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  • Domingo de Ramos - Ano A

    Domingo de Ramos - Ano A


    2 de Abril, 2023

    ANO A
    DOMINGO DE RAMOS

    Tema do Domingo de Ramos

    A liturgia deste último domingo da Quaresma convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz (que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus) apresenta-nos a lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.
    A primeira leitura apresenta-nos um profeta anónimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projectos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste "servo" a figura de Jesus.
    A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.
    O Evangelho convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz, revela-se o amor de Deus - esse amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.

    LEITURA I - Is 50,4-7

    Leitura do Livro de Isaías

    O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo,
    para que eu saiba dizer uma palavra de alento
    aos que andam abatidos.
    Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
    para eu escutar, como escutam os discípulos.
    O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
    e eu não resisti nem recuei um passo.
    Apresentei as costas àqueles que me batiam,
    e a face aos que me arrancavam a barba;
    não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
    Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio,
    e, por isso, não fiquei envergonhado;
    tornei o meu rosto duro como pedra,
    e sei que não ficarei desiludido.

    AMBIENTE

    No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55), encontramos quatro poemas que se destacam do resto do texto (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12). Apresentam-nos uma figura enigmática de um "servo de Jahwéh", que recebeu de Deus uma missão. Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem carácter universal; concretiza-se no sofrimento, na dor e no abandono incondicional à Palavra e aos projectos de Deus. Apesar de a missão terminar num aparente insucesso, a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do Povo. Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detractores e adversários.
    Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura colectiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.
    O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do "servo de Jahwéh".

    MENSAGEM

    O texto dá a palavra a um personagem anónimo, que fala do seu chamamento por Deus para a missão. Ele não se intitula "profeta"; porém, narra a sua vocação com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.
    Em primeiro lugar, a missão que este "profeta" recebe de Deus tem claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de Deus, para que possa depois apresentar - com fidelidade - essa Palavra de Deus para os homens.
    Em segundo lugar, a missão profética concretiza-se no sofrimento e na dor. É um tema sobejamente conhecido da literatura profética: o anúncio das propostas de Deus provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam, quase sempre, em dor e perseguição. No entanto, o profeta não se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento.
    Em terceiro lugar, vem a expressão de confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas de que tem a força de Deus, torna o profeta mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição. Por isso, o profeta "não será confundido".

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode tocar os seguintes aspectos:

    • Não sabemos, efectivamente, quem é este "servo de Jahwéh"; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens... A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera vida nova.

    • Jesus, o "servo" sofredor, que faz da sua vida um dom por amor, mostra aos seus seguidores o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da libertação dos pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em termos humanos, fracassada e sem sentido. Temos a coragem de fazer da nossa vida uma entrega radical ao projecto de Deus e à libertação dos nossos irmãos? O que é que ainda entrava a nossa aceitação de uma opção deste tipo? Temos consciência de que, ao escolher este caminho, estamos a gerar vida nova, para nós e para os nossos irmãos?

    • Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o mundo e o coração dos homens?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 21 (22)

    Refrão: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

    Todos os que me vêem escarnecem de mim,
    estendem os lábios e meneiam a cabeça:
    «Confiou no Senhor, Ele que o livre,
    Ele que o salve, se é seu amigo».

    Matilhas de cães me rodearam,
    cercou-me um bando de malfeitores.
    Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
    posso contar todos os meus ossos.

    Repartiram entre si as minhas vestes
    e deitaram sortes sobre a minha túnica.
    Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
    sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.

    Hei-de falar do vosso nome aos meus irmãos,
    hei-de louvar-Vos no meio da assembleia.
    Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
    glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
    reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.

    LEITURA II - Fil 2,6-11

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses

    Cristo Jesus, que era de condição divina,
    não Se valeu da sua igualdade com Deus,
    mas aniquilou-Se a Si próprio.
    Assumindo a condição de servo,
    tornou-Se semelhante aos homens.
    Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
    obedecendo até à morte e morte de cruz.
    Por isso Deus O exaltou
    e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
    para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
    no céu, na terra e nos abismos,
    e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
    para glória de Deus Pai.

    AMBIENTE

    A cidade de Filipos era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia directamente do imperador; gozava, por isso, dos mesmos privilégios das cidades de Itália. A comunidade cristã, fundada por Paulo, era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da colecta em favor da Igreja de Jerusalém - cf. 2 Cor 8,1-5), por quem Paulo nutria um afecto especial. Apesar destes sinais positivos, não era, no entanto, uma comunidade perfeita... O desprendimento, a humildade e a simplicidade não eram valores demasiado apreciados entre os altivos patrícios que compunham a comunidade.
    É neste enquadramento que podemos situar o texto que esta leitura nos apresenta. Paulo convida os Filipenses a encarnar os valores que marcaram a trajectória existencial de Cristo; para isso, utiliza um hino pré-paulino, recitado nas celebrações litúrgicas cristãs: nesse hino, ele expõe aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo.

    MENSAGEM

    Cristo Jesus - nomeado no princípio, no meio e no fim - constitui o motivo do hino. Dado que os Filipenses são cristãos - quer dizer, dado que Cristo é o protótipo a cuja imagem estão configurados - têm a iniludível obrigação de comportar-se como Cristo. Como é o exemplo de Cristo?
    O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão (o homem que reivindicou ser como Deus e Lhe desobedeceu - cf. Gn 3,5.22) e Cristo (o Homem Novo que, ao orgulho e revolta de Adão responde com a humildade e a obediência ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.
    Em traços precisos, o hino define o "despojamento" ("kenosis") de Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir, para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos homens, para garantir vida nova para os homens. Esse "abaixamento" assumiu mesmo foros de escândalo: Jesus aceitou uma morte infamante - a morte de cruz - para nos ensinar a suprema lição do serviço, do amor radical, da entrega total da vida.
    No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não foi uma perda nem um fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projectos do Pai resultaram em ressurreição e glória. Em consequência da sua obediência, do seu amor, da sua entrega, Deus fez d'Ele o "Kyrios" ("Senhor" - nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira ("os céus, a terra e os infernos") reconhece Jesus como "o Senhor" que reina sobre toda a terra e que preside à história.
    É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao dom da vida, que Paulo aqui faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve ter como exemplo esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um dom a todos. Esse caminho não levará ao aniquilamento, mas à glória, à vida plena.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes desenvolvimentos:

    • Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados no séc. XXI. De acordo com os critérios que presidem à construção do nosso mundo, os grandes "ganhadores" não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com agressividade, com auto-suficiência e fazem por ser os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes valores?

    • Paulo tem consciência de que está a pedir aos seus cristãos algo realmente difícil; mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo. Também a nós é pedido, nestes últimos dias antes da Páscoa, um passo em frente neste difícil caminho da humildade, do serviço, do amor: será possível que, também aqui, sejamos as testemunhas da lógica de Deus?

    • Os acontecimentos que, nesta semana, vamos celebrar, garantem-nos que o caminho do dom da vida não é um caminho de "perdedores" e fracassados: o caminho do dom da vida conduz ao sepulcro vazio da manhã de Páscoa, à ressurreição. É um caminho que garante a vitória e a vida plena.

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO - Filip 2,8-9

    Escolher um dos refrães:

    Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
    Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
    Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
    Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
    Refrão 5: Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
    Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
    Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

    Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz.
    Por isso Deus O exaltou
    e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.

    EVANGELHO - Mt 26,14 - 27,66

    N Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    N Naquele tempo,
    um dos doze, chamado Judas Iscariotes,
    foi ter com os príncipes dos sacerdotes e disse-lhes:
    R «Que estais dispostos a dar-me para vos entregar Jesus?»
    N Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata.
    E a partir de então,
    Judas procurava uma oportunidade para O entregar.
    No primeiro dia dos Ázimos,
    os discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe:
    R «Onde queres que façamos os preparativos
    para comer a Páscoa?»
    N Ele respondeu:
    J «Ide à cidade, a casa de tal pessoa, e dizei-lhe:
    'O Mestre manda dizer:
    O meu tempo está próximo.
    É em tua casa que eu quero celebrar a Páscoa
    com os meus discípulos'».
    N Os discípulos fizeram como Jesus lhes tinha mandado,
    e prepararam a Páscoa.

    N Ao cair da noite, sentou-Se à mesa com os Doze.
    Enquanto comiam, declarou:
    J «Em verdade vos digo:
    Um de vós há-de entregar-Me».
    N Profundamente entristecidos,
    começou cada um a perguntar-Lhe:
    R «Serei eu, Senhor?»
    N Jesus respondeu:
    J «Aquele que meteu comigo a mão no prato
    é que há-de entregar-Me.
    O Filho do homem vai partir,
    como está escrito acerca d'Ele.
    Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser entregue!
    Melhor seria para esse homem não ter nascido».
    N Judas, que O ia entregar, tomou a palavra e perguntou:
    R «Serei eu, Mestre?»
    N Respondeu Jesus:
    J «Tu o disseste».

    N Enquanto comiam,
    Jesus tomou o pão, recitou a bênção,
    partiu-o e deu-o aos discípulos, dizendo:
    J «Tomai e comei: Isto é o meu Corpo».
    N Tomou em seguida um cálice,
    deu graças e entregou-lho, dizendo:
    J «Bebei dele todos,
    porque este é o meu Sangue, o Sangue da aliança,
    derramado pela multidão,
    para remissão dos pecados.
    Eu vos digo que não beberei mais deste fruto da videira,
    até ao dia em que beberei convosco
    o vinho novo no reino de meu Pai».

    N Cantaram os salmos
    e seguiram para o Monte das Oliveiras.

    N Então, Jesus disse-lhes:
    J «Todos vós, esta noite, vos escandalizareis por minha causa,
    como está escrito:
    'Ferirei o pastor e dispersar-se-ão as ovelhas do rebanho'.
    Mas, depois de ressuscitar,
    preceder-vos-ei a caminho da Galileia».
    N Pedro interveio, dizendo:
    R «Ainda que todos se escandalizem por tua causa,
    eu não me escandalizarei».
    N Jesus respondeu-lhe:
    J «Em verdade te digo:
    Esta mesma noite, antes do galo cantar,
    Me negarás três vezes».
    N Pedro disse-lhe:
    R «Ainda que tenha de morrer contigo, não Te negarei».
    N E o mesmo disseram todos os discípulos.

    N Então, Jesus chegou com eles a uma propriedade,
    chamada Getsémani
    e disse aos discípulos:
    J «Ficai aqui, enquanto Eu vou além orar».
    N E, tomando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu,
    começou a entristecer-Se e a angustiar-Se.
    Disse-lhes então:
    J «A minha alma está numa tristeza de morte.
    Ficai aqui e vigiai comigo».
    N E adiantando-Se um pouco mais, caiu com o rosto por terra,
    enquanto orava e dizia:
    J «Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice.
    Todavia, não se faça como Eu quero,
    mas como Tu queres».
    N Depois, foi ter com os discípulos,
    encontrou-os a dormir e disse a Pedro:
    J «Nem sequer pudestes vigiar uma hora comigo!
    Vigiai e orai, para não cairdes em tentação.
    O espírito está pronto, mas a carne é fraca».

    N De novo Se afastou, pela Segunda vez, e orou, dizendo:
    J «Meu Pai,
    se este cálice não pode passar sem que Eu o beba,
    faça-se a tua vontade».
    N Voltou novamente e encontrou-os a dormir,
    pois os seus olhos estavam pesados de sono.
    Deixou-os e foi de novo orar, pela terceira vez,
    repetindo as mesmas palavras.
    Veio então ao encontro dos discípulos e disse-lhes:
    J «Dormi agora e descansai.
    Chegou a hora em que o Filho do homem
    vai ser entregue às mãos dos pecadores.
    Levantai-vos, vamos.
    Aproxima-se aquele que Me vai entregar».
    N Ainda Jesus estava a falar,
    quando chegou Judas, um dos Doze,
    e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus,
    enviada pelos príncipes dos sacerdotes
    e pelos anciãos do povo.
    O traidor tinha-lhes dado este sinal:
    R «Aquele que eu beijar, é esse mesmo. Prendei-O».
    N Aproximou-se imediatamente de Jesus e disse-Lhe:
    R «Salve, Mestre!».
    N E beijou-O.
    Jesus respondeu-lhe:
    J «Amigo, a que vieste?».
    N Então avançaram, deitaram as mãos a Jesus
    e prenderam-n'O.
    Um dos que estavam com Jesus levou a mão à espada,
    desembainhou-a e feriu um servo do sumo sacerdote,
    cortando-lhe uma orelha.
    Jesus disse-lhe:
    J «Mete a tua espada na bainha,
    pois todos os que puxarem da espada morrerão à espada.
    Pensas que não posso rogar a meu Pai
    que ponha já ao meu dispor mais de doze legiões de Anjos?
    Mas como se cumpririam as Escrituras,
    segundo as quais assim tem de acontecer?».
    N Voltando-Se depois para a multidão, Jesus disse:
    J «Viestes com espadas e varapaus para Me prender
    como se fosse um salteador!
    Eu estava todos os dias sentado no templo a ensinar
    e não Me prendestes...
    Mas, tudo isto aconteceu
    para se cumprirem as Escrituras das profetas».
    N Então todos os discípulos O abandonaram e fugiram.

    N Os que tinham prendido Jesus
    levaram-n'O à presença do sumo sacerdote Caifás,
    onde os escribas e os anciãos se tinham reunido.
    Pedro foi-O seguindo de longe,
    até ao palácio do sumo sacerdote.
    Aproximando-se, entrou e sentou-se com os guardas,
    para ver como acabaria tudo aquilo.
    Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e todo o Sinédrio
    procuravam um testemunho falso contra Jesus
    para O condenarem à morte,
    mas não o encontravam,
    embora se tivessem apresentado muitas testemunhas falsas.
    Por fim, apresentaram-se duas que disseram:
    R «Este homem afirmou:
    'Posso destruir o templo de Deus
    e reconstruí-lo em três dias'».
    N Então, o sumo sacerdote levantou-se e disse a Jesus:
    R «Não respondes nada?
    Que dizes ao que depõem contra Ti?»
    N Mas Jesus continuava calado.
    Disse-Lhe o sumo sacerdote:
    «Eu Te conjuro pelo Deus vivo,
    que nos declares se és Tu o Messias, o Filho de Deus».
    N Jesus respondeu-lhe:
    J «Tu o disseste.
    E Eu digo-vos:
    vereis o Filho do homem
    sentado à direita do Todo-poderoso,
    vindo sobre as nuvens do céu».
    N Então, o sumo sacerdote rasgou as vestes, dizendo:
    R «Blasfemou.
    Que necessidade temos de mais testemunhas?
    Acabais de ouvir a blasfémia. Que vos parece?»
    N Eles responderam:
    R «É réu de morte».
    N Cuspiram-Lhe então no rosto e deram-Lhe punhadas.
    Outros esbofeteavam-n'O, dizendo:
    R «Adivinha, Messias: quem foi que Te bateu?»

    N Entretanto, Pedro estava sentado no pátio.
    Uma criada aproximou-se dele e disse-lhe:
    R «Tu também estavas com Jesus, o galileu».
    N Mas ele negou diante de todos, dizendo:
    R «Não sei o que dizes».
    N Dirigindo-se para a porta,
    foi visto por outra criada que disse aos circunstantes:
    R «Este homem estava com Jesus de Nazaré».
    N E, de novo, ele negou com juramento:
    R «Não conheço tal homem».
    N Pouco depois, aproximaram-se os que ali estavam
    e disseram a Pedro:
    R «Com certeza tu és deles, pois até a fala te denuncia».
    N Começou então a dizer imprecações e a jurar:
    R «Não conheço tal homem».
    N E, imediatamente, um galo cantou.
    Então, Pedro lembrou-se das palavras que Jesus dissera:
    «Antes do galo cantar, tu Me negarás três vezes».
    E, saindo, chorou amargamente.

    Ao romper da manhã,
    todos os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo
    se reuniram em conselho contra Jesus,
    para Lhe darem a morte.
    Depois de Lhe atarem as mãos,
    levaram-n'O e entregaram-n'O ao governador Pilatos.

    Então Judas, que entregara Jesus,
    vendo que Ele tinha sido condenado,
    tocado pelo remorso, devolveu as trinta moedas de prata
    aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo:
    R «Pequei, entregando sangue inocente».
    N Mas eles replicaram:
    R «Que nos importa? É lá contigo».
    N Então, arremessou as moedas para o santuário,
    saiu dali e foi-se enforcar.
    Mas os príncipes dos sacerdotes
    apanharam as moedas e disseram:
    R «Não se podem lançar no tesouro,
    porque são preço de sangue».
    N E, depois de terem deliberado,
    compraram com elas o Campo do Oleiro.
    Por este motivo se tem chamado àquele campo,
    até ao dia de hoje, «Campo de Sangue».
    Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta:
    «Tomaram trinta moedas de prata,
    preço em que foi avaliado
    Aquele que os filhos de Israel avaliaram
    e deram-nas pelo Campo do Oleiro,
    como o Senhor me tinha ordenado».

    N Entretanto, Jesus foi levado à presença do governador,
    que lhe perguntou:
    R «Tu és o Rei dos judeus?»
    N Jesus respondeu:
    J «É como dizes».
    N Mas, ao ser acusado pelos príncipes dos sacerdotes
    e pelos anciãos, nada respondeu.
    Disse-Lhe então Pilatos:
    R «Não ouves quantas acusações levantam contra Ti?»
    N Mas Jesus não respondeu coisa alguma,
    a ponto de o governador ficar muito admirado.

    Ora, pela festa da Páscoa,
    o governador costumava soltar um preso,
    à escolha do povo.
    Nessa altura, havia um preso famoso, chamado Barrabás.
    E, quando eles se reuniram, disse-lhes:
    R «Qual quereis que vos solte?»
    Barrabás, ou Jesus, chamado Cristo?»
    N Ele bem sabia que O tinham entregado por inveja.
    Enquanto estava sentado no tribunal,
    a mulher mandou-lhe dizer:
    R «Não te prendas com a causa desse justo,
    pois hoje sofri muito em sonhos por causa d'Ele».

    N Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e os anciãos
    persuadiram a multidão a que pedisse Barrabás
    e fizesse morrer Jesus.
    O governador tomou a palavra e perguntou-lhes:
    R «Qual dos dois quereis que vos solte?»
    N Eles responderam:
    R «Barrabás».
    N Disse-lhes Pilatos:
    R «E que hei-de fazer de Jesus, chamado Cristo?»
    N Responderam todos:
    R «Seja crucificado».
    N Pilatos insistiu:
    R «Que mal fez Ele?»
    N Mas eles gritavam cada vez mais:
    R «Seja crucificado».
    N Pilatos insistiu:
    R «Que mal fez Ele?»
    N Mas eles gritavam cada vez mais:
    R «Seja crucificado».
    N Pilatos, vendo que não conseguia nada
    e aumentava o tumulto,
    mandou vir água
    e lavou as mãos na presença da multidão, dizendo:
    R «Estou inocente do sangue deste homem.
    Isso é lá convosco».
    N E todo o povo respondeu:
    R «O seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos».
    N Soltou-lhes então Barrabás.
    E, depois de ter mandado açoitar Jesus,
    entregou-lh'O para ser crucificado.
    Então os soldados do governador
    levaram Jesus para o pretório
    e reuniram à volta d'Ele toda a coorte.
    Tiraram-Lhe a roupa e envolveram-n'O num manto vermelho.
    Teceram uma coroa de espinhos e puseram-Lha na cabeça
    e colocaram uma cana na sua mão direita.
    Ajoelhando diante d'Ele, escarneciam-n'O, dizendo:
    R «Salve, rei dos judeus!»
    N Depois, cuspiam-Lhe no rosto
    e, pegando na cana, batiam-Lhe com ela na cabeça.
    Depois de O terem escarnecido,
    tiraram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas roupas
    e levaram-n'O para ser crucificado.

    N Ao saírem,
    encontraram um homem de Cirene, chamado Simão,
    e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus.
    Chegados a um lugar chamado Gólgota,
    que quer dizer lugar do Calvário,
    deram-Lhe a beber vinho misturado com fel.
    Mas Jesus, depois de o provar, não quis beber.
    Depois de O terem crucificado,
    repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte,
    e ficaram ali sentados a guardá-l'O.
    Por cima da sua cabeça puseram um letreiro,
    indicando a causa da sua condenação:
    «Este é Jesus, o rei dos judeus».

    Foram crucificados com Ele dois salteadores,
    um à direita e outro à esquerda.
    Os que passavam insultavam-n'O
    e abanavam a cabeça, dizendo:
    R «Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias,
    salva-Te a Ti mesmo;
    Se és Filho de Deus, desce da cruz».
    N Os príncipes dos sacerdotes,
    juntamente com os escribas e os anciãos,
    também troçavam d'Ele, dizendo:
    R «Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si mesmo!
    Se é o Rei de Israel,
    desça agora da cruz e acreditaremos n'Ele.
    Confiou em Deus:
    Ele que O livre agora, se O ama,
    porque disse: 'Eu sou Filho de Deus'».
    N Até os salteadores crucificados com Ele o insultavam.

    Desde o meio-dia até às três horas da tarde,
    as trevas envolveram toda a terra.
    E, pelas três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte:
    J «Eli, Eli, lema sabachtani!»,
    N que quer dizer:
    «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?»
    Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram:
    R «Está a chamar por Elias».
    N Um deles correu a tomar uma esponja,
    embebeu-a em vinagre,
    pô-la na ponta duma cana e deu-Lhe a beber.
    Mas os outros disseram:
    R «Deixa lá. Vejamos se Elias vem salvá-l'O».
    N E Jesus, clamando outra vez com voz forte, expirou.

    N Então, o véu do templo rasgou-se em duas partes,
    de alto a baixo;
    a terra tremeu e as rochas fenderam-se.
    Abriram-se os túmulos
    e muitos dos corpos de santos que tinham morrido
    ressuscitaram;
    e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus,
    entraram na cidade santa e apareceram a muitos.
    Entretanto, o centurião e os que com ele guardavam Jesus,
    ao verem o tremor de terra e o que estava a acontecer,
    ficaram aterrados e disseram:
    R «Este era verdadeiramente Filho de Deus».

    N Estavam ali, a observar de longe, muitas mulheres
    que tinham seguido Jesus desde a Galileia, para O servirem.
    Entre elas encontrava-se Maria Madalena,
    Maria, mãe de Tiago e de José,
    e a mãe dos filhos de Zebedeu.
    Ao cair da tarde,
    veio um homem rico de Arimateia, chamado José,
    que também se tinha tornado discípulo de Jesus.
    Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus.
    E Pilatos ordenou que lho entregassem.
    José tomou o corpo, envolveu-o num lençol limpo
    e depositou-o no seu sepulcro novo
    que tinha mandado escavar na rocha.
    Depois rolou uma grande pedra para a entrada do sepulcro,
    e retirou-se.
    Entretanto, estavam ali Maria Madalena e a outra Maria,
    sentadas em frente do sepulcro.

    No dia seguinte, isto é, depois da Preparação,
    os príncipes dos sacerdotes e os fariseus
    foram ter com Pilatos e disseram-lhe:
    R «Senhor, lembrámo-nos do que aquele impostor disse
    quando ainda era vivo:
    'Depois de três dias ressuscitarei'.
    Por isso, manda que o sepulcro seja mantido em segurança
    até ao terceiro dia,
    para que não venham os discípulos roubá-lo
    e dizer ao povo: 'Ressuscitou dos mortos'.
    E a última impostura seria pior do que a primeira».
    N Pilatos respondeu:
    R «Tendes à vossa disposição a guarda:
    ide e guardai-o como entenderdes».
    N Eles foram e guardaram o sepulcro,
    selando a pedra e pondo a guarda.

    AMBIENTE

    O Evangelho segundo Mateus começa por apresentar Jesus (cf. Mt 1,1-4,22). Descreve, depois, o anúncio central de Jesus: nas suas palavras e nos seus gestos, Jesus anuncia esse mundo novo a que Ele chama "o Reino dos céus" (cf. Mt 4,23-9,35). Do anúncio do "Reino" nasce a comunidade dos discípulos - isto é, nasce um grupo que assimila as propostas de Jesus (cf. Mt 9,36-12,50). Os discípulos são a "comunidade do Reino": instruídos por Jesus, formados na mentalidade do "Reino", os discípulos recebem a missão de testemunhar o "Reino", após a partida de Jesus (cf. Mt 13,1-17,27). Na parte final do seu Evangelho, Mateus descreve a ruptura final de Jesus com o judaísmo (cf. Mt 18,1-25,46) e o final do caminho de Jesus: a paixão, morte e ressurreição (cf. Mt 26,1-28,15).
    A leitura que hoje nos é proposta é o relato da paixão de Jesus. Descreve como o anúncio do Reino choca com a mentalidade da opressão e, portanto, conduz à cruz e à morte; no entanto, não podemos dissociar os acontecimentos da paixão daqueles que celebraremos no próximo domingo: a ressurreição é a prova de que Jesus veio de Deus e tinha um mandato do Pai para tornar realidade no mundo o "Reino dos céus".

    MENSAGEM

    A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar esse mundo novo, de justiça, de paz e de amor para todos os homens. Para concretizar este projecto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina "fazendo o bem" e anunciando a proximidade de um mundo novo, de vida, de liberdade, de paz e de amor para todos. Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos, não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham um coração mais disponível para acolher o "Reino"; e avisou os "ricos" (os poderosos, os instalados), de que o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, o fechamento só podiam conduzir à morte.
    O projecto libertador de Jesus entrou em choque - como era inevitável - com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades políticas e religiosas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostas a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, prenderam Jesus, julgaram-n'O, condenaram-n'O e pregaram-n'O numa cruz.
    A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do "Reino": resultou das tensões e resistências que a proposta do "Reino" provocou entre os que dominavam o mundo.
    Podemos, também, dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação última, porém, mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço.
    Na cruz, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem Novo vai assumir como missão a luta contra o pecado - isto é, contra todas as causas objectivas que geram medo, injustiça, sofrimento, exploração e morte. Assim, a cruz mantém o dinamismo de um mundo novo - o dinamismo do "Reino".
    Para além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém ainda notar alguns dados que são exclusivos da versão mateana da paixão.

    • Ao longo do relato da paixão, Mateus insiste no facto de os acontecimentos estarem relacionados com o cumprimento das Escrituras (cf. Mt 26,24.30.54.56;27,9). Mesmo quando não refere explicitamente o cumprimento das Escrituras, Mateus liga os acontecimentos da paixão de Jesus com figuras e factos do Antigo Testamento, a fim de demonstrar que a paixão e morte de Jesus faz parte do projecto de Deus, previsto desde sempre. A explicação para esta insistência no cumprimento das Escrituras deve ser buscada no seguinte facto: Mateus escreve para cristãos que vêm do judaísmo; Ele vai, portanto, fazer referência a citações e promessas do Antigo Testamento - conhecidas de cor por todos os judeus - a fim de demonstrar que Jesus era esse Messias anunciado pelos profetas e cujo destino passava pelo dom da vida.

    • Também Marcos (cf. Mc 14,47) e Lucas (cf. Lc 22,50-51) contam como, no Getsemani, na altura em que Jesus foi preso, um dos elementos do grupo de Jesus agrediu com uma espada um servo do sumo-sacerdote. No entanto, só Mateus apresenta Jesus a condenar explicitamente o gesto, explicando que o projecto do Pai não passa pela violência, mesmo contra os agressores (cf. Mt 26,51-54). O caminho do Pai passa pelo amor e pelo dom da vida; por isso, os discípulos de Jesus não podem recorrer à violência, mesmo que se trate de defender uma causa justa. Este ensinamento tem, neste contexto, uma força especial: é quando Jesus é vítima inocente da violência que Ele afirma de forma clara a recusa absoluta da violência: o "Reino" de Deus nunca passará por esquemas de violência, de imposição, de poder e de prepotência. Na lógica do "Reino", os fins nunca justificarão os meios.

    • Só no Evangelho segundo Mateus aparece o relato da morte de Judas (cf. Mt 27,3-10. Temos uma outra versão do acontecimento em Act 1,18-19). O episódio deixa clara a iniquidade do processo e a inocência de Jesus. A forma como Mateus sublinha o desespero e o arrependimento de Judas deixa clara a inocência de Jesus, por um lado e, por outro, o desnorte dos responsáveis pelo processo, empenhados em "sacudir a água do capote" e em declinar responsabilidades.

    • São exclusivos de Mateus o sonho da mulher de Pilatos (cf. Mt 27,19) e a lavagem das mãos por parte do procurador romano (cf. Mt 27,24). Estes pormenores aparecem aqui com uma dupla finalidade: por um lado, Mateus quer deixar claro que Jesus é inocente e que os próprios romanos reconhecem o facto; por outro, Mateus sugere que não foi o império romano, mas sim o próprio judaísmo que rejeitou Jesus e a sua proposta de "Reino". Os pagãos reconhecem a inocência de Jesus; mas o seu próprio Povo rejeita-O. A frase que, no contexto do julgamento de Jesus, Mateus atribui ao Povo ("o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos" - Mt 27,25) deve também ser entendida neste enquadramento. Mateus explica dessa forma - aos cristãos que vêm do judaísmo - porque é que o judaísmo como conjunto está fora do "Reino": o judaísmo rejeitou Jesus e quis eliminar a sua proposta.

    • Também é exclusiva de Mateus a descrição dos factos que acompanharam a morte de Jesus: "o véu do Templo rasgou-se em duas partes, de alto a baixo; a terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos dos corpos de santos que tinham morrido ressuscitaram; e, saindo do sepulcro, depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade e apareceram a muitos" (Mt 27,51-53). Através destes elementos, Mateus quer sublinhar a importância do momento. É o tipo de sinais que, segundo a tradição apocalíptica, precederiam a manifestação de Deus, no final dos tempos. Estes sinais mostram que, apesar do aparente fracasso de Jesus, Deus está ali, a manifestar-Se como o salvador e libertador do seu Povo.

    • Finalmente, só Mateus narra o episódio da "guarda" do sepulcro (cf. Mt 27,62-66). Provavelmente, o relato de Mateus tem uma finalidade apologética... Para os cristãos, o sepulcro vazio era a evidência de que Jesus tinha ressuscitado; mas alguns grupos judeus puseram a circular o rumor de que o corpo de Jesus tinha sido roubado pelos discípulos. Mateus trata de explicar a origem do rumor e de negá-lo veementemente.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes dados:

    • Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil... Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, tremeu perante a morte, suou sangue antes de aceitar a vontade do Pai; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir connosco "até ao fim dos tempos": esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes.

    • Contemplar a cruz, onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus, significa assumir a mesma atitude e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade... Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor... Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    scj.lu@netcabo.pt - www.ecclesia.pt/dehonianos

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE RAMOS
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Ramos, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. FAZER UMA VERDADEIRA PROCISSÃO.
    Preparar com cuidado a aclamação com os ramos (durante a liturgia dos ramos e, depois, cantando "Hossana" após o prefácio). Se possível, fazer uma verdadeira procissão de entrada, pois a procissão dos Ramos celebra Jesus que, pela primeira vez, se apresenta à multidão como Rei-Messias! Ao entrar na igreja atrás da cruz e do presidente da assembleia, esta caminha com Cristo e deixa-se introduzir na celebração do mistério da sua Paixão, da sua morte e da sua Ressurreição. No final da celebração, recordemos aos fiéis que os ramos benzidos são um símbolo de vitória e de vida, e permanecerão, ao longo do ano, como um sinal de esperança.

    3. A PAIXÃO POR EPISÓDIOS.
    Para a leitura da Paixão, pode-se escolher vários leitores para as várias personagens, que devem preparar muito bem a leitura. Ou pode-se mudar de leitor ao longo da paixão.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    A vida é paixão. Nunca ficamos insensíveis diante de um apaixonado. Ou irrita ou seduz... De qualquer modo, ele provoca. Jesus foi apaixonado de Deus seu Pai. Uma só coisa contava para Ele: fazer a sua vontade. Ora, a vontade de Deus não era que seu Filho morresse, mas que fosse até ao fim do amor. Com o risco de dar a sua vida... e foi o que Ele fez. Jesus foi um apaixonado dos homens seus irmãos. Uma só coisa contava para Ele: salvar a humanidade, arrancando-a do egoísmo, da violência, do orgulho, da riqueza, da idolatria, de tudo o que leva à morte e à infelicidade... para lhe propor o serviço, o acolhimento, o perdão, a pobreza, tudo o que leva à vida e à felicidade, e que tem um nome: o Amor. Durante toda esta Semana Santa, ergamos os olhos para Cristo na sua Paixão por Deus seu Pai, na paixão pelos homens seus irmãos. Para que nós também sejamos apaixonados!

    5. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Nós Te damos graças pelo testemunho de não-violência dado e ensinado pelos Profetas e, sobretudo, pelo teu Filho Jesus.
    Nós Te pedimos. Vem em nosso auxílio, revela-nos cada manhã a escuta da tua Palavra, instrui-nos pelo teu Espírito de paciência. Que nós saibamos, da nossa parte, reconfortar aqueles que não podem mais.

    No final da segunda leitura:
    Cristo Jesus, nós Te adoramos e bendizemos: Tu que és de condição divina, Tu que Te tornaste servo. Pai, nós Te glorificamos, porque o teu Filho humilhado até ao extremo pelos homens, Tu O revelaste acima de todos.
    Nós Te pedimos pela nossa humanidade que continua a sofrer e a fazer sofrer: que se deixe transformar e curar pelo teu Espírito de ressurreição.

    No final do Evangelho:
    Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Nós Te bendizemos, Senhor Jesus, e confessamo-lo: verdadeiramente, Tu és o Filho de Deus.
    Perdão pelas nossas negações, as nossas traições, as nossas faltas de fé, que semeiam a morte nas nossas existências e no nosso mundo. Nós sabemo-lo: Tu nunca nos abandonas. Pela tua cruz, livra-nos do mal.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística II da Assembleia com Crianças.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Um Rei-Servidor... Mudança radical de valores! Numa sociedade que só acredita no seu poder, no seu dinheiro, nas suas conquistas, eis o nosso Rei que vem até nós na humildade, no serviço, no sofrimento, vulnerável até morrer. Discípulos deste Messias-Servidor, onde se situam os nossos valores de referência: do lado do Evangelho? Do lado do mundo? Não há meio termo...

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • 01º Domingo de Páscoa – Ano A

    01º Domingo de Páscoa – Ano A

    9 de Abril, 2023

    ANO A
    Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor

    Tema do Domingo de Páscoa

    A liturgia deste domingo celebra a ressurreição e garante-nos que a vida em plenitude resulta de uma existência feita dom e serviço em favor dos irmãos. A ressurreição de Cristo é o exemplo concreto que confirma tudo isto.
    A primeira leitura apresenta o exemplo de Cristo que “passou pelo mundo fazendo o bem” e que, por amor, Se deu até à morte; por isso, Deus ressuscitou-O. Os discípulos, testemunhas desta dinâmica, devem anunciar este “caminho” a todos os homens.
    O Evangelho coloca-nos diante de duas atitudes face à ressurreição: a do discípulo obstinado, que se recusa a aceitá-la porque, na sua lógica, o amor total e a doação da vida nunca podem ser geradores de vida nova; e a do discípulo ideal, que ama Jesus e que, por isso, entende o seu caminho e a sua proposta (a esse não o escandaliza nem o espanta que da cruz tenha nascido a vida plena, a vida verdadeira).
    A segunda leitura convida os cristãos, revestidos de Cristo pelo baptismo, a continuarem a sua caminhada de vida nova até à transformação plena (que acontecerá quando, pela morte, tivermos ultrapassado a última barreira da nossa finitude).

    LEITURA I – Act 10,34a.37-43

    Leitura dos Actos dos Apóstolos

    Naqueles dias,
    Pedro tomou a palavra e disse:
    «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia,
    a começar pela Galileia,
    depois do baptismo que João pregou:
    Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré,
    que passou fazendo o bem
    e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio,
    porque Deus estava com Ele.
    Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez
    no país dos Judeus e em Jerusalém;
    e eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz.
    Deus ressuscitou-O ao terceiro dia
    e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo,
    mas às testemunhas de antemão designadas por Deus,
    a nós que comemos e bebemos com Ele,
    depois de ter ressuscitado dos mortos.
    Jesus mandou-nos pregar ao povo
    e testemunhar que ele foi constituído por Deus
    juiz dos vivos e dos mortos.
    É d’Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho:
    quem acredita n’Ele
    recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».

    AMBIENTE

    A obra de Lucas (Evangelho e Actos dos Apóstolos) aparece entre os anos 80 e 90, numa fase em que a Igreja já se encontra organizada e estruturada, mas em que começam a surgir “mestres” pouco ortodoxos, com propostas doutrinais estranhas e, às vezes, pouco cristãs. Neste ambiente, as comunidades cristãs começam a necessitar de critérios claros que lhes permitam discernir a verdadeira doutrina de Jesus, da falsa doutrina dos falsos mestres.
    Lucas apresenta, então, a Palavra de Jesus, transmitida pelos apóstolos sob o impulso do Espírito Santo: é essa Palavra que contém a proposta libertadora que Deus quer apresentar aos homens. Nos Actos, em especial, Lucas mostra como a Igreja nasce da Palavra de Jesus, fielmente anunciada pelos apóstolos; será esta Igreja, animada pelo Espírito, fiel à doutrina transmitida pelos apóstolos, que tornará presente o plano salvador do Pai e o fará chegar a todos os homens.
    Neste texto, em concreto, Lucas propõe-nos o testemunho e a catequese de Pedro em Cesareia, em casa do centurião romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf. Act 10,19-20), Pedro entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e baptiza-o, bem como a toda a sua família (cf. Act 10,23b-48). O episódio é importante porque Cornélio é o primeiro pagão a cem por cento a ser admitido ao cristianismo por um dos Doze (o etíope de que se fala em Act 8,26-40 já era “prosélito”, isto é, simpatizante do judaísmo). Significa que a vida nova que nasce de Jesus é para todos os homens.

    MENSAGEM

    O nosso texto é uma composição lucana, onde ecoa o “kerigma” primitivo. Pedro começa por anunciar Jesus como “o ungido”, que tem o poder de Deus (vers. 38a); depois, descreve a actividade de Jesus, que “passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos” (vers. 38b); em seguida, dá testemunho da morte de Jesus na cruz (vers. 39) e da sua ressurreição (vers. 40); finalmente, Pedro tira as conclusões acerca da dimensão salvífica de tudo isto (vers. 43b: “quem acredita n’Ele, recebe, pelo seu nome, a remissão dos pecados”). Esta catequese refere também, com alguma insistência, o testemunho dos discípulos que acompanharam, a par e passo, a caminhada histórica de Jesus (vers. 39a.41.42).
    Repare-se como a ressurreição de Jesus não é apresentada como um facto isolado, mas como o culminar de uma vida vivida na obediência ao Pai e na doação aos homens. Depois de Jesus ter passado pelo mundo “fazendo o bem e libertando todos os que eram oprimidos”; depois de Ele ter morrido na cruz como consequência desse “caminho”, Deus ressuscitou-O. A vida nova e plena que a ressurreição significa, parece ser o ponto de chegada de uma existência posta ao serviço do projecto salvador e libertador de Deus. Por outro lado, esta vida vivida na entrega e no dom é uma proposta transformadora que, uma vez acolhida, liberta da escravidão do egoísmo e do pecado (vers. 43).
    E os discípulos? Eles são aqueles que aderiram a Jesus e que acolheram a sua proposta libertadora. Se a vida dos discípulos se identifica com a de Jesus, eles estão a “ressuscitar” (isto é, a renascer para a vida nova e plena). Além disso, eles são as testemunhas de tudo isto: é absolutamente necessário que esta proposta de ressurreição, de vida plena, de vida transfigurada, chegue a todos os homens. Trata-se de uma proposta de salvação universal que, através dos discípulos, deve atingir, todos os povos da terra, sem distinção. Os acontecimentos do dia do Pentecostes já haviam, aliás, anunciado a universalidade da proposta de salvação, apresentada por Jesus e testemunhada pelos apóstolos.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir das seguintes coordenadas:

    • A ressurreição de Jesus é a consequência de uma vida gasta a “fazer o bem e a libertar os oprimidos”. Isso significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se esforça por vencer o egoísmo, a mentira, a injustiça e por fazer triunfar o amor, está a ressuscitar; significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se dá aos outros e manifesta, em gestos concretos, a sua entrega aos irmãos, está a construir vida nova e plena. Eu estou a ressuscitar (porque caminho pelo mundo fazendo o bem e libertando os oprimidos), ou a minha vida é um repisar os velhos esquemas do egoísmo, do orgulho, do comodismo?

    • A ressurreição de Jesus significa, tamb&ea
    cute;m, que o medo, a morte, o sofrimento, a injustiça, deixam de ter poder sobre o homem que ama, que se dá, que partilha a vida. Ele tem assegurada a vida plena – essa vida que os poderes do mundo não podem destruir, atingir ou restringir. Ele pode, assim, enfrentar o mundo com a serenidade que lhe vem da fé. Estou consciente disto, ou deixo-me dominar pelo medo, sempre que tenho de agir para combater aquilo que rouba a vida e a dignidade, a mim e a cada um dos meus irmãos?

    • Aos discípulos pede-se que sejam as testemunhas da ressurreição. Nós não vimos o sepulcro vazio; mas fazemos, todos os dias, a experiência do Senhor ressuscitado, que está vivo e que caminha ao nosso lado nos caminhos da história. A nossa missão é testemunhar essa realidade; no entanto, o nosso testemunho será oco e vazio se o nosso testemunho não for comprovado pelo amor e pela doação (as marcas da vida nova de Jesus).

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)

    Refrão: Este é o dia que o Senhor fez:
    exultemos e cantemos de alegria.

    Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
    porque é eterna a sua misericórdia.
    Diga a casa de Israel:
    é eterna a sua misericórdia.

    A mão do Senhor fez prodígios,
    a mão do Senhor foi magnífica.
    Não morrerei, mas hei-de viver,
    para anunciar as obras do Senhor.

    A pedra que os construtores rejeitaram
    tornou-se pedra angular.
    Tudo isto veio do Senhor:
    é admirável aos nossos olhos.

    LEITURA II – Col 3,1-4

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Colossenses

    Irmãos:
    Se ressuscitastes com Cristo,
    aspirai às coisas do alto,
    onde está Cristo, sentado à direita de Deus.
    Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra.
    Porque vós morrestes,
    e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.
    Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar,
    também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória.

    AMBIENTE

    Quando escreveu a Carta aos Colossenses, Paulo estava na prisão (em Roma?). Epafras, seu amigo, visitou-o e falou-lhe da “crise” por que estava a passar a Igreja de Colossos. Alguns doutores locais ensinavam doutrinas estranhas, que misturavam especulações acerca dos anjos (cf. Col 2,18), práticas ascéticas, rituais legalistas, prescrições sobre os alimentos e a observância de determinadas festas (cf. Col 2,16.21): tudo isso deveria (na opinião desses “mestres”) completar a fé em Cristo, comunicar aos crentes um conhecimento superior de Deus e dos mistérios cristãos e possibilitar uma vida religiosa mais autêntica. Contra este sincretismo religioso, Paulo afirma a absoluta suficiência de Cristo.
    O texto que nos é proposto como segunda leitura é a introdução à reflexão moral da carta (cf. Col 3,1-4,6). Depois de apresentar a centralidade de Cristo no projecto salvador de Deus (cf. Col 1,13-2,23), Paulo recorda aos cristãos de Colossos que é preciso viver de forma coerente e verdadeiro o compromisso assumido com Cristo.

    MENSAGEM

    Neste texto, Paulo apresenta, como ponto de partida e base da vida cristã, a união com Cristo ressuscitado, na qual o cristão é introduzido pelo baptismo. Ao ser baptizado, o cristão morreu para o pecado e renasceu para uma vida nova, que terá a sua manifestação gloriosa quando ultrapassarmos, pela morte, as fronteiras da nossa vida terrena. Enquanto caminhamos ao encontro desse objectivo último, a nossa vida tem de tender para Cristo. Em concreto, isso significa despojarmo-nos do “homem velho” por um processo de conversão que nunca está acabado, e o revestirmo-nos – cada dia mais profundamente – da imagem de Cristo, de forma a que nos identifiquemos com Ele pelo amor e pela entrega da vida.
    No texto de Paulo está bem presente a ideia de que temos que viver com os pés na terra, mas com a mente e o coração no céu: é lá que estão os bens eternos e a nossa meta definitiva (“afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra”). Daqui resulta um conjunto de exigências práticas que Paulo vai enumerar, de forma bem concreta, nos versículos seguintes (cf. Col 3,5-4,1).

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar as seguintes questões, na reflexão:

    • O baptismo introduz-nos numa dinâmica de comunhão com Cristo ressuscitado. Tenho consciência de que o meu baptismo significou um compromisso com Cristo? Quando, de alguma forma, tenho um papel activo na preparação ou na celebração do sacramento do baptismo, tenho consciência – e procuro passar essa mensagem – de que o sacramento não é um acto tradicional ou social (que, por acaso, até proporciona fotografias bonitas), mas um compromisso sério e exigente com Cristo?

    • A minha vida tem sido uma caminhada coerente com esta dinâmica de vida nova que começou no dia em que fui baptizado? Esforço-me, realmente, por me despojar do “homem velho”, egoísta e escravo do pecado, e por me revestir do “homem novo”, que se identifica com Cristo e que vive no amor, no serviço, na doação aos irmãos?

    SEQUÊNCIA DA PÁSCOA

    À Vítima pascal
    ofereçam os cristãos
    sacrifícios de louvor.

    O Cordeiro resgatou as ovelhas:
    Cristo, o Inocente,
    reconciliou com o Pai os pecadores.

    A morte e a vida
    travaram um admirável combate:
    Depois de morto,
    vive e reina o Autor da vida.

    Diz-nos, Maria:
    Que viste no caminho?

    Vi o sepulcro de Cristo vivo
    e a glória do Ressuscitado.
    Vi as testemunhas dos Anjos,
    vi o sudário e a mortalha.

    Ressuscitou Cristo, minha esperança:
    precederá os seus discípulos na Galileia.

    Sabemos e acreditamos:
    Cristo ressuscitou dos mortos:
    Ó Rei vitorioso,
    tende piedade de nós.

    ALELUIA – 1 Cor 5,7b-8a

    Aleluia. Aleluia.

    Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado:
    celebremos a festa do Senhor.

    EVANGELHO – Jo 20,1-9

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    No primeiro dia da semana,
    Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro
    e viu a pedra retirada do sepulcro.
    Correu então e foi ter com Simão Pedro
    e com o discípulo predilecto de Jesus
    e disse-lhes:
    «Levaram o Senhor do sepulcro,
    e não sabemos onde O puseram».
    Pedro partiu com o outro discípulo
    e foram ambos ao sepulcro.
    Corriam os dois juntos,
    mas o outro discípulo antecipou-se,
    correndo mais depressa do que Pedro,
    e chegou primeiro ao sepulcro.
    Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou.
    Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira.
    Entrou no sepulcro
    e viu as ligaduras no chão
    e o sud&aacu
    te;rio que tinha estado sobre a cabeça de Jesus,
    não com as ligaduras, mas enrolado à parte.
    Entrou também o outro discípulo
    que chegara primeiro ao sepulcro:
    viu e acreditou.
    Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura,
    segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.

    AMBIENTE

    Na primeira parte do Quarto Evangelho (cf. Jo 4,1-19,42), João descreve a actividade criadora e vivificadora do Messias (o último passo dessa actividade destinada a fazer surgir o Homem Novo é, precisamente, a morte na cruz: aí, Jesus apresenta a última e definitiva lição – a lição do amor total, que não guarda nada para si, mas faz da sua vida um dom radical ao Pai e aos irmãos); na segunda parte (cf. Jo 20,1-31), João apresenta o resultado da acção de Jesus: a comunidade de Homens Novos, recriados e vivificados por Jesus, que com Ele aprenderam a amar com radicalidade. Trata-se dessa comunidade de homens e mulheres que se converteram e aderiram a Jesus e que, em cada dia – mesmo diante do sepulcro vazio – são convidados a manifestar a sua fé n’Ele.

    MENSAGEM

    O texto começa com uma indicação aparentemente cronológica, mas que deve ser entendida sobretudo em chave teológica: “no primeiro dia da semana”. Significa que começou um novo ciclo – o da nova criação, o da Páscoa definitiva. Aqui começa um novo tempo, o tempo do homem novo, que nasce a partir da doação de Jesus.
    A primeira personagem em cena é Maria Madalena: ela é a primeira a dirigir-se ao túmulo de Jesus, ainda o sol não tinha nascido, na manhã do “primeiro dia da semana”. Ela representa a nova comunidade que nasceu da acção criadora e vivificadora do Messias; essa nova comunidade, testemunha da cruz, acredita – inicialmente – que a morte triunfou e vai procurar Jesus no sepulcro: é uma comunidade perdida, desorientada, insegura, desamparada, que ainda não conseguiu descobrir que a morte foi derrotada; mas, diante do sepulcro vazio, a nova comunidade apercebe-se de que a morte não venceu e que Jesus continua vivo.
    Na sequência, João apresenta uma catequese sobre a dupla atitude dos discípulos diante do mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Essa dupla atitude é expressa no comportamento de dois discípulos que, na manhã da Páscoa, correm ao túmulo de Jesus: Simão Pedro e um “outro discípulo” não identificado (mas que parece ser esse “discípulo amado”, apresentado no Quarto Evangelho como modelo ideal do discípulo).
    João coloca, aliás, estas duas figuras lado a lado em várias circunstâncias (na última ceia, é o “discípulo amado” que percebe quem está do lado de Jesus e quem O vai trair – cf. Jo 13,23-25; na paixão, é ele que consegue estar perto de Jesus no átrio do sumo sacerdote, enquanto Pedro O trai – cf. Jo 18,15-18.25-27; é ele que está junto da cruz quando Jesus morre – cf. Jo 19,25-27); é ele quem reconhece Jesus ressuscitado nesse vulto que aparece aos discípulos no lago de Tiberíades – cf. Jo 21,7). Nas outras vezes, o “discípulo amado” levou sempre vantagem sobre Pedro. Aqui, isso irá acontecer outra vez: o “outro discípulo” correu mais e chegou ao túmulo primeiro que Pedro (o facto de se dizer que ele não entrou logo pode querer significar a sua deferência e o seu amor, que resultam da sua sintonia com Jesus); e, depois de ver, “acreditou” (o mesmo não se diz de Pedro).
    Provavelmente, o autor do Quarto Evangelho quis descrever, através destas figuras, o impacto produzido nos discípulos pela morte de Jesus e as diferentes disposições existentes entre os membros da comunidade cristã. Em geral Pedro representa, nos Evangelhos, o discípulo obstinado, para quem a morte significa fracasso e que se recusa a aceitar que a vida nova passe pela humilhação da cruz (Jo 13,6-8.36-38; 18,16.17.18.25-27; cf. Mc 8,32-33; Mt 16,22-23). Ao contrário, o “outro discípulo” é o “discípulo amado”, que está sempre próximo de Jesus, que faz a experiência do amor de Jesus; por isso, corre ao seu encontro de forma mais decidida e “percebe” – porque só quem ama muito percebe certas coisas que passam despercebidas aos outros – que a morte não pôs fim à vida.
    Esse “outro discípulo” é, portanto, a imagem do discípulo ideal, que está em sintonia total com Jesus, que corre ao seu encontro com um total empenho, que compreende os sinais e que descobre (porque o amor leva à descoberta) que Jesus está vivo. Ele é o paradigma do Homem Novo, do homem recriado por Jesus.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir dos seguintes dados:

    • A lógica humana vai na linha da figura representada por Pedro: o amor partilhado até à morte, o serviço simples e sem pretensões, a entrega da vida, só conduzem ao fracasso e não são um caminho sólido e consistente para chegar ao êxito, ao triunfo, à glória; da cruz, do amor radical, da doação de si, não pode resultar realização, felicidade, vida plena. É verdade que é esta a perspectiva da cultura dominante; é verdade que é esta a perspectiva de muitos cristãos (representados na figura de Simão Pedro). Como me situo face a isto?

    • A ressurreição de Jesus prova, precisamente, que a vida plena, a vida total, a transfiguração total da nossa realidade finita e das nossas capacidades limitadas passa pelo amor que se dá, com radicalidade, até às últimas consequências. Tenho consciência disso? É nessa direcção que conduzo a caminhada da minha vida?

    • Pela fé, pela esperança, pelo seguimento de Cristo e pelos sacramentos, a semente da ressurreição (o próprio Jesus) é depositada na realidade do homem/corpo. Revestidos de Cristo, somos nova criatura: estamos, portanto, a ressuscitar, até atingirmos a plenitude, a maturação plena, a vida total (quando ultrapassarmos a barreira da morte física). Aqui começa, pois, a nova humanidade.

    • A figura de Pedro pode também representar, aqui, essa velha prudência dos responsáveis institucionais da Igreja, que os impede de ir à frente da caminhada do Povo de Deus, de arriscar, de aceitar os desafios, de aderir ao novo, ao desconcertante, ao incompreensível. O Evangelho de hoje sugere que é, precisamente aí que, tantas vezes, se revela o mistério de Deus e se encontram ecos de ressurreição e de vida nova.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE PÁSCOA
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Páscoa, Semana Santa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação co
    munitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. REUNIR-SE À VOLTA DO PRESBITÉRIO.
    Se a assembleia não for demasiado numerosa, poderá reunir-se (à volta do baptistério) no fundo da igreja para o rito da aspersão, depois subir em procissão atrás do círio pascal, cantando o Glória.

    3. RENOVAR A PROFISSÃO DE FÉ.
    Neste Dia de Páscoa, pode-se proclamar a fórmula do credo baptismal (dialogada), tal como na Vigília Pascal.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Aleluia, Pai, nós Te damos graças pelo grande mistério da Páscoa. Nós Te louvamos e Te bendizemos pelo teu Filho Jesus, que os homens tinham levado à morte, mas que Tu ressuscitaste ao terceiro dia.
    Nós Te pedimos por todas as Igrejas fundadas sobre a fé dos Apóstolos, para que elas testemunhem no mundo inteiro que Jesus está vivo.

    No final da segunda leitura:
    Ressuscitados com Cristo, nós Te louvamos, Deus nosso Pai, pelo Cordeiro pascal, teu Filho Jesus, que transforma a nossa velha terra numa primavera de vida e de luz e que nos renova a nós mesmos pela sua Páscoa.
    Nós Te pedimos por todos os baptizados e por todos os jovens que renovam nestes tempos a sua profissão de fé.

    No final do Evangelho:
    Deus nosso Pai, a força do teu Espírito abriu o túmulo, o teu Filho ressuscitou na luz deste dia eterno de Páscoa.
    Nós Te pedimos: abre os olhos do nosso coração, como fizeste ao discípulo que viu e acreditou, abre os nossos espíritos à inteligência das Escrituras.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III com os textos próprios do Dia de Páscoa.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Páscoa! Mergulhada no coração da nossa fé! Mergulhada nas fontes do nosso Baptismo! Hoje, a Ressurreição de Cristo é para nós algo mais que um vago sentimento? A Ressurreição de Cristo é o “dínamo” das nossas vidas de baptizados? A Ressurreição de Cristo é a energia que nos envia a testemunhar: “Cristo está vivo! Nós encontrámo-l’O!”?

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
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  • 1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa


    10 de Abril, 2023

    1ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 2, 14. 22-33

    No dia do Pentecostes, Pedro de pé, com os Onze, ergueu a voz e dirigiu-lhes então estas palavras:«Homens da Judeia e todos vós que residis em Jerusalém, ficai sabendo isto e prestai atenção às minhas palavras.Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e sinais que Deus realizou no meio de vós por seu intermédio, como vós próprios sabeis, 23este, depois de entregue, conforme o desígnio imutável e a previsão de Deus, vós o matastes, cravando-o na cruz pela mão de gente perversa.
    4Mas Deus ressuscitou-o, libertando-o dos grilhões da morte, pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte. 25David diz a seu respeito: 'Eu via constantemente o Senhor diante de mim, porque Ele está à minha direita, a fim de eu não vacilar. 26Por isso o meu coração se alegrou e a minha língua exultou; e até a minha carne repousará na esperança, 27porque Tu não abandonarás a minha vida na habitação dos mortos, nem permitirás que o teu Santo conheça a decomposição.
    28Deste-me a conhecer os caminhos da Vida, hás-de encher-me de alegria com a tua
    presença. ' 29Irmãos, seja-me permitido falar-vos sem rodeios: o patriarca David morreu e foi sepultado, e o seu túmulo encontra-se, ainda hoje, entre nós. 30Mas, como era profeta e sabia que Deus lhe prometera, sob juramento, que um dos descendentes do seu sangue havia de sentar-se no seu trono, 31viu e proclamou antecipadamente a ressurreição de Cristo por estas palavras: 'Não foi abandonado na habitação dos mortos e a sua carne não conheceu a decomposição. ' 32Foi este Jesus que Deus ressuscitou, e disto nós somos testemunhas. 33Tendo sido elevado pelo poder de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou-o como vedes e ouvis.

    «Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, com milagres, prodígios e sinais... depois de entregue... vós o matastes, cravando-o na cruz... Mas Deus ressuscitou-o». Estas palavras de Pedro, na manhã do Pentecostes, constituem o anúncio fundamental, o Kerigma, que a Igreja é chamada a fazer a todos os povos, a começar por Jerusalém. Jesus foi condenado e executado. Mas Deus confirmou a justeza da sua causa, ressuscitando-O dos mortos. Aliás, tudo estava previsto, conforme verificamos no salmo 15. O que não se realizou em David, realizou-se em Jesus de Nazaré, que Deus ressuscitou dos mortos. Os apóstolos são testemunhas desse facto. Pedro evoca a vida exemplar de Jesus, evoca a sua morte levada a cabo pelos judeus e pelos pagãos, e evoca a sua ressurreição. Tudo aconteceu conforme o plano de Deus delineado nas Escrituras.
    Temos aqui um exemplo da primeira pregação apostólica, centrada em Jesus de Nazaré, na sua acção, na responsabilidade de quem O recusou, e na total presença de Deus em todos os momentos da sua maravilhosa vida.

    Evangelho: Mateus 28, 8-15

    Naquele tempo, Maria Madalena e a outra Maria, 8afastando-se rapidamente do sepulcro, cheias de temor e de grande alegria, as mulheres correram a dar a notícia aos discípulos. 9Jesus saiu ao seu encontro e disse-lhes: «Salve!» Elas aproximaram-se, estreitaram-lhe os pés e prostraram-se diante dele. 10Jesus disse- lhes: «Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão.» 11Enquanto elas iam a caminho, alguns dos guardas foram à cidade participar aos sumos-sacerdotes tudo o que tinha acontecido! 12Eles reuniram-se com os anciãos; e, depois de terem deliberado, deram muito dinheiro aos soldados, 13recomendando-lhes: «Dizei isto: 'De noite, enquanto dormíamos, os seus discípulos vieram e roubaram-no.' 14E, se o caso chegar aos ouvidos do governador, nós o convenceremos e faremos com que vos deixe tranquilos.» 15Recebendo o dinheiro, eles fizeram como lhes tinham ensinado. E esta mentira divulgou-se entre os judeus até ao dia de hoje.

    Enquanto as mulheres, tendo-se encontrado com Jesus, correm a levar a notícia aos apóstolos (vv. 8-10), os guardas também correm a informar os sumos- sacerdotes sobre o curso dos acontecimentos (vv. 11-15). Entretanto Mateus centra a sua e a nossa atenção no túmulo vazio. Perante essa realidade, podemos tirar duas conclusões: ou Jesus ressuscitou, de verdade, ou os discípulos roubaram o seu corpo. Mas o episódio está organizado de tal modo que não deixa muito espaço a dúvidas. O testemunho das mulheres não dá hipóteses à mentira dos sumos-sacerdotes: «Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (v. 10). Só uma fé semelhante à das mulheres torna possível acolher o anúncio da ressurreição.
    Mateus escreve no século I, quando ainda estava bem acesa a polémica sobre a ressurreição de Cristo entre os chefes do povo e a comunidade dos discípulos. Para o evangelista, a ressurreição de Jesus era um facto indubitável, que tinha inaugurado os novos tempos e o Reino de Deus fundado no amor. Mas os chefes do povo judeu continuavam a rejeitar Jesus, e à espera de outro salvador.
    A ressurreição continua a ser sinal de contradição: é fonte de vida e de salvação para quem está aberto à fé e ao amor; é motivo de juízo e de condenação para quem a recusa.

    Meditatio

    A visão dos Anjos, que anunciavam a ressurreição, trouxe às mulheres temor, mas também grande alegria. Mas essa alegria só será plena quando Jesus se manifestar pessoalmente a elas. É o que acontece logo de seguida: «Salve!», diz-lhes o Senhor ao encontrá-las. Então, puderam abraçar-Lhe os pés, adorá-l´O.
    O encontro com Jesus ressuscitado enche as mulheres de contentamento porque a Sua presença é presença de Deus. Jesus aponta-lhes o caminho da vida e da missão. Aquela experiência não era para ficarem quietas e caladas. Por isso, partem em missão: «Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (v. 10). Também para nós, a alegria da Ressurreição, há-de tornar-se compromisso de anúncio, de missão.
    A segunda parte do texto mostra-nos outro efeito da luz da Ressurreição, um
    efeito negativo naqueles que não estão dispostos a acolhê-la. Os guardas do sepulcro e os anciãos conspiram, recusando ver a luz: «Dizei isto: 'De noite, enquanto dormíamos, os seus discípulos vieram e roubaram-no.' » (v. 13). Santo Agostinho observa com ironia: «Se dormiam, como é que viram os discípulos roubar o corpo?&raquo
    ;
    É bem diferente o testemunho de Pedro sobre Jesus: «Vós o matastes,
    cravando-o na cruz... Mas Deus ressuscitou-o» (cf. vv. 3-4). Esta primeira pregação do Apóstolo ecoará ininterruptamente na pregação da Igreja ao longo dos séculos. Pedro e a Igreja existem para anunciar a Morte e a Ressurreição de Jesus. Estes factos encerram toda a negatividade da história e toda a positividade da vontade de Deus. Cada um de nós é apóstolo na medida em que anuncia esta verdade, e se sente

    identificado com ela. O ódio, as trevas, a morte foram vencidos pelo poder de Deus, porque Cristo ressuscitou, porque «pois não era possível que ficasse sob o domínio da morte» (v. 4). Pedro e os outros Apóstolos anunciavam corajosamente a Ressurreição do Senhor. Anunciavam com poder, porque fizeram a experiência do Ressuscitado. Uma coisa é anunciar ao mundo Cristo, conhecido pelo estudo e, portanto, de modo muito abstracto; outra coisa é anunciar Cristo experimentado, vivido. Da experiência do Ressuscitado brota o testemunho eficaz e a acção em favor dos irmãos, o apostolado. Do apostolado, volta-se à experiência do Senhor. Quando temos uma experiência profunda e pessoal de Cristo, não há diferença essencial entre contemplação e apostolado. São dois modos diferentes de o amor oblativo se exprimir. Lembremos a legenda de Cassiano que fala do cão que corre porque viu a lebre e dos cães que correm porque viram o outro correr, mas não a lebre. Há uma boa diferença no modo de correr!
    Paulo VI, ao dirigir-se a religiosos de vida apostólica, afirma que "o anúncio da palavra de Deus", donde brota a fé, é uma "graça", "exige uma profunda união com o Senhor" (ET 9). "Múltiplos são os dons do Espírito, mas são tais que nos permitem sempre saborear o conhecimento íntimo e verdadeiro do Senhor" (ET 43): "O Espírito Santo dar-vos-á também a graça de descobrir o rosto do Senhor no coração dos homens, que Ele mesmo vos ensina a amar como irmãos. Ajuda-vos a recolher as manifestações do Seu amor na trama dos acontecimentos" (ET 44). São as experiências de Cristo Ressuscitado que tornam fecundo o nosso apostolado.

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me um coração aberto à tua luz e disponível para a missão. Não falta neste mundo quem procure esconder a verdade, fechar-se à tua luz, refugiar-se em conspirações para defender os seus interesses, afastando-se cada vez mais da simplicidade da verdade e juntando confusão à confusão. Mas só quem se abre à verdade está em paz e pode avançar com simplicidade.
    Senhor Jesus, creio na tua ressurreição gloriosa. Faz crescer em mim um
    coração de apóstolo. Dá-me uma alma vibrante e generosa, combativa e acolhedora, uma alma que me leve a dar testemunho de Ti em todas as ocasiões, porque só Tu tens Palavras de vida e porque, só na realização do teu Reino, encontrarei a paz.
    Interceda por mim a tua Mãe, a Virgem Maria, Rainha dos Apóstolos. Amen.

    Contemplatio

    Mal se puseram a caminho, encontram Jesus diante delas. Salvete, eu vos saúdo, diz-lhes. Cheias de fé, prostram-se, adoram o seu Deus, beijam as cicatrizes gloriosas dos seus pés. Agarram-se a estes pés benditos: tenuerunt pedes ejus. Jesus deixa-as fazer. Poucos instantes antes, não tinha permitido que Madalena lhe tocasse. As almas têm caminhos diferentes. Madalena é uma alma contemplativa, Jesus exige dela uma fé mais pura e um perfeito desapego. Tem também de reparar sensualidades passadas. As duas Marias são parentes de Jesus, são almas mais simples. São trémulas e fracas, têm necessidade de acreditar e de sentir para crerem e amarem. Como a bondade do Coração de Jesus sabe acomodar-se às necessidades de cada alma! Se soubéssemos também discernir as vistas de Deus e nos deixássemos conduzir por um sábio director!
    Nosso Senhor interrompe a alegria das piedosas mulheres e transmite-lhes a mensagem que deu a Madalena: «Ide dizer aos meus irmãos que me precedam na Galileia, é lá que me hão-de ver».
    Partem, mas estão de tal modo perturbadas que já não pensam
    na mensagem, diz-nos S. Marcos. Correm sem dúvida para casa da santíssima Virgem. Nosso Senhor desculpa-as, mandará prevenir S. Pedro e os outros apóstolos reunidos no Cenáculo por Madalena e à noite ainda pelos discípulos de Emaús. Está, de facto, nos desígnios de Deus que os fiéis dêem a sua colaboração aos apóstolos.
    Em tudo isto, o Coração de Jesus mostra uma admirável ternura pelas almas que lhe estão ligadas e que lhe estão consagradas. Vencer-nos-á sempre em afeição. (Leão Dehon, OSP 3, p. 379).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Não era possível que Jesus ficasse sob o domínio da morte» (cf. Act 2, 4)

  • 1ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    1ª Semana - Terça-feira - Páscoa


    11 de Abril, 2023

    1ª Semana - Terça-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 2, 36-41

    No dia do Pentecostes, disse Pedro aos judeus: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado.»
    37Ouvindo estas palavras, ficaram emocionados até ao fundo do coração e perguntaram a Pedro e aos outros Apóstolos: «Que havemos de fazer, irmãos?» 38Pedro respondeu-lhes: «Convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo. 39Na verdade, a promessa de Deus é para vós, para os vossos filhos, assim como para todos os que estão longe: para todos os que o Senhor nosso Deus quiser chamar.» 40Com estas e muitas outras palavras, Pedro exortava-os e dizia-lhes: «Afastai-vos desta geração perversa.» 41Os que aceitaram a sua palavra receberam o baptismo e, naquele dia, juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas.

    O discurso de Pedro culmina com a confissão essencial da fé cristã: «Saiba toda a casa de Israel, com absoluta certeza, que Deus estabeleceu como Senhor e Messias a esse Jesus por vós crucificado» (v. 36). Estas palavras provocam grande comoção nos ouvintes, que se dão conta da sua culpa na morte de Jesus. Mas, aos sentimentos de arrependimento, junta-se a percepção de que chegaram os últimos tempos. Embora não se fale explicitamente da segunda vinda de Cristo para realizar o juízo, ela está implícita na citação de Joel. Isto explica a reacção dos ouvintes: «Que havemos de fazer, irmãos?» (v. 37). É a pergunta que hão-de fazer todos aqueles que escutam o Evangelho. Pedro responde a todos: «convertei-vos e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo... recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (v. 38). É preciso, pois, mudar de mentalidade e de comportamento (metánoia), receber o baptismo «em nome de Jesus Cristo», o Enviado, o Messias, o Salvador. Receber o baptismo é sinal de abertura à vida nova, obra do Espírito que liberta da morte e oferece plenitude de vida. O perdão dos pecados, a libertação da morte e a vida nova no Espírito são oferecidos a todos os que, chamados por Deus, respondem confessando a fé: Jesus é o Senhor! Essa confissão liberta, os que a fazem, da «geração perversa» (v. 13), isto é, daqueles que, apegados a uma religiosidade legalista, querem impedir os outros de confessarem a fé em Jesus Cristo.
    As três mil conversões manifestam a força irresistível do Evangelho, e mostram-
    nos Pedro no seu novo trabalho de «pescador de homens» (Lc 5, 10).

    Evangelho: João 20, 11-18

    Naquele tempo, 11Maria Madalena estava junto ao túmulo, da parte de fora, a chorar. Sem parar de chorar, debruçou-se para dentro do túmulo, 12e contemplou dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha estado o corpo de Jesus, um à cabeceira e o outro aos pés. 13Perguntaram-lhe: «Mulher, porque choras?» E ela respondeu: «Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.» 14Dito isto, voltou-se para trás e viu Jesus, de pé, mas não se dava conta que era Ele. 15E Jesus disse-lhe: «Mulher, porque choras? Quem procuras?» Ela, pensando que era o encarregado do horto, disse-lhe: «Senhor, se foste tu que o tiraste, diz-me onde o

    puseste, que eu vou buscá-lo.» 16Disse-lhe Jesus: «Maria!» Ela, aproximando-se, exclamou em hebraico: «Rabbuni!» - que quer dizer: «Mestre!» 17Jesus disse-lhe:
    «Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: 'Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus.'» 18Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito.

    A ressurreição é um facto sobrenatural, testemunhado pelo mundo sobrenatural: jovem vestido de branco (Mc 16, 5), um anjo (Mt 28, 5), homens vestidos de branco (Lc 24, 4), dois anjos (Jo 20, 12). Ao longo de Jo 20, vemos o crescimento e a afirmação da fé dos primeiros discípulos em Jesus ressuscitado.
    O nosso texto compõe-se de duas partes: a aparição dos anjos a Maria (vv. 11-
    13) e a aparição de Jesus à mulher (vv. 14-18). Maria deve ser libertada de um apego ainda muito sensível ao Jesus terreno. A ultrapassagem desta visão terrena permite ao discípulo encontrar o Senhor. Maria não chega à fé em Cristo ressuscitado por meio dos anjos, que são simples interlocutores. De facto, só reconheceu o Senhor quando Ele pronunciou o seu nome: «Maria!» (v. 16), inaugurando nela uma nova vida. Ao reconhecer o Mestre (Rabbuni!), é convidada por Jesus a anunciar aos discípulos a Ressurreição. Torna-se então símbolo da fé plena, que se torna missionária e evangelizadora da Palavra de Jesus: «Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos: «Vi o Senhor!» E contou o que Ele lhe tinha dito» (v. 18).
    O encontro de Jesus com Maria Madalena, e o anúncio feito pela mulher aos irmãos, encerra uma importante mensagem para o discípulo de todos os tempos: o Senhor está vivo e cada um O deve procurar por meio de uma caminhada de fé, na certeza de que, se fizer a sua parte, o Senhor não tardará, por Sua vez, a vir-lhe ao encontro e a fazer-Se reconhecer.

    Meditatio

    Animados pelo Espírito Santo, os Apóstolos pregaram Jesus Cristo Morto e Ressuscitado. A Boa Notícia foi acolhida com entusiasmo e «juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas» (41). Como explicar tantas conversões? Estava-se no Pentecostes e o Espírito não actuava só nos Apóstolos, mas também nos seus ouvintes. O discurso de Pedro não era extraordinário nem irresistível. Mas os seus ouvintes ficaram fortemente emocionados com ele. E impõe-se uma conclusão: é o Espírito que torna fecunda a Palavra e converte os corações. O livro dos Actos ilustra esta verdade elementar: o protagonista da evangelização é o Espírito Santo.
    Parece que estamos a redescobrir na Igreja esse caminho, que exige mais paz e oração, e menos agitação e correrias. A pregação só toca os corações quando vai incendiada pelo fogo do Espírito.
    O evangelho comove e espanta pela sua simplicidade. Maria chora por aquilo que a devia encher de alegria. Mas ela ainda não sabe tudo, nem podia sabê-lo. Só um coração cavado pela dor pode ser repleto de alegria sobrenatural. Quantas vezes nos deixamos afundar na tristeza, em vez de exultarmos pela alegria que os sofrimentos nos preparam!
    Maria não reconhece Jesus porque se deixou envolver na sua ilusão humana:
    «Levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram» (v. 13). As suas palavras
    não estão totalmente erradas, porque expressam um profundo afecto pelo Senhor. Mas deve converter-se: procura um morto, e deve procurar um vivo. Uma tal conversão só irá acontecer quando Jesus a chamar pelo nome: «Maria!» (v. 16).
    Nós também só podemos chorar e procurar o Senhor na noite. Mas, quando Ele quiser, pode tocar-nos o coração, chamar-nos pelo nome. E tudo mudará: «Rabbuni!»,

    «Mestre!» (v. 16). Vamos reconhecê-Lo e ouvir da sua boca: «vai ter com os meus irmãos» (v. 17).
    Antes da Paixão, Jesus nunca tinha chamado irmãos aos seus discípulos. Chamo- os, agora. A cruz aproximou-O de nós de um modo absolutamente único. Tendo entrado na glória, parece mais longe de nós. Mas está mais próximo: é um irmão que nos leva ao seu e nosso Pai.
    A Igreja constituiu-se à volta do Ressuscitado, cuja presença ela
    experimentava fortemente. É também à volta d´Ele que se constituem as comunidades religiosas, no respeito pela dignidade e pela liberdade das pessoas. Cristo é o centro de toda a comunidade religiosa. Por isso, mais do que fruto da habilidade dos homens, a comunidade é fruto da Graça. Mais do que por meio de recursos humanos, a comunidade há-de ser construída à volta do altar, na celebração e na adoração eucarísticas. As nossas Constituições afirmam: "A comunidade esforça- se por dar testemunho de Cristo, no nome do qual está reunida" (Cst 67); "Procuramos a inspiração e o modelo desta vida comunitária na comunidade dos discípulos reunidos em redor do Senhor e nas primitivas comunidades cristãs" (Cst
    59).

    Oratio

    Ó Senhor Jesus Ressuscitado, quantas vezes, também eu, me deixo envolver por ilusões, por desejos excessivamente humanos. Dá-me a graça de Te reconhecer, de poder exclamar como Maria Madalena: «Vi o Senhor!». Então a minha alegria será plena, e ninguém ma poderá tirar. Então saberei construir igreja, construir comunidade! Então serei missionário da Boa Nova, porque, sem Ti, sem o teu Espírito, as minhas palavras são vazias, o meu trabalho estéril, os meus esforços vãos. Só Contigo, animado pelo teu Espírito, poderei levar a salvação aos meus irmãos. Faz-me compreender, cada vez mais, a absoluta necessidade de Ti, para ser testemunha, para evangelizar. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor quis passar por um momento pelos temores e pelas perturbações da agonia, para sofrer tudo o que sofremos e para nos ensinar a resignação e o abandono de que a vida está toda semeada. Queria também sofrer em todas as suas faculdades, a fim de expiar as faltas cometidas por todas as potências da nossa alma e do nosso corpo.
    Nestas penas extremas, exprime a sua resignação à vontade do seu Pai,
    mas regressa imediatamente à sua disposição habitual de alegria no sacrifício: Levantai-vos e vamos. Levantai-vos e caminhemos, dizia aos seus apóstolos e ia para a frente do traidor. Ia para a frente do cálice de amargura que tinha desejado beber e para o baptismo de sangue com que tinha pressa de ser baptizado por amor pelo seu Pai e por nós.
    O conjunto dos mistérios da sua Paixão, era a nossa salvação, a nossa redenção. Era o prelúdio necessário da Ressurreição, da abertura do seu Coração, do nascimento da Igreja, da descida do Espírito Santo e de todas as graças esperadas e preparadas desde a origem do mundo. Era a vitória sobre o demónio e sobre o pecado.
    Tinha muitas vezes exprimido o seu desejo da cruz; era para Ele uma
    angústia esperar: Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize! (Lc 12, 50).

    Os profetas tinham anunciado esta espontaneidade do seu sacrifício: ofereceu-se porque quis (Is 53). Assim, quando Pedro e os outros quiserem prender o traidor e os seus cúmplices, Nosso Senhor reprimirá o seu ardor demasiado natural: Não hei-de beber o cálice que meu Pai me deu? (Jo 18,11) (Leão Dehon, OSP 3, p. 247s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vi o Senhor!» (Jo 20, 18).

  • 1ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Quarta-feira - Páscoa


    12 de Abril, 2023

    1ª Semana - Quarta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 3, 1-10

    Naqueles dias, 1Pedro e João subiam ao templo, para a oração das três horas da tarde. 2Era para ali levado um homem, coxo desde o ventre materno, que todos os dias colocavam à porta do templo, chamada Formosa, para pedir esmola àqueles que entravam. 3Ao ver Pedro e João entrarem no templo, pediu-lhes esmola. 4Pedro, juntamente com João, olhando-o fixamente, disse-lhe: «Olha para nós.» 5O coxo tinha os olhos nos dois, esperando receber alguma coisa deles. 6Mas Pedro disse-lhe: «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!» 7E, segurando-o pela mão direita, ergueu-o. No mesmo instante, os pés e os artelhos se lhe tornaram firmes.8De um salto, pôs-se de pé, começou a andar e entrou com eles no templo, caminhando, saltando e louvando a Deus. 9Todo o povo o viu caminhar e louvar a Deus. 10Bem o conheciam, como sendo aquele que costumava sentar-se à Porta Formosa do templo a mendigar; ficaram cheios de assombro e estupefactos com o que lhe acabava de suceder.

    Os primeiros cristãos viviam dentro do judaísmo. Ainda não se dera a ruptura provocada pela novidade cristã. Pedro e João sobem ao templo para participarem no sacrifício das três horas da tarde. Assim faziam muitos judeus. À volta do templo, havia doentes e mendigos, que pediam esmola. Para os judeus, dar esmola era obra comparável à oração. É nesse contexto que Pedro realiza o milagre, «em nome de Jesus Cristo Nazareno» (v. 5). Esse milagre era um claro sinal de que os tempos novos esperados pelos judeus tinham chegado e estavam presentes. Ao mesmo tempo, cumpria-se a palavra de Jesus que tinha enviado os seus discípulos a curarem os enfermos e a anunciarem o evangelho (Lc 9, 2). Os próprios milagres são anúncio do evangelho (cf. Act 8, 6). Foi o que acontecera na vida de Jesus. E Pedro continua a obra libertadora de Jesus com a pregação e os milagres. Os milagres levam a explicação de como, porquê e por quem são realizados. Os milagres também servem para confirmar a autoridade daquele que anuncia a Boa Nova.
    A narrativa está cheia de vida e movimento. A cura do paralítico simboliza o poder vivificador de Jesus, a passagem do desespero à vida plena. Pedro ergue o coxo «em nome de Jesus Cristo Nazareno» (v. 6). O «nome» é sinónimo da pessoa e da sua autoridade. Os apóstolos falam e actuam com o poder de Jesus. É também em Jesus que o doente deve confiar. Pedro realçará a importância do «nome» de Jesus no discurso que vem a seguir.

    Evangelho: Lucas 24, 13-35

    13Dois dos discípulos de Jesus iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém; 14e conversavam entre si sobre tudo o que acontecera. 15Enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho; 16os seus olhos, porém, estavam impedidos de o reconhecer. 17Disse-lhes Ele: «Que palavras são essas que trocais entre vós, enquanto caminhais?» Pararam entristecidos. 18E um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Tu és o único forasteiro em Jerusalém a ignorar o que lá se passou nestes dias!» 19Perguntou-lhes Ele: «Que foi?» Responderam-lhe: «O que se refere a Jesus de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo; 20como os sumos-sacerdotes e os nossos chefes o entregaram, para ser condenado à morte e crucificado. 21Nós esperávamos que fosse Ele o que viria redimir Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas. 22É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deixaram perturbados, porque foram ao sepulcro de madrugada 23e, não achando o seu corpo, vieram dizer que lhes apareceram uns anjos, que afirmavam que Ele vivia. 24Então, alguns dos nossos foram ao sepulcro e encontraram tudo como as mulheres tinham dito. Mas, a Ele, não o viram.» 25Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! 26Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» 27E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito. 28Ao chegarem perto da aldeia para onde iam, fez menção de seguir para diante. 29Os outros, porém, insistiam com Ele, dizendo: «Fica connosco, pois a noite vai caindo e o dia já está no ocaso.» Entrou para ficar com eles. 30E, quando se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, entregou-lho.
    31Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram-no; mas Ele desapareceu da sua presença. 32Disseram, então, um ao outro: «Não nos ardia o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?» 33Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, 34que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!» 35E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.

    O relato de Lucas, que hoje escutamos, é um dos mais profundos testemunhos da Páscoa de Jesus, que encontramos no Novo Testamento. Ao mesmo tempo, apresenta-nos a escuta da Palavra e a Eucaristia como fundamentos do caminho da fé cristã.
    Esta experiência dos discípulos é descrita em dois momentos. No primeiro, vemo-los afastarem-se da comunidade de fé de Jerusalém, para voltarem ao seu velho mundo (vv. 13-29). Vão profundamente desiludidos. Tinham confiado em Jesus como profeta e esperavam nele como líder vitorioso, como libertador de Israel (v. 21). A Ressurreição significava para eles o triunfo militar do povo e uma nova ordem de justiça e liberdade sobre a terra. Mas nada disso aconteceu. É certo que Jesus não estava no sepulcro. Algumas mulheres tinham verificado esse facto... Alguns homens também viram o túmulo vazio. Mas não O viram a Ele (vv. 23-24). No segundo momento, vemo-los voltar a Jerusalém, à comunidade dos discípulos, alegres e com a fé renovada (vv. 30-35). No primeiro momento, Jesus, na figura de um viandante, aproxima-se dos discípulos e, conversando com eles, ajuda-os a ler o plano de Deus e a recuperar a esperança. Lembra-lhes as Escrituras (v. 25). Quando já se reacende a esperança, e o querem reter à sua mesa, enquanto Ele lhes reparte o pão, reconhecem o Senhor: «os seus olhos abriram-se e reconheceram-no» (v. 31).
    O ensinamento de Lucas é claro. Há que ultrapassar preconceitos sobre Jesus e sobre o seu destino. Ele não é reconhecido através de uma guerra santa e vitoriosa. O sepulcro não é o seu lugar definitivo, nem a sua ressurreição é um regresso ao pas
    sado. O caminho para O encontrar é a escuta da Palavra de Deus, presente nas Escrituras e a Eucaristia colocada no centro da vida. Quem assim fizer, chegará gradualmente è fé e fará experiência do Ressuscitado. A Igreja alimenta-se da grande mesa da Palavra e da Eucaristia. O Senhor está onde se encontram os irmãos reunidos à volta de Simão, que viu o Senhor e fortalece a fé dos seus irmãos, lançando os fundamentos da Igreja.

    Meditatio

    Ontem, como hoje, há fome e sede de milagres, e os seus «fazedores» correm o risco de ser idolatrados. Mas Pedro e João, como, mais tarde, Paulo e Barnabé (Act14, 14ss.), corrigem o povo e proclamam que é em nome de Jesus Nazareno que operam prodígios. Só quem acredita e invoca esse nome alcança milagres.
    Também hoje há milagres. Mas é Deus que os realiza pela oração e pela fé. Por vezes, os que se encontram em situações de grande sofrimento, pedem a ajuda de pessoas que julgam mais próximas de Deus. Mas também hoje, essas pessoas, muitas vezes, não têm «ouro nem prata». Vivem na humildade e na oração.
    Longe do cepticismo de quem exclui a possibilidade e a oportunidade de milagres, mas também longe do fanatismo pelos curandeiros e pela crendice mais ou menos supersticiosa, confiamo-nos à oração e à fé para alcançar a intervenção extraordinária de Deus em casos extremos, deixando para Ele, que tudo conhece, a última decisão. E Deus não abandona o seu povo. Socorre-o com intervenções, por vezes, extraordinárias, obtidas pela oração dos seus servos que, confiando apenas n' Ele, não precisam de ouro nem de prata.
    A narrativa dos dois discípulos de Emaús está construída como uma Missa. Quantas vezes, diante do mistério de Cristo, ficamos desorientados, tristes, e nos deixamos levar pelo «bom senso», afastando-nos de Jerusalém. Mas a presença de Jesus ilumina-nos, aquece-nos o coração, e faz-nos voltar a Jerusalém, isto é, à vida quotidiana do testemunho, profundamente mudados.
    Acontece-nos ir para a celebração eucarística cheios de preocupações, carregados de dificuldades, com a alma pesada e fechada em si mesma. Mas, como aos discípulos de Emaús, o Senhor acolhe-nos e explica-nos as Escrituras. E, então, os nossos corações começam a arder dentro de nós, abrem-se às surpresas de Deus, e os nossos olhos são iluminados. Passamos a ver a vida e os acontecimentos que a preenchem a outra luz. À mesa da palavra, segue a mesa do pão. Jesus toma o pão, abençoa-o, parte-o e distribui-o: «Então, os seus olhos abriram-se e reconheceram- no» (Lc 24, 31). E também os nossos se abrem permitindo-nos reconhecer o Senhor onde Ele está: no caminho da nossa vida, na comunidade reunida em seu nome, na Palavra e no Pão: «Eu estarei sempre convosco» (Mt 28, 20). A narrativa de Lucas refere-se a um facto que aconteceu mas, também, a um facto que acontece na vida dos cristãos. A escuta da Palavra e a partilha do Pão, isto é, da Eucaristia, levam-nos a reconhecer a Cristo Ressuscitado, presente no meio de nós.
    Memorial do sacrifício de Cristo, a Eucaristia é também sua presença viva, que nos dá a vida nova. «Toda a nossa vida cristã e religiosa - lembram as Constituições - encontra a sua fonte e o seu ponto culminante na Eucaristia (cf. LG 11). A celebração do Memorial da morte e ressurreição do Senhor constitui para nós o momento privilegiado da nossa fé e da nossa vocação de Sacerdotes do Coração de Jesus» (Cst 80).

    Oratio

    Senhor Jesus Ressuscitado, quero pedir-te, hoje, uma fé viva na tua presença na celebração eucarística. Tu estás na tua Palavra, Tu estás na Eucaristia, com o teu corpo ressuscitado, que conserva os gloriosos sinais da tua Paixão. Tu dás-Te a mim e a cada um dos meus irmãos com a mesma generosidade e com o mesmo amor com que avançaste sereno e decidido para o Calvário. Tu ressuscitaste porque sofreste. Com o teu sacrifício renovaste o homem e deste-lhe a possibilidade de viver uma vida nova. Glória a Ti para sempre! Amen! Amen! Aleluia!

    Contemplatio

    Os dois discípulos iam-se embora, tristes, abatidos, silenciosos. Pouco a pouco rompem o silêncio. Comunicam entre si as suas impressões desencorajantes: Sperabamus! Nós esperávamos! Agora tudo acabou. Fogem para o campo. Deviam ter sabido entretanto que Jesus tinha predito a sua ressurreição. Não compreenderam. Não têm uma fé viva. Regressam às suas ocupações materiais. Julgam Jesus morto para sempre, e ele está a alguns passos atrás deles.
    Jesus está connosco também nas nossas provações e nas nossas desolações. O seu Coração poderia ficar frio e indiferente às nossas aflições?
    Sob a forma de um viajante, Jesus alcança-os. Desconfiados, calam-se. Já não ousam sequer manifestar a sua adesão à causa do Cristo. Mas o Salvador insiste e encoraja-os a falar. Sabe que eles lhe estavam ligados e que guardam afecto pela sua pessoa, apesar da sua decepção. Vai suavemente conduzi-los a reconhecerem nele os caracteres do Messias redentor. O seu coração terno e bom sugere-lhe as indústrias mais apropriadas para ganhar estes pobres corações desencorajados (Leão Dehon, OSP3, p. 383).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Jesus deu-se-lhes a conhecer, ao partir o pão» (Lc 24, 35).

  • 1ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Quinta-feira - Páscoa


    13 de Abril, 2023

    1ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 3, 11-26

    Naqueles dias, o coxo de nascença que tinha sido curado 11não largava Pedro e João, e todo o povo, cheio de assombro, se juntou a eles sob o chamado pórtico de Salomão.12Ao ver isto, Pedro dirigiu a palavra ao povo:
    «Homens de Israel, porque vos admirais com isto? Porque nos olhais, como se tivéssemos feito andar este homem por nosso próprio poder ou piedade? 13O Deus de Abraão, de Isaac e Jacob, o Deus dos nossos pais, glorificou o seu servo Jesus, que vós entregastes e negastes na presença de Pilatos, estando ele resolvido a libertá-lo.
    14Negastes o Santo e o Justo e pedistes a libertação de um assassino. 15Destes a
    morte ao Príncipe da Vida, mas Deus ressuscitou-o dos mortos, e disso nós somos testemunhas. 16Pela fé no seu nome, este homem, que vedes e conheceis, recobrou as forças. Foi a fé que dele nos vem que curou completamente este homem na vossa presença. 17Agora, irmãos, sei que agistes por ignorância, como também os vossos chefes. 18Dessa forma, Deus cumpriu o que antecipadamente anunciara pela boca de todos os profetas: que o seu Messias havia de padecer. 19Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que os vossos pecados sejam apagados; 20e, assim, o Senhor vos conceda os tempos de conforto, quando Ele enviar aquele que vos foi destinado, o Messias Jesus, 21que deve permanecer no Céu até ao momento da restauração de todas as coisas, de que Deus falou outrora pela boca dos seus santos profetas.
    22Moisés disse: 'O Senhor Deus suscitar-vos-á um Profeta como eu, de entre os vossos irmãos. Escutá-lo-eis em tudo quanto vos disser. 23Quem não escutar esse Profeta, será exterminado do meio do povo.' 24E, por outro lado, todos os profetas que falaram desde Samuel anunciaram igualmente estes dias. 25Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus concluiu com os vossos pais, quando disse a Abraão:
    'Na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da Terra.' 26Foi primeiramente para vós que Deus suscitou o seu Servo e o enviou para vos abençoar e para se afastar cada um de vós das suas más acções.»

    O discurso de Pedro revela o sentido e a justificação da cura do coxo, junto à Porta Formosa e, ao mesmo tempo, serve de apoio para a exposição do Kerygma cristão. Os ouvintes reagem com admiração, vendo a cura como uma acção de Deus realizada graças à bondade e à santidade dos apóstolos. Pedro reage negando tal interpretação: o que aconteceu deve-se unicamente a um poder novo, agora presente no mundo, porque se cumpriram as profecias do Antigo Testamento. Acabou o tempo da ignorância. A Ressurreição de Jesus não deixa margem a dúvidas ou erros. Quem não O aceitar merece ser excluído do Povo de Deus. Por outro lado, o arrependimento e a aceitação de Jesus podem apressar o tempo das bênçãos messiânicas quando, no fim dos tempos, Deus enviar Jesus pela segunda vez. Então, também os seus inimigos e os incrédulos O hão-de reconhecer como Messias.
    Pedro cita Moisés, que disse: «O Senhor Deus suscitar-vos-á um Profeta como eu» (v. 22). Lucas lê: «O Senhor fará ressuscitar» o profeta como Moisés, isto é, Jesus. É, pois, preciso escutá-l´O. Quem não O escutar será excluído do monte santo. Lucas sublinha a continuidade do Povo de Deus, por meio dos Judeus que acreditam em Jesus. Por meio deles, todas as nações serão abençoadas na descendência de Abraão.

    Evangelho: Lucas 24, 35-48

    Naquele tempo, os discípulos de Emaús contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer, ao partir o pão.
    36Enquanto isto diziam, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!» 37Dominados pelo espanto e cheios de temor, julgavam ver um espírito. 38Disse-lhes, então: «Porque estais perturbados e porque surgem tais dúvidas nos vossos corações? 39Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho.» 40Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. 41E como, na sua alegria, não queriam acreditar de assombrados que estavam, Ele perguntou-lhes: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» 42Deram-lhe um bocado de peixe assado; 43e, tomando- o, comeu diante deles.
    44Depois, disse-lhes: «Estas foram as palavras que vos disse, quando ainda estava convosco: que era necessário que se cumprisse tudo quanto a meu respeito está escrito em Moisés, nos Profetas e nos Salmos.» 45Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras 46e disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia; 47que havia de ser anunciada, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém. 48Vós sois as testemunhas destas coisas.

    O texto, que hoje escutamos, completa a narrativa da aparição aos discípulos de Emaús, sublinhando as provas sobre a Ressurreição de Jesus. Terá sido a Ressurreição de Jesus uma fantasia (cf. v. 39), em contradição com todo o caminho religioso de Israel no Antigo Testamento?
    Para responder à segunda interrogação, Lucas afirma: «Assim está escrito que
    o Messias havia de sofrer e ressuscitar dentre os mortos, ao terceiro dia». Para responder à primeira questão Lucas aponta o contacto físico dos discípulos com Jesus: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho» (v. 39), bem como o pedido: «Tendes aí alguma coisa que se coma?» (v. 41). Outra prova é espiritual, fundada na inteligência da Palavra nas Escrituras: «Assim está escrito...» (v. 46ss.)
    A Páscoa de Jesus é o sentido da história de Israel, é o fundamento da fé da Igreja e da sua obra missionária: «em seu nome, havia de ser anunciada a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos» (v. 47).

    Meditatio

    Pedro fala da segunda vinda de Jesus como Messias. Serão tempos de conforto (v. 20), tempos da restauração de todas as coisas (v. 21). A história de Israel é um caminho para Jesus, o verdadeiro consolador de Israel, o restaurador de todas as coisas. A sua segunda vinda será o dia da bênção messiânica sobre todas as coisas, a partir de Israel até a «todas as famílias da Terra» (v. 25), a toda a criação. A Igreja, desde o seu começo, tem um horizonte universal, que abrange toda a realidade redimida pela cruz de Cristo.
    Pedro olha com optimismo o futuro de Deus, porque sabe que a ressurreição
    de Cristo é um acontecimento decisivo. Mas também sabe que haverá um acto final em que todo o mistério salvífico da ressurreição de Cristo será plenamente revelado e alargado a todos os povos e à própria criação. As suas palavras anunciam o já e o ainda não da história cristã. Entre o já da Páscoa e o ainda não da ressurreição

    definitiva de todas as coisas, está o tempo oportuno para a conversão, para nos tornarmos dignos das bênçãos messiânicas.
    Os Apóstolos não esperavam a aparição de Jesus «em pessoa». Por isso, pensaram tratar-se de um fantasma. Mas Jesus dá-se-lhes a conhecer com sinais bem claros: «Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo» (v. 39). Deus, em Cristo, começou uma nova criação: tomou um corpo humano e fez dele um corpo espiritual, em continuidade com o primeiro. A ressurreição de Jesus dá um sentido novo e definitivo às Escrituras: «Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras» (v. 45). Muitas coisas, que pareciam enigmáticas e obscuras, tornaram-se luminosas, ao serem lidas como profecia da paixão e da ressurreição de Cristo. Em certos casos, a paixão é representada de modo real, enquanto a ressurreição não o pode ser, porque teríamos todo o mistério. Noutros casos, é prefigurada a ressurreição, mas não a morte. Vejamos alguns exemplos.
    Abel, morto pelo seu irmão, é figura de Cristo na sua paixão e morte. Consumado o crime, Deus diz a Caim: «A voz do sangue do teu irmão clama da terra até mim» Gn 4, 10). Abel, morto, continua a falar. O NT viu nestas palavras uma pálida figura da ressurreição.
    Na sacrifício de Isaac, a ressurreição é prefigurada de modo mais real. Depois do sacrifício, Isaac continua vivo, Abraão tem o seu filho vivo. Não houve verdadeira morte. Abraão levantou o braço para o matar, mas não o matou. Foi um sacrifício simbólico.
    José é também figura da morte e da ressurreição de Cristo. No Egipto, acolhe vivo os irmãos que o quiserem matar, tal como Cristo acolhe os irmãos depois da Paixão que sofreu pelos pecados deles. José abriu aos irmãos as riquezas de um mundo novo, tal como Cristo Ressuscitado abre aos homens as riquezas do Reino de Deus. Também no caso de José a morte não aconteceu realmente. Mas foi simbolicamente morto, ao ser lançado ao poço.
    Muitos outros símbolos representam o mistério da Páscoa, tal como o templo
    destruído e reconstruído depois do exílio. A Páscoa de Cristo realiza e ilumina todas as profecias e prefigurações.
    «Enviado na plenitude dos tempos, - lembram as nossas Constituições - Cristo, em obediência ao Pai, prestou o seu serviço em prol das multidões. "O Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos" (Mc 10,45). Com a sua solidariedade para com os homens, qual novo Adão, Ele revelou o amor de Deus e anunciou o Reino: este mundo novo já presente em germe nos esforços hesitantes dos homens, encontrará a sua realização, para além de todas as expectativas, quando, por Jesus, Deus for tudo em todos. "Sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até ao presente. Não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos em nós mesmos, aguardando a adopção, a redenção do nosso corpo" (Rom 8,22-23). "E quando tudo lhe estiver sujeito, então também o próprio Filho Se submeterá Àquele que Lhe sujeitou todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos" (1 Cor 15,28) (Cst 10).

    Oratio

    Senhor Jesus, Morto e Ressuscitado, abre a minha mente e o meu coração para que compreenda as Escrituras e admire com reconhecimento e amor o grande mistério que em Ti se realizou para a minha salvação e para a salvação de todos os povos.
    Ajuda-me também a ver os meus pequenos problemas de cada dia à luz do
    vasto horizonte da história da salvação, do já da tua Ressurreição e do ainda não da reconstrução final. Terão, assim, outro respiro as minhas pequenas acções e as minhas pequenas ou grandes preocupações.

    Projecta sobre mim a luz da tua Ressurreição, para que não viva como nos tempos da ignorância, mas, deixando-me converter, espere activa e confiadamente a consolação de Deus. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor tem pressa em manifestar a chaga do seu lado, é um presságio da devoção ao Sagrado Coração, que se expandirá mais tarde.
    Os Apóstolos estão fechados no Cenáculo, talvez barricados, têm medo dos
    Judeus. Perguntam-se, se, depois da Páscoa, não será a sua vez de serem crucificados.
    Madalena tinha vindo de manhã dizer-lhes que tinha visto o Cristo ressuscitado, mas não ousam acreditar nela.
    De repente, Jesus mesmo mostra-se no meio deles: Stetit in medio. É para eles como um raio. Mas vão certificar-se. Jesus tem a dignidade de um rei e de um mestre, mas tem também o sorriso e a bondade de um pai, de um irmão e de um amigo.
    «Não temais, diz-lhes docemente, sou eu. Porquê este medo nos vossos corações? Vede as minhas mãos e o meu lado (ostendit eius manus et latus); vede e tocai, um espírito não tem nem carne nem ossos como vedes que eu tenho» (Lc
    24,38).
    O bom Mestre tem pressa em manifestar a chaga do seu Coração desde a sua primeira aparição. De lá partem as suas primeiras graças. (Leão Dehon, OSP 3, p.
    385).

    Actio
    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «O Messias havia de sofrer e ressuscitar» (Lc 24, 36).

  • 1ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    1ª Semana - Sexta-feira - Páscoa


    14 de Abril, 2023

    1ª Semana - Sexta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: Actos 4, 1-12

    Naqueles dias, estavam Pedro e João a 1falar ao povo, depois da cura do cego de nascença, quando surgiram os sacerdotes, o comandante do templo e os saduceus,
    2irritados por vê-los a ensinar o povo e a anunciar, na pessoa de Jesus, a ressurreição dos mortos. 3Deitaram-lhes as mãos e prenderam-nos até ao dia seguinte, pois já era tarde. 4No entanto, muitos dos que tinham ouvido a Palavra abraçaram a fé, e o número dos crentes elevou-se a cerca de cinco mil. 5No dia seguinte, os chefes dos judeus, os anciãos e os escribas reuniram-se em Jerusalém
    6com o Sumo-sacerdote Anás, e ainda Caifás, João, Alexandre e todos os membros das famílias dos sumos-sacerdotes. 7Mandaram comparecer os Apóstolos diante deles e perguntaram-lhes: «Com que poder ou em nome de quem fizestes isso?» 8Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: «Chefes do povo e anciãos, 9já que hoje somos interrogados sobre um benefício feito a um enfermo e sobre o modo como ele foi curado, 10ficai sabendo todos vós e todo o povo de Israel: É em nome de Jesus Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se apresenta curado diante de vós. 11Ele é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular. 12E não há salvação em nenhum outro, pois não há debaixo do céu qualquer outro nome, dado aos homens, que nos possa salvar.»

    A cura do coxo e, sobretudo, o discurso interpretativo de Pedro, provocam a reacção hostil das autoridades judaicas: os sacerdotes e saduceus, os escribas e fariseus. É o grupo dos sacerdotes e saduceus que promove a prisão dos apóstolos. Aparentemente estão preocupados com os distúrbios que a acção dos apóstolos podia provocar na área do templo. Na verdade, o que eles querem combater é a fé cristã na Ressurreição de Jesus. Não podiam dizê-lo claramente, para não provocar a reacção do grupo dos escribas e fariseus, que admitia a ressurreição. A prisão de Pedro e de João marca o início da primeira perseguição contra a Igreja. Mas resultado desta perseguição é o aumento dos discípulos, o que preocupa o Sinédrio. Reunira semanas antes para julgar Jesus, cuja mensagem lhes parecia uma ameaça ao seu poder. Mas a morte de Jesus não encerrou o seu «caso». Os seus discípulos, assumindo a função de mestres, que lhes estava reservada, continuam a fazer prosélitos e a anunciar a ressurreição dos mortos. A influência e o poder dos sacerdotes e saduceus continuavam sob ameaça. Por isso, voltam a reunir o Sinédrio. É notável a audácia (parrêsia) com que Pedro, «cheio de Espírito Santo», denuncia, no meio do Sinédrio, o crime perpetrado pelos chefes do povo e anuncia a Ressurreição de Jesus. E foi em «nome de Jesus» que o coxo foi curado, porque, só nele, há salvação.

    Evangelho: João 21, 1-14

    Naquele tempo, 1Jesus apareceu outra vez aos discípulos, junto ao lago de Tiberíades, e manifestou-se deste modo: 2estavam juntos Simão Pedro, Tomé, a quem chamavam o Gémeo, Natanael, de Caná da Galileia, os filhos de Zebedeu e

    outros dois discípulos. 3Disse-lhes Simão Pedro: «Vou pescar.» Eles responderam-lhe:
    «Nós também vamos contigo.» Saíram e subiram para o barco, mas naquela noite não apanharam nada. 4Ao romper do dia, Jesus apresentou-se na margem, mas os discípulos não sabiam que era Ele. 5Jesus disse-lhes, então: «Rapazes, tendes alguma coisa para comer?» Eles responderam-lhe: «Não.» 6Disse-lhes Ele: «Lançai a rede para o lado direito do barco e haveis de encontrar.» Lançaram-na e, devido à grande quantidade de peixes, já não tinham forças para a arrastar. 7Então, o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: «É o Senhor!» Simão Pedro, ao ouvir que era o Senhor, apertou a capa, porque estava sem mais roupa, e lançou-se à água.
    8Os outros discípulos vieram no barco, puxando a rede com os peixes; com efeito,
    não estavam longe da terra, mas apenas a uns noventa metros. 9Ao saltarem para terra, viram umas brasas preparadas com peixe em cima e pão. 10Jesus disse-lhes:
    «Trazei dos peixes que apanhastes agora.» 11Simão Pedro subiu à barca e puxou a rede para terra, cheia de peixes grandes: cento e cinquenta e três. E, apesar de serem tantos, a rede não se rompeu. 12Disse-lhes Jesus: «Vinde almoçar.» E nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-lhe: «Quem és Tu?», porque bem sabiam que era o Senhor. 13Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com o peixe. 14Esta já foi a terceira vez que Jesus apareceu aos seus discípulos, depois de ter ressuscitado dos mortos.

    A cena descrita por João acontece nas margens do lago de Tiberíades. Um grupo de pescadores galileus, discípulos de Jesus, depois do fracasso na faina nocturna, consegue uma pesca abundante, quando lançam as redes para o lado indicado pelo desconhecido que lhes fala da praia. Depois de Jesus, Pedro e o discípulo que Jesus amava são os protagonistas da cena. Pedro é o mais esforçado na pesca; o outro discípulo é o primeiro a reconhecer Jesus.
    João narra depois a refeição dos discípulos com o Senhor ressuscitado. Espontaneamente somos levados a pensar na Eucaristia, que as comunidades cristãs celebravam e celebram com a absoluta convicção da presença do Senhor.
    O texto descreve, de forma simbólica, a missão da Igreja primitiva e o retrato das comunidades que permanecem estéreis quando estão privadas de Cristo, mas que se tornam fecundas quando obedecem à sua palavra e vivem da sua presença.
    Depois da pesca, Jesus convida os discípulos para uma refeição por Ele mesmo
    preparada: «Vinde almoçar» (v. 12). Nesta refeição, figura da eucaristia, Jesus ressuscitado oferece, Ele mesmo, de comer. A sua misteriosa presença provoca nos discípulos aquela espécie de calafrio típico das teofanias. A conclusão do evangelista é um convite à comunidade eclesial de todos os tempos a que encontre o sentido da sua vocação centrando-se em Jesus como Senhor da vida, porque é na dupla mesa da Palavra e da Eucaristia que a Igreja torna frutuosa a sua acção no meio dos homens.

    Meditatio

    A liturgia faz-nos escutar hoje um sugestivo texto de S. João, bem enquadrado no tempo pascal e na Primavera que estamos a viver. Os Apóstolos voltaram ao lago, nas margens do qual viveram belos momentos
    com Jesus. A presença visível do Mestre já não é contínua. O trabalho daquela noite não tivera sucesso. Mas o brilhante romper da aurora traz-lhe a sensação de que na praia está alguém, que ainda não reconhecem. A pesca milagrosa abre-lhes os olhos do coração e da fé. A refeição preparada por Cristo, e tomada com Ele, na praia dispõe-nos a acolher a nova forma de presença do Senhor, uma presença agora misteriosa e universal. Onde se juntam os irmãos, e celebram a Eucaristia, aí está o Senhor. Depois da Ressurreição, Ele já não se apresenta apenas na glória visível e externa. Por isso, há que procurá-l´O na sua glória divina que não é externa. Há que procurá-l´O nos

    irmãos reunidos em Seu nome, mas também nos pobres, nos humildes, nos carenciados. É neles que havemos de reconhecer a Sua glória misteriosa e o Seu poder que faz maravilhas precisamente com os humildes e simples.
    Pedro está agora certo de que Jesus é o único Salvador. E toda a Igreja vive dessa certeza, que a torna forte, corajosa, alegre, missionária e irresistível, como se verifica logo nos seus primeiros tempos descritos nos Actos dos Apóstolos (cf. Act 4,
    1-12ss).
    Os tempos em que vivemos vêem com desconfiança toda e qualquer forma de integralismo. Acha-se importante respeitar as consciências, promover o diálogo inter- religioso e a paz. Por isso, alastra um certo relativismo. Mas Cristo, ontem como hoje, continua a ser o único Salvador. Esta certeza não pode todavia tornar-se uma arma contra quem quer que seja; mas tem de ser uma proposta paciente, firme, serena e motivada, a fazer a todos, de modo alegre e corajoso, dialogante e testemunhante.
    Segundo as convicções do Pe. Dehon derivadas do seu e "nosso carisma profético" (Cst. 27), como ele o entendia, e como nós devemos entendê-lo, os missionários não só devem dar testemunho d´Ele, mas também «dar a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13), isto é, por aqueles a quem são enviados e querem servir. Dar a vida por aqueles que evangelizamos é a suprema "prova de amizade" (Cst. 33), dada por tantos missionários mártires: "Ninguém há maior prova de amor que dar a vida pelos amigos" (cf. Jo 15, 13).
    Escreve o Pe. Dehon: "Quis fazer uma obra de reparação e de vítimas. Nunca adoptei o nome de vítimas; tomei o de oblatos, que dizia a mesma coisa... Nós somos sacerdotes vítimas. O nosso espírito próprio é "spiritus amoris et immolationis" (espírito de amor e de imolação)... Vivei bem o vosso acto de oblação e sereis uma boa pequena vítima do Sagrado Coração", escrevia o Fundador ao Pe. Guillaume. De modo particular, o missionário, que se entrega totalmente ao serviço de Deus e daqueles que ama, faz de si e da sua vida uma oblação, que pode tornar-se imolação pela aceitação amorosa dos sofrimentos, sobretudo quando incluem o martírio.
    O Pe. Dehon chegou a dizer que queria missões difíceis, onde se corre o risco de morrer jovens, porque mais adequadas para religiosos oblatos. Tal era, em 1897, a grande missão do Alto Congo belga onde muitíssimos missionários morreram ainda jovens. Por isso, o Pe. Dehon, na sua carta aos missionários dizia que deviam desejar morrer na missão, para que o sacrifício fosse completo e sem reservas, verdadeira imolação.

    Oratio

    Senhor, hoje quero rezar-te inspirando-me nas palavras do teu servo Paulo VI: livra-me de cair numa espécie de nominalismo cristão, quando me perguntam quem és Tu e quem és para mim. Que jamais tente iludir a lógica dramática do realismo cristão. Se acredito que fora de Ti não há solução para as questões essenciais da existência, se são verdadeiras e actuais as palavras de Pedro, «cheio de Espírito Santo» (Act 4, 11s.), então sinto-me abalado e mesmo perturbado. O teu nome já não é um simples apelativo insinuado na linguagem convencional da nossa vida, mas tua presença, a tua estatura de majestade infinita, que ergue diante de mim. Tu és o alfa e o ómega, o princípio e o fim de todas as coisas, o centro cósmico que obriga a reconsiderar a dimensão da nossa filosofia, da nossa concepção do mundo, da nossa história pessoal. Diante de Ti, sentimo-nos esmagados, como os apóstolos no Monte da Transfiguração. A tua humildade de Deus feito homem confunde-me tanto quanto a tua grandeza que, todavia, não só torna possível o diálogo Contigo, mas o oferece e impõe. Amen.

    Contemplatio

    Os apóstolos tinham regressado à Galileia, como os outros peregrinos depois da Páscoa, e como Jesus lhes tinha aconselhado. Os que eram pescadores tinham ido à pesca no lago de Tiberíades. Pedro tinha dito: vou à pesca; os outros tinham respondido: vamos contigo. E durante toda a noite não apanharam nada.
    De manhã, Jesus apareceu na margem sem que o reconhecessem: «Rapazes, gritou-lhes, tendes alguma coisa para comer? - Não, disseram. - Jesus retomou: Lançai a rede à direita e conseguireis. - Lançaram-na e ela encheu-se de peixes. - João gritou: É o Senhor. Pedro lançou-se ao mar para alcançar Jesus. Os outros conduziram o barco. Jesus tinha-lhes preparado peixe grelhado e pão. Convidou-os a juntarem do seu peixe, e serviu-lhes o peixe e o pão».
    Que mistérios! A barca de Pedro é a Igreja nascente, mas não será fecunda
    senão trabalhando sob a direcção de Cristo. Jesus vai dar a Pedro a sua missão, a pesca milagrosa simboliza a propagação rápida da Igreja; e Jesus festeja a entronização de Pedro preparando um modesto festim aos apóstolos (Leão Dehon, OSP 4, p. 288).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavra de vida eterna» (Jo 6, 68).

  • 1ª Semana - Sábado - Páscoa

    1ª Semana - Sábado - Páscoa


    15 de Abril, 2023

    1ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 13-21

    Naqueles dias, os chefes do povo, os anciãos e os escribas, 13vendo o desassombro de Pedro e de João e percebendo que eram homens iletrados e plebeus, ficaram espantados. Reconheciam-nos por terem andado com Jesus, 14mas, ao mesmo tempo, vendo de pé, junto deles, o homem que fora curado, nada encontraram para replicar. 15Mandaram-nos, então, sair do Sinédrio e começaram sozinhos a deliberar:
    16«Que havemos de fazer a estes homens? Que um milagre notável foi realizado por
    eles é demasiado claro para todos os habitantes de Jerusalém e não podemos negá-lo.
    17No entanto, para evitar que a notícia deste caso se espalhe ainda mais por entre o povo, proibamo-los, com ameaças, de falar, doravante, a quem quer que seja, nesse nome.» 18Chamaram-nos, então, e impuseram-lhes a proibição formal de falar ou ensinar em nome de Jesus. 19Mas Pedro e João retorquiram: «Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer a vós primeiro do que a Deus. 20Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos.» 21Eles, então, com novas ameaças, mandaram-nos em liberdade, não encontrando maneira de os castigar, por causa do povo; pois todos glorificavam a Deus pelo que tinha acontecido.

    Os apóstolos defenderam-se com valentia diante do tribunal. Essa valentia nasce da liberdade da fé. Os seus adversários encontraram-se em nítida dificuldade. Pretendiam ocultar factos cuja força se impunha: a cura do coxo, o que Pedro e João viram e ouviram. Estavam num beco sem saída. Os acusados eram discípulos de
    Jesus, gente simples e sem cultura, mas homens seguros e valentes que, acusados, se tornam acusadores, intérpretes da Escritura e pregadores. Para maior complicação, tinham a seu lado aquele que fora curado pela invocação do nome de Jesus. Era preciso reflectir seriamente. Reflectiram e resolveram impor silêncio a Pedro e a João: «proibamo-los, com ameaças, de falar, doravante, a quem quer que seja,
    nesse nome» (v. 17). Mas, como obedecer a uma ordem tão absurda? Por isso, Pedro responde: «Julgai vós mesmos se é justo, diante de Deus, obedecer a vós primeiro do que a Deus. Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos» (vv. 19.20). Os apóstolos estavam conscientes de que falar da morte e da
    ressurreição de Jesus era vontade de Deus, era um mandato divino. Por isso, não era possível obedecer às autoridades judaicas. Não havia ordens nem ameaças capazes de os fazerem calar, porque a força irresistível de Deus estava com eles.

    Evangelho: Marcos 16, 9-15

    Tendo ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana, Jesus apareceu primeiramente a Maria de Magdala, da qual expulsara sete demónios. 10Ela foi anunciá-lo aos que tinham sido seus companheiros, que viviam em luto e em pranto.
    11Mas eles, ouvindo dizer que Jesus estava vivo e fora visto por ela, não acreditaram.
    12Depois disto, Jesus apareceu com um aspecto diferente a dois deles que iam a

    caminho do campo. 13Eles voltaram para trás a fim de o anunciar aos restantes. E também não acreditaram neles. 14Apareceu, finalmente, aos próprios Onze quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e a dureza de coração em não acreditarem naqueles que o tinham visto ressuscitado. 15E disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura.

    Este texto é um acrescento destinado a concluir o evangelho de Marcos, escrito ainda na época apostólica, e aceite pela Igreja. Mc 16, 7 aludia a um encontro na Galileia que não é descrito. Por isso, é aceite a hipótese de que o primitivo epílogo se tenha perdido, sendo substituído pelo que agora temos. De Mt 28, 16-20 e de Jo 21, 1-4, sabemos que Jesus apareceu aos discípulos na Galileia, onde confirmou o grupo dos discípulos, conferindo-lhes a missão universal. Poderia ser este também o conteúdo da folha que se perdeu.
    Como em Lucas (24, 36-43) e nos Actos (10, 41), a aparição aos Onze acontece durante uma refeição comunitária. Uma vez mais, como é típico em Marcos, é sublinhada a incredulidade e a atitude refractária dos discípulos em se darem conta do que aconteceu. Só a presença directa de Jesus libertará os apóstolos da dureza de coração e os transformará em verdadeiros crentes. A Ressurreição não é fruto de imaginação ingénua ou da sugestão colectiva dos discípulos. É um dom do Pai Àquele que se fez obediente até à morte para salvar a Humanidade. A fé na Ressurreição é também um dom do Senhor aos discípulos. Ao conceder-lho também lhes dá o encargo de continuarem a Sua missão, para que a Boa Nova chegue a toda a terra (v. 15).

    Meditatio

    A Ressurreição é um mistério de fé que encontrou resistência nos Apóstolos.
    «Não acreditaram» é o refrão que se repete no epílogo do evangelho de Marcos. Por isso, Jesus tem de lhes censurar a dureza de coração em não acreditarem naqueles que O tinham visto ressuscitado (Mc 16, 14). Também em nós podem surgir resistências à fé na Ressurreição: preferimos as nossas tristezas à alegria da Ressurreição. Isto pode parecer estranho, mas é assim porque a alegria divina nos eleva, enquanto nós preferimos permanecer nas nossas preocupações, nas nossas tristezas, nos nossos interesses humanos. A tristeza leva-nos a ver as coisas na obscuridade do nosso amor-próprio, das nossas ilusões, e não à luz divina da Ressurreição. Por isso é que um autor cristão do século II escrevia: «Desapega-te de ti mesmo, renuncia à tristeza, porque a tristeza é a mãe da dúvida e do erro».
    Na primeira leitura, Pedro e João utilizam um argumento que precisamos de redescobrir hoje, diante das prepotências do mundo em que vivemos. Quantas vezes os meios de comunicação social, e outros meios omnipotentes, tentam nivelar o modo de pensar e de avaliar típico dos cristãos pelo baixo nível do consumismo e dos horizontes exclusivamente intramundanos. A identidade cristã sofre agressões cada vez mais claras, ainda que, muitas vezes, soft e dissimuladas, que querem fazer passar por normal e óbvio o que não passa de comportamentos detestáveis. Por isso, é em nome da superior vontade de Deus que havemos de travar um verdadeiro
    «combate cultural» para desmascarar o perigo da homologação pagã. Mas o
    «combate cultural» pressupõe o «combate espiritual», em nome de uma forte experiência de Cristo. Não se pode calar a experiência da salvação, a experiência de ser a
    mados por Deus, a experiência de ser acompanhados na vida pelo amor de Deus. Trata-se de um testemunho aberto e corajoso, que nada quer impor, mas que também não aceita imposições para esconder o que tem de mais precioso: a experiência do Ressuscitado.
    De acordo com os ensinamentos e o exemplo do Pe. Dehon, a fonte do nosso
    "testemunho profético..." para o "advento da nova humanidade em Jesus Cristo"

    (Cst. 39), iniciada com a Sua Ressurreição é o Coração de Cristo e a Eucaristia. O evangelho diz-nos que foi no encontro com o Senhor ressuscitado, e na celebração da Eucaristia, que eles, em primeiro lugar, encontraram a força para o testemunho, mesmo nas mais duras circunstâncias.

    Oratio

    Senhor, faz resplandecer sobre a minha mente e sobre o meu coração, a luz esplendorosa da tua santa Ressurreição, para que me dê conta de quanto obedeço mais aos homens do que a Deus, de quanto estou inquinado pela mentalidade dos homens, de quanto me deixo levar pelas seduções deste mundo, de quanto me deixo fascinar pelo canto das sereias. Ilumina as profundezas do meu ser, os recantos obscuros da minha personalidade, os pontos menos conscientes do meu sentir, para que possa revê-los e rever o modo como me coloco diante da mentalidade dominante.
    Dá-me a coragem dos Apóstolos para que, vencendo todos os obstáculos, testemunhe o teu nome diante todos e em todas as circunstâncias. Amen.

    Contemplatio

    S. Marcos era hebreu de origem e da raça sacerdotal de Aarão. Era da
    Galileia, pátria de S. Pedro, do qual foi o intérprete e o companheiro.
    Fazia parte dos setenta e dois discípulos; mas, no dizer de Santo Epifânio, retirou-se com muitos outros, quando Nosso Senhor disse: «Se não comerdes a minha carne, não tereis a vida em vós». Mas S. Pedro converteu-o e reconduziu-o a Jesus depois da ressurreição. Ligou-se a S. Pedro e permaneceu sempre penitente como ele. S. Pedro chama-o seu filho na sua primeira epístola (5, 13).
    Seguindo o chefe dos apóstolos nas suas viagens apostólicas, serviu-lhe de
    intérprete, de secretário e de catequista. Acompanhou-o a Roma, e, depois das pregações do Apóstolo, a multidão perguntava a S. Marcos explicações e notas. Esta foi a origem do seu Evangelho. Serviu-se aliás do de S. Mateus ou de uma recolha primitiva de discursos do Salvador, na qual S. Mateus se teria também inspirado.
    Escrevendo S. Marcos sob a direcção de S. Pedro, tem conta da humildade do seu mestre, relata longamente a tríplice negação do apóstolo e não cita o que Nosso Senhor diz em louvor do Príncipe dos apóstolos, quando este o reconheceu como Filho de Deus (Leão Dehon, OSP 3, p. 478).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15).

  • 02º Domingo da Páscoa - Ano A

    02º Domingo da Páscoa - Ano A


    16 de Abril, 2023

    ANO A
    2º Domingo da Páscoa
    Domingo da Divina Misericórdia

    Tema do 2º Domingo da Páscoa

    A liturgia deste domingo apresenta-nos essa comunidade de Homens Novos que nasce da cruz e da ressurreição de Jesus: a Igreja. A sua missão consiste em revelar aos homens a vida nova que brota da ressurreição.
    Na primeira leitura temos, na "fotografia" da comunidade cristã de Jerusalém, os traços da comunidade ideal: é uma comunidade fraterna, preocupada em conhecer Jesus e a sua proposta de salvação, que se reúne para louvar o seu Senhor na oração e na Eucaristia, que vive na partilha, na doação e no serviço e que testemunha - com gestos concretos - a salvação que Jesus veio propor aos homens e ao mundo.
    No Evangelho sobressai a ideia de que Jesus vivo e ressuscitado é o centro da comunidade cristã; é à volta d'Ele que a comunidade se estrutura e é d'Ele que ela recebe a vida que a anima e que lhe permite enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida da comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens encontram as provas de que Jesus está vivo.
    A segunda leitura recorda aos membros da comunidade cristã que a identificação de cada crente com Cristo - nomeadamente com a sua entrega por amor ao Pai e aos homens - conduzirá à ressurreição. Por isso, os crentes são convidados a percorrer a vida com esperança (apesar das dificuldades, dos sofrimentos e da hostilidade do "mundo"), de olhos postos nesse horizonte onde se desenha a salvação definitiva.

    LEITURA I - Act 2,42-47

    Leitura dos Actos dos Apóstolos

    Os irmãos eram assíduos ao ensino dos Apóstolos,
    à comunhão fraterna, à fracção do pão e às orações.
    Perante os inumeráveis prodígios e milagres
    realizados pelos Apóstolos,
    toda a gente se enchia de terror.
    Todos os que haviam abraçado a fé
    viviam unidos e tinham tudo em comum.
    Vendiam propriedades e bens
    e distribuíam o dinheiro por todos,
    conforme as necessidades de cada um.
    Todos os dias frequentavam o templo,
    como se tivessem uma só alma,
    e partiam o pão em suas casas;
    tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração,
    louvando a Deus e gozando da simpatia de todo o povo.
    E o Senhor aumentava todos os dias
    o número dos que deviam salvar se.

    AMBIENTE

    Depois de descrever a vinda do Espírito Santo sobre os discípulos reunidos no cenáculo (cf. Act 2,1-13) e de apresentar (através de um discurso posto na boca de Pedro) um resumo do testemunho dado pelos primeiros discípulos sobre Jesus (cf. Act 2,14-36), Lucas refere o resultado da pregação dos apóstolos: as pessoas aderem em massa (Lucas fala de três mil pessoas que, nesse dia, se juntaram aos discípulos) e nasce a comunidade cristã de Jerusalém (cf. Act 2,37-41). São os primeiros passos de um caminho que a Igreja de Jesus vai percorrer, desde Jerusalém a Roma (o coração do mundo antigo).
    O nosso texto faz parte de um conjunto de três sumários, através dos quais Lucas descreve aspectos fundamentais da vida da comunidade cristã de Jerusalém. Este primeiro sumário é dedicado ao tema da unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida provocou no povo da cidade (os outros dois sumários tratam da partilha dos bens - cf. Act 4,32-35 - e do testemunho da Igreja através da actividade miraculosa dos apóstolos - Act 5,12-16).
    Naturalmente, este sumário não é um retrato histórico rigoroso da comunidade cristã de Jerusalém, no início da década de 30 (embora possa ter algumas bases históricas). Quando Lucas escreve este relato (década de 80), arrefeceu já o entusiasmo inicial dos cristãos: Jesus nunca mais veio para instaurar definitivamente o "Reino de Deus" e posicionam-se no horizonte próximo as primeiras grandes perseguições... Há algum desleixo, falta de entusiasmo, monotonia, divisão e confusão (até porque começam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a comunidade deve ser.

    MENSAGEM

    Como será, então, essa comunidade ideal, que nasce do Espírito e do testemunho dos apóstolos?
    Em primeiro lugar, é uma comunidade de irmãos, que vive em comunhão fraterna ("os irmãos" - vers. 42). Essa fraternidade resulta da identificação com Cristo e da vida de Cristo que anima cada crente - membros, todos eles, do mesmo corpo - o Corpo de Cristo.
    Em segundo lugar, é uma comunidade assídua ao ensino dos apóstolos. Quer dizer, é uma comunidade empenhada em conhecer e acolher a proposta de salvação que vem de Jesus, através do testemunho dos apóstolos (e não através dessas doutrinas estranhas trazidas pelos falsos mestres e que começam a invadir a comunidade). A catequese deve incidir sobre a pessoa de Jesus, o seu projecto, os seus valores, a sua vida de doação e de entrega. Os crentes são convidados a descobrir que o sentido fundamental da vida está na obediência ao plano do Pai e na entrega aos irmãos; e que uma vida vivida desse jeito conduz à ressurreição e à vida plena, mesmo que passe pela experiência da cruz.
    Em terceiro lugar, é uma comunidade que celebra liturgicamente a sua fé. Lucas aponta dois momentos celebrativos fundamentais: a "fracção do pão" e as "orações".
    A "fracção do pão" parece ser uma expressão técnica para designar o memorial da "ceia do Senhor", ou "eucaristia". Era a celebração que resumia toda a vida do Senhor Jesus, feita doação da vida e entrega até à morte. Acompanhada, em geral, de uma refeição fraterna, ela comportava ainda orações, uma pregação e, talvez, gestos de comunhão e de partilha entre os cristãos. Era um momento de alegria, em que a comunidade celebrava a sua união a Jesus e a comunhão fraterna que daí resultava.
    Temos, ainda, as "orações". Os primeiros cristãos continuaram a frequentar o Templo ("todos os dias frequentavam o Templo" - vers. 46) e a participar da oração da comunidade judaica; no entanto, é bastante provável que a comunidade cristã tenha começado a sentir a necessidade de se encontrar para a oração tipicamente cristã, centrada na pessoa de Jesus; e é, talvez, a esta oração comunitária cristã que Lucas se refere. A comunidade de Jesus é, portanto, uma comunidade que se junta para rezar, para louvar o seu Senhor.
    Em quarto lugar, é uma comunidade que partilha os bens. Da comunhão com Cristo, resulta a comunhão dos cristãos entre si; e isso tem implicações práticas. Em concreto, implica a renúncia a qualquer tipo de egoísmo, de auto-suficiência, de fechamento em si próprio e uma abertura de coração para a partilha, para o dom, para o amor. Expressão concreta dessa partilha e desse dom é a comunhão dos bens: "tinham tudo em comum; vendiam propriedades e bens e distribuíam o dinheiro por todos, conforme as necessidades de cada um" - vers. 44-45). É uma forma concreta de mostrar que a vida nova de Jesus, assumida pelos crentes, não é "conversa fiada"; mas é uma libertação da escravidão do egoísmo e um compromisso verdadeiro com o amor, com a partilha, com o dom da vida.
    Finalmente, é uma comunidade que dá testemunho. Os gestos realizados pelos apóstolos enchiam toda a gente de temor (vers. 43) - quer dizer, infundiam em todos aqueles que os testemunhavam a inegável certeza da presença de Deus e dos seus dinamismos de salvação. Além disso, a piedade, o amor fraterno, a alegria e a simplicidade dos crentes provocavam a admiração e a simpatia de todo o povo; esse jeito de viver interpelava os habitantes de Jerusalém e fazia com que aumentasse todos os dias o número dos que aderiam à proposta de Jesus e à comunidade da salvação (vers. 47).
    A primitiva comunidade cristã, nascida do dom de Jesus e do Espírito é verdadeiramente uma comunidade de homens e mulheres novos, que dá testemunho da salvação e que anuncia a vida plena e definitiva. A comunidade cristã de Jerusalém era, de facto, esta comunidade ideal? Possivelmente, não (outros textos dos Actos falam-nos de tensões e problemas - como acontece com qualquer comunidade humana); mas a descrição, que Lucas aqui faz, aponta para a meta a que toda a comunidade cristã deve aspirar, confiada na força do Espírito. Trata-se, portanto, de uma descrição da comunidade ideal, que pretende servir de modelo à Igreja e às igrejas de todas as épocas.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão e actualização, considerar as seguintes linhas:

    • A comunidade cristã é uma família de irmãos, reunida à volta de Cristo, animada pelo Espírito e que tem por missão testemunhar na história a salvação. Os homens do séc. XXI podem acreditar ou não na ressurreição de Cristo; mas têm de descobrir a vida nova e plena que Deus lhes oferece, através do testemunho dos discípulos de Jesus. A comunidade cristã tem de ser uma proposta diferente, que mostra aos homens como o amor, a partilha, a doação, o serviço, a simplicidade e a alegria são geradores de vida e não de morte.

    • A comunidade cristã é uma comunidade de irmãos. A minha comunidade cristã é uma comunidade de irmãos que vivem no amor, ou é um grupo de pessoas isoladas, em que cada um procura defender os seus interesses, mesmo que para isso tenha de magoar os outros? No que me diz respeito, esforço-me por amar todos, por respeitar a liberdade e a dignidade de todos, por potenciar os contributos e as qualidades de todos?

    • A comunidade cristã é, também, uma comunidade assídua à catequese dos apóstolos. A minha comunidade cristã é uma comunidade que se constrói à volta da Palavra de Deus, que escuta e que partilha a Palavra de Deus? Da minha parte, procuro descobrir as propostas de Deus num diálogo comunitário e numa partilha com os irmãos, ou deixo-me levar por pretensas "revelações" pessoais, convicções pessoais, impressões pessoais - que muitas vezes não são mais do que formas de manipular a Palavra de Deus para "levar a água ao meu moinho"?

    • A comunidade cristã é, ainda, uma comunidade que celebra liturgicamente a sua fé. A celebração da fé comunitária dá-nos a dimensão de um povo peregrino, que caminha unido, voltado para o seu Senhor e tendo Deus como a sua referência. Da celebração comunitária da fé, sai uma comunidade mais fortalecida, mais consciente da vida que une todos os seus membros, mais adulta e com mais força para ser testemunha da salvação. O que é que significa, para mim, a celebração comunitária da fé? A celebração eucarística é um rito aborrecido, a que "assisto" por obrigação, ou uma verdadeira experiência de encontro com o Jesus do amor e do dom da vida e uma experiência de amor partilhado com os meus irmãos de fé?

    • A comunidade cristã é uma comunidade de partilha. No centro dessa comunidade está o Cristo do amor, do serviço, do dom da vida... O cristão não pode, portanto, viver fechado no seu egoísmo, indiferente à sorte dos outros irmãos. Em concreto, o nosso texto fala na partilha dos bens... Uma comunidade onde alguns esbanjam os bens e onde outros não têm o suficiente para viver dignamente será uma comunidade que testemunha, diante dos homens, esse mundo novo de amor que Jesus veio propor?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 117 (118)

    Refrão: Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom,
    porque é eterna a sua misericórdia.

    Diga a casa de Israel:
    é eterna a sua misericórdia.
    Diga a casa de Aarão:
    é eterna a sua misericórdia.
    Digam os que temem o Senhor:
    é eterna a sua misericórdia.

    Empurraram me para cair,
    mas o Senhor me amparou.
    O Senhor é a minha fortaleza e a minha glória,
    foi Ele o meu Salvador.
    Gritos de júbilo e de vitória nas tendas dos justos:
    a mão do Senhor fez prodígios.

    A pedra que os construtores rejeitaram
    tornou se pedra angular.
    Tudo isto veio do Senhor:
    é admirável aos nossos olhos.
    Este é o dia que o Senhor fez:
    exultemos e cantemos de alegria.

    LEITURA II - 1 Ped 1,3-9

    Leitura da Primeira Epístola de São Pedro

    Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
    que, na sua grande misericórdia, nos fez renascer,
    pela ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos,
    para uma esperança viva,
    para uma herança que não se corrompe,
    nem se mancha, nem desaparece,
    reservada nos Céus para vós
    que pelo poder de Deus sois guardados, mediante a fé,
    para a salvação que se vai revelar nos últimos tempos.
    Isto vos enche de alegria,
    embora vos seja preciso ainda, por pouco tempo,
    passar por diversas provações,
    para que a prova a que é submetida a vossa fé
    – muito mais preciosa que o ouro perecível,
    que se prova pelo fogo –
    seja digna de louvor, glória e honra,
    quando Jesus Cristo Se manifestar.
    Sem O terdes visto, vós O amais;
    sem O ver ainda, acreditais n'Ele.
    E isto é para vós fonte de uma alegria inefável e gloriosa,
    porque conseguis o fim da vossa fé,
    a salvação das vossas almas.

    AMBIENTE

    A primeira Carta de Pedro é uma carta dirigida aos cristãos de cinco províncias romanas da Ásia Menor (a carta cita explicitamente a Bitínia, o Ponto, a Galácia, a Ásia e a Capadócia - cf. 1 Pe 1,1). O seu autor apresenta-se com o nome do apóstolo Pedro; no entanto, a análise literária e teológica não confirma que Pedro seja o autor deste texto: em termos literários, a qualidade literária da carta não corresponde à maneira de escrever de um pescador do lago de Tiberíades, pouco instruído; a teologia apresentada demonstra uma reflexão e uma catequese bem posteriores à época de Pedro; e o "ambiente" descrito na carta corresponde, claramente, à situação da comunidade cristã no final do séc. I. Se Pedro morreu em Roma durante a perseguição de Nero (por volta do ano 67), não pode ser o autor deste escrito. O autor da carta será, portanto, um cristão anónimo culto - provavelmente um responsável de alguma comunidade cristã - e que conhece profundamente a situação das comunidades cristãs da Ásia Menor. Ele escreve em finais do séc. I (nunca antes dos anos 80), provavelmente a partir de uma comunidade cristã não identificada da Ásia Menor.
    Os destinatários desta carta são as comunidades cristãs que vivem em zonas rurais da Ásia Menor. A maioria destes cristãos são pastores ou camponeses que cultivam as propriedades das classes dominantes. Também há, nestas comunidades, pequenos proprietários que vivem em aldeias, à margem das grandes cidades. De qualquer forma, trata-se de gente que vive no meio rural, economicamente débil, vulnerável a um ambiente que começa a manifestar alguma hostilidade para com o cristianismo.
    O autor da carta conhece as provações que estes cristãos sofrem todos os dias. Exorta-os, no entanto, a manterem-se fiéis à sua fé, apesar das dificuldades. Convida-os a olharem para Cristo, que passou pela experiência da paixão e da cruz, antes de chegar à ressurreição; e exorta-os a manterem a esperança, o amor, a solidariedade, vivendo com alegria, coerência e fidelidade a sua opção cristã.

    MENSAGEM

    O texto que nos é proposto é uma acção de graças, ao estilo das bênçãos judaicas. No entanto, apresenta, desde logo, os temas principais que, depois, vão ser desenvolvidos ao longo da carta.
    O autor lembra aos crentes que, pelo baptismo, se identificaram com Cristo; e isso significa, desde logo, renascer para uma vida nova - de que a ressurreição de Cristo é modelo e sinal. Conscientes de que Deus oferece a salvação àqueles que se identificam com Jesus, os crentes vivem na alegria e na esperança: eles sabem que - aconteça o que acontecer - lhes está reservada a vida plena e definitiva.
    É verdade que a caminhada dos crentes pela história é uma experiência de sofrimento, de provações, de perseguições. Os sofrimentos, no entanto, são uma espécie de "prova", durante a qual a fé dos crentes é purificada, decantada de interesses mesquinhos, fortalecida; e, nesse processo, o crente vai sendo transformado pela acção do Espírito, até se identificar com Cristo e chegar à vida nova (para exemplificar o processo, o autor lembra que o próprio ouro tem de ser purificado pelo fogo, antes de aparecer em todo o seu esplendor).
    De qualquer forma, o percurso existencial dos crentes - cumprido simultaneamente na alegria e na dor - é sempre uma caminhada animada pela esperança da salvação definitiva.
    O grande apelo do autor da primeira carta de Pedro é este: identifiquemo-nos com aquele a quem amamos sem o termos visto (Cristo) - nomeadamente com a sua entrega por amor ao Pai e aos homens - a fim de chegarmos, com Ele, à ressurreição.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, os seguintes dados:

    • Antes de mais, a Palavra de Deus convida-nos a tomar consciência de que, pelo baptismo, nos identificamos com Cristo. A nossa vida tem de ser, como a de Cristo, vivida na obediência ao Pai e na entrega aos homens nossos irmãos: é esse o caminho que conduz à ressurreição. A lógica do mundo diz-nos que servir e dar a vida é um caminho de fracos e perdedores; a lógica de Deus diz-nos que a vida plena resulta do amor que se faz dom. Em quem é que acreditamos? De acordo com que lógica é que conduzimos a nossa vida e fazemos as nossas opções?

    • A questão do sentido do sofrimento (sobretudo do sofrimento que atinge o justo) é tão antiga como o homem; as respostas que o homem foi encontrando para essa questão foram sempre parciais e insatisfatórias... A Palavra de Deus que hoje nos é proposta não esclarece definitivamente a questão, mas acrescenta mais uma achega: o sofrimento ajuda-nos, muitas vezes, a crescer, a amadurecer, a despirmo-nos de orgulhos e auto-suficiências, a confiar mais em Deus... Somos convidados a tomar consciência de que o sofrimento pode ser, também, um caminho para ressuscitarmos como homens novos, para chegarmos à vida plena e definitiva.

    • De qualquer forma, somos convidados a percorrer a nossa vida com esperança, olhando para além dos problemas e dificuldades que dia a dia nos fazem tropeçar e vendo, no horizonte, a salvação definitiva. Isto não significa alhearmo-nos da vida presente; mas significa enfrentar as contrariedades e os dramas de cada dia com a serenidade e a paz de quem confia em Deus e no seu amor.

    ALELUIA - Jo 20,29

    Aleluia. Aleluia.

    Disse o Senhor a Tomé:
    «Porque Me viste, acreditaste;
    felizes os que acreditam sem terem visto».

    EVANGELHO - Jo 20,19-31

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Na tarde daquele dia, o primeiro da semana,
    estando fechadas as portas da casa
    onde os discípulos se encontravam,
    com medo dos judeus,
    veio Jesus, colocou Se no meio deles e disse lhes:
    «A paz esteja convosco».
    Dito isto, mostrou lhes as mãos e o lado.
    Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor.
    Jesus disse lhes de novo:
    «A paz esteja convosco.
    Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós».
    Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes:
    «Recebei o Espírito Santo:
    àqueles a quem perdoardes os pecados ser lhes ão perdoados;
    e àqueles a quem os retiverdes serão retidos».
    Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo,
    não estava com eles quando veio Jesus.
    Disseram lhe os outros discípulos:
    «Vimos o Senhor».
    Mas ele respondeu lhes:
    «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos,
    se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado,
    não acreditarei».
    Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa
    e Tomé com eles.
    Veio Jesus, estando as portas fechadas,
    apresentou Se no meio deles e disse:
    «A paz esteja convosco».
    Depois disse a Tomé:
    «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos;
    aproxima a tua mão e mete a no meu lado;
    e não sejas incrédulo, mas crente».
    Tomé respondeu Lhe:
    «Meu Senhor e meu Deus!»
    Disse lhe Jesus:
    «Porque Me viste acreditaste:
    felizes os que acreditam sem terem visto».
    Muitos outros milagres fez Jesus na presença dos seus discípulos,
    que não estão escritos neste livro.
    Estes, porém, foram escritos
    para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus,
    e para que, acreditando, tenhais a vida em seu nome.

    AMBIENTE

    Continuamos na segunda parte do Quarto Evangelho, onde nos é apresentada a comunidade da Nova Aliança. A indicação de que estamos no "primeiro dia da semana" faz, outra vez, referência ao tempo novo, a esse tempo que se segue à morte/ressurreição de Jesus, ao tempo da nova criação.
    A comunidade criada a partir da acção de Jesus está reunida no cenáculo, em Jerusalém. Está desamparada e insegura, cercada por um ambiente hostil. O medo vem do facto de não terem ainda feito a experiência de Cristo ressuscitado.

    MENSAGEM

    O texto que nos é proposto divide-se em duas partes bem distintas.
    Na primeira parte (vers. 19-23), descreve-se uma "aparição" de Jesus aos discípulos. Depois de sugerir a situação de insegurança e de fragilidade em que a comunidade estava (o "anoitecer", as "portas fechadas", o "medo"), o autor deste texto apresenta Jesus "no centro" da comunidade (vers. 19b). Ao aparecer "no meio deles", Jesus assume-se como ponto de referência, factor de unidade, videira à volta da qual se enxertam os ramos. A comunidade está reunida à volta d'Ele, pois Ele é o centro onde todos vão beber essa vida que lhes permite vencer o "medo" e a hostilidade do mundo.
    A esta comunidade fechada, com medo, mergulhada nas trevas de um mundo hostil, Jesus transmite duplamente a paz (vers. 19 e 21: é o "shalom" hebraico, no sentido de harmonia, serenidade, tranquilidade, confiança, vida plena). Assegura-se, assim, aos discípulos que Jesus venceu aquilo que os assustava (a morte, a opressão, a hostilidade do mundo); e que, doravante, os discípulos não têm qualquer razão para ter medo.
    Depois (vers. 20a), Jesus revela a sua "identidade": nas mãos e no lado trespassado, estão os sinais do seu amor e da sua entrega. É nesses sinais de amor e de doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e presente no seu meio. A permanência desses "sinais" indica a permanência do amor de Jesus: Ele será sempre o Messias que ama e do qual brotarão a água e o sangue que constituem e alimentam a comunidade.
    Em seguida (vers. 22), Jesus "soprou" sobre os discípulos reunidos à sua volta. O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego de Gn 2,7 (quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Com o "sopro" de Gn 2,7, o homem tornou-se um ser vivente; com este "sopro", Jesus transmite aos discípulos a vida nova que fará deles homens novos. Agora, os discípulos possuem o Espírito, a vida de Deus, para poderem - como Jesus - dar-se generosamente aos outros. É este Espírito que constitui e anima a comunidade de Jesus.
    Na segunda parte (vers. 24-29), apresenta-se uma catequese sobre a fé. Como é que se chega à fé em Cristo ressuscitado?
    João responde: podemos fazer a experiência da fé em Cristo vivo e ressuscitado na comunidade dos crentes, que é o lugar natural onde se manifesta e irradia o amor de Jesus. Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios (está fora) e que não faz caso do testemunho da comunidade, nem percebe os sinais de vida nova que nela se manifestam. Em lugar de se integrar e participar da mesma experiência, pretende obter (apenas para si próprio) uma demonstração particular de Deus.
    Tomé acaba, no entanto, por fazer a experiência de Cristo vivo no interior da comunidade. Porquê? Porque no "dia do Senhor" volta a estar com a sua comunidade. É uma alusão clara ao Domingo, ao dia em que a comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia: é no encontro com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o pão de Jesus partilhado, que se descobre Jesus ressuscitado.
    A experiência de Tomé não é exclusiva das primeiras testemunhas; todos os cristãos de todos os tempos podem fazer esta mesma experiência.

    ACTUALIZAÇÃO

    Ter em conta, na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:

    • A comunidade cristã gira em torno de Jesus, constrói-se à volta de Jesus e é d'Ele que recebe vida, amor e paz. Sem Jesus, estaremos secos e estéreis, incapazes de encontrar a vida em plenitude; sem Ele, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Ele, estaremos divididos, em conflito, e não seremos uma comunidade de irmãos... Na nossa comunidade, Cristo é verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende e é d'Ele que tudo parte?

    • A comunidade tem de ser o lugar onde fazemos verdadeiramente a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. É nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade, que encontramos Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo. É isso que a nossa comunidade testemunha? Quem procura Cristo, encontra-O em nós?

    • Não é em experiências pessoais, íntimas, fechadas e egoístas que encontramos Jesus ressuscitado; mas encontramo-l'O no diálogo comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido, no amor que une os irmãos em comunidade de vida. O que é que significa, para mim, a Eucaristia?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO DE PÁSCOA
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 2º Domingo de Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. EM RECORDAÇÃO DO BAPTISMO.
    Durante o tempo pascal, é recomendado que se faça o rito penitencial sob a forma de aspersão da água benzida, em recordação do baptismo. Durante o tempo pascal, pode-se também valorizar o baptistério: flores, iluminação, ícone, etc... e convidar os fiéis a irem aí recolher-se em recordação do dia do seu baptismo, em que Deus fez aliança com eles.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Deus da Vida, nós Te bendizemos pela ressurreição do teu Filho Jesus, e pela vida nova que comunicaste à comunidade dos Apóstolos, pelo teu Espírito Santo, pela alegria e pela partilha fraterna.
    Nós Te pedimos por todas as comunidades cristãs nas paróquias e nas dioceses, nos hospitais e nas prisões, nos conventos e nos desertos.

    No final da segunda leitura:
    Bendito sejas, Deus e Pai de Jesus Cristo nosso Senhor, a Ti louvor, honra e glória, porque nos fizeste renascer graças à ressurreição de Jesus Cristo e suscitas nos nossos corações uma esperança viva.
    Nós Te pedimos por todos os nossos irmãos e irmãs que passam provações. Inspira-nos as palavras que possam suscitar neles coragem e esperança.

    No final do Evangelho:
    Nós Te damos graças por este primeiro dia da semana, que se renova todos os oito dias depois da Páscoa de Jesus, e pelo Sopro do teu Espírito Santo, que renova as nossas comunidades na Eucaristia.
    Que a tua paz esteja sempre connosco. Sopra o teu Espírito, que Ele guie a nossa fé e que nós possamos confessar-Te: Meu Senhor e meu Deus.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Domingo de ternura de Deus que perdoa. Os nossos contemporâneos sofrem ao verem imagens de violência, ao ouvirem palavras de ódio, ao serem testemunhas de ajuste de contas. Têm necessidade que se lhes fale de conciliação e de reconciliação, de ternura e de perdão, de fidelidade e de confiança. Não nos podemos contentar em rezar ao nosso Deus "misericordioso, lento na cólera, cheio de fidelidade e lealdade..." Devemos pedir-lhe para nos tornar parecidos com Ele, porque nos criou à sua imagem e semelhança. É preciso que estejamos também prontos a perdoar, a termos um olhar e uma escuta de bondade sobre os outros, a refrearmos os nossos impulsos de cólera, a sermos fiéis aos nossos compromissos, a sermos leais nas nossas palavras e nos nossos actos.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a oração eucarística I.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Concretamente... O Livro dos Actos apresenta-nos este belo projecto de vida da primeira comunidade cristã: escutar o ensino dos Apóstolos, viver em comunhão fraterna, partir o pão, participar nas orações, partilhar com os irmãos em necessidade. E nós? Em que ficamos concretamente? Este projecto continua pleno de actualidade para nós, crentes, hoje!

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • 2ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    2ª Semana - Segunda-feira - Páscoa


    17 de Abril, 2023

    2ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 23-31

    Naqueles dias, logo que Pedro e João foram postos em liberdade, foram ter com os seus e contaram-lhes tudo quanto os sumos sacerdotes e os anciãos lhes tinham dito. 24Depois de tudo terem ouvido, ergueram a voz a Deus, numa só alma, e disseram:«Senhor, Tu é que fizeste o Céu, a Terra, o mar e tudo o que neles se encontra. 25Tu disseste pelo Espírito Santo e pela boca do nosso pai David, teu servo: 'Porque bramiram as nações e os povos formaram vãos projectos?
    26Levantaram-se os reis da Terra e os chefes coligaram-se contra o Senhor e contra o seu Ungido.' 27Sim, realmente, Herodes e Pôncio Pilatos coligaram-se nesta cidade
    com as nações e os povos de Israel, contra o teu Santo Servo Jesus, a quem ungiste, 28para levarem a cabo tudo quanto determinaste antecipadamente, pelo teu poder e sabedoria. 29Agora, Senhor, tem em conta as suas ameaças e concede aos teus servos poderem anunciar a tua palavra com todo o desassombro, 30estendendo a tua mão
    para se operarem curas, milagres e prodígios, em nome do teu Santo Servo Jesus.»
    31Tinham acabado de orar, quando o lugar em que se encontravam reunidos estremeceu, e todos ficaram cheios do Espírito Santo, começando a anunciar a palavra de Deus com desassombro.

    Pedro e João, postos em liberdade, vão ter com os seus. Estes seus não eram certamente os 8.000 convertidos já referidos por Lucas, mas um pequeno grupo capaz de se reunir numa casa particular, talvez o núcleo original da Igreja (cf. Act 1,
    12-14), reunido em casa de Maria (Act 12, 12).
    A comunidade cristã reage à perseguição, não concertando estratégias humanas, mas com a oração. Esta oração, a mais pormenorizada que encontramos no Novo Testamento, está construída sobre um esquema tripartido, comum na época. Começa por invocar a Deus criador, menciona alguns dos seus atributos e, finalmente, apresenta o pedido. O ponto central da oração é constituído pela citação do Sl 2, 1-2. O que aí se anuncia foi integralmente realizado na paixão, morte e ressurreição de Jesus. Não importa, pois, que os reis da terra, representados em Herodes, conspirem contra Jesus, o Messias, e que os príncipes, representados por Pôncio Pilatos, se aliem contra o Senhor. A ressurreição de Jesus torna inútil toda essa oposição. A comunidade sabe que tem de passar pela mesma sorte de Jesus. Por isso, pede a Deus, não o fim da perseguição, mas a liberdade e o poder anunciar com palavras e obras a Boa Nova de Cristo morto e ressuscitado.
    A narrativa de Lucas termina referindo um estremecer do lugar onde estavam reunidos a rezar. Era, segundo a mentalidade comum, um sinal de que a oração fora benignamente escutada por Deus. De facto, todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a anunciar com audácia a Palavra de Deus.

    Evangelho: João 3, 1-8

    Entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodemos, um chefe dos judeus. 2Veio ter com Jesus de noite e disse-lhe: «Rabi, nós sabemos que Tu vieste da parte de Deus, como Mestre, porque ninguém pode realizar os sinais portentosos que Tu fazes, se Deus não estiver com ele.» 3Em resposta, Jesus declarou-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer do Alto não pode ver o Reino de Deus.» 4Perguntou-lhe Nicodemos: «Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura poderá entrar no ventre de sua mãe outra vez, e nascer?» 5Jesus respondeu-lhe: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. 6Aquilo que nasce da carne é carne, e aquilo que nasce do Espírito é espírito. 7Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.' O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.»

    Nicodemos era um dirigente judeu muito representativo. Tinha ficado impressionado com as palavras e as acções de Jesus, na sua primeira intervenção, em Jerusalém. Por isso, decidiu entrevistar-se com ele. E mostra-se disposto a aceitar o ponto de vista de Jesus. Trata-se, pois, de um homem de boa vontade, com inquietações e sem preconceitos. As suas perguntas andaram à volta do tema do Reino de Deus, como nos dá a entender o evangelista. Como noutras ocasiões, João faz entrar Nicodemos em cena para provocar o ponto de apoio a partir do qual Jesus inculca os seus ensinamentos. As especulações dos judeus sobre o Reino de Deus não levam a bom porto. Para entrar nele é preciso nascer de novo. Esta é a expressão central da narrativa. A interpretação literal que Nicodemos faz dela dá a Jesus ocasião para ulteriores explicações.
    Na Antiguidade, havia a ideia de que, para entrar numa nova religião ou num sistema filosófico, era preciso «renascer». Hoje diríamos que é preciso mudar de mentalidade. Mas não é esse o sentido que Jesus dá à expressão. De facto, trata-se de um nascimento «do Alto» (v. 7) ou de Deus. Este nascimento tornou-se possível porque O do alto veio à terra (cf. Jo 1, 12-13). O nascimento «da carne e do sangue» é inadequado em ordem à pertença ao Reino. É precisa a acção do Espírito que é oferecido gratuitamente ao homem por Deus. O Espírito torna o homem capaz de responder a Deus. Água e Espírito: Jesus alude a dois elementos essenciais do baptismo, onde se realiza o novo nascimento.

    Meditatio

    Os primeiros cristãos reagem às perseguições com a oração. Não rezam para serem livres dos incómodos da perseguição. Rezam para não se deixarem bloquear pelas dificuldades e para não perderem a coragem de anunciar a Palavra. A sua oração é escutada, porque o Espírito vem dar-lhes força e coragem.
    Não se pode evangelizar sem fazer oração, muita oração. A evangelização, com efeito, é obra do Espírito Santo, que toca, não só o coração dos ouvintes, mas também o do evangelizador, tantas vezes tíbio e vacilante.
    O evangelho de hoje parece ter pouco a ver com o mistério pascal que estamos a celebrar: não fala de morte nem de ressurreição. Mas há uma relação profunda com a Páscoa e, na verdade, fala-se da ressurreição de Cristo e da nossa ressurreição. De facto, a Sagrada Escritura fala da ressurreição de Cristo como de um novo nascimento. Paulo, num seu discurso, aplica à ressurreição de Jesus o Salmo 2, onde Deus diz ao Filho: «Hoje Te gerei» (cf. Act 13, 16ss.). Na ressurreição, Cristo foi gerado para uma vida nova: era home
    m de carne e tornou-se homem «espiritual», de Espírito Santo. O mesmo Paulo, noutra passagem das suas cartas explica que, primeiro há o homem feito de terra e, depois, o homem celeste, que é Cristo ressuscitado (cf. 1 Cor 15, 44ss.). E tudo aconteceu por nós. O Filho assumiu corpo humano, de que não precisava, para tornar possível um novo nascimento para todos nós: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus» (Jo 3, 5). Renascer da água e do Espírito Santo é dom de Cristo ressuscitado. Esse dom vem pelo sacramento do Baptismo que nos faz
    «renascer do alto» (v. 7) e introduz em nós um dinamismo que nos permite crescer e desenvolver-nos até à estatura de Cristo.
    Este nascimento, preanunciado a Nicodemos (cf. Jo 3, 3.5), realizou-se na transfixão do Lado, onde a água que brota de Cristo é sinal do dom do Espírito, do Baptismo, do nascimento da Igreja e, na Igreja, de cada um de nós. «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja» (Cst 3).

    Oratio

    Senhor Jesus, faz-me compreender que «renascer do Alto» não é só ser baptizado mas também acolher cada dia o ser espiritual que o Pai nos dá pela tua Ressurreição. Preciso de renascer em cada etapa da minha vida. Por isso, não me hei-de espantar quando, por assim dizer, sentir as dores do parto. De facto, nascer do Espírito não acontece de uma vez para sempre, e as dificuldades da nossa vida são um chamamento a renascer mais uma vez.
    Que eu me abra de par em par ao teu Espírito para ser capaz de sempre renascer, sem desanimar com as dores que antecedem cada renascimento. Amen.

    Contemplatio

    É depois da sua ressurreição que Nosso Senhor dá aos seus apóstolos a missão definitiva de fundar a igreja e de nela fazer entrar todos os homens pelo sacramento do baptismo: «Ide, - diz-lhes -, pregai, ensinai todas as nações e baptizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo» (Mt 28, 19).
    Mas já tinha descrito os efeitos do baptismo em várias ocasiões e particularmente na conversa com Nicodemos. - «Em verdade, te digo, - tinha-lhe dito Jesus -, a não ser que renasça da água e do Espírito Santo, ninguém pode entrar no reino de Deus. O que nasceu da carne é carne e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te surpreendas, portanto, por te ter dito: é preciso que nasçais de novo. O vento sopra onde quer. Tu escutas a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem onde vai. Assim é com todo o homem que nasceu do Espírito» (Jo 3, 1).
    Nosso Senhor estabelece bem a distinção entre a vida natural e a vida sobrenatural. Descreve-nos o reino de Deus na nossa alma: uma vida nova e a acção misteriosa do Espírito Santo. O Espírito de Deus sopra onde quer; inspira a alma, eleva-a acima de si mesma no momento que escolheu. A sua acção só depende d' Ele. Se estivar lá, sente-se, escuta-se a sua voz e há a vida; se se afasta, é o definhamento e silêncio (Leão Dehon, OSP 4, p. 214).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Venha a nós o vosso reino» (Mt 6, 10).

  • 2ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    2ª Semana - Terça-feira - Páscoa


    18 de Abril, 2023

    2ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 4, 32-37

    32A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum.
    33Com grande poder, os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e uma grande graça operava em todos eles. 34Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda 35e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um conforme a necessidade que tivesse. 36Assim, um levita cipriota, de nome José, a quem os Apóstolos chamaram Barnabé, isto é, «filho da consolação», 37possuía uma terra; vendeu-a e trouxe a importância, que depositou aos pés dos Apóstolos.

    Lucas apresenta-nos mais um breve resumo sobre o teor de vida da Igreja nascida do Pentecostes, acentuando a eficácia do testemunho apostólico sobre a Ressurreição, que dá origem a uma nova criação, que justifica o estilo de vida da comunidade e, concretamente, a partilha de bens. Nesta partilha, notamos dois aspectos: o primeiro consiste em pôr em comum os próprios bens, partilhando o seu uso; mantendo cada um a propriedade dos seus bens, considera-se apenas administrador dos mesmos, pondo-os à disposição dos outros; o segundo aspecto consiste em vender os próprios bens, distribuindo o lucro pelos pobres; neste caso, vendidos os bens, apresentavam o lucro aos apóstolos que o distribuíam. Mas os Actos apresentam outras formas de partilha dos bens: Paulo falará do trabalho com as próprias mãos, para prover às necessidades dos seus e dos que são frágeis (cf. 20, 34s.).
    O que Lucas pretende sublinhar é que a partilha, nas suas diferentes formas, tem a sua raiz na comunhão de espírito e de corações dos fiéis. Do conjunto, podemos concluir que estamos perante a comunidade messiânica, herdeira das promessas feitas aos pais: «Em verdade, não deve haver pobres entre vós, porque o Senhor te abençoará na terra que Ele próprio te há-de dar em herança para a possuíres; mas só se ouvires a voz do Senhor, teu Deus, para guardares e cumprires todos estes preceitos.» (Dt 14, 4s.).

    Evangelho: Jo 3, 7b-15

    Naquele tempo, Jesus disse a Nicodemos: 7Não te admires por Eu te ter dito: 'Vós tendes de nascer do Alto.' O vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.» 9Nicodemos interveio e disse-lhe: «Como pode ser isso?» 10Jesus respondeu- lhe: «Tu és mestre em Israel e não sabes estas coisas? 11Em verdade, em verdade te digo: nós falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos, mas vós não aceitais o nosso testemunho. 12Se vos falei das coisas da terra e não credes, como é que haveis de crer quando vos falar das coisas do Céu? 13Pois ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem. 14Assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, assim também é necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, 15a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna.

    O diálogo com Nicodemos transforma-se num monólogo com grande amplidão de horizontes. Lucas refere-nos palavras autênticas de Jesus e testemunhos pós- pascais, fundidos num único discurso. Estamos perante uma profissão de fé usada na liturgia da igreja joânica e que contém uma síntese da história da salvação.
    O evangelista desenvolve o tema do texto que ontem escutámos, centrado no testemunho de Cristo, Filho do homem descido do céu, o único capaz de revelar o amor de Deus pelos homens, como de facto fez, na sua morte e ressurreição (vv. 11-15). João insiste agora na importância da fé: para compreendermos a grande revelação do êxodo pascal, há que crescer na fé sobre o nosso destino espiritual. Há que acreditar em Cristo, ainda que não tenhamos subido ao céu para compreendermos os seus mistérios. Ele, que desceu do céu (v. 13), é capaz de anunciar a realidade do Espírito, e é capaz de estabelecer a verdadeira relação do homem com Deus. Só Jesus é o lugar ideal da presença de Deus. Esta revelação realizar-se-á na cruz, quando Jesus for entronizado, porque «todo o que nele crê tenha a vida eterna» (v. 15).
    A humanidade poderá compreender o evento escandaloso e desconcertante da salvação pela cruz e ser curada do seu mal, tal como os Hebreus, mordidos pelas serpentes no deserto, foram curados ao olharem a serpente de bronze elevada num poste (cf. Nm 21, 4-9). A salvação passa pela submissão a Deus e pela contemplação do Crucificado.

    Meditatio

    Os resumos de Lucas sobre a vida da primeira comunidade cristã permanecem como referência para as comunidades de todos os tempos. Os monges do século IV, perante o abrandamento de fervor espiritual ocorrido na Igreja, depois do édito de Milão, foram para o deserto e organizaram-se em comunidades que pretendiam reeditar a comunidade de Jerusalém. Nos momentos de dificuldades na vida cristã, e particularmente na vida religiosa, apela-se para o modelo fundante e insuperável da Igreja primitiva.
    A primeira leitura deixa-nos entrever o fascínio e a nostalgia da fraternidade, de uma Igreja fraterna. A comunhão é um dos pilares sobre o qual se pode reconstruir a Igreja e as próprias comunidades religiosas. A comunhão manifesta a novidade cristã. Comunidades fraternas, Igreja fraterna, mentalidade fraterna, que procuram acima de tudo relações fraternas, tornam-se sinal da presença de Deus e do seu Reino.
    O evangelho fala-nos da morte e da glorificação de Jesus, que ele mesmo anuncia a Nicodemos: «É necessário que o Filho do Homem seja erguido ao alto, a fim de que todo o que nele crê tenha a vida eterna» (v. 14). Jesus, elevado na cruz, alcançou a ressurreição que O elevou ao Céu: «Ninguém subiu ao Céu a não ser aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem» (v. 13). Elevado na cruz e na ressurreição, Jesus revela-se como Aquele em Quem havemos de acreditar. Há pois que acolher as suas palavras sobre o Pai e sobre a vida eterna, a verdadeira vida. E, tendo acreditado, havemos de dar testemunho.
    Os cristãos, particularmente os religiosos, certamente imperfeitos, hão-de procurar criar um ambiente que promova o progresso espiritual de cada um. Para isso, hão-de esforçar-se por aprofundar as relações no Senhor, mesmo as mais normais, com cada um dos irmãos. A caridade, entre muitas outras coisas, incluindo a partilha de bens, há-de ser também uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno (cf. Cst 64). Assim todos testemunhamos que a fraternidade porque os homens anseiam é possível em Jesus Cristo (cf. Cst. 65). Assim também confessamos a Cristo, em nome do Qual estamos reunidos (cf. Cst. 67).

    Oratio

    Senhor, Pai misericordioso, dá-nos a graça de proclamar o poder do Senhor ressuscitado. O livro dos Actos diz-nos que os Apóstolos davam testemunho da Ressurreição de Jesus com grande força. Essa é também a nossa missão de cristãos e religiosos, hoje. Infunde em nós o Espírito Santo para que, pela nossa palavra ardorosa, e pela nossa vida de fé, de esperança e de caridade, demos um testemunho vigoroso do teu Filho Jesus, e da sua santa Ressurreição. Amen.

    Contemplatio

    S. Barnabé não era do número dos doze apóstolos, mas foi-lhe acrescentado e trabalhou muito com S. Paulo. Levita e cipriota, estudava as santas Letras em Jerusalém sob a direcção do Rabino Gamaliel, quando foi testemunha da cura do paralítico na piscina. Uniu-se então imediatamente aos discípulos de Nosso Senhor. Era um homem jovem, amável e bom. Era bom, dizem os Actos, e cheio de fé e ricamente dotado com os dons do Espírito Santo. Os apóstolos chamaram-no Barnabé, o que quer dizer «o Filho da consolação». Depois do Pentecostes, estava em Damasco quando aconteceu o milagre da conversão de S. Paulo. Fez-se o anjo da guarda de S. Paulo, conduziu-o a Jerusalém e apresentou-o aos apóstolos. Trabalharam juntos vários anos, e receberam a missão de pregarem a fé aos gentios. Ganharam quase toda a cidade de Antioquia.
    Barnabé era de uma família abastada. Tinha uma bela propriedade na ilha de Chipre. Vendeu-a e apresentou o valor aos apóstolos. Dava assim o grande exemplo do desapego e da vida religiosa (Leão Dehon, OSP 3, p. 644).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Todo o que crê em Mim tem a vida eterna» (Cf. Jo 3, 15).

  • 2ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Quarta-feira - Páscoa


    19 de Abril, 2023

    2ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 17-26

    Naqueles dias, 17Surgiu o Sumo-sacerdote com todos os seus sequazes, isto é, o partido dos saduceus; encheram-se de inveja 18e deitaram as mãos aos Apóstolos, metendo-os na prisão pública. 19Mas, durante a noite, o Anjo do Senhor abriu as portas da prisão e, depois de os ter conduzido para fora, disse-lhes: 20«Ide para o templo e anunciai ao povo a Palavra da Vida.» 21Obedientes a essas ordens, entraram no templo de manhã cedo e começaram a ensinar. Entretanto, chegou o Sumo-sacerdote com os seus sequazes; convocaram o Sinédrio e todo o Senado dos filhos de Israel e mandaram buscar os Apóstolos à cadeia. 22Os guardas foram lá, mas não os encontraram na prisão e voltaram, declarando: 23«Encontrámos a cadeia fechada com toda a segurança e os guardas de sentinela à porta, mas, depois de a abrirmos, não encontrámos ninguém no interior.» 24Esta notícia pôs os sumos- sacerdotes e o comandante do templo numa grande perplexidade acerca dos Apóstolos, e perguntavam a si próprios o que poderia significar tudo aquilo. 25Veio, então, alguém comunicar-lhes: «Os homens que metestes na prisão estão agora no templo a ensinar o povo.» 26O comandante do templo dirigiu-se imediatamente para lá com os guardas e trouxe os Apóstolos, mas não à força, pois receavam ser apedrejados pelo povo.

    O episódio narrado no texto de hoje mostra que a palavra de Deus não pode ser aprisionada (cf. 2 Tm 2, 9). Os sacerdotes do templo estão preocupados, particularmente os saduceus que estão furiosos com a pregação da ressurreição. Temem perder influência junto do povo. Prendem os apóstolos. Mas o anjo do Senhor liberta-os (cf. Sl 34, 8) para que possam voltar ao templo e pregar a «Palavra da Vida» (v. 20).
    Deus protege os anunciadores do Evangelho. Nada nem ninguém se pode opor ao projecto de Deus. A narrativa está cheia de ironia: Deus ri-se dos seus adversários, de acordo com o Salmo 2, citado na oração comunitária dos crentes.
    Deus prega uma partida aos sacerdotes e seus sequazes, reunidos com toda a sua força, para se oporem ao projecto divino. Tudo está sob controlo deles, mas os apóstolos escapam da prisão e continuam a pregar a Ressurreição de Jesus. Deus parece divertir-se, fintando os seus adversários. Quem pode resistir-lhe?

    Evangelho: João 3, 16-21

    16Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. 17De facto, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. 18Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. 19E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más. 20De facto, quem pratica o mal odeia a Luz e não se aproxima da Luz para que as suas acções não sejam desmascaradas. 21Mas quem pratica a verdade aproxima-se da Luz, de modo a tornar-se claro que os seus actos são feitos segundo Deus.»

    A revelação, iniciada no encontro com Nicodemos, continua a desenvolver-se e chega à fonte da vida, o amor do Pai que dá o seu Filho para destruir o pecado e a morte. Entrevemos neste texto duas categorias joânicas clássicas: o amor e o juízo. Nos vv. 16s encontramos uma ideia cara a João: o carácter universal da obra salvadora de Cristo, que tem a sua origem na iniciativa misteriosa do amor de Deus pelos homens. O envio e a missão do Filho são a maior manifestação de um Deus que
    «é amor» (cf. 1 Jo 4, 8-10). A opção fundamental do homem consiste em aceitar ou
    rejeitar o amor de um Pai que se revelou em Cristo. Mas este amor não julga o mundo: ilumina-o (v. 17).
    Colocados perante a revelação do amor de Deus, há que tomar posição:
    acreditar em Jesus ou recusá-l´O. Quem acreditar em Jesus não será condenado; mas quem O rejeitar, e não acreditar no seu nome, já está condenado (v. 18). A causa da condenação é uma só: a incredulidade, a recusa da palavra de Jesus. No fim deste colóquio de Jesus com Nicodemos, e com cada um de nós, nada mais resta do que acolher o convite à conversão e a uma mudança radical de vida. Quem aceita Jesus, e dá espaço a um amor que nos transcende, encontra o que ninguém pode alcançar por si mesmo: a verdadeira vida.

    Meditatio

    Deus faz maravilhas pelos arautos da Boa Nova porque difundem a palavra de vida. Não os preserva da prisão, mas liberta-os, mais ou menos rapidamente. As vezes, a fraqueza da Palavra dura uma noite, outras vezes dura anos. Mas a Palavra acaba por vencer e por avançar irresistível até aos confins do mundo. Basta pensar no que se passou nos primeiros três séculos da vida da Igreja, até ao édito de Milão. Basta pensar no que se passou nos países da ex-União Soviética. Há tantas formas de prisão e de libertação! Mas Jesus acompanha o caminho da sua Palavra e, de vários modos, está presente aos seus mensageiros, acampando junto deles para os libertar das coacções externas e internas. A figura deste mundo passa. Mas a Palavra de Deus permanece.
    «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).
    A ressurreição de Jesus ajuda-nos a verificar esta intenção de Deus. Se Jesus
    não tivesse ressuscitado, tudo permaneceria obscuro, porque o pecado dos homens levaria aparentemente a melhor, e o juízo de Deus cairia inexorável sobre esse pecado, que afastaria definitivamente o Filho do mundo. Jesus teria feito o possível para nos salvar, mas a malícia humana teria levado a melhor. A terra permaneceria nas sombras da morte.
    Mas Deus revela a sua intenção de amor ressuscitando o seu Filho, revelando assim que não quer o juízo, mas a salvação, a vida. A ressurreição manifesta a misericórdia de Deus para connosco e dá-nos uma esperança nova, que jamais há-de perecer, tal como Cristo ressuscitado e glorioso. O pecado está vencido, ultrapassado. Para além do pecado do homem, há uma vida nova que Deus nos oferece.
    «Cristo amou-nos e entregou-se a Deus por nós como oferta e sacrifício de agradável odor» (Ef 5, 2). Para nos remir do pecado, Cristo fez a oblação de si mesmo, que culminou na Cruz. O Pai aceitou a oblação do Filho e ressuscitou-O. Mas, na origem da oblação de Cristo está o próprio Pai que: «amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho unigénito... não... para julgar o mundo, ma
    s para que o mundo seja salvo por meio d´Ele. Quem acredita n´Ele não é condenado..." (Jo 3, 16-18). S. João repete a mesma ideia na sua Primeira Carta: o Pai enviou o Seu Filho, Cristo Jesus, como "vítima de expiação pelos nossos pecados; não só pelos nossos pecados, mas também pelos de todo o mundo" (cf. 1 Jo 2, 2). S. Paulo acrescenta: "Foi

    Deus... que reconciliou o mundo Consigo em Cristo, não imputando aos homens o seus pecados..." (2 Cor 5, 19).

    Oratio

    Senhor, vejo que, quando queres alguma coisa, nada Te detém. Por isso, quando a tua palavra parece encarcerada, quando os teus apóstolos parecem prisioneiros, não devo perder a confiança no teu poder. Essa é, hoje, uma tentação grande e perigosa para todos nós, os teus discípulos. Diante das forças dos que se opõem à tua palavra, facilmente nos inquietamos, nos assustamos, nos deprimimos, nos arrependemos. Dá-nos a certeza de que, também hoje, estás com os teus mensageiros e os assistes, que o nosso dever é anunciar, e não ver o sucesso do anúncio. Esse sucesso é apenas para Ti, quando quiseres abrir a porta dos corações, quando quiseres preparar um novo povo, quando decidires que a tua Palavra deve retomar a corrida pelo mundo, o mundo geográfico e o mundo dos corações. Creio em Ti, Senhor, e na força do teu Espírito. Amen.

    Contemplatio

    Como Deus nos ama! Os pagãos tinham feito, do amor profano, um deus, que lançava as suas flechas sobre os corações dos homens. Era uma profanação. O nosso Deus é que é amor: Deus charitas est. É Deus e o seu Filho Jesus que lançam setas nos nossos corações para os ferirem de amor. - O Salvador não diz de si mesmo:
    «Deus colocou-me como sua seta eleita, posuit me sicut sagittam electam (Is 49, 2). E que seta, senão uma seta de amor?
    Jesus é a seta de amor saída da aljava de seu Pai. «Deus amou de tal modo o
    mundo, diz S. João, que lhe deu o seu Filho único» (Jo 3).
    A misericórdia de Deus pressionava-o para encontrar o meio de nos salvar, parecia ter saudades da nossa amizade. Não disse Ele: «Tenho as minhas delícias na amizade dos filhos dos homens» (Prov. 9).
    Era como o pai do filho pródigo, que vai ao encontro do culpado; ou como são
    um pai e uma mãe que perderam o seu filho bem-amado.
    A Santíssima Trindade escolheu a incarnação como o meio de recuperar o nosso coração. Ela lançou uma seta de amor, o menino de Belém» (Leão Dehon, OSP
    3, p. 26).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Cristo amou-nos e entregou-se por nós» (Ef 5, 2).

  • 2ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Quinta-feira - Páscoa


    20 de Abril, 2023

    2ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 27-33

    Naqueles dias, os guardas trouxeram os apóstolos e levaram-nos à presença do Sinédrio. O Sumo-sacerdote, interrogando-os, 28disse: «Proibimo-vos formalmente de ensinardes nesse nome, mas vós enchestes Jerusalém com a vossa doutrina e quereis fazer recair sobre nós o sangue desse homem.» 29Mas Pedro e os Apóstolos responderam: «Importa mais obedecer a Deus do que aos homens. 30O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, a quem matastes, suspendendo-o num madeiro. 31Foi a Ele que Deus elevou, com a sua direita, como Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados. 32E nós somos testemunhas destas coisas, juntamente com o Espírito Santo, que Deus tem concedido àqueles que lhe obedecem.» 33Enraivecidos com tal linguagem, pensaram a sério em matá-los.

    Os apóstolos estavam presos às ordens do Sumo-sacerdote, incitado pela aristocracia sacerdotal, onde se destacavam os saduceus. Competia ao Sinédrio julgá- los. O Sumo-sacerdote acusava os apóstolos de dois crimes: desobediência às ordens que lhes foram dadas, uma vez que continuavam a ensinar «em nome de Jesus», e difamação, uma vez que acusavam os chefes do povo de serem os responsáveis pela morte de Jesus.
    Pedro responde com um breve discurso. Reafirma o dever de obedecer antes a Deus que aos homens, porque só quem se submete a Deus recebe o Espírito Santo. Depois, centra-se no essencial do Kerygma cristão: a morte e a ressurreição de Jesus. E fá-lo contrapondo o que fizeram os chefes dos judeus e o que fez Deus: «vós matastes» Jesus; «Deus ressuscitou» Jesus (cf. vv. 30-31). É um esquema habitual no livro dos Actos. Pela ressurreição, Deus constituiu «esse homem, Príncipe e Salvador» (v. 31). Jesus é «Príncipe» porque é o novo Moisés, que guia o povo para a libertação e salvação; é «Salvador» porque, pela sua morte, nos alcançou o arrependimento e a remissão dos pecados.
    A defesa de Pedro, e dos outros apóstolos, termina apresentando-se, a si e a eles, como testemunhas oculares do Evangelho que pregam. E o seu testemunho é garantido pelo Espírito Santo. Isto deixa enraivecidos os judeus, que pensam matar os apóstolos, tal como tinham feito com Jesus.

    Evangelho: João 3, 31-36

    Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 31Aquele que vem do Alto está acima de tudo. Quem é da terra à terra pertence e fala da terra. Aquele que vem do Céu está acima de tudo 32e dá testemunho daquilo que viu e ouviu, mas ninguém aceita o seu testemunho. 33Quem aceita o seu testemunho reconhece que Deus é verdadeiro;
    34pois aquele que Deus enviou transmite as palavras de Deus, porque dá o Espírito sem medida. 35O Pai ama o Filho e tudo põe na sua mão. 36Quem crê no Filho tem a vida eterna; quem se nega a crer no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus.

    Na conclusão do capítulo terceiro do seu evangelho, João recolhe sucessivas palavras de Jesus caras à comunidade joânica. O evangelista utiliza categorias espaciais como «do Alto», «da terra», para nos apresentar Jesus como único revelador do Pai e a sua importância para a vida do homem. A insistência em descobrir a origem e a natureza do Revelador tem uma intenção existencial clara. Nenhuma palavra que proceda «da terra», por autorizada que seja, pode comparar- se com as palavras do Revelador, que vem «do Alto», que está acima de todos. Por isso, todo o discípulo é chamado a verificar a sua relação com Jesus e o modo como escuta a sua palavra. Cristo vem «do Alto», pertence ao mundo divino e é superior a qualquer homem. O homem, ainda que seja um grande profeta, como João Baptista, «vem da terra» e permanece um ser terreno e limitado. É verdade que alguns ainda se recusam a crer. Mas há um «resto», que vive de fé, e são os crentes que manifestam «que Deus é verdadeiro». A sua fé confirma que o agir de Cristo está em comunhão com o agir do Pai.
    Finalmente, Cristo não é só o Revelador da Palavra de Deus, mas é a própria Palavra, é «espírito e vida» (Jo 6, 63). É, não só Aquele que tudo recebe do Pai, mas também Aquele que transmite tudo quanto possui, especialmente o seu Espírito Santo.

    Meditatio

    O texto evangélico que hoje escutamos revela-nos a plenitude de graça que recebemos do Ressuscitado. Ele é para nós revelação do imenso amor com que Deus nos ama. Esse imenso amor, com todos os dons que compreende, é derramado em nós no baptismo. A vida cristã consiste em viver, cada vez em maior plenitude, a riqueza que recebemos ao ser baptizados: a graça santificante e justificante, que nos torna capazes de crer em Deus, esperar n´Ele e de O amar, pelas virtudes teologais; o poder de vivermos e agirmos sob a moção do Espírito Santo e os seus dons; a capacidade de crescer no bem, pelas virtudes morais. O nosso primeiro esforço há-de ser tomar consciência de todos esses dons do amor de Deus, e não tentar conquistá- los. São-nos oferecidos gratuitamente no baptismo.
    A nossa vida há-de ser permeada de gratidão para com Deus, tão generoso para connosco. Ter a certeza desse amor é atitude fundamental na vida cristã. Se, na vida natural, quase tudo se alcança à custa de esforço e lentamente, na vida da graça tudo nos é dado. Há apenas que acolher e viver os dons que Deus gratuitamente nos oferece.
    A primeira leitura fala-nos de um dom de que hoje se fala pouco e de que os cristãos nem sempre têm suficiente consciência: a remissão dos pecados. Mas, quem tem o sentido de Deus, quem adverte a importância decisiva de estar em comunhão com Ele, quem sente por experiência própria a tragédia de estar longe d´Ele, quem toma a sério que o definitivamente válido é a comunhão com Deus, sabe que a remissão dos pecados é algo decisivo na nossa vida. Todos somos pecadores. Todos precisamos de perdão. Jesus remiu-nos do pecado, isto é, restabeleceu a comunhão filial, amiga, pacificadora com Deus. É o princípio de todos os bens messiânicos. Sem esse fundamento, nada se pode construir. Longe de Deus, sentimo-nos afastados da nossa origem e do nosso fim. É por isso que S. Pedro anuncia o Senhor ressuscitado como Aquele que restabelece a amizade entre o angustiado coração humano e o ardente coração de Deus Pai.
    O grande obstáculo ao acolhimento do amor gratuito de Deus é o pecado. "O Padre Dehon é muito sensível ao pecado... conhece os males da sociedade..." e "reconhece na recusa do amor de Cristo a causa mais profunda desta miséria humana", afirmam as nossas Constituições (cf. n. 4). Também nós, Oblatos- Sacerdotes do Coração de Jesus, tal como o Pe. Dehon, devemos estar

    "comprometidos... para reparar o pecado e a falta de amor na Igreja e no mundo (Cst 7; Cf. n. 79), isto é, o não acolhimento do amor de Deus e a falta de correspondência a esse amor, oferecendo-nos ao Pai "em solidariedade" com Cristo... como uma oblação viva, santa e agradável (cf. Rom 12, 1)... em sacrifício de suave odor (Ef 5, 2)" (n. 22).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, por todos os teus dons. Obrigado pela remissão dos meus pecados. Facilmente esqueço que fui perdoado por ti, não só uma, mas muitas vezes. Facilmente esqueço a alegria que me traz o teu perdão, a alegria que me traz sentir- me reconciliado Contigo.
    Ensina-me a falar da salvação como perdão dos pecados e comunhão Contigo.
    Que jamais esqueça o teu amor benevolente e misericordioso quando, a tremer por causa das minhas culpas, me apresento diante de Ti. Mostra-me, então, o teu rosto benigno de salvador e infunde em mim o teu Espírito para remissão dos pecados. Unido a Ti, meu divino Salvador, quero ser arauto do teu amor diante de todos os meus irmãos e irmãs, para que também eles acolham o dom da remissão dos pecados, que a todos ofereces. Amen.

    Contemplatio

    Comentando a palavra do Salvador, S. Pedro diz-nos: «Sede submissos, por amor de Deus, a toda a instituição humana, seja ao rei como soberano; seja aos governadores, como enviados por ele, para punir os maus e para recompensar os bons... Porque tal é a vontade de Deus, que, fazendo o bem, fechais a boca dos insensatos e dos ignorantes. Sois livres, mas como servos de Deus, e não para vos cobrirdes da liberdade como de um véu que favorece a licenciosidade.
    Honrai a todos: amai os vossos irmãos, temei a Deus, respeitai o rei. Servos, sede submissos aos vossos senhores com todo o temor, não somente àqueles que são bons e doces, mas ainda àqueles que são impertinentes. Porque é uma glória suportar mágoas e sofrer injustamente por motivo de consciência para com Deus. Que glória há, de facto, em suportar os castigos que mereceis pelas vossas faltas?
    Mas se tendes de sofrer quando fizestes o bem, e o suportastes com paciência, eis o que é grande diante de Deus» (1Pd 2, 13).
    S. Paulo também diz a Tito: «Adverti os irmãos para que sejam submissos aos príncipes e aos poderosos, que obedeçam à sua palavra, que estejam prontos para todas as boas obras».
    Mas assim como devemos deferência e submissão à autoridade legítima, quando actua dentro dos limites das suas atribuições, do mesmo modo devemos mostrar-nos firmes na nossa resistência, quando ela se vira contra Deus e pisa aos pés os direitos da consciência.
    Aos seus juízes que lhes proibiam de falarem no futuro no nome de Jesus, Pedro e João responderam: «Pronunciai vós mesmos, e dizei, perante Deus, se é justo obedecer-vos antes que a Deus. Não podemos calar o que vimos e escutámos».
    – E chamados a juízo uma segunda vez, dizem ainda: «É a Deus que é preciso obedecer antes que aos homens» (Act 4-5). S. Paulo adverte-nos também para que conservemos a nossa dignidade de cidadãos e para fazermos respeitar os nossos direitos: «Sou cidadão romano, diz, e apelo a César» (Act 22) (Leão Dehon, OSP 4, p. 78s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Qj.Jem crê no Filho tem a vida eterna>> (Jo 3, 36 ).

  • 2ª Semana - Sexta-feira - Páscoa

    2ª Semana - Sexta-feira - Páscoa


    21 de Abril, 2023

    2ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 5, 34-42

    Naqueles dias, 34ergueu-se, então, um homem no Sinédrio, um fariseu chamado Gamaliel, doutor da Lei, respeitado por todo o povo. Mandou sair os acusados por alguns momentos 35e, tomando a palavra, disse: «Homens de Israel, tende cuidado com o que ides fazer a esses homens! 36Nos últimos tempos, apareceu Teudas, que se dizia alguém e ao qual seguiram cerca de quatrocentos homens. Ele foi liquidado e todos os seus partidários foram destroçados e reduzidos a nada. 37Depois dele, apareceu também Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e arrastou o povo atrás dele. Morreu, igualmente, e todos os seus adeptos foram dispersos. 38E, agora, digo-vos: não vos metais com esses homens, deixai-os. Se o seu empreendimento é dos homens, esta obra acabará por si própria; 39mas, se vem de Deus, não conseguireis destruí-los, sem correrdes o risco de entrardes em guerra contra Deus.»
    Concordaram, então, com as suas palavras. 40Trouxeram novamente os Apóstolos e, depois de os mandarem açoitar, proibiram-lhes de falar no nome de Jesus e libertaram-nos. 41Quanto a eles, saíram da sala do Sinédrio cheios de alegria, por terem sido considerados dignos de sofrer vexames por causa do Nome de Jesus. 42E todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam de ensinar e de anunciar a Boa-Nova de Jesus, o Messias.

    A defesa de Pedro tornou-se uma gravíssima acusação contra os seus acusadores. Por isso, quiseram matar os apóstolos. Mas, graças à intervenção de Gamaliel, impôs-se a moderação. Como fariseu bom e douto, Gamaliel via com simpatia o movimento cristão, que pregava a ressurreição e se apresentava-se como cumprimento das Escrituras. Seria arbitrário excluí-lo sem mais. Por isso, o melhor era esperar.
    Todo o falso movimento messiânico se desfaz por si mesmo: Gamaliel lembra Teudas e Judas. Judas, o galileu, é bem conhecido. Chefiou uma rebelião contra Roma, no ano 6-7 da nossa era. O seu movimento foi continuado pelos zelotas. Teudas era bem conhecido no tempo em que Lucas escreve. Mas a sua rebelião aconteceu trinta anos depois da intervenção de Gamaliel. Lucas prescinde dessa circunstância e usa-o como exemplo de movimentos messiânicos fracassados. Para Gamaliel, sucederá o mesmo ao movimento cristão, se for falso. Por isso, não é preciso opor-se a ele. O raciocínio de Gamaliel foi aceite pelo Sinédrio que, depois de açoitar os apóstolos, os pôs em liberdade, com a proibição de continuarem a falar daquele «nome».
    Os apóstolos interpretaram os seus sofrimentos como honrarias concedidas por Deus. Tinham-se realizado neles as perseguições anunciadas por Jesus (cf. Mt 10, 17; 23, 34); tinham sido objecto de uma das bem-aventuranças de Jesus (cf. Mt 5, 11- 12); tinham sido equiparados a Jesus (cf. Mc 15, 15; Jo 19, 1). Por isso, puseram-se a pregar, com novo ânimo, a Jesus como Messias.

    Evangelho: João 6, 1-15

    Naquele tempo, Jesus partiu para a outra margem do lago da Galileia, ou de Tiberíades. 2Seguia-o uma grande multidão, porque presenciavam os sinais miraculosos que realizava em favor dos doentes. 3Jesus subiu ao monte e sentou-se ali com os seus discípulos. 4Estava a aproximar-se a Páscoa, a festa dos judeus.
    5Erguendo o olhar e reparando que uma grande multidão viera ter com Ele, Jesus disse então a Filipe: «Onde havemos de comprar pão para esta gente comer?» 6Dizia isto para o pôr à prova, pois Ele bem sabia o que ia fazer.
    Filipe respondeu-lhe: 7«Duzentos denários de pão não chegam para cada um comer um bocadinho.» 8Disse-lhe um dos seus discípulos, André, irmão de Simão Pedro: 9«Há aqui um rapazito que tem cinco pães de cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?» 10Jesus disse: «Fazei sentar as pessoas.»
    Ora, havia muita erva no local. Os homens sentaram-se, pois, em número de uns cinco mil. 11Então, Jesus tomou os pães e, tendo dado graças, distribuiu-os pelos que estavam sentados, tal como os peixes, e eles comeram quanto quiseram.
    12Quando se saciaram, disse aos seus discípulos: «Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca». 13Recolheram-nos, então, e encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de cevada que sobejaram aos que tinham estado a comer.
    14Aquela gente, ao ver o sinal milagroso que Jesus tinha feito, dizia: «Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo!» 15Por isso, Jesus, sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazerem rei, retirou-se de novo, sozinho, para o monte.

    O milagre da multiplicação dos pães introduz simbolicamente o «Discurso sobre o pão da vida». Trata-se de um dos sinais realizados por Jesus para revelar a sua identidade. João apresenta Jesus como o novo Moisés, guia de um novo êxodo. A multiplicação dos pães também é sinal de um novo maná, a Eucaristia.
    Ao narrar este milagre, João tem uma clara intenção cristológica. Mostra que Jesus possui um conhecimento sobre-humano. De facto, quando Jesus pergunta a Filipe, como resolver a situação, João acrescenta que «Ele bem sabia o que ia fazer» (v. 6). Depois Jesus distribui pessoalmente o pão e os peixes, à discrição, pelos que estavam sentados (v. 11), mostrando segurança na sua missão e no modo como realizá-la. Finalmente, recusa ser rei (v. 15).
    Para João, Jesus é Aquele em quem se realiza o passado e se concretiza a esperança de Israel. O pão que está para dar ao povo aperfeiçoa e ultrapassa a páscoa hebraica e coloca o milagre sob o signo do banquete eucarístico cristão. Jesus fala ao povo de nova aliança com Deus e de vida eterna. Depois, alerta Filipe para as dificuldades do momento e, só depois, intervém para multiplicar o pão. Todos são saciados, e ainda sobejam doze cestos de pão.
    Com este sinal, Jesus apresenta-se como o Messias esperado e que é preciso acolher.

    Meditatio

    As palavras de Gamaliel são muitas vezes usadas como exemplo de um conselho sábio. É verdade que podem ter outro tipo de interpretações: atitude de quem deixa correr as coisas, de quem não está para se inquietar desnecessariamente, quiçá de uma mentalidade fatalista... Mas, quando são ditadas pelo espírito de fé em Deus que actua na história, as palavras de Gamaliel são certamente positivas.
    As palavras do doutor da Lei, lidas como um conselho sábio, podem ajudar-nos a recuperar o sentido de Deus, que está presente e actua nos pequenos e grandes acontecimentos da nossa vida e da nossa história comum. É Ele o verdadeiro

    protagonista de tudo. Nós não passamos de pequenos e pobres colaboradores seus. Já é muito quando, com nossas intervenções, não estragamos os projectos de Deus.
    Os Evangelhos devem ser lidos à luz da Páscoa do Senhor. O que hoje escutamos contém uma profecia em acção daquilo que Jesus ressuscitado nos dá, o pão vivo, que é Ele mesmo. Quem acolhe a Cristo, quem acredita n´Ele, é saciado.
    Para João, este milagre está relacionado com a Eucaristia. «Estava a aproximar-se a Páscoa» - escreve o evangelista, que certamente pensava na morte de Jesus. No versículo 15, João é ainda mais claro, quando escreve: «sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazerem rei, retirou-se de novo, sozinho, para o monte». Jesus foi condenado porque recusou satisfazer os sonhos políticos do povo. Não querendo ser rei dos judeus, foi por eles recusado.
    Jesus retirou-se «para o monte». Ao anotar este pormenor, o quarto evangelista pensa em Jesus elevado da terra para atrair a Si todos os homens. Esta elevação começa na cruz, mas continua na ressurreição e na ascensão, quando Jesus volta para o Pai. A multiplicação dos pães é figura realizada em Jesus, na sua paixão e ressurreição gloriosa.
    A própria pergunta feita por Jesus a Filipe tem resposta na paixão e ressurreição, quando Jesus, entregando o seu corpo por nós, e derramando o seu sangue por nós, compra o pão que alimenta as nossas almas.
    Tal como Jesus é o pão bom que Se oferece a nós para ser comido, também nós devemos ser pão bom para Ele e para os irmãos, devemos tornar-nos nós mesmos eucaristia do Senhor, para qualquer pessoa, em qualquer situação, praticando os frutos do Espírito (cf. Gal 5, 22), que são as próprias exigências da Eucaristia: amor, paz, alegria...
    Deste modo, a nossa vida, tal como a do Pe. Dehon, torna-se "uma missa permanente" (Cst. 5).

    Oratio

    Obrigado, Senhor, porque, pelo sacrifício de Ti mesmo, te tornaste nosso alimento. Acolhemos, emocionados e agradecidos, o dom que nos fazes. Cremos em Ti, mas aumenta a nossa fé, para que possamos ser alimentados do pão que és Tu, e entrarmos na comunhão divina que faz de nós uma unidade com todos aqueles que comem do mesmo pão, o pão vivo que dá a vida. Com a fé, dá-me também sabedoria, que me permita discernir o que devo deixar fazer a Ti e o que devo eu próprio procurar fazer. Dá-me humildade para aceitar o que Tu queres e secundar os teus projectos misteriosos, mas infalíveis. Amen.

    Contemplatio

    Podemos aplicar à devoção ao Sagrado Coração (de Jesus), como as aplicamos à Eucaristia, estas palavras do livro da Sabedoria: «Panem de coelo praestitisti eis omne delectamentum in se habentem (Vós lhes destes o pão do céu que tem todos os sabores). É um pão do céu que tem todos os sabores. Como o maná do deserto, como o maná eucarístico, esta devoção é um alimento celeste que tem todos os gostos, todos os sabores espirituais e que se adapta maravilhosamente a todas as almas, quaisquer que sejam as suas necessidades, a sua condição, a sua atracção particular.
    A devoção ao Sagrado Coração reporta-se a todos os mistérios e a todos os estados de Nosso Senhor. Ela dá a explicação de tudo apenas com esta palavra: Amor.

    Como os fiéis encontram nesta devoção todos os motivos de confiança e todos os encorajamentos para a virtude, os sacerdotes hão-de nela encontrar o ideal da vida sacerdotal e o modelo do qual devem aproximar-se (Leão Dehon, OSP 2, p. 521).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo!» (Jo 6, 14).

  • 2ª Semana - Sábado - Páscoa

    2ª Semana - Sábado - Páscoa


    22 de Abril, 2023

    2ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 6, 1-7

    Naqueles dias, como o número de discípulos ia aumentando, houve queixas dos helenistas contra os hebreus, porque as suas viúvas eram esquecidas no serviço diário. 2Os Doze convocaram, então, a assembleia dos discípulos e disseram: «Não convém deixarmos a palavra de Deus, para servirmos às mesas. 3Irmãos, é melhor procurardes entre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria; confiar-lhes-emos essa tarefa. 4Quanto a nós, entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da Palavra.» 5A proposta agradou a toda a assembleia e escolheram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócuro, Nicanor, Timão, Parmenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. 6Foram apresentados aos Apóstolos que, depois de orarem, lhes impuseram as mãos. 7A palavra de Deus ia-se espalhando cada vez mais; o número dos discípulos aumentava consideravelmente em Jerusalém, e grande número de sacerdotes obedeciam à Fé.

    A realidade da primitiva Igreja era mais complexa do que, à primeira vista, deixam perceber os resumos idealizados de Lucas. A primeira comunidade integrava grupos de crentes de diferentes culturas, com mentalidades e posições sociais diferentes. As queixas dos helenistas contra os hebreus (v. 1) são um claro exemplo das dificuldades e tensões que havia. Os apóstolos reflectem e tomam decisões. Trata-se, em primeiro lugar, de um problema económico. As viúvas de homens da diáspora, que tinham vindo passar a Jerusalém os seus últimos dias, estavam sem apoio familiar. Para prestar este apoio, surge um novo ministério na Igreja, o dos diáconos. A eleição dos sete «homens de boa reputação» é feita pela comunidade. Os apóstolos confiam-lhes o ministério pela imposição das mãos, gesto que simboliza a comunicação do Espírito, e a associação e participação dos sete eleitos no seu próprio ofício apostólico. De facto, os diáconos não só cuidarão do serviço das mesas, mas também se vão dedicar à pregação. Serão os casos de Estêvão e de Filipe (cf. Act 6, 8dd; 8, 26ss.)

    Evangelho: João 6, 16-21

    Ao cair da tarde, os seus discípulos desceram até ao lago 17e, subindo para um barco, foram atravessando o lago em direcção a Cafarnaúm. 18Já tinha escurecido e Jesus ainda não fora ter com eles. Soprando uma forte ventania, o lago começou a agitar-se. 19Depois de terem remado mais ou menos uma légua, avistaram Jesus que se aproximava do barco, caminhando sobre o lago, e tiveram medo. 20Mas Ele disse-lhes:
    «Sou Eu, não tenhais medo!» 21Quiseram recebê-lo logo no barco, e o barco chegou imediatamente à terra para onde iam.

    A cena evangélica que hoje escutamos é narrada pelos Sinópticos e por João. Mas, enquanto em Mateus, Marcos e Lucas nos aparece estreitamente relacionada com a multiplicação dos pães, no quarto evangelho está apenas justaposta à narrativa desse milagre do Senhor.

    Os discípulos estão na barca, ao cair da noite. Tinham remado com esforço e lutado contra as dificuldades do momento, quando viram Jesus caminhar sobre as águas, e se encheram de medo. O encontro com o Mestre fá-los ultrapassar a angústia. As suas palavras «Sou Eu, não tenhais medo» dão-lhes confiança e serenidade, porque reconhecem em Jesus a presença poderosa e salvífica de Deus. O seu Mestre não é apenas o Messias que lhes mata a fome, mas é uma pessoa divina que vai ao seu encontro com amor. Ao reconhecerem a identidade de Jesus, os discípulos chegam «à terra para onde iam». Jesus é o lugar da presença de Deus no meio dos homens. O seu rosto humano esconde o seu mistério e a sua identidade. Mas quem sabe ler na pessoa de Jesus a manifestação de um Deus que ama, torna-se seu discípulo e permanece unido a Ele, apesar da aura inacessível que envolve a sua pessoa. As cenas da multiplicação dos pães e da caminhada sobre as águas tornam-se epifania de Cristo para os seus discípulos.

    Meditatio

    O texto da primeira leitura parece ofuscar os quadros idílicos da primitiva comunidade, que encontramos em vários resumos dos Actos. Mas, Lucas é realista: mesmo nas comunidades mais perfeitas, não faltam problemas e tensões. O que é preciso é enfrentá-los comunitariamente, para que não bloqueiem a comunidade e não atrapalhem a difusão do Evangelho. É o que fazem os Apóstolos, dando exemplo de flexibilidade e de sábia orientação da comunidade. Oxalá sempre se tivesse actuado assim ao longo da história da Igreja, e se possa actuar do mesmo modo no presente e no futuro!
    O episódio evangélico descrito por João é mais um dos que preparavam os discípulos para o mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Ao caminhar sobre o mar, Jesus prefigura a sua travessia vitoriosa através da morte, muitas vezes comparada, na Sagrada Escritura, ao mar: «Cercavam-me as ondas da morte, assustavam-me as torrentes destruidoras, os laços do abismo me comprimiam (2 Sm 22, 5); «Cercaram- me as ondas da morte e as vagas destruidoras encheram-me de terror; envolveram- me os laços do Abismo» (Sl 18, 5). «Soprando uma forte ventania, o lago começou a agitar-se» (v. 18). Estas palavras prefiguram a paixão, a terrível tempestade que dispersará os discípulos. Mas Jesus, caminhando serenamente sobre o mar, dirige-se para a barca. Os discípulos assustam-se, como na paixão e mesmo no momento da ressurreição. Mas Jesus apresenta-se e diz-lhe: «Sou Eu, não tenhais medo!» (v. 20). Depois da paixão, Jesus ressuscitado também se apresenta aos discípulos dizendo:
    «Sou eu!... A paz esteja convosco; não temais».
    João diz-nos que, tendo reconhecido Jesus, «Quiseram recebê-lo logo no barco, e o barco chegou imediatamente à terra para onde iam» (v. 20). Quando se aceita Jesus no seu mistério de morte e de ressurreição, chegamos à outra margem: encontramos a luz e a paz de Deus.
    Como "Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus" (Cst. 6) somos chamados a ser "profetas do amor e... servidores da reconciliação" (Cst. 7); "Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo, e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65). Não devemos, por isso, deixar-nos bloquear pelas dificuldades do diálogo comunitário. É preciso ter coragem para começar, força e humildade para
    perseverar, como pobres, como pequenos segundo o Evangelho: "Sede alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração" (Rom 12, 12; cf. 1 Jo 4, 16).

    Oratio

    Senhor, quero hoje falar-te da minha comunidade, das tensões que por vezes surgem e da dificuldade em compô-las. Quando me sinto menos bem tratado por quem detém a autoridade, facilmente me impaciento e revolto; mas quando me pertence mandar, também facilmente considero como insatisfeitos e rebeldes aqueles que me criticam.
    Dá-me, Senhor, a sabedoria dos Doze, que escutam e sabem envolver toda a comunidade na solução das dificuldades e tensões. Dá às nossas comunidades capacidade de escuta e de participação. Dá-nos a todos criatividade suficiente para enfrentar e resolver com serenidade as normais dificuldades da vida comum. Que, no meio das tempestades, jamais esqueçamos que Tu estás presente junto daqueles que estão reunidos em teu nome. Amen.

    Contemplatio

    (O Coração de Jesus) é, primeiro, um lugar de refúgio e de segurança contra os inimigos da salvação. «É preciso retirar-nos, diz Margarida Maria, para a chaga do Sagrado Coração, como um pobre viajante que procura um porto seguro onde se colocar ao abrigo dos escolhos e das tempestades do mar agitado do mundo, onde estamos expostos a um contínuo naufrágio. - O Coração adorável é um adorável retiro onde vivemos ao abrigo de todas as tormentas. - É como um forte inexpugnável contra os assaltos do inimigo. - É a fonte das graças divinas. A graça do divino amor, qual é fonte de donde brota? Qual é o canal que a faz chegar até nós? Rezai ao Coração adorável do Salvador, que depois de ter sido um sol divino sempre brilhante e a aquecer, fazendo crescer todas as virtudes, e dissipando as trevas os nevoeiros, seja para vós uma fonte de água viva. - Considerai este Sagrado Coração no meio do vosso coração, como a fonte das águas vivas, para regar o jardim da vossa alma, onde as flores das virtudes estão todas murchas. Restituir-lhes-á a sua beleza natural, a fim de que a vossa alma se torne o jardim das suas delícias. - É uma fonte que tem prazer em derramar-se com abundância em favor dos seus amigos. - É a fonte inesgotável de tudo aquilo de que temos necessidade; fonte donde quanto mais se toma mais há a tomar, mais é abundante. Vamos buscar a esta fonte virtudes para a contemplação do Coração de Jesus em todos os mistérios da sua vida (Leão Dehon, OSP 4, p. 334s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Sou Eu, não tenhais medo!» (Jo 6, 20).

  • 03º Domingo da Páscoa - Ano A

    03º Domingo da Páscoa - Ano A


    23 de Abril, 2023

    ANO A
    3º Domingo da Páscoa

    Tema do 3º Domingo da Páscoa

    A liturgia deste domingo convida-nos a descobrir esse Cristo vivo que acompanha os homens pelos caminhos do mundo, que com a sua Palavra anima os corações magoados e desolados, que se revela sempre que a comunidade dos discípulos se reúne para "partir o pão"; apela, ainda, a que os discípulos sejam as testemunhas da ressurreição diante dos homens.
    É no Evangelho, sobretudo, que esta mensagem aparece de forma nítida. O texto que nos é proposto põe Cristo, vivo e ressuscitado, a caminhar ao lado dos discípulos, a explicar-lhes as Escrituras, a encher-lhes o coração de esperança e a sentar-Se com eles à mesa para "partir o pão". É aí que os discípulos O reconhecem.
    A primeira leitura mostra (através da história de Jesus) como do amor que se faz dom a Deus e aos irmãos, brota sempre ressurreição e vida nova; e convida a comunidade de Jesus a testemunhar essa realidade diante dos homens.
    A segunda leitura convida a contemplar com olhos de ver o projecto salvador de Deus, o amor de Deus pelos homens (expresso na cruz de Jesus e na sua ressurreição). Constatando a grandeza do amor de Deus, aceitamos o seu apelo a uma vida nova.

    LEITURA I - Actos 2,14.22-33

    Leitura dos Actos dos Apóstolos

    No dia de Pentecostes,
    Pedro, de pé, com os onze Apóstolos,
    ergueu a voz e falou ao povo:
    «Homens de Israel, ouvi estas palavras:
    Jesus de Nazaré
    foi um homem acreditado por Deus junto de vós
    com milagres, prodígios e sinais,
    que Deus realizou no meio de vós, por seu intermédio,
    como sabeis.
    Depois de entregue,
    segundo o desígnio imutável e a previsão de Deus,
    vós destes-Lhe a morte,
    cravando-O na cruz pela mão de gente perversa.
    Mas Deus ressuscitou O, livrando O dos laços da morte,
    porque não era possível que Ele ficasse sob o seu domínio.
    Diz David a seu respeito:
    'O Senhor está sempre na minha presença,
    com Ele a meu lado não vacilarei.
    Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta
    e até o meu corpo descansa tranquilo.
    Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos,
    nem deixareis o vosso Santo sofrer a corrupção.
    Destes me a conhecer os caminhos da vida,
    a alegria plena em vossa presença'.
    Irmãos, seja-me permitido falar vos com toda a liberdade:
    o patriarca David morreu e foi sepultado
    e o seu túmulo encontra se ainda hoje entre nós.
    Mas, como era profeta
    e sabia que Deus lhe prometera sob juramento
    que um descendente do seu sangue
    havia de sentar-se no seu trono,
    viu e proclamou antecipadamente a ressurreição de Cristo,
    dizendo que Ele não O abandonou na mansão dos mortos,
    nem a sua carne conheceu a corrupção.
    Foi este Jesus que Deus ressuscitou
    e disso todos nós somos testemunhas.
    Tendo sido exaltado pelo poder de Deus,
    recebeu do Pai a promessa do Espírito Santo,
    que Ele derramou, como vedes e ouvis».

    AMBIENTE

    O nosso texto situa-nos na manhã do dia do Pentecostes, em Jerusalém. A comunidade cristã, transformada pelo Espírito, deixou a segurança das paredes do cenáculo e prepara-se para dar testemunho de Jesus, em Jerusalém e até aos confins do mundo. Nesse contexto, Lucas coloca na boca de Pedro - o porta-voz dos Doze - um discurso, que constitui um primeiro anúncio de Jesus ("kerigma") aos habitantes da cidade e a todos os que se encontram ali para celebrar a festa judaica de "Shavu'ot" ("Pentecostes" - festa celebrada cinquenta dias após a Páscoa, e na qual se ofereciam a Deus os primeiros frutos da terra. Na época neo-testamentária, celebrava a "aliança" e, sobretudo, o dom da Lei ao Povo de Deus, na montanha do Sinai).
    Este discurso, colocado na boca de Pedro, não é a reprodução histórica exacta de um discurso feito por Pedro junto do cenáculo, no dia da festa do Pentecostes; mas é um discurso construído pelo autor dos Actos, que reproduz, em parte, a pregação que a primitiva comunidade cristã fazia sobre Jesus.
    Este discurso é muito semelhante a outros discursos do livro dos Actos (cf. Act 3,12-26; 4,8-12; 10,34-43; 13,16-41). Em qualquer um deles, aparece sempre um núcleo central que procede do kerigma primitivo e o resume: apresentação breve da actividade de Jesus, anúncio da sua morte e ressurreição e salvação que daí brota. Mesmo que o texto não reproduza exactamente a pregação de Pedro no dia do Pentecostes, reproduz a fórmula mais ou menos consagrada do kerigma primitivo e a catequese que a comunidade cristã primitiva costumava apresentar sobre Jesus.

    MENSAGEM

    O texto que nos é proposto resume, pois, os dados fundamentais da catequese cristã primitiva: Jesus passou pelo mundo realizando gestos que testemunhavam a dinâmica de Deus e a sua proposta de salvação para os homens (vers. 22); a proposta de Jesus chocou com a recusa do mundo e Ele foi morto na cruz (vers. 23); no entanto, Deus ressuscitou-O, mostrando que uma vida gasta ao serviço do projecto de Deus não pode terminar no fracasso, mas conduz à ressurreição, à vida plena (vers. 24). Pedro é aqui o porta-voz dessa comunidade que testemunhou a oferta de salvação que Jesus veio trazer e que recebeu de Jesus a missão de a anunciar aos homens de toda a terra.
    Este primeiro anúncio é dirigido a judeus que conhecem as Escrituras e as promessas de Deus. Por isso, Lucas vai utilizar argumentos tirados da própria Escritura para apresentar a catequese sobre Jesus. Em concreto, Lucas cita o salmo 16,8-11 (vers. 25-28), atribuído aqui a David: trata-se de um dos raros textos do Antigo Testamento onde se vislumbra a vitória da vida sobre a morte. O raciocínio do autor deste discurso é o seguinte: David falou de um "amigo" de Jahwéh que haveria de vencer a morte; não era o próprio David pois, como todos sabem, ele morreu... Tratava-se, sem dúvida, desse descendente de David que, segundo a promessa de Deus, haveria de herdar o trono do seu pai e estabelecer um reino eterno (cf. 2Sm 7,12-16). Era a esse rei, da descendência de David, que os judeus chamavam "Messias" ("ungido"); era esse rei, da descendência de David que alimentava a esperança de Israel e que era aguardado ansiosamente. A conclusão é óbvia: Jesus é esse que venceu a morte; portanto, é o filho de David, o herdeiro do trono ideal de David, o Messias que Israel esperava.
    Temos aqui, portanto, o testemunho da comunidade cristã sobre Jesus, o Messias, enviado ao mundo para cumprir o plano de Deus - isto é, para libertar os homens e para instaurar um Reino de justiça, de abundância, de paz. A vitória de Jesus sobre a morte e a sua exaltação atestam que Ele é esse Messias, enviado por Deus com uma proposta de salvação para os homens. Os cristãos são as testemunhas disto diante de todo o mundo. Por agora, esse testemunho é dado em Jerusalém; mas Lucas irá descrever, ao longo do livro dos Actos, a forma como o anúncio sobre Jesus irá conquistando o mundo, até atingir o próprio coração do império (Roma).

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes desenvolvimentos:

    • O nosso texto insiste numa mensagem que, nestes dias, aparece com grande insistência: Deus ressuscitou Jesus e não permitiu que a morte O derrotasse... A ressurreição de Cristo prova que uma vida gasta ao serviço do plano do Pai, na entrega aos homens, não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à exaltação, à vida plena. É conveniente lembrarmos isto, sempre que nos sentirmos desiludidos, decepcionados, fracassados, derrotados, criticados, por gastarmos a vida numa dinâmica de serviço, de entrega, de amor. Uma vida que se faz dom nunca é um fracasso; uma vida vivida de forma egoísta e auto-suficiente, à margem de Deus e dos outros, é que é fracassada, pois não conduz à vida em plenitude.

    • Uma outra ideia, que está bem vincada no nosso texto, é a do testemunho... Pedro é o porta-voz de uma comunidade que conheceu e apreendeu a proposta de salvação que Cristo veio oferecer e que se sente, agora, investida da missão de dar testemunho dela diante dos homens - de todos os homens. A Igreja - da qual fazemos parte - é hoje, no mundo, a testemunha da proposta de salvação que Cristo fez; ela deve dizer a todos os homens o que aconteceu com Cristo e como Ele mostrou que a vida plena resulta do amor e do dom da vida. Sentimo-nos investidos dessa missão? Os homens desiludidos e desorientados encontram em nós - testemunhas de Cristo ressuscitado - uma proposta de vida definitiva e de realização plena? Somos nós que contaminamos o mundo e lhe oferecemos uma alternativa à desilusão, ou é o mundo que nos convence a viver de acordo com valores diferentes dos de Jesus?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 15 (16)

    Refrão 1: Mostrai me, Senhor, o caminho da vida.

    Refrão 2: Aleluia.

    Defendei me, Senhor; Vós sois o meu refúgio.
    Digo ao Senhor: Vós sois o meu Deus.
    Senhor, porção da minha herança e do meu cálice,
    está nas Vossas mãos o meu destino.

    Bendigo o Senhor por me ter aconselhado,
    até de noite me inspira interiormente.
    O Senhor está sempre na minha presença,
    com Ele a meu lado não vacilarei.

    Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta
    e até o meu corpo descansa tranquilo.
    Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos,
    nem deixareis o vosso fiel conhecer a corrupção.

    Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida,
    alegria plena em Vossa presença,
    delícias eternas à Vossa direita.

    LEITURA II - 1 Pedro 1,17-21

    Leitura da Primeira Epístola de São Pedro

    Caríssimos:
    Se invocais como Pai
    Aquele que, sem acepção de pessoas,
    julga cada um segundo as suas obras,
    vivei com temor, durante o tempo de exílio neste mundo.
    Lembrai vos que não foi por coisas corruptíveis,
    como prata e oiro,
    que fostes resgatados da vã maneira de viver,
    herdada dos vossos pais,
    mas pelo sangue precioso de Cristo,
    Cordeiro sem defeito e sem mancha,
    predestinado antes da criação do mundo
    e manifestado nos últimos tempos por vossa causa.
    Por Ele acreditais em Deus,
    que O ressuscitou dos mortos e Lhe deu a glória,
    para que a vossa fé e a vossa esperança estejam em Deus.

    AMBIENTE

    Já vimos no passado domingo que a Primeira Carta de Pedro é um texto dirigido aos cristãos de cinco províncias romanas da Ásia Menor, provavelmente na parte final do séc. I (talvez pelos anos 80). Trata-se de comunidades do meio rural, pobres e altamente vulneráveis, nesse contexto de hostilidade que começa a manifestar-se cada vez mais contra os cristãos. As violentas e organizadas perseguições de Domiciano (que se traduzirão, para os cristãos, em massacres, torturas e sofrimentos indizíveis) estão já no horizonte próximo (década de 90).
    Neste contexto, o autor da Carta exorta os crentes a manterem a fidelidade à sua fé, apesar da hostilidade actual e dos sofrimentos futuros. Convida-os a olharem para Cristo, que passou pela experiência da paixão e da cruz, antes de chegar à ressurreição; e exorta-os a manterem a esperança, o amor, a solidariedade, vivendo com alegria, coragem, coerência e fidelidade a sua opção cristã.

    MENSAGEM

    O nosso texto é, precisamente, uma exortação a viver na santidade ("vivei no temor" - diz o texto; o "temor" define, no Antigo Testamento, a obediência, a confiança, a entrega a Deus a Deus) "durante o tempo de exílio neste mundo" (vers. 17).
    Para tornar mais marcante a exortação, o autor apresenta aos crentes a razão pela qual eles são convidados a viver na santidade: Deus pagou um alto preço para os resgatar da antiga maneira de viver... E esse preço não foi pago com ouro ou com prata, mas com o sangue precioso de Cristo, derramado na cruz.
    O autor utilizado neste contexto é o verbo "lytróô" ("resgatar"). Trata-se de um verbo usado no grego profano para designar a libertação de uma pessoa (nomeadamente de um escravo), mediante o pagamento de uma certa quantia. No Antigo Testamento, no entanto, o verbo é usado para designar a libertação levada a cabo por Jahwéh, em favor do seu Povo - do cativeiro egípcio (cf. Dt 7,8; 15,15), do exílio babilónico (cf. Es 41,14; 43,1) ou do pecado (cf. Sal 130,8). Em algumas passagens, assume o sentido de "adquirir", implícito na ideia de redenção: Jahwéh resgata Israel para que ele passe a ser o Povo de Deus (cf. 2 Sm 7,23; 1 Cr 17,21), a tribo da sua herança (cf. Sal 74,2). Dizer que Deus "resgata", contudo, não significa acentuar a ideia de um "pagamento" (Deus não paga nenhuma soma para "resgatar" o seu Povo), mas significa acentuar a questão da libertação: Deus, no seu amor, liberta Israel da escravidão e do pecado e faz dele um Povo consagrado ao seu serviço.
    É neste ambiente que devemos entender a afirmação do autor da Primeira Carta de Pedro. Aliás, a tipologia do Êxodo/libertação está bem expressa na referência (vers. 19) ao "cordeiro sem defeito e sem mancha" (qualidades do "cordeiro pascal", segundo Ex 12,5), que recordava a noite gloriosa da libertação da escravidão do Egipto. A questão é esta: Deus amou de tal forma os homens que enviou ao mundo o próprio Filho (o "cordeiro" da libertação) com uma proposta de salvação e de vida nova para o Povo de Deus. O egoísmo e o pecado não acolheram essa proposta de salvação e mataram Jesus: esse foi o "preço" do amor de Deus e da sua vontade de nos fazer chegar à vida plena. Mas a morte de Jesus não foi em vão: da sua fidelidade à missão do Pai, do dom da sua vida, nasceu uma comunidade de homens novos, que acolheram a proposta de Jesus e que aceitaram caminhar ao encontro da vida plena.
    O cristão é, pois, convidado a contemplar o plano de salvação que Deus quer concretizar em favor do homem e que leva Jesus (o Filho de Deus) a morrer na cruz. Constatando a grandeza do amor de Deus e a sua vontade salvífica, o homem aceita renascer para uma vida nova e santa (mesmo no meio das dificuldades e perseguições). Dessa forma, nascerá um Povo novo, consagrado ao serviço de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode considerar os seguintes passos:

    • O nosso texto convida-nos, antes de mais, a contemplar o imenso amor de Deus pelos homens. Esse amor traduziu-se no envio do próprio Filho (Jesus Cristo), com uma proposta de salvação. Da fidelidade do Filho ao projecto do Pai resultou o seu confronto com o egoísmo e o pecado e a morte na cruz. Não há maior expressão de amor do que entregar a vida em favor de alguém; e é dessa forma que Deus nos ama. Temos consciência disso?

    • Da contemplação do amor de Deus tem de resultar uma resposta nossa. Segundo o autor da Primeira Carta de Pedro, essa resposta deve traduzir-se numa conduta nova de obediência a Deus, de entrega incondicional nas mãos de Deus, de adesão completa aos seus planos, valores e projectos. O amor de Deus inspira-me e motiva-me para viver - com coerência e fidelidade - os seus valores?

    • O mundo em que vivemos potencia mais o egoísmo e a auto-suficiência do que o amor e a doação... Os homens do nosso tempo vivem, de forma geral, voltados para si mesmos, para os seus pequenos interesses pessoais e para a realização imediata dos seus sonhos, desejos e prioridades. Nós, os crentes, no entanto, somos convidados a viver e a anunciar a lógica de Deus, que é a lógica do amor e da entrega da vida até às últimas consequências. Qual é a lógica que domina a minha vida e que eu transmito nas minhas palavras e nos meus gestos: a lógica do amor, da entrega, da doação até às últimas consequências, ou a lógica do egoísmo, do orgulho, do amor-próprio?

    ALELUIA - cf. Lc 24,32

    Aleluia. Aleluia.

    Senhor Jesus, abri-nos as Escrituras,
    falai-nos e inflamai o nosso coração.

    EVANGELHO - Lc 24,13-35

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Dois dos discípulos de Emaús
    iam a caminho duma povoação chamada Emaús,
    que ficava a sessenta estádios de Jerusalém.
    Conversavam entre si sobre tudo o que tinha sucedido.
    Enquanto falavam e discutiam,
    Jesus aproximou Se deles e pôs Se com eles a caminho.
    Mas os seus olhos estavam impedidos de O reconhecerem.
    Ele perguntou lhes.
    «Que palavras são essas que trocais entre vós pelo caminho?»
    Pararam entristecidos.
    E um deles, chamado Cléofas, respondeu:
    «Tu és o único habitante de Jerusalém
    a ignorar o que lá se passou estes dias».
    E Ele perguntou: «Que foi?»
    Responderam Lhe:
    «O que se refere a Jesus de Nazaré,
    profeta poderoso em obras e palavras
    diante de Deus e de todo o povo;
    e como os príncipes dos sacerdotes e os nossos chefes
    O entregaram para ser condenado à morte e crucificado.
    Nós esperávamos que fosse Ele quem havia de libertar Israel.
    Mas, afinal, é já o terceiro dia depois que isto aconteceu.
    É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos sobressaltaram:
    foram de madrugada ao sepulcro,
    não encontraram o corpo de Jesus
    e vieram dizer que lhes tinham aparecido uns Anjos
    a anunciar que Ele estava vivo.
    Mas a Ele não O viram».
    Então Jesus disse lhes:
    «Homens sem inteligência e lentos de espírito
    para acreditar em tudo o que os profetas anunciaram!
    Não tinha o Messias de sofrer tudo isso
    para entrar na Sua glória?»
    Depois, começando por Moisés
    e passando por todos os Profetas,
    explicou lhes em todas as Escrituras o que Lhe dizia respeito.
    Ao chegarem perto da povoação para onde iam,
    Jesus fez menção de ir para diante.
    Mas eles convenceram n'O a ficar, dizendo:
    «Ficai connosco, Senhor, porque o dia está a terminar
    e vem caindo a noite».
    Jesus entrou e ficou com eles.
    E quando Se pôs à mesa, tomou o pão, recitou a bênção,
    partiu-o e entregou-lho.
    Nesse momento abriram se lhes os olhos e reconheceram n'O.
    Mas Ele desapareceu da sua presença.
    Disseram então um para o outro:
    «Não ardia cá dentro o nosso coração,
    quando Ele nos falava pelo caminho
    e nos explicava as Escrituras?»
    Partiram imediatamente de regresso a Jerusalém
    e encontraram reunidos os Onze e os que estavam com ele,
    que diziam:
    «Na verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão».
    E eles contaram o que tinha acontecido no caminho
    e como O tinham reconhecido ao partir o pão.

    AMBIENTE

    A história que o Evangelho deste domingo nos apresenta é exclusiva de Lucas: nenhum outro evangelista a refere. O texto põe-nos a caminhar com dois discípulos de Jesus que, no dia de Páscoa, vão de Jerusalém para Emaús.
    De acordo com o autor do nosso texto, os dois homens dirigiam-se para uma aldeia chamada Emaús, a sessenta estádios de Jerusalém (cerca de 12 quilómetros). Uma localidade com esse nome, a essa distância de Jerusalém é, no entanto, desconhecida... Pensou-se que o texto poderia referir-se a Amwas, uma localidade situada a cerca de trinta quilómetros a oeste de Jerusalém (alguns manuscritos antigos não falam de sessenta estádios, mas de cento e sessenta estádios, o que nos colocaria no sítio certo); no entanto, parece ser uma distância excessiva para percorrer num dia, sem paragens e a conversar despreocupadamente.
    Os comentadores destacaram, muitas vezes, a intenção teológica deste relato. Que é que isto significa? Significa que não estamos diante de uma reportagem jornalística de uma viagem geográfica, mas de uma catequese sobre Jesus. O que interessa ao autor não é escrever um relato lógico e coerente (se Lucas estivesse preocupado com a lógica e com a coerência, teria mais cuidado com a situação geográfica de Emaús; e, certamente, explicaria melhor algumas incongruências do texto - nomeadamente porque é que estes discípulos partiram para a sua aldeia na manhã de Páscoa sem investigar os rumores de que o túmulo estava vazio e Jesus tinha ressuscitado). O que interessa ao autor é explicar aos cristãos para quem escreve - na década de 80 - como é que podem descobrir que Jesus está vivo e como podem fazer a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Trata-se, portanto, de uma página de catequese, mais do que a descrição fiel de acontecimentos concretos.

    MENSAGEM

    A cena coloca-nos, em primeiro lugar, diante de dois discípulos que vão a caminho de Emaús. Um chama-se Cléofas; o outro não é identificado (como se Lucas quisesse dizer que podia ser "qualquer um" dos crentes que tomam conhecimento da história). Os dois estão, nitidamente, tristes e desanimados, pois os seus sonhos de triunfo e de glória ao lado de Jesus ruíram pela base, aos pés de uma cruz. Esse Messias poderoso, capaz de derrotar os opressores, de restaurar o reino grandioso de David ("nós esperávamos que fosse Ele quem havia de libertar Israel") e de distribuir benesses e honras aos seus colaboradores directos revelou-se, afinal, um "bluff", um rotundo fracasso. Em lugar de triunfar, deixou-Se matar numa cruz; e a sua morte é um facto consumado pois "é já o terceiro dia depois que isto aconteceu" (o "terceiro dia" após a morte é o dia da morte definitiva, do não regresso do túmulo). Abandonam a comunidade - que, doravante, não parece fazer qualquer sentido - e regressam à sua aldeia, dispostos a esquecer o sonho, a pôr os pés na terra e a enfrentar, de novo, uma vida dura e sem esperança. A discussão entre eles a propósito de "tudo o que tinha acontecido" (vers. 14) deve entender-se neste enquadramento: é essa partilha solidária dos sonhos desfeitos que torna menos doloroso o desencanto.
    Na sequência, o autor do relato introduz no quadro uma nova personagem: Jesus. Ele faz-se companheiro de viagem destes discípulos em caminhada, interroga-os sobre "o que se passou nestes dias" em Jerusalém, escuta as suas preocupações, torna-se o confidente da sua frustração.
    Os dois homens contam a história do "mestre" cuja proposta os seduziu; mas a versão que contam termina no túmulo: falta, na sua descrição, a fé no Senhor ressuscitado - ainda que conheçam a tradição do túmulo vazio.
    Para responder às inquietações dos dois discípulos e para lhes demonstrar que o projecto de Deus não passava por quadros de triunfo humano, mas pelo amor até às últimas consequências e pelo dom da vida, "começando por Moisés e passando pelos profetas, explicou-lhes em todas as Escrituras o que lhe dizia respeito".
    É na escuta e na partilha da Palavra que o plano salvador de Deus ganha sentido: só através da Palavra de Deus - explicada, meditada e acolhida - o crente pode perceber que o amor até às últimas consequências e o dom da vida não são um fracasso, mas geram vida nova e definitiva. A escuta da Palavra de Deus dá a entender ao crente a lógica de Deus e demonstra-lhe que a vida oferecida como dom não é perdida, mas é semente de vida plena. Os discípulos percebem, então, que "o messias tinha de sofrer tudo isso para entrar na glória": a vida plena e definitiva não está - de acordo com os esquemas de Deus - nos êxitos humanos, nos tronos, no poder; mas está no serviço simples e humilde aos irmãos, no dom da vida por amor, na partilha total daquilo que somos e que temos com os irmãos que caminham lado a lado connosco nos caminhos da vida.
    Os três (Jesus, Cléofas e o discípulo não identificado) chegam, finalmente, a Emaús. Os discípulos continuam a não reconhecer Jesus, mas convidam-n'O a ficar com eles. Ele aceita e sentam-se à mesa. Enquanto comiam, Jesus "tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e entregou-lho". As palavras usadas por Lucas para descrever os gestos de Jesus evocam a celebração eucarística da Igreja primitiva. Dessa forma, Lucas recorda aos membros da sua comunidade que é possível encontrar Jesus vivo e ressuscitado - esse Jesus que por amor enfrentou a cruz, mas que continua a fazer-Se companheiro de caminhada dos homens nos caminhos da história - na celebração eucarística dominical: sempre que os irmãos se reúnem em nome de Jesus para "partir o pão", Jesus lá está, vivo e actuante, no meio deles.
    A última cena da nossa história põe os discípulos a retomar o caminho, a regressar a Jerusalém e a anunciar aos irmãos que Jesus está, efectivamente, vivo.
    Quando Lucas escreve o seu Evangelho (década de 80), a comunidade cristã defrontava-se com algumas dificuldades. Tinham decorrido cerca de cinquenta anos depois da morte de Jesus, em Jerusalém. A catequese dizia que Ele estava vivo; mas no dia a dia de uma vida monótona, cansativa e cheia de dificuldades, era difícil fazer essa experiência. As testemunhas oculares de Jesus tinham já desaparecido e os acontecimentos da paixão, morte e ressurreição pareciam demasiado distantes, ilógicos e irreais. "Se Jesus ressuscitou e está vivo, como posso encontrá-l'O? Onde e como posso fazer uma verdadeira experiência de encontro real com esse Jesus que a morte não conseguiu vencer? Porque é que Ele não aparece de forma gloriosa e não instaura um reino de glória e de poder, que nos faça triunfar definitivamente sobre os nossos adversários e detractores?" - perguntavam os crentes das comunidades lucanas.
    É a isto que o catequista Lucas vai procurar responder. A sua mensagem dirige-se a esses crentes que caminham pela vida desanimados e sem rumo, cujos sonhos parecem desfazer-se ao encontro da realidade monótona e difícil do dia a dia.
    Lucas diz: nós, homens, podemos ter devaneios de grandezas e sonhar com intervenções espectaculares e decisivas de Deus na história humana; mas esses não são os esquemas de Deus... Não será numa intervenção desse tipo que encontraremos Jesus, vivo e ressuscitado. No entanto, Ele está vivo e caminha ao nosso lado nos caminhos do mundo. Às vezes, não conseguimos reconhecê-l'O, pois os nossos corações estão cheios de perspectivas erradas acerca do que Ele é, dos seus métodos e do que Ele pretende; mas, apesar de tudo, Ele faz-Se nosso companheiro de viagem, caminha connosco passo a passo, alimenta a nossa caminhada com a esperança que brota da sua Palavra, faz-Se encontrar na partilha comunitária do pão (Eucaristia).
    Na catequese lucana aparece, sobretudo, a ideia de que é na celebração comunitária da Eucaristia que os crentes fazem a experiência do encontro com Jesus vivo e ressuscitado. A nossa narração apresenta o esquema litúrgico da celebração eucarística: a liturgia da Palavra (a "explicação das Escrituras" - que permite aos discípulos entenderem a lógica do plano de Deus em relação a Jesus) e o "partir do pão" (que faz com que os discípulos entrem em comunhão com Jesus, recebam d'Ele vida e que O reconheçam nesses gestos que são o "memorial" do dom da vida e da entrega aos homens).
    Há ainda uma última mensagem: depois de fazer a experiência do encontro com Cristo vivo e ressuscitado na celebração eucarística, cada crente é, implicitamente, convidado a voltar à estrada, a dirigir-se ao encontro dos irmãos e a testemunhar que Jesus está vivo e presente na história e na caminhada dos homens.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar as seguintes questões:

    • Na nossa caminhada pela vida, fazemos, frequentemente, a experiência do desencanto, do desalento, do desânimo. As crises, os fracassos, o desmoronamento daquilo que julgávamos seguro e em que apostámos tudo, a falência dos nossos sonhos deixam-nos frustrados, perdidos, sem perspectivas. Então, parece que nada faz sentido e que Deus desapareceu do nosso horizonte... No entanto, a catequese que Lucas nos propõe hoje garante-nos que Jesus, vivo e ressuscitado, caminha ao nosso lado. Ele é esse companheiro de viagem que encontra formas de vir ao nosso encontro - mesmo se nem sempre somos capazes de O reconhecer - e de encher o nosso coração de esperança.

    • Como é que Ele nos fala? Como é que Ele faz renascer em nós a esperança? Como é que Ele nos passa esse suplemento de entusiasmo que nos permite continuar? Lucas responde: é através da Palavra de Deus, escutada, meditada, partilhada, acolhida no coração, que Jesus nos indica caminhos, nos aponta perspectivas novas, nos dá a coragem de continuar, depois de cada fracasso, a construir uma cidade ainda mais bonita. Que lugar é que a Palavra de Deus desempenha na minha vida? Tenho consciência de que Jesus me fala e me aponta caminhos de esperança através da sua Palavra?

    • Quando é que os olhos do nosso coração se abrem para descobrir Jesus, vivo e actuante? Lucas responde: é na partilha do Pão eucarístico. Sempre que nos sentamos à mesa com a comunidade e partilhamos o pão que Jesus nos oferece, damo-nos conta de que o Ressuscitado continua vivo, caminhando ao nosso lado, alimentando-nos ao longo da caminhada, ensinando-nos que a felicidade está no dom, na partilha, no amor. Sempre que nos juntamos com os irmãos à volta da mesa de Deus, celebrando na alegria e na festa o amor, a partilha e o serviço, encontramos o Ressuscitado a encher a nossa vida de sentido, de plenitude, de vida autêntica.

    • E quando O encontramos? Que fazer com Ele? Lucas responde: Temos de levá-l'O para os caminhos do mundo, temos de partilhá-l'O com os nossos irmãos, temos de dizer a todos que Ele está vivo e que oferece aos homens (através dos nossos gestos de amor, de partilha, de serviço) a vida nova e definitiva.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3º DOMINGO DA PÁSCOA
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 3º Domingo da Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. AS DUAS MESAS DA MISSA.
    A missa está estruturada sobre o mesmo plano que o Evangelho dos discípulos de Emaús. Tem duas partes, que constituem as duas mesas: a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística. Neste domingo, para significar a unidade entre a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia, o ambão da Palavra e o altar do pão e do vinho poderiam ter uma decoração floral de igual importância.

    3. UM VERDADEIRO ALELUIA PASCAL.
    Neste tempo de Páscoa, procure-se que o Aleluia seja um verdadeiro Aleluia de Páscoa, com carácter festivo e de aclamação. Às vezes, por demasiado repetida, a melodia utilizada não tem o impacto festivo que deveria ter...

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Denunciamos a violência, mas será que lhe renunciamos? Sofremos quando vemos na televisão ou na Internet imagens de situações violentas de várias partes do mundo. Esperamos acordos que façam cessar os atentados, as exclusões, a morte das vítimas inocentes, os conflitos de qualquer espécie. Mas a violência está primeiro no coração do ser humano antes de se manifestar nas suas palavras e nos seus actos. Somos violentos, quando recusamos o outro diferente, quando não lhe permitimos que se exprima, quando procuramos fazê-lo calar ou ridicularizar. Somos violentos quando recusamos dar o passo para uma reconciliação, quando recusamos perdoar. Os violentos não são apenas que trazem armas, mas também aqueles que endurecem o seu coração.

    5. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Nosso Pai, Nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus. N'Ele realizaste os anúncios dos profetas, Tu O ressuscitaste de entre os mortos e O elevaste na tua glória. Bendito sejas!
    Pai, como o teu Filho Jesus, olhamos para Ti sem cessar e Te pedimos: mostra-nos o caminho da vida, derrama sobre nós o teu Espírito.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te bendizemos por Jesus Cristo, o Cordeiro sem pecado e sem mancha, cujo precioso sangue nos libertou. Por Cristo ressuscitado, acreditamos e colocamos em Ti a nossa fé e a nossa esperança.
    Nós Te invocamos como nosso Pai, Tu que não fazes distinção entre os homens e que dás sentido às nossas existências: liberta-nos do erro.

    No final do Evangelho:
    Bendito sejas, Senhor Jesus, Tu que caminhas nos nossos caminhos, ao nosso lado, para nos fazer compreender as Escrituras. Nós Te damos graças pelo Pão partido e pela revelação da tua ressurreição.
    Nós Te pedimos: torna-nos atentos à tua presença, cura os nossos corações, tão lentos a crer; fica connosco, quando se aproxima a noite, e ilumina o nosso caminho.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher uma das quatro fórmulas para a Oração Eucarística V para as Circunstâncias Especiais, também pela sua referência explícita aos discípulos de Emaús.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Emaús... é a nossa história de cada dia: os nossos olhos fechados que não reconhecem o Ressuscitado... os nossos corações que duvidam, fechados na tristeza... os nossos velhos sonhos vividos com decepção... o nosso caminho, talvez, afastando-se do Ressuscitado... N'Ele, durante este tempo, ajustemos o seu passo ao nosso para caminhar junto de nós no caminho da vida. Há urgência em abrir os nossos olhos para reconhecer a sua Presença e a sua acção no coração do mundo e para levar a Boa Notícia: Deus ressuscitou Jesus! Eis a nossa fé!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • 3ª Semana - Segunda-feira - Páscoa

    3ª Semana - Segunda-feira - Páscoa


    24 de Abril, 2023

    3ª Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 6, 8-15

    Naqueles dias, Estêvão, cheio de graça e força, fazia extraordinários milagres e prodígios entre o povo. 9Ora, alguns membros da sinagoga, chamada dos libertos, dos cireneus, dos alexandrinos e dos da Cilícia e da Ásia, vieram para discutir com Estêvão; 10mas era-lhes impossível resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava. 11Subornaram, então, uns homens para dizerem: «Ouvimo-lo proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus.» 12Provocaram, assim, a ira do povo, dos anciãos e dos escribas; depois, surgindo-lhe na frente, arrebataram-no e levaram-no ao Sinédrio. 13Aí, apresentaram falsas testemunhas que declararam:
    «Este homem não cessa de falar contra este Lugar Santo e contra a Lei, 14pois ouvimo-lo afirmar que Jesus, o Nazareno, destruiria este lugar e mudaria as regras que Moisés nos legou.» 15Todos os membros do Sinédrio tinham os olhos fixos nele e viram que o seu rosto era como o rosto de um Anjo.

    Lucas, até este momento, centrou a sua atenção no grupo dos Apóstolos. Agora centra-a no grupo dos diáconos e particularmente em Estêvão. Este diácono apresenta as mesmas características do Apóstolos: prega, faz milagres, está cheio de graça e de poder, ou seja, é particularmente favorecido pela assistência divina, o que lhe permite pregar o Evangelho e realizar os prodígios que acompanham essa pregação.
    A acção de Estêvão provoca um conflito idêntico ao que tinha provocado a
    acção dos Apóstolos. Mas há uma diferença: o conflito surge entre o diácono e o grupo dos judeus mais abertos, procedentes da Diáspora. Estêvão mostra-se excessivamente aberto e radical, mesmo para os «progressistas». A sinagoga dos libertos era constituída por descendentes dos judeus que foram levados escravos para Roma por Pompeu (63 a.C.) e que, tendo sido libertos, se tinham inserido num bairro da cidade. Também para eles a pregação de Estêvão era radical, porque atacava o Templo e as tradições mosaicas. As acusações contra ele tinham algum fundamento.
    Mas os olhares que se fixam nele acabam por descobrir um particular resplendor, semelhante ao do anjo que indica a presença de Deus, semelhante ao rosto de Moisés, quando desce do Sinai, depois de se encontrar com Deus. Para Lucas, Estêvão é uma testemunha escolhida por Deus para dar a conhecer a sua vontade.

    Evangelho: João 6, 22-29

    Depois de Jesus ter saciado cinco mil homens, os seus discípulos viram-n'O a caminhar sobre as águas. No dia seguinte, a multidão que ficara do outro lado do lago reparou que ali não estivera mais do que um barco, e que Jesus não tinha entrado no barco com os seus discípulos, mas que estes tinham partido sozinhos.
    23Entretanto, chegaram outros barcos de Tiberíades até ao lugar onde tinham comido o pão, depois de o Senhor ter dado graças. 24Quando viu que nem Jesus nem os seus discípulos estavam ali, a multidão subiu para os barcos e foi para Cafarnaúm à procura de Jesus. 25Ao encontrá-lo no outro lado do lago, perguntaram-lhe: «Rabi,

    quando chegaste cá?» 26Jesus respondeu-lhes:«Em verdade, em verdade vos digo: vós procurais-me, não por terdes visto sinais miraculosos, mas porque comestes dos pães e vos saciastes. 27Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará; pois a este é que Deus, o Pai, confirma com o seu selo.» 28Disseram-lhe, então: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» 29Jesus respondeu-lhes: «A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou.»

    Temos impressão de que os acontecimentos narrados por João apenas servem para dar realce aos ensinamentos de Jesus. Isso é, em parte, verdade. De facto, João introduz, aqui e ali, notas e glosas cuja única finalidade é levar o leitor a tomar a sério a narrativa, que não é inventada, mas que corresponde à realidade. No nosso texto encontramos uma dessas notas. A multidão está em Cafarnaúm e dirige ao Mestre uma pergunta cujo objectivo é apenas satisfazer a curiosidade: «Rabi, quando chegaste cá?» (v. 25). Jesus não responde, mas revela à multidão as verdadeiras intenções que a levaram a procurá-l´O. Afinal, seguem a Jesus por causa do pão material que lhes deu, sem se preocuparem em compreender o sinal dado pelo Profeta.
    Diante da cegueira espiritual daquela gente, Jesus proclama a diferença entre o pão material e corruptível, e o pão que «perdura e dá a vida eterna» (v. 27). Há que passar das preocupações meramente materiais aos horizontes da fé e do Espírito, a que apenas a sua pessoa dá acesso. Jesus possui o selo do Espírito e o dinamismo divino do amor. Os seus interlocutores perguntam: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (v. 28). Esta pergunta revela mais um equívoco: não se trata de cumprir novas observâncias ou realizar novas obras. A única coisa necessária é aderir ao plano de Deus, isto é, «crer naquele que Ele enviou» (v. 29).

    Meditatio

    O livro dos Actos diz-nos que Estêvão, «cheio de graça e força, fazia extraordinários milagres e prodígios entre o povo» (Act 6, 8). O seu entusiasmo leva- o a fazer uma primeira tentativa de inculturação do cristianismo entre os judeus provenientes da Diáspora, de língua e cultura grega. Mas também entre eles, em princípio mais abertos, havia conservadores que procuravam defender-se de influências estranhas ao judaísmo. Por isso, Estêvão tem o mesmo destino de Jesus: é recusado. O seu martírio produz importantes frutos, não só entre os judeus de língua grega, mas também entre os próprios gregos.
    Estêvão é um provocador. Mas a sua provocação vem de uma sabedoria superior, é fruto de uma particular compreensão do plano de Deus, que previa o anúncio do Evangelho, não só em Jerusalém, mas «até aos confins da terra». O Espírito serve-se do seu carácter entusiasta e aguerrido. Perde porque actua numa sociedade intolerante. Mas o Evangelho acaba por ganhar e percorrer o mundo.
    João, ao recordar a multiplicação dos pães, refere um pormenor significativo:
    o facto do Senhor ter dado graças (v. 23). O sinal da multiplicação dos pães está ligado à oração de bênção e de acção de graças feita por Jesus. Na última ceia, terá a mesma atitude.
    Havemos de aprender com o Senh
    or a dar graças pelo que já temos, quando nos esforçamos por multiplicar o pão. Um modo muito concreto é partilhar, em nome de Deus, o que temos com os mais carenciados. Quando fazemos isso, é como se multiplicássemos o que damos, porque o nosso não é um dom simplesmente humano, mas um dom da generosidade de Deus.
    Também não podemos deixar de dar atenção ao equívoco dos seus interlocutores, que Jesus acaba por desfazer: «Que havemos nós de fazer para

    realizar as obras de Deus?» (v. 28). Os judeus pensavam que, para alcançarem a salvação, tinham de cumprir novas observâncias ou realizar novas obras. Mas Jesus afirma claramente que a única coisa necessária é aderir ao plano de Deus, isto é,
    «crer naquele que Ele enviou» (v. 29).
    Como nos tempos de Estêvão, também hoje, o nosso esforço evangelizador há- de ter em conta a inculturação, isto é, a compreensão do pensamento, da linguagem, do sentir, das atitudes que assumem, dos juízos de valor que fazem os homens, as mulheres, os jovens de hoje acerca dos grandes problemas da vida e da morte. Isso poderá não ser suficiente para que a Palavra de Deus seja aceite. Mas, sem esse esforço, ela não será acolhida nem cumprida. É por essa razão que as Constituições nos lembram que a nossa vida religiosa é continuamente interpelada pelas provações e procuras da Igreja e do mundo (cf. n. 144).
    Finalmente, o cristão, e com maior razão o Sacerdote do Coração de Jesus, dão glória a Deus por meio da oração de louvor e de acção de graças, muitas vezes esquecida. Mas é, sobretudo, por meio da vida, particularmente pela prática da caridade, que devemos ser uma oração de louvor e de acção de graças para Deus.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pelas testemunhas corajosas e «imprudentes» que continuas a enviar à tua Igreja. Obrigado pelos profetas incómodos. Uns e outros sacodem adversários e amigos, dentro e fora dos nossos ambientes, provocam a difusão do evangelho em meios onde não pareceria possível penetrar.
    Dá-nos coragem para enfrentarmos decididamente incompreensões e mal- entendidos, por causa do teu nome. Dá-nos força para nos lançarmos a caminhos não andados, porque o teu evangelho há-de chegar «aos confins da terra». Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor começa por uma censura paternal; quer elevar a alma dos seus discípulos para horizontes superiores: «Vós procurais-me e seguis-me, diz-lhes, porque comestes dos pães e fostes saciados... Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas por aquele que permanece até à vida eterna. Aquele, o Filho do homem vo-lo dará, porque foi ele quem o Pai marcou com o seu selo».
    – «Que trabalho é preciso fazer?», perguntam. - Jesus explica-lhes que deverão fortificar-se na fé na sua missão, para se tornarem aptos a compreenderem o mistério dos seus dons. - «Mas, replicam, que prodígios fazeis para nos determinarmos a acreditar na vossa missão? É verdade que multiplicastes os pães, mas os nossos pais viram coisas bem mais maravilhosas, receberam o maná do céu durante quarenta anos». - «Na verdade, retoma Jesus, Moisés não vos deu o verdadeiro pão do céu. É o meu Pai quem vo-lo apresenta, porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e que dá a vida ao mundo». - Eles não compreenderam nada, no entanto foram tocados pela graça divina e responderam: «Senhor, dai-nos sempre deste pão».
    Senhor, eu também vos digo: Dai-me sempre deste pão, estou ávido dele. Quero dele alimentar-me constantemente (Leão Dehon, OSP OSP 4, p. 229).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A obra de Deus é esta: crer naquele que Ele enviou» (Jo 6, 29).

  • 3ª Semana - Terça-feira - Páscoa

    3ª Semana - Terça-feira - Páscoa


    25 de Abril, 2023

    3ª Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 7, 51 - 8, 1a

    Naqueles dias, Estêvão disse ao povo, aos anciãos e aos escribas: «Homens de cerviz dura, incircuncisos de coração e de ouvidos, sempre vos opondes ao Espírito Santo; como foram os vossos pais, assim sois vós também. 52Qual foi o profeta que os vossos pais não tenham perseguido? Mataram os que predisseram a vinda do Justo, a quem traístes e assassinastes, 53vós, que recebestes a Lei pelo ministério dos anjos, mas não a guardastes!»
    54Ao ouvirem tais palavras, encheram-se intimamente de raiva e rangeram os
    dentes contra Estêvão. 55Mas este, cheio do Espírito Santo e de olhos fixos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé, à direita de Deus. 56«Olhai, disse ele, eu vejo o Céu aberto e o Filho do Homem de pé, à direita de Deus.» 57Eles, então, soltaram um grande grito e taparam os ouvidos; depois, à uma, atiraram-se a ele 58e, arrastando-o para fora da cidade, começaram a apedrejá-lo.As testemunhas depuseram as capas aos pés de um jovem chamado Saulo. 59E, enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito.»
    60Depois, posto de joelhos, bradou com voz forte: «Senhor, não lhes atribuas este
    pecado.» Dito isto, adormeceu.1Saulo aprovava também essa morte. No mesmo dia, uma terrível perseguição caiu sobre a igreja de Jerusalém. À excepção dos Apóstolos, todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria.

    O texto que escutamos hoje contém apenas a parte final do discurso de Estêvão. Depois narra o seu martírio. A maior parte do discurso, com excepção de poucos versículos, é uma narração edificante da história da salvação (vv. 2-46). Estêvão conclui com palavras duríssimas dirigidas aos seus ouvintes: «Homens de cerviz dura, incircuncisos de coração e de ouvidos, sempre vos opondes ao Espírito Santo» (v. 51). Enquanto Pedro e os outros Apóstolos tentam, de algum modo, desculpar os judeus pela morte de Jesus, Estêvão insinua que eles não podiam deixar de matar Jesus, uma vez que sempre perseguiram os enviados de Deus. A reacção dos ouvintes é naturalmente violenta.
    Na descrição do martírio, o santo diácono, diante da multidão furiosa, permanece a um nível superior, donde contempla a glória de Deus e Jesus ressuscitado, à direita do Pai. O primeiro mártir da Igreja vai sereno ao encontro da morte, graças à morte de Jesus que, agora ressuscitado e constituído Senhor, anima as suas testemunhas mostrando-lhes o «Céu aberto» como meta gloriosa e já muito próxima. Lucas descreve a morte de Estêvão de modo semelhante à morte de Jesus. Jesus continua a morrer nos seus mártires. Como Jesus confiou ao Pai o seu espírito, Estêvão também confia a Jesus o seu.

    Evangelho: João 6, 30-35

    Naquele tempo, os Judeus replicaram: «Que sinal realizas Tu, então, para nós vermos e crermos em ti? Que obra realizas Tu? 31Os nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito: Ele deu-lhes a comer o pão vindo do Céu.» 32E Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu, mas é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu, 33pois o pão de Deus é

    aquele que desce do Céu e dá a vida ao mundo.» 34Disseram-lhe então: «Senhor, dá- nos sempre desse pão!» 35Respondeu-lhes Jesus:
    «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede.

    Jesus já realizara vários prodígios. A multiplicação dos pães era apenas o mais recente. Mas a multidão exigia mais sinais para acreditar em Jesus. Se Jesus era o novo Moisés, então devia dar-lhes um novo maná para ser reconhecido como Profeta escatológico dos tempos messiânicos.
    Jesus dá-lhes, na verdade, o novo maná, superior àquele que os pais comeram
    no deserto: dá a todos a vida eterna. Mas só quem tem fé pode receber esse dom. O povo quer novas provas sobre Jesus e a sua missão. Mas Jesus exige uma fé sem condições.
    A certa altura a multidão parece ter compreendido: «Senhor, dá-nos sempre desse pão!» (v. 34). Mas, na verdade, não sabe o que está a pedir. Está longe da verdadeira fé que consiste em aceitar o dom do Filho que o Pai oferece aos homens. É Ele «o pão da vida» (v. 35). Quem O acolher «não mais terá fome» (v. 35) e quem acreditar n´Ele «jamais terá sede» (v. 35).

    Meditatio

    Estêvão é uma pessoa fascinante. Enfrenta os adversários de modo corajoso e intrépido, sem se preocupar consigo mesmo. O seu único desejo é testemunhar a fé em Jesus. Talvez queira sacudir e acordar a própria comunidade cristã que, amedrontada pelas primeiras perseguições, corria o risco de se acomodar, tornando- se uma simples seita judaica, ou permanecendo mais voltada para a tradição do que para a novidade de Cristo.
    O santo diácono compreendeu a novidade cristã e a rotura que ela implicava em relação a uma certa tradição, com a necessidade de não se deixar aprisionar em compromissos de qualquer género. Não é por acaso que Saulo será o seu continuador, afirmando a «diferença» cristã, acentuando a peculiaridade da nova fé, e correndo o risco da rotura com o passado. Estêvão é o protótipo do atrevimento cristão (parresia), sempre necessário para evitar os riscos do concordismo. Em certos momentos, a Igreja precisa que os seus responsáveis assumam posições muito claras, ainda que elas não vão ao encontro das ideias dominantes.
    No evangelho, vemos como os judeus, pedindo sinais, não viam aqueles que Jesus lhes dava, não viam a acção de Deus nas suas acções. No passado houve sinais, mas agora... «Os nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito» (v.
    31). Mas o maná não era o verdadeiro pão do céu. E Jesus fá-lo notar: «Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu» (v. 32). O maná era um alimento material. A Bíblia nem diz que tinha descido do céu. Mas, ainda que tivesse descido do céu, como a chuva ou como a neve, continuava a ser um alimento material. Era um dom da Providência divina e, nesse sentido, poderia chamar-se pão do céu, como poeticamente diz um salmo. Mas era um alimento material, talvez uma secreção de insectos, como o mel, ou uma secreção de plantas, que apareceu no momento certo para matar a fome
    do povo perdido no deserto. Porque era um alimento material, o povo fartou-se dele:
    «Não queremos mais este maná insípido!»
    Jesus é o verdadeiro pão do céu, oferecido pelo Pai: «é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu» (v. 32). Mas os judeus não O reconheciam, porque exigiam sinais a seu gosto, e não aqueles que lhes eram dados. Jesus convidava-os a irem além das aparências para O reconhecerem nas suas palavras, no seu exemplo, no dom que faz de Si mesmo, como o verdadeiro Pão do céu.

    A Eucaristia, que está no centro da comunidade e da sua missão, tem um grande poder transformador social. Recordamos o ensino de João Paulo II na primeira encíclica Redemptor hominis: a civilização do amor tem o seu centro na Eucaristia (cf. n. 20). Bento XVI segue a mesma linha: «A união com Cristo, que se realiza no sacramento, habilita-nos também a uma novidade de relações sociais: «a ''mística" do sacramento tem um carácter social, porque (...) a união com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos os outros aos quais Ele Se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; posso pertencer-Lhe somente unido a todos aqueles que se tornaram ou hão-de tornar Seus» (Sacramentum caritatis, 89).
    É necessário renovar em nós a coragem de Cristo, ao propor a Sua carne e o
    Seu sangue "para vida do mundo" (Jo 6, 51), ainda que corramos o risco de muitos se afastarem e rirem de nós. É verdade que o Evangelho diz que não devemos dar "as coisas santas aos cães" (Mt 7, 6). Um mundo materialista e hedonista como o nosso, que pode compreender do sacramento do amor, da Eucaristia? Ao falar d´Ela, parece que estamos a provocar uma reedição renovada e piorada da cena evangélica da sinagoga de Cafarnaúm, quando Jesus falou, pela primeira vez, do dom do Seu corpo e do Seu sangue. Muitos afastaram-se d´Ele e também os Doze vacilaram (Jo 6, 6o-
    69). Hoje, ao afastamento, acrescentar-se-ia o riso e o desprezo. Mas há que anunciar Cristo, pão da vida, com a coragem, com o atrevimento de Estêvão.

    Oratio

    Senhor, como é tímida a minha fé, se a comparo com a de Estêvão! Quantas vezes, sou tentado a transigir com aqueles que me rodeiam, com a mentalidade dominante, com tradições fossilizadas! Ajuda-me a libertar-me da tentação de uma vida pacata e sossegada, que não levante ondas. Dá-me a luz do teu Espírito para discernir a tua vontade e realizá-la sem titubear. Ajuda-me a compreender Estêvão e dá-me coragem semelhante à dele para confessar-Te como meu Senhor. Que, em qualquer circunstância, jamais me demita da minha missão de testemunha. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor insiste e declara que há uma primeira maneira de se unir a ele, pela fé e pela graça. - «Eu sou o pão da vida, diz, quem vem a mim nunca terá fome nem sede. Vistes e não acreditais. Mas os que acreditarem, o Pai mos dá, eu guardá- los-ei, não os perderei e ressuscitá-los-ei no último dia...».
    Esta multidão não acreditava, estava absorvida por preocupações materiais. Jesus exprime a amargura do seu coração: «Vistes e não acreditastes!». Mas tem alguma consolação ao pensar naqueles que acreditarão mais tarde e que o seu Pai lhe dará.
    Para acreditar com uma fé viva e vivificante, é preciso, portanto, duas condições: é preciso aproximar-se de Deus com simplicidade e é preciso que Deus coloque aí a sua bênção.
    Que contraste entre esta multidão totalmente incrédula e material, e o
    Coração sagrado de Jesus! O Salvador está todo absorvido pelo pensamento da Eucaristia, pela perspectiva do seu reino eucarístico, pelo seu desejo de viver connosco, de se dar a nós, de vir aos nossos peitos para formar os nossos corações ao seu amor. Antes de instituir este sacramento, parece que se diverte a elaborar os seus símbolos e figuras. Duas vezes multiplica o pão e fá-lo distribuir pelos apóstolos à multidão. É uma imagem da distribuição do pão eucarístico.

    Como Jesus devia estar emocionado ao ver os seus discípulos a distribuir assim o pão milagroso, como uma figura da comunhão! E dizia para si: «É assim que me tornarei alimento de todas as almas».
    Noutra vez, muda a água em vinho. Prepara-se para o grande milagre da transubstanciação. Deve ter bebido ele mesmo com emoção este vinho que figurava o seu sangue.
    Mas o povo tem a cabeça dura, todos estes milagres não o persuadem de que
    está perante o Messias enviado por Deus. Murmura contra o Salvador porque disse:
    «Eu sou o pão vivo descido do céu». - «Não é ele, dizem, o filho de José, que nós onhecemos?!»
    Jesus repete tristemente: «Eu sou o pão da vida, mas ninguém pode compreender e vir a mim, se não corresponde às atracções da graça que meu Pai lhe dá» (Leão Dehon, OSP 4, 229s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem vem a mim não mais terá fome» (Jo 6, 35)

    S. Marcos, Evangelista

    S. Marcos, Evangelista


    25 de Abril, 2023

    Marcos era filho de Maria de Jerusalém, em cuja casa Pedro se refugiou depois de ser libertado do cárcere (cf. At 12, 12). Era primo de Barnabé. Acompanhou o apóstolo Paulo na sua primeira viagem a Roma (cf. Col 4, 10) e esteve próximo dele durante a sua prisão em Roma (Fm 24). Depois, tornou-se discípulo de Pedro, de cuja pregação se fez intérprete no Evangelho que escreveu (cf. 1 Pe 5, 13). O seu evangelho é comumente reconhecido como o mais antigo, utilizado e completado por Mateus e por Lucas. Parece que também os grandes discursos da primeira parte do Atos dos Apóstolos são uma retomada e desenvolvimento do evangelho de Marcos, a partir de Mc 1, 15. É-lhe atribuída a fundação da Igreja de Alexandria.
    Lectio
    Primeira Leitura: 1 Pedro 5, 5b-14

    Irmãos: revesti-vos todos de humildade no trato uns com os outros, porque Deus opõe-se aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes. 6Humilhai-vos, pois, debaixo da poderosa mão de Deus, para que Ele vos exalte no devido tempo. 7Confiai-lhe todas as vossas preocupações, porque Ele tem cuidado de vós. 8Sede sóbrios e vigiai, pois o vosso adversário, o diabo, como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar. 9Resisti-lhe, firmes na fé, sabendo que a vossa comunidade de irmãos, espalhada pelo mundo, suporta os mesmos padecimentos. 10Depois de terdes padecido por um pouco de tempo, o Deus que é todo graça e vos chamou em Jesus Cristo à sua eterna glória, há-de restabelecer-vos e consolidar-vos, tornar-vos firmes e fortes. 11Para Ele o poder pelos séculos dos séculos. Ámen. 12Por Silvano, a quem considero um irmão fiel, escrevo-vos estas breves palavras, para vos exortar e para vos assegurar que esta é a verdadeira graça de Deus; perseverai nela! 13Manda-vos saudações a comunidade dos eleitos que está em Babilónia e, em particular, Marcos, meu filho. 14Saudai-vos uns aos outros com um ósculo de irmãos que se amam. Paz a todos vós, que estais em Cristo.

    A tradição, segundo a qual Marcos recolheu, no seu evangelho, a pregação de Pedro, apoia-se nesta página, onde Pedro lhe chama "meu filho" (v. 13). Mas as exortações do primeiro dos apóstolos dirigem-se a todos quantos na Igreja têm responsabilidades de guias e mestres.
    O verdadeiro pastor deve, antes de mais, ser humilde e consciente de não ser dono de nada, mas ter recebido tudo de Deus. E a humildade é verdade!
    Os pastores devem também ser sóbrios e vigilantes. Nestas palavras ecoa o discurso escatológico de Jesus (cf. Mc 13, 1ss.). Pedro dirige aos pastores humildes e fiéis, sóbrios e vigilantes, a promessa de que Aquele Deus que os chamou à vida nova em Cristo os confirmará na graça e os coroará de glória (v. 10).
    Evangelho: Marcos 16, 15-20

    Naquele tempo, Jesus apareceu ao Onze Apóstolos e disse-lhes: 15«Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. 16Quem acreditar e for batizado será salvo; mas, quem não acreditar será condenado. 17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.» 19Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus. 20Eles, partindo, foram pregar por toda a parte; o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam.

    Nesta conclusão do evangelho original de Marcos, encontramos o chamado discurso missionário: Jesus envia os seus discípulos a levar o evangelho a todas as criaturas (vv. 15ss.). O missionário do Pai, Jesus, precisa de outros missionários. Aquele que é a Boa Nova confia a Boa Nova aos seus apóstolos: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (v. 15).
    Depois do mandato missionário, Marcos alude, de modo muito breve, e discreto à ascensão de Jesus ao céu: "O Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus." (v. 19). E conclui afirmando: "Eles, partindo, foram pregar por toda a parte" (v. 20). E assim mudou radicalmente a vida dos apóstolos e de muitas outras pessoas ao longo dos séculos.
    Meditatio

    A primeira leitura da festa de S. Marcos foi escolhida por causa da expressão "meu filho" usada por S. Pedro para se referir ao segundo evangelista, mas também pelas palavras: "Resisti-lhe, firmes na fé, sabendo que a vossa comunidade de irmãos, espalhada pelo mundo, suporta os mesmos padecimentos." (v. 9). Marcos é, de modo especial, o evangelista da fé. Insiste em que deve ser vivida mesmo no meio da obscuridade. O evangelista tem um sentido muito vivo dessa experiência. Mais do que desenvolver os ensinamentos do Mestre, preocupa-se em acentuar a manifestação do Messias crucificado. Apresenta-nos Jesus rodeado de pessoas que, depois de um primeiro entusiasmo, O recusam. Os próprios Doze, escolhidos por Ele, não O compreendem: têm o coração endurecido, fechado à Sua mensagem, à Sua Pessoa. Mesmo Pedro, que reconhece Jesus como Messias, não quer aceitar o caminho que Ele escolheu percorrer, o caminho da cruz. O centro do evangelho de Marcos é o paradoxal testemunho de fé do centurião, que reconhece em Jesus, que morre na cruz, o Filho de Deus. Marcos compreende a realidade profunda do itinerário doloroso de Jesus e apresenta-o à luz da fé, definitivamente consolidada na ressurreição. O segundo evangelho ajuda-nos a viver na fé e a alimentá-la no sofrimento e a apoiá-la unicamente em Cristo, sem procurar provas humanas.
    A reflexão de Marcos não é académica, mas existencial e vital. O Evangelho é Deus (cf. Mc 1, 14); contém e manifesta o projeto salvífico que o Pai quer realizar por meio do Filho em favor de toda a humanidade. É do coração de Deus que brota a "Boa Nova" capaz de encher de alegria todos os corações humanos que estejam disponíveis a acolher o dom da salvação. O "Evangelho é de Jesus Cristo" (cf. Mc 1, 1), quer dizer, é Jesus o Cristo, o Filho de Deus. Mas é também memorial de tudo quanto Jesus fez e disse. Numa palavra: para Marcos, o Evangelho é tudo, e tudo é Evangelho.
    Lembremos as nossas Constituições: "A missão em sentido estrito sempre esteve presente entre nós e continua a conservar para nós uma importância particular" (Cst 33). A nossa admiração e atenção por aqueles que hoje são "missionários" continuam bem vivas. Esses confrades deixaram a sua terra, a sua gente, para adotar uma outra, em favor da qual desenvolvem todas as atividades de apostolado (cf. Cst 15). "Reconhecemos como parte importante da nossa missão reparadora todo o trabalho que desde os princípios da Congregação muitos de nós desenvolvem na atividade missionária, em vista do anúncio do Evangelho e em solidariedade com os povos, cuja situação é particularmente difícil" (Documenta XIV).
    Oratio

    Abre, Senhor, os meus ouvidos para que se encham do tesouro do teu Evangelho, porque a minha vida, iluminada e confortada pela tua Palavra, terá sentido pleno e duradoiro. Faz-me acolher o Verbo da verdade presente no teu Evangelho. Abre, Senhor, a minha boca para que a Boa Nova acolhida, se torne proclamação da tua glória e mensagem de sentido e esperança para os irmãos. Que a minha vida se abra a Ti, se encontre contigo, que vens ao meu encontro todos os dias na Palavra que o teu Evangelho encerra e me dá. Ámen.
    Contemplatio

    S. Marcos amava Nosso Senhor sem qualquer reserva; estava maduro para o martírio. Os seus sucessos e os progressos da fé exasperavam os pagãos e em particular os sacerdotes de Serapis. Apoderaram-se de S. Marcos durante a solenidade da Páscoa do ano 68. Fizeram-lhe sofrer durante dois dias um horrível suplício, fazendo-o arrastar com cordas por terrenos pedregosos dos subúrbios de Buroles; mas o amor é mais forte do que a morte, e o santo bendizia a Nosso Senhor e dava-lhe graças por ter sido julgado digno de sofrer por seu amor. Durante a noite que separou os dois dias de torturas, o santo foi reconfortado por visitas celestes. Foi primeiro um anjo que lhe disse: «Marcos, servo de Deus e chefe dos ministros de Cristo, no Egipto, o vosso nome está escrito no livro da vida e as potências celestes virão em breve procurar-vos para vos conduzirem ao céu». Depois apareceu-lhe o próprio Nosso Senhor, como o tinha conhecido na Galileia: «A paz esteja convosco, Marcos nosso evangelista», diz-lhe; depois desapareceu. Esta palavra de encorajamento bastava. S. Marcos foi de novo arrastado e dilacerado pelas pedras, enquanto bendizia a Deus: «Meu Deus, nas vossas mãos entrego a minha alma». (L. Dehon, OSP 3, p. 479).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Convertei-vos e acreditai no Evangelho" (Mc 1, 15).

    S. Marcos, Evangelista (25 Abril)

  • 3ª Semana - Quarta-feira - Páscoa

    3ª Semana - Quarta-feira - Páscoa


    26 de Abril, 2023

    3ª Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 8, 1b-8

    Naquele tempo, Saulo aprovava também a morte de Estêvão. No mesmo dia, uma terrível perseguição caiu sobre a igreja de Jerusalém. À excepção dos Apóstolos, todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria. 2Entretanto, homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram por ele grandes lamentações.
    3Quanto a Saulo, devastava a Igreja: ia de casa em casa, arrastava homens e mulheres e entregava-os à prisão.
    Filipe leva o Evangelho à Samaria - 4Os que tinham sido dispersos foram de
    aldeia em aldeia, anunciando a palavra da Boa-Nova. 5Foi assim que Filipe desceu a uma cidade da Samaria e aí começou a pregar Cristo. 6Ao ouvi-lo falar e ao vê-lo realizar milagres, as multidões aderiam unanimemente à pregação de Filipe. 7De facto, de muitos possessos saíam espíritos malignos, soltando grandes gritos, e numerosos paralíticos e coxos foram curados. 8E houve grande alegria naquela cidade.

    Depois do martírio de Estêvão, veio a perseguição da Igreja. Lucas conta que, à excepção dos Apóstolos, «todos se dispersaram pelas terras da Judeia e da Samaria» (v. 1). Assim começa uma nova fase na vida da frágil comunidade cristã: a sua difusão fora de Jerusalém. São particularmente atingidos os seguidores de Estêvão, os helenistas, que se dispersam pela Judeia e pela Samaria, dando início à corrida da Palavra pelo mundo, «até aos confins da terra». Entretanto, Saulo devasta a Igreja. Mas ela expande-se entre aqueles que estão fora do judaísmo: «Os que tinham sido dispersos foram de aldeia em aldeia, anunciando a Palavra da Boa Nova» (Act 8, 4). Distingue-se outro diácono, Filipe, que, como Estêvão, e como os Apóstolos, prega a Boa Nova e faz milagres. Assim, enquanto a Igreja está de luto pela morte de Estêvão, também se enche de alegria com a acção de Filipe e de outros discípulos anónimos, que pregam o nome de Jesus na Samaria. A fé cristã alarga-se a um novo espaço geográfico e cultural. É o mundo que se renova, graças ao contacto com a Palavra que se difunde.

    Evangelho: João 6, 35-40

    Naquele tempo, Jesus respondeu aos judeus: «Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede. 36Mas já vo-lo disse: vós vistes-me e não credes. 37Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»

    «Eu sou o pão da vida» (v. 35). À maneira sapiencial, Jesus apresenta-se como o revelador da verdade, o mestre divino que veio para alimentar os homens. Jesus é personificação da revelação, ou revelação personificada. Utiliza o simbolismo do pão e do maná para descrever a sua própria revelação e o significado da sua pessoa. Mas

    a multidão não quer entender, não reconhece Jesus como Filho de Deus. Então Jesus denuncia-lhe a incredulidade.
    A Igreja primitiva, que vivia um conflito com a Sinagoga, manifesta, por meio do evangelista, a sua profunda ligação ao Mestre, e a convicção de que o projecto de Deus se realiza no acolhimento que cada um dos crentes reserva a Jesus. Ele fez-se homem, não para fazer a sua vontade, mas a vontade d´Aquele que O enviou. O projecto de Deus tem em vista a salvação. Ao confiá-lo ao Filho, o Pai proclama que os homens se salvam em Jesus, sem que algum se perca: «a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia» (v. 39). A expressão «último dia», em João, indica o dia em que termina a criação do homem e se realiza a morte de Jesus, o dia do triunfo final do Filho sobre a morte. Nesse dia, todos poderão saborear «a água do Espírito», dada à humanidade.

    Meditatio

    Depois da morte de Estêvão, aqueles que comungavam do seu «extremismo», os que não aceitavam compromissos com o judaísmo, são também perseguidos. Por enquanto, escapam à perseguição os Apóstolos, talvez na esperança de que fosse encontrada uma solução para os problemas com a tradição judaica.
    A perseguição ajudou a Igreja a não adormecer e a reencontrar as suas raízes missionárias, que são o segredo da sua eterna juventude. Quantas vezes, se verificou essa verdade, ao longo da história! Quando os discípulos do Senhor parecem comodamente instalados, quando se consideram integrados num determinado contexto social, é o próprio Espírito a agitar o «lugar» com várias provações, incluindo a perseguição. Se a comunidade estiver viva, como estava em Jerusalém, a perseguição dará os seus frutos.
    Jesus não despreza a vida corporal. Quantas vezes interveio para curar doentes e, até, ressuscitar mortos. Mas não pretende satisfazer apenas as nossas necessidades corporais. Quer dar-nos a vida em plenitude. O pão da terra conserva a vida, mas não nos faz ressuscitar. Jesus quer que participemos da sua ressurreição, porque é essa a vontade do próprio Pai: «Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.» (v. 40). Jesus abre-nos um caminho através da morte até à ressurreição.
    Ao dar-nos o seu Corpo na Eucaristia, Jesus comunica-nos a sua vida de ressuscitado e alimenta-a em nós. A Eucaristia é penhor de ressurreição. Jesus abriu-nos o caminho da vida eterna porque se entregou à morte por nosso amor. Na oferta de Si mesmo, venceu a morte. Na Eucaristia, Jesus renova o dom de Si mesmo: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós... Este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós» (Lc 22, 19-20). Receber a Eucaristia é receber Aquele que se ofereceu por nós até à morte e, portanto, receber a força para percorrer o mesmo caminho.
    A Eucaristia é dom total de Cristo, o centro da nossa vida pessoal e
    comunitária, a nossa opção fundamental de vida, enquanto "nos consagra a Deus", unindo-nos, pelo nosso baptismo e pela nossa profissão religiosa, ao Seu sacerdócio e ao Seu estado de v&iac
    ute;tima (cf. Cst. 80-81): "Consagro-Me por eles, para que também eles sejam consagrados na verdade" (Jo 17, 19); "Consagra-os na Verdade" (Jo 17,
    17). Por isso, a Eucaristia marca toda a nossa vida e toda a nossa acção: "A Eucaristia
    reflecte-se em tudo o que somos e vivemos" (Cst. 81). Marca também a nossa missão ao serviço dos irmãos, especialmente dos mais pobres: "lança-nos, incessantemente, pelos caminhos do mundo ao serviço do Evangelho" (Cst. 82). E, quando surgem as dificuldades, as perseguições, é o Pão que nos dá força. Lembremos os efeitos da Eucaristia nos desanimados discípulos de Emaús.

    Oratio

    Glória a Ti, Senhor Jesus Cristo, que lançaste a cruz como ponte sobre a morte para que através dela passássemos da morte à vida. Glória a Ti, Senhor Jesus Cristo, que assumiste um corpo de homem mortal para o transformares em manancial de vida em favor de todos os mortais. Enche-nos do teu Espírito para que, tornando-nos grão de trigo lançado à terra, participemos na tua ressurreição e colaboremos no ressurgir Contigo da multidão dos homens. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor quis mostrar-nos ele mesmo no maná uma figura da Eucaristia. Fê-lo longa e claramente. É que o maná era bem uma figura providencial do pão eucarístico. Todo o capítulo VI de S. João no-lo explica.
    Foi em Cafarnaúm, no grande dia de Páscoa, no dia seguinte à multiplicação dos pães. «Em verdade, diz Nosso Senhor, vós procurais-me, porque fostes saciados, procurai antes um alimento que vive para sempre. - Os nossos pais comeram o maná caído do céu no deserto, disseram, e no entanto morreram! - Em verdade, diz Nosso Senhor, o maná não era senão uma figura; o verdadeiro pão do céu, o meu Pai vo-lo dá agora.
    Sou eu que sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome nem sede; posso saciar a fome de uma alma ávida de felicidade». - Depois Nosso Senhor explica-lhes que alimenta as nossas almas pela fé e pela graça e que nos alimentará pela Eucaristia.
    «Eu sou o pão da vida, diz-lhes, e este pão é a minha carne que será entregue por vós. Sim, devereis comer a minha carne e beber o meu sangue para terdes a vida eterna. A minha carne será um elemento de ressurreição. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue, permanecerei com ele e ele em mim».
    Eis, portanto, Senhor, porque destes o maná ao vosso povo no deserto. Este pão branco, que tinha todos os mais doces sabores e que alimentava todo o vosso povo, era uma esplêndida figura da Eucaristia.
    A Igreja nos repete todos os dias: «destes-nos um pão do céu, que tem para nós todos os encantos».
    O pão misterioso que fortifica o profeta Elias, era também uma bela figura da
    Eucaristia.
    Elias fugia da cólera de Jezabel. Esgotado de fadiga no deserto, invocava a morte. Adormeceu. Um anjo trouxe-lhe um pão miraculoso e acordou-o. Elias comeu e encontrou-se tão forte para caminhar durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte Horeb, onde Deus se manifestou a ele.
    O pão eucarístico será também para nós uma força sem limites (Leão Dehon,
    OSP 4, p. 226s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu sou o pão da vida» (Jo 6, 35).

  • 3ª Semana - Quinta-feira - Páscoa

    3ª Semana - Quinta-feira - Páscoa


    27 de Abril, 2023

    3ª Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 8, 26-40

    Naqueles dias, 26O Anjo do Senhor falou a Filipe e disse-lhe: «Põe-te a caminho e dirige-te para o Sul, pela estrada que desce de Jerusalém para Gaza, a qual se encontra deserta.» 27Ele pôs-se a caminho e foi para lá. Ora, um etíope, eunuco e alto funcionário da rainha Candace, da Etiópia, e superintendente de todos os seus tesouros, que tinha ido em peregrinação a Jerusalém, 28regressava, na mesma altura, sentado no seu carro, a ler o profeta Isaías. 29O Espírito disse a Filipe: «Vai e acompanha aquele carro.» 30Filipe, acorrendo, ouviu o etíope a ler o profeta Isaías e perguntou-lhe: «Compreendes, verdadeiramente, o que estás a ler?»
    31Respondeu ele: «E como poderei compreender, sem alguém que me oriente?» E convidou Filipe a subir e a sentar-se junto dele. 32A passagem da Escritura que ele estava a ler era a seguinte: Como ovelha levada ao matadouro, e como cordeiro sem voz diante daquele que o tosquia, assim Ele não abre a sua boca. 33Na humilhação se consumou o seu julgamento, e quem poderá contar a sua geração? Da face da terra foi tirada a sua vida!
    34Dirigindo-se a Filipe, o eunuco disse-lhe: «Peço-te que me digas: De quem fala o profeta? De si mesmo ou de outra pessoa?» 35Então, Filipe tomou a palavra e, partindo desta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Boa-Nova de Jesus. 36Pelo caminho fora, encontraram uma nascente de água, e o eunuco disse: «Está ali água! Que me impede de ser baptizado?» 37Filipe respondeu: «Se acreditas com todo o coração, isso é possível.» O eunuco respondeu: «Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus.» 38E mandou parar o carro. Ambos desceram à água, Filipe e o eunuco, e Filipe baptizou-o. 39Quando saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatou Filipe e o eunuco não o viu mais, seguindo o seu caminho cheio de alegria. 40Filipe encontrou-se em Azoto e, partindo dali, foi anunciando a Boa-Nova a todas as cidades, até que chegou a Cesareia.

    Depois da Samaria, cujos habitantes eram meio judeus e meio pagãos, o Evangelho penetra em terreno vedado. O etíope personifica esta dupla conquista da Igreja nascente. Dupla porque se trata de um eunuco que, como tal, estava excluído da assembleia de Israel (Dt 23,1); além disso, era provavelmente pagão, um dos tantos que, simpatizando com o judaísmo, aceitavam a maior parte dos seus princípios religiosos, sem todavia ser admitidos na comunidade judaica. Se era realmente pagão, então terá sido o primeiro a converter-se ao cristianismo, embora Lucas não o afirme. Trata-se, sem dúvida, de uma pessoa rica e influente, alguém que pode fazer uma longa viagem, devidamente equipado, e possuir um rolo manuscrito da Bíblia. Deus envia-lhe Filipe, guiado pelo Espírito. O diácono aproveita o facto do etíope estar a ler Isaías para meter conversa com ele. E surge a grande pergunta: «De quem fala o profeta? De si mesmo ou de outra pessoa?». Filipe fala- lhe, então, de Jesus. O eunuco acredita e recebe o baptismo. A mediação eclesial e a graça de Deus dissiparam-lhe as dúvidas.

    Evangelho: João 6, 44-51

    Naquele tempo, disse Jesus às multidões: 44Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair; e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia. 45Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus. Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim. 46Não é que alguém tenha visto o Pai, a não ser aquele que tem a sua origem em Deus: esse é que viu o Pai. 47Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê tem a vida eterna. 48Eu sou o pão da vida. 49Os vossos pais comeram o maná no deserto, mas morreram. 50Este é o pão que desce do Céu; se alguém comer dele, não morrerá. 51Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo.»

    «Eu sou o pão da vida que desceu do céu». Estas palavras soam como absurdas. A multidão protesta e torna-se hostil. É difícil ultrapassar o obstáculo da origem humana de Jesus e reconhecê-l´O como Deus. Então Jesus, evitando a discussão com os judeus, procura ajudá-los a reflectir sobre a dureza do seu coração, enunciando as condições necessárias para acreditar n´Ele: ser atraído pelo Pai (v. 44), docilidade a Deus (v. 45ª.), escutar o Pai (v. 45b.). Estamos diante do ensinamento interior do Pai e do ensinamento da vida de Jesus, que desemboca na fé obediente do crente à palavra do Pai e do Filho. Escutar Jesus é ser ensinado pelo próprio Pai. Com a vinda de Jesus, a salvação está aberta a todos, desde que se deixem docilmente atrair pelo Pai. Há uma ligação entre a fé em Jesus e a vida eterna: só quem vive em comunhão com Jesus alcança a vida eterna; só quem «come» Jesus-pão não morrerá. Jesus, pão de vida, dá a imortalidade a quem se alimenta d´Ele, a quem, na fé, interioriza a sua palavra e assimila a vida. Esta secção já inclui o tema da eucaristia que será tratado na secção seguinte.

    Meditatio

    A evangelização é, antes de mais, plano e acção de Deus. É o que nos mostra o texto da primeira leitura. Filipe recebe ordem para se pôr a caminho, em direcção ao Sul. Não parece ser uma boa decisão em ordem à evangelização. Mas é no caminho para o Sul que irá encontrar um etíope predisposto a acolher a Boa Nova. Segundo a tradição, é nesse encontro que começa a evangelização da África.
    Impressiona-nos a disponibilidade, o entusiasmo missionário, a capacidade de interpretar a Sagrada Escritura de Filipe. É, na verdade, um evangelizador convicto e preparado. O Espírito faz o «resto» ...
    O texto evangélico é denso de ensinamentos profundos. Jesus começa por afirmar: «Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair» (v. 44). O Pai actua num duplo movimento, envia Jesus e atrai os homens para Jesus. Jesus mostra que o mais importante é a nossa relação com o Pai. Sem ela, até a nossa relação com Jesus seria superficial. Por isso, o próprio Senhor acende em nós o desejo de sermos dóceis para com Deus, de nos deixarmos instruir por Ele: «Está escrito nos profetas: E todos serão ensinados por Deus» (v. 45). Não é fácil entendermos estas palavras de Jesus. Por vezes, somos tentados a pensar que, ser dóceis a Deus, nos retira a liberdade, nos faz menos felizes. Mas a docilidade a Deus é condição para irmos a Jesus, nossa aleg
    ria, nossa felicidade: «Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim» (v. 45).
    O Pai, actuando, forma em nós sentimentos, que são os de Cristo. Por isso é
    que o encontro com Cristo se torna possível. O Pai ensina-nos a viver no abandono, na abnegação por amor e, assim, podemos compreender a paixão e a ressurreição de Jesus. Vemos na morte de Jesus uma grande obra de amor, cujo resultado, a

    ressurreição, é obra divina. Pela nossa docilidade à acção do Pai em nós, somos atraídos para Jesus e tornamo-nos semelhantes a Ele.
    Deus, ao atrair-nos para Jesus, quer tornar-nos participantes de todos os tesouros do seu Coração: da sua bondade, da sua misericórdia, da sua alegria, do seu amor. Sejamos dóceis a Deus Pai, e ajudemo-nos uns aos outros nessa docilidade.

    Oratio

    Senhor, infunde em mim o dom da docilidade, o anelo de viver em união Contigo, sem procurar satisfações superficiais fora de Ti. Acende em mim um grande desejo de Cristo, para que o meu conhecimento de Ti, isto é, a minha relação de amor Contigo, encha a minha alma como as águas enchem o mar.
    Que todos os meus irmãos, homens e mulheres, particularmente os jovens, se
    possam abrir a essa mesma relação Contigo, a esse conhecimento de Ti, preparando uma nova messe para o teu Reino. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor volta com insistência à sua origem divina e à sua qualidade de pão vivo e que vivifica almas: «Os vossos pais, diz, comeram o maná no deserto, e morreram, mas eis o pão que desce do céu e se alguém dele comer, viverá eternamente».
    O maná era um elemento efémero que não dava a vida espiritual nem preparava para a vida eterna.
    Jesus vai agora falar claramente: «O pão que eu vou dar, diz, é a minha carne que entregarei pela vida do mundo». Trata-se de um pão que Jesus dará mais tarde. A união com ele pela fé não é senão a preparação para a manducação deste pão vivificante.
    Os judeus estão escandalizados, mas é preciso que Jesus diga tudo e que prepare os seus discípulos para a instituição da santa Eucaristia: «Em verdade, acrescenta, eu vos declaro: Se não comerdes a carne do Filho do homem e se não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e quem bebe o meu sangue, terá a vida eterna e eu ressuscitá-lo-ei no último dia. A minha carne é verdadeiramente um alimento e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida. - Quem come a minha carne e quem bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. E como eu vivo da vida de meu Pai que me enviou, do mesmo modo quem me come viverá de mim» (Leão Dehon, OSP 4, p. 230s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se alguém comer deste pão, viverá eternamente» (Jo 6, 51).

  • 3ª Semana –Sexta-feira - Páscoa

    3ª Semana –Sexta-feira - Páscoa


    28 de Abril, 2023

    3ª Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 9, 1-20

    Naqueles dias, 1Saulo, respirando sempre ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, foi ter com o Sumo Sacerdote 2e pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de que, se encontrasse homens e mulheres que fossem desta Via, os trouxesse algemados para Jerusalém. 3Estava a caminho e já próximo de Damasco, quando se viu subitamente envolvido por uma intensa luz vinda do Céu.
    4Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: «Saulo, Saulo, porque me
    persegues?» 5Ele perguntou: «Quem és Tu, Senhor?» Respondeu: «Eu sou Jesus, a quem tu persegues. 6Ergue-te, entra na cidade e dir-te-ão o que tens a fazer.» 7Os seus companheiros de viagem tinham-se detido, emudecidos, ouvindo a voz, mas sem verem ninguém. 8Saulo ergueu-se do chão, mas, embora tivesse os olhos abertos, não via nada. Foi necessário levá-lo pela mão e, assim, entrou em Damasco, 9onde passou três dias sem ver, sem comer nem beber. 10Havia em Damasco um discípulo chamado Ananias. O Senhor disse-lhe numa visão: «Ananias!» Respondeu: «Aqui estou, Senhor.» 11O Senhor prosseguiu: «Levanta-te, vai à casa de Judas, na rua Direita, e pergunta por um homem chamado Saulo de Tarso, que está a orar neste momento.» 12Saulo, entretanto, viu numa visão um homem, de nome Ananias, entrar e impor-lhe as mãos para recobrar a vista. 13Ananias respondeu: «Senhor, tenho ouvido muita gente falar desse homem e a contar todo o mal que ele tem feito aos teus santos, em Jerusalém. 14E agora está aqui com plenos poderes dos sumos sacerdotes, para prender todos quantos invocam o teu nome.» 15Mas o Senhor disse-lhe: «Vai, pois esse homem é instrumento da minha escolha, para levar o meu nome perante os pagãos, os reis e os filhos de Israel. 16Eu mesmo lhe hei-de mostrar quanto ele tem de sofrer pelo meu nome.» 17Então, Ananias partiu, entrou na dita casa, impôs as mãos sobre ele e disse: «Saulo, meu irmão, foi o Senhor que me enviou, esse Jesus que te apareceu no caminho em que vinhas, para recobrares a vista e ficares cheio do Espírito Santo.» 18Nesse instante, caíram-lhe dos olhos uma espécie de escamas e recuperou a vista. Depois, levantou-se e recebeu o baptismo.
    19Depois de se ter alimentado, voltaram-lhe as forças e passou alguns dias com os discípulos, em Damasco. 20Começou, então, imediatamente, a proclamar nas sinagogas que Jesus era o Filho de Deus.

    Lucas narra três vezes a conversão de Paulo (9, 1-22; 22, 3-16; 26, 9-18). Esta tripla narrativa significa a importância extraordinária do acontecimento. A missão de Paulo entre os gentios era um problema. Porque é que os missionários cristãos não continuaram a evangelizar os judeus? Lucas sabe que essa mudança radical correspondia à vontade de Cristo. Paulo não queria ser cristão e, muito menos, queria ser missionário. Mas teve que sê-lo!
    O nosso texto apresenta-nos Saulo a caminho de Damasco, decidido a
    exterminar aquilo que julgava ser uma seita. Mas é envolto em luz e ouve uma voz que o interroga... Trata-se de uma típica narrativa de vocação. Saulo ouve a voz d´Aquele que persegue. Cai do cavalo, fica cego e jejua três dias. Assim morre para a sua cegueira interior e ressuscita para uma nova compreensão da realidade.
    O «mistério» de Saulo, e o alcance da sua missão, são entretanto revelados a
    um tímido discípulo, chamado Ananias. Saulo é chamado a levar o nome de Jesus aos

    pagãos e ao seu rei, tal como aos filhos de Israel. Não se podia dizer melhor o conteúdo da missão e da «paixão» de Saulo. De facto, poucos dias depois, Saulo começa a sua surpreendente missão, proclamando «Filho de Deus» aquele Jesus cujo nome pouco antes escarnecia, perseguindo os seus discípulos.

    Evangelho: João 6, 52-59

    Naquele tempo, 52os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» 53Disse-lhes Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. 54Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia, 55porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. 56Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. 57Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. 58Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os antepassados comeram, pois eles morreram; quem come mesmo deste pão viverá eternamente.» 59Isto foi o que Ele disse em Cafarnaúm, ao ensinar na sinagoga.

    Nesta secção, a mensagem é aprofundada e torna-se mais sacrificial e eucarística. Jesus é o pão da vida, não só pelo que faz, mas especialmente por causa da eucaristia. Jesus-pão é identificado com a sua humanidade, aquela humanidade que será sacrificada na cruz para salvação dos homens. Jesus é pão, seja como palavra de Deus, seja como vítima sacrificial, que se faz dom por amor ao homem. A murmuração dos judeus denuncia a mentalidade incrédula de quem não se deixa regenerar pelo Espírito e não tenciona aderir a Cristo. Mas Jesus insiste: «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (v. 53). Mais ainda: anuncia frutos extraordinários para aqueles que participam no banquete eucarístico: não se perderá (v. 39), será ressuscitado no último dia (v. 54) e viverá eternamente (v. 58).
    Todos estes ensinamentos de Jesus, em Cafarnaúm, mais do que tratar do
    sacramento, referem-se à revelação gradual do mistério da pessoa e da vida de
    Jesus.

    Meditatio

    A missão é de Deus e está nas suas mãos. Por isso, sabe procurar colaboradores onde bem entende. Por vezes, escolhe pessoas que já gastaram muitas energias em actividades que nada tinham a ver com o Evangelho, ou até eram contra ele. A primeira leitura apresenta-nos o caso de Saulo. Mas a história da Igreja apresenta-nos tantos outros, como Agostinho, Francisco de Assis, Inácio de Loiola... Há que não se deixar perturbar pela «falta» de vocações, ou pela qualidade
    «aparente» daquelas que nos chegam. Façamos o que está ao nosso alcance e confiemos em Deus, que pode, e certamente quer, continuar a surpreender-nos. Rezemos ao Senhor da messe, para que mande trabalhadores para a sua messe, e demos testemunho, quais modestos Ananias, para ajudarmos os novos apóstolos que o poder de Deus quiser suscitar.
    As palavras de Jesus são duras:
    «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (v. 53). «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» - perguntam os seus ouvintes. Mas Jesus não atenua as suas afirmações. Poderia dizer que não se trata exactamente de comer a

    sua carne, mas de aderir, na fé, à sua pessoa. Mas o Senhor insistiu no realismo: «se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue...». Jesus não nos liga a Ele apenas pela fé. Liga-nos pelo seu corpo e pelo seu sangue, com toda a estrutura que forma o seu corpo, que é a Igreja. Ele não está simplesmente presente em nós, no nosso íntimo. Também está fora, nos outros, na Igreja. A comunhão com os irmãos é um modo de nos unirmos também a Ele. A fé tem uma expressão externa.
    A Eucaristia é presença, no meio de nós, do corpo e do sangue de Jesus, que deve encher toda a nossa vida, dando-nos uma nova forma de existência: «Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele» (v. 56).
    A Eucaristia é o máximo sacramento da união com Cristo e entre nós, edifica-
    nos na caridade como indivíduos e como comunidade: "Testamento do amor de Cristo que se entrega para que a Igreja se realize na unidade e assim anuncie a esperança ao mundo, a Eucaristia reflecte-se em tudo o que somos e vivemos" (Cst. 81). Cada celebração eucarística deve levar a um aumento de caridade fraterna no único amor do Coração de Jesus: "O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão" ( 1 Cor 10, 16-17). Se a Igreja faz a Eucaristia, é também verdade que a Eucaristia faz a Igreja.

    Oratio

    Senhor, quando rezo pelas vocações, nem sempre estou certo de que me escutas, porque tenho rezado tanto e vejo tão poucos frutos. Rezo porque mandaste que eu rezasse. Hoje, porém, sinto-me animado pela tua acção em Saulo e, pensando nas dificuldades actuais, atrevo-me a dizer-te confiadamente: renova no meio de nós os teus prodígios. Mostra, mais uma vez o teu poder, suscitando evangelizadores ardorosos com a qualidade de Saulo, de Agostinho, de Xavier e de tantos outros que bem conheces e me enchem de espanto. Não me deixes desiludido. Mostra o teu poder, para bem do teu povo. Dá à tua Igreja os sacerdotes, os religiosos, os missionários que precisa, para que o teu nome chegue aos confins da terra. Amen.

    Contemplatio

    A sagrada comunhão é necessária para alimentar em nós a vida espiritual. Deus quis pôr alguma proporção entre a vida natural e a vida sobrenatural. Esta tem, como a primeira, o seu nascimento, os seus alimentos e o seu crescimento. Se não comêssemos, não poderíamos conservar a vida em nós. Não a perderíamos imediatamente, mas não iríamos muito longe. É o alimento que sustenta a nossa vida; é o alimento que nos faz crescer até à virilidade perfeita. É ela que é o antídoto quotidiano da morte reparando o desperdício constante das forças vitais, que depende da acção deprimente do trabalho, da fadiga, do sofrimento.
    Acontece o mesmo com a vida espiritual: Nosso Senhor mesmo no-lo disse: «Se
    não comerdes a carne do filho do homem e se não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (Jo 6). Recebemos a vida pelo baptismo e pela graça, mas não podemos conservá-la muito tempo nem fazê-la crescer senão pelo pão da vida, a santíssima eucaristia. Este pão celeste alimenta a vida da nossa alma, repara-lhe as perdas quotidianas, fá-la crescer em Cristo até à plenitude da idade perfeita, isto é, até ao dia da bem-aventurada eternidade» (Ef 4) (Leão Dehon, OSP 4, p. 243s.)

    Actio

    54).

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Qj.Jem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna» (Jo 6,

  • 3ª Semana - Sábado - Páscoa

    3ª Semana - Sábado - Páscoa


    29 de Abril, 2023

    3ª Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Actos 9, 31-42

    Naqueles dias, 31a Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, crescia como um edifício e caminhava no temor do Senhor e, com a assistência do Espírito Santo, ia aumentando. 32Pedro, que andava por toda a parte, desceu também até junto dos santos que habitavam em Lida. 33Encontrou lá, estendido num catre, havia oito anos, um homem chamado Eneias, que era paralítico. 34Pedro disse-lhe: «Eneias, Jesus Cristo vai curar-te! Levanta-te e arranja a enxerga.» E ele ergueu-se imediatamente. 35Todos os habitantes de Lida e da planície de Saron viram isso e converteram-se ao Senhor.
    36Havia em Jope, entre os discípulos, uma mulher chamada Tabitá, que significa «Gazela.» Era rica em boas obras e nas esmolas que distribuía. 37Ora, nesses dias, caiu doente e morreu. Depois de a terem lavado, depositaram-na na sala de cima. 38Como Lida era perto de Jope e ouvindo os discípulos dizer que Pedro estava lá, mandaram-lhe dois homens com o seguinte pedido: «Vem depressa ter connosco!» 39Pedro partiu imediatamente com eles. Logo que chegou, levaram-no à sala de cima e encontrou lá todas as viúvas, que choravam e lhe mostravam as túnicas e mantos feitos por Dórcada, enquanto ela estava na sua companhia.
    40Pedro mandou sair toda a gente, pôs-se de joelhos e orou. Voltando-se depois para o corpo, disse: «Tabitá, levanta-te!» Ela abriu os olhos e, ao ver Pedro, sentou-se.
    41Tomando-a pela mão, Pedro ajudou-a a erguer-se. Chamando então os santos e as viúvas, apresentou-lha viva. 42Toda a cidade de Jope soube deste acontecimento e muitos acreditaram no Senhor.

    Lucas abre esta secção dos Actos com um sumário sobre a situação interna da Igreja e sobre o seu crescimento. A comunidade está em paz, caminha no temor do Senhor, e cresce com a assistência do Espírito Santo. Pedro anda em viagens apostólicas, pregando a Palavra, curando enfermos e exercendo a sua missão de pastor. Paulo foi acompanhado a Tarso porque provavelmente a sua presença - discutida - causava problemas devido ao seu temperamento combativo, semelhante ao de Estêvão.
    Pedro, por sua vez, exerce a sua missão pastoral apoiando, ajudando, encorajando os discípulos, nas várias comunidades já evangelizadas. A sua passagem tem efeitos semelhantes aos da passagem de Jesus: sucedem os milagres.
    De vários modos, Lucas mostra, como Jesus está vivo e actua na Igreja apostólica.

    Evangelho: João 6, 60-69

    Naquele tempo, 60muitos discípulos, depois de ouvirem Jesus, disseram: «Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?» 61Mas Jesus, sabendo no seu íntimo que os seus discípulos murmuravam a respeito disto, disse-lhes: «Isto escandaliza-vos?
    62E se virdes o Filho do Homem subir para onde estava antes? 63É o Espírito quem dá a
    vida; a carne não serve de nada: as palavras que vos disse são espírito e são vida.

    64Mas há alguns de vós que não crêem.» De facto, Jesus sabia, desde o princípio, quem eram os que não criam e também quem era aquele que o havia de entregar. 65E dizia:
    «Por isso é que Eu vos declarei que ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai.» 66A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele. 67Então, Jesus disse aos Doze: «Também vós quereis ir embora?» 68Respondeu-lhe Simão Pedro: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! 69Por isso nós cremos e sabemos que Tu é que és o Santo de Deus.»

    Os discípulos mostram-se incomodados com as afirmações do seu Mestre, humanamente difíceis de aceitar. Mas Jesus esclarece que não se deve acreditar n´Ele só depois da visão de uma subida sua ao céu, à maneira de Elias e de Enoch. Isso significaria não aceitar a sua origem divina, o que não tem sentido porque Ele vem mesmo do Céu (cf. Jo 3, 13-15).
    Mas a incredulidade dos discípulos em relação a Jesus é evidenciada pelo facto de que «é o Espírito quem dá a vida; a carne não serve de nada: as palavras que vos disse são espírito e são vida» (v. 63). Como é real a carne de Jesus, também é real a verdade eucarística. São dois dons, para darem a vida ao homem. Mas muitos discípulos não quiseram confiar-se ao Espírito e dar mais um passo em frente. Jesus não fica surpreendido, pois conhece o homem e as suas decisões mais íntimas. Acreditar n´Ele e na sua Palavra é um dom que ninguém pode oferecer a si mesmo. Só o Pai o pode dar. Só quem nasceu e foi vivificado pelo Espírito, e não actua segundo a carne, compreende a revelação de Jesus e é introduzido na vida de Deus.

    Meditatio

    A perícopa dos Actos que hoje escutamos oferece-nos mais um belo quadro da Igreja primitiva. Ela enfrenta dificuldades e problemas como a doença prolongada ou a morte de alguns dos seus membros. Mas vive no santo temor de Deus, confortada pela assistência do Espírito Santo. Os discípulos vivem sob o olhar de Deus, cumprindo a sua vontade. Interessam-se pelos pobres e cuidam dos enfermos. Na docilidade ao Espírito, a Igreja expande-se e cresce interiormente. A vida dos crentes, alegres no sofrimento, serviçais uns para com os outros, é um excelente testemunho missionário. Por isso, a Palavra e os milagres encontram terreno preparado e produzem frutos abundantes. A presença dos Apóstolos, e particularmente a de Pedro, ajudam à fidelidade e ao dinamismo missionário.
    Pedro lembra certamente as palavras que um dia pronunciou em nome da comunidade: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna! Por isso nós cremos e sabemos que Tu é que és o Santo de Deus» (Jo 6, 68-69). Para nós é reconfortante escutá-las. Esta fé é o fundamento da vida cristã, da vida religiosa, do apostolado. Pela fé, Pedro continua a vida de Jesus e o seu ministério, os seus gestos e até os seus milagres. Mas a paixão de Jesus também continua em Pedro, que é preso e atormentado, acabando por morrer mártir.
    A fé realiza uma união profunda com o Senhor, que continua em nós a sua
    vida e a sua acção, como verificamos em Pedro. O Apóstolo está consciente disso. Sente-se simples instrumento de Jesus. Por isso, diz a Eneias: «Eneias, Jesus Cristo vai curar-te!» (Act 9, 34).
    A nossa reparação há-de também dirigir-se a Cristo-Eucaristia. A incompreensão, a murmuração, a incredulidade, o escândalo, o abandono de Cristo, depois do discurso de Cafarnaúm (cf. Jo 6, 52-56) continuam a ecoar hoje. Quantas bla
    sfémias, profanações, sacrilégios! A amargura de Jesus é aliviada pela fé de Pedro: "Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavras de vida eterna...!" (Jo 6, 68). Se, com uma fé semelhante à de Pedro, formos pessoas dóceis e simples em acolher

    com gratidão o dom de Cristo, as nossas adorações eucarísticas tornar-se-ão testemunho, oração, reparação por tantos nossos irmãos esquecidos ou incrédulos.

    Oratio

    Senhor, devo confessar-te que, às vezes também eu gostava de ver milagres e
    – perdoa-me! - até fazer algum, para que não julguem que ando a pregar fantasias. Mas Tu, mesmo enviando-me alguns sinais do céu, preferes o milagre de uma vida serena, empenhada, de uma vida que confia em Ti, que deixa nas tuas mãos as grandes opções, que se preocupa mais em agradar a Ti que aos homens e às mulheres, que testemunha a alegria de os poder servir, e de se sentir amado por Ti.
    Perdoa a minha fraqueza e reforça em mim a convicção de que o que
    realmente queres é a transformação da minha vida, a passagem do temor ao amor, do apego ao desapego, da angústia à confiança.
    Dá-me o teu Espírito Santo, para que este programa tão exigente se torne realizável e me encha de paz. Amen.

    Contemplatio

    O milagre de Caná, e sobretudo a multiplicação dos pães, eram prelúdios e símbolos da Eucaristia. Os judeus só tinham visto benefícios temporais do Salvador. Na ocasião da multiplicação dos pães, Nosso Senhor deu aos apóstolos uma longa instrução sobre a Eucaristia.
    O povo regressava ao lugar onde Nosso Senhor tinha multiplicado o pão, e não o encontrando, foram para Cafarnaúm onde ele estava. Nosso Senhor quer educar os seus espíritos, e fala da Eucaristia: «Procurais-me, diz, porque fostes saciados; desejai antes o alimento da vida eterna, que o Filho do homem vos dará... os vossos pais comeram o maná, que chamavam o pão do céu. Mas o verdadeiro pão do céu não era esse, é aquele que o meu Pai vos dá. Sou eu, que sou o pão da vida... O pão que
    eu vos hei-de dar, é a minha carne imolada pela vida do mundo. Quem comer deste
    pão, viverá eternamente».
    Muitos discípulos encontraram esta linguagem estranha e foram-se embora. Mesmo os apóstolos não compreenderam e não retiveram este discurso. Mas S. João teve uma graça especial para o reter e reporta-o com uma veracidade tocante e uma grande unção no sexto capítulo do seu Evangelho. Nosso Senhor tinha querido
    prepará-lo muito particularmente para o dom da Eucaristia (Leão Dehon, OSP 3, p.
    409).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna!» (Jo 6, 68).

    S. Catarina de Sena, Virgem e doutora da Igreja, padroeira da Europa

    S. Catarina de Sena, Virgem e doutora da Igreja, padroeira da Europa


    29 de Abril, 2023

    S. Catarina nasceu em Sena, Itália, a 25 de Março de 1347. Dotada por Deus com graças especiais, desde a sua infância, cortou o cabelo e cobriu a cabeça com um véu branco, em sinal de consagração, quando tinha apenas 12 anos e pretendiam casá-la. Sofreu muito com essa decisão, mas manteve-se fiel. Vestiu o hábito das religiosas dominicanas, mantendo-se na família e na cidade, e dedicando-se ao exercício das obras de misericórdia e procurando restabelecer a paz entre as famílias desavindas. Sendo analfabeta, em breve começou a ditar a diversos amanuenses as suas experiências místicas, reflexões e conselhos. Ditou cartas para prelados, pais de família, magistrados, reis e até para o próprio Papa, que, nessa época, se encontrava em Avinhão, incitando-o a regressar a Roma. A 13 de Outubro de 1376 Gregório XI iniciou a viagem de regresso a Roma, acompanhado por Catarina. Depois da morte de Gregório XI, a santa foi conselheira do seu sucessor, Urbano VI. O seu ideal era pacificar a Pátria (a Itália) e purificar a Igreja. Faleceu, em Roma, a 29 de Abril de 1380. Com S. Brígida e S. Teresa Benedita da Cruz, é padroeira da Europa.
    Lectio
    Primeira leitura: Primeira de João 1, 5 - 2, 2

    Caríssimos: esta é a mensagem que ouvimos de Jesus e vos anunciamos: Deus é luz e nele não há nenhuma espécie de trevas. 6Se dizemos que temos comunhão com Ele, mas caminhamos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. 7Pelo contrário, se caminhamos na luz, como Ele, que está na luz, então temos comunhão uns com os outros e o sangue do seu Filho Jesus purifica-nos de todo o pecado. 8Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. 9Se confessamos os nossos pecados, Deus é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a iniquidade. 10Se dizemos que não somos pecadores, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós. 1Filhinhos meus, escrevo-vos estas coisas para que não pequeis; mas, se alguém pecar, temos junto do Pai um advogado, Jesus Cristo, o Justo, 2pois Ele é a vítima que expia os nossos pecados, e não somente os nossos, mas também os de todo o mundo.

    Jesus disse-nos que Deus é luz. O cristão deve caminhar na luz, que alegra, ilumina e é símbolo de tudo o que há de bom e puro (cf. Jo 3, 19-20). O contrário, o mal, é simbolizado pelas trevas. Mas, mais do que fazer especulações sobre a natureza de Deus, o autor da Carta lança as bases necessárias para extrair as implicações morais, que o fato de ser de Deus impõe ao cristão. Luz/trevas, bem/mal, verdade/mentira, graça/pecado... são incompatíveis, não podem estar juntos no mesmo sujeito. Mas, estar em comunhão com Deus e andar na luz não significa ser impecáveis. Também o cristão peca e tem consciência disso. A Igreja não é uma comunidade de puros e perfeitos, que nunca pecaram, mas uma comunidade que acredita que os seus pecados não são obstáculo permanente para nos aproximarmos de Deus. O pecado é superável pela ação de Deus em Cristo. É a partir dessa ação que surge o imperativo de lutar contra o pecado. Se o cristão se dá conta de que a sua comunhão com Deus foi quebrada pelo pecado, deve recordar que Jesus Cristo é seu intercessor e defensor diante do Pai. Mais ainda, que é o meio de expiação pelos pecados cometidos.
    Evangelho: Mateus 25, 1-13

    Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias. 5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: 'Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!' 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias. 8As insensatas disseram às prudentes: 'Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.' 9Mas as prudentes responderam: 'Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.' 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta. 11Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: 'Senhor, senhor, abre-nos a porta!' 12Mas ele respondeu: 'Em verdade vos digo: Não vos conheço.' 13Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora."

    A parábola de Jesus encerra uma dinâmica que leva a um evento culminante: o encontro das virgens com o esposo, decisivo para a sua felicidade ou infelicidade, irrevogável. Não sabemos quando será esse encontro, mas sabemos como prepará-lo. A parábola pretende ajudar-nos na preparação.
    As virgens, prudentes ou imprudentes, adormecem todas. A nossa vida tem momentos de flexão, de abaixamento do fervor, de relaxamento espiritual. Quando o Senhor não está presente é sempre noite, e é fácil que as provações e as preocupações da vida nos distraiam, dificultando-nos estar vigilantes. Mas a vigilância, mais do que um estado físico ou mental, é uma atitude do coração. É o que nos indica o Cântico dos Cânticos: "Durmo, mas o meu coração vigia!" (5, 2). Para estar prontos, de lâmpadas acesas, havemos de frequentar o Evangelho, para com ele alimentarmos os nossos pensamentos, os nossos sentimentos, a nossa ação, para vivermos a Palavra e perseverarmos na fé.
    Meditatio

    O v.1 do segundo capítulo da 1 Jo parece-nos particularmente adequado à memória de Santa Catarina de Sena, que hoje celebramos: "escrevo-vos estas coisas para que não pequeis" (2, 1). Como S. João, Santa Catarina de Sena escreveu para que fosse evitado o pecado. Entre as muitas cartas que escreveu, também se dirigiu aos padres para os incitar a viver em maior fidelidade ao Senhor, evitando as desordens, que ela notava, tais como a procura dos prazeres, o apego ao dinheiro... Ansiava por reconduzir todos à vivência da vida cristã, à fidelidade a Cristo: "escrevo-vos estas coisas para que não pequeis". Mas, sobretudo, estava convencida de que Jesus nos salvou pelo seu sangue, que temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo justo, vítima de expiação pelos nossos pecados: "o sangue do seu Filho Jesus purifica-nos de todo o pecado" (1 Jo 1, 8). Catarina tinha uma grande devoção ao sangue de Cristo, e falava dele muito frequentemente: fogo e sangue, fogo e sangue... Fogo do amor, alusão ao sangue de Cristo que nos cobre para nos lavar dos nossos pecados e nos unir na caridade divina.
    "Se caminhamos na luz, como Ele, que está na luz, então temos comunhão uns com os outros" (1 Jo 1, 7). Santa Catarina caminhava na luz. Mas a sua vida impecável não a separou dos pecadores, mas uniu-a profundamente a eles. Como aconteceu com tantas Santas, Catarina de Sena soube unir em si mesma a vocação de Marta e de Maria. Ao mesmo tempo, estava aos pés de Jesus, e mergulhada nas necessidades e lutas dos homens do seu tempo. Rezava, mas também se ocupava na reconciliação das fações em luta no seu país, de lançar a paz na igreja italiana, de fazer regressar o Papa de Avinhão a Roma, de que era bispo. Cuidou pessoalmente dos encarcerados, dos condenados, e andou por todo o lado. Vivia na paz do Senhor e na agitação do mundo.
    Hoje apetece-nos deixar-nos iluminar pela sua luz e permanecer aos pés de Santa Catarina, reconhecer nela a "filha da luz" de que nos fala a Escritura, para que "vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu" (Mt 5, 16). Gostamos de contemplá-la na sua incansável caminha ao encontro da Igreja e de Cristo, para nos deixarmos envolver nesse mesmo movimento. Olhando-a, parece-nos repetir, ela mesma, como que um convite ou mandato: "Ide ao seu encontro!" (v. 6).
    A exemplo de Santa Catarina de Sena, e conforme o desejo do P. Dehon, "sejam profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo" (Cst 7).
    Oratio

    Oh abismo, oh Trindade eterna, oh Divindade, oh mar profundo! Que mais podíeis dar do que dar-Vos a Vós mesmo? Sois um fogo que arde sempre e não se consome. Sois Vós que consumis com o vosso calor todo o amor profundo da alma. Sois um fogo que dissipa toda frialdade e iluminais as mentes com a vossa luz, aquela luz com que me fizestes conhecer a vossa verdade... Sois a veste que cobre toda minha nudez; e alimentais a nossa fome com a vossa doçura, porque sois doce sem qualquer amargor. Oh Trindade eterna. (S. Catarina de Sena).
    Contemplatio

    O coração da virgem de Sena partia-se diante dos crimes do mundo e das paixões humanas, que se agitavam como ondas tumultuosas, nos tempos difíceis em que vivia... Ela teria querido dar até à última gota do seu sangue pelos interesses de Nosso Senhor. Consumia a sua vida nas austeridades e na oração, oferecendo-se como que vítima das iniquidades da terra. Suportou longos sofrimentos, que somente a comunhão acalmava um pouco. Da quarta-feira de cinzas ao dia da Ascensão, não tomava nenhum alimento exceto a adorável Eucaristia. Nosso Senhor deu-lhe os seus estigmas sem os deixar aparecer. Exercia a caridade com heroísmo para com os pobres e os doentes. Um dia em que a sua natureza estava revoltada à vista de uma úlcera repugnante, levou até lá os lábios para vencer a sua sensibilidade. Nosso Senhor apareceu-lhe na noite seguinte, e para a recompensar descobriu-lhe a chaga do seu lado e permitiu-lhe que lhe aplicasse a sua boca. Nosso Senhor apresentou à sua escolha uma coroa de ouro enriquecida de pedrarias e uma coroa de espinhos. Ela escolheu a coroa de espinhos, a coroa da reparação. A humilde religiosa consumiu-se em caminhadas penosas para fazer cessar o cisma do Ocidente. Convenceu o Papa Gregório XI a deixar Avinhão para voltar a Roma. Ofereceu a sua vida pelo bem da Igreja e morreu santamente no dia 29 de Abril de 1382. (Leão Dehon, OSP 2, p. 494s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Escrevo-vos estas coisas para que não pequeis" (1 Jo 2, 1).
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    S. Catarina de Sena, virgem e doutora da igreja, padroeira da Europa (29 de Abril)

  • 04º Domingo da Páscoa - Ano A

    04º Domingo da Páscoa - Ano A


    30 de Abril, 2023

    ANO A
    4º Domingo da Páscoa

    Tema do 4º Domingo da Páscoa

    O 4º Domingo da Páscoa é considerado o "Domingo do Bom Pastor", pois todos os anos a liturgia propõe, neste domingo, um trecho do capítulo 10 do Evangelho segundo João, no qual Jesus é apresentado como "Bom Pastor". É, portanto, este o tema central que a Palavra de Deus põe hoje à nossa reflexão.
    O Evangelho apresenta Cristo como "o Pastor", cuja missão é libertar o rebanho de Deus do domínio da escravidão e levá-lo ao encontro das pastagens verdejantes onde há vida em plenitude (ao contrário dos falsos pastores, cujo objectivo é só aproveitar-se do rebanho em benefício próprio). Jesus vai cumprir com amor essa missão, no respeito absoluto pela identidade, individualidade e liberdade das ovelhas.
    A segunda leitura apresenta-nos também Cristo como "o Pastor" que guarda e conduz as suas ovelhas. O catequista que escreve este texto insiste, sobretudo, em que os crentes devem seguir esse "Pastor". No contexto concreto em que a leitura nos coloca, seguir "o Pastor" é responder à injustiça com o amor, ao mal com o bem.
    A primeira leitura traça, de forma bastante completa, o percurso que Cristo, "o Pastor", desafia os homens a percorrer: é preciso converter-se (isto é, deixar os esquemas de escravidão), ser baptizado (isto é, aderir a Jesus e segui-l'O) e receber o Espírito Santo (acolher no coração a vida de Deus e deixar-se recriar, vivificar e transformar por ela).

    LEITURA I - Actos 2,14a.36-41

    Leitura dos Actos dos Apóstolos

    No dia de Pentecostes,
    Pedro, de pé, com os onze Apóstolos,
    ergueu a voz e falou ao povo:
    «Saiba com absoluta certeza toda a casa de Israel
    que Deus fez Senhor e Messias
    esse Jesus que vós crucificastes».
    Ouvindo isto, sentiram todos o coração trespassado
    e perguntaram a Pedro e aos outros Apóstolos:
    «Que havemos de fazer, irmãos?»
    Pedro respondeu lhes:
    «Convertei vos e peça cada um de vós o Baptismo
    em nome de Jesus Cristo,
    para vos serem perdoados os pecados.
    Recebereis então o dom do Espírito Santo,
    porque a promessa desse dom é para vós,
    para os vossos filhos e para quantos, de longe,
    ouvirem o apelo do Senhor nosso Deus».
    E com muitas outras palavras os persuadia e exortava,
    dizendo: «Salvai vos desta geração perversa».
    Os que aceitaram as palavras de Pedro
    receberam o Baptismo,
    e naquele dia juntaram se aos discípulos
    cerca de três mil pessoas.

    AMBIENTE

    Continuamos no mesmo ambiente em que nos colocava a primeira leitura do passado domingo: em Jerusalém, na manhã do dia do Pentecostes. Pedro é o porta-voz de uma comunidade que, iluminada pelo Espírito, toma consciência da necessidade de testemunhar Jesus, a sua vida, a sua morte e a sua ressurreição. Diante dos habitantes de Jerusalém e dos forasteiros - idos das comunidades judaicas da "Diáspora" - reunidos para a festa judaica do "Savu'ot" (Pentecostes - a festa que celebrava a aliança do Sinai e o dom da Lei), a comunidade cristã apresenta o kerigma sobre Jesus e proclama a sua fé.
    Este discurso é uma construção do autor dos Actos e não uma transcrição textual das palavras de Pedro, nesse dia; no entanto, é razoável supor que, nesse momento inicial da caminhada da Igreja, o testemunho dos discípulos de Jesus não se afastou muito das ideias aqui apresentadas.

    MENSAGEM

    O texto que hoje nos é proposto apresenta-nos, sobretudo, uma catequese acerca da atitude correcta para acolher a proposta de salvação que Deus faz aos homens, por intermédio dos discípulos de Jesus.
    Os homens e mulheres que, no dia do Pentecostes, escutam o discurso de Pedro representam a comunidade do antigo Povo de Deus, destinatária primeira desse kerigma que a comunidade cristã primitiva é chamada a propor.
    Pedro, em nome da comunidade cristã, convida a comunidade do antigo Povo de Deus a reconhecer que rejeitou o "Senhor" (o "kyrios" - nome grego que traduz o "Adonai" hebraico - o nome dado pelos judeus a Jahwéh"), o "Messias" (isto é, o "ungido" de Deus, que veio concretizar as promessas de salvação e de libertação que Jahwéh tinha feito ao seu Povo) e a tirar daí as devidas consequências. Diante dessa interpelação, os ouvintes sentiram o coração "trespassado" (do verbo "katanyssô" - "afligir-se profundamente"). O verbo utilizado traduz o "pesar", o "sentir pontadas no coração", como remorso por ter feito algo contrário à justiça. É a atitude que conduz ao arrependimento e o primeiro passo para a mudança de vida, a "metanoia".
    O que é que vai resultar desse "remorso"? Antes de mais, os interlocutores de Pedro colocam-se numa atitude que manifesta total disponibilidade, face à interpelação que lhes é feita: "que havemos de fazer, irmãos?" É a atitude de quem reconhece a verdade das acusações que lhe são imputadas, de quem admite os seus erros e limitações e de quem está verdadeiramente disposto a reequacionar a vida, a corrigir os esquemas errados que têm orientado, até aí, a sua existência.
    Pedro, em nome de Jesus e da comunidade cristã, define o caminho que a adesão de Jesus propõe a cada crente: converter-se, ser baptizado, receber o Espírito Santo.
    A "conversão" ("metanoia") significa a mudança radical da mente, dos comportamentos, dos valores, de forma a que o coração do crente se volte de novo para Deus. No contexto neo-testamentário, mais especificamente, a "conversão" é a renúncia ao egoísmo e à auto-suficiência, e o aceitar a proposta de salvação que Deus faz através de Jesus. Implica o acolher Jesus como o salvador e segui-l'O, no caminho do amor, da entrega, do dom da vida.
    A adesão a Jesus traduz-se num gesto: o "receber o baptismo". "Pedir o baptismo" é reconhecer que Jesus tem uma proposta de salvação e vida nova, optar por essa vida nova que Jesus propõe e incorporar-se à comunidade dos que seguem Jesus.
    Receber o baptismo significa receber o Espírito Santo: ao optar por Cristo, o crente acolhe no seu coração a vida de Deus e a sua existência passa a ser animada por um dinamismo divino que, continuamente, o recria, o vivifica, o transforma.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir das seguintes questões:

    • Em cada linha da leitura que nos foi proposta, está presente a lógica de um Deus que não se conforma com o facto de os homens rejeitarem a sua oferta de salvação e que insiste em desafiá-los, em acordá-los, em questioná-los, até que eles percebam onde está a verdadeira vida e a verdadeira felicidade. Este Deus é, verdadeiramente, o Pastor que nos conduz para as nascentes de água viva.

    • Perante a interpelação que Deus faz, por intermédio de Pedro, os membros da comunidade judaica perguntam: "que havemos de fazer, irmãos?" É a atitude de quem toma, bruscamente, consciência dos caminhos errados que tem trilhado, percebe o sem sentido de certas opções, comportamentos e valores, aceita questionar as suas certezas e seguranças, para aceitar os desafios de Deus. Trata-se de uma atitude corajosa: é mais fácil continuar comodamente instalado na sua auto-suficiência, do que "dar o braço a torcer" e reconhecer, com humildade, a necessidade de eliminar os preconceitos, de refazer os esquemas mentais, de admitir as falhas, os limites, as incoerências. Aceito questionar-me, estou disposto a admitir os meus limites, procuro humildemente o caminho certo, ou sou daqueles que nunca me engano e raramente tenho dúvidas?

    • "Convertei-vos" - pede Pedro aos seus interlocutores. Converter-se é deixar os velhos esquemas de egoísmo, de prepotência, de orgulho, de auto-suficiência que tantas vezes constituem o cenário privilegiado em que se desenrola a vida, para ir atrás de Jesus e aprender com Ele a amar, a servir, a dar a vida. Estou disponível para encarar a minha vida sob o signo da conversão? O que é que, na minha vida, mais necessita de ser transformado, em termos de ideias, valores, comportamentos?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 22 (23)

    Refrão 1: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.

    Refrão 2: Aleluia.

    O Senhor é meu pastor: nada me falta.
    Leva me a descansar em verdes prados,
    conduz me às águas refrescantes
    e reconforta a minha alma.

    Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
    Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
    não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
    o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.

    Para mim preparais a mesa
    à vista dos meus adversários;
    com óleo me perfumais a cabeça
    e o meu cálice transborda.

    A bondade e a graça hão de acompanhar me
    todos os dias da minha vida,
    e habitarei na casa do Senhor
    para todo o sempre.

    LEITURA II - 1 Pedro 2,20b-25

    Leitura da Primeira Epístola de São Pedro

    Caríssimos:
    Se vós, fazendo o bem, suportais o sofrimento com paciência,
    isto é uma graça aos olhos de Deus.
    Para isto é que fostes chamados,
    porque Cristo sofreu também por vos,
    deixando vos o exemplo,
    para que sigais os seus passos.
    Ele não cometeu pecado algum
    e na sua boca não se encontrou mentira.
    Insultado, não pagava com injúrias;
    maltratado, não respondia com ameaças;
    mas entregava Se Àquele que julga com justiça.
    Ele suportou os nossos pecados
    no seu Corpo, no madeiro da cruz,
    a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça:
    pelas suas chagas fomos curados.
    Vós éreis como ovelhas desgarradas,
    mas agora voltastes para o pastor e guarda das vossas almas.

    AMBIENTE

    Continuamos com essa Primeira "Carta de Pedro", escrita por um autor desconhecido e dirigida, durante a década de 80, a comunidades cristãs de zonas rurais do interior da Ásia Menor. Trata-se de comunidades constituídas maioritariamente por pessoas provenientes do paganismo, de classe económica débil: muitos são camponeses que cultivam as terras dos senhores locais, pastores que cuidam de rebanhos alheios, ou mesmo escravos. Este ambiente torna-as altamente vulneráveis face à hostilidade que os defensores da ordem romana manifestam para com os cristãos.
    O autor da carta conhece perfeitamente a situação de debilidade em que estas comunidades estão e prevê que, num futuro próximo, o ambiente se vá tornar menos favorável ainda. Recorda, pois, aos destinatários da carta, o exemplo de Cristo, que sofreu e morreu, antes de chegar à ressurreição. É um convite à esperança: apesar dos sofrimentos que têm de suportar, os crentes estão destinados a triunfar com Cristo; por isso, devem viver com alegria e coragem o seu compromisso baptismal.
    O texto que nos é proposto integra uma perícopa em que o autor apresenta aos destinatários da carta um conjunto de conselhos práticos sobre a conduta que os cristãos devem assumir em várias situações da vida (cf. 1 Pe 2,11-5,11). Mais especificamente, o nosso texto reflecte sobre os deveres dos servos (cf. 1 Pe 2,18) face aos seus senhores.

    MENSAGEM

    No centro da catequese que aqui nos é proposta pelo autor da Primeira Carta de Pedro, está o exemplo de Cristo: Ele sofreu (vers. 21) sem ter feito mal nenhum (vers. 22); maltratado pelos inimigos, não respondeu com agressão e vingança (vers. 23); pelo dom da sua vida, eliminou o pecado que afastava os homens de Deus e uns dos outros (vers. 24); por isso, Ele é o Pastor que conduz e guarda os crentes (vers. 25).
    O texto está cheio de referências vétero-testamentárias. Para descrever a atitude de Cristo, o autor utiliza a letra do quarto cântico do "servo de Jahwéh" (cf. Is 53,4-9.12) - um texto que reflecte a experiência desse "servo sofredor" que "não cometeu pecado algum e em cuja boca não se encontrou mentira" (vers. 22; cfr. Is 53,9), que suportou pacientemente as injustiças e de cuja entrega resultou vida para o seu Povo. Provavelmente, estamos diante de um antiquíssimo hino cristão utilizado na liturgia primitiva, que comparava o sofrimento de Cristo ao sofrimento do "servo de Jahwéh" e o valor salvífico da morte de Cristo ao valor salvífico da morte do "servo".
    Por outro lado, o autor utiliza o motivo do "pastor" de Ez 34. Aí, o profeta falava de Deus como "o bom pastor", que havia de vir cuidar das suas ovelhas fracas, doentes e tresmalhadas. Ao ligar o tema do "pastor" com o tema do sofrimento de Cristo, o autor desta catequese está a sugerir que foi do sofrimento de Cristo que resultou vida e salvação para o rebanho de Deus.
    Do exemplo de Cristo, o autor da carta tira as consequências para a vida dos cristãos: como Cristo, os crentes são chamados a responder às ofensas e injustiças com bondade e mansidão. Isto é "uma graça aos olhos de Deus" (vers. 20b) - quer dizer, é uma atitude agradável a Deus e é uma atitude que resulta da graça de Deus. O autor da carta dirige-se explicitamente aos servos, aconselhando-os a suportar com paciência as provações a que são sujeitos pelos seus senhores. No entanto, ele pretendia, provavelmente, ir mais além e estender a sua exortação a todos os crentes... O cristão - seguidor desse Jesus que sofreu sem culpa e que suportou os sofrimentos com amor - deve rejeitar absolutamente o recurso à violência. É nessa atitude de bondade e de mansidão que se manifesta a graça de Deus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar as seguintes linhas:

    • Como devemos lidar com a injustiça e com a violência? Haverá uma violência justa e aceitável? Os fins justificam os meios? É a este tipo de questões que a nossa leitura responde. O autor não está interessado em grandes argumentações filosóficas, sociológicas ou teológicas: propõe apenas o exemplo de Cristo, que passou pelo mundo fazendo o bem e foi preso, torturado, assassinado sem resistir, sem Se revoltar, sem responder "na mesma moeda" aos seus assassinos. É uma lógica incompreensível, ou até mesmo demente, aos olhos do mundo... Mas é a lógica de Deus; e Jesus demonstrou que só este caminho conduz à ressurreição, à vida nova, a um dinamismo gerador de um mundo novo. O cristão é chamado a ser testemunha no meio dos homens desta novidade absoluta: só o amor gera vida nova e transforma o mundo.

    • Esta leitura apresenta Cristo como "o Pastor" que guarda e conduz as suas ovelhas. Neste contexto, em concreto, seguir o Pastor é responder à injustiça com o amor, ao mal com o bem. Cristo é, de facto, o meu "Pastor", a minha referência, o modelo de vida que eu tenho sempre diante dos olhos - tanto nesta como noutras questões? Quem é que eu ouço, quem é que eu sigo, quem é o meu modelo?

    ALELUIA - Jo 10,14

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o bom pastor, diz o Senhor:
    conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-Me.

    EVANGELHO - Jo 10,1-10

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo, disse Jesus:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    Aquele que não entra no aprisco das ovelhas pela porta,
    mas entra por outro lado,
    é ladrão e salteador.
    Mas aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas.
    0 porteiro abre lhe a porta e as ovelhas conhecem a sua voz.
    Ele chama cada uma delas pelo seu nome e leva as para fora.
    Depois de ter feito sair todas as que lhe pertencem,
    caminha à sua frente
    e as ovelhas seguem no, porque conhecem a sua voz.
    Se for um estranho, não o seguem, mas fogem dele,
    porque não conhecem a voz dos estranhos».
    Jesus apresentou lhes esta comparação,
    mas eles não compreenderam o que queria dizer.
    Jesus continuo: «Em verdade, em verdade vos digo:
    Eu sou a porta das ovelhas.
    Aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e salteadores,
    mas as ovelhas não os escutaram.
    Eu sou a porta.
    Quem entrar por Mim será salvo:
    é como a ovelha que entra e sai do aprisco e encontra pastagem.
    O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir.
    Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida
    e a tenham em abundância».

    AMBIENTE

    O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do "Bom Pastor". O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do "Messias" consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.
    A imagem do "Bom Pastor" não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do "pastor" e do "rebanho"). Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus "pastores", que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas - diz Ezequiel - o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um "Bom Pastor" (o "Messias"), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida.
    A catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o "Bom Pastor" sugere que a promessa de Deus - veiculada por Ezequiel - se cumpre em Jesus.

    MENSAGEM

    O texto que nos é proposto deve ser entendido no contexto mais amplo da denúncia da actuação dos dirigentes espirituais judeus. No episódio do cego de nascença (cf. Jo 9), tinha ficado claro que os dirigentes não estavam interessados em acolher a luz e em deixar que o Povo escolhesse a liberdade que Jesus oferecia. Em jeito de conclusão desse episódio, Jesus avisa os dirigentes de que veio chamá-los a juízo ("krima") por causa da sua má gestão como líderes do Povo de Deus (cf. Jo 9,39-41 - os versículos que antecedem o nosso texto): eles não só preferiram continuar nas trevas da sua auto-suficiência, como impedem o Povo que lhes foi confiado de descobrir a luz libertadora que Jesus lhes quer oferecer.
    O texto do Evangelho, que hoje nos é proposto, está dividido em duas partes, ou em duas parábolas.
    Na primeira parábola (cf. Jo 10,1-6), Jesus apresenta-se preferencialmente como "o Pastor", cuja acção se contrapõe a esses dirigentes judeus que se arrogam o direito de pastorear o "rebanho" do Povo de Deus, mas sem serem "pastores".
    Jesus não usa meias palavras: os dirigentes judeus são ladrões e bandidos (cf. Jo 10,1), que se servem das suas prerrogativas para explorar o Povo (ladrões) e usam a violência para o manter sob a sua escravidão (bandidos). Aproximam-se do Povo de Deus de forma abusiva e ilegítima, porque Deus não lhes confiou essa missão ("não entram pela porta"): foram eles que a usurparam. O seu objectivo não é o bem das "ovelhas", mas o seu próprio interesse.
    Ao contrário, Jesus é "o Pastor" que entra pela porta: ele tem um mandato de Deus e a sua missão foi-Lhe confiada pelo Pai. Em Ezequiel, o papel do "pastor" correspondia, em primeiro lugar, a Deus (cf. Ez 34,11-12.15) e ao futuro enviado de Deus, o "Messias" descendente de David (cf. Ez 34,23). Ao apresentar-se como Aquele "que entra pela porta", com autoridade legítima, Jesus declara-Se, implicitamente, o "Messias" enviado por Deus para conduzir o seu Povo e para o guiar para as pastagens onde há vida em plenitude. Ele entra no redil das "ovelhas" para cuidar delas, não para as explorar. A sua missão é libertá-las das trevas em que os dirigentes as trazem e conduzi-las ao encontro da luz libertadora (cf. Jo 10,2).
    Como é que Jesus exercerá a sua missão de "pastor"? Em primeiro lugar, irá chamar as "ovelhas". "Chama-as pelo seu nome", porque conhece cada uma e com cada uma quer ter uma relação pessoal de amor, de proximidade, de comunhão: para Jesus, não há "massas", mas pessoas concretas, com a sua identidade própria, com a sua riqueza, com a sua dignidade.
    Não obrigará ninguém a responder-Lhe; mas os que responderem ao seu chamamento farão parte do seu "rebanho". A esses, Jesus conduzi-los-á "para fora" (vers. 3): Jesus não veio instalar-Se na antiga instituição judaica, geradora de opressão e de escravidão; mas veio criar uma comunidade humana nova - a comunidade do novo Povo de Deus.
    Depois, o "pastor" caminhará "diante das ovelhas" e estas segui-l'O-ão (vers. 4). Ele indica-lhes o caminho, pois Ele próprio é "o caminho" (cf. Jo 14,6) que leva à vida plena. As "ovelhas" seguem-n'O: "seguir" traduz a atitude do discípulo, convidado a seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida, a fazer d'Ele a sua referência fundamental, a aderir a Ele de todo o coração. As "ovelhas" "escutam a sua voz", porque sabem que só a voz de Jesus as conduz, com segurança, ao encontro da vida definitiva.
    Na segunda parábola (cf. Jo 10,7-9), Jesus apresenta-Se como "a porta". Aqui, Ele já não é o pastor legítimo que passa pela porta, mas "a porta". O que é que Ele quer traduzir com esta imagem?
    A imagem pode aplicar-se aos líderes que pretendem ter acesso ao "rebanho", ou pode aplicar-se às próprias "ovelhas". No que diz respeito aos líderes, significa que ninguém pode ir ao encontro das "ovelhas" se não tiver um mandato de Jesus, se não tiver sido convidado por Jesus; e significa também que ninguém pode ir ao encontro das "ovelhas" se não tiver os mesmos sentimentos, a mesma atitude de Jesus (que não é a de explorar as "ovelhas", mas a de dar-lhes vida).
    No que diz respeito às "ovelhas", significa que Jesus é o único lugar de acesso para que as "ovelhas" possam encontrar as pastagens que dão vida. "Passar pela porta" que é Jesus significa aderir a Ele, segui-l'O, acolher as suas propostas. As "ovelhas" que passam pela porta que é Jesus (isto é, que aderem a Ele) podem passar para a terra da liberdade (onde não mandam os dirigentes que exploram e roubam), onde encontrarão "pastos" (vida em plenitude).
    O nosso texto termina com a reafirmação do contraste entre Jesus e os dirigentes: os líderes religiosos judaicos utilizam o "rebanho" para satisfazer os seus próprios interesses egoístas, despojam e exploram o povo; mas Jesus só procura que o seu "rebanho" encontre vida em plenitude.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na actualização da Palavra, os seguintes elementos:

    • Na nossa cultura urbana, a figura do "Pastor" é uma figura de outras eras, que pouco evoca, a não ser um mundo perdido de quietude e de amplos espaços verdes; em contrapartida, conhecemos bem a figura do presidente, do líder, do chefe: não raras vezes, é alguém que se impõe pela força, que manipula as massas, que escraviza os que estão sob a sua autoridade, que se aproveita dos fracos, que humilha os mais débeis... Ao propor-nos a figura bíblica do "Bom Pastor", o Evangelho convida-nos a reflectir sobre o serviço da autoridade... Propõe como modelo de presidência (ou de "Pastor") uma figura que oferece a vida, que serve, que respeita a liberdade das pessoas, que se dedica totalmente, que ama gratuitamente.

    • Para os cristãos, "o Pastor" por excelência é Cristo: Ele recebeu do Pai a missão de conduzir o "rebanho" de Deus das trevas para a luz, da escravidão para a liberdade, da morte para a vida. O nosso "Pastor" é, de facto, Cristo, ou temos outros "pastores" que nos arrastam e que são as referências fundamentais à volta das quais construímos a nossa existência? O que é que nos conduz e condiciona as nossas opções? Cristo? A voz do política e socialmente correcto? A voz da opinião pública? A voz do presidente do partido? A voz do comodismo e da instalação? A voz do preservar os nossos esquemas egoístas e os nossos privilégios? A voz do êxito e do triunfo a qualquer custo? A voz do herói mais giro da telenovela? A voz do programa de maior audiência da estação televisiva de maior audiência?

    • Atentemos na forma como Cristo desempenha a sua missão de "Pastor": Ele conhece as "ovelhas" e chama-as pelo nome, mantendo com cada uma delas uma relação única, especial, pessoal. Dirige-lhes um convite a deixarem a escuridão, mas não força ninguém a segui-l'O: respeita absolutamente a liberdade de cada pessoa. É dessa forma humana, tolerante, amorosa, que nos relacionamos com os outros? Aqueles que receberam de Deus a missão de presidir a um grupo, de animar uma comunidade, exercem a sua missão no respeito absoluto pela pessoa, pela sua dignidade, pela sua individualidade?

    • As "ovelhas" do rebanho de Jesus têm de "escutar a voz" do "Pastor" e segui-l'O... Isso significa, concretamente, tornar-se discípulo, aderir a Jesus, percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projectos de Deus e na doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso "Pastor" (Cristo) no caminho exigente do dom da vida, ou estamos convencidos que esse caminho não leva aonde nós pretendemos ir?

    • Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam. Podemos aceitar, sem problemas, que elas receberam essa missão de Cristo e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições; mas convém igualmente ter presente que o nosso único "Pastor", Aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Cristo. Os outros "pastores" têm uma missão válida, se a receberam de Cristo; e a sua actuação nunca pode ser diferente do jeito de actuar de Cristo.

    • Para que distingamos a "voz" de Jesus de outros apelos, de propostas enganadoras, de "cantos de sereia" que não conduzem à vida plena, é preciso um permanente diálogo íntimo com "o Pastor", um confronto permanente com a sua Palavra e a participação activa nos sacramentos onde se nos comunica essa vida que "o Pastor" nos oferece.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4º DOMINGO DA PÁSCOA
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo da Páscoa, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. DIA DAS VOCAÇÕES.
    Domingo do Bom Pastor, Dia Mundial de Oração pelas Vocações... A introdução à celebração deve ter em conta essa intenção. Para envolver a comunidade neste dinamismo vocacional, é bom recolher algum material preparado pelos animadores de centros vocacionais, que ajudem à oração, à reflexão e ao compromisso. O próprio Salmo 22 deve ser cuidado de modo especial. Ele não somente canta o Bom Pastor, mas é o salmo da iniciação cristã (alusão à água, à unção, à mesa). O cântico de entrada poderia ser um texto relacionado com este salmo.

    3. A PARÁBOLA DAS 4 PORTAS.
    Neste dia em que a porta tem uma função essencial de saída e entrada (a tal porta que é Cristo), a seguinte parábola, adapatda de Henri Denis, pode ajudar-nos a renovar o dinamismo da nossa vocação.
    "A Igreja é um templo com 4 portas.
    Jesus de Nazaré, o Cristo, é a sua pedra angular.
    Sobre esta pedra, colocaram-se os alicerces:
    a fé de Maria, o ensino dos Apóstolos.
    O templo foi-se edificando com pedras vivas.
    A construção é permanente durante séculos e séculos.
    Este templo é a Igreja: somos o templo do Deus vivo.
    A entrada no templo dá-se através de 2 portas.
    Uma chama-se MISTÉRIO, a outra INSTITUIÇÃO.
    Porém, quem entra no templo, é logo convidado a sair.
    As portas de saída também são duas.
    Uma chama-se MISSÃO, a outra REINO.
    No templo, entra-se para sair e sai-se para entrar.
    Não é um cofre, nem uma arca, nem um bunker.
    Nem sequer um paraíso,
    nem uma mera ponte ou um edifício ornamental.
    No templo, nota-se um admirável dinamismo,
    onde se harmoniza o aparentemente contraditório.
    Todos estão a caminho, em permanente movimento.
    No templo, há dois eixos:
    o centrípeto, para o qual conduzem as portas de entrada
    (criam comunhão e identidade)
    e o centrífugo, para o qual conduzem as portas de saída
    (responsável pela dispersão da Igreja e sua missão no mundo).
    Cada um pode escolher, para começar,
    a porta de que mais gostar,
    a que lhe pareça mais fácil e acessível,
    mas com a condição de ir buscar em seguida
    as chaves das outras portas".

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Chamados a ser a fazer... Alguns escolheram o seu estado de vida, outros não escolheram, mas procuram assumi-lo: pensemos nas pessoas viúvas, dicorciadas, celibatárias. A Igreja enriquece-se com esta variedade de estados de vida: vida consagrada na vida religiosa ou num instituto secular, vida conjugal, celibato. Todos somos chamados a tornarmo-nos em cada dia um pouco mais santos. Tal é a nossa vocação comum a todos. A Igreja cumpre a sua missão graças àqueles que asseguram um serviço. Há o ministério ordenado (padres ou diáconos), o serviço do anúncio da Boa Nova para lá de todas as fronteiras (missionários) e todos os serviços prestados pelos leigos nos domínios da catequese, da liturgia, da acção caritativa, do testemunho. Nem todos somos chamados a ser padres, diáconos ou missionários. Mas somos todos chamados a servir no mundo e na Igreja!

    5. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Jesus, manifestado como Cristo e Senhor pela tua ressurreição. Por Ti damos graças a Deus nosso Pai pelo baptismo na tua Igreja, pelo perdão dos pecados e pelo dom do Espírito Santo.
    Nós Te pedimos por todos os nossos irmãos e irmãs que procuram conhecer-Te: converte os seus corações à tua Palavra, para que possam aproximar-se do baptismo.

    No final da segunda leitura:
    Deus nosso Pai, nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus, porque suportou os nossos pecados no madeiro da cruz, a fim de que nós possamos morrer a tudo o que é mal e viver na justiça.
    Nós éramos errantes como ovelhas, mas por Jesus Tu nos procuraste, e nós pudemos regressar para junto do pastor que vela por nós. Cura-nos das feridas do mal.

    No final do Evangelho:
    Nós Te damos graças, Jesus, Pastor do teu povo, que caminhas à frente da tua Igreja. Nós Te bendizemos, Tu que és a Porta das ovelhas, Tu que vieste para que tenhamos a vida em abundância.
    Nós Te pedimos por todos os teus fiéis: Tu que chamas cada um de nós pelo nome, torna-nos atentos à tua voz, que nos fazes ouvir na tua Igreja pela leitura dos Evangelhos.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III para a Assembleia com Crianças, em harmonia com o Evangelho, que contém duas passagens próprias do tempo pascal.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Eu sou o bom pastor. Nesta semana, tomemos tempo para caminhar ao ritmo do Pastor que nos conhece e que chama cada um de nós pelo próprio nome. E nós escutaremos a sua voz, saboreando o magnífico Salmo 22: «O Senhor é meu pastor, nada me falta». Durante a semana procuremos também rezar pela fidelidade à vocação a que o Senhor nos chama e por todas as outras vocações...

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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