03º Domingo do Tempo Comum – Ano C [atualizado]
26 de Janeiro, 2025
ANO C
3.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 3.º Domingo do Tempo Comum
A liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre a Palavra de Deus: ela é o centro à volta do qual se articula e se constrói a comunidade de Deus. Essa Palavra não é uma doutrina abstrata, para deleite dos eruditos; mas é, primordialmente, um anúncio libertador que Deus dirige a todos os homens e que incarna em Jesus e nos cristãos.
A primeira leitura descreve-nos uma magnífica “liturgia da Palavra”, celebrada em Jerusalém quase cem anos após o regresso dos primeiros exilados na Babilónia. A “assembleia de Deus”, reunida à volta da Palavra, escuta as indicações de Deus, deixa-se questionar por elas, sente o apelo à conversão que a Palavra lhe traz… Depois, faz festa: o encontro com a Palavra de Deus é fonte de alegria e de esperança para toda a comunidade.
No Evangelho Jesus, no cenário da sinagoga de Nazaré, proclama a Palavra de Deus e atualiza-a. Ele, a Palavra feita “carne”, apresenta o “programa” que se propõe concretizar no mundo: libertar os seres humanos de tudo aquilo que os priva de vida e lhes rouba a dignidade. Com Jesus começa um tempo novo, um “jubileu” de alegria, de graça, de paz e de felicidade sem fim.
A segunda leitura apresenta a comunidade gerada e alimentada pela Palavra libertadora de Deus: é um “corpo” (o “corpo de Cristo”), formado por muitos membros, onde cada membro trabalha em prol do projeto comum e põe ao serviço de todos os dons que Deus lhe confiou.
LEITURA I – Neemias 8,2-4a.5-6.8-10
Naqueles dias,
o sacerdote Esdras trouxe o Livro da Lei
perante a assembleia de homens e mulheres
e todos os que eram capazes de compreender.
Era o primeiro dia do sétimo mês.
Desde a aurora até ao meio dia,
fez a leitura do Livro,
no largo situado diante da Porta das Águas,
diante dos homens e mulheres
e todos os que eram capazes de compreender.
Todo o povo ouvia atentamente a leitura do Livro da Lei.
O escriba Esdras estava de pé
num estrado de madeira feito de propósito.
Estando assim em plano superior a todo o povo,
Esdras abriu o Livro à vista de todos;
e quando o abriu, todos se levantaram.
Então Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus,
e todos responderam, erguendo as mãos:
«Amen! Amen!».
E prostrando-se de rosto por terra, adoraram o Senhor.
Os levitas liam, clara e distintamente, o Livro da Lei de Deus
e explicavam o seu sentido,
de maneira que se pudesse compreender a leitura.
Então o governador Neemias,
o sacerdote e escriba Esdras,
bem como os levitas, que ensinavam o povo,
disseram a todo o povo:
«Hoje é um dia consagrado ao Senhor vosso Deus.
Não vos entristeçais nem choreis».
– Porque todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei –.
Depois Neemias acrescentou:
«Ide para vossas casas,
comei uma boa refeição, tomai bebidas doces
e reparti com aqueles que não têm nada preparado.
Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor;
portanto, não vos entristeçais,
porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».
CONTEXTO
Inicialmente, os 13 capítulos que constituem o Livro de Neemias e os dez capítulos que constituem o livro de Esdras formavam uma unidade (estavam reunidos sob o título geral “Esdras”). Já na época cristã todo esse material apareceu dividido em duas partes: o livro de Esdras e o livro de Neemias. Não são claras as razões da divisão do livro inicial em dois textos autónomos.
Os livros de Esdras e de Neemias situam-nos em Jerusalém, na época pós-exílica. Referem-se a acontecimentos que vão desde o édito de Ciro, em 538 a.C. (o édito que autorizou o regresso a Jerusalém dos exilados judeus na Babilónia – cf. Esd 1,1-4), até inícios do séc. IV a.C (por volta de 400 a.C.). Os grandes temas abordados nestes livros são o regresso dos exilados, a reconstrução de Jerusalém e do Templo, a restauração da nação judaica após os anos dramáticos do Exílio.
Para os judeus que retornaram a Jerusalém, é uma época de miséria e desolação: Jerusalém está sem muralhas e sem portas; a pobreza de meios torna a reconstrução da cidade lenta e penosa; os inimigos de Judá espreitam e conspiram, procurando impedir o ressurgimento da nação judaica…
O sacerdote e escriba Esdras liderou um grupo de exilados (sacerdotes, levitas, porteiros, cantores) que, por volta de 457 a.C., retornaram a Jerusalém (cf. Esd 7-8). A missão de Esdras consistia prioritariamente em reorganizar a comunidade em volta do Templo e da Lei de Deus.
Neemias, por sua vez, era um alto funcionário judeu na corte de Susa, que veio para Jerusalém por volta do ano 445 a.C., autorizado pelo rei persa Artaxerxes (cf. Ne 1-7). O seu objetivo prioritário era a reconstrução das muralhas da cidade (cf. Ne 3-4). Tratou também de pôr cobro às injustiças cometidas pelos ricos contra os mais pobres (cf. Ne 5) e de restaurar o culto (cf. Ne 8-10).
É neste contexto de preocupação com a restauração do culto que podemos situar o trecho que nos é proposto como primeira leitura neste terceiro domingo comum.
MENSAGEM
Quase cem anos após o regresso dos primeiros retornados do Exílio na Babilónia, a vida em Jerusalém continua desordenada e precária. Não é só a estrutura social que precisa de ser refeita; também a fé do Povo precisa de ser revitalizada: a Lei de Deus está esquecida, o culto está desorganizado, os compromissos que Judá tem com Deus são letra morta… Judá precisa de voltar à órbita da “aliança” e de reorganizar a existência à volta de Deus.
Nesse sentido, os líderes do povo – Neemias, o governador e Esdras, o sacerdote – convocam a comunidade para escutar, em leitura pública realizada na “praça que fica diante da Porta das Águas”, o “livro da Lei de Moisés” (Ne 8,1). Não se sabe qual é o “livro” designado nestes termos. Alguns veem nele o “livro da Lei” encontrado no Templo na época do rei Josias (cf. 2Rs 22,8-13), e que corresponde ao nosso livro do Deuteronómio; outros, contudo, consideram que se trata de uma versão abreviada do atual Pentateuco. Seja como for, é montado o cenário para uma solene “festa da Palavra” que ajude o Povo a retomar contacto com a Palavra de Deus e a recordar os compromissos que assumiu com o seu Deus, mas que, entretanto, esquecera.
A comunidade reúne-se, portanto, para escutar a leitura da Palavra de Deus. A leitura prolonga-se “desde a aurora até ao meio dia”. Estão presentes todos os membros da comunidade: os homens, as mulheres e as crianças em idade “de compreender” (vers. 2). O Povo de Deus é uma comunidade que se reúne à volta da Palavra e que vive da escuta da Palavra de Deus. A Palavra de Deus a todos questiona, a todos interpela, a todos orienta, a todos indica caminhos.
A proclamação da Palavra faz-se “num estrado de madeira feito de propósito” (vers. 4). O leitor está num “plano superior a todo o povo”, dominando a assembleia, para que todos sintam a autoridade da Palavra proclamada e a possam escutar sem obstáculos.
O livro é aberto com toda a solenidade pelo sacerdote Esdras e o Povo levanta-se para escutar a Palavra. Depois de o sacerdote bendizer o Senhor, o Povo aclama: “Amen, Amen”, manifestando a sua adesão à bendição feita. Depois, todos se inclinam com a face por terra e adoram o Senhor, presente no meio da comunidade através da sua Palavra (vers. 6). Os levitas leem a Palavra “clara e distintamente” e explicam o seu sentido, de maneira que todos possam “compreender a leitura” (vers. 8). Todo este cenário sugere a centralidade da Palavra na vida daquela comunidade e a reverência que a comunidade do Povo de Deus deve sentir diante da Palavra.
Finalmente, temos a resposta da comunidade à Palavra proclamada: “todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei” (vers. 9). A escuta da Palavra leva ao questionamento da forma como se vive, das ações que se praticam, das opções que se fazem; e, ao constatar a forma como a vida está distante das exigências de Deus, o Povo manifesta a sua tristeza com o choro. Esse choro, contudo, não é mau: é fruto do arrependimento que leva à conversão. A Palavra é eficaz e leva à transformação da vida.
Finalmente, tudo termina numa grande festa: o dia “consagrado ao Senhor” é um dia de alegria para a comunidade que se alimenta da Palavra.
INTERPELAÇÕES
- No século V a.C., Neemias e Esdras sentiram que a escuta da Palavra de Deus poderia ajudar o povo de Judá a encarar a vida de uma forma mais comprometida, mais verdadeira, mais exigente, mais sã. Aquela comunidade com deficit de horizontes, de perspetivas e de esperança, precisava de se reencontrar com Deus e com os desafios de Deus para construir uma existência feliz e com sentido. Não estaremos hoje, em pleno séc. XXI, em circunstâncias análogas? A Palavra de Deus não poderia ajudar o homem contemporâneo a superar o desnorte, a falta de perspetivas, as contradições que pontuam o caminho que vamos percorrendo na história? Como é que os homens e mulheres do nosso tempo veem a Palavra de Deus: como algo anacrónico, desfasado da nossa realidade, ou como algo que pode orientar-nos no caminho que conduz à vida e à felicidade? O que poderemos fazer para que a Palavra de Deus seja hoje escutada e considerada?
- No cenário preparado por Neemias e Esdras para o “reencontro” de Judá com a Palavra, percebe-se claramente a centralidade da Palavra de Deus na vida daquela comunidade de fé. O Povo de Deus constrói-se e articula-se à volta da Palavra de Deus; é uma comunidade que vive da escuta e do acolhimento da Palavra. Não é possível pertencer à comunidade de Deus se a Palavra de Deus não estiver no centro da nossa experiência de fé. Que lugar ocupa a Palavra de Deus na vida de cada um de nós? Que lugar tem a Palavra de Deus na vida das nossas comunidades cristãs? A Palavra é o centro à volta do qual tudo se articula? Encontramos espaço para ler, para refletir, para partilhar a Palavra? Sentimos necessidade de nos encontrarmos ao domingo, o “dia do Senhor”, para escutar e refletir comunitariamente a Palavra?
- Nas nossas comunidades cristãs há pessoas que estão especialmente ao serviço da Palavra de Deus: leitores, salmistas, pregadores, catequistas, diáconos, presbíteros… Enquanto “servidores da Palavra”, eles têm uma responsabilidade especial. Por eles passa a obrigação de proclamar a Palavra de Deus de uma forma que todos a ouçam e que todos a compreendam. Se isso não acontecer, estarão a defraudar a Palavra de Deus e a comunidade que se dispõe a escutá-la. Aqueles a quem é confiada a missão de proclamar a Palavra, preparam convenientemente o ambiente e os meios que ajudam à escuta? Proclamam a Palavra clara e distintamente, sem gestos teatrais desnecessários? Refletem a Palavra e explicam-na de forma acessível, de forma que ela toque a assembleia que escuta? Têm a preocupação de adaptá-la à vida?
- O Povo reunido por Neemias e Esdras para escutar a Palavra de Deus compareceu em massa e acolheu a proclamação da Palavra com respeito e interesse. Escutou, interiorizou e deixou-se questionar pela Palavra escutada. “Levou a sério” aquele encontro com a Palavra de Deus. Abraçou aquela oportunidade para se alimentar da Palavra de Deus. Nas nossas assembleias comunitárias, a Palavra é acolhida com veneração e respeito? Durante a proclamação da Palavra escutamo-la atentamente, ou aproveitamos aquele espaço para fazer as nossas devoções pessoais ou para “viajar” pelos nossos interesses e problemas?
- Depois de escutar a proclamação da Palavra de Deus, os habitantes de Jerusalém choraram. Esse choro resultou da tristeza que sentiram ao perceberem que as suas vidas não estavam em consonância com as propostas de Deus. A constatação dos nossos limites e fragilidades é sempre o primeiro passo para a conversão. A escuta da Palavra de Deus deve levar-nos a mudar a nossa forma de pensar, de agir, de viver; deve questionar os valores que presidem à nossa vida e levar-nos a viver de forma mais coerente e consequente. É isso que acontece? A escuta da Palavra transforma a nossa forma de viver, ou deixa tudo como sempre foi?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 18 B (19)
Refrão: As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida.
A lei do Senhor É perfeita,
ela reconforta a alma;
as ordens do Senhor são firmes,
dão sabedoria aos simples.
Os preceitos do Senhor são retos
e alegram o coração;
os mandamentos do Senhor são claros
e iluminam os olhos.
O temor do Senhor é puro
e permanece eternamente;
os juízos do Senhor são verdadeiros,
todos eles são retos.
Aceitai as palavras da minha boca
e os pensamentos do meu coração
estejam na vossa presença:
Vós, Senhor, sois o meu amparo e redentor.
LEITURA II – 1 Coríntios 12,12-30
Irmãos:
Assim como o corpo é um só e tem muitos membros,
e todos os membros do corpo, apesar de numerosos,
constituem um só corpo,
assim sucede também em Cristo.
Na verdade, todos nós
– judeus e gregos, escravos e homens livres –
fomos batizados num só Espírito
para constituirmos um só corpo
e a todos nos foi dado a beber um só Espírito.
De facto, o corpo não é constituído por um só membro,
mas por muitos.
Se o pé dissesse:
«Uma vez que não sou mão, não pertenço ao corpo»,
nem por isso deixaria de fazer parte do corpo.
E se a orelha dissesse:
«Uma vez que não sou olho, não pertenço ao corpo»,
nem por isso deixaria de fazer parte do corpo.
Se o corpo inteiro fosse olho, onde estaria o ouvido?
Se todo ele fosse ouvido, onde estaria o olfato?
Mas Deus dispôs no corpo cada um dos membros,
segundo a sua vontade.
Se todo ele fosse um só membro, que seria do corpo?
Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo.
O olho não pode dizer à mão: «Não preciso de ti»;
nem a cabeça dizer aos pés: «Não preciso de vós».
Pelo contrário, os membros do corpo que parecem fracos
são os mais necessários;
os que nos parecem menos honrosos
cuidamo-los com maior consideração;
e os nossos membros menos decorosos
são tratados com maior decência:
os que são mais decorosos não precisam de tais cuidados.
Deus organizou o corpo,
dispensando maior consideração ao que dela precisa,
para que não haja divisão no corpo
e os membros tenham a mesma solicitude uns com os outros.
Deste modo, se um membro sofre,
todos os membros sofrem com ele;
se um membro é honrado,
todos os membros se alegram com ele.
Vós sois corpo de Cristo e seus membros,
cada um por sua parte.
Assim, Deus estabeleceu na Igreja
em primeiro lugar apóstolos,
em segundo lugar profetas, em terceiro doutores.
Vêm a seguir os dons dos milagres, das curas, da assistência,
de governar, de falar diversas línguas.
Serão todos apóstolos? Todos profetas? Todos doutores?
Todos farão milagres? Todos terão o poder de curar?
Todos falarão línguas? Todos terão o dom de as interpretar?
CONTEXTO
A comunidade cristã de Corinto, nascida do trabalho missionário de Paulo entre o outono do ano 50 e a primavera do ano 52, era viva, interessada e fervorosa; mas conhecia diversos problemas que resultavam, em grande parte, do ambiente social e cultural que se respirava na cidade. Em Corinto podiam notar-se bem os problemas que a proposta cristã teve de enfrentar ao encontrar-se com uma cultura diversa, como era o caso da cultura helénica.
Um dos problemas que afetava a vida da comunidade resultava de uma conceção errada dos “carismas” e da forma como estes deviam ser encarados em contexto comunitário. Paulo aborda esta questão nos capítulos na primeira Carta aos Coríntios, entre 12,1 e 14,40.
A palavra “carisma” designa dons especiais concedidos gratuitamente pelo Espírito a determinado indivíduo, destinados a responder às necessidades do mundo e, particularmente, à edificação da comunidade cristã. Nas cartas de Paulo fala-se insistentemente em “carismas” que animavam a vida e o dinamismo das comunidades cristãs.
A comunidade cristã de Corinto sentia-se especialmente agraciada por estes dons do Espírito. No entanto, os coríntios confundiam frequentemente os “carismas” com certos fenómenos de exaltação religiosa bastante comuns na religião grega tradicional. Paulo sente-se na obrigação de dizer aos cristãos de Corinto que os “carismas” dados pelo Espírito não podem levar a práticas pouco consentâneas com o Evangelho de Jesus. São verdadeiros os carismas que levam à profissão de fé em Jesus e à construção da comunidade cristã.
Por outro lado, os “carismas” de que alguns se julgavam investidos pelo Espírito eram, com frequência, fatores de divisão e de conflito. Considerando-se a si próprios “escolhidos de Deus”, alguns dos “carismáticos” reivindicavam um protagonismo que danificava a comunhão fraterna. Apresentando-se como mensageiros incontestados das coisas divinas, assumiam atitudes de autoritarismo e de prepotência que não favoreciam a fraternidade; desprezavam os que não tinham sido dotados destes dons, considerando-os como “cristãos de segunda”, limitados a um lugar subalterno no contexto comunitário.
Paulo procura fazer os coríntios entender a necessidade de haver uma comunidade unida e fraterna, onde todos os membros estão plenamente integrados e onde todos contribuem para o bem de todos. Nesse sentido, serve-se de uma metáfora frequentemente usada pelos escritores antigos, particularmente os filósofos estoicos (como Séneca, Marco Aurélio, Epicteto): a comunidade é como um corpo, constituído por muitos membros, e onde todos os membros desempenham funções diversas.
MENSAGEM
Qualquer “corpo” é constituído por uma pluralidade de membros. Todos eles, cada um de uma forma muito própria, fazem parte do corpo. Os membros do “corpo” não são independentes, não vivem para si próprios, à margem do conjunto ou em confronto com o resto do “corpo”. São diferentes e têm funções diversas; mas a diferença e diversidade de funções dos membros está ao serviço de todo o “corpo”, do bem comum. Cada membro, desempenhando a função que lhe compete, trabalha em benefício de todo o “corpo”. Os membros do “corpo” não podem estar divididos, preocupando-se cada um com os próprios interesses. Também não há membros “superiores” e membros “inferiores”. Não há membros “indecorosos” e membros “dignos”. Todos os membros “contam”, cada um tem um papel determinante. A sobrevivência do “corpo” depende da harmonia e do bom funcionamento de todos os membros que integram esse “corpo”. Os membros necessitam uns dos outros e, portanto, devem preocupar-se uns com os outros e ter apreço pelos outros. A unidade fundamental deve, pois, ir de mãos dadas com o pluralismo e com a preocupação pelo bem comum.
Paulo aplica tudo isto à comunidade cristã, o “corpo de Cristo” (“vós sois o corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte” – vers. 27). O “corpo de Cristo” é formado por muitos membros. Todos eles são diferentes e têm funções diferentes na comunidade. A diversidade de funções está ao serviço da construção e da harmonia comunitárias. Batizados num mesmo e único Espírito, todos os membros da comunidade – independentemente das suas origens, da sua situação social, ou do papel que desempenham – integram o mesmo “corpo” e são iguais em dignidade.
Neste “corpo” que é a comunidade cristã, tem de manifestar-se o Cristo total. Ora, pode Cristo estar dividido? Pode o corpo de Cristo identificar-se com conflitos e rivalidades? É possível que o corpo de Cristo dê ao mundo um testemunho de egoísmo, de individualismo, de orgulho, de autossuficiência, de desprezo pelos pobres e débeis? É possível considerar que uma parte do “corpo de Cristo” tem uma dignidade superior a outra parte do mesmo “corpo”?
O corpo de Cristo (a Igreja) é uma comunidade de irmãos e de irmãs que de Cristo recebem e partilham a vida que os une. Sendo uma pluralidade de membros, com diversas funções, respeitam-se, apoiam-se, são solidários uns com os outros e amam-se. As palavras “solidariedade”, “participação”, “corresponsabilidade”, definem a cadeia de relações que une os membros do “corpo de Cristo”; e definem também o papel e o compromisso de cada membro do “corpo” na construção comunitária.
Definida a igualdade em dignidade de todos os membros do “corpo”, Paulo já pode, sem ser mal interpretado, definir uma hierarquia dos “carismas” (vers. 28-30). Obviamente, os “carismas” apresentados em primeiro lugar são os que dizem respeito à Palavra, ao anúncio da Boa Nova (“apóstolos”, “profetas”, “doutores”). Isso significa que o “corpo de Cristo” é, verdadeiramente, a comunidade que nasce da Palavra e que se alimenta da Palavra: tudo o resto passa para segundo plano, diante da Palavra criadora e vivificadora que Deus dirige à comunidade. O fundamental é que a comunidade cresça, de forma fraterna, harmoniosa, fiel a Deus e aos seus projetos.
INTERPELAÇÕES
- É muito bela a imagem usada por Paulo para falar da Igreja: um “corpo” (o “corpo de Cristo”), formado por muitos membros, todos animados pelo mesmo princípio vital, o Espírito; cada um dos membros desempenha uma determinada função; todos esses membros, com funções diversas, são iguais em dignidade e nenhum deles se pode julgar superior aos outros; todos eles, na diversidade de funções, contribuem à sua maneira para o crescimento, o equilíbrio, a harmonia, a saúde do “corpo”. Esta conceção da Igreja exclui, de princípio, tudo o que significa egoísmo, salvaguarda de interesses mesquinhos, invejas, ciúmes, conflitos, afirmação de si próprio em detrimento dos outros, autossuficiência… Como é que vivem e se articulam as nossas comunidades cristãs? Dão ao mundo um testemunho de harmonia, de entendimento, de comunhão, de vida fraterna? As palavras “solidariedade”, “participação”, “corresponsabilidade” fazem sentido na definição do quadro da nossa comunidade cristã?
- A comunidade cristã é o “corpo de Cristo”. O “corpo” é a realidade que nos identifica, que nos torna visíveis aos olhos dos nossos irmãos, que nos permite entrar em relação com aqueles que nos rodeiam. A Igreja, como “corpo de Cristo”, torna presente e visível no mundo o próprio Cristo; é através da Igreja que os nossos irmãos se relacionam com Cristo. Quem olha para a Igreja deve “ver” o rosto de Cristo que sorri com amor, o coração de Cristo que acolhe e perdoa, as mãos de Cristo que abençoam e abraçam… É isso que acontece? A Igreja – essa Igreja da qual nós somos membros – é presença de Cristo junto dos homens e mulheres do nosso tempo? A Igreja é a imagem visível de Cristo, do seu projeto de vida, da proposta de salvação que Ele veio oferecer a todos? A Igreja mostra, ao vivo e a cores, a misericórdia, o carinho, a ternura, a compreensão que Cristo tinha por todos os homens e mulheres, e particularmente pelos pobres, pelos mais frágeis, por aqueles que a sociedade condena e abandona na berma da estrada da vida?
- O Espírito distribui aos membros da comunidade cristã “carismas” (dons espirituais). Esses “carismas” não são prémios pessoais por bom comportamento, nem são um pagamento por serviços distintos; não se destinam a pôr em relevo um membro da comunidade em detrimento de outros; não são uma promoção pessoal ou social… Os “carismas” são dons que Deus confia a determinadas pessoas para o serviço de toda a comunidade. Quem os recebe assume a responsabilidade de os pôr a render de modo que toda a comunidade deles beneficie. Como entendemos e “gerimos” os dons que Deus nos confia? Colocamo-los ao serviço de todos, de forma gratuita e não interesseira?
- Os membros de um “corpo”, embora diferentes e com funções diversas, vivem em interdependência. Isto é especialmente válido para o “corpo de Cristo”: os membros da comunidade cristã sentem-se ligados uns aos outros por laços de comunhão, de solidariedade, de partilha, de mútuo afeto. Interessam-se uns pelos outros, cuidam uns dos outros, preocupam-se uns com os outros. São uma família que, vivendo no amor, dá testemunho de Deus no meio do mundo. É efetiva a nossa comunhão e a nossa solidariedade com os outros membros da comunidade? Sentimo-nos responsáveis pelos irmãos que, como nós, integram o “corpo de Cristo”? Os dramas e os sofrimentos, as alegrias e as esperanças, os projetos e os sonhos dos outros homens e mulheres que fazem caminho connosco são vistos como algo que nos diz respeito?
- Se um membro de um “corpo” não desempenhar o papel que lhe compete, todo o “corpo” fica prejudicado. Na construção da comunidade cristã, procuramos cumprir a nossa missão, com sentido de responsabilidade, ou remetemo-nos a uma situação de passividade e de comodismo, esperando que sejam os outros a fazer tudo? Somos membros ativos da comunidade, que trabalham e servem a comunidade, ou somos simples “consumidores” que se limitam a “frequentar a Igreja” e a beneficiar do trabalho dos outros?
ALELUIA – Lucas 4,18
Aleluia. Aleluia.
O Senhor enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres,
a proclamar aos cativos a redenção.
EVANGELHO – Lucas 1,1-4; 4,14-21
Já que muitos empreenderam narrar os factos
que se realizaram entre nós,
como no-los transmitiram os que, desde o início,
foram testemunhas oculares e ministros da palavra,
também eu resolvi,
depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens,
escrevê-las para ti, ilustre Teófilo,
para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado.
Naquele tempo,
Jesus voltou da Galileia, com a força do Espírito,
e a sua fama propagou-se por toda a região.
Ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos.
Foi então a Nazaré, onde Se tinha criado.
Segundo o seu costume,
entrou na sinagoga a um sábado
e levantou-Se para fazer a leitura.
Entregaram-Lhe o livro do profeta Isaías
e, ao abrir o livro,
encontrou a passagem em que estava escrito:
«O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque Ele me ungiu
para anunciar a boa nova aos pobres.
Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos
e a vista aos cegos,
a restituir a liberdade aos oprimidos
e a proclamar o ano da graça do Senhor».
Depois enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-Se.
Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga.
Começou então a dizer-lhes:
«Cumpriu-se hoje mesmo
esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
CONTEXTO
Ao longo deste ano litúrgico (Ano C), a liturgia propõe-nos a escuta e a reflexão do Evangelho segundo Lucas. Lucas, o evangelista que nos legou o terceiro Evangelho, não foi uma testemunha ocular de Jesus; era um cristão de segunda ou terceira geração, médico de profissão (cf. Cl 4,14), que se tornou discípulo e colaborador de Paulo (Flm 24). Escreveu o seu Evangelho em meados dos anos oitenta do primeiro século, provavelmente para comunidades cristãs de língua grega. Depois de nos apresentar, no Evangelho, o “tempo de Jesus”, Lucas deixou-nos uma outra obra – os Atos dos Apóstolos – onde nos fala da etapa seguinte da história da salvação: o “tempo da Igreja”, a fase em que os discípulos, guiados pelo Espírito, dão testemunho de Jesus “até aos confins da terra” (At 1,8).
O texto evangélico deste domingo oferece-nos, logo no início, um “prólogo” literário onde o evangelista, à boa maneira dos escritores gregos da época, apresenta a sua obra (cf. Lc 1,1-4). Refere os motivos que o levaram a escrever o Evangelho e as fontes com que contou para a compor. Destina a obra a um tal “Teófilo”, que poderá ser uma pessoa concreta ou um nome fictício (a palavra significa “amigo de Deus”) para designar qualquer pessoa que esteja interessado em conhecer a vida e a obra de Jesus.
Mas, logo depois do “prólogo”, o texto litúrgico deste domingo salta para o momento em que Jesus, na sinagoga de Nazaré, apresenta o seu “programa” (cf. Lc 4,14-21). Nazaré, a terra onde Jesus passou uma boa parte da sua vida, era uma pequena povoação, com cerca de 500 habitantes, situada na baixa Galileia. A maior parte dos seus habitantes eram agricultores que cuidavam de terras pertencentes a grandes latifundiários; alguns, contudo, eram “artesãos” que trabalhavam em diversos ofícios ligados à construção civil. A sinagoga era o espaço de encontro da assembleia crente. Ao sábado, a comunidade reunia-se na sinagoga para a oração e para a escuta das leituras da Lei e dos Profetas, com o respetivo comentário. A proclamação das leituras era feita por algum membro mais instruído da comunidade ou por algum visitante ilustre, conhecido pelo seu saber na explicação das escrituras, convidado pelo chefe da sinagoga a proclamar e a explicar a Palavra de Deus.
MENSAGEM
No “prólogo” ao Evangelho, Lucas começa por apresentar a finalidade do seu escrito: fazer a narração “dos factos que se realizaram entre nós” (Lc 1,1). Que factos são esses? São, evidentemente, os factos que se referem a Jesus (a sua vida, as suas propostas, o seu projeto, o seu destino), tal como foram transmitidos pelas “testemunhas oculares”, aqueles que viram e escutaram Jesus e que se tornaram “servidores da Palavra” (Lc 1,2). Aliás, Lucas deu-se ao trabalho de “tudo investigar cuidadosamente desde as origens” (Lc 1,3 3), a fim de ajudar todos aqueles que se interessam por Jesus a terem “conhecimento seguro” das coisas que lhes foram ensinadas (Lc 1,4). Numa altura (anos oitenta do primeiro século) em que as “testemunhas oculares” de Jesus já praticamente tinham desaparecido e em que começavam a surgir heresias e desvios doutrinais que punham em causa a identidade cristã, fazia sentido recordar aos crentes as suas raízes e a solidez da doutrina recebida da tradição apostólica; no entanto, a obra de Lucas não se esgota aí, pois destina-se aos discípulos de qualquer época, interessados em encontrar Jesus, em conhecê-l’O e em segui-l’O. O trabalho sério de Lucas garante a autenticidade da fé que nos foi transmitida.
O Evangelho deste domingo transporta-nos, logo depois, para o início da vida pública de Jesus. Jesus tinha passado um tempo com João Batista no deserto de Judá; mas, consciente de que o Pai tinha um projeto para Ele, regressou à Galileia. Num pequeno sumário, Lucas descreve-nos os primeiros passos da atividade profética de Jesus na Galileia: impelido pelo Espírito, Ele pregava nas sinagogas e suscitava a admiração de todos aqueles que o escutavam (Lc 4,14-15).
O que pretendia Jesus com a sua pregação? Qual era a proposta que trazia àqueles que se dispunham a escutá-l’O? A quem é que Ele se dirigia? Para responder a estas questões, Lucas leva-nos até à sinagoga de Nazaré onde, numa manhã de sábado, Jesus participa, com os seus conterrâneos, no ofício sinagogal. Talvez a convite do chefe da sinagoga, Jesus “levantou-se para fazer a leitura” (Lc 4,16). Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e Jesus leu a passagem de Is 61,1-2. Era a leitura prevista para esse sábado na liturgia sinagogal? Foi uma leitura escolhida por Jesus? Não sabemos. O procedimento que Jesus segue autoriza-nos a pensar que foi Ele que escolheu o texto.
Para os contemporâneos de Jesus, as primeiras palavras do oráculo de Isaías que Jesus leu aludiam a um profeta que havia de vir para dar início a uma era de prosperidade, de justiça, de paz e de vida em abundância. Esse profeta, ungido e impulsionado pelo Espírito de Deus, teria como missão “anunciar a boa nova aos pobres”, “proclamar a redenção aos cativos”, dar “vista aos cegos”, “restituir a liberdade aos oprimidos”, “proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19). No comentário a este texto, Jesus associa este profeta à sua própria pessoa e relaciona a missão desse profeta com a sua própria missão: “Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4,21).
O “programa” que Jesus se propõe concretizar tem, portanto, vários pontos. Passa, antes de mais, pelo anúncio de uma “boa notícia” aos pobres. Os “pobres” (“ptochoi”) são aqueles que, desprovidos de bens materiais e das “seguranças” humanas, vivem pobremente, com humildade e simplicidade. Muitas vezes são magoados e explorados pelos ricos e poderosos e esperam ansiosamente a libertação que só Deus lhes pode oferecer. Têm o coração sempre disponível para acolher os dons de Deus e são, pela sua situação de carência e debilidade, os preferidos de Deus. São esses os primeiros – embora não os únicos – destinatários da “boa notícia” que Jesus quer apresentar ao mundo. O “programa” de Jesus passa também por levar a redenção aos cativos, por iluminar os que vivem no mundo das trevas, por libertar todos os que estão presos a qualquer tipo de cadeias ou de servidões: os doentes, os que a sociedade e a religião marginalizam e condenam, os que não têm vez nem voz na sociedade do seu tempo, os que são desprezados e explorados pelos poderosos, os que são vítimas de todas as injustiças, os que a maldade empequenece e desumaniza, os que vivem numa noite sem esperança. Com a sua ação, com a sua atividade salvadora e curadora, Jesus irá inaugurar um ano “jubilar”, um tempo novo de salvação, de recomeço, de perdão de todas as dívidas e de todos os pecados, de libertação de tudo aquilo que rouba ao homem a vida e a felicidade. Esse será daqui para a frente, de forma absoluta e irrenunciável, o “programa” de Jesus: a construção do reino de Deus.
INTERPELAÇÕES
- Estamos mais do que habituados à apresentação de “programas”: qualquer figura que se proponha intervir na área pública e desempenhar um papel na construção do mundo e da sociedade apresenta, antes de começar a agir, os princípios programáticos que vão nortear a sua intervenção. De acordo com o Evangelho de Lucas, Jesus também o fez, numa manhã de sábado, na sinagoga de Nazaré. Contudo, o “programa” daquele profeta de Deus surpreende: não passa por estabelecer um sistema religioso mais perfeito, ou por implantar um culto mais digno, ou por propor determinadas práticas de piedade que tornam o homem mais santo; mas passa por pôr cobro a tudo aquilo que rouba a vida e a dignidade dos seres humanos. O profeta de Nazaré propõe-se anunciar aos pobres que Deus os ama e vai libertá-los da sua triste situação; propõe-se curar os homens e mulheres prisioneiros da doença, da maldade, do egoísmo, da injustiça; propõe-se iluminar os caminhos em que os homens andam, para que ninguém viva prisioneiro da escuridão e do sem-sentido; propõe-se fazer nascer um mundo mais humano, mais justo, mais feliz. Que pensamos do “programa” de Jesus? Será um “programa” viável no nosso “hoje”, no séc. XXI? Porque é que os homens e mulheres do nosso tempo ainda não abraçaram, de forma decisiva, a proposta de Jesus?
- O “programa” de Jesus continua a ser o mesmo, dois mil anos depois. A questão é que, agora, é a Igreja de Jesus que tem a responsabilidade de implementar este “programa”. Isto de oferecer aos pobres uma nova esperança, de libertar os homens e mulheres que são prisioneiros da injustiça e da opressão, de proporcionar a todos uma vida mais digna e mais ditosa, de defender os excluídos pela sociedade de bem-estar, de acolher e integrar os “diferentes” e marginalizados, não é uma coisa de ideologias oriundas de uma certa área política, mas é uma coisa “de Jesus”. Ou a comunidade cristã tem a libertação dos “pobres” no seu “programa”, ou deixa de ser a Igreja de Jesus. A Igreja tem-se preocupado em anunciar o “evangelho da libertação”? Tem-se preocupado suficientemente com a sorte dos pobres, dos pequenos, dos excluídos, dos sem voz, dos abandonados, dos marginalizados, dos imigrantes que todos os dias batem à porta do nosso mundo egoísta e saciado? O que mais poderá a Igreja fazer para ser sinal, junto dos desfavorecidos e sofredores, da misericórdia e do amor de Deus?
- O sofrimento de muitos homens e mulheres que nos rodeiam é um espinho cravado no nosso bem-estar e na nossa tranquilidade. Jesus nunca ficou indiferente diante das lágrimas, das angústias, dos sofrimentos de qualquer homem ou mulher. Os evangelhos dizem-nos que Ele se “comovia profundamente” e tomava posição no sentido de devolver a vida e a esperança a todos os sofredores. Pessoalmente, como lidamos com as necessidades gritantes de tantos homens e mulheres sem pão, sem abrigo, sem amor, sem compreensão, que se cruzam connosco nos caminhos da vida? Sentimos que o sofrimento dos irmãos que nos rodeiam nos diz respeito e que é nossa responsabilidade?
- Jesus, na sinagoga de Nazaré, depois de proclamar a Palavra de Deus, atualiza-a: “cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”. A Palavra escutada é aplicada ao hoje do crente, ilumina a vida, torna-se um anúncio feliz e renovador que traz alegria e desperta a esperança. Nas nossas comunidades cristãs, os que proclamam a Palavra, que a explicam nas homilias, que a ensinam na catequese, que a partilham nos grupos de reflexão, têm sempre esta preocupação de a tornar uma realidade “tocante” e um anúncio verdadeiramente transformador e libertador, capaz de iluminar a vida daqueles que os escutam?
- Lucas, no “prólogo” ao seu Evangelho, explica que, a narração que se propõe fazer sobre a vida e a mensagem de Jesus, fundamenta-se na escuta das “testemunhas oculares” e numa investigação cuidadosa dos factos acontecidos. O objetivo do seu trabalho é proporcionar a todos aqueles que estão interessados em aproximar-se de Jesus, uma base segura para fundamentarem a sua adesão a Jesus. Que papel desempenham os textos evangélicos na nossa experiência de Jesus? Procuramos escutá-los, conhecê-los, meditá-los, para nos tornarmos verdadeiros discípulos, que entendem Jesus e se dispõem a acolher a proposta libertadora que Ele veio trazer?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 3.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. VALORIZAR O LUGAR DA PROCLAMAÇÃO DA PALAVRA.
Neste domingo da proclamação da Palavra, procurar particularmente que o lugar da Palavra tenha mais visibilidade. É o lugar da primeira mesa em que Deus Se dá ao seu povo. Realçar a elevação do Evangeliário no fim da proclamação do Evangelho, estando a assembleia “com os olhos fixos em Jesus”. Esta elevação está ligada à elevação do Corpo e Sangue de Cristo durante a doxologia que conclui a oração eucarística.
3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
“Deus Pai, que velas sobre o teu povo há muitas gerações, com o escriba Esdras e toda a sua comunidade nós também confessamos: a alegria do Senhor é a nossa proteção. Bendito sejas Tu para sempre.
Nós Te recomendamos todos os nossos irmãos e irmãs na fé que trabalham para fazer conhecer, compreender e amar a Palavra nas Santas Escrituras”.
No final da segunda leitura:
“Pai, nós Te damos graças pelo corpo de Cristo, ao qual nos incorporaste pelo batismo e confirmação, para que sejamos membros vivos desse corpo.
Nós Te pedimos pelos apóstolos, os profetas, os catequistas e todos os que têm missões na Igreja. Guarda-nos a todos na unidade”.
No final do Evangelho:
“Cristo Jesus, nosso mestre e nosso irmão, bendito sejas Tu, porque realizaste as palavras dos profetas. Reconhecemos em Ti a presença do Espírito em toda a sua plenitude. Tu és para nós o libertador, a luz e o benfeitor soberano.
Nós Te pedimos pela tua Igreja: que ela traga a Boa Nova, que ela anuncie a libertação do mal e revele a luz do mundo”.
4. BILHETE DE EVANGELHO.
Lucas não pode guardar para si o que os “testemunhas oculares e ministros da Palavra” lhe transmitiram. Então, decide escrever ao seu amigo Teófilo “para que ele tenha conhecimento seguro do que lhe foi ensinado». Depois de Teófilo e da sua comunidade cristã, somos convidados por Lucas e pelos outros três evangelistas a crer na Palavra, esta Palavra que muitos assinaram com o seu sangue. Não é o que, aliás, pede Jesus aos seus compatriotas de Nazaré: acreditar na Palavra? Na sua homilia, Jesus afirma que se realiza hoje a palavra de ontem do profeta Isaías. Ele anuncia a Boa Nova aos pobres e realiza a salvação. Então compreendemos porque é que os habitantes de Nazaré tinham os olhos fixos n’Ele, viam que Ele falava como homem que tem autoridade. Não somente as suas palavras eram “boa nova”, mas Ele próprio era a Boa Nova há tanto esperada. Desde Lucas, desde Teófilo, quantos mensageiros da Boa Nova ninguém conseguiu calar porque, se a mensagem de Cristo é precisamente uma boa nova, é feita para ser anunciada!
5. À ESCUTA DA PALAVRA.
No tempo de Jesus, há umas centenas de anos que os judeus liam o livro do profeta Isaías, do qual Jesus cita uma passagem: “O Espírito do Senhor está sobre mim… Enviou-me a levar a Boa Nova aos pobres…” Mas em cada ano era sempre a mesma coisa: nada mudava! E eis que Jesus anuncia repentinamente que essa palavra se cumpre hoje, n’Ele. Como poderia ser? Não era Ele o filho do carpinteiro? Com Jesus, a Boa Nova anunciada por João Baptista já não é simplesmente uma promessa. É uma força e uma luz que mudam a vida agora. Mas, para nós que lemos esta Palavra há tanto tempo, parece que é sempre a mesma coisa: nada muda! A religião não se tornou o “ópio do povo” para adormecer os pobres? Seria o caso se Jesus não tivesse ressuscitado, sempre vivo, literalmente nosso contemporâneo. Fala-nos sempre no presente para nos dizer que, hoje, o Espírito do Senhor nos é dado para que a nossa maneira de agir mude concretamente, para que ela tome uma cor mais evangélica. É por nós que Jesus age para cumprir a promessa divina. Dá-nos o seu Espírito para que o nosso coração se liberte dos seus egoísmos, para que os outros não se sintam mal no nosso coração, para que levemos aos pobres o apoio da nossa ajuda e da nossa partilha, aos cegos a luz da nossa amizade, para que hoje seja um dia de felicidade para aqueles e aquelas que encontrarmos. É a nossa missão de cristãos: que a Boa Nova tome corpo na nossa vida, para que a Palavra de Deus seja viva hoje!
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
A Oração Eucarística III, nas suas epicleses, situa-se no tom das leituras. Pode-se escolher também a Oração Eucarística I para a Reconciliação, pois estamos a celebrar a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.
7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
- No final da celebração, “comemos” verdadeiramente as palavras do salmista? Neste domingo da Palavra de Deus, antes de retomar o caminho para as nossas casas, escutemos ainda como o salmista canta Deus que fala ao seu povo: «A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples. Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; os mandamentos do Senhor são claros e iluminam os olhos». A Palavra que recebemos é uma palavra que alegra e que ilumina. É uma canção, uma lâmpada. Que ela nos acompanhe em cada instante ao longo da semana…
- Descobrir o outro… nesta Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Ao longo desta semana, reservar tempo para melhor conhecer o outro, aquele que é diferente de mim na fé: ler um artigo de imprensa, ouvir uma conferência, escutar um programa de rádio, participar num encontro organizado localmente; enfim, procurar fazer o esforço em descobrir a fé e o pensamento de um cristão de outra confissão.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA
Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org