.7-9). Então, será a perfeita alegria, desde já saboreada pelos filhos de Deus e suscitada pela comunhão com o Pai e com o Filho, no Espírito Santo (cf. 1 Jo 1, 1-4; 3, 1-2.2-4).
    O cristão e, sobretudo, o oblato-SCJ vive alegre em todas as situações, mesmo quando tiver de sofrer por causa de Cristo e do seu Reino, manifestando a misericórdia, a alegria e a bondade de Deus para com todos os homens, porque o Senhor está perto (cf. Fl 4, 4-5), e o esposo, logo que chegue, há-de introduzi-lo na alegre festa das núpcias (cf. Mt 25, 10), onde a bem-aventurança será eterna.

    Oratio

    Senhor Jesus, que no alto do monte proclamaste as bem-aventuranças, a nova Lei da nova Aliança, ajuda-me a recordá-la e a vivê-la em todas as circunstâncias da minha vida, para dar ao mundo aquele testemunho profético que me confias como cristão e como consagrado.
    A tua santidade é misericórdia e não dureza. Tu declaras felizes os que, à imitação do Pai, são misericordiosos. Que, a cada dureza e a cada injustiça, eu saiba sempre opor, com a ajuda da tua graça, a misericórdia. Foi assim que, Tu mesmo, reagiste às injustiças e aos sofrimentos a que foste submetido.
    Uma vez que me ensinaste os mais altos cumes das virtudes, infunde em mim o teu Espírito Santo, que venha em auxílio da minha fragilidade, para que possa alcançá-los e receber o prémio que me reservas. Amen.

    Contemplatio

    Feliz o justo que sofre pela justiça! É semelhante ao divino Mestre, que foi o Cordeiro imolado desde o começo, a vítima da salvação, da reparação, da redenção.
    Nosso Senhor predisse esta nossa semelhança com Ele: «O discípulo não está acima do Mestre, disse-nos. Como o mundo me persegue, perseguir-vos-á. Sereis como cordeiros entre os lobos. Arrastar-vos-ão diante dos tribunais. Encontrareis contradições até nas vossas famílias. Muitos vos odiarão por causa de Mim. Mas não sereis felizes por vos parecerdes com o vosso Mestre?» (Mt 10) ... Os discípulos não estão acima do mestre. Os apóstolos também foram perseguidos, porque anunciavam Cristo e pregavam a redenção, foram presos e flagelados; e voltando do tribunal, alegravam-se por terem tido a graça de sofrerem por Jesus Cristo (At 5, 4). Tiveram todos a heróica coragem de enfrentarem a morte pelo Salvador, e se S. João não morreu no seu suplício, foi por um milagre que não lhe tira o mérito do martírio.
    S. Paulo via com alegria a coragem dos seus discípulos na perseguição. Escrevia aos Tessalonicenses: «Gloriamo-nos em vós, nas Igrejas de Deus, por causa da vossa paciência e da vossa fidelidade, no meio das perseguições e das tribulações que tendes de suportar. É o sinal dos desígnios de Deus, o qual vos quer tornar dignos do seu Reino. É por isso que vós sofreis. Mas a seu tempo a todos nos tocará, quando Nosso Senhor descer do céu e aparecer com os anjos, ministros do seu poder» (2Tes 1, 4-7). (Leão Dehon, OSP4, p. 60s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem por minha causa (cf. Mt 5, 11).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • X Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    7 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 17, 7-17

    Naqueles dias, 7a torrente secou, pois não chovia sobre a terra. 8Então o Senhor disse-lhe: 9«Levanta-te, vai para Sarepta de Sídon e fica lá, pois ordenei a uma mulher viúva de lá que te alimente.» 10Ele levantou-se e foi para Sarepta; ao chegar à entrada da cidade, eis que havia lá uma mulher viúva que andava a apanhar lenha; chamou-a e disse-lhe: «Vai-me arranjar, te peço, um pouco de água numa vasilha, para eu beber.» 11Ela foi buscar a água e Elias chamou-a e disse-lhe: «Traz-me também um pedaço de pão nas tuas mãos.» 12Então ela respondeu: «Pela vida do Senhor, teu Deus, não tenho pão cozido; tenho apenas um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na ânfora; mal tenha reunido um pouco de lenha entrarei em casa para preparar esse resto para mim e para meu filho; vamos comê-lo e depois morreremos.» 13Elias disse-lhe: «Não tenhas medo; vai a casa e faz como disseste. Disso que tens faz-me um pãozinho e traz-mo; depois é que prepararás o resto para ti e para o teu filho. 14Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel:'A panela da farinha não se esgotará, nem faltará o azeite na almotolia até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra.'» 15Ela foi e fez como lhe dissera Elias: comeu ele, ela e a sua família, durante alguns dias. 16Nem a farinha se acabou na panela, nem o azeite faltou na almotolia, conforme dissera o Senhor pela boca de Elias.

    Na Palestina, a chuva e as boas colheitas estão em proporção directa (cf. Dt 11, 10-15). Jezabel tinha introduzido em Israel o culto de Baal, deus da chuva. E queria impô-lo a todos. Mas teve que haver-se com a oposição frontal de Elias. A multiplicação milagrosa da farinha e do azeite mostra que o verdadeiro Deus da fertilidade e das boas colheitas é Javé, e não Baal, incapaz de mandar chuva para interromper a seca proclamada por Elias. Ao fazer o milagre, em nome de Javé, Elias mostra que a poderosa rainha Jezabel, e todos os baalistas, não têm razão. Quem a tem é a pobre e indefesa viúva de Sarepta, que confia em Javé. O facto de ser uma estrangeira abre uma perspectiva universalista da salvação, que será completa no Novo Testamento. A viúva de Sarepta é tipo dos pagãos convidados para a mesa do Reino. Este episódio compreende-se plenamente à luz da citação que Cristo faz dele na sinagoga de Nazaré (Lc 4, 24-26): o profeta, que os seus recusam a escutar, é ouvido e acreditado entre os pagãos. Podemos também comparar a viúva de Sarepta com aquela de que nos fala o Evangelho (Mc 12, 41-44; Lc 21, 1-4), para sublinharmos a generosidade de ambas. Esta viúva, generosa com Elias, também se contrapõe a Jezabel e à sua avidez insaciável (cf. 1 Rs 21, 1ss.). O milagre de Sarepta, à semelhança do da torrente de Quarit (1 Rs 17, 1-6), manifesta a solicitude e a providência de Deus em favor dos profetas.

    Evangelho: Mateus 5, 13-16

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 13«Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. 14Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; 15nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. 16Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.»

    Quem vive a nova lei das Bem-aventuranças, proclamada por Jesus Cristo, o novo Moisés, torna-se sal e luz do mundo. Os dois provérbios parabólicos, do sal e da luz, definem a vida e missão dos discípulos, em contraste com a dos fariseus e pagãos: «Vós sois o sal da terra ... Vós sois a luz do mundo». O sal dá sabor aos alimentos, e ainda é usado para evitar a sua corrupção. O sal também era usado na confecção dos sacrifícios (Lv 2, 13) e, portanto, assumia um papel «consacratório» e, se perdesse a capacidade de salgar, era «pisado pelos homens», num gesto dessacralizante. O sal, finalmente, também lembra a sabedoria (Mc 9, 50): devemos condimentar com ele o nosso falar (Cl 4, 6).
    Os discípulos são «luz do mundo», tal como Cristo, que é a fonte da luz (Jo 8, 12). Não se acende uma luz «para a colocar debaixo do alqueire» (cf. Mc 4, 21), caso contrário, apaga-se, como acontece quando se coloca o apagador sobre uma vela.
    «Sal da terra... luz do mundo: a missão dos discípulos tem um horizonte cósmico, planetário.

    Meditatio

    Jesus proclama os seus discípulos sal da terra e luz do mundo. Cada um o deve ser conforme os seus carismas, conforme a sua vocação. Por isso, há muitos modos de ser sal da terra e luz do mundo. Elias, de que nos fala a primeira leitura, é sal da terra com o seu zelo pela verdadeira fé. Mas também a viúva pobre é luz do mundo, pela sua fé, esperança e caridade. Apenas tinha «um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na ânfora», para ela e para o filho. Mais um pouco de tempo, e morreriam ambos de fome. E o homem de Deus, o profeta, em vez de vir trazer alguma coisa, pedia-lhe um pouco de água e um pedaço de pão. Parecia legítimo negar-lhe o pedido. Mas a mulher «foi e fez como lhe dissera Elias» (v. 15). Acreditou na promessa do profeta: «a panela da farinha não se esgotará, nem faltará o azeite na almotolia» (v. 14). Deu e, por isso, recebeu. Não será rica; mas também não lhe faltará o necessário.
    O homem «foi criado para fazer boas obras» (Ef 2, 10), irradiando a luz que Cristo derrama sobre ele (cf. Ef 5, 14). O Senhor, que é a luz que ilumina, transforma-nos em luz iluminada, em luz que se reflecte sobre nós, no dizer de S. Gregório Magno. A comunidade dos «iluminados» (Heb 6, 4; 10, 13) torna-se aquele candelabro de ouro, imagem da Igreja, onde Cristo establece a sua morada (Ap 1, 13). Na tradição hebraica, o candelabro de sete braços simboliza a totalidade do tempo - a primeira semana genesíaca - e a totalidade da pessoa, sintetisada nos sentidos superiores, com as suas sete aberturas: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas e a boca. Será útil pensar: em que medida irradiam luz os meus sentidos, através dos quais interajo com a humanidade?
    A generosidade, a que somos chamados, é resposta à generosidade d´Aquele «que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para (nos) enriquecer pela sua pobreza» (2 Cor 8,9). É permitir a Cristo continuar a viver e a realizar em nós a sua generosidade. Por isso, é um verdadeiro dom, uma «graça» ("karis"), tal como a pobreza de Cristo (2 Cor 8, 9). Com essas palavras, o Apóstolo pretende estimular os cristãos de Corinto, para que dêem, com generosidade, aos pobres da Igreja de Jerusalém:
    «Distingui-vos... nesta acção generosa» (2 Cor 8, 7). Esta «graça de Deus», já foi concedida às Igrejas da Macedónia (2 Cor 8, 1), as quais, apesar das tribulações e da «sua extrema pobreza», deram com «grande alegria... para além das suas posses, espontaneamente, pedindo-nos insistentemente a graça de tomarem parte neste serviço, a favor dos santos» (2 Cor 8, 2-4).
    Um ensinamento importante para todos os cristãos, particularmente para aqueles que fazem voto de pobreza.

    Oratio

    Senhor, que eu não encontre desculpa para não dar com genrosidade. Infunde no meu coração o teu Espírito Santo para saiba gastar o meu tempo, o que tenho e o que sou, em favor dos irmãos, particularmente dos mais fracos e carenciados. Que não olhe demasiadamente para os meus limites, e tenha sempre esperança. Dá-me a graça de dar o pouco que tenho, para que se possa prolongar em mim a tua generosidade. Assim serei realmente feliz, porque Tu mesmo disseste que há maior alegria em dar do que em receber. Amen.

    Contemplatio

    «Vós sois o sal da terra ... Vós sois a luz do mundo. Estas comparações aplicam-se em primeiro lugar e particularmente aos pastores das almas, mas também, de uma certa maneira, a todos os discípulos de Jesus Cristo, mesmo aos simples fiéis. Não têm todos alguns deveres de apostolado uns a respeito dos outros?
    Todos devem edificar o seu próximo pelo bom exemplo, pelas exortações, pelos bons avisos e por todos os meios que pode sugerir um zelo sábio e prudente.
    Este dever é mais complexo para aqueles que têm alguma autoridade familiar, patronal ou administrativa. Mas como é mais urgente o dever do apostolado para o padre! O apostolado é a sua missão, deve despender nele a sua inteligência, o seu coração, toda a sua actividade. «Despender-me-ei, diz S. Paulo, e despenderei tudo o que puder pela salvação das almas. O apóstolo não pode deixar de trabalhar pela salvação das almas sem se perder a si mesmo.
    – Todos os cristãos devem ser a luz do mundo pelas suas virtudes. O padre deve sê-lo particularmente. Tem como missão edificar e evangelizar.
    Uma lâmpada não é feita para estar escondida debaixo alqueire, mas para ser vista, para luzir e para iluminar.
    – Se uma lâmpada vem a extinguir-se, tudo recai na obscuridade; o apóstolo deve ser também uma lâmpada ardente, uma lareira de calor. Este calor é o zelo, é o amor de Deus e das almas. O apóstolo vai buscar facilmente este calor ao Coração de Jesus, que é uma fornalha ardente de caridade. O apóstolo fervoroso arde de amor por Deus e testemunha-lhe este amor por todos os actos da vida interior, pelos actos de amor e de reparação sobretudo, e aí será facilmente levado se contemplar o Coração de Jesus, o Coração amante e sofredor do Salvador, que nos pede o amor recíproco, a consolação e a reparação. Arde também de amor pelo próximo e alimentá-lo-á aproximando-se da mesma lareira, o Coração vítima do Redentor (Leão Dehon, OSP4, pp. 48-50, passim).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vós sois o sal da terra;vós sois a luz do mundo» (cf. Mt 5, 13-14).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • X Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    9 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 18, 41-46

    Naqueles dias, 41o profeta Elias disse a Acab: «Vai, come e bebe, pois já oiço o rumor de uma forte chuvada!» 42Acab foi comer e beber; Elias subiu ao cimo do monte Carmelo, prostrou-se por terra, colocando a cabeça entre os joelhos; 43e disse ao seu servo: «Sobe e observa para os lados do mar.» Ele subiu e observou, dizendo: «Não vejo nada!» Por sete vezes Elias lhe repetiu: «Volta e torna a observar.» 44À sétima vez, o servo respondeu: «Eis que sobe do mar uma pequena nuvem como a palma da mão!» Disse-lhe então Elias: «Vai dizer a Acab que prepare o seu carro e desça quanto antes, para que a chuva não o detenha aqui.» 45Nesse momento, cobriu-se o céu de nuvens negras, o vento soprou e a chuva começou a cair torrencialmente. Acab subiu para o seu carro e partiu para Jezrael. 46A mão do Senhor esteve sobre Elias que, de rins cingidos, ultrapassou Acab e chegou a Jezrael.

    O profeta Elias anuncia a Acab o fim da seca, e o fim do jejum ordenado para obter a chuva: «Vai, come e bebe, pois já oiço o rumor de uma forte chuvada» (v. 41). O alimento pode também simbolizar a reconciliação entre Acab, Elias e Javé, depois da triunfal vitória do javismo sobre o baalismo. Em seguida, Elias sobe ao Carmelo e entra provavelmente na gruta onde costumava recolher-se em oração. A posição, que assume, prostrando-se e colocando a cabeça entre os joelhos, indica profunda concentração, mas também o despertar de energias interiores capazes de influenciar os próprios elementos naturais, como atestam antigas tradições egípcias e mesopotâmicas. Tiago faz essa releitura, quando recorda o episódio e escreve: «A oração fervorosa do justo tem muito poder (em grego: energuménê). Elias...rezou com fervor para que não chovesse, e durante três anos e seis meses não choveu sobre a terra. Depois voltou a rezar, e o céu deu chuva, e a terra produziu o seu fruto» (Tg 5, 16-18). A formação progressiva das nuvens e a chuva, depois de sete súplicas insistentes, muito ao estilo semita, ajusta-se à topografia e à meteorologia da Palestina. Do alto do Carmelo, consegue ver-se o horizonte longínquo do Mar Mediterrâneo, único manancial de nuvens e de chuva sobre a franja sírio-palestiniana.

    Evangelho: Mateus 5, 20-26

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 20Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.» 21«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. 22Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar 'imbecil' será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar 'louco' será réu da Geena do fogo. 23Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. 25Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. 26Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.»

    Jesus afirmou aos seus discípulos que não vinha ab-rogar a Lei, mas aperfeiçoá-la. Como vontade de Deus, devia ser aceite na sua totalidade sem a reduzir a árdua casuística, como faziam os doutores e os fariseus, tergiversando e defraudando a própria Lei. Formulado o princípio, Jesus deu seis exemplos concretos, começando sempre por «Ouvistes o que foi dito aos antigos ... Eu, porém, digo-vos». A frase alude a alguma prescrição do Antigo Testamento, preparando o leitor para a nova interpretação.
    A primeira antítese refere-se ao quinto mandamento (Ex 20, 13; Dt 5, 17). Jesus compara o homicídio intencional ao material. O homicídio intencional pode conhecer diversas modalidades: a ira, o desprezo (chamar rhaká, isto é, imbecil) são ofensas para as quais está previsto o «juízo» do tribunal local, a sentença do sinédrio (o supremo tribunal sedeado em Jerusalém) e, finalmente, o fogo da Geena, a proverbial depressão a sudoeste da Cidade santa considerada, a partir do Novo Testamento, lugar de maldição.
    Quando alguém se deixa dominar pela ira e pelo desprezo dos outros, não está em condições para oferecer sacrifícios de acção de graças ou de expiação. Se, por qualquer razão tiverem sido iniciados nessas condições, apesar da sacralidade do culto, devem ser interrompidos para recompor a ordem social. Jesus equipara uma situação de índole moral simplesmente interior, a uma grave impureza legal, que implicava a suspensão do rito, segundo o ensinamento profético: «Quero misericórdia, e não sacrifício» (cf. Mt 9, 13; 12, 7). E nem vale a pena presumir o perdão de Deus, se não perdoarmos aos irmãos (cf. Mt 6, 12). Caso nos atrevamos a apresentar-nos diante do Senhor, a pedir misericórdia, sem antes a termos usados com os outros, teremos de pagar até ao último «cêntimo».

    Meditatio

    Elias anuncia a Acab o fim da seca, que tinha anunciado como castigo da impiedade geral, e o fim do jejum, que o rei tinha ordenado, para obter a clemência divina. Deste modo, o profeta demonstra que é Deus que actua em Acab, e em Israel, no castigo e no perdão. O castigo de Deus tem sempre uma finalidade pedagógica: levar o pecador a reconhecer os seus erros e a regressar a Deus, à vivência da Aliança, a dar-Lhe o lugar que Lhe é devido. E assim, voltará a experimentar a fidelidade e a misericórdia divinas.
    O evangelho leva-nos a reflectir sobre o mandamento do amor a Deus e ao próximo, que são um só amor. Os fariseus quase que só se preocupavam com o amor a Deus, negando uma justa relação com o próximo. Jesus, pelo contrário, considerava o amor fraterno uma exigência rigorosa. Por isso, diz aos discípulos: «Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu» (v. 20). Chegou mesmo a colocar o amor ao próximo acima das ofertas a Deus: «Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta» (v. 23-24). O dom mais agradável a Deus é exactamente a caridade fraterna. Se ela faltar, tudo o resto fica sem valor. Uma explicação simples para isto, pode ser a seguinte: como Jesus vive em nós, pede-nos uma caridade perfeita, que não sufoque a sua vida em nós, com preconceitos, atitudes, palavras agressivas e maldosas.
    A nossa oferta sobre
    o altar significa a nossa vida posta à sua disposição. É-lhe agradável se lhe permitir viver em nós a sua vida. Caso contrário, pode dizer-nos: «A tua oferta não é sinal de amorosa disponibilidade para com o teu irmão; por isso, vai primeiro reconciliar-te com ele; depois, vem fazer a tua oferta».
    Não podemos separar o amor de Deus do amor aos irmãos, porque Jesus está na charneira dos dois amores: Ele ama os irmãos porque ama o Pai, e ama o Pai amando os irmãos.
    A nossa capacidade de amar o Pai e de amar os irmãos, não vem de nós, mas de «mais além do que nós mesmos» (A. Carminatti). Vem de Deus caridade: «Caríssimos - escreve S. João - amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus... Nisto consiste o amor: não fomos nós a amar a Deus por primeiro, mas foi Ele que nos amou...» (1 Jo 4, 7.10). Por isso, «enviou o Seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados» (1 Jo 4, 10) e «nos deu o Espírito» (1 Jo 4, 13), o Espírito de amor. É o Espírito de amor que nos leva a amar a Deus, mas também aos irmãos. Por isso, o amor aos irmãos é possível, mesmo em situações muito difíceis. A única condição é permanecermos no amor de Jesus Cristo: «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei, assim também deveis amar-vos uns aos outros» (Jo 13, 34). «Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós... Permanecei no Meu amor» (Jo 15, 4.9; cf. Jo 17, 21.23).

    Oratio

    Senhor, Tu ensinas-me a apresentar-me diante de Ti, livre de qualquer rancor, e sem culpa por ter omitido ajuda aos irmãos, que estão em situações difíceis. Mas, - quantas vezes! -, realizo o meu «serviço sacerdotal», apresentando-te sacrifícios espirituais sobre o altar de um coração não reconciliado. Esqueço que afastas o olhar daqueles que estão separados dos irmãos. Por isso, ainda antes de me levantar para ir ao encontro dos irmãos, hei-de pôr-me em estado de benevolência e começarei a «falhar-lhes ao coração» (Jz 19, 3) para lhes oferecer estima, reconciliação e paz.
    Envia sobre mim o teu Espírito Santo, que ilumine as minhas relações com os outros, para que, se for necessário, as reformule à luz dos teus ensinamentos. Amen.

    Contemplatio

    Nada de injúrias, diz Nosso Senhor; aquele que profere injúrias contra o seu irmão deve reparar a sua falta (Mt 5, 22). Nada de julgamentos injustos, inspirados pela inveja, pela indiscrição, pela ligeireza, pelo amor-próprio. «Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados» (Lc 6, 37).
    S. Pedro, conformando-se ao espírito de Nosso Senhor, diz-nos: «Não deis mal por mal, nem maldição por maldição; mas, ao contrário, abençoai os vossos irmãos (porque foi para isso que fostes chamados), para possuirdes vós mesmos a bênção como herança. - Se alguém quer ser abençoado nesta vida e ver dias felizes, que guarde a sua língua do mal e que os seus lábios se abstenham da mentira, que se desvie do mal e que faça o bem; que procure e que persiga a paz; porque o olhar do Senhor se detém sobre os justos e os seus ouvidos escutam as suas orações» (1Pd 3, 9).
    «Não cedais ao demónio, diz S. Paulo: que todo o azedume, toda a cólera, toda a irritação, toda a querela, toda a maledicência e toda a malícia seja banida do vosso meio. Sede bons uns para com os outros, sede misericordiosos, perdoando-vos mutuamente, como Deus vos perdoou em Cristo» (Ef 4, 27).
    «Como se faz, diz ainda S. Paulo, que se veja entre vós erguerem-se diferendos que são levados diante dos tribunais seculares? Porque os santos julgarão um dia o mundo, poderão muito bem julgar os vossos pequenos diferendos. Os membros mais humildes da Igreja deveriam bastar para isso, mas em caso de necessidade tomai de entre vós um homem sábio para julgar os vossos processos, e mesmo para maior perfeição, sofrei que procedam para convosco injustamente» (1Cor 6, 1) (Leão Dehon, OSP4, p.66s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão » (Mt 5, 24).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • Santo Anjo da Guarda de Portugal

    Santo Anjo da Guarda de Portugal


    10 de Junho, 2022

    A devoção ao Anjo da Guarda é muito antiga em Portugal. Tomou, porém, incremento especial com as Aparições do Anjo, em Fátima, aos Pastorinhos. Pio XII aprovou a comemoração do Anjo de Portugal no Calendário Litúrgico de Portugal.

    Mensageiros de Deus, em momentos decisivos da História da Salvação, os Anjos estão encarregados da guarda dos homens (Mt 18, 10; At 12, 13) e da proteção da Igreja (Ap 12, 1-9). A fé cristã crê também possuir cada nação em particular um Anjo encarregado de velar por ela.

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel, 10, 2a, 5-6.12-14b

    Naqueles dias, levantando os olhos, vi um homem vestido de linho. Tinha sobre os rins uma cinta de ouro de Ufaz. 6O corpo era como que de crisólito; a face brilhava como o relâmpago, os olhos como fachos ardentes, os braços e os pés tinham o aspecto do bronze polido e a sua voz ressoava como o rumor de uma multidão. 12Disse-me: «Não tenhas medo, Daniel, porque, desde o primeiro dia em que te aplicaste a compreender e te humilhaste diante do teu Deus, a tua oração foi atendida e é por causa de ti que eu aqui venho. 13O príncipe do reino da Pérsia resistiu-me durante vinte e um dias; mas Miguel, um dos primeiros príncipes, veio em meu socorro. Deixei-o a bater-se com os reis da Pérsia, 14e aqui estou para te fazer compreender o que deve acontecer ao teu povo nos últimos dias."

    Nos capítulos 7 a 12 de Daniel, encontramos uma série de apocalipses ou revelações relacionados entre si, apesar de serem unidades independentes e autónomas. Abundam os elementos simbólicos: o grande mar, os quatro ventos, os quatro animais, o pequeno chifre, o ancião e o filho do homem, para além de outros pormenores de números e colorido. Para compreender todos estes símbolos, teríamos de nos colocar no mundo do autor e na sua mentalidade, simultaneamente judaica, profética e apocalítica. Estão em jogo a história e a mitologia, a tradição e o futuro messiânico. A finalidade é conseguir suscitar a convicção de que no fim dos tempos, que está próximo, o reino de Deus será entregue ao povo dos santos de Deus, o resto profético. O anjo de Deus defende esse povo. De modo semelhante, todos os povos e nações têm um Anjo encarregado por Deus de os proteger e defender em todos os perigos, de modo que a vida temporal se oriente para a eterna e todos os povos possam vir a formar o único Povo de Deus.

    Evangelho: Lucas 2, 8-14

    Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. 9Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. 10O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.» 13De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: 14«Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado.»

    Lucas leva-nos a Belém, cidade das promessas de Israel, para falar do nascimento de Jesus. Mas a verdade mais profunda do nascimento de Jesus é anunciada pelo anjo da força e da presença de Deus no meio dos homens, que quebra o silêncio da noite e proclama: "Nasceu-vos o Salvador" (2, 11). É a verdade da Boa Nova de um mundo novo, dirigida aos pastores, que vivem afastados e não têm lugar nas cidades dos homens, que não se ocupam das coisas da lei judaica (do cerimonial) e, por conseguinte, são impuros. A eles, e a todos os humildes da terra, é dirigida a mensagem da verdade salvadora: "Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor" (v. 11).

    Meditatio

    "A existência dos seres espirituais, não-corporais, a que a Sagrada Escritura habitualmente chama anjos, é uma verdade de fé. P testemunho da Escritura é tão claro como a unanimidade da Tradição" (Catecismo da Igreja Católica).
    Deus nunca deixa só o homem desorientado e desanimado. Do mesmo modo, protege os povos e nações, particularmente nos momentos de maiores dificuldades. Há uma criação visível que, pelo menos em parte, vemos com os olhos do corpo. Mas há também uma criação invisível que só podemos perceber através dos sentidos espirituais, através da fé, da oração, da iluminação interior que nos vem do Espírito Santo.
    Quem são, portanto, os anjos? São, em primeiro lugar, um sinal luminoso da Providência, da paterna bondade de Deus, que jamais deixa faltar aos filhos aquilo de que precisam. Intermediários entre a terra e o céu, os anjos são criaturas invisíveis postas à nossa disposição, e à disposição dos povos e nações, para nos guiar no caminho de regresso a casa do Pai. Vêm do Céu para nos reconduzir ao Céu. Fazem-nos, desde já, saborear algo das realidades celestes.
    O cuidado e a guarda dos nossos anjos podem, por vezes, experimentar-se de modo muito concreto e sensível, desde que saibamos reconhecê-los. Trata-se de encontros "casuais", que todavia se tornam fundamentais e determinantes na vida de uma pessoa ou de uma ajuda imprevista e inesperada em situações de perigo. Pode ser também uma intuição repentina que nos permite dar-nos conta de um erro, de um esquecimento. Como não sentir-nos guiados, protegidos e amavelmente socorridos? Os anjos protegem-nos de perigos de que nos damos conta, sobretudo, do perigo de nos tornarmos autossuficientes, surdos a Deus e desobedientes à sua palavra. Além disso, sugerem-nos pensamentos retos e humildes, bons sentimentos. Desde o seu começo até à morte, a vida humana é acompanha pela assistência e intercessão dos anjos: "Cada fiel tem a seu lado um anjo protetor e pastor para o guiar na vida" (S. Basílio Magno). De igual modo, "toda a vida da Igreja beneficia da ajuda misteriosa e poderosa dos anjos" (At 5, 18-20; 8, 26-29; 10, 3-8; 12, 6-11; 27, 23-25). Porque não pensar que acontece com os povos e nações o que acontece com cada homem e com a Igreja? Peçamos ao Anjo de Portugal que nos livre de todas as adversidades, nos defenda nas adversidades, dirija os nossos passos, como nação, no caminho da salvação e da paz.

    Oratio

    Senhor, Pai Santo, proclamamos a vossa imensa glória, que resplandece nos Anjos e nos Arcanjos, e, honrando estes mensageiros celestes, exaltamos a vossa infinita bondade, porque a veneração que eles merecem é sinal da vossa incomparável grandeza sobre as criaturas. Hoje, com a multidão dos Anjos, que celebram a vossa divina majestade, queremos adorar-vos e bendizer-vos. Ámen. (cf. Prefácio dos Anjos)

    Contemplatio

    Os Anjos louvam a Deus e servem-n'O. "Eles são milhares de milhares, diz Daniel, à volta do trono de Deus, ocupados em servi-l'O" (Dan 7, 10). "Anjos do céu, diz o salmo, bendizei o Senhor, vós que executais as suas ordens" (Sl 102). Deus envia-os junto das criaturas. O seu nome significa "mensageiros". "São os enviados de Deus, diz S. Paulo, vêm ajudar os homens a realizarem a sua salvação" (Heb 1, 14). Há os anjos das nações e os anjos de cada um de nós. Deus dizia ao seu povo por Moisés: "Enviarei o meu anjo diante de vós. Conduzir-vos-á, guardar-vos-á e dirigir-vos-á para a terra que vos prometi" (Ex 23). Deus acrescentava: "Honrai-o, escutai a sua voz quando vos fala por Moisés. Se lhe obedecerdes, sereis abençoados e triunfareis sobre os vossos inimigos. Se o desprezardes, sereis castigados" (Ibid.). "Deus ordenou aos seus anjos,para que te guardem em todos os teus caminhos. Eles hão-de elevar-te na palma das mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra." (Sl 90). Trata-se aqui dos anjos de cada um de nós. (Leão Dehon, OSP 4, p. 316).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Bendito seja o Senhor,
    que nos protege por meio do seu Anjo" (Judite 13, 20).

    ----
    Santo Anjo da Guarda de Portugal  (10 Junho)

    X Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    10 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 19.9ª.11-16

    Naqueles dias, 9o profeta Elias chegou ao monte Horeb, Elias passou a noite numa caverna, onde lhe foi dirigida a palavra do Senhor: «Que fazes aí, Elias?» 11O Senhor disse-lhe então: «Sai e mantém-te neste monte, na presença do Senhor; eis que o Senhor vai passar.» Nesse momento, passou diante do Senhor um vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava os rochedos diante do Senhor; mas o Senhor não se encontrava no vento. Depois do vento, tremeu a terra. 12Passou o tremor de terra e ateou-se um fogo; mas nem no fogo se encontrava o Senhor. Depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma brisa suave. 13Ao ouvi-lo, Elias cobriu o rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna. Disse-lhe, então, uma voz: «Que fazes aqui, Elias?» 14Ele respondeu: «Ardo em zelo pelo Senhor, Deus do universo, porque os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, derrubaram os teus altares e mataram os teus profetas. Só eu escapei; mas agora também me querem matar a mim.» 15O Senhor disse-lhe: «Vai e volta pelo caminho do deserto, em direcção a Damasco e, chegando lá, hás-de ungir Hazael como rei da Síria. 16Jeú, filho de Nimechi, como rei de Israel, e Eliseu, filho de Chafat, de Abel-Meolá, como profeta em teu lugar.

    Acab e Jezabel tinham sido testemunhas dos prodígios realizados por Elias. Mas, enquanto Acab se converteu ao javismo, Jezabel ameaçava de morte o profeta. A corrida de Acab no seu carro, e de Elias nas asas do espírito, até Jezrael, o bastião mais forte do baalismo, e donde partira a campanha anti-javista, talvez tivesse a ver com uma tentativa de conquistar a rainha para a causa do javismo. Mas Jezabel não cedeu e o profeta teve de fugir para o Sul, refugiando-se no deserto de Judá. E, completamente esgotado, pediu a Deus a morte. Mas o Senhor faz-lhe encontrar, por duas vezes, pães cozidos sob a cinza e uma bilha de água, convidando-o a comer e a prosseguir viagem. Assim, chegou ao Horeb, isto é, ao Sinai, lugar tradicional das revelações divinas. E entrou na gruta para passar a noite.
    Aí, Elias manifesta-se angustiado por causa da perversão do seu povo. Só ele ficara a defender a religião dos pais. Mas Deus confirma-lhe a vocação, numa teofania bem diferente das clássicas. Não há trovões nem tremores de terra, mas apenas «o murmúrio de uma brisa suave» (v. 12), «o murmúrio do silêncio», numa tradução mais próxima do hebraico. Elias é reconduzido à sua interioridade, para encontrar, na gruta do coração, o Senhor que lhe dará força para prosseguir a caminhada. O profeta retoma a missão e repara que, afinal, não está só, pois o esperam «sete mil homens», que não dobraram o joelho diante de Baal (v. 18). E o Senhor indica-lhe algumas importantes tarefas a realizar (vv. 15-16).

    Evangelho: Mateus 5, 27-32

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 27«Ouvistes o que foi dito: Não cometerás adultério. 28Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração. 29Portanto, se a tua vista direita for para ti origem de pecado, arranca-a e lança-a fora, pois é melhor perder-se um dos teus órgãos do que todo o teu corpo ser lançado à Geena. 30E se a tua mão direita for para ti origem de pecado, corta-a e lança-a fora, porque é melhor perder-se um só dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado à Geena.»
    31«Também foi dito: Aquele que se divorciar da sua mulher, dê-lhe documento de divórcio. 32Eu, porém, digo-vos: Aquele que se divorciar da sua mulher - excepto em caso de união ilegal - expõe-na a adultério, e quem casar com a divorciada comete adultério.»

    Mateus apresenta-nos hoje mais uma antítese usada por Jesus, neste caso, visando o adultério. Mais uma vez, o Senhor acaba com a distinção, própria dos fariseus, entre a intenção e a acção, e declara o princípio da unidade: adultérios do coração, dos olhos, das mãos, são igualmente proibidos. São mencionados os olhos e as mãos pela participação que têm nos desejos do coração. Relativamente à certidão de repúdio, Jesus admite uma única excepção: o caso de união ilegal. Será só uma excepção, ou deverá entender-se que o divórcio, neste caso, não só é permitido, mas exigido pela lei judaica? Ainda não há uma resposta satisfatória. Mas notemos a posição de Cristo em defesa das categorias mais fracas e no restabelecimento da ordem social. Jesus tomará esta mesma atitude quando se referir às crianças (Mt 18, 1-10).

    Meditatio

    Deus não se revela no vento impetuoso e violento, nem no terramoto, nem no fogo, mas no «murmúrio de uma brisa suave» (v. 12). Esta revelação «suave» contrasta com as anteriores intervenções de Elias, e com a sua história. Deus quer consolar o seu profeta, que aparentemente lutou em vão, e agora está desalentado, no limite das suas forças, e já não entende o modo de agir do Deus dos exércitos: «Ardo em zelo pelo Senhor, Deus do universo ... Só eu escapei; mas agora também me querem matar a mim» (v. 14). Deus não lhe dá explicações, mas recoloca-o na sua missão: «Vai... hás-de ungir ... Jeú como rei de Israel, e Eliseu como profeta» (cf. vv. 15-16). A presença misteriosa de Deus repôs força e paz no coração de Elias. Quantas vezes experimentamos algo de semelhante, depois de uma intensa e esgotante actividade apostólica, de que não vemos os frutos esperados, ou depois de uma absorvente e pesada obra em favor dos irmãos, que nos traz incompreensões, calúnias e más vontades. Mas, também para nós, o Senhor está presente, para nos confortar e reconfirmar na missão.
    O evangelho diz-nos que a luta espiritual não admite compromissos. Não podemos pretender a alegria espiritual e os prazeres da vida, a alegria espiritual e a possibilidade de satisfazer as nossas tendências naturais. As palavras de Jesus não nos dão hipótese para escapar. O preço da felicidade é amputar, eliminar o que, em nós, é ocasião de mal, de pecado. Não é que Deus nos queira fisicamente deficientes. Mas exige a «circuncisão do coração» (Jr 4, 4), isto é, a quebra da esclerose do coração - «foi por causa da dureza dos vossos corações» (Mt 19, 8), que desfaz o vínculo sagrado do amor.
    Sendo assim, impõe-se, a cada um de nós, uma verdadeira ecografia do coração, à luz do implacável diagnóstico proposto por Cristo: «É do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, ass
    assínios, adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios.» (Mc 7, 21-22).
    A história de Elias, bem como o evangelho, mostram-nos que, para o reconhecimento de Deus, e do seu lugar nas sociedades, bem como para a verdadeira libertação do homem, não adianta mudar as estruturas sócio-políticas, se não se mudar o coração do homem; pelo contrário, quando mais as estruturas forem perfeitas, melhor servem ao homem poderoso, para satisfazer os seus interesses, os seus objectivos egoístas.
    Só a presença suave, mas transformadora, do Espírito no coração dos homens é capaz de nos configurar à oblação d´Aquele que, por amor, Se entregou totalmente ao Pai e aos homens. Só a presença suave, mas transformadora, do Espírito nos nossos corações, nos torna atentos aos apelos de Deus e dos irmãos, nos acontecimentos pequenos e grandes, nas expectativas e realizações humanas (cf. Cst 35).

    Oratio

    Senhor, ainda que a minha consciência não me acuse de adultério do corpo, reconheço-me adúltero do olhar, da imaginação, do sentimento, do pensamento. E mesmo que de nada disso me acuse o coração, não posso considerar-me imune do adultério espiritual, que cometo todas as vezes que não Te coloco em primeiro lugar, na hierarquia dos meus afectos, dos meus interesses, do meu desejo de amor.
    Confesso diante de Ti, Senhor, que, enquanto cuido da integridade do corpo, estando atento para que nenhum dos membros sofra, não cuido igualmente da integridade do espírito, mas o abandono às paixões e aos instintos.
    Purifica, Senhor o meu coração, e todo o meu interior, para que, de modo nenhum caia em adultério, mas sempre Te glorifique nos pensamentos, nas palavras e nas obras. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor restabeleceu em toda a sua integridade a regra da castidade: «Sabeis, diz, o que foi dito aos antigos: Não cometereis adultério». - Eu, porém, digo-vos: Quem olhar para uma mulher com concupiscência já cometeu adultério no seu coração (Mt 5, 27).
    Nosso Senhor não admite nenhuma desculpa nem nenhum acomodamento. A lei é formal e inflexível. Desde que estejamos envolvidos numa ocasião próxima de pecado, o sacrifício impõe-se, por grande que seja. O nosso olho direito, a nossa mão direita, isto é, o que temos de mais caro e de mais precioso deve ser imolado sem demora, senão é o inferno.
    Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo, diz S. Paulo. Irei então tomar os membros de Cristo para fazer deles os membros de uma prostituta? Que Deus não permita!... Aquele que permanece unido ao Senhor é um mesmo espírito com Ele. Fugi da fornicação ... O vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que reside em vós e que recebestes de Deus; e já não sois de vós mesmos, porque fostes comprados por um grande preço. Glorificai a Deus e levai-o no vosso corpo (1Cor 6,15). (Leão Dehon, OSP4, p. 75s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vai e volta pelo caminho do deserto» (1 Rs 19, 15).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Barnabé, Apóstolo

    S. Barnabé, Apóstolo


    11 de Junho, 2022

    José, cognominado Barnabé, isto é, filho da consolação, é chamado apóstolo embora não tenha pertencido ao grupo dos Doze. Era membro da comunidade judaica de Chipre, em Jerusalém. Não conheceu pessoalmente Jesus, mas converteu-se logo nos primeiros anos do Cristianismo, e teve um papel importante na expansão da Igreja. Daí ser chamado apóstolo. Foi ele que apresentou Paulo à comunidade de Jerusalém, garantindo-lhe a sua recente conversão. Conduziu Paulo a Antioquia, apresentando-o também lá à comunidade dos fiéis. Acompanhou o Apóstolo na sua primeira viagem missionária, cerca do ano 60. Depois, separou-se de Paulo, regressando a Chipre onde terá sido martirizado no ano 60.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos 11, 21b-26; 13, 1-3.

    Naqueles dias, foi grande o número dos que abraçaram a fé e se converteram ao Senhor. 22A notícia chegou aos ouvidos da igreja de Jerusalém, e mandaram Barnabé a Antioquia. 23Assim que ele chegou e viu a graça concedida por Deus, regozijou-se com isso e exortou-os a todos a que se conservassem unidos ao Senhor, de coração firme; 24ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé. Assim, uma grande multidão aderiu ao Senhor. 25Então, Barnabé foi a Tarso procurar Saulo. 26Encontrou-o e levou-o para Antioquia. Durante um ano inteiro, mantiveram-se juntos nesta igreja e ensinaram muita gente. Foi em Antioquia que, pela primeira vez, os discípulos começaram a ser tratados pelo nome de «cristãos.» 1Havia na igreja, estabelecida em Antioquia, profetas e doutores: Barnabé, Simeão, chamado 'Níger', Lúcio de Cirene, Manaen, companheiro de infância do tetrarca Herodes, e Saulo. 2Estando eles a celebrar o culto em honra do Senhor e a jejuar, disse-lhes o Espírito Santo: «Separai Barnabé e Saulo para o trabalho a que Eu os chamei.» 3Então, depois de terem jejuado e orado, impuseram-lhes as mãos e deixaram-nos partir.

    O nosso texto mostra-nos o papel de Barnabé como elo de união entre a igreja mãe de Jerusalém e a comunidade de Antioquia. Assim, colaborou na evangelização e na edificação da Igreja.
    A sua relação com Paulo também foi importante. Apresentou-o às comunidades de Jerusalém e de Antioquia garantindo a conversão à fé cristã daquele que todos conheciam e temiam como terrível perseguidor. Fê-lo seu companheiro de missão, apesar de Paulo acabar por ultrapassá-lo no intento de inculturar a fé. Ambos foram missionários empreendedores e geniais a quem devem as comunidades de todos os tempos.

    Evangelho: Mateus 10, 7-13

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus Apóstolos: Ide e proclamai que o Reino do Céu está perto. 8Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça. 9Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; 10nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento. 11Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, procurai saber se há nela alguém que seja digno, e permanecei em sua casa até partirdes. 12Ao entrardes numa casa, saudai-a. 13Se essa casa for digna, a vossa paz desça sobre ela; se não for digna, volte para vós.

    Jesus percorre cidades e aldeias a anunciar o evangelho do Reino e a curar doentes, e verifica que as multidões andam desorientadas e abandonadas como ovelhas sem pastor. Então, chama Doze dos seus discípulos para estarem com Ele e partilharem a sua missão. Dá-lhes poder sobre os espíritos imundos e para curar os doentes. Segundo Mateus esta missão dirige-se exclusivamente às ovelhas perdidas da casa de Israel: como Jesus, também os seus apóstolos - por agora - devem concentrar os seus esforços num horizonte bem delimitado, enquanto esperam maiores aberturas, depois da Páscoa do Senhor. Os missionários devem proclamar o que Jesus disse e fez, e nada mais; devem exercer o seu ministério em absoluta gratuidade.

    Meditatio

    O discurso missionário de Jesus revela-nos a magnanimidade do seu coração. A pobreza de meios, na pregação do Evangelho, não é um limite mas abertura na confiança e na generosidade. A pobreza faz-nos livres e capazes de dar a todos, por causa do Reino de Deus, gratuitamente o que recebemos: "Recebestes de graça, dai de graça." (v. 8).
    S. Barnabé realizou esta página do Evangelho na sua vida. O livro dos Atos informa-nos que ele, possuindo um campo, o vendeu, entregando aos Apóstolos, o produto da venda. Fez o que o jovem rico não teve coragem de fazer (Mt 19, 21; Mc 10, 21). A confiança em Deus, com que faz este gesto, é acompanhada pela confiança nos outros. Ao chegar a Antioquia, em vez de se preocupar com aqueles "pagãos" recém-convertidos ao Evangelho, Barnabé reage com total confiança: "Assim que ele chegou e viu a graça concedida por Deus, regozijou-se com isso" (v. 23). Não é um apagador de entusiasmos, preocupado com a observância de minúcias. É "um homem de Deus, cheio de Espírito Santo e de fé" (At 2, 24), que "exorta a todos a que se conservem unidos ao Senhor" (cf. v. 23). O mais importante é aderir a Cristo. Deste modo, "uma grande multidão aderiu ao Senhor" (v. 24).
    Outro aspeto que nos revela a amplitude do seu coração é o seguinte: ao dar-se conta da fecundidade daquele campo de apostolado, não o reservou só para si, mas "foi a Tarso procurar Saulo" (At 10, 25). Quando Paulo se tornou mais importante do que ele no apostolado entre os pagãos, pode dizer-se de Barnabé o que dizem os Atos, quando da sua chegada a Antioquia: "regozijou-se com isso" (v. 23).
    Barnabé está completamente à disposição de Cristo. Por isso, o Espírito Santo pode reservá-lo para uma missão mais universal: a evangelização das nações.
    Em Barnabé, vemos resplandecer a confiança e generosidade, baseadas na pobreza do coração. Dizem as nossas Constituições: "A partilha dos bens no amor fraterno permite-nos verificar que, na Igreja e com a Igreja, somos sinal no meio dos nossos irmãos. Esta pobreza segundo o Evangelho convida-nos a libertar-nos da sede de posse e de prazer que sufoca o coração do homem. Estimula-nos a viver na confiança e na gratuidade do amor" (n. 46).

    Oratio

    Senhor, que belo modelo a imitar. S. Barnabé é um discípulo muito amável, bom, piedoso e caridoso para com o próximo. Possui, além disso, as virtudes mais austeras, pois se despojou dos seus bens, e desafiou todas as contradições. A seu exemplo, quero sacudir a minha tibieza, e viver a gratuidade que carateriza os verdadeiros missionários. Educai o meu coração, e fazei-o aproximar do ritmo do vosso Coração. Dai-me um coração manso e humilde como o vosso. Ámen.

    Contemplatio

    S. Barnabé não era do número dos doze apóstolos, mas foi-lhe acrescentado e trabalhou muito com S. Paulo. Levita e cipriota, estudava as santas Letras em Jerusalém sob a direção do Rabino Gamaliel, quando foi testemunha da cura do paralítico na piscina. Uniu-se então imediatamente aos discípulos de Nosso Senhor. Era um homem jovem, amável e bom. Era bom, dizem os Atos, e cheio de fé e ricamente dotado com os dons do Espírito Santo. Os apóstolos chamaram-no Barnabé, o que quer dizer «o Filho da consolação». Depois do Pentecostes, estava em Damasco quando aconteceu o milagre da conversão de S. Paulo. Fez-se o anjo da guarda de S. Paulo, conduziu-o a Jerusalém e apresentou-o aos apóstolos. Trabalharam juntos vários anos, e receberam a missão de pregar a fé aos gentios. Ganharam quase toda a cidade de Antioquia. Barnabé era de uma família abastada. Tinha uma bela propriedade na ilha de Chipre. Vendeu-a e apresentou o valor aos apóstolos. Dava assim o grande exemplo do desapego e da vida religiosa. Havia em Antioquia um grupo de padres, de profetas e de doutores. O Espírito Santo revelou-lhes positivamente a missão de Paulo e de Barnabé para a conversão dos gentios. Enviaram, portanto, estes dois apóstolos para os países do ocidente. Barnabé e Paulo passaram na ilha de Chipre onde fizeram maravilhas e ganharam para a fé o próprio procônsul, Sérgio Paulo. De lá foram para a Ásia Menor e pregaram na Pisídia, em Perga, em Antioquia, em Icónio, em Listra. Foi uma alternativa de sucessos e de perseguições. (L. Dehon, OSP 2, pp. 311-312).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Recebestes de graça, dai de graça". (Mt 10, 8).

    ----
    S. Barnabé, Apóstolo (11 Junho)

    X Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    11 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 19, 19-21

    Naqueles dias, 19o profeta Elias partiu dali e encontrou Eliseu, filho de Chafat, que andava a lavrar com doze juntas de bois diante dele; ele próprio conduzia a duodécima junta. Elias aproximou-se e lançou o seu manto sobre ele. 20Eliseu deixou logo os seus bois, correu atrás de Elias e disse-lhe: «Deixa-me ir beijar meu pai e minha mãe, que depois te seguirei.» Elias disse: «Vai, mas volta, pois sabes o que te fiz.» 21Eliseu, deixando Elias, tomou uma junta de bois e imolou-os. Com a lenha do arado cozeu as carnes, dando-as depois a comer à sua gente. Em seguida, pôs-se a caminho e seguiu Elias para o servir.

    Eliseu é chamado a ser profeta, quando se encontra a trabalhar no campo. Deus chama profetas de todas as origens e condições sociais. A sua vocação é sancionada por um gesto exterior, que funciona como uma espécie de sinal sacramental. Assim foi também com Eliseu, quando Elias lançou sobre ele o seu manto. E assim começa o chamado Ciclo de Eliseu.
    Eliseu dá testemunho de uma opção radical por Deus, quando larga os bois e o arado, o trabalho e a família, para seguir Elias. Cristo será ainda mais exigente quando se der conta de que alguém que pretendia segui-lo, queria despedir-se da família: «Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus» (Lc 9, 62). Poderá haver alguma margem de hipérbole; mas as exigências de Jesus eram, de facto, mais urgentes e radicais.

    Evangelho: Mateus 5, 33-37

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 33«Do mesmo modo, ouvistes o que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás diante do Senhor os teus juramentos. 34Eu, porém, digo-vos: Não jureis de maneira nenhuma: nem pelo Céu, que é o trono de Deus, 35nem pela Terra, que é o estrado dos seus pés, nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. 36Não jures pela tua cabeça, porque não tens poder de tornar um só dos teus cabelos branco ou preto. 37Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal.»

    A quarta antítese refere-se ao segundo e ao oitavo mandamento (Ex 20, 7.16; Nm 30, 3ss.; Dt 23, 22-24). Na sociedade judaica abusava-se do juramento (Mt 23, 16-22). Porque não se podia pronunciar o nome divino, contornava-se o obstáculo referindo-se ao céu, à terra, a Jerusalém, à própria cabeça. Mas, mais uma vez, Jesus elimina a casuística ao afirmar: «Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal» (v. 37).
    Num mundo onde predomina a mentira, seria necessário invocar Deus como testemunha do que afirmamos. Mas o cristão sabe que Deus está sempre presente, que não é preciso chamá-lo como testemunha. «Sim, sim», «não, não», proferidos na presença de Deus, equivalem a um juramento. A Carta de Tiago faz eco deste ensinamento de Cristo, quando diz: «Meus irmãos, não jureis, nem pelo Céu, nem pela Terra, nem façais qualquer outro juramento. Que o vosso «sim» seja sim e que o vosso "não" seja não, para não incorrerdes em condenação» (5, 12).

    Meditatio

    Eliseu realizou um gesto radical ao desfazer-se dos bois e do arado, e ao deixar a família e a profissão. Mas Jesus será ainda mais exigente com aqueles que chama para O seguirem. Um desses diz-lhe: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar o meu pai.» Mas Jesus respondeu-lhe: «Segue-me e deixa os mortos sepultar os seus mortos» (cf. Mt 8, 21-22). «Disse-lhe ainda outro: «Eu vou seguir-te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família.» Jesus respondeu-lhe: «Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus.» (Lc 9, 61-62). Quais são os apegos que impedem ou dificultam o meu seguimento de Jesus?
    Jesus mostra-se contrário ao perjúrio, que é contrário ao respeito devido a Deus. Mas também se mostra contra toda a espécie de juramento, em que se pretende envolver Deus para sufragar uma afirmação. O juramento é falta de respeito por Deus, que se invoca como testemunha, talvez de palavras não verdadeiras, instrumentalizando-O aos nossos interesses egoístas. E também é falta de respeito pelas criaturas de Deus, quando são elas as invocadas: «Não jureis de maneira nenhuma ... Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não» (cf. vv. 34-37).
    Geralmente recorre ao juramento quem não é sincero; temendo não ser acreditado, procura apoio para as suas palavras na autoridade de Deus, que, pelo contrário, quer sinceridade e simplicidade.
    Pode ser útil um bom diagnóstico às patologias da minha oralidade, uma vez que «é no falar que o homem se dá a conhecer» (Sir 27, 7). Por isso, convém perguntar: são as minhas palavras vazias, ociosas, insignificantes, mentirosas, inexpressivas, estultas, expeditas, vulgares? A assimilação da Sagrada Escritura permitir-me-à «falar com as palavras de Deus» (1 Pe 4, 11), «falar com graça» (Cl 4, 6), isto é, falar sob a inspiração do Espírito Santo: «Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós» (Mt 10, 20).
    Como cristãos, e como dehonianos, conhecemos e acreditamos, aderimos àquele que é a Verdade, Jesus Cristo. Por isso, há que ser verdadeiros. Na Igreja recebemos o dom da fé, que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo (cf. Cst 9).

    Oratio

    Virgem Maria, Mãe de Jesus e minha mãe, ajuda-me a ser verdadeiro. O teu «Sim», tão simples, empenhou toda a tua vida, no respeito profundo por Deus e por todas as criaturas. Por isso, todos recorrem a Ti e te invocam como Espelho da santidade divina, Virgem fiel, Mãe do bom conselho.
    Ajuda-me, Senhora, a viver sempre na simplicidade, na sinceridade, no respeito, e ser generoso no seguimento do teu Filho Jesus. Amen.

    Contemplatio

    Pilatos não tem desculpa. Sabe que os Judeus são levados pela inveja e pelo ódio: «Que tendes a reprovar neste homem?», diz-lhes. Custa-lhe condenar um inocente, mas falta-lhe coragem. Portanto, acabará por ceder aos Judeus.
    Por outro lado, a santidade e a majestade de Jesus impõem-se-lhe: «És tu verdadeiramente o rei dos Judeus? - pergunta-lhe: «Sim, diz-lhe Jesus, sou, mas o meu reino não é um reino temporal. É o reino da verdade. Vim à terra para dar testemunho da verdade, para a fazer reinar e triunfar. Os que amam a verdade escutam a minha voz». Pilatos podia compreender. Foi informado muitas vezes da santidade de Jesus e dos seus milagres. Devia inclinar-se diante da autoridade moral de Jesus, se tivesse o cuidado da verdade. Mas é céptico. O que quer é viver à vontade entre as honras, os gozos e os prazeres mun
    danos. Responde com ligeireza: «O que é a verdade?», e não espera mesmo que Jesus lhe diga. Não quer ser convencido.
    Vaidade, ligeireza, descuido, cobardia, eis o carácter de Pilatos.
    Infelizmente não estou isento destes defeitos... Sim, ligeireza e falta de cuidado, tal foi o mais das vezes a característica da minha conduta ... Depois de tantas graças e de luzes que recebi, ofendia gravemente o Coração de Jesus com a minha indiferença a seu respeito. (Leão Dehon, OSP3, p. 316s).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não.» (Mt 5, 37).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. António de Lisboa, Presbítero e Doutor da Igreja

    S. António de Lisboa, Presbítero e Doutor da Igreja


    13 de Junho, 2022

    S. António nasceu em Lisboa, em 1195. No batismo, recebeu o nome de Fernando. Em 1210 entrou para os Cónegos Regulares de S. Agostinho, no mosteiro de S. Vicente de Fora, em Lisboa. Dois anos depois, desejando uma vida mais recolhida, transferiu-se para o Mosteiro de S. Cruz, em Coimbra. Ordenado sacerdote, em 1220, ao ver os restos mortais dos primeiros mártires franciscanos, mortos em Marrocos, sentiu um novo apelo vocacional e mudou-se para a Ordem dos Frades Menores, tomando o nome de António. Em 1221 participou no "Capítulo das Esteiras", junto à Porciúncula, e viu Francisco de Assis. Depois de alguns anos no escondimento e na oração, começou a pregar com grande sucesso e frutos. Converteu hereges em Itália e em França. Morreu aos 33 anos de idade, perto de Pádua, onde foi sepultado. No dia do Pentecostes de 1232, um ano depois da sua morte, foi canonizado pelo Papa Gregório IX.

    Lectio

    Primeira leitura: Sir 39, 8-14 (gr. 6-11)

    Aquele que medita na lei do Altíssimo, for a vontade do Soberano Senhor, ele será repleto do espírito de inteligência; então, ele derramará, como chuva, as palavras da sabedoria; e louvará o Senhor, na sua oração. 7Possuirá a rectidão do julgamento e da ciência e ele meditará nos mistérios de Deus. 8Ensinará ele próprio a doutrina que aprendeu e porá a sua glória na Lei da Aliança do Senhor. 9Muitos louvarão a sua sabedoria, que jamais ficará no esquecimento. A sua recordação não desaparecerá e o seu nome viverá de geração em geração. 10As nações proclamarão a sua sabedoria, a assembleia publicará o seu louvor.

    Segundo o Ben Sirá, o sábio adquire a sabedoria não apenas pelo estudo, pela tradição e pela experiência pessoal, mas sobretudo pelas súplicas e pela oração. Se o Altíssimo o quiser, o sábio ver-se-á gratuita e copiosamente cheio do dom da inteligência, de maneira que ele mesmo se possa converter em fonte de sabedoria para os outros. Isto levá-lo-á a dar graças a Deus. Graças à sabedoria recebida de Deus, o sábio saberá conduzir-se retamente e poderá aprofundar, na oração, os mistérios divinos. Ver-se-á capacitado para instruir os outros e a sua glória será a aliança do Senhor. Como recompensa do seu ministério, o sábio receberá o elogio dos seus contemporâneos, e das gerações sucessivas, incluindo os pagãos: nunca esquecerão a sua inteligência e a sua fama transmitir-se-á de geração em geração.

    Evangelho: Mateus 5, 13-19
    Naquele tempo, disse Jesusaos seus discípulos: "Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. 14Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; 15nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. 16Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.» 17«Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição. 18Porque em verdade vos digo: Até que passem o céu e a terra, não passará um só jota ou um só ápice da Lei, sem que tudo se cumpra. 19Portanto, se alguém violar um destes preceitos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será o menor no Reino do Céu. Mas aquele que os praticar e ensinar, esse será grande no Reino do Céu.

    Dois provérbios, em forma de parábolas definem, no nosso texto, a missão dos discípulos de Cristo: sal e luz. Temperamos os alimentos com o sal: os discípulos hão de ser, no mundo, como o sal que dá sabor, que preserva da corrução. No mundo judaico, a metáfora do sal significava também a sabedoria. Os discípulos possuem a sabedoria do Evangelho. Se, quimicamente falando, o sal não pode perder o sabor, à força de se usado, pode deixar de salgar. Se a Palavra de Deus perdeu a sua força no antigo Israel, tem de conservá-la no novo Israel, a Igreja.
    A metáfora da luz também se refere à Palavra. Jesus, que é a luz, tem a Palavra (Jo 8, 12.31s.; 14, 9-10). O mesmo se pode dizer dos discípulos de Cristo: são a luz do mundo (Fl 2, 15); são a cidade edificada sobre o monte (v. 14); têm a luz, a palavra de Deus (Mc4, 21; Lc 8, 16; 11, 33).

    Meditatio

    Ao fazer memória dos mártires e dos outros santos, a Igreja proclama o mistério pascal realizado naqueles homens e mulheres que sofreram com Cristo e com Ele foram glorificados, propondo aos fiéis os seus exemplos, que a todos atraem ao Pai por Cristo, e implora, pelos seus méritos, os benefícios de Deus (cf CIC, 1173).
    S. António de Lisboa, que hoje celebramos, foi dotado de extraordinária preparação intelectual e de grandes capacidades de comunicação. Com a sua sabedoria evangélica provocou admiração, confundiu os hereges, converteu os pecadores. Com as suas virtudes e milagres, fascinou o povo. Pregador itinerante, S. António incarnou o Evangelho de Cristo, levando de cidade em cidade a sua paz, no estilo de uma vida obediente à vontade de Deus, disponível para os incómodos e canseiras da missão, e compassivo para todas as realidades humanas provados pelo sofrimento em qualquer das suas muitas formas. Atribuía tudo ao poder da oração. O testemunho de vida de S. António reflete a envolvente beleza de quem vive permanentemente em íntima comunhão com Deus, unicamente impelido pelo desejo de cumprir a sua vontade e de manifestar o seu imenso amor por todas as criaturas. S. António, humilde e pobre, e, por isso mesmo, digno filho do Pobrezinho de Assis, deixa transparecer os grandes prodígios de Deus: os milagres físicos e espirituais que o Altíssimo realiza naqueles que confiam n´Ele, apoiados numa fé quotidiana, autêntica e inabalável.
    A luz e a criatividade da Palavra escutada, meditada e rezada, produzem em S. António os frutos de uma caridade incansável, paciente, sem preconceitos e tenaz diante das dificuldades. O que mais anseia é anunciar a ternura de Deus, a sua bondade e a infinita misericórdia com que nos revela o seu coração de Pai. S. António alerta-nos para o essencial, para a amizade com Deus, fonte de todo o bem, da paz e da alegria, que nada nem ninguém nos pode jamais tirar. Meditando na sua vida, descobrimos as maravilhas da fidelidade de Deus, que segue com amor o caminho de quem procura o seu rosto, tornando-o participante dos seus dons e colaborador do seu projeto de vida sobre a humanidade.

    Oratio

    Grande santo, éreis pelo vosso ardente amor a Nosso Senhor um santo do Sagrado Coração, ajudai-nos a fazer reinar o Coração de Jesus nos nossos corações e na sociedade. (Leão Dehon, OSP 3, p. 649).

    Contemplatio

    Santo António foi um apóstolo do Coração de Jesus. A Providência não quis que chegasse a Marrocos, foi lançado sobre as costas da Sicília. Vai aquecer ainda o seu coração junto do de S. Francisco de Assis. O seu talento revela-se, fazem-no professor, depois missionário. Ganha almas inumeráveis ao amor de Nosso Senhor. Foi, no séc. XIII, diz o P. Marie-Antoine, o doutor e o escritor do Coração de Jesus. Conduz sempre os seus ouvintes ao pensamento do amor, como objetivo final da vida cristã, e é no Coração do Salvador que mostra a fonte e o trono deste amor. Diz: «Sim, a ferida do lado de Jesus é um sol que ilumina todo o homem. Pela abertura do Sagrado Coração foi aberta a porta do paraíso donde nos vem toda a luz. É lá que está o asilo assegurado da arca da paz e da salvação. O Salvador abriu o seu lado e o seu Coração à pomba, isto é, à alma religiosa, a fim de que pudesse encontrar um lugar de refúgio. Sede como a pomba que estabelece o seu ninho no mais profundo da pedra. Se Jesus Cristo é a pedra, a cavidade da pedra é a chaga do lado de Jesus, que leva ao seu Coração. Havia na antiga lei dois altares, o altar de bronze ou dos holocaustos, que estava fora do santuário, e o altar de ouro do santuário mesmo. O altar de bronze da lei nova é o corpo sangrento de Cristo imolado em presença do povo; o altar de ouro é o seu Coração ardente de amor, e lá está o incenso que sobe para o céu». Os seus sucessos eram maravilhosos. Se queremos ganhar almas para Nosso Senhor, é preciso primeiro excitar-nos ao seu amor. O fervor do nosso coração comunicar-se-á facilmente àqueles que estiverem em relação connosco. (Leão Dehon, OSP 3, p. 649s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo" (Mt 5, 13-14).

    ----
    S. António de Lisboa, Presbítero e Doutor da Igreja (13 Junho)

    XI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XI Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    13 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XI Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 21, 1-6

    Naquele tempo, 1Nabot de Jezrael tinha uma vinha junto ao palácio de Acab, rei da Samaria. 2Disse então Acab a Nabot: «Cede-me a tua vinha para que eu a transforme em horta, pois fica junto da minha casa. Dar-te-ei em troca uma vinha melhor; ou, se te convier, pagar-te-ei o seu valor em dinheiro.» 3Nabot disse a Acab: «Pelo Senhor! Seria um sacrilégio ceder-te a herança de meus pais!» 4Acab voltou para casa triste e irritado, pelo facto de Nabot lhe ter dito: «Não te darei a herança de meus pais.» Deitou-se na cama, voltou o rosto para a parede e não quis mais comer. 5Sua esposa veio ter com ele e perguntou-lhe: «Por que razão estás assim irritado e não queres comer?» 6Ele respondeu-lhe: «Porque falei a Nabot de Jezrael, dizendo-lhe: 'Cede-me a tua vinha por dinheiro ou, se mais te convier, dar-te-ei por ela outra vinha', e ele respondeu-me: 'Não te darei a minha vinha.' 7Então Jezabel, sua esposa, disse-lhe: «Não és tu o rei de Israel? Levanta-te, come, não te aflijas! Eu mesma te darei a vinha de Nabot de Jezrael.» 8Escreveu cartas em nome de Acab, selando-as com o selo real, e enviou-as aos anciãos e aos magistrados da cidade, concidadãos de Nabot. 9Nelas lhes dizia: «Proclamai um jejum e fazei sentar Nabot na primeira fila da assembleia. 10Fazei vir à sua presença dois homens malvados que o acusem dizendo: 'Tu blasfemaste contra Deus e contra o rei!' Levai-o, depois, para fora da cidade e apedrejai-o até ele morrer.» 11Os homens da cidade, os anciãos e os magistrados, concidadãos de Nabot, fizeram o que lhes mandara Jezabel, conforme o conteúdo da carta que ela lhes enviara. 12Proclamaram um jejum e fizeram Nabot sentar-se em lugar de honra. 13Vieram então os dois malvados, puseram-se na presença de Nabot e depuseram contra ele perante o povo, dizendo: «Nabot blasfemou contra Deus e contra o rei!» Fizeram-no sair da cidade, apedrejaram-no e ele morreu. 14Mandaram então dizer a Jezabel: «Nabot foi apedrejado e morreu.» 15Quando Jezabel teve conhecimento que Nabot fora apedrejado e já estava morto, disse a Acab: «Levanta-te e toma posse da vinha que Nabot de Jezrael recusara ceder-te por dinheiro; Nabot já não é vivo! Morreu!» 16Mal Acab ouviu dizer que Nabot tinha morrido, levantou-se logo para descer até à vinha de Nabot de Jezrael, a fim de tomar posse dela.

    O rei Acab confia mais em manobras políticas do que na protecção de Deus. Instigado pela mulher, mancha-se com um duplo crime: a morte de Nabot, um honesto israelita, que se recusava a ceder por venda ou por troca uma vinha, que possuía junto da residência real de verão; o roubo da vinha, que o proprietário, agora morto, se negara a vender por ser património da família. Este homicídio, e este furto, revelam a degradação moral da monarquia, apesar da encenação com que se pretendia conferir legalidade à acção de Acab: proclamação de um jejum, convocação da assembleia, como era costume fazer em tempos de calamidade pública. O próprio Nabot foi designado para presidir à assembleia. Tudo estava preparado por Jezabel para fazer recair sobre Nabot a responsabilidade da calamidade, possivelmente mais uma seca prolongada. E assim foi, com a colaboração de dois malvados, que acusaram Nabot de blasfémia, fazendo cair sobre ele a maldição. A maldição do rei, tal como a de Deus, comportava a lapidação (Ex 22, 27; Lv 24, 16), sempre que fosse sufragada por duas testemunhas (Nm 35, 30; Dt 17, 6), que, neste caso, são falsas.
    Neste relato, ressaltam uma série de paixões e de atropelos, tais como a ambição e o cinismo da rainha, e o abuso do poder, que se notam no tom provocador das suas palavras a Acab: «Não és tu o rei de Israel?» (v. 7).

    Evangelho: Mateus 5, 38-42

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 38«Ouvistes o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. 39Eu, porém, digo-vos: Não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. 40Se alguém quiser litigar contigo para te tirar a túnica, dá-lhe também a capa. 41E se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas. 42Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem te pedir emprestado.»

    A quinta antítese consiste na chamada «lei de Talião» (Ex 21, 24; Lv 14, 19s.; Dt 19, 21). Essa lei, que já encontramos no Código de Hamurabi (séc. XVIII a. C. ), foi necessária numa cultura em que a vingança não tinha limite. Baseava-se no princípio da retribuição e na exigência de reparação. Quando foi dada, era uma lei «progressista», pois punha freio à retorsão (cf. Gn 4, 23s.). Não deve ser julgada à luz do Evangelho. Os próprios judeus se sentiam embaraçados perante tão horrendo princípio. Por isso, em vez de a aplicarem à letra, substituíam-na por sanções pecuniárias.
    Jesus ensina a ser longânimes, a não responder com a vingança ou com a intolerância às ofensas. Assim se quebra a espiral da violência e da prepotência. Isto vale também quando é posta em causa a nossa integridade física e a integridade dos nossos bens, a começar pelo tempo: a capa (v. 40) servia para se defender das intempéries e para cobrir o corpo durante as horas de repouso; a milha (v. 41) era o caminho permitido em dia de sábado. Paulo retomará este ensinamento de Cristo e escreverá: «Não pagueis a ninguém o mal com o mal... Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem» (Rm 12, 17.21).
    Estas exigências de Jesus não são contrárias à ordem que deve existir na sociedade. Ele próprio dá o exemplo: pede explicações a quem lhe bateu (Mc 14, 48; Jo 18, 23) e sofre a humilhação; Paulo, para se defender da injustiça, invoca a sua qualidade de cidadão romano, recorrendo mesmo ao supremo tribunal, a César. Uma coisa é a defesa dos próprios direitos, outra é a violência, a intolerância.

    Meditatio

    A história de Nabot ilustra a vitória da violência sobre o pobre. Não teria feito melhor em ceder a vinha a Acab, que até lhe oferecia dinheiro por ela, ou a troca por outra? Não, porque não se tratava simplesmente de uma propriedade, ou de uma propriedade qualquer. Vender ou trocar aquela vinha era por em risco a sua vocação de israelita, que tinha ao seu cuidado uma parte da terra, herança sagrada. É por isso que Nabot responde a Acab: «Pelo Senhor! Seria um sacrilégio ceder-te a herança de meus pais!» (v. 3). Opor-se à injustiça é normal quando se trata de outros. Quando se trata de nós mesmos, Jesus ensina-nos a ser mansos, indulgentes e generosos até ao extremo: «se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra» (Mt 5, 39). A violência não se combate com a viol&ec
    irc;ncia. Só o bem pode vencer o mal. Só o amor é sempre vitorioso.
    Mas a história de Nabot lembra-nos que há um limite para a condescendência perante as injustiças: a fidelidade à vontade de Deus. Jesus, que se opõe fortemente a toda a injustiça e abuso, para ser fiel à vontade do Pai, sujeita-se à máxima injustiça, que foi a sua morte na cruz. «Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudoe lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome» (Fl 2, 9). Quem quer participar na sua glória, há-de participar primeiro no mistério da sua caridade.
    Participar no mistério da caridade de Cristo não é uma piedosa abstracção. O amor activo não é fraco; é muito mais forte do que a violência, que caracteriza a cega brutalidade e é indigna do homem. A preferência pelos métodos não violentos pode levar-nos a reflectir sobre o enorme poder da opinião pública. Bem o conhecem e usam com exagero, até se tornarem sub-repticiamente violentos, os políticos, os industriais, o mundo do comércio, bombardeando o povo por meio dos mass media, a fim de alcançarem determinados objectivos políticos, económicos, financeiros, comerciais.
    Há também que mobilizar-se para promover uma opinião pública favorável à justiça e à paz, ao respeito pelo ambiente e pela vida. O caminho da não-violência, como já demonstrou Gandhi na independência da Índia e, mais recentemente, o demonstraram os Países do Leste europeu, na conquista das liberdades fundamentais do homem, é tudo menos passividade e ineficácia.
    Um dos objectivos da vida e acção do Pe. Dehon foi elevar "massas populares, por meio do reino da justiça e da caridade cristã». Segundo o Fundador, é «um trabalho a continuar» pelos membros da Congregação (CC nn. 386-388).

    Oratio

    Senhor, bem sabes como tenho dificuldade em perder, como estou agarrado ao meu tempo, às minhas coisas, às minhas ideias. Tenho dificuldade em ceder, em condescender, em entrar no jogo dos outros. Muitas vezes, me barrico nas minhas defesas e tutelo os meus direitos, reais ou presumidos, com a ilusão de ter sempre razão, de não reconhecer os meus erros, de conseguir sempre impor-me. Mas tu pedes que viva desarmado. Se com alguma coisa me devo medir, é com a tua cruz. Faz-me compreender que, só quem decide perder, acaba por encontrar o melhor de si mesmo. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor não veio destruir a lei; explicou, desenvolveu a lei moral com mais clareza, mais extensão; deu-lhe o sentido verdadeiro; purificou-a das falsas interpretações farisaicas; acrescentou-lhe o que faltava, e elevou-a a um ideal de perfeição que nunca tivera até então, e que deve conservar até ao fim dos séculos.
    Deus tinha-nos dado a lei sumariamente no Sinai: resumia-se em dois preceitos: amarás o teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e amarás o teu próximo como a ti mesmo.
    Era necessária a delicadeza do Coração de Jesus para bem compreender toda a plenitude do mandamento divino e todo o seu alcance, e para o explicar sem mistura de vistas terrestres.
    Só Ele tinha poder para acrescentar ao preceito a força do exemplo no cumprimento perfeito de toda a lei, de maneira a poder dizer: dei-vos o exemplo, para que façais como me vistes fazer. Nosso Senhor restabeleceu-a em vários pontos.
    A lei prescrevia o amor do próximo. Os Judeus entendiam isto somente a respeito dos membros da sua raça, e ainda assim é hoje. Nosso Senhor diz-nos que isso se aplica a todos os homens, e que é preciso amar os nossos próprios inimigos e fazer o bem àqueles que nos odeiam, como o nosso Pai do céu que faz brilhar o sol sobre os bons e sobre os maus. (Leão Dehon, OSP4, p. 27s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Dá a quem te pede.» (Mt 5, 42).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XI Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    14 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XI Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 21, 17-29

    Depois de Nabot de Jezrael ter sido assassinado, por não querer vender a sua vinha ao rei Acab, 17a palavra do Senhor foi dirigida a Elias, o tisbita, dizendo: 18«Desce e vai ter com Acab, rei de Israel, que vive na Samaria; ele está agora a descer para se apossar da vinha de Nabot. 19Diz-lhe: Assim fala o Senhor: 'Cometeste um homicídio e agora vais ainda apoderar-te do alheio?' Acrescentarás ainda: 'Isto diz o Senhor: No mesmo lugar onde os cães lamberam o sangue de Nabot, hão-de lamber também o teu!'» 20Então Acab respondeu a Elias: «Tornaste a apanhar-me, meu inimigo!» Elias replicou: «Sim, tornei a apanhar-te porque te prestaste a uma perfídia, fazendo o que é mal aos olhos do Senhor. 21Farei cair uma desgraça sobre ti, varrer-te-ei e hei-de exterminar todos os homens da casa de Acab, sejam escravos ou homens livres em Israel. 22Tornarei a tua casa semelhante à casa de Jeroboão, filho de Nabat, e à de Basa, filho de Aías, porque provocaste a minha ira e fizeste pecar Israel.» 23O Senhor falou também para Jezabel: «Os cães hão-de devorar Jezabel na propriedade de Jezrael. 24Todos os membros da casa de Acab que morrerem na cidade, os cães os hão-de devorar; e todos os membros que morrerem no campo, comê-los-ão as aves do céu. 25Não houve nunca ninguém como Acab que se prestasse à perfídia para fazer o mal aos olhos do Senhor. E a sua esposa Jezabel incitava-o ainda mais. 26Ele cometeu graves abominações, seguindo os ídolos exactamente como os amorreus, a quem o Senhor despojara diante dos filhos de Israel.» 27Ao ouvir estas palavras, Acab rasgou as vestes, cobriu-se de saco e jejuou; dormia sobre um saco e caminhava pensativo. 28Então a palavra do Senhor foi dirigida a Elias, o tisbita, dizendo: 29«Viste como Acab se humilhou na minha presença? Já que ele procedeu assim, não o castigarei durante a sua vida, mas nos dias de seu filho mandarei o castigo sobre a sua casa.»

    Os profetas são homens de Deus, e a sua missão é essencialmente religiosa. Mas isso não os impede de denunciar as injustiças sociais e de emitir juizos sobre situações políticas. Quando o fazem, é também por razões religiosas, porque tudo vêem e tudo ajuizam na perspectiva da Lei e da Aliança. Não actuam por razões meramente políticas, por sentimentalismo ou simples reivindicações sociais.
    A intervenção de Elias junto de Acab faz lembrar a de Natan, junto de David. Deus, por meio dos seus profetas, vinga a injustiça e defende o oprimido. Jezabel será a primeira a pagar pelos seus crimes (2 Rs 9, 30ss.). O princípio da retribuição, ainda que férreo, inclui atenuantes em virtude do arrependimento do culpado e da misericórdia divina. Mas, na lógica do Antigo Testamento, impõe-se sempre a reparação (cf. 2 Rs 9ss.).
    Os dois últimos capítulos do 1 Rs ilustram as infelizes empresas bélicas em que o rei Acab se mete, contra a opinião do profeta Miqueias. Tudo termina com a morte miserável do soberano, cujo sangue é lambido pelos cães. A dinastia de Acab é destruída.

    Evangelho: Mateus 5, 43-48

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 43«Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. 45Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. 46Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? 47E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? 48Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.»

    A sexta antítese refere-se ao maior dos mandamentos: o amor para com o próximo, já formulado no Levítico (19, 18). Todavia, no Antigo Testamento, o amor ao próximo limitava-se ao povo de Israel e àqueles que, de algum modo, tivessem sido integrados nele.
    Jesus cita também o ódio aos inimigos: «odiarás o teu inimigo» (v. 43). É verdade que esse preceito não estava escrito em qualquer página da Bíblia. Mas estava presente nas franjas do judaísmo mais extremista. Em Qunran, prescrevia-se o ódio a todos os filhos das trevas.
    Jesus torna universal o preceito do amor ao próximo. Se assim não fosse, os seus discípulos ficavam ao nível dos publicanos que, por solidariedade estavam unidos e se amavam uns aos outros; ou ao nível dos pagãos. Jesus, apoiando-se num princípio aceite pelos judeus - «deve imitar-se o comportamento de Deis» -, instaura o princípio do amor universal. Deus não faz distinções, faz erguer o Sol, e cair a chuva, para todos. Com esta afirmação, Jesus também deita por terra a pretensa preferência, e quase exlcusividade, do amor de Deus para com eles.

    Meditatio

    «Amai os vossos inimigos ...tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu ... sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste». O Baptismo tornou-nos filhos de Deus. Mas há que crescer e desenvolver essa condição. O Espírito impele-nos para a plenitude da vida filial. Há que acolher docilmente os seus impulsos. O Espírito faz crescer em nós o amor para com todos, também para com os inimigos: «Amai os vossos inimigos». Não há palavra que revele mais profundamente o coração de Jesus e o coração do Pai. É mais do que «perdoar as vossos inimigos», que já é muito. Amar quer dizer responder ao ódio com o amor. Trata-se, diríamos, de um excesso de amor. Porque, «se amar os amigos é de todos, amar os inimigos é só dos cristãos», como escreveu Tertuliano. «Jesus viveu e morreu em vão, se não aprendemos d´Ele a regular as nossas vidas pela lei eterna do amor», escreveu Gandhi. Ele quere-nos perfeitos no amor para com Deus e para com o próximo, ainda que seja um perseguidor. Jesus perdoou àqueles que o crucificaram. É por isso que Paulo, ao inculcar o amor entre os tessalonicenses, escreve: «vós próprios aprendestes de Deus a amar-vos uns aos outros» (1 Ts 4, 9). Como filhos de Deus, somos chamados a difundir o amor generosamente. Onde não há amor, onde nos damos conta de que não somos amados, amemos um pouco mais, com o amor que Jesus nos deu. Por isso é que mandou amar sempre.
    Infelizmente nas comunidades cristãs, também nas comunidades religiosas, podem nascer inimizades, pequenas, mesquinhas, geralmente provenientes de corações tacanhos, feridos pelo ciúme e pela inveja. São inimizades que provocam muito sofrimento em quem deles é objecto, sem culpa. Valem, então, as palavras de Jesus: «Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam (ou que, sem um verdadeiro ódio, são
    invejosos, ciumentos), bendizei aqueles que vos amaldiçoam (no sentido de que falam mal de vós), rezai por aqueles que vos maltratam» (não fisicamente, mas moralmente) (Lc 6, 27-28). Tudo isto, «para que sejais filhos do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol para os bons e para os maus, e manda a chuva para os justos e os injustos... Sede, portanto, perfeitos como é perfeito o Pai celeste» (Mt 5, 45-46).

    Oratio

    Ó Jesus, mestre de mansidão, de humildade e de paciência, ensina-me a ser como Tu. Dá-me a graça de reagir à violência com mansidão, ao orgulho com humildade, às aflições com paciência. Que eu saiba amar com o coração, com os lábios e com as obras, não só os amigos, mas também os inimigos, aqueles que não me querem bem. Que a todas faça só o bem. Que por todos reze com fervor. Assim serei, por tua graça, acolhido entre os filhos do Pai, que está no céu, e contado entre os eleitos. Amen.

    Contemplatio

    S. João era o primogénito e o modelo das vítimas do Sagrado Coração. O tempo entre a tomada do hábito e a sua profissão não foi longo. No entanto, passou por um noviciado, por um tempo de prova, durante o qual aprendeu mais, avançou mais em virtude e em perfeição, sofreu mais no seu coração e no seu espírito do que a razão humana pode conceber. Lá aprendeu até onde vai o verdadeiro, santo e puro amor de Deus e que a medida deste amor é amar sem medida.
    Na noite da Ceia viu como Nosso Senhor se deu inteiramente no mistério da Eucaristia. No dia seguinte, foi testemunha da oferta dolorosa da vítima sangrenta sobre a cruz. Pela sua presença, pela sua fidelidade e constância, testemunhou abertamente que conhecia Nosso Senhor, que era e queria permanecer seu discípulo. Nesta hora solene, fez no seu coração cheio de amor, de reconhecimento, de compaixão e de zelo, as promessas mais santas para o futuro. Tomou a resolução de nunca abandonar Jesus nem a sua doutrina. Depois recebeu em partilha o Coração ferido de Jesus, o Coração sobre a cruz, envolvido com os espinhos da humilhação, do ultraje, da dor, da ingratidão, da infidelidade e da cobardia dos seus discípulos, daqueles de então e dos do futuro.
    Viu como Nosso Senhor era ao mesmo tempo sacrificador e vítima, como deve ser todo o verdadeiro sacerdote da nova lei. (Leão Dehon, OSP3, p. 521).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste» (Mt 5, 48).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XI Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    15 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XI Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Reis 2, 1.6-14

    Naqueles dias, 1quando o Senhor quis levar o profeta Elias para o céu, Elias e Eliseu partiram de Guilgal. 6Elias disse a Eliseu: «Fica aqui porque o Senhor envia-me ao Jordão.» Mas Eliseu respondeu: «Pelo Deus vivo e pela tua vida, juro que não te deixarei.» E partiram juntos. 7Seguiram-nos cinquenta filhos dos profetas, que pararam ao longe, voltados para eles, enquanto Elias e Eliseu se detinham na margem do Jordão. 8Elias tomou o seu manto, dobrou-o e bateu com ele nas águas, que se separaram de um e de outro lado, de modo que passaram os dois a pé enxuto. 9Tendo passado, Elias disse a Eliseu: «Pede o que quiseres, antes que eu seja separado de ti. Que posso fazer por ti?» Eliseu respondeu: «Seja-me concedida uma porção dupla do teu espírito.» 10Elias replicou: «Pedes uma coisa difícil. No entanto, se me vires quando estiver a ser arrebatado de junto de ti, terás aquilo que pedes; mas, se não me vires, não o terás.» 11Continuando o seu caminho, entretidos a conversar, eis que, de repente, um carro de fogo e uns cavalos de fogo os separaram um do outro, e Elias subiu ao céu num redemoinho. 12Eliseu viu tudo isto e exclamou: «Meu pai, meu pai! Carro e condutor de Israel!» E não o voltou a ver mais. Tomando, então, as suas vestes, rasgou-as em duas partes. 13Eliseu apanhou o manto que Elias deixara cair e, voltando, parou na margem do Jordão. 14Pegou no manto que Elias deixara cair, bateu com ele nas águas e disse: «Onde está agora o Senhor, o Deus de Elias? Onde está Ele?» Ao bater nas águas, estas separaram-se para um e outro lado, e Eliseu passou.

    O Primeiro Livro dos Reis termina a falar dos imediatos sucessores de Acab, e das últimas vicissitudes de Elias. O Segundo Livro dos Reis começa com o Ciclo de Eliseu, cuja vocação fora antecipada em 1 Rs 19, 19-21, mas é renovada no texto que hoje escutamos (2 Rs 2, 1-18). Em ambos os relatos encontramos um elemento comum, de grande significado: o manto de Elias. Mas também encontramos diferenças devidas às diferentes fontes donde provêm: 1 Rs 19, 19-21 provém do Ciclo de Elias; 2 Rs 2, 1-18 provém do Ciclo de Eliseu.
    Tal como Elias, também Eliseu desempenhará um importante papel político (2 Rs 3, 11ss.; 6, 8ss.; 8, 7ss; 9, 1ss.; 13, 14ss.) e irá revelar-se o maior taumaturgo do Antigo Testamento. Em 2 Rs 2, 14-7, 20 e 13, 20s., encontramos uma dezena de acções milagrosas, também depois da morte do profeta. Tudo isso explica a importância da sua investidura profética, que pagará com uma fidelidade a toda a prova ao seu mestre Elias. Eliseu está na primeira linha dos «filhos dos profetas». Segundo a lei da progenitura (cf. Dt 21, 17), Eliseu reivindica dois terços do espírito de Elias, que lhe são concedidos como preço pela sua clarividência: «se me vires quando estiver a ser arrebatado de junto de ti, terás aquilo que pedes» (v. 10).
    Depois da subida ao céu de Elias, Eliseu rasgou as próprias vestes, e tomou as do profeta de Tisbé. Com este gesto, manifesta a investidura realizada e a aquisição das faculdades a ela ligadas. Então, Eliseu, deixando para trás os outros «filhos dos profetas» percute as águas do Jordão com o manto de Elias, tal como Moisés percutira as do Mar Vermelho com o seu bastão.
    O arrebatamento de Elias, semelhante ao de Henoc (Gn 5, 24), manifesta o beneplácito divino para com a sua pessoa, mas, sobretudo, refere-se a uma missão futura... Elias deveria voltar... Na interpretação feita pelo próprio Jesus (Mt 17, 12), ele já veio, na pessoa de João Baptista.

    Evangelho: Mateus 6, 1-6.16-18

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. 2Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 3Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, 4a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» 5«Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te. 16«E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.»

    Em Mt 4, 6.8, encontramos o princípio da interiorização («no segredo»). Agora, Jesus aponta outro importante princípio, o de «superar» a justiça dos doutores da Lei e dos fariseus (5, 20). E seguem-se as aplicações práticas no que se refere à esmola, à oração, ao jejum, que resumem as práticas religiosas tradicionais. Jesus não censura essas práticas, mas a forma e o objectivo com que eram realizadas, particularmente pelos fariseus. O discípulo de Cristo comporta-se de modo diferente dos fariseus, os «hipócritas» (vv. 2.5.16). Ainda que não mantenha as suas boas obras «no segredo» (Mt 5, 14), só o faz para que a soberania divina seja reconhecida. Segundo o princípio da retribuição, quem faz boas obras para ser estimado e louvado pelos outros, já recebe a sua recompensa; quem as faz por Deus, obtém d´Ele a retribuição.
    O valor da esmola (Sir 3, 29; 29, 12; Tb 4, 9-11) pode ser posto em causa pela ostentação com que é feita. O mesmo se diga da oração, muitas vezes exibida «nos cantos das ruas» (v. 5). Quanto ao jejum, Cristo partilha a posição dos profetas (cf. Is 58, 5-7). O verdadeiro jejum implica conversão a Deus, e deve ser feito com alegria, como indicam os sinais festivos indicados no evangelho: perfumar a cabeça, lavar o rosto (v. 17). E como a conversão é um assunto pessoal, entre Deus e o pecador, deve manter-se secreta entre ambos. E Deus não deixará de retribuir o que bem conhece.

    Meditatio

    O arrebatamento de Elias, elevado da terra ao céu, prefigura o mistério de Jesus. A narrativa de 2 Rs 2,1.6-14 sublinha a importância de ser testemunha do facto. Elias diz a Eliseu: «Fica aqui porque o Senhor envia-me ao Jordão» (v. 1). Mas Eliseu pressente que algo está para acontecer e responde: «Pelo Deus vivo e pela tua vida, juro que não te deixarei» (v. 2). Enquanto passam milagrosamente para a
    lém do Jordão, Elias pergunta: «Pede o que quiseres, antes que eu seja separado de ti. Que posso fazer por ti?» (v. 9). Então, Eliseu pede: «Seja-me concedida uma porção dupla do teu espírito» (v. 9). Elias observa-lhe que fora exigente no pedido. Mas acrescenta: «se me vires quando estiver a ser arrebatado de junto de ti, terás aquilo que pedes» (v. 10). Eliseu devia ter os olhos postos em Elias. E chegou o carro de fogo e os cavalos de fogo. Eliseu pôs-se a gritar: «Meu pai, meu pai!» (v. 12). «Olhava» e, assim, pôde recolher o manto de Elias e ser cheio do espírito do profeta.
    Pensemos na cena do Calvário. João, depois de narrar a transfixão do lado de Jesus, comenta: «isto aconteceu para se cumprir a Escritura, que diz: Não se lhe quebrará nenhum osso. E também outro passo da Escritura diz: Hão-de olhar para aquele que trespassaram» (Jo 19, 36s.). É importante contemplar Jesus, quando é arrebatado da cruz pelo Pai. Foi assim que o centurião reconheceu a identidade de Jesus: «O centurião que estava em frente dele, ao vê-lo expirar daquela maneira, disse: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!»» (Mc 15, 39). Contemplar Jesus no momento mais puro e generoso do seu amor, é condição para entrar no seu mistério.
    A contemplação do Crucificado, de Lado aberto, é essencial na experiência de fé de S. João, mas também na do Pe Dehon e na nossa. «Ver», «contemplar» é penetrar com o olhar da fé, permanecer absortos em contemplação, para descobrir a verdadeira identidade de Jesus e «acreditar», isto é, aderir com toda a nossa pessoa ao Crucificado e ser testemunhas d´Ele, ser profetas, junto dos irmãos. Escrevem as nossas Constituições: «Com S. João, vemos no Lado aberto do Crucificado o sinal do amor que, na doação total de Si mesmo, recria o homem segundo Deus» (n. 21).

    Oratio

    S. João evangelista, ensinai-me a contemplar a Cristo no acto supremo do seu amor quando, ao morrer na cruz, o Pai o vem arrebatar para O introduzir na sua glória. Já largara tudo o que possuía. Mas, no momento derradeiro, ainda «entregou o espírito». Pouco depois, confirmou esse dom, deixando jorrar do Lado aberto sangue e água. Se o espírito de Elias transformou Eliseu num profeta corajoso e realizador de prodígios, quanto mais o Espírito de Jesus Cristo me pode transformar também a mim. Ajuda-me, discípulo amado do Senhor, a fixar o meu olhar no Crucificado, particularmente no seu Lado aberto e no seu Coração trespassado, para que me torne, cada vez mais, profeta do amor e servidor da reconciliação. Amen.

    Contemplatio

    Vamos ao Calvário, depois da morte de Jesus. A multidão afastou-se, os amigos ficam. Alguns soldados vêm verificar ou, se é o caso, apressar a morte dos pacientes, para que o espectáculo do seu suplício prolongado não entristeça o dia do sabbat.
    Um dos soldados adiantou-se, portanto, e abriu o lado de Jesus com uma lança. É um grande mistério da história sagrada, onde tudo é mistério e acção divina. A ferida exterior é aqui a revelação simbólica da ferida interior, a do amor. O amor, eis o algoz de Jesus! Cristo morreu porque quis, foi o amor quem o matou... É assim que a Igreja canta, para saudar o Coração trespassado do seu esposo: «Ó Coração vítima de amor, Coração ferido por amor. Coração morrendo de amor por nós! O Cor amoris victima, amore nostro saucium, amore nostri languidum! (Hino do Sagrado Coração).
    Nosso Senhor permitiu este golpe de lança para chamar a nossa atenção para o seu coração, para nos fazer pensar no seu amor que é a fonte de todos os mistérios da salvação: as promessas do Éden, as profecias e as figuras da antiga lei, a acção providencial sobre o povo de Deus, a incarnação, a vida, os ensinamentos e a morte do Salvador. A abertura do lado de Jesus, é como a fonte que regava o paraíso terrestre, é como a fenda do rochedo que deu a água para saciar o povo de Israel. (Leão Dehon, OSP3, p. 367).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se me vires quando for arrebatado, terás o que pedes» (2 Rs 2, 10).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XI Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    17 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XI Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Reis 11, 1.4.9-18.20ª

    Naqueles dias, 1Atália, mãe de Acazias, ao ver seu filho morto, decidiu exterminar toda a descendência real. 2Joseba, porém, filha do rei Jorão e irmã de Acazias, tomou Joás, filho de Acazias, e livrou-o do massacre dos filhos do rei, escondendo-o, com a sua ama de leite, no quarto de dormir. Ocultaram-no, assim, de Atália, de modo que pôde escapar à morte. 3Esteve seis anos escondido com Joseba no templo do Senhor, no tempo em que Atália reinava no país. 4No sétimo ano, Joiadá convocou os centuriões dos cários e os guardas e introduziu-os no templo do Senhor. Fez com eles um pacto, e, depois de os fazer jurar no templo do Senhor, mostrou-lhes o filho do rei. 9Os centuriões executaram fielmente as ordens do sacerdote Joiadá. Tomaram cada um os seus homens, tanto os que começavam o serviço ao sábado, como os que terminavam, e foram ter com o sacerdote Joiadá. 10Este deu-lhes a lança e os escudos do rei David, que se encontravam no templo do Senhor. 11Os guardas postaram-se à volta do rei, todos de armas na mão, ao longo do altar e do templo, desde o lado sul até ao lado norte do templo. 12Então, Joiadá trouxe para fora o filho do rei, pôs-lhe o diadema na cabeça e entregou-lhe o documento da aliança. Proclamaram-no rei, ungiram-no e todos o aplaudiram, gritando: «Viva o rei!» 13Atália, ao ouvir a gritaria que faziam os guardas e o povo, entrou no templo do Senhor pelo meio da multidão. 14E viu surpreendida que o rei estava de pé sobre o estrado, segundo o costume, tendo ao seu lado os cantores e as trombetas, enquanto o povo se alegrava, tocando trombetas. Então, ela rasgou as vestes, gritando: «Conspiração! Conspiração!» 15Mas o sacerdote Joiadá ordenou aos centuriões que comandavam as tropas: «Levai-a para fora do recinto do templo e, se alguém a seguir, matai-o com a espada.» Pois o pontífice proibira que a matassem no templo do Senhor. 16Agarraram-na, por conseguinte, e ao chegarem ao palácio real, pelo caminho da entrada dos cavalos, ali a mataram. 17Joiadá fez uma aliança com o Senhor, o rei e o povo, segundo a qual o povo devia ser o povo do Senhor. Fez também uma aliança entre o rei e o povo. 18Todo o povo da terra entrou então no templo de Baal e destruiu-o; derrubaram os altares, partiram em bocados as imagens e assassinaram Matan, sacerdote de Baal, diante do altar. O sacerdote Joiadá colocou guardas no templo do Senhor. 20Todo o povo da terra se alegrou e a cidade ficou em paz. Atália tinha sido morta à espada no palácio real.

    A liturgia, deixando para trás a secção de 2 Rs 3-10, onde se trata dos reinados de Jorão e de Jeú, que erradicou o culto de Baal de Israel (841-814), e cuja unção fora anunciada por Elias (1 Rs 19, 16), e onde se ilustra a actividade de Eliseu, propõe-nos alguns textos adequados a uma leitura teológica da história de Israel.
    Atália, filha de Acab e Jezabel, quis continuar a política anti-javista e a promoção do culto de Baal, agora no Sul. Tendo morrido Acazias (841), legítimo herdeiro do trono, apoderou-se do reino de Judá, e eliminou a restante família real. Mas Joseba, filha do rei Jorão e mulher do sumo-sacerdote Jóiada (2 Cr 22, 11), tomou Joás, filho de Acazias, e livrou-o do massacre dos filhos do rei, escondendo-o no templo. Passados sete anos, e após uma bem preparada conjura, Joás é proclamado rei (835-796) e entronizado.
    A linha baalista de Jezabel é destroçada pela reacção da casta sacerdotal, e o templo de Baal, erguido no centro de Jerusalém, é destruído. A própria rainha é morta e, finalmente, a aliança é renovada: «Joiadá fez uma aliança com o Senhor, o rei e o povo, segundo a qual o povo devia ser o povo do Senhor» (v. 17). A renovação da aliança repetia-se nos momentos cruciais da história de Israel (cf. 2 Rs 23).

    Evangelho: Mateus 6, 19-23

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 19«Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. 20Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. 21Pois, onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração. 22A lâmpada do corpo são os olhos; se os teus olhos estiverem sãos, todo o teu corpo andará iluminado. 23Se, porém, os teus olhos estiverem doentes, todo o teu corpo andará em trevas. Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas!

    À primeira vista, Jesus condena a propriedade privada. Mas, observando o Evangelho, verificamos que Jesus permitia aos seus discípulos a propriedade de casa e campos (Mc 10, 29-30), as mulheres que Lhe prestavam assistência tinham os seus bens (Lc 8, 3; 10, 38) e os casos de Levi (Mc 2, 15) e de Zaqueu (Lc 19, 8) apontam na mesma direcção. O jovem rico é um caso à parte (Mc 10, 21).
    As palavras de Jesus compreendem-se a partir da oposição tesouro na terra e tesouro no céu. Quem agir segundo a justiça, praticar o bem, der esmola ... terá um tesouro no céu. Era a mentalidade comum no tempo de Jesus, e que devemos ter em conta. Mas a afirmação de Jesus tem uma profundidade maior: a propriedade terrena é passageira e incerta... Como é que se obtém o tesouro no céu? Orientando o coração, isto é, a afectividade, o homem todo, com os seus apetites e desejos mais íntimos e profundos, para Deus. Esse é o tesouro que permanece seguro.
    Os olhos são a lâmpada do corpo porque nos permitem ver. Se estiverem sãos, isto é, postos em Deus, que é a luz fonte de toda a luz, será iluminado o mistério da escuridão humana. Se estiverem doentes, isto é, não postos em Deus, viveremos nas trevas, no mistério da nossa própria escuridão.

    Meditatio

    Apesar da tentativa de Atália para destruir todos os possíveis descendentes de David, Deus intervém e salva um rebento dessa estirpe, que leva em si a esperança do Messias. No Antigo Testamento, a promessa de Deus ao povo escolhido liga intimamente a vida religiosa e a vida política. No Novo Testamento, é a Igreja, novo povo de Deus, que acolhe todos os povos. As suas relações, também em campo político, visam o bem de todos os homens. A Igreja não procura o poder político: é chamada, por causa da missão que Deus lhe confiou, a trabalhar para o advento do seu Reino e, portanto, para que cresçam entre todos os povos relações de fraternidade, de respeito e estima, e pelo progresso da vida religiosa. Trata-se de uma proposta difícil, que comporta riscos de compromissos, de instrumentalização por parte das autoridades políticas, e mesmo de perseguições, como acontece ainda hoje em muitos países. Mas é inegável a ajuda, que o trabalho cansativo, paciente e clarividente da Igreja tem trazido ao bem e à
    liberdade dos povos.
    Jesus, no Sermão da Montanha, insistente repetidamente em referir-se ao Reino. Há que procurar o reino de Deus (Mt 6, 10.33), as coisas boas (Mt 7, 11), o «tesouro nos céus» (Mt 6, 20), que consiste nos bens eternos e incorruptíveis. Para discernir sobre esses bens, há que ter aquele «olho interior dotado de recta intenção que dirige as acções humanas», como dizia Nicolau de Lira. É indispensável um olhar simples, unificado e puro («unus et purus»), segundo a Glosa medieval. «A luzerna», que ilumina as trevas, «é a fé» (Cromácio de Aquileia).
    O círio pascal, símbolo cristão da luz por excelência, ajuda-nos a aprofundar esta palavra.
    O consagrado vê tudo e vê todos à luz de Cristo. E Cristo mostra como nos havemos de relacionar com a natureza, com as coisas, com os homens e as mulheres: Ele respeitou tudo e todos, amou tudo e todos com serenidade. A sua pobreza e a sua obediência manifestam esse respeito e esse amor profundamente livre e libertador. A castidade consagrada, mas também a pobreza e a obediência, profundamente vividas e amadas, são fonte de uma grande liberdade interior.

    Oratio

    Senhor, dá-me um coração semelhante ao teu. Dá-me um coração simples que saiba discernir o verdadeiro bem, e não se deixe sugestionar pelos bens aparentes, ilusórios e passageiros.
    Dá-me, Senhor, um coração unificado, que não alimente aversões, não se dobre ao mal, não se torne escravo da sensualidade e do capricho. Faz-me compreender que só Tu és o tesouro do meu coração. Faz-me experimentar isso, quando te recebo na Eucaristia. Amen.

    Contemplatio

    «Não vos deixarei órfãos, diz Nosso Senhor, deixar-vos-ei outro director, o Espírito de verdade». - «Iluminados por ele, diz-nos Nosso Senhor, reconhecereis que estou no meu Pai, que somos um só na unidade da essência divina; e vós estareis em mim, estareis unidos a mim pela vida da graça, pela docilidade do espírito; e eu estarei em vós para vos iluminar, para vos dirigir, para vos santificar».
    É o Espírito Santo que vos une ao coração de Jesus.
    «Não vos podia dizer tudo por mim mesmo», diz-nos Nosso Senhor. A minha morte, a minha ressurreição, a minha ascensão deviam intervir para darem autoridade à minha palavra. Dou-vos o meu Espírito, para continuar o meu ensinamento. Tem de mim e de meu Pai toda a verdade. Ele há-de introduzir-vos depois de mim no santuário das verdades reveladas. Iluminará o vosso espírito, dar-vos-á a inteligência do que vos ensinei. Não vos há-de ensinar outra doutrina, porque recebe tudo de meu Pai e de mim. Nós somos um. Falo-vos pelo Espírito Santo, como meu Pai vos fala pela minha boca. Dará testemunho de mim. Ajudar-vos-á a compreender a minha divindade, os meus mistérios, a minha vida, o meu Coração, o meu amor por vós. (Leão Dehon, OSP3, p. 431.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se os teus olhos estiverem sãos, todo o teu corpo andará iluminado.» (Mt 6, 22).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XI Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    18 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XI Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Crónicas 24, 17-25

    17Depois da morte de Joiadá, os chefes de Judá vieram e prostraram-se diante do rei, que os ouviu. 18Abandonaram o templo do Senhor, Deus de seus pais, e prestaram culto aos troncos sagrados e aos ídolos. E essas faltas atraíram a ira divina sobre Judá e Jerusalém. 19O Senhor enviou-lhes profetas para que eles se convertessem ao Senhor com as suas exortações. Mas eles não lhes deram ouvidos. 20Então, o espírito de Deus desceu sobre Zacarias, filho do sacerdote Joiadá, que se apresentou diante do povo e disse: «Assim fala Deus: 'Porque transgredis os mandamentos do Senhor? Nada conseguireis. Já que abandonastes o Senhor, o Senhor há-de abandonar-vos'.» 21Mas eles revoltaram-se contra ele e apedrejaram-no, por ordem do rei, no átrio do templo do Senhor. 22O rei Joás esquecera a lealdade de Joiadá, pai de Zacarias, e mandou matar o filho. Zacarias, ao morrer, disse: «Que o Senhor veja e faça justiça.» 23No fim do ano, o exército dos arameus marchou contra Joás; invadiu Judá e Jerusalém, massacrou os chefes do povo e enviou todos os seus despojos ao rei de Damasco. 24Embora os arameus fossem em pequeno número, o Senhor entregou-lhes um enorme exército, porque Judá abandonara o Senhor, Deus de seus pais. Assim, os arameus fizeram justiça a Joás. 25Mal os arameus se afastaram, deixando-o em grandes sofrimentos, os seus homens revoltaram-se contra ele, por causa da morte do filho do sacerdote Joiadá, e mataram-no na sua cama. Morreu e foi sepultado na cidade de David, mas não no sepulcro dos reis.

    O princípio da retribuição percorre toda a história deuteronomista: os bons recebem prémios e os maus, castigos. Esse mesmo princípio serve para explicar a destruição de Jerusalém, do templo e o exílio, que são consequências dos pecados colectivos e reiterados do povo.
    É à luz do princípio da retribuição que é lida a queda de Samaria, em 721, prelúdio da queda de Jerusalém. Morto o sumo-sacerdote Jóiada, o rei Joás, consagrado por ele, cedeu às tendências sincretistas dos «chefes de Judá», caindo na idolatria. Em vão o profeta Zacarias, filho de Jóiada, tentou evitar esse crime. Foi apedrejado até à morte. Mas a justiça divina, segundo o princípio da retribuição, não se fez esperar: veio a invasão dos arameus e a morte do rei, na própria cama, às mãos dos seus homens, que conservavam grande respeito por Jóiada, e não concordaram com a morte do seu filho, Zacarias.

    Evangelho: Mateus 6, 24-34

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 24«Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» 25«Por isso vos digo: Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Porventura não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestido? 26Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as. Não valeis vós mais do que elas? 27Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? 28Porque vos preocupais com o vestuário? Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam! 29Pois Eu vos digo: Nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles. 30Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã será lançada ao fogo, como não fará muito mais por vós, homens de pouca fé? 31Não vos preocupeis, dizendo: 'Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?' 32Os pagãos, esses sim, afadigam-se com tais coisas; porém, o vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso. 33Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. 34Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a cada dia o seu problema.»

    A última secção do capítulo 6 de Mateus refere a alternativa de opção perante a qual se encontra o cristão: «Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» Há pois que decidir-se pelo «senhor» a quem se quer servir: ou Deus, ou dinheiro, isto é, o lucro e, portanto, os bens do homem, mas também «a avidez» com que o homem os procura e os possui. A ânsia na busca de bens materiais revela «pouca fé», frequentemente denunciada por Mateus (8, 26¸14, 31; 16, 8; 17, 20), mas também pouca confiança na providência divina. Para inculcar essa confiança, Jesus aponta as aves do céu e os lírios dos campos. Se essas criaturas, que hoje vivem e amanhã estarão mortos, são alimentados pela providência de Deus, quanto os homens, a quem foi prometida a eternidade, serão alimentados por Deus! Há que hierarquizar as nossas necessidades e os bens: o primeiro lugar pertence aos bens espirituais, que dão o sentido e o justo valor aos bens materiais. A verdadeira preocupação do homem há-de ser «o Reino de Deus e a sua justiça» (v. 33), permanecer nele, permanecer no senhorio de Deus.

    Meditatio

    A primeira leitura refere com muita clareza o erro em que incorreu Judá, e que levou à queda de Jerusalém: «Abandonaram o templo do Senhor, Deus de seus pais, e prestaram culto aos troncos sagrados e aos ídolos» (v. 18). Trata-se, pois, da idolatria. Que terá isto a ver connosco? É verdade que não adoramos troncos sagrados nem ídolos. Mas, não tomamos, tantas vezes, como fins, realidades que são apenas meios para chegar ao nosso fim? Jesus, no evangelho, denuncia a idolatria do dinheiro: «Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (v. 24).
    A idolatria do dinheiro é bastante espontânea. É verdade que não podemos viver sem dinheiro, e que devemos trabalhar para ganhá-lo para nós, para a família, para partilhar com os outros. Mas o fim do nosso trabalho não pode ser só ganhar dinheiro. Há outros valores, como a nossa própria realização pessoal, e o progresso do reino de Deus: «Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo» (Mt 6, 33). O cristão há-de estar consciente de que, quando trabalha, está a servir. E há-de servir com amor. O dinheiro deve permanecer no seu lugar de servidor, e não tornar-se patrão, um ídolo.
    Para evitar essa id
    olatria, Jesus convida-nos à confiança na providência divina: «Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir... o vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso.» (v. 25.33). As nossas preocupações materiais não podem sufocar as espirituais, principalmente o crescimento no amor. Na medida em que estes valores forem penetrando na sociedade, vai progredindo a justiça e a paz, a liberdade e a fraternidade.
    Os problemas fundamentais do homem: o sentido da vida, o modo como valorizá-la, o destino da nossa existência, a aspiração pelo infinito, infundida no coração do homem, não podem encontrar resposta nas coisas materiais ou nas pessoas, todas elas limitadas e caducas, frágeis canas agitadas pelo vento, que mal se governam a si mesmas. Aqui nasce a exigência de Deus... O valor do homem não está em "ter" muito, mas no "ser", e o "ser" do homem é tanto mais perfeito quanto mais experimenta a intimidade de Deus: «Procurai primeiro o Reino dos Céus e tudo o resto vos será dado por acréscimo» (Mt 6, 33).

    Oratio

    Senhor, ensina a buscar o verdadeiro tesouro, não na terra, mas no céu. Liberta-me do domínio e da servidão do mundo, da carne e do demónio, de modo que possa voltar o olhar para a contemplação das realidades celestes. Acrescenta à minha estatura natural um «côvado» de graça na vida presente e de glória na futura. Torna-me atento aos lírios do campo, aos filhos da Igreja revestidos de virtude. Concede-me procurar primeiro o Reino de Deus e a sua justiça para que, depois de caminhar sereno e confiante sobre a terra, Te encontre à minha espera no reino celeste. Amen.

    Contemplatio

    Livremo-nos das solicitudes da vida. - Como Nosso Senhor também nos recomendou que nos não embaracemos com os cuidados deste mundo e que guardemos o nosso espírito bem livre para irmos para Ele. «Não podeis, dizia, servir a dois senhores ao mesmo tempo, o vosso Deus e a avareza» (Mt 6, 25). «Dai, portanto, a Deus antes de tudo o que lhe deveis dar, Ele vos ajudará no resto» (Lc 12, 31).
    Para as necessidades da vida, depois de terdes feito o vosso dever, abandonai-vos à solicitude do vosso Pai celeste; Ele tomará cuidado de vós. Recordai-vos da parábola do semeador. A semente é a palavra de Deus. Aí onde os cuidados da vida absorvem as almas, a semente cai num campo obstruído pelos espinhos.
    Recordemo-nos ainda da censura de Nosso Senhor a Marta em Betânia: «Marta, Marta, agitai-vos demasiado e perturbai-vos demasiado». Os apóstolos foram de tal modo impregnados por este ensinamento, que o repetiram em cada página das suas epístolas. S. Pedro primeiro: «Conjuro-vos a que vos guardeis das cobiças carnais, que se opõem à vida da alma» (1Pd 2, 11). E S. João: «Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Só encontrareis lá a concupiscência e o orgulho» (Jo 2, 15). E S. Tiago: «O amor do mundo é oposto ao amor de Deus» (Tg 4, 4). Escutemos finalmente S. Paulo: «Procuremos as coisas do céu e não as da terra» (Col 3). «Os discípulos de Cristo crucificam a sua carne» (Gal 5). Levemos sempre no nosso corpo a mortificação de Cristo, para que a vida de Jesus se manifeste em nós (2Cor 4, 10). Seria necessário citar S. Paulo todo.
    Não é justo que reservemos a Nosso Senhor o melhor do nosso espírito e do nosso coração? Se formos ter com Ele com um espírito distraído, com um coração apaixonado pelas coisas da terra, pode estar satisfeito? Quem quiser ver na amizade de Jesus o seu melhor tesouro não terá as suas preferências? Digamos com Sto. Agostinho: «Toda a riqueza que não é o meu Deus é para mim a pobreza» (Med 18). (Leão Dehon, OSP4, p. 501s).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça,
    e tudo o mais se vos dará por acréscim » (Mt 6, 33).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    20 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Reis 17, 5-8.13-15ª.18

    Naqueles dias, 5Salmanasar invadiu todo o país e pôs cerco a Samaria, durante três anos. 6No ano nono do reinado de Oseias, o rei da Assíria conquistou a Samaria e deportou os israelitas para a Assíria. Estabeleceu-os em Hala, nas margens do Habor, rio de Gozan, e nas cidades da Média. 7Isto aconteceu porque os filhos de Israel pecaram contra o Senhor, seu Deus, que os tirara do Egipto e libertara da opressão do Faraó, rei dos egípcios. Adoraram outros deuses 8e seguiram os costumes das nações que o Senhor expulsara da frente dos filhos de Israel, e os que foram introduzidos pelos reis de Israel. 13O Senhor admoestara Israel e Judá pela boca dos seus profetas e videntes: «Desviai-vos dos vossos maus caminhos, guardai os meus mandamentos e preceitos, observai fielmente a lei que prescrevi a vossos pais e que vos transmiti pelos meus servos, os profetas.» 14Mas eles não o quiseram ouvir, e endureceram o seu coração, imitando seus pais, que se tornaram infiéis ao Senhor, seu Deus. 15Desprezaram os seus preceitos e a aliança que Ele estabeleceu com os seus pais, e as advertências que lhes tinha feito. 18Então, o Senhor indignou-se profundamente contra os filhos de Israel e lançou-os para longe da sua face. Só ficou a tribo de Judá.

    Os reinos de Israel e de Judá, depois da morte de Eliseu (2 Rs 13, 14ss.), passaram por diversas vicissitudes, num crescendo de dificuldades que irão culminar com a deportação para Babilónia (2 Rs 12-16). A tomada de Samaria, capital de Israel (722), pelo rei da Assíria, depois de três anos de cerco, suscita nos autores deuteronomistas uma reflexão sapiencial. Submetem a história a um exame e concluem que, sobretudo a partir da monarquia, o povo, com os reis à cabeça, se precipitava para a ruína, devido à sua infidelidade a Deus, que era cada vez maior. O texto litúrgico, para não ser demasiadamente longo, corta vários versículos intermédios, e também os 19 a 23. Mas o texto integral mostra bem a gravidade do cisma religioso e do sincretismo em que Israel mergulhou. À infidelidade do povo, não podia não corresponder a recusa de Deus.
    Salmanasar V (726-722) pôs cerco a Samaria no ano nono de Osias (732-724), que não se mostrara um vassalo fidedigno. Sargão II acabará por conquistar a cidade em 722.

    Evangelho: Mateus 7, 1-5

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1«Não julgueis, para não serdes julgados; 2pois, conforme o juízo com que julgardes, assim sereis julgados; e, com a medida com que medirdes, assim sereis medidos. 3Porque reparas no argueiro que está na vista do teu irmão, e não vês a trave que está na tua vista? 4Como ousas dizer ao teu irmão: 'Deixa-me tirar o argueiro da tua vista', tendo tu uma trave na tua? 5Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista e, então, verás melhor para tirar o argueiro da vista do teu irmão.»»

    Na base dos provérbios que o evangelho hoje nos apresente, e noutros semelhantes, está o princípio da retribuição, que se apoia numa norma de paridade: o mesmo que fizeres aos outros, te farão a ti. Desperta-nos a atenção o passivo dos verbos: «sereis julgados», «sereis medidos». Estamos perante o chamado passivo divino. O sujeito destes verbos é Deus. Na forma activa, diríamos: Deus vos julgará, vos medirá. Sendo assim, trata-se de uma verdadeira ameaça. Quem pode resistir ao julgamento ou à medida de Deus?
    Se virmos bem, Jesus não nos proíbe julgar e medir os outros, mas ensina-nos como fazê-lo. A medida do juízo divino será igual à que usarmos nos nossos julgamentos humanos. Na antiguidade, a medida com que se media a cessação de um bem, era a mesma que assegurava a sua restituição. Os rabinos, por sua vez, ensinavam que Deus Se servia de um duplo critério de juízo: a justiça e a bondade.
    O convite a não julgar forma como que uma espécie de refrão no Novo Testamento. O próprio Cristo Se apresenta como aquele que não vem julgar, mas salvar (Jo 3, 7; cf. Jo 8, 11; Lc 23, 34). Paulo também nos previne contra o risco de fazermos julgamentos: «ao julgares o outro, a ti próprio te condenas» (Rm 2, 1).

    Meditatio

    O juízo de Deus pode demorar. Mas não faltará. A catástrofe das tribos do reino do Norte é consequência do juízo de Deus, motivado pela infidelidade à Aliança, apesar dos repetidos avisos dos profetas. Há, pois, que temer o juízo de Deus.
    O evangelho ensina-nos a não julgar os outros, deixando esse encargo a Deus, ou a julgá-los como gostaríamos nós mesmos de ser julgados: «Não julgueis, para não serdes julgados; pois, conforme o juízo com que julgardes, assim sereis julgados; e, com a medida com que medirdes, assim sereis medidos» (vv. 1-2).
    A nossa única preocupação em relação ao próximo há-de ser ajudá-lo. Tarefa difícil, uma vez que, muito frequentemente, temos de julgar, de discernir o que é bom e o que é mau. Mas o nosso julgamento há-de limitar-se aos actos, e não às intenções. Só Deus, que sonda os corações, pode condenar ou justificar alguém.
    Quando nos pomos a julgar os outros, facilmente pecamos. É - para usar as palavras de Jesus - como se puséssemos uma trave na vista. Assim faziam os fariseus, que orgulhosamente se julgavam diferentes dos outros, e mesmo superiores. Criticavam as acções dos outros e não viam o egoísmo e a soberba que lhes enchia o coração, a pesada trave que os separava dos outros, e de Deus.
    Facilmente somos tentados a julgar os outros. Mas Deus convida-nos à misericórdia e à solidariedade: «Carregai as cargas uns dos outros e assim cumprireis plenamente a lei de Cristo», escreve Paulo aos gálatas (6, 2). Quando estamos dispostos a fazer isto, que o Apóstolo recomenda, não criticamos: ajudamos.
    Escrevem as nossas Constituições, ao tratarem da relação entre os confrades: «Membros de Cristo, fiéis ao seu premente convite do Sint unum - «Que todos sejam um» - (Jo 17, 21), levam fraternamente os fardos uns dos outros, numa mesma vida comum» (Cst 8). O Vaticano II falou eficazmente da vida comum, apelando para o exemplo da primitiva Igreja de Jerusalém (cf. Act 2, 42; 4, 32), para a doutrina de Paulo acerca do respeito mútuo (cf. Rm 12, 10) e para o carregar os fardos uns dos outros (cf. Gl 6, 2), fazendo o elogio da caridade derramada pelo Espírito no coração dos fiéis, entre os quais estão os religiosos, (cf. Rm 5, 5), que torna a comunidade cristã, e a comunidade religiosa, por si mesmas apostólicas (cf. PC 15).

    Oratio

    Senhor Jesus, converte-me, transforma-me, e dá-me aquele espírito de caridade e humildade, que é condição para crescer em santidade e ajudar os outros nesse mesmo crescimento. Ajuda-me a ser misericordioso com todos, e a não julgar ninguém. Se tiver de j
    ulgar, mostra-me, antes, se não sou semelhante àquele que julgo, para que não reprove nos outros o que antes devo reprovar em mim.
    Ajuda-me a rezar, para poder receber os dons da tua graça, e derramá-los sobre os meus irmãos. Amen.

    Contemplatio

    Os fariseus observavam a lei por hipocrisia, para serem vistos e por interesse, com um espírito de crítica e de difamação pelos outros. Nosso Senhor dá-nos por modelo as disposições do seu próprio coração, sempre tão humilde e tão caridoso. Por isso, nos diz: Fugi do espírito de crítica e de censura. Não julgueis e não sereis julgados. Perdoai e sereis perdoados. Não procureis uma palha no olho do próximo quando tendes uma trave no vosso. Finalmente, tomai os meios necessários para bem observardes a lei. Rezai e pedi a Deus o fervor e a perfeição. - Sede misericordiosos para com o próximo, e Deus sê-lo-á a vosso respeito. - Praticai a mortificação exterior e interior. Entrai pela porta estreita. O caminho do céu pede sacrifícios. Subi-o com constância e coragem. (Leão Dehon, OSP4, p. 28s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Não julgueis, para não serdes julgados» (Mt 7, 1).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    21 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Reis 19, 9b,-11.14-21.31-35ª.36

    Naqueles dias 9Senaquerib, rei da Assíria, enviou de novo mensageiros a Ezequias para lhe dizer: 10«Isto direis a Ezequias, rei de Judá: não te deixes enganar pelo teu Deus, no qual puseste a tua confiança, pensando que Jerusalém não será entregue nas mãos do rei da Assíria. 11Ouviste dizer como os reis da Assíria trataram todos os países e os devastaram. Só tu é que irias escapar? 14Ezequias recebeu a carta das mãos dos mensageiros, leu-a, depois foi ao templo, e abriu-a diante do Senhor. 15E orou diante dele, dizendo: «Senhor, Deus de Israel, que estás sentado sobre os querubins, só Tu és o Deus de todos os reinos da terra. Tu fizeste os céus e a terra. 16Inclina, Senhor, os teus ouvidos e ouve! Abre, Senhor, os teus olhos e vê! Ouve, Senhor, a mensagem que Senaquerib mandou, para blasfemar contra o Deus vivo! 17É verdade, Senhor, que os reis da Assíria destruíram as nações, devastaram os seus territórios, 18e atiraram ao fogo os seus deuses, pois eles não eram deuses, eram apenas objectos feitos pelas mãos do homem, objectos de madeira e de pedra. Por isso, foram destruídos. 19Mas Tu, Senhor, nosso Deus, salva-nos agora das mãos de Senaquerib, a fim de que todos os povos da Terra saibam que Tu, o Senhor, és o único Deus.» 20Isaías, filho de Amós, mandou dizer a Ezequias: «Isto diz o Senhor, Deus de Israel: Eu ouvi a oração que me fizeste a respeito de Senaquerib, rei da Assíria. 21Eis o oráculo que o Senhor pronunciou contra ele: "A virgem, filha de Sião, despreza-te e escarnece de ti; atrás de ti meneia a cabeça a filha de Jerusalém. 31De Jerusalém surgirá um resto, e do monte de Sião sobreviventes. Fará tudo isto o zelo do Senhor. 32Portanto, eis o que diz o Senhor sobre o rei da Assíria: Ele não entrará nesta cidade, nem atirará flechas contra ela, não a rodeará de escudos, nem a cercará de trincheiras. 33Mas voltará pelo caminho por onde veio, sem entrar na cidade - oráculo do Senhor! 34Pois defenderei esta cidade e salvá-la-ei por amor de mim e de David, meu servo.» 35Nessa mesma noite, o anjo do Senhor apareceu no acampamento dos assírios e feriu cento e oitenta e cinco mil homens. 36Senaquerib, rei da Assíria retirou-se, retomou o caminho de sua terra e ficou em Nínive.»

    A narrativa bíblica prossegue, falando da massiça imigração de cinco estirpes estrangeiras e idólatras (os famosos «cinco maridos» de Jo 4, 18) para a Samaria. Esta imigração provocou um forte sincretismo: «Aqueles povos adoraram o Senhor, mas honraram ao mesmo tempo os seus ídolos. Ainda hoje, os seus filhos e os seus netos procedem como fizeram os seus pais» (2 Rs 17, 41). O mesmo não acontecia em Judá, onde reinava Ezequias, piedoso javista (716-681), que conseguiu salvar Jerusalém, aceitando a vassalagem perante a Assíria (2 Rs 18, 13ss.). Mas, em Jerusalém, era forte a reacção anti-Assíria, que contando com o apoio do Egipto.
    O nosso texto litúrgico refere a carta do rei da Assíria, Senaquerib (704-681), com ameaças a Ezequias. Isaías, profeta fortemente apaixonado por Jerusalém, a cidade onde nascera, intervém com um longo cântico que inclui um oráculo divino (vv. 21-24, aqui reduzido), e anuncia a derrota de Senaquerib: uma peste, ou alguma insurreição em Nínive, obriga-o a levantar o cerco. O povo interpreta o facto como um milagre, confirmando a sua crença na inviolabilidade da cidade, por causa do templo, onde se mostrava presente a Glória de Deus.

    Evangelho: Mateus 7, 6.12-14

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 6«Não deis as coisas santas aos cães nem lanceis as vossas pérolas aos porcos, para não acontecer que as pisem aos pés e, acometendo-vos, vos despedacem.» 12«Portanto, o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas.» 13«Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que seguem por ele. 14Como é estreita a porta e quão apertado é o caminho que conduz à vida, e como são poucos os que o encontram!».»

    Mateus apresenta-nos dois provébios de difícil compreensão, por várias razões: vêm logo depois de Jesus nos ter proibido julgar os outros e nos ter mandado aplicar a medida com moderação, compreensão e perdão; não encontramos provérbios paralelos na literatura judaica que nos ajudem a compreender estes; apenas lemos no Talmud: «não entregueis a um pagão as palavras da Lei» e «não coloqueis coisas santas em lugares impuros», mas não ajudam muito no nosso caso. Os sacrifícios oferecidos no templo eram chamados «santos»; as pérolas, sob o ponto de vista comercial, eram preciosas. As palavras «santo» e «pérolas» provavelmente indicavam o Evangelho, a Boa Nova. Os «cães» e os «porcos», por sua vez, não eram os pagãos, como alguns dizem, mas todas aqueles que, pagãos ou não, desprezavam a Boa Nova, tal como os porcos desprezam as pérolas.
    O evangelista aponta, depois, a regra de ouro: «o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles» (v.12). Este princípio encontra-se noutras religiões, nomeadamente no judaísmo. Mas com uma diferença: no judaísmo é formulado negativamente: «Não faças aos outros o que não queres que te façam a Ti» É uma diferença importante, porque, «não fazer» é sempre algo negativo. Mas a maior diferença é que Jesus eleva essa regra a princípio universal.
    Depois, Jesus cita os provérbios das duas portas e do dois caminhos, usados entre os moralistas da época para indicar o caminho da virtude, estreito e difícil, e o do vício, espaçoso e fácil. Mas Jesus introduz uma mudança: a porta e o caminho estreitos, da renúncia, do seguimento, da cruz, levam à vida; a porta e o caminho espaçosos, da satisfação dos apetites desordenados, levam à perdição. Há que escolher.

    Meditatio

    Perante o assédio do forte exército do rei da Assíria, à sua capital, o piedoso rei de Judá Ezequias desabafa a sua aflição junto do Senhor, no templo de Jerusalém. O Senhor escuta-o, e manda o profeta Isaías avisá-lo da próxima libertação: «Oráculo do Senhor - proclama o profeta em nome de Deus -: defenderei esta cidade e salvá-la-ei por amor de mim e de David, meu servo» (v. 34). Nessa mesma noite, o Anjo do Senhor flagela o acampamento dos assírios, que levantam o cerco a Jerusalém. Assim se revela a misericórdia de Deus para com a sua cidade e para com o seu povo.
    No evangelho, Jesus diz-nos que a salvação é difícil, que não se che
    ga a ela por caminhos espaçosos e cómodos, mas entrando pela «porta estreita» (v. 14).
    Vivemos a Nova Aliança. Jesus é a porta para a salvação. E não há outra! «Em verdade, em verdade vos digo- diz Jesus -: Eu sou a porta das ovelhas... Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim estará salvo; há-de entrar e sair e achará pastagem» (Jo 10, 7.9). Uma porta estreita, porque o nosso Deus é um Deus crucificado e não há lugar a compromissos, se O quisermos seguir. Uma porta estreita, mas que leva à vida, por um caminho estreito, onde Ele caminha connosco, onde, Ele próprio, se faz «caminho». Caminhando com Ele, as asperezas da viagem não nos estreitam o coração, mas dilatam-no, como aconteceu com os discípulos de Emaús.
    Segundo a expressão do Directório Espiritual dos Sacerdotes do Coração de Jesus (n. 9), Cristo é «Aquele que nos precedeu neste caminho, que o tornou praticável e que deixou atrás de Si, como sinais dos Seus passos, pegadas sangrentas. Tal é a nossa vocação». Foi essa a experiência de fé do Pe. Dehon, que teve como lemas da sua vida: «Ecce venio... - «Eis-me aqui» (Heb 10,7: «Domine, quid me vis facere? - Senhor, que queres que eu faça?» (Act 9, 6); «Fiat! - Faça-se!». É também essa a experiência de fé que somos chamados a fazer: «O caminho de Cristo é o nosso caminho», dizem as Constituições (n. 12). É o caminho dos dehonianos, o caminho que corresponde ao nosso carisma. Mas não é exclusivo. Se somos chamados a vivê-lo com particular consciência e empenho, é para estimularmos todos os nossos irmãos a percorrê-lo, sob a orientação e com apoio do Espírito Santo. Efectivamente, todos os cristãos são chamados a seguir a Cristo, no seu caminho do abandono à vontade do Pai, e da oblação de amor ao mesmo Pai, pelos irmãos.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me a tua graça, para que possa percorrer com agilidade e satisfação o caminho que Tu mesmo percorreste, sem descer a compromissos nem cair na mediocridade. Faz-me chegar ao porto da salvação e à vida gloriosa do céu, depois de percorrer, com coragem e persistência o caminho estreito da justiça e da caridade, e de entrar pela porta da penitência. Que o meu coração lance raizes, não na terra mas no céu, de modo que seja encontrado fiel nos frutos das boas obras, mais do que na folhagem das palavras. Dá-me a graça de cumprir fiel e generosamente a vontade do Pai. Amen.

    Contemplatio

    «Vós permanecestes comigo», diz-lhes Jesus. Apressa-se a louvar a constância que eles mostraram, seguindo-o com perseverança através das dificuldades do apostolado e das contradições dos escribas e dos fariseus. Acaba de os repreender por causa dos seus desejos ambiciosos, levanta-os e mostra-lhes o céu... «Porque permanecestes comigo, estareis sentados sobre tronos».
    Meu Deus, quero permanecer convosco. «Que os outros procurem em vez de vós tudo o que quiserem; nada me agrada nem me agradará senão vós, ó meu Deus, que sois a minha esperança e que deveis ser a minha beatitude, em toda a eternidade» (Imitação, l. 3, c.31).
    Permaneçamos com Nosso Senhor, não apenas pelo estado de graça, que é o essencial, mas também pela união interior, a união habitual do coração e da vontade, como convém a amigos do Sagrado Coração.
    A recompensa é bela: partilhar o reino de Nosso Senhor. Todos os fiéis terão parte nele, mas Nosso Senhor concederá uma intimidade particular àqueles que tiverem sido os amigos do seu Coração. (Leão Dehon, OSP3, p. 424).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Entrai pela porta estreita» (Mt 7, 13).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    22 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Reis 22, 8-13; 23, 1-3

    Naqueles dias, O Sumo Sacerdote Hilquias disse ao escriba Chafan: «Encontrei no templo do Senhor o Livro da Lei.» Hilquias entregou este livro ao escriba Chafan, 9o qual, depois de o ler, foi ter com o rei e prestou-lhe contas da missão que lhe fora confiada: «Teus servos juntaram o dinheiro que se encontrava na casa do Senhor e entregaram-no aos encarregados do templo do Senhor.» 10E acrescentou:«O Sumo Sacerdote Hilquias entregou-me um livro.» E leu-o na presença do rei. 11Ao ouvir as palavras do Livro da Lei do Senhor, o rei rasgou as suas vestes 12e ordenou ao sacerdote Hilquias, a Aicam, filho de Chafan, a Acbor, filho de Miqueias, ao escriba Chafan e ao seu oficial Asaías: 13«Ide e consultai o Senhor acerca de mim, do povo e de todo o Judá, sobre o conteúdo deste livro, que acaba de ser descoberto. A cólera do Senhor deve ser grande contra nós, porque nossos pais não obedeceram às palavras deste livro, nem puseram em prática o que nele se nos prescreve.» 1O rei mandou vir à sua presença todos os anciãos de Judá e de Jerusalém, 2e subiu ao templo do Senhor com todos os homens de Judá e todos os habitantes de Jerusalém, sacerdotes, profetas e todo o povo, pequenos e grandes. Leu, então, diante de todos, as palavras do Livro da Aliança, descoberto no templo do Senhor. 3Pondo-se de pé sobre o estrado, o rei renovou a aliança na presença do Senhor, comprometendo-se a seguir o Senhor, a observar os seus mandamentos, as suas instruções e os seus preceitos, com todo o seu coração e com toda a sua alma, e a cumprir todas as palavras da aliança contidas neste livro. Todo o povo concordou com esta aliança.

    Ezequias, que Isaías curou milagrosamente (2 Rs 1, 11; cf. Is 36-38), sucedeu a Manassés (687-642), em cujo reinado se chegou ao ponto de perder o Livro da aliança (2 Rs 23, 2.21), em que se reivindicava um só Deus e um só templo. A apostasia generalizou-se. A crueldade do «ímpio Manassés» levou-o a mandar serrar em dois o profeta Isaías. Sucedeu-lhe Josias (640-609), bisneto de Ezequias. Durante o seu reinado foi reencontrado o Livro da Lei. A descoberta desse livro ecoava como denúncia da infidelidade do povo. E a profetisa Hulda anunciava o consequente castigo (2 Rs 22, 14-20). Então o rei mandou ler o Livro e renovar a aliança, como já acontecera no Sinai (Ex 24, 7s.) e em Siquém (Js 24, 25-27), e convocar uma solene celebração da páscoa. Uma menor pressão da Assíria permitiu a Josias prosseguir a reforma (2 Rs 23, 4-30).

    Evangelho: Mateus 7, 15-20

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 5«Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. 16Pelos seus frutos, os conhecereis. Porventura podem colher-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? 17Toda a árvore boa dá bons frutos e toda a árvore má dá maus frutos. 18A árvore boa não pode dar maus frutos nem a árvore má, dar bons frutos. 19Toda a árvore que não dá bons frutos é cortada e lançada ao fogo. 20Pelos frutos, pois, os conhecereis.»

    Jesus não impôs a selecção dos seus seguidores. O convite é para todos. Por isso, a Igreja, a comunidade dos discípulos de Jesus, compõe-se de «bons e de maus». Naturalmente, não tardaram a surgir dificuldades na comunidade, e impôs-se o discernimento ou distinção dos espíritos.
    Na Igreja, povo de Deus, surgiram profetas que gozaram de grande estima, mas também falsos profetas. Havia que saber distingui-los. O critério para essa distinção era o fruto que produziam. A imagem da árvore encontra-se noutros textos bíblicos, por exemplo, em Is 61, 3, Jr 2, 21, Mt 15, 3, Jo 15, 1-8. A árvore boa dá bons frutos; a árvore má dá maus frutos.

    Meditatio

    Ao ouvir a leitura do Livro do Deuteronómio, Josias verificou que, ele e o seu povo, estavam a ser infiéis a Deus. E prometeu solenemente aderir de alma e coração às palavras da Aliança: «Pondo-se de pé sobre o estrado, o rei renovou a aliança na presença do Senhor, comprometendo-se a seguir o Senhor, a observar os seus mandamentos, as suas instruções e os seus preceitos, com todo o seu coração e com toda a sua alma, e a cumprir todas as palavras da aliança contidas neste livro. (2 Rs 23, 3). O povo seguiu o exemplo do rei: «Todo o povo concordou com esta aliança» (2 Rs 23, 3).
    No Salmo responsorial, que hoje rezamos, manifesta-se o desejo de ser guiados no caminho do Senhor: «Ensinai-me, Senhor, o caminho dos vossos decretos para ser fiel até ao fim. Dai-me entendimento para guardar a vossa lei e para a cumprir de todo o coração» (Sl 118 (119), 33-34). Quando se ama alguém, procura-se conhecer a sua vontade e cumpri-la. A busca da vontade de Deus, e o seu cumprimento, são o caminho para a verdadeira felicidade do homem. Foi esse o caminho seguido por Jesus: «faço sempre aquilo que lhe agrada» (Jo 8, 29; «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou» (Jo 9, 4). As nossas Constituições caracterizam Jesus, por duas atitudes: a sua obediência ao Pai e a sua solidariedade para com os homens, no cumprimento da missão que o mesmo Pai lhe confiou: «ao Pai e pelos homens» (Cst 6).
    S. Agostinho compreendeu a importância de fazer a vontade de Deus, de seguir o caminho que Ele nos traça. Por isso, rezava: «Afasta os meus olhos das coisas vãs, faz-me viver no teu caminho». As «coisas vãs» não são sempre más. Podem mesmo ser boas. Mas não o são, se nos afastam do caminho do Senhor, do cumprimento da sua vontade.
    No evangelho, Jesus recomenda-nos que não nos fixemos nas aparências das pessoas e das suas acções. Oferece-nos até um critério de discernimento: «Pelos seus frutos, os conhecereis» (v. 16). Há, pois, que avaliá-las pelos «frutos» que produzem. Paulo indica alguns desses frutos: «o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, auto-domínio» (Gl 5, 22-23); «o Reino de Deus não é uma questão de comer e beber, mas de justiça, paz e alegria no Espírito Santo» (Rm 14, 17); «o fruto da luz está em toda a espécie de bondade, justiça e verdade» (Ef 5, 9).

    Oratio

    Senhor, hoje quero rezar-te inspirado pelo teu servo Pe. Dehon. Permanece em mim, para que eu permaneça em Ti. Tu és a videira, eu a vara. Separado de Ti, não produzo frutos. Morro. Unido a Ti, recebo a seiva viva, que é o teu Espírito, que produzirá em mim os seus doze frutos. Mantém-me unido a Ti na graça santificante, na recordação assídua da tua presença, na meditação dos teus mistérios. Quero permanecer no teu coração. Lá está toda a minha vida e a minha felicidade. Amen.

    Contemplatio

    Os apóstolos nas suas epís
    tolas comentam estas palavras de Nosso Senhor. S. João é mais difícil de seguir no Apocalipse; mas S. Paulo, S. Pedro, S. Tiago descrevem-nos as seitas que reinam nos nossos dias.
    «Fica sabendo - diz S. Paulo - que, nos últimos dias, surgirão tempos difíceis. As pessoas tornar-se-ão egoístas, interesseiras, arrogantes, soberbas, blasfemas, desrespeitadoras dos pais, ingratas, ímpias, sem coração, implacáveis, caluniadoras, descontroladas, desumanas e inimigas do bem, traidoras, insolentes, orgulhosas e mais amigas dos prazeres do que de Deus. Conservarão uma aparência de piedade, mas negarão a sua essência... (2 Tm 3, 1ss.). Os nossos sectários estão lá, ingratos, são-no todos. Gostam de se dizer respeitadores da religião e trabalham para a destruírem. São desumanos nas suas perseguições. São ímpios e sensuais na sua vida privada, ambicionam todos os cargos públicos. Deus nos guarde do seu veneno. (Leão Dehon, OSP 4, p. 571).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Mostrai-nos, Senhor, o caminho da vossa lei» (Sl 118 (119), 33).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. João Baptista

    S. João Baptista

    23 de Junho, 2022

    João Batista, além da Virgem Maria, é o único santo de quem a Liturgia celebra o nascimento para a terra. João, como "Precursor" de Jesus teve, de fato, um papel único na História da Salvação. Filho de Zacarias e de Isabel, a sua vida não desabrochou por iniciativa humana, mas por dom de Deus a dois pais de idade avançada e, por isso, já sem possibilidade de gerar filhos. Situado na charneira entre o Antigo e o Novo Testamento, como Precursor, João é considerado profeta de um e outro Testamento. O paralelismo estabelecido por Lucas entre a infância de Jesus e de João Batista levou a Liturgia a celebrar o nascimento de ambos: o de Jesus no solstício de Inverno e o de João no solstício de Verão.

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 49, 1-6

    Povos de Além-Mar, escutai-me: povos de longe, prestai atenção. Quando ainda estava no ventre materno, o Senhor chamou-me, quando ainda estava no seio da minha mãe, pronunciou o meu nome.2Fez da minha palavra uma espada afiada, escondeu-me na concha da sua mão. Fez da minha mensagem uma seta penetrante, guardou-me na sua aljava.3Disse-me: «Israel, tu és o meu servo, em ti serei glorificado. 4Eu dizia a mim mesmo: "Em vão me cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças." Porém, o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompensa. 5E agora o Senhor declara-me que me formou desde o ventre materno, para ser o seu servo, para lhe reconduzir Jacob, e para lhe congregar Israel. Assim me honrou o Senhor. O meu Deus tornou-se a minha força. 6Disse-me: «Não basta que sejas meu servo, só para restaurares as tribos de Jacob, e reunires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra.

    Como o Servo de Javé, João Baptista foi chamado a uma especial missão, desde que foi concebido o seio de sua mãe. Como Ele, recebeu um nome, um chamamento e uma revelação. Como Ele, teve que enfrentar a dureza e o sofrimento no desempenho da missão. Por isso, o nosso texto, retirado dos "Cânticos do Servo de Javé" adequa-se a João Baptista. O verdadeiro profeta realiza a missão, confiando unicamente n´Aquele que o escolheu, chamou e enviou. E só d´Ele espera recompensa.

    Segunda leitura: Atos 13, 22-26

    Naqueles dias, Paulo falou deste modo: Deus concedeu aos filhos de Israel David como rei, e a seu respeito deu este testemunho: 'Encontrei David, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que fará todas as minhas vontades.' 23Da sua descendência, segundo a sua promessa, Deus proporcionou a Israel um Salvador, que é Jesus. 24João preparou a sua vinda, anunciando um baptismo de penitência a todo o povo de Israel. 25Quase a terminar a sua carreira, João dizia: 'Eu não sou quem julgais; mas vem, depois de mim, alguém cujas sandálias não sou digno de desatar.' 26Irmãos, filhos da estirpe de Abraão, e os que de entre vós são tementes a Deus, a nós é que foi dirigida a palavra de salvação.

    O discurso de Paulo em Antioquia, com explícita referência a João Batista, mostra a importância que o profeta tinha na primitiva comunidade cristã. Paulo refere-se também a David. David e João foram dois profetas que, de modo diferente, e em tempos distintos, prepararam a vinda do Messias: David recebeu a promessa do Messias; João preparou a vinda do mesmo, pregando um batismo de penitência.
    Impressiona, nesta página, a clareza com que João identifica Jesus, e se define a si mesmo. É este o primeiro dever do verdadeiro profeta.

    Evangelho: Lucas 1, 57-66.80

    Naquele tempo, chegou o dia em que Isabel devia dar à luz e teve um filho. 58Os seus vizinhos e parentes, sabendo que o Senhor manifestara nela a sua misericórdia, rejubilaram com ela.59Ao oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome do pai, Zacarias. 60Mas, tomando a palavra, a mãe disse: «Não; há-de chamar-se João.» 61Disseram-lhe: «Não há ninguém na tua família que tenha esse nome.» 62Então, por sinais, perguntaram ao pai como queria que ele se chamasse. 63Pedindo uma placa, o pai escreveu: «O seu nome é João.»E todos se admiraram. 64Imediatamente a sua boca abriu-se, a língua desprendeu-se-lhe e começou a falar, bendizendo a Deus. 65O temor apoderou-se de todos os seus vizinhos, e por toda a montanha da Judeia se divulgaram aqueles factos. 66Quantos os ouviam retinham-nos na memória e diziam para si próprios: «Quem virá a ser este menino?» Na verdade, a mão do Senhor estava com ele.80Entretanto, o menino crescia, o seu espírito robustecia-se, e vivia em lugares desertos, até ao dia da sua apresentação a Israel.

    O paralelismo estabelecido por Lucas, ao narrar a infância do Batista e a de Jesus é rico sob os pontos de vista literário e teológico. O nascimento de João preanuncia o de Jesus. João, ainda no ventre materno, anuncia um outro Menino. O nome de João é prelúdio do de Jesus. O extraordinário evento da maternidade de Isabel prepara outro, o da maternidade de Maria. A missão de João faz-nos pregustar a de Jesus. Trata-se de uma única missão, em dois tempos; dois tempos de uma única história que se desenrola em ritmos alternos mas sincronizados. Não devemos contrapor a missão do Batista e a de Jesus.

    Meditatio

    A festa do nascimento de João Batista leva-nos a pensar no amor preveniente de Deus e na importância das suas preparações para o acolhermos devidamente e com fruto. Deus prepara o nascimento de João: um anjo anuncia a Zacarias que a sua mulher, idosa e estéril, vai ter um filho, cujo nascimento alegrará a muitos; inesperadamente, o nome da criança não é Zacarias, mas João, cujo significado é: "Deus faz graça"; João é enviado a preparar os caminhos do Senhor, o "ano de graça" do Senhor, a vinda de Jesus. Como o agricultor prepara o terreno antes de lhe lançar a semente, assim Deus prepara os tempos e os corações para receberem os seus dons. É por isso que havemos de viver vigilantes, de estar atentos à ação de Deus em nós e nos outros, para a sabermos discernir no meio dos acontecimentos humanos e nas mais variadas situações da nossa vida. João ajuda-nos a estarmos atentos a Jesus e ao que Ele quer fazer em nós e no nosso mundo. João acreditou e indicou Jesus aos que o seguiam: "depois de mim, virá alguém maior do que eu... Eis o Cordeiro de Deus!"
    Por todas estas razões, a festa de hoje é um dia de alegria para a Igreja. E, todavia, João foi um profeta austero, que pregou a penitência com uma linguagem pouco amável: "Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera que está para vir? Produzi, pois, frutos dignos de conversão e não vos iludais a vós mesmos, dizendo: 'Temos por pai a Abraão!'" (Mt 3, 7-8). O profeta exortava a uma penitência que se torna alegria, alegria da purificação, alegria da vinda do Senhor.
    A missão de João Batista é, de certo modo, a missão de todo o crente: preparar a vinda do Senhor, o que é mais do que simplesmente anunciar. É preciso por ao serviço de Jesus não só as nossas palavras, mas também a nossa vida toda.

    Oratio

    S. João Batista, glorioso Precursor de Jesus, verdadeiro amigo do Esposo, ensinai-me o espírito de penitência e o amor da pureza para alcançar uma união, cada vez maior, com Jesus, o Salvador, e com Maria, sua Mãe. Ensinai-me a viver essa união em todos os momentos da minha vida, incluindo o meu apostolado em que procuro preparar, como vós, os caminhos do Senhor. Que a minha ternura por Jesus se torne, cada vez mais, semelhante à vossa. Ámen.

    Contemplatio

    João ainda não nascera quando Jesus e Maria vão visitá-lo à Judeia. Estremece no seio de sua mãe. É abençoado e santificado pela presença de Jesus e pela visita de Maria. É um amigo para Jesus, di-lo ele mesmo: «O amigo do esposo, diz, alegra-se quando escuta a voz do seu amigo, é por isso que hoje estou alegre» (Jo 3, 29). Quando Jesus menino volta do Egipto, visita o seu pequeno amigo passando pela Judeia. Cada ano, nos dias de Páscoa, estão juntos em Jerusalém. Reencontram-se no Jordão. S. João conhece a missão do seu amigo e parente, proclama a sua missão: «Eis, diz, o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira os pecados do mundo». Pregam um ao outro, mas S. João envia os seus discípulos a Cristo. Recebe as suas graças de Jesus e conduz as almas a Jesus. Tal deve ser a nossa união com Jesus e Maria. Maria dar-nos-á Jesus. Sede amigos para Jesus pela vossa assiduidade, pelo vosso afeto, pela vossa confiança. Conduzamos-lhe as almas, não procuremos em nada reter a sua afeição por nós, admiremos nisto o desapego de S. João. Ide a Jesus, diz a todos, nada sou senão uma voz que prega no deserto, não sou digno de desatar os seus sapatos. (Leão Dehon, OSP 3, p. 689).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Profeta do Altíssimo,
    irás à sua frente a preparar os seus caminhos" (Lc 1, 76).

    ----
    S. João Baptista (24 Junho)

    XII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    23 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Reis 24, 8-17

    8Joiaquin tinha dezoito anos quando começou a reinar, e reinou três meses em Jerusalém. 9Fez o mal aos olhos do Senhor, tal como o seu pai. 10Foi nesse tempo que os homens de Nabucodonosor, rei da Babilónia, vieram sobre Jerusalém e a sitiaram. 11Nabucodonosor chegou à cidade, quando as suas tropas a sitiavam. 12Joiaquin, rei de Judá, saiu ao encontro do rei da Babilónia, com sua mãe, com os altos funcionários, com os oficiais e com os eunucos; e o rei da Babilónia prendeu-o. Isto aconteceu no oitavo ano do reinado de Nabucodonosor. 13E como o Senhor tinha anunciado, Nabucodonosor levou dali todos os tesouros do templo do Senhor e do palácio real, e quebrou todos os objectos de ouro que Salomão, rei de Israel, fizera para o santuário do Senhor. 14Levou cativa toda a corte de Jerusalém, todos os chefes e todos os notáveis, ao todo dez mil, com todos os ferreiros e artífices; deixou apenas os pobres do país. 15Deportou Joiaquin de Jerusalém para a Babilónia, com a sua mãe, as suas mulheres, os eunucos do rei e os grandes do país. 16Todos os homens de valor, aptos para a guerra, em número de sete mil, os ferreiros e os artífices, em número de mil, o rei da Babilónia levou-os cativos para a Babilónia. 17Em lugar de Joiaquin, o rei da Babilónia nomeou rei seu tio Matanias, cujo nome mudou para Sedecias.

    Entretanto, a Assíria, que se aliou ao Egipto, para fazer frente ao expansionismo babilónio, diminuiu a sua ameaça sobre Jerusalém. Mas surgiu a ameaça da própria Babilónia. Tendo caído Nínive, capital da Assíria (612), Nabucodonosor tornou-se rei da Babilónia (605). Na Primavera de 598, apoderou-se do fraco reino de Joiaquim, expugnando Jerusalém, e procedendo a uma primeira deportação, que envolveu o profeta Daniel. Sedecias substituiu o fraco Joiaquim como rei de Judá (598-587). É nesta época que actua o profeta Jeremias (cf. Jr 22, 13-17).
    Como sempre acontece, o autor sagrado liga os dramas do povo à sua infidelidade à aliança (cf. v. 9). O profeta de Anatot em vão tinha apelado à conversão. O mal do povo tornou-se tão grande, que Jeremias chegou a perder as esperanças (Jr 5, 1-3).

    Evangelho: Mateus 7, 21-29

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 21«Nem todo o que me diz: 'Senhor, Senhor' entrará no Reino do Céu, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está no Céu. 22Muitos me dirão naquele dia: 'Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizámos, em teu nome que expulsámos os demónios e em teu nome que fizemos muitos milagres?' 23E, então, dir-lhes-ei: 'Nunca vos conheci; afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.'» 24«Todo aquele que escuta estas minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. 25Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; mas não caiu, porque estava fundada sobre a rocha. 26Porém, todo aquele que escuta estas minhas palavras e não as põe em prática poderá comparar-se ao insensato que edificou a sua casa sobre a areia. 27Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; ela desmoronou-se, e grande foi a sua ruína.» 28Quando Jesus acabou de falar, a multidão ficou vivamente impressionada com os seus ensinamentos, 29porque Ele ensinava-os como quem possui autoridade e não como os doutores da Lei.

    Ao concluir o Sermão da Montanha, Jesus previne contra a presunção de se salvar apenas pela invocação do nome divino, ou em virtude de acções carismáticas, sem as acompanhar com uma vida coerente, com a prática da caridade, ainda que sejam expressão da própria fé. Não se pode ficar pelo «dizer»; há que «fazer». Notemos também que a referência, no juízo final, será sempre Cristo: «me dirão», «minhas palavras» (cf. Mt 25). Também é significativa a acentuação de «muitos»: «muitos me dirão...». «Então, dir-lhes-ei»: no texto original, lê-se: «Então declararei», numa clara alusão ao «dia do Senhor», ao dia do juízo. Quando Cristo declara que não conhece (como na parábola das virgens insensatas: Mt 25, 12) tais «tais praticantes da iniquidade» (cf. Mt 13, 14; 24, 12), onde encontramos o mesmo termo), utiliza a fórmula judaica de excomunhão do mestre, que implicava uma suspensão temporária do discípulo.
    O Sermão da Montanha repõe o esquema de bênçãos e maldições diante das quais era colocado o povo da Aliança (Lv 26, Dt 28) e termina com a expressão «e grande foi a sua ruína» (Mt 7, 27), que contrasta com as palavras de abertura: «Felizes...» (Mt 5, 2ss.). Notemos também o paralelismo escondido nas palavras «rocha» (Cristo) e «casa» (Igreja).
    Finalmente, Cristo fala de duas maneiras de escutar a Palavra: de modo superficial e descomprometido, ou de modo atento e eficaz. Fala também das consequências de escutar de um ou de outro modo.

    Meditatio

    Estamos a viver o tempo comum da Liturgia. Enquanto o tempo do Advento ao Pentecostes representa o tempo de Jesus, em que Ele realiza historicamente a nossa redenção, o tempo comum representa o tempo da Igreja, porque nele se constrói a mesma Igreja, Corpo de Cristo, que continua no mundo a obra salvífica de Jesus e prolonga a sua incarnação. É neste tempo que os homens são chamados a entrar na Igreja pelo baptismo, e a crescer nela pelos sacramentos e pelo empenhamento pessoal até alcançarem a plena estatura de Cristo, o estado de adultos na fé. É, pois, o nosso tempo, em que havemos de construir o nosso destino eterno, o tempo para nos realizarmos como homens e como cristãos.
    Jesus fala deste tempo com a imagem da casa, que pode ser construída sobre a rocha ou sobre a areia. A imagem é clara e eficaz. Enquanto a primeira resiste aos ventos e às enxurradas, a segunda fica reduzida a um monte de ruínas. Ambos os construtores conheceram Jesus e ouviram a sua palavra. Mas, enquanto um a põe em prática, o outro não. Um faz a vontade do Pai. O outro limita-se a dizer: «Senhor! Senhor!» (v. 22).
    O evangelho de hoje apela para a coerência da nossa vida de cristãos. Com estas parábolas, Jesus não nos deixa ilusões. A porta do Reino só se abre para aqueles que fizeram a vontade do Pai. A rocha representa essa vontade. Sobre ela, pode construir-se uma casa bonita, acolhedora e forte.
    A vontade de Deus não é algo de abstracto, porque se «fez carne» e, em certo sentido, se materializou em Jesus Cristo. Por isso, Paulo escreve: «estais edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus» (Ef 2, 20). Pedro também fala de Jesus como pedra angular (1 Pe 2, 5-6). Construir sobre a rocha quer dizer construir a própria vida sobre Jesus, sobre a
    sua Palavra, sobre a sua Pessoa.
    «Escutamos com frequência a Palavra de Deus», dizem as nossas Constituições (n. 77). Sublinhamos a expressão «com frequência». Não se trata só da escuta da palavra de Deus na Missa ou noutras celebrações; trata-se de acolher, na nossa vida, a Palavra, o Verbo eterno de Deus feito carne, conforme a exortação do Pai na Transfiguração: «Este é o Meu Filho muito amado, em Quem pus as minhas complacências: Escutai-O» (Mt 17, 5).
    Este convite à "escuta" já estava expresso na famosa «shemá» («escuta...»), com que o piedoso israelita manifestava a Deus a sua fé, a adesão da sua vontade e a oblação da sua própria vida, cumprindo a Palavra de Deus: «Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda as tuas forças. Estes mandamentos que hoje te imponho, serão gravados no teu coração. Ensiná-los-ás aos teus filhos...» (Dt 6, 4-7).
    Assim Deus Se revelava a na vida do piedoso israelita como Javé («Eu sou aquele que sou» Ex 3, 14), isto é, como presente na vida como libertador, como guia, como salvador. A presença da Palavra era a presença da Pessoa. Com maior razão tudo isto se realiza em Jesus, que é a Palavra, o Verbo de Deus feito carne: «Quem ouve as minhas palavras e as põe em prática é semelhante a um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha...» (Mt 7, 24). "Rocha", "Rochedo" são as imagens típicas de Deus, que exprimem solidez, segurança e, portanto, fé, adesão completa: «Deus é a rocha da minha defesa...» (Sl 62(61), 3): «Vós sois, meu Deus, a rocha da minha salvação...» (Sl 89(88), 27). É como dizer: o Senhor é o meu «amem», a minha segurança, a minha salvação. É assim que Cristo é chamado no Apocalipse: «Assim diz o Amem, a Testemunha fiel...» (3, 14) e Paulo: «Por meio de Jesus Cristo sobe até Deus o nosso Amem» (2 Cor 1, 20).

    Oratio

    Senhor, ouço falar muito de carismas, de dons extraordinários. Acredito que Tu os distribuis generosamente para a construção da tua Igreja. Mas precisamos que nos ajudes a discerni-los, para sabermos quais são verdadeiros e quais o não são. De facto, como hoje nos ensinas, não basta dizer «Senhor! Senhor!», nem profetizar ou realizar milagres em teu nome. É preciso fazer a vontade do Pai, mesmo com sacrifício. Sem isso, os carismas mais clamorosos, que poderiam significar uma especial relação Contigo, apenas servem para alimentar o orgulho de quem os possui. A verdadeira rocha é a fé na Palavra de Deus: quanto mais for profunda, mais segura estará a nossa casa. Senhor, ajuda-me a construir sobre Ti todos os meus projectos, toda a minha vida. Amen.

    Contemplatio

    «Não são aqueles que se contentam em escutar a lei que são justos aos olhos de Deus, mas somente aqueles que a praticam que serão justificados» - (Rom 2, 13). - «Guardemos fielmente o que ouvimos, com medo que não sejamos como canais onde a água corre. Porque se a lei antiga dada pelos anjos permaneceu firme, e se toda a transgressão e toda a desobediência recebeu o castigo que merecia, como escaparemos nós se formos negligentes a respeito da doutrina de salvação, anunciada por Nosso Senhor mesmo e confirmada por aqueles que a escutaram da sua boca.
    Deus mesmo sancionou o seu testemunho com milagres, por prodígios, por diferentes efeitos do seu poder, e pelos dons do Espírito Santo, que Ele distribui como quer» (Heb 2, 1).
    Nosso Senhor quis, portanto, desde o começo da sua vida apostólica nos precaver contra as ilusões da fé sem as obras. Cumpramos tudo o que a fé nos pede, segundo a nossa vocação: todos os nossos deveres de estado, todos os nossos deveres de piedade, as virtudes cristãs em toda a sua delicadeza e as obras de misericórdia, que são a característica da vida cristã.
    Jesus mostra-nos o verdadeiro cristão em acção na parábola do Samaritano, e ameaça-nos com a sua condenação no juízo se não tivermos cumprido as obras de misericórdia. (Leão Dehon, OSP4, p. 100s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O homem sábio constrói a sua casa sobre a rocha» (Mt 7, 24).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XII Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    XII Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    24 de Junho, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares
    XII Semana – Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Reis 25, 1-12

    1No nono ano do reinado de Sedecias, no dia dez do décimo mês, Nabucodonosor marchou com todo o seu exército contra Jerusalém. Acampou diante da cidade e levantou trincheiras em redor dela. 2O cerco da cidade durou até ao décimo primeiro ano do reinado de Sedecias. 3No nono dia do quarto mês, como a cidade se visse apertada pela fome e a população não tivesse mantimentos, 4abriu-se uma brecha na muralha da cidade. Então o rei e todos os homens de guerra fugiram de noite pela porta que está entre os dois muros, junto do jardim do rei. Entretanto, os caldeus cercavam a cidade. Os fugitivos tomaram o caminho da planície do Jordão, 5mas o exército dos caldeus perseguiu o rei e alcançou-o na planície de Jericó. Então as tropas, que o acompanhavam, abandonaram-no e dispersaram-se. 6O rei Sedecias foi preso e conduzido a Ribla, diante do rei da Babilónia, que pronunciou a sentença contra ele. 7Degolou os filhos na presença de Sedecias, furou-lhe os olhos e levou-o para a Babilónia, ligado com duas cadeias de bronze. 8No sétimo dia do quinto mês, no décimo nono ano do reinado de Nabucodonosor, rei da Babilónia, Nebuzaradan, chefe da guarda e servo do rei da Babilónia entrou em Jerusalém. 9Incendiou o templo do Senhor, o palácio real e todas as casas da cidade, começando pelas casas dos mais importantes de Jerusalém. 10E as tropas que acompanhavam o chefe da guarda, destruíram o muro que cercava Jerusalém. 11Nebuzaradan, chefe da guarda, levou cativos para Babilónia, os que restavam da população da cidade, os que já se tinham rendido ao rei da Babilónia e o resto da população. 12O chefe da guarda só deixou ali alguns pobres para cultivarem as vinhas e os campos.

    O rei Sedecias convenceu-se que afastaria a ameaça babilónia aliando-se ao Egipto. Jeremias opôs-se a essa política. E o tempo deu-lhe razão. Nabucodonosor mandou cercar Jerusalém. O cerco durou 18 meses. A cidade acabou por capitular (587) e foi saqueada e destruída, com o seu templo (cf. vv. 13-17, omitidos no texto litúrgico). Começou o exílio em Babilónia, e passará meio século, até que Ciro venha decretar o seu fim (538). Enquanto Ezequiel se juntou a Jeremias para predizer a ruína de Jerusalém, o deutero-Isaías juntar-se-á aos deportados para lhes incutir coragem e esperança. Os três profetas anunciam um novo êxodo, uma nova aliança e um novo templo para o «resto de Israel».
    Depois da queda de Samaria (722) e da queda de Jerusalém (587), a nação israelita perdeu a sua independência, passando sucessivamente pela dominação dos babilónios, dos persas, dos gregos e dos romanos.

    Evangelho: Mateus 8, 1-4

    1Ao descer do monte, seguia-o uma enorme multidão. 2Foi, então, abordado por um leproso que se prostrou diante dele, dizendo-lhe: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me.» 3Jesus estendeu a mão e tocou-o, dizendo: «Quero, fica purificado!» No mesmo instante, ficou purificado da lepra. 4Jesus, porém, disse-lhe: «Vê, não o digas a ninguém; mas vai mostrar-te ao sacerdote e apresenta a oferta que Moisés preceituou, para que lhes sirva de testemunho.»

    Depois de apresentar Jesus como Messias da palavra, no Sermão da Montanha, Mateus dá início a uma nova secção, onde nos apresenta o Messias das obras, o taumaturgo que vai ao encontro daqueles que sofrem. Os milagres de Jesus são prova da verdade das suas palavras.
    O evangelho de hoje apresenta-nos três milagres, que aconteceram em Cafarnaúm, onde Cristo teve a sua primeira casa, durante a missão pelas povoações das margens do mar de Tiberíades. Jesus actua em favor de pessoas atingidas pela desgraça, sem se importar com as normas de precaução e defesa previstas na Lei: toca o leproso, entra em casa de um pagão, aperta a mão de uma mulher doente, pessoas marginalizadas pela sociedade hebraica do tempo.
    O leproso pede para ser «purificado», pois sabia que a sua doença era considerada fruto do pecado e expressão de impureza legal. É por isso que Jesus manda o leproso ao sacerdote, que tem de verificar a cura. O gesto do leproso, que chama a Jesus «Senhor» e se prostra diante dele, significa simultaneamente reconhecimento da divindade e beijo da sua imagem. Não esqueçamos que este texto foi escrito depois da ressurreição, e à luz do mistério pascal. Encontramo-lo noutras páginas de Mateus (2, 2.8; 9, 18; 15, 25; 20, 20; 28, 9.17).

    Meditatio

    A primeira leitura relata a queda de Jerusalém: matanças, destruições, incêndios. Nem o templo escapa às chamas. O povo é morto, ou deportado com o seu rei. E a Bíblia explica a razão de tudo isto: o povo, infiel a Deus, é por Ele rejeitado.
    As atrocidades descritas talvez não mexam muito connosco. Pensamos: eram povos pouco evoluídos. E ficamos tranquilos. Mas, se abrirmos os olhos para o que, se passa no nosso mundo, verificamos que ainda há muito que mudar na humanidade. São tantos os episódios de crueldade humana, no mundo de hoje! É o que sai do coração dos homens, quando não são fiéis a Deus!
    O evangelho mostra-nos que a lei é para cumprir. Por isso, Jesus manda o leproso mostrar-se aos sacerdotes. Mas o bem da pessoa e, sobretudo, a graça, vão mais além do que a lei. Por isso, Jesus não hesita em estender mão, e em tocar no leproso para lhe transmitir uma energia que o recria. O leproso, o centurião e a sogra de Pedro, de quem nos falará o evangelho de amanhã, representam as camadas sociais consideradas à margem pelo mundo judaico: os doentes incuráveis, os pagãos e as mulheres. Mas, para nós, hoje, além dos doentes incuráveis, podem representar todos os pobres e fracos das nossas sociedades, tantas vezes esquecidos, postos de parte, maltratados pelos poderes estabelecidos.
    Admiramos a fé, a coragem e a extrema coerência de tantos homens e mulheres dos nossos dias que, animados pela sua fé, se dedicam a confortar e a ajudar tantos milhões de pessoas, vítimas de calamidades naturais, de guerras, de graves situações de pobreza e falta de desenvolvimento. Santos apóstolos, missionários, numerosos leigos cooperaram para o progresso de povos inteiros, não só como fundadores de escolas, hospitais, obras sociais, ensinando artes e ofícios, mas também dando Cristo como verdade, como amor, como perdão. É uma civilização do amor que se está a construir, e que vai transformando os homens «penetrados por aquele sopro de vida que provém de Cristo» (RH, 18).
    A história humana, frequentemente tão esquálida, lenta e tortuosa, cheia de regressões, por vezes tão envolvente e tumultuosa nos seus cursos e biblioteca, é vivificada por um frémito secreto que a impele para metas que nos são propostas pelo Evangelho. São metas de verdade, de justiça, de bondade, de amor (cf. Cst 36-39): é a meta-Cristo, o ponto ómega do univ
    erso, segundo Teilhard de Chardin. A própria “fronteira da morte”, perante a qual o homem não pode senão afastar-se aterrorizado, a gritar e a chorar, como aconteceu em relação à filha de Jairo (cf. Mc 5, 38-40), é ultrapassada e podemos apontar ao mundo uma esperança que mais ninguém, senão Cristo, pode dar: uma certeza de vida e de nobreza, não só para a alma, mas também para o corpo: todo o homem é imortal por causa das sementes de imortalidade em nós semeadas pela redenção operada por Cristo. É a fé de Paulo: como Cristo ressuscitou, também nós ressuscitaremos (cf. 1 Cor 15). Esta é «a mais alta afirmação do homem: a afirmação do corpo que o Espírito vivifica!… Esta é a resposta a todos os “materialismos” da nossa época. São eles que fazem nascer tantas formas de insaciabilidade no coração humano…» (RH, 18).

    Oratio

    Senhor, quão numerosas e grandes são as situações de injustiça, os escândalos, os conflitos que cobrem de sangue a face da terra. Os meios de comunicação social todos os dias me mostram alguns. Não posso alegar desconhecimento. Por isso, nada me resta senão tornar-me solidário, conforme as minhas possibilidades. Posso implorar-te misericórdia e paz, praticar a verdade no amor, e unir-me a todos os homens de boa vontade para criar uma nova mentalidade no mundo. Inspira-me, Senhor, e dá-me generosidade para fazer tudo o que esteja ao meu alcance em favor da justiça e da caridade no mundo. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor perdoa, Ele mesmo, muitas vezes, os pecados, antes de dar o poder aos seus apóstolos. O seu Coração é infinitamente misericordioso. Como não perdoaria ao arrependido? Será uma necessidade do seu Coração deixar-nos este sacramento do perdão.
    Madalena arrependida aos pés de Jesus e Jesus perdoando à Madalena representam bem o sacramento da penitência: «Muitos pecados lhe são perdoados, diz o Salvador, porque muito amou», porque muito chorou, elevando o seu arrependimento à perfeição da caridade.
    A mulher adúltera está confundida e arrependida ao mesmo tempo, Nosso Senhor diz-lhe: «Eu não te condeno, vai e não peques mais».
    Zaqueu tem um profundo pesar por todas as suas exacções e pela sua avareza: «Darei, diz, a metade dos meus bens aos pobres; e àqueles que enganei, darei o quádruplo». Jesus perdoa-lhe: «Hoje, diz, esta casa recebeu a graça da salvação».
    O mais tocante exemplo de perdão é o concedido por Nosso Senhor a S. Pedro. O apóstolo renegou o seu bom Mestre, nas circunstâncias mais penosas para Jesus. O Salvador lança-lhe, ao passar, um olhar de doce censura e de misericórdia, o apóstolo chora, Jesus perdoa-lhe e prepara-se para lhe dar todos os seus privilégios.
    O bom ladrão faz um acto de contrição sobre a cruz: «Nós, diz, somos atingidos justamente, mas este Justo?…». Jesus diz-lhe: «Hoje estarás comigo no paraíso».
    O paralítico simbolizava o pecador que já não sabe agir sobrenaturalmente. Jesus cura-o, perdoa-lhe e diz-lhe: «Vai e não peques mais».
    O leproso também simboliza o pecador. Jesus cura-o e diz-lhe: «Vai, mostra-te ao sacerdote». Assim é na confissão, o pecador mostra-se ao padre e Jesus cura-o. (Leão Dehon, OSP4, p. 218).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, se quiseres, podes purificar-me» (Mt 8, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    XII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    25 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Lamentações 2,2.10-14.18-19

    2O Senhor arrasou, sem piedade, todas as moradas de Jacob. E, em seu furor, arruinou as fortificações da capital de Judá. Lançou por terra e amaldiçoou o reino e os seus príncipes. 10Os anciãos da cidade de Sião sentam-se por terra, emudecidos. Lançam cinza sobre as suas cabeças, vestem-se de saco. As virgens de Jerusalém inclinam a cabeça para a terra. 11Os meus olhos derretem-se em lágrimas; fremem as minhas entranhas. Por terra derrama-se o meu fígado, por causa da ruína do meu povo, enquanto vão desfalecendo os meninos e as crianças de peito nas ruas da cidade. 12Onde haverá pão e vinho? - perguntam eles às mães, enquanto, como feridos de morte, iam desfalecendo nas praças da cidade, exalando o seu último suspiro no regaço materno. 13A que coisa te hei-de assemelhar? A que te comparar ó Jerusalém? A que te igualarei, para te consolar, ó jovem capital de Sião? É imensa como o mar a tua ruína; quem poderá curar-te? 14Os teus profetas vaticinaram-te apenas coisas falsas e loucas. Não te revelaram as tuas iniquidades, a fim de mudar o teu destino. Anunciaram-te apenas oráculos falsos e enganadores. 18Clama com o coração ao Senhor, ó muralha da cidade de Sião! Faz correr em torrente as tuas lágrimas noite e dia! Não te dês descanso, não cessem os teus olhos de chorar! 19Levanta-te, grita durante a noite, no começo das vigílias; derrama o teu coração como a água perante a face do Senhor. Ergue para Ele as mãos, pela vida dos teus filhos que desfalecem de fome por todos os recantos das ruas.

    A página do livro das Lamentações, que hoje escutamos, é a melhor reflexão sobre o sentido dos eventos narrados nos Livros dos Reis. O livro das Lamentações é atribuído a Jeremias, profeta que viveu os momentos dramáticos do cerco, da queda e da destruição de Jerusalém, da partida do povo para Babilónia. O nosso texto, bastante resumido para o uso litúrgico, é uma dolorosa meditação sobre o exílio, sobre a responsabilidade dos falsos profetas e das práticas idólatras, no desastre que atingiu a cidade de Deus e o seu templo. Tudo isto leva ao arrependimento e à súplica. O afastamento da pátria simboliza dramaticamente o afastamento de Deus, esse Deus que domina a história e que, por meio dos seus mensageiros, lhe revela o sentido e o significado. Depois de recordar a infausta sorte do rei, dos sacerdotes e profetas, dos velhos e dos novos, o cântico dirige-se a Sião, recorda-lhe os enganos de que foi vítima e convida-a a chorar a sua sorte.

    Evangelho: Mateus 8, 5-17

    Naquele tempo, 5entrando Jesus em Cafarnaúm, aproximou-se dele um centurião, suplicando nestes termos: 6«Senhor, o meu servo jaz em casa paralítico, sofrendo horrivelmente.» 7Disse-lhe Jesus: «Eu irei curá-lo.» 8Respondeu-lhe o centurião:«Senhor, eu não sou digno de que entres debaixo do meu tecto; mas diz uma só palavra e o meu servo será curado. 9Porque eu, que não passo de um subordinado, tenho soldados às minhas ordens e digo a um: 'Vai', e ele vai; a outro: 'Vem', e ele vem; e ao meu servo: 'Faz isto', e ele faz.» 10Jesus, ao ouvi-lo, admirou-se e disse aos que o seguiam: «Em verdade vos digo: Não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé! 11Digo-vos que, do Oriente e do Ocidente, muitos virão sentar-se à mesa do banquete com Abraão, Isaac e Jacob, no Reino do Céu, 12ao passo que os filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes.» 13Disse, então, Jesus ao centurião: «Vai, que tudo se faça conforme a tua fé.» Naquela mesma hora, o servo ficou curado. 14Entrando em casa de Pedro, Jesus viu que a sogra dele jazia no leito com febre. 15Tocou-lhe na mão, e a febre deixou-a. E ela, levantando-se, pôs-se a servi-lo. 16Ao entardecer, apresentaram-lhe muitos possessos; e Ele, com a sua palavra, expulsou os espíritos e curou todos os que estavam doentes, 17para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta Isaías: Ele tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas dores.

    Este milagre, narrado por Mateus, também se encontra em Lucas e em João, com algumas diferenças. Enquanto Mateus fala da cura de um filho-servo (pais), Lucas da cura de um servo (dûlos) e João da cura de um filho (hyiós). Na realidade trata-se de um prodígio onde confluem o poder taumatúrgico de Cristo, que actua de modo imediato («naquela mesma hora»), mesmo à distância, e a fé do centurião elogiada pelo Mestre. Esta situação oferece a Cristo ocasião para estigmatizar a falta de fé dos seus conterrâneos e descrever as tristes consequências da mesma. As expressões «choro e ranger de dentes» são idiomáticas, indicando a enorme desespero daqueles que, no castigo, reconhecem as suas culpas. A cena do centurião é como que um prelúdio da missão ou anúncio do Evangelho aos pagãos.
    Jesus detém-se em Cafarnaúm, na casa de Pedro, cuja sogra estava doente com febre. E Jesus toma a iniciativa de a curar, - caso único em Mateus -, tocando-lhe, como fizera com o leproso. Uma vez curada, a mulher põe-se a servir, tornando-se a primeira «diaconisa» da história cristã.
    Os últimos versículos sintetizam a obra de Cristo em favor dos endemoninhados e dos doentes. Mateus aproveita para fazer uma releitura de Is 53, 4: enquanto o profeta fala de sofrimentos e dores, o evangelista fala de enfermidades e doenças. Trata-se de uma expiação libertadora, fruto da solidariedade de Cristo com os homens.

    Meditatio

    Ao descrever a situação de Jerusalém, destruída e devastada pelos babilónios, o Livro das Lamentações revela a causa profunda dessa catástrofe: «Os teus profetas vaticinaram-te apenas coisas falsas e loucas. Não te revelaram as tuas iniquidades, a fim de mudar o teu destino. Anunciaram-te apenas oráculos falsos e enganadores» (v. 14). Também nós preferimos, muitas vezes, ouvir palavras falsas e enganadoras, discursos retóricos e lisonjeiros, mais do que admoestações e chamadas de atenção. Alimentam as nossas ilusões, é certo. Mas é preferível ouvir palavras que nos revelem as nossas faltas e nos incitem à mudança de vida. Os falsos profetas também pregaram o que os habitantes de Jerusalém, particularmente os seus chefes, queriam ouvir, em vez de lhes denunciarem as faltas. Mas os verdadeiros profetas, como Jeremias, não se cansavam de avisar a cidade para os perigos a que podia levar a inobservância da Lei na justiça, e a falta de solidariedade. Ninguém os escutava.
    Acontece o mesmo no nosso mundo de hoje. Quando o Papa lembra a doutrina da Igreja sobre a moral, sobre o respeito pela vida desde o seu início até ao seu fim natural, sobre o respeito pelo amor, pela fidelidade, ou até sobre o uso do dinheiro, sobre os perigos do
    capitalismo, muitas vezes se ouvem reacções negativas. Muita gente prefere discursos que não incomodem, que não ameacem os egoísmos instalados, mas que levam a grandes catástrofes.
    O evangelho mostra-nos Jesus que não se inibe de contactar com leprosos, pagãos e mulheres, coisa imprópria para um rabi. Mas se Deus, em Jesus, assumiu um corpo humano, foi para comunicar com o corpo do homem. O Senhor intervém por causa da fé do doente (no caso do leproso), ou da comunidade (no caso da sogra de Pedro). Mas o maior elogia vai para a fé na sua palavra, manifestada por um pagão. Até àquele momento, ninguém em Israel tinha manifestado tanta fé.
    O Senhor continua a tocar-nos na Eucaristia, mas também nos toca pela força da sua Palavra. Que impacto tem a Palavra na cura da minha pessoa?
    O Pe. Dehon convida-nos a sermos profetas do amor e servidores da reconciliação (cf. Cst 7). Como ele, e no seu "seguimento", "em comunhão com a vida da Igreja, queremos contribuir para instaurar o reino da justiça e da caridade cristã no mundo (cf. Souvenirs XI). Para isso, há que denunciar corajosamente todas as injustiças, em primeiro lugar, as cometidas contra Deus, não Lhe reconhecendo o lugar a que tem direito, nem respeitando a sua lei. Mas há apontar também as inúmeras injustiças contra as pessoas e, por vezes, até contra povos inteiros. Há que fazer o que estiver ao nosso alcance para aliviar o sofrimento de tantos irmãos e irmãs, e para que lhes se feita justiça. A solidariedade é um sinal dos tempos muito sentido, tanto pelos crentes como pelos não crentes. Há que praticá-la e promovê-la em favor de todos os explorados e oprimidos, particularmente pelos povos que estão em vias de desenvolvimento, pelos que sofrem a fome, pelas vítimas das guerras crónicas, ou das catástrofes e calamidades naturais (Cf. A.A., n. 14).

    Oratio

    Senhor, Tu carregaste sobre Ti os nossos males e as nossas doenças, porque só se redime o que se assume. Tu queres restituir ao género humano a beleza e a saúde com que saiu das mãos do Criador. Renova o dom do teu Espírito, para que sejam reparados em mim os efeitos do pecado. Uma vez reparado, dá-me a graça de cooperar Contigo na obra de cura e de redenção que estás a realizar no mundo. Amen.

    Contemplatio

    A perfeição da fé, diz S. João, é crer no amor de Nosso Senhor por nós (Jo 4, 16). Tal era a lei do bom centurião.
    A fé deve ser esclarecida, não pede, no entanto, um luxo exagerado de provas. Os judeus pediam sempre novos prodígios para acreditarem. Jesus censura-os por isso (Jo 4, 48). O centurião soube que Jesus curava muitos doentes com uma bondade extrema, isso lhe basta.
    A fé deve ser confiante e firme. Assim foi a do centurião. Não duvida, tem confiança, insiste, sabe que Jesus pode curar à distância.
    A fé deve estar penetrada de humildade. O nosso oficial não ousa ir ele mesmo ter com Jesus, envia um ancião da sinagoga, depois um vizinho. Não se julga digno que Jesus entre debaixo do seu tecto.
    A fé fortifica-se no meio das provas. Nosso Senhor com frequência provou a fé por meio de uma primeira recusa, como aconteceu com a mulher cananeia.
    É preciso confessar a própria fé e não ter vergonha. O centurião fez isto de um modo magnífico, ele que era estrangeiro e pagão e que admirava os judeus pela vivacidade da sua fé. (Leão Dehon, OSP4, p. 166).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, diz uma só palavra e o meu servo será curado» (Mt 8, 8).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    27 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Amós 2, 6-10. 13-16

    6Assim fala o Senhor:«Por causa do triplo e do quádruplo crime de Israel, não revogarei o meu decreto. Porque vendem o justo por dinheiro e o pobre, por um par de sandálias; 7esmagam sobre o pó da terra a cabeça do pobre, desviam os pequenos do caminho certo. Porque o filho e o pai dormem com a mesma jovem, profanando o meu santo nome. 8Porque se estendem ao pé de cada altar sobre as roupas recebidas em penhor, e bebem no templo do seu Deus o vinho dos que foram confiscados. 9Fui Eu que, diante deles, exterminei os amorreus, que eram altos como cedros e fortes como os carvalhos. Destruí-lhes por cima os frutos e por baixo as raízes. 10Eu é que vos tirei da terra do Egipto, e vos conduzi, através do deserto, durante quarenta anos, a fim de vos dar a posse da terra dos amorreus. 13Pois bem! Eis que vos vou esmagar contra o solo como esmaga um carro bem carregado de feno. 14O homem ágil não poderá fugir, o forte em vão recorrerá à sua força, o valente não salvará a sua vida. 15O que maneja o arco não resistirá, nem o homem de pés ligeiros escapará, nem o cavaleiro salvará a sua vida. 16E o mais corajoso entre os valentes fugirá nu, naquele dia.

    Este oráculo foi preparado pelos seis anteriores. A repetição progressiva da expressão «triplo ou quádruplo» criou expectativa e preparou os leitores para a mensagem que hoje escutamos: Javé não um simples Deus nacional de Israel, semelhante a deuses, mas é o Deus de todos os povos, o juiz e senhor da história. Por isso, pede contas a cada um deles. São enumerados sete, o número perfeito, que indica a totalidade dos povos. O monoteísmo dá um passo decisivo. O Deutero-Isaías definirá melhor esta universalidade de Deus.
    A denúncia dos pecados de Israel é seguida pela recordação dos benefícios divinos. Seguem-se as ameaças contra o pecado concretamente apresentado na alteração das relações de justiça e de respeito entre os homens, a substituição das pessoas por coisas, a opressão dos pobres, a perda da dignidade nas relações.
    A violência das ameaças devia levar o povo a voltar-se para Deus. Em vez disso, revolta-se contra o profeta. O castigo torna-se inevitável. Mas, ao menos para nós, o salmo abre uma perspectiva de esperança, pois termina apontando a relação feliz entre Deus, que mostra a salvação, e o homem que honra a Deus, avançando pelo caminho recto.
    Evangelho: Mateus 8, 18-22

    Naquele tempo, 18vendo Jesus em torno de si uma grande multidão, decidiu passar à outra margem. 19Saiu-lhe ao encontro um doutor da Lei, que lhe disse: «Mestre, seguir-te-ei para onde quer que fores.» 20Respondeu-lhe Jesus: «As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.» 21Um dos discípulos disse-lhe: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar o meu pai.» 22Jesus, porém, respondeu-lhe: «Segue-me e deixa os mortos sepultar os seus mortos.»

    Jesus decide «passar à outra margem» (v. 18). Mas, antes de executar a sua decisão, ilustra as exigências requeridas a quem O quer seguir, as exigências da fé. Quem quiser seguir a Cristo, como o escriba, deve saber ao que se compromete, qual o modo de vida que o espera, quem é Aquele a quem escolheu. Sabendo isso, há-de estar disposto a aceitar os sofrimentos, as adversidades e a paixão como passagens obrigatórias. Foi esse o caminho do Senhor e Mestre, Jesus Cristo. A expressão «as raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça» está construída em estilo oriental: depois de duas imagens positivas, vem uma negativa. Alguns exegetas vêem aqui uma alusão ao celibato de Jesus: não tem casa, não tem família. O expressão «Filho do Homem», que aparece pela primeira vez no evangelho, indica a precaridade de Jesus, o seu ser sem casa nem raiz, sem referência nem refúgio. A contraposição entre Jesus e «os mortos» indica a ruptura que «Aquele que vive» veio inserir na experiência dos homens. Aquele que é a Vida, aponta o Caminho: não ter onde reclinar a cabeça, para dormir e para morrer, é condição para que a vida seja restituída à sua verdade.
    Meditatio

    As palavras duras e polémicas de Amós ecoam na vida e nos ensinamentos de Jesus. O Mestre divino usa uma linguagem mais branda e ensina, sobretudo, com o seu exemplo. Mas nem por isso é menos radical.
    A ganância é fonte de muitos males. Paulo reconhece-o, quando escreve: «os que querem enriquecer caem na tentação, na armadilha e em múltiplos desejos insensatos e nocivos que precipitam os homens na ruína e na perdição. Porque a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro. Arrastados por ele, muitos se desviaram da fé e se enredaram em muitas aflições» (1 Tm 6, 9-10). Amós denuncia a perversão provocada pela ganância, que faz perder o sentido de justiça e o respeito devido às pessoas, transformadas em meios para alcançar determinados lucros. «Vendem o justo por dinheiro e o pobre, por um par de sandálias», diz Amós (v. 6). A pessoa humana, criada à imagem de Deus, torna-se artigo de troca, é reduzida à escravidão por causa de um lucro miserável. Amós também denuncia o desprezo da mulher, vítima de imoralidade sexual, talvez até por questões de dinheiro e de lucro. Violar uma jovem é culpa grave, porque também Deus é ofendido, e o seu nome profanado.
    Os gananciosos perdem o respeito devido a Deus quando oprimem os outros para acumular riquezas. O culto que eventualmente prestarem a Deus não Lhe será agradável: «Estendem-se ao pé de cada altar sobre as roupas recebidas em penhor, e bebem no templo do seu Deus o vinho dos que foram confiscados», denuncia Amós (v. 8). O profeta alude a refeições sagradas que concluíam certos sacrifícios rituais. Como poderia um tal culto agradar a Deus? Jesus não se deixa impressionar com as ofertas chorudas dos ricos. Apreciava mais a dádiva dos poucos cêntimos da viúva pobre (Mc 12, 41-44), e convidava todos ao desapego do dinheiro. Ele mesmo não tinha «onde reclinar a cabeça» (v. 20). Não tinha casa, não tinha bens próprios, não tinha esposa e filhos, não tinha projectos pessoais. Era verdadeiramente pobre e desapegado de tudo; procurava e fazia a vontade do Pai. E tudo por causa do Reino. Se Amós clama por justiça e rectidão, Jesus, pela sua palavra e pelo seu exemplo, convida à radicalidade do desapego de tudo, mas também à alegria, à pressa, que havemos de ter, em possuir o tesouro, a pérola, que é o Reino, que é Ele mesmo, Cristo (cf. Cst 14). Paulo dá-nos testemunho e exemplo desse desapego radical, para tudo possuir: «Tudo isso, que para mim era lucro, reputei-o perda por Cristo. Na verdade, em tudo isso só vejo dano, comparado com o supremo conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por Ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo» (Fl 3, 7-8).
    Oratio

    Senhor, liberta-me da ganância, mas também de todo o apego aos bens deste mundo. Faz-me generoso contigo e com os meus irmãos. Que eu saiba dar e, sobretudo, dar-me, sem nada reservar para mim. Enche-me do teu Espírito para que me torne dom agradável para Ti e dom eficaz para os meus irmãos. Enche-me do teu Espírito para que, como Amós, saiba denunciar a ganância, e as injustiças a que ela conduz. Enche-me do teu Espírito para que, como Tu, viva a pobreza, a castidade e a obediência, por causa do Reino, tornando-me sinal claro do mundo que há-de vir. Amen.
    Contemplatio

    Jesus escolheu a pobreza como sua parte: «Jesus, rico de todos os bens do céu e da terra, fez-se pobre, diz-nos S. Paulo, para nos enriquecer com a sua pobreza» (2Cor 8, 9). Repara a nossa sensualidade. Desde o seu nascimento e toda a sua vida, Jesus quis conhecer o desnudamento. Ele, Filho de Deus e Filho de David, é repelido por todos em Belém, e nasce num estábulo como o mais pobre dos pobres. Durante o exílio no Egipto, ninguém saberia dizer a penúria da Sagrada Família. Viveram sem dúvida de esmolas, e o Filho de Deus ensaiou sem dúvida os seus primeiros passos estendendo a mão à caridade pública. Em Nazaré, o criador do mundo afadiga-se no trabalho para ganhar o pão quotidiano. Os Nazarenos, espantados com a sua sabedoria, exclamam: «Não é este um carpinteiro e o filho de um carpinteiro?». Na sua vida apostólica, percorre vastas províncias a pé, vive de pão de cevada e de peixes secos; para se alimentar a si e aos seus e para ajudar aos pobres nada mais tem do que as esmolas de algumas piedosas mulheres. Assim como viveu no desnudamento, morre despojado de tudo sobre a cruz, e o seu corpo vai repousar num sepulcro emprestado (Leão Dehon, OSP 4, p. 135).
    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «O Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça» (Mt 8, 20).
    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    28 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Amos 3, 1-8; 4, 11-12

    1Ouvi esta palavra que o Senhor pronuncia contra vós, filhos de Israel, contra toda a família que fez sair do Egipto: 2«De todas as nações da terra, só a vós conheci.
    Por isso vos castigarei, por todas as vossas iniquidades.» 3Porventura andarão dois homens juntos, sem se terem posto de acordo? 4Porventura rugirá o leão na floresta, sem ter achado uma presa? Gritará o leãozinho no covil, sem ter lançado a garra a alguma coisa? 5Cairá uma ave no laço posto na terra, se o laço não estiver armado? Irá levantar-se a armadilha da terra, antes de ter apanhado alguma coisa? 6Tocar-se-á a trombeta na cidade, sem que o povo se assuste? Acontecerá alguma calamidade numa cidade, sem ser por disposição do Senhor? 7Porque o Senhor Deus nada faz sem revelar o seu segredo aos seus servos, os profetas. O leão ruge: quem não temerá? O Senhor Deus fala: quem não profetizará? 11Causei no meio de vós uma confusão enorme semelhante à de Sodoma e Gomorra. Ficastes como um tição que se tira do fogo. Mas não voltastes para mim - oráculo do Senhor. 12Portanto, eis como te vou tratar, ó Israel!E como é assim que te vou tratar, prepara-te para comparecer diante do teu Deus, ó Israel!

    Amós foi muito claro em alertar o povo para o perigo em que a sua infidelidade o colocava. Mas a classe erudita dirigente ripostava dizendo que Israel não era um povo como o outro qualquer. Era o povo eleito de Javé, sua propriedade particular, povo chamado a prestar-lhe culto. Estava, portanto, ao abrigo de perigos que pudessem destrui-lo como povo. Se assim não fosse, quem Lhe prestaria culto? Deus só podia protegê-lo.
    Amós opõe-se a esta doutrina. Deus é pai, mas não ´padrinho`, e não é nem pode tornar-se cúmplice dos crimes do seu povo. As sete perguntas retóricas do nosso texto preparam uma clarificação: Deus tem que falar, e o profeta tem que exercer a sua missão. Mas, o que acaba por ficar bem esclarecido, é a relação de aliança entre Deus e o povo de Israel. O povo está subordinado à aliança e não vice-versa: a escolha de Israel por Deus confere ao povo maior responsabilidade. Por isso, o encontro com Deus, para o antigo povo de Deus, mas também para o novo povo de Deus, é simultaneamente maravilhoso e terrível, assustador e apaixonante.

    Evangelho: Mateus 8, 23-27

    Naquele tempo, 23Jesus subiu para o barco e os discípulos seguiram-no. 24Levantou-se, então, no mar, uma tempestade tão violenta, que as ondas cobriam o barco; entretanto, Jesus dormia. 25Aproximando-se dele, os discípulos despertaram-no, dizendo-lhe: «Senhor, salva-nos, que perecemos!» 26Disse-lhes Ele: «Porque temeis, homens de pouca fé?» Então, levantando-se, falou imperiosamente aos ventos e ao mar, e sobreveio uma grande calma. 27Os homens, admirados, diziam: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?»

    De modo muito estilizado, Mateus refere o episódio da tempestade acalmada. O propósito de Mateus não é tratar o acontecimento em si, mas indicar o seu significado. A Igreja é uma barca em tormenta, onde está Jesus e os discípulos. «Os discípulos seguiram-no», diz-nos o texto (v. 23). Esta palavra traduz, para Mateus, o aspecto essencial do discipulado: «seguir» Jesus. De facto, o verbo «seguir» é utilizado unicamente quando se trata de Jesus. Indica a união do discípulo com o Jesus da história, a participação na sua vida, a entrada no Reino através da pertença a Cristo pela obediência e pela confiança. Dizer a Jesus: «Desperta, Senhor, porque dormes?» (Sl 44, 24) e «Senhor, salva-nos, que perecemos!», significa reencontrar-se como crentes, como fiéis, como discípulos, e encontrar Jesus como Senhor e Cristo. Na sua presença não há tempestade, não há paixão, não há morte que resistam. A sua auroridade e o seu poder restauram a ordem da graça. Os discípulos nem sempre correspondem com fé e confiança ao senhorio de Jesus. O sono de Jesus representa o drama da morte do Filho do homem, que desafia a Igreja à fé e à serena confiança no Pai como Aquele que «se fez obediente até à morte e morte de cruz» (Fl 2, 8).

    Meditatio

    As perguntas, que se repetem, no livro de Amós, levam idealmente da sabedoria à profecia, da observação atenta da realidade natural à emersão de uma palavra e de uma acção que lhe manifestam o sentido e a verdade. No fim, a profecia torna-se uma necessidade incontornável: «O Senhor Deus fala: quem não profetizará?» (v. 8).
    Amós lembra aos israelitas a situação especial de que gozam diante de Deus: «De todas as nações da terra, só a vós conheci» (v. 2). Mas o profeta também tira consequências dessa situação: «Por isso vos castigarei, por todas as vossas iniquidades» (v. 2). Ser povo de Deus é um privilégio que há-de estimular a correspondência adequada ao dom. Não pode ser pretexto para a injustiça, para fazer o que apetece, julgando-se impunes. Jesus dirá algo que nos ajuda a compreender esta palavra de Amós: «a quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito será pedido» (Lc 12, 48).
    Isto pode parecer-nos contraditório. Um privilégio torna-se desvantagem? Deus, em vez de indulgente e compreensivo com o seu povo, pode mostrar-se intransigente? Na verdade, Deus apresentou-se, desde o princípio, como «um Deus zeloso» (Ex 20, 5; Dt 4, 24; 5, 9), que não admite infidelidades ao povo, que recebeu como esposa, e que pune severamente a «culpa» (Ex 20, 5; Dt 5, 9). Mesmo quando perdoa, não deixa de punir (Ex 34, 7). Mas não há contradição entre severidade e amor. A severidade mostra a autenticidade e a profundidade do amor. Deus faz o seu povo descontar as próprias infidelidades, porque o ama, porque o quer libertar do mal, porque o quer purificar. A severidade divina é provocada pelo amor e em vista do amor. Deus purifica o seu povo para tornar possível uma comunhão mais estreita com ele: «Tu, Senhor, pouco a pouco corriges os que caem, os admoestas e lhes recordas o seu pecado, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor» (Sab 12, 2). Toda a provação há-de ser acolhida como ocasião para regressar a Deus. Em toda a pena, merecida ou não, em todo o sofrimento, em toda a provação, somos tentados a revoltar-nos, a endurecer o coração, a afastar-nos de Deus. Mas, do sofrimento e da provação, podem surgir graças preciosas. O Senhor convida-nos a aprofundar a nossa relação com Ele.
    Foi o que sucedeu com os Apóstolos, quando Jesus, em plena tempestade, dormia no barco. Deram-se conta da sua fragilidade e gritaram pelo Mestre para que os ajudasse. Jesus acalmou a tempestade falando imperiosamente aos ventos e ao mar. Perante tal facto, os discípulos inte
    rrogaram-se sobre a verdadeira identidade de Jesus: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?» (v. 27). E aprofundaram a sua fé e a sua relação com o Senhor.
    O tempo do sofrimento, tanto o das provações morais e espirituais, como o da doença e da velhice, há-de ser vivido como tempo de purificação, como tempo preparatório de mais íntima união com o Senhor, como tempo de «eminente e misteriosa comunhão» na oblação de sofrimento e de amor de Cristo. Pensemos na Agonia, na Paixão e na Morte. E, então, além de purificação, as nossas provações e sofrimentos, serão tempo de disponibilidade pura, de pura oblação.

    Oratio

    Senhor, que soubeste dormir e soubeste morrer, ensina-nos a descobrir na disponibiliade e na obediência amorosa, um caminho de purificação, de liberdade e de união mais íntima contigo. A tua morte foi o segredo da nossa vida. O teu sono, o mistério da nossa vigilância.
    Que o teu Espírito nos torne atentos e sensíveis à profecia que se ergue dos lugares mais insuspeitos da terra, do mar e do céu. De toda a parte, ecoam as notas mais sublimes da tua indefectível solicitude.
    Dá-nos uma palavra firme nas incertezas da vida e um olhar que penetre além das ondas da vida, para que a autoridade do teu Filho se torne presente no Espírito que sempre visita e anima a Igreja. Amen.

    Contemplatio

    «Os pecadores encontrarão no meu coração o Oceano infinito da misericórdia», disse Nosso Senhor. - «Que deveis temer para nele entrardes, acrescenta Margarida Maria, dado que Ele vos convida a irdes lá? Não é Ele o trono da misericórdia onde os miseráveis são mais bem recebidos, desde que o amor os apresente no abismo da sua miséria? - O Pai eterno, por um excesso de misericórdia, fez deste ouro precioso uma moeda inapreciável, marcada pelo cunho da sua divindade, a fim de que os homens pudessem com ela pagar as suas dívidas e negociarem o grande negócio da sua salvação. - Permanecereis no Sagrado Coração como um criminoso que, pela pena e pela dor das suas faltas, deseja apaziguar o seu juiz encerrando-se nesta prisão de amor. - Deu-me a conhecer que o seu Sagrado Coração é o santo dos santos, que quis que fosse conhecido no presente para ser o mediador entre Deus e os homens, porque é todo-poderoso para fazer as suas pazes e para obter misericórdia. - Ele faz-nos entrar nesta fornalha de amor para aí nos purificar, como se purifica no cadinho». Encontramos portanto lá todos os biblioteca para a primeira etapa da perfeição, que é a purificação.
    O Coração de Jesus é, primeiro, um lugar de refúgio e de segurança contra os inimigos da salvação. «É preciso retirar-nos, diz Margarida Maria, para a chaga do Sagrado Coração, como um pobre viajante que procura um porto seguro onde se colocar ao abrigo dos escolhos e das tempestades do mar agitado do mundo, onde estamos expostos a um contínuo naufrágio. - O Coração adorável é um adorável retiro onde vivemos ao abrigo de todas as tormentas (Leão Dehon, OSP 4, p. 334s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, salva-nos, que perecemos!» (Mt 8, 25).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos

    S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos


    29 de Junho, 2022

    Desde o século III que a Liturgia une na mesma celebração as duas colunas da Igreja, Pedro e Paulo. Mestres inseparáveis de fé e de inspiração cristã pela sua autoridade, simbolizam todo o Colégio Apostólico. Pedro era natural de Betsaida, onde exercia a profissão de pescador. Jesus chamou-o e confiou-lhe a missão de guiar e confirmar os irmãos na fé. É uma das primeiras testemunhas de Jesus ressuscitado e, como arauto do Evangelho, toma consciência da necessidade de abrir a Igreja aos gentios (At 10-11). Paulo de Tarso, perseguidor acérrimo da Igreja, converte-se no caminho de Damasco. A partir daí, a sua vivacidade e brilhantismo são postos ao serviço do Evangelho. Fortemente apaixonado por Cristo, percorre o Mediterrâneo para anunciar o Evangelho da salvação, especialmente aos pagãos. Depois de terem sofrido toda a espécie de perseguições, ambos são martirizados em Roma. Regando com o seu sangue o mesmo terreno, "plantaram" a Igreja de Deus.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos, 12, 1-11

    Naqueles dias, o rei Herodes maltratou alguns membros da Igreja. 2Mandou matar à espada Tiago, irmão de João, 3e, vendo que tal procedimento agradara aos judeus, mandou também prender Pedro. Decorriam os dias dos Ázimos. 4Depois de o mandar prender, meteu-o na prisão, entregando-o à guarda de quatro piquetes, de quatro soldados cada um, na intenção de o fazer comparecer perante o povo, a seguir à Páscoa. 5Enquanto Pedro estava encerrado na prisão, a Igreja orava a Deus, instantemente, por ele. 6Na noite anterior ao dia em que Herodes contava fazê-lo comparecer, Pedro estava a dormir entre dois soldados, bem preso por duas correntes, e diante da porta estavam sentinelas de guarda à prisão. 7De repente, apareceu o Anjo do Senhor e a masmorra foi inundada de luz. O anjo despertou Pedro, tocando-lhe no lado e disse-lhe: «Ergue-te depressa!» E as correntes caíram-lhe das mãos. 8O anjo prosseguiu: «Põe o cinto e calça as sandálias.» Pedro assim fez. Depois, disse-lhe: «Cobre-te com a capa e segue-me.» 9Pedro saiu e seguiu-o. Não se dava conta da realidade da intervenção do anjo, pois julgava que era uma visão. 10Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da guarda, chegaram à porta de ferro que dá para a cidade, a qual se abriu por si mesma. Saíram, avançando por uma rua, e logo o anjo se retirou de junto dele. 11Pedro, voltando a si, exclamou: «Agora sei que o Senhor enviou o seu anjo e me arrancou das mãos de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava.»

    Pelos anos 41-44 da nossa era, reinava na Judeia Herodes Agripa, que moveu uma perseguição contra a Igreja. Foi por essa ocasião que Pedro foi preso, durante a páscoa hebraica, e teria a mesma sorte de Jesus, se Deus não tivesse intervindo com um milagre (vv. 1-4) : um anjo libertou Pedro da morte certa. Tal fato deixou os cristãos espantados e admirados com a benevolência de Deus. No evento foi importante a oração da Igreja, compenetrada da importância única da missão de Pedro. Mais tarde, também S. Paulo recuperará, de modo idêntico, a sua liberdade (At 16, 25-34).

    Segunda leitura: 2 Timóteo 4, 6

    Caríssimo, eu já estou pronto para oferecer-me como sacrifício; avizinha-se o tempo da minha libertação. 7Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. 8A partir de agora, já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz, e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda. 17O Senhor, porém, esteve comigo e deu-me forças, a fim de que, por meu intermédio, o anúncio fosse plenamente proclamado e todos os gentios o escutassem. Assim fui arrebatado da boca do leão. 18O Senhor me livrará de todo o mal e me levará a salvo para o seu Reino celeste. A Ele, a glória, pelos séculos dos séculos. Ámen!

    Este texto apresenta-nos o que podemos chamar o testamento de Paulo. O Apóstolo pressente próxima a sua morte e dá-nos a conhecer o seu estado de espírito: sente-se só e abandonado pelos irmãos, mas não vítima, porque a sua consciência está tranquila e o Senhor está com ele. Guardou a fé e cumpriu a sua vocação missionária com fidelidade. Compara-se à libação derramada sobre as vítimas nos sacrifícios antigos. Quer morrer como viveu, isto é, como verdadeiro lutador, uma vez que se entregou a Deus e aos irmãos. A vitória é certa! As suas palavras são já um cântico de vitória, porque está próximo o seu encontro com Cristo Ressuscitado.

    Evangelho: Mateus 16, 13-19

    Naquele tempo, Jesus ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?»  14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.» 15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.»17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela.19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»

    O nosso texto evangélico de hoje consta de duas partes: a resposta de Pedro acerca da messianidade de Jesus, Filho de Deus (vv. 13-16) e a promessa do primado que Jesus confere a Pedro (vv. 17-19). O povo reconhecia Jesus como um profeta. Mas os Doze têm uma opinião muito própria, que é expressa por Pedro: Jesus é o Messias, o Filho de Deus (cf. v. 16). Essa opinião, mais do que baseada na experiência que tinham de Jesus, era fruto da ação do Espírito neles: "não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu." (v. 17). Por causa desta confissão, Pedro será a rocha sobre a qual Cristo edificará a sua Igreja. A Pedro e aos seus sucessores é confiada a missão de serem o fundamento visível da realidade invisível que é Cristo Ressuscitado. O poder de ligar e desligar, expresso na metáfora das chaves, indica a autoridade sobre a Igreja.

    Meditatio

    Celebrar os Apóstolos Pedro e Paulo é um testemunho de fé na Igreja "una, santa, católica, apostólica". Pedro é, efetivamente, a pedra que se apoia diretamente sobre a pedra angular que é Cristo. Pedro, e Paulo são os últimos elos de uma corrente que nos liga a Jesus. Celebrando Pedro e Paulo celebramos os "fundadores" da nossa fé, os genearcas do povo cristão. Ambos foram martirizados em Roma, na perseguição de Nero, por volta do ano 64 d. C.
    O Novo Testamento permite-nos reconstruir, o itinerário da vida dos dois apóstolos e dar-nos conta da gratuidade da escolha divina. Pedro era um pescador da Galileia. Passava os dias no lago de Tiberíade, com o seu pai Jonas e com o seu irmão André. O seu trabalho consistia em lançar as redes, esperar, retirá-las e, depois, à tarde, remendá-las, sentado na margem.
    Foi aí que, uma tarde, quando lançava as redes para uma última pescaria, ouviu, com o seu irmão, o chamamento de Jesus que passava: "Segui-me; farei de vós pescadores de homens" (Mc 1, 17). Começou, assim, a sua extraordinária aventura; seguiu o Mestre da Galileia para a Judeia; daí, depois da morte de Jesus, percorreu a Palestina, até se mudar para Antioquia e, daí, chegou finalmente a Roma.
    Em Roma animou a fé dos crentes, esteve preso, e foi morto no Vaticano, onde ficou para sempre, não só com o seu túmulo, mas também com o seu mandato: ficou naqueles que lhe sucederam naquela que os cristãos chamaram sempre "a cátedra de Pedro", até ao papa que hoje governa a Igreja. Nele, Pedro continua a ser "a rocha", sobre a qual Cristo continua a edificar a sua Igreja, o sinal da unidade para "aqueles que invocam o nome do Senhor". Não muito longe de Pedro, repousa Paulo que, de perseguidor, se tornou o Apóstolo dos Gentios, o missionário ardoroso do Evangelho. O seu martírio revelou a substância da sua fé. A evangelização das duas colunas da Igreja apoia-se, não sobre uma mensagem intelectual, mas sobre uma praxis profunda, sofrida e testemunhada com a palavra de Jesus.
    O lugar de Pedro e dos seus sucessores não é um cargo honorífico ou uma recompensa de méritos. É um serviço, o serviço de apascentar as ovelhas do Senhor: "Apascenta as minhas ovelhas", disse Jesus (Jo 21, 15ss). Com o dever de dar testemunho d´Ele, Jesus confiou a Pedro a sua própria missão de Servo e Pastor. Testemunha de Cristo, pastor e servo dos crentes são prerrogativas que, de Cristo passaram a Pedro e, de Pedro, aos seus sucessores, os bispos de Roma
    Rezemos pelo Santo Padre, sucessor de Pedro, para que Ele, que o confiou uma tal missão, o ilumine e o torne, cada vez mais, capaz de confirmar na fé os seus irmãos. Escreve o P. Dehon: "Para mim, o Papa é como Cristo na terra. Devo honrá-lo, amá-lo, obedecer-lhe... Os amigos do Coração de Jesus são amigos de Pedro." (Leão Dehon, OSP 3, p. 705).

    Oratio

    Senhor, vós nos concedeis a alegria de celebrar hoje a festa dos santos apóstolos Pedro e Paulo: Pedro, que foi o primeiro a confessar a fé em Cristo, e Paulo, que a ilustrou com a sua doutrina; Pedro, que estabeleceu a Igreja nascente entre os filhos de Israel, e Paulo que anunciou o Evangelho a todos os povos; ambos trabalharam, cada um segundo a sua graça, para formar a única família de Cristo; agora, associados na mesma coroa de glória, recebem do povo fiel a mesma veneração. Por isso, vos damos graças e proclamamos a vossa glória. Ámen. (cf. Prefácio da Missa).

    Contemplatio

    Pedro é o continuador de Cristo, o substituto, o vigário de Cristo. É de certo modo o Cristo velado, como na Eucaristia. O seu ensino é o de Cristo. É o instrumento do Coração de Jesus... Nosso Senhor prometeu antecipadamente a Pedro a sua primazia, que é a continuação do poder de Cristo: «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as potências do inferno não prevalecerão contra ela» (Mt 16, 18). «Dar-te-ei as chaves do reino dos céus: tudo o que ligares será ligado e tudo o que desligares será desligado» (Mt 16, 19). «Quando fores convertido, confirmarás os teus irmãos» (Lc 22, 32). Quando chegou o dia, Nosso Senhor realizou a sua promessa. Transmitiu a Pedro a sua autoridade de pastor: «Pedro, porque me amas muito, porque me amas mais do que os outros, apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas». Pedro, pastor supremo da Igreja, é depositário e administrador de todos os dons do Coração de Jesus. Preside à administração dos sacramentos... Abre e fecha o tesouro do Coração de Jesus. Que respeito, que obediência devo a Pedro e aos seus sucessores! (Leão Dehon, OSP 3, p. 704s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O Senhor, porém, esteve comigo e deu-me forças" (2 Tm 4, 17).

    ----
    S. Pedro e S. Paulo, Apóstolos (29 Junho)

    XIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    29 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Amós 5, 14-15. 21-24

    14Buscai o bem e não o mal, para que vivais, e o Senhor, Deus do universo, estará convosco, como vós dizeis. 15Detestai o mal, amai o bem, fazei reinar a justiça no tribunal. Talvez, então, o Senhor, Deus do universo, tenha compaixão do resto de José.» 21«Eu detesto e rejeito as vossas festas; e não sinto nenhum gosto nas vossas assembleias. 22Se me ofereceis holocaustos e oblações, não as aceito, nem ponho os meus olhos nos sacrifícios das vossas vítimas gordas. 23Afastai de mim o vozear dos vossos cânticos, não quero ouvir mais a música das vossas harpas. 24Antes, jorre a equidade como uma fonte, e a justiça como torrente que não seca.

    Tal como a eleição e os privilégios estavam sujeitos a condições, nomeadamente à fidelidade à aliança, também agora, o juízo condenatório de Javé, e os inerentes castigos, estão sujeitos à resposta de Israel. Se se obstinar na sua malícia, não poderá fugir ao castigo; mas se buscar o Senhor, viverá (cf. 5, 6). Ora, buscar a Deus é «detestar o mal e amar o bem, restabelecer a justiça no tribunal» (v. 15). Se buscarem a Deus, hão-de viver, porque Deus é o princípio de toda a existência. «Detestar o mal, amar o bem», permite viver na presença do Senhor. Sem justiça, não há culto que agrade a Deus, que o torne presente ao seu povo. O culto sem justiça é um culto sem verdade. É mentira e hipocrisia, que não só não agrada, mas ofende ao Senhor. Os sacrifícios agradam a Deus, quando os que os oferecem respeitam a equidade e a justiça.

    Evangelho: Mateus 8, 28-34

    Naquele tempo, 28quando Jesus chegou à outra margem, à região dos gadarenos, vieram ao seu encontro dois possessos, que habitavam nos sepulcros. Eram tão ferozes que ninguém podia passar por aquele caminho. 29Vendo-o, disseram em alta voz: «Que tens a ver connosco, Filho de Deus? Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?» 30Ora, andava a pouca distância dali, a pastar, uma grande vara de porcos. 31E os demónios pediram-lhe: «Se nos expulsas, manda-nos para a vara de porcos.» 32Disse-lhes Jesus: «Ide!» Então, eles, saindo, entraram nos porcos, que se despenharam por um precipício, no mar, e morreram nas águas. 33Os guardas fugiram e, indo à cidade, contaram tudo o que se tinha passado com os possessos. 34Toda a cidade saiu ao encontro de Jesus e, vendo-o, rogaram-lhe que se retirasse daquela região.

    Mais uma vez, Mateus retoma uma história do Evangelho de Marcos (Mc 5, 1-20), contando-a de modo mais sintético. Por exemplo, ao falar dos porcos, refere uma grande vara, e não de cerca de dois mil porcos, como diz Marcos (5, 2ss.). Mas também amplia pormenores. Por exemplo, em vez de um possesso, como faz Marcos, fala de dois.
    Fundamentalmente, a cena pretende descrever um encontro de Jesus com os pagãos, dominados pelas forças do mal, como já aconteceu no episódio do centurião (Mt 8, 1-17). Mas, enquanto o centurião acreditou e aceitou Jesus, os habitantes de Gádara não crêem e rejeitam-no.
    A imagem dos «sepulcros», a força de Jesus diante dos demónios e a sua «fraqueza» diante dos homens faz desta cena o claro reflexo de uma meditação sobre a paixão, incluindo a rejeição pelos homens, bem expressa no pedido dos gadarenos para que Jesus se retire da sua cidade. A expressão «antes do tempo» (v. 29) também indica a relação desta cena com a paixão, quando Jesus, ainda que expulso da cidade santa, irá vencer sobre a força negativa da morte, da dispersão da Igreja, abrindo passagem para que fosse possível «passar por aquele caminho» (v. 28). O poder de Jesus só se revela no mistério insondável da cruz.

    Meditatio

    A tendência para separar o culto da vida é bastante espontânea. Facilmente se organizam belas festas, pensando que elas agradam a Deus, enquanto se vive de modo egoísta, procurando obter proveito mesmo à custa dos outros, da verdade e da justiça. Os profetas nunca aceitaram esta separação entre o culto e vida real. Deus exige coerência entre o culto e a vida. Na primeira leitura, Amós denúncia o culto meramente exterior, sem coerência de vida. Proclama Amós, fazendo-se arauto de Deus: «Detesto e rejeito as vossas festas; e não sinto nenhum gosto nas vossas assembleias... Antes, jorre a equidade como uma fonte, e a justiça como torrente que não seca» (vv. 22.24). Isaías e Jeremias vão na mesma linha. O culto que Deus exige de nós é uma vida em consonância com a sua vontade, com a sua justiça, com a sua generosidade. Se assim não for, de nada servem cerimónias pomposas: «Afastai de mim o vozear dos vossos cânticos, não quero ouvir mais a música das vossas harpas» (v. 23). O importante é buscar «o bem e não o mal» (v. 14).
    Também o culto cristão não se pode limitar "a assistir" passivamente à Eucaristia, ou a participar em qualquer outra celebração religiosa. O cristão há-de participar na celebração da Eucaristia acolhendo o dinamismo posto em acção por Jesus na Última Ceia: «Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13, 1). A Eucaristia encerra um extraordinário dinamismo de amor. Não faz sentido ir à missa sem se deixar envolver por esse dinamismo, sem, como Jesus, nos pormos generosa e humildemente ao serviço dos outros. Celebrar a Eucaristia é pôr-se ao serviço de Deus, para que Ele nos ponha ao serviço dos irmãos. Não se trata de imolar animais, como nos sacrifícios que Amós criticava, mas de se imolar a si mesmo ao serviço de Deus e ao serviço do próximo. «Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Seja este o vosso verdadeiro culto, o espiritual» (Rm 12, 1).
    Admiramos a fé, a coragem e a extrema coerência de João Paulo II, que fez da sua vida uma eucaristia, um culto espiritual agradável a Deus, e ao serviço da humanidade. Mas também nos espantam tantos cristãos que, fascinados pela Eucaristia, vivem uma completa e sincera doação a Deus, no serviço às missões e aos mais carenciados dos homens. Será possível que esta sua fé, a mentalidade que dela deriva, o estilo de vida em tantas obras ao serviço dos mais pobres e marginalizados dos homens, não tenha influência sobre o desenvolvimento do mundo? Santos apóstolos, missionários, numerosos leigos cooperaram para o progresso de povos inteiros, não só como fundadores de escolas, hospitais, obras sociais, ensinando artes e ofícios, mas também dando Cristo como verdade, como amor, como perdão. É uma civilização do amor, uma civilização eucar&iac
    ute;stica que, centrada na liturgia e realmente vivida, transforma o homem a partir de dentro, "penetrado por aquele sopro de vida que provém de Cristo" (RH, 18).

    Oratio

    Senhor, faz-me compreender e praticar fielmente o culto que de verdade Te agrada. Que jamais eu viva na ilusão de Te satisfazer com gestos exteriores, aos quais não corresponda um verdadeiro compromisso de vida. Que eu saiba acolher o dinamismo de vida e de amor, que brota da Eucaristia, e que, unindo-me estreitamente ao teu Coração, me enche de alegria e me torna generoso com os irmãos. Perdoa se me agitei inutilmente com o rumor dos cânticos, se te expulsei dos meus territórios. Dirige-me, mais uma vez, a tua palavra de verdade. Derrama sobre mim o teu Espírito, que ilumine a minha oração, inspire a minha gratidão e o meu culto, para que viva na justiça e na paz. Amen.

    Contemplatio

    A inocência e a rectidão de coração são muitas vezes louvadas pela Escritura. «Job não teve semelhante, porque era simples e recto: Simplex et rectus (Job 1). Um homem simples segundo o espírito do Evangelho, é um homem que só tem uma opinião, que só quer Deus e que o procura pela via mais direita. A simplicidade, diz Cassiano, é um hábito da alma que a torna incapaz de qualquer duplicidade. Uma alma simples não procura conciliar Deus e o mundo. Procura fazer o que Deus quer, e é tudo. Que importa que os outros a considerem singular! Tobias parecia singular quando evitava o contacto com os idólatras e ia sozinho a Jerusalém prestar as suas homenagens ao verdadeiro Deus (Tob 1,6). Daniel parecia singular quando no meio de uma corte idólatra, se voltava três vezes por dia para o lado da cidade santa para oferecer as suas orações ao Senhor (Dan 6,10). Todavia, fora das coisas de necessidade e de regra, a simplicidade evita o extraordinário na vida exterior. Faz consistir a verdadeira santidade sobretudo nas virtudes interiores: a doçura, a paciência, a mortificação.
    Parece que os maiores santos amaram menos a prudência da serpente do que a simplicidade da pomba. «Não sei, dizia S. Francisco de Sales, o que me fez esta virtude da prudência: tenho dificuldade em amá-la, e se a amo é apenas por força e por necessidade; sim, as pombas parecem-me mais amáveis, e daria cem serpentes por uma pomba». S. Francisco de Sales tinha eminentemente o espírito de infância tão recomendado por Nosso Senhor aos seus apóstolos (Leão Dehon, OSP 3, p. 47s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jorre a equidade como uma fonte, e a justiça como torrente» (Am 5, 24).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XIII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    30 de Junho, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    XIII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Amós 7, 10-17

    Naqueles dias, 10Amacias, sacerdote de Betel, mandou dizer a Jeroboão, rei de Israel: «Amós conspira contra ti, no meio da casa de Israel. A terra não pode suportar mais os seus oráculos. 11Pois Amós disse o seguinte: 'Jeroboão morrerá pela espada e Israel será deportado para longe da sua terra.'» 12Amacias disse, então, a Amós: «Sai daqui, vidente, foge para a terra de Judá e come lá o teu pão, profetizando. 13Mas não continues a profetizar em Betel, porque aqui é o santuário do rei e o templo do reino.» 14Amós respondeu a Amacias: «Eu não era profeta, nem filho de profeta. Era pastor e cultivava frutos de sicómoros. 15O Senhor pegou em mim, quando eu andava atrás do meu rebanho, e disse-me: 'Vai, e profetiza ao meu povo de Israel'. 16Ouve, pois, agora, a palavra do Senhor: Tu dizes-me: 'Não profetizes contra Israel, nem profiras oráculos contra a casa de Isaac.' 17Por isso, diz o Senhor: 'A tua mulher será desonrada na cidade, os teus filhos e as tuas filhas cairão à espada, e a tua terra será repartida a cordel; tu morrerás numa terra impura, e Israel será levado cativo para longe da sua terra!'»

    A pregação de Amós tinha despertado as consciências adormecidas das classes dirigentes de Israel. Amasias, cansado das denúncias e ameaças do profeta, tenta liquidá-lo apresentando-o ao rei como simples conspirador da casa real e do estabelecimento do povo na terra prometida. Nada diz sobre os verdadeiros fundamentos das ameaças do homem de Deus, isto é, sobre o pecado e a necessidade de conversão. E, sem esperar pela palavra do rei, Amasias dá ordem de expulsão a Amós: «Sai daqui, vidente, foge para a terra de Judá e come lá o teu pão, profetizando» (v. 12). As palavras do sacerdotal de Betel são insultuosas, como se Amós andasse a servir-se da sua missão profética para sobreviver, como outros faziam em Israel. Por isso, responde com o testemunho de uma identidade legitimada e querida por Deus: «Eu não era profeta, nem filho de profeta... O Senhor pegou em mim, quando eu andava atrás do meu rebanho, e disse-me: 'Vai, e profetiza ao meu povo de Israel'» (vv. 14-15). Amós não é, pois, um qualquer ganha-pão profissional. Podia viver folgadamente do seu trabalho. Foi o Senhor que o tirou detrás do seu rebanho e o enviou a profetizar.

    Evangelho: Mateus 9, 1-8

    Naquele tempo, 1Jesus subiu para um barco, atravessou o mar e foi para a sua cidade. 2Apresentaram-lhe um paralítico, deitado num catre. Vendo Jesus a fé deles, disse ao paralítico: «Filho, tem confiança, os teus pecados estão perdoados.» 3Alguns doutores da Lei disseram consigo: «Este homem blasfema.» 4Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse-lhes: «Porque alimentais esses maus pensamentos nos vossos corações? 5Que é mais fácil dizer: 'Os teus pecados te são perdoados', ou: 'Levanta-te e anda'? 6Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder para perdoar pecados - disse Ele ao paralítico: 'Levanta-te, toma o teu catre e vai para tua casa.» 7E ele, levantando-se, foi para sua casa. 8Ao ver isto, a multidão ficou dominada pelo temor e glorificou a Deus, por ter dado tal poder aos homens.

    A cura do paralítico é-nos contada pelos três Sinópticos. Como em outros casos, também aqui Marcos está por detrás dos relatos de Mateus e de Lucas. Mateus, mais uma vez, estiliza a cena, reduzindo-a ao essencial. A chave para descobrirmos a intenção do evangelista está nas palavras: «Vendo Jesus a fé deles, disse ao paralítico: «Filho, tem confiança, os teus pecados estão perdoados» (v. 2). Jesus tem poder para perdoar os pecados. A cura do paralítico prova-o. Mas Jesus dá outra prova desse poder: sabe o que os escribas estavam a pensar, sem que ninguém lho tivesse dito. Por conseguinte, Jesus tem um poder sobre-humano, sobrenatural, concedido pelo Espírito. E assim se revela a sua dignidade única e se justifica o seu poder único, que Lhe permite perdoar pecados. A multidão compreende e dá glória a Deus «por ter dado tal poder aos homens» (v. 8).
    O poder Jesus para perdoar pecados foi comunicado à Igreja e, dentro da Igreja, aos homens escolhidos por Ele para desempenharem directamente a missão do perdão. O poder de perdoar os pecados é inseparável da pessoa de Jesus e da sua Igreja.

    Meditatio

    Amós anunciava catástrofes terríveis. As suas palavras não eram agradáveis de ouvir. Predizia a ruína de Israel, a morte de Jeroboão, o exílio do povo. Por isso, foi considerado um adversário político da casa de Jeroboão e, por conseguinte, "aconselhado" a ir-se embora. O sacerdote de Betel disse-lhe: «Sai daqui, vidente, foge para a terra de Judá e come lá o teu pão, profetizando. Mas não continues a profetizar em Betel, porque aqui é o santuário do rei e o templo do reino» (vv. 12-13). Ao anunciar os castigos de Deus, o profeta Amós é considerado um homem politicamente perigoso. Por isso, é mandado para o exílio. O mesmo acontece com Jeremias: quando anuncia a queda de Jerusalém, a destruição do templo, é considerado um derrotista, um homem politicamente suspeito, sendo preso e ameaçado de condenação à morte. E assim se calam os profetas, na ilusão de que, uma vez silenciados, não se concretizem as ameaças anunciadas. Mas, quem assim pensa e faz, só acrescenta pecado ao pecado, atraindo um castigo maior. Por isso, a melhor atitude é tomar a sério as palavras dos enviados de Deus, convertendo-se. Foi a atitude do rei e da povoação de Nínive, quando Jonas lá foi pregar: «Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, ordenaram um jejum e vestiram-se de saco, do maior ao menor» (Jn 3, 5). Os ninivitas procuraram remédio eficaz contra os perigos anunciados pelo profeta. Assim, «Deus viu as suas obras, como se convertiam do seu mau caminho, e, arrependendo-se do mal que tinha resolvido fazer-lhes, não lho fez» (Jn 3, 10). Também nós podemos tomar uma das duas atitudes, quando escutamos qualquer aviso da parte de Deus, através de um homem de Deus, de uma leitura ou de um acontecimento. Ignorar a mensagem pode ser uma atitude fácil. Mais fácil ainda pode ser criticar os pastores da Igreja ou os superiores que no-las comunicam. Mas a melhor e mais útil atitude será acolher a graça da conversão. Quando o Senhor nos quer purificar, faz-nos chegar diferentes formas de aviso. Nesses casos, convém tomar a sério o salmo: «Hoje, se escutardes a sua voz, não endureçais os vossos corações» (Sl 95, 7-8). Os avisos de Deus são inspirados pelo seu amor para connosco. Quer que nos convertamos para nos conduzir à vida em plenitude.
    O perdão do pecado, plasticamente realizado na cura do paralítico, significa o poder do Filho do homem na terra, que in
    augura uma nova criatura, um novo povo, novos céus e nova terra. Mas tudo passa pelo acolhimento do convite à conversão: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15).
    Também na vida do religioso há sempre a necessidade da renovada conversão, proposta na catequese apostólica. Os Apóstolos falam de conversão a cristãos que já têm experiência de uma prolongada permanência na Igreja... Pode ser o nosso caso. Há muito que somos cristãos. Há muito que somos consagrados. Mas «primado do amor exige uma conversão permanente» (Cst 95). Jamais estaremos completamente mortos para o «homem velho» e revestidos do «homem novo» (cf. Ef 4, 22-23). Quantas vezes, temos de fazer nossa a súplica que se inspira na oração do velho Tobias: «Converte-me, Senhor, e converter-me-ei a Ti» (cf. Tb 13, 6). Se lermos as sete cartas aos sete bispos das igrejas da Ásia Menor (cf. Apoc 2-3) recolhemos esta preocupação de fundo: acordar o primitivo fervor, porque chegou um período do cansaço, da má doença da habituação; pende sobre nós o risco da tibieza. É o Espírito de Jesus que fala. Há que escutá-lo!

    Oratio

    Senhor Jesus, como é forte e pura a tua palavra: quem pode resistir-lhe? Como é grande o teu amor por nós: quem pode acolhê-lo compreendê-lo totalmente, e corresponder-lhe em plenitude? Pai santo, a tua misericórdia continua a parecer-nos fraqueza e o teu juízo, demasiado duro. Manda-nos o teu Espírito, para que possamos corresponder ao teu amor, dando-lhe o primeiro lugar na nossa vida. Que Ele nos ilumine, para que saibamos acolher a nossa responsabilidade no teu juízo e a nossa fragilidade no teu perdão. Assim poderemos dar-te graças e louvar-te pelas bênçãos com que, permanentemente, nos cumulas. Amen.

    Contemplatio

    O reino de Deus sobre a terra realiza-se pela penitência e pelo perdão dos pecados. - «Fazei penitência, pregava João Baptista, porque o reino dos céus está próximo». - Isaías tinha dito: «Preparai o caminho do Senhor, endireitai diante dele as suas veredas; enchei os vales, abaixai as montanhas, aplanai as vias; então todo o homem verá a salvação que vem de Deus». - Todo o país de Judeia, todos os habitantes de Jerusalém e todas as regiões vizinhas do Jordão, vinham ter com João Baptista, confessando os seus pecados, e baptizava-os no rio.
    Esta pregação e este baptismo preparavam e figuravam o reino da misericórdia, o tempo em que os pecados seriam remetidos facilmente, seja pelo baptismo, seja pela penitência. (Leão Dehon, OSP 4, p. 218).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Filho, tem confiança, os teus pecados estão perdoados» (Mc 9, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

plugins premium WordPress