ANO B
15.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
Tema do 15.º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 15.º Domingo do Tempo Comum mostra-nos como é que se concretiza a intervenção de Deus no mundo e na história humana. Ele chama homens e mulheres e, através deles, indica caminhos, corrige os passos mal andados, transforma o mundo, deixa-nos uma oferta de salvação e de Vida. Os seus “enviados” são arautos e sinais da bondade e do amor de Deus no mundo dos homens.
A primeira leitura mostra-nos um profeta chamado Amós a atuar, em nome de Deus, no santuário real de Betel. Convocado e enviado por Deus, Amós denuncia um culto vazio e estéril, refém de interesses políticos e aliado da injustiça, que não liberta nem salva. Coerente e livre, sem cedências a compromissos rasteiros, Amós é “voz” de Deus que ecoa no mundo e questiona os homens.
O Evangelho mostra Jesus a enviar doze dos seus discípulos em missão. Essa missão – que está no prolongamento da própria missão de Jesus – consiste em anunciar o Reino de Deus e em lutar contra tudo aquilo que ameaça a Vida e a felicidade dos homens. Os enviados de Jesus como arautos de um mundo novo, devem evitar tudo o que pode atrasar ou condicionar a missão que lhes foi confiada.
A segunda leitura, a pretexto de nos apresentar “o mistério” da salvação, recorda-nos que pertencemos a Deus e fomos destinados para o seu serviço. Somos, portanto, convidados a acolher os projetos que Deus tem para nós e para o mundo, e a concretizá-los com verdade, fidelidade e radicalidade.
LEITURA I – Amós 7,12-15
Naqueles dias,
Amasias, sacerdote de Betel, disse a Amós:
«Vai-te daqui, vidente.
Foge para a terra de Judá.
Aí ganharás o pão com as tuas profecias.
Mas não continues a profetizar aqui em Betel,
que é o santuário real, o templo do reino».
Amós respondeu a Amasias:
«Eu não era profeta, nem filho de profeta.
Era pastor de gado e cultivava sicómoros.
Foi o Senhor que me tirou da guarda do rebanho e me disse:
‘Vai profetizar ao meu povo de Israel’».
CONTEXTO
Amós, o “profeta da justiça social”, exerceu o seu ministério profético no reino do Norte (Israel) em meados do séc. VIII a.C. (possivelmente, por volta de 762 a. C.), durante o reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade económica e de estabilidade política: as conquistas de Jeroboão II alargaram consideravelmente os limites do reino e permitiram a entrada de tributos dos povos vencidos; o comércio e a indústria (mineira e têxtil) desenvolveram-se significativamente… As habitações da burguesia urbana atingiram um luxo e magnificência até então desconhecidos.
A prosperidade e o bem-estar das classes favorecidas contrastavam, porém, com a miséria de uma parte significativa da população do país. O sistema de distribuição estava nas mãos de comerciantes sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar económico, especulavam com os preços. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as famílias de menores recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das suas terras em favor dos grandes latifundiários. A classe dirigente, rica e poderosa, dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse justiça aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos poderosos.
Entretanto, a religião florescia num esplendor ritual nunca visto. Magníficas festas, abundantes sacrifícios de animais, um culto esplendoroso, marcavam a vida religiosa dos israelitas… O problema é que esse culto não tinha nada a ver com a vida: no dia a dia, os mesmos que participavam nesses ritos cultuais majestosos praticavam injustiças contra o pobre e cometiam toda a espécie de atropelos ao direito. Mais ainda: os ricos ofereciam a Deus abundantes ofertas, a fim de serenar as suas consciências culpadas e assegurar a cumplicidade de Deus para os seus negócios escuros… Além disso, a influência da religião cananeia estava a levar os israelitas para o sincretismo religioso: o culto a Javé misturava-se com rituais pagãos provenientes dos cultos a Baal e Astarte. Essa confusão religiosa punha em sérios riscos a pureza da fé javista.
É neste contexto que aparece o profeta Amós. Natural de Técua (uma pequena aldeia situada no deserto de Judá), Amós não é profeta de profissão; mas, chamado por Deus, deixa a sua terra, o seu trabalho e a sua família e parte para o reino vizinho (Israel) para gritar à classe dirigente a sua denúncia profética. A rudeza do seu discurso, aliada à integridade e afoiteza da sua fé, traz algo do ambiente duro do deserto e contrasta com a indolência e o luxo da sociedade israelita da época.
O episódio que a primeira leitura deste décimo quinto domingo comum nos relata leva-nos até ao santuário de Betel, no centro da Palestina. Trata-se de um lugar considerado sagrado, desde tempos imemoriais. De acordo com Gn 35,1-8, Jacob construiu aí um altar e dedicou-o a Javé. Mais tarde, Betel aparece como o local onde se reúne a assembleia de “todo o Israel” para “consultar Deus” (cf. Jz 20,18), para chorar diante de Deus a sua infelicidade (cf. Jz 20,26) e para se encontrar com Deus (cf. Jz 21,2). Tudo isto reflete a importância cultual do lugar.
Quando o Povo de Deus se dividiu em dois reinos, após a morte de Salomão (932 a.C.), os reis do norte (Israel) potenciaram o culto em Betel, para impedir que os seus súbditos se deslocassem a Jerusalém, situada no reino inimigo do sul (Judá), para se encontrarem com Deus. Então, Betel transformou-se numa espécie de “santuário oficial” do regime, onde o culto era financiado, em grande parte, pelo próprio rei. O sacerdote que presidia ao culto era uma espécie de “funcionário real”, encarregado de zelar para que os interesses do rei fossem defendidos, nesse local por onde passava uma parte significativa dos fiéis de Israel. Na época em que Amós exerce o seu ministério profético em Betel, o sacerdote encarregado do santuário era um tal Amasias.
Betel foi, portanto, um dos lugares onde se ouviu a denúncia profética de Amós. Aí o profeta criticou as injustiças cometidas pelo rei e pela classe dirigente; aí denunciou um culto que era aliado da injustiça e que procurava comprometer Deus com os esquemas corruptos dos poderosos.
MENSAGEM
O nosso texto descreve o confronto entre o sacerdote Amasias e o profeta Amós. É um texto fundamental para entendermos a missão do profeta, a sua liberdade face aos interesses do mundo e dos poderes instituídos.
O sacerdote Amasias é o homem da religião oficial, enfeudada aos interesses do rei e da ordem estabelecida, comprometida com o poder político. Para ele, o que interessa é manter intocável um sistema que assegura benefícios mútuos, quer ao trono, quer ao altar. Nesse sistema, o rei é o guardião supremo da ordem instituída e não há lugar (nem necessidade) de uma intervenção que ponha em causa a ordem social vigente. A tarefa da religião é, na perspetiva de Amasias, proteger e legitimar os interesses do rei; em troca, o rei sustenta o santuário. Trono e religião são, assim, cúmplices ligados por interesses mútuos, que fazem tudo para manter situação o “statu quo” e os privilégios da classe dirigente. O próprio Amasias tem muito a perder, se as coisas não correrem bem, já que é um funcionário real cuja função é defender os interesses do rei. A religião de Amasias é uma religião escrava dos interesses, que se ajoelha diante dos poderosos e que está completamente fechada aos desafios de Deus (que, se fossem escutados e acolhidos, poderiam desarranjar o sistema). Nesta perspetiva, a denúncia de Amós soa a rebelião contra os interesses enlaçados do poder e da religião, a doutrina subversiva que põe em causa as estruturas e que abala os fundamentos da ordem estabelecida. Por isso, há que usar toda a força do sistema para calar a voz incómoda do profeta. Amós é, portanto, denunciado, convidado a deixar o santuário e a voltar à sua terra para “ganhar aí o seu pão”.
A resposta de Amós deixa claro que o profeta é um homem livre, que não atua por interesses humanos (próprios ou alheios), mas por mandato de Deus. A iniciativa de ser profeta não foi sua… Deus é que veio ao seu encontro, interrompeu a normalidade da sua vida e convocou-o para a missão. De resto, a profecia não é, para ele, uma ocupação profissional, ou uma forma de realizar interesses pessoais. Amós é profeta porque Deus irrompeu na sua vida com uma força irresistível, tomou conta dele e enviou-o a Israel. O profeta não está, portanto, preocupado com os interesses do rei ou com os interesses do sacerdote Amasias, ou com a perpetuação de uma ordem social injusta e opressora… Ele foi convocado para ser a voz de Deus e só lhe interessa cumprir a missão que Deus lhe confiou. Doa a quem doer, é isso que Amós procurará fazer. Ele não pode, nem quer ficar calado… A sua missão (ainda que isso custe a Amasias e ao rei) tem autoridade por si própria, porque vem de Deus e Deus é infinitamente maior do que o rei. Munido dessa autoridade (que não só o legitima na sua ação profética, mas até o obriga a ser fiel à missão que lhe foi confiada), Amós anuncia (num desenvolvimento que o texto que nos é proposto não conservou – cf. Am 7,16-17) o castigo para o rei, para Amasias e para toda a nação infiel.
INTERPELAÇÕES
- O nosso caminho de todos os dias está semeado de obstáculos que nos fazem tropeçar, que nos mergulham no medo, que nos roubam a esperança. Sentimo-nos, a cada passo, inseguros e desprotegidos, sem saber por onde vamos e que garantias temos de chegar a porto seguro. Nesses momentos lembramo-nos de Deus e perguntamo-nos por onde andará Ele… Será que Deus desistiu de nós? Será que Ele fica indiferente diante dos nossos pequenos e grandes dramas? Será que Deus se recusa a interferir na história dos homens e assiste às nossas escolhas erradas sem mexer um dedo? O fenómeno profético diz-nos que Deus não se alheou da história e da vida dos seres humanos. Através dos “profetas”, Ele continua a vir ao nosso encontro, a falar-nos, a indicar-nos caminhos, a tentar dissuadir-nos de escolher caminhos de violência e de morte, a apontar-nos o sem sentido dos nossos valores errados, a abrir-nos horizontes de esperança. Os profetas são a voz e o rosto da solicitude de Deus pelos seus queridos filhos e filhas que peregrinam na terra. Estamos dispostos a escutar os profetas que nos trazem as indicações e propostas de Deus, mesmo quando a mensagem que proclamam vai contra a corrente e exige de nós tomadas de posição incómodas?
- O profeta é um homem de Deus. Escolhido por Deus, chamado por Deus, enviado por Deus, legitimado por Deus, o profeta tem Deus como a sua referência fundamental. Nenhuma pessoa se torna profeta por iniciativa própria ou para veicular propostas próprias. O profeta existe a partir de Deus e em função do serviço de Deus. Por isso, para ser um verdadeiro profeta, Ele deve manter uma ligação fundamental a Deus: deve escutar Deus e manter com Deus um diálogo permanente, a fim de conseguir discernir os projetos de Deus, antes de ir dizê-los aos homens. O profeta é, portanto, o homem da oração e da escuta da Palavra de Deus. Tem de manter uma ligação muito forte a Deus. Ora, nós crentes fomos constituídos profetas pelo Batismo. Foi-nos confiada a missão de dar testemunho de Deus e dos seus planos no mundo. Deus é a nossa referência? Encontramos tempo para falar com Ele, para escutar a sua Palavra, para tentar discernir os seus projetos?
- Amasias é o homem comodamente instalado nos seus privilégios e benesses, que cala a voz da própria consciência porque tem muito a perder e não quer arriscar; Amós é o profeta livre da preocupação com os bens materiais, que não está preocupado com a defesa dos próprios interesses, mas sim com a defesa intransigente dos interesses dos pobres e marginalizados, que são os interesses de Deus. A diferença entre os dois é a diferença entre aquele para quem os valores materiais são a prioridade fundamental e aquele para quem os valores de Deus são a prioridade fundamental. O verdadeiro profeta não pode colocar os bens materiais como a sua prioridade fundamental; se isso acontecer, perderá a sua liberdade profética e tornar-se-á um escravo de quem lhe paga. Enquanto profetas, quais são as nossas prioridades? Os interesses materiais, a salvaguarda da nossa posição ou da nossa imagem, a vontade de não ferir suscetibilidades, o comodismo e a instalação alguma vez nos impediram de cumprir a nossa missão profética?
- Este texto fala-nos também da promiscuidade entre a religião e o poder. Trata-se de uma combinação que não produz bons frutos (como, aliás, a história da Igreja tem demonstrado nas mais diversas épocas e lugares). A Igreja, para poder exercer com fidelidade a sua missão profética, tem de evitar colar-se aos poderosos e depender deles, sob pena de ser infiel à missão que Deus lhe confiou. Uma Igreja que está preocupada em não incomodar o poder para manter privilégios fiscais, ou para continuar a receber dinheiro para as instituições que tutela, será uma Igreja escrava, de mãos atadas, dependente, que está longe de Jesus Cristo e da sua proposta libertadora. Como vemos a missão profética que a Igreja é chamada a viver no mundo? Na nossa avaliação, essa missão vai-se cumprindo sem desvios nem transigências, na fidelidade radical ao Evangelho de Jesus?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)
Refrão 1: Mostrai-nos, Senhor, o vosso amor
e dai-nos a vossa salvação.
Refrão 2: Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia.
Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis
e a quantos de coração a Ele se convertem.
A sua salvação está perto dos que O temem
e a sua glória habitará na nossa terra.
Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
abraçaram-se a paz e a justiça.
A fidelidade vai germinar da terra
e a justiça descerá do Céu.
O Senhor dará ainda o que é bom,
e a nossa terra produzirá os seus frutos.
A justiça caminhará à sua frente
e a paz seguirá os seus passos.
LEITURA II – Efésios 1,3-14
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que do alto dos Céus nos abençoou
com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.
N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo,
para sermos santos e irrepreensíveis,
em caridade, na sua presença.
Ele nos predestinou, de sua livre vontade,
para sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo,
para que fosse enaltecida a glória da sua graça,
com a qual nos favoreceu em seu amado Filho.
N’Ele, pelo seu sangue,
temos a redenção, a remissão dos pecados.
Segundo a riqueza da sua graça,
que Ele nos concedeu em abundância,
com plena sabedoria e inteligência,
deu-nos a conhecer o mistério da sua vontade:
segundo o beneplácito que n’Ele de antemão estabelecera,
para se realizar na plenitude dos tempos:
instaurar todas as coisas em Cristo,
tudo o que há nos Céus e na terra.
Em Cristo fomos constituídos herdeiros,
por termos sido predestinados,
segundo os desígnios d’Aquele que tudo realiza
conforme a decisão da sua vontade,
para servir à celebração da sua glória,
nós que desde o começo esperámos em Cristo.
Foi n’Ele que vós também,
depois de ouvirdes a palavra da verdade,
o Evangelho da vossa salvação,
abraçastes a fé e fostes marcados pelo Espírito Santo prometido,
que é o penhor da nossa herança,
para a redenção do povo que Deus adquiriu
para louvor da sua glória.
CONTEXTO
A cidade de Éfeso, capital da Província romana da Ásia, estava situada na costa ocidental da Ásia Menor, a cerca de três quilómetros a sudoeste da moderna Selçuk, na província de Esmirna (Turquia). Era um dos principais centros comerciais e religiosos do mundo antigo. O seu importante porto e a sua numerosa população faziam de Éfeso uma cidade florescente. Era famosa pelo templo de Artémis, considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo, e pelo imponente teatro, que levava cerca de 25.000 pessoas.
Paulo passou em Éfeso no final da sua segunda viagem missionária (cf. Act 18,19-21). Mas foi mais tarde, durante a sua terceira viagem missionária, que ele se deteve na cidade (cf. At 19,1). Encontrou lá alguns cristãos escassamente preparados. Paulo procurou instruí-los e dar-lhes uma adequada formação cristã. De acordo com o Livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo permaneceu na cidade durante um longo período (mais de dois anos, segundo At 19,10), ensinando na sinagoga e, depois, na “escola de Tirano” (At 19,9). Assim, reuniu à sua volta um número considerável de pessoas convertidas ao “Caminho” (At 19,9.23). Paulo viveu em Éfeso alguns momentos delicados, como o tumulto que se levantou contra ele quando foi acusado pelos comerciantes efésios de estar a destruir a fé em Artémis, pondo em causa o negócio de imagens da deusa (cf. Ef 19,23-40). Ainda de acordo com o autor dos Atos, foi aos anciãos da Igreja de Éfeso que Paulo confiou, em Mileto (cf. At 20,17-38), o seu testamento espiritual, apostólico e pastoral, antes de ir a Jerusalém, onde acabaria por ser preso. Tudo isto faz supor uma relação muito estreita entre Paulo e a comunidade cristã de Éfeso.
Curiosamente, a carta aos Efésios é bastante impessoal e não reflete essa relação. Alguns dos comentadores dos textos paulinos duvidam, por isso, que esta carta venha de Paulo. Outros, porém, acreditam que o texto que chegou até nós com o nome de “Carta aos Efésios” é um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, inclusive à comunidade cristã de Éfeso.
Em qualquer caso, a Carta aos Efésios apresenta-se como uma carta escrita por Paulo, numa altura em que o apóstolo está na prisão (em Roma?). O seu portador teria sido um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns veem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que Paulo considerava ter terminado a sua missão no oriente. O tema mais importante da carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.
O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É um hino litúrgico que deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado aqui por Paulo. Pertence ao género da “bênção”, muito frequente na liturgia judaica. Expressa o louvor e o reconhecimento pelo maravilhoso projeto de salvação que Deus pôs em marcha. O hino tem uma estrutura trinitária: refere o projeto do Pai (cf. Ef 1,3-6), concretizada pelo Filho (cf. Ef 1,7-12), e selado do Espírito (cf. Ef 1,13-14).
MENSAGEM
A maravilhosa doxologia que a segunda leitura deste décimo quinto domingo comum nos apresenta pode dividir-se em três partes. Dirige-se a Deus, pois Ele é a fonte última de todas as graças concedidas aos homens.
Na primeira parte (vers. 3-6), refere-se, sempre em contexto de louvor, a ação de Deus. O Pai, no seu amor infinito, cumulou-nos das suas bênçãos. Ele elegeu-nos desde sempre (“antes da criação do mundo”). Elegeu-nos para quê? Para sermos “santos e irrepreensíveis”. A palavra “santo” indica a situação de alguém que foi separado do mundo e consagrado a Deus, para o serviço de Deus; a palavra “irrepreensível” era usada para falar das vítimas oferecidas em sacrifício a Deus, que deviam ser imaculadas e sem defeito… Significa, pois, uma santidade (isto é, uma consagração a Deus) verdadeira e radical, que não é meramente externa, mas toca o mais profundo do nosso ser.
Mas, além de nos eleger, o Pai predestinou-nos “para sermos seus filhos adotivos”. Através de Cristo, o Pai ofereceu-nos a sua Vida e convidou-nos a integrar a sua família na qualidade de filhos. Essa adoção torna-nos participantes da própria natureza de Deus. Tanto a “eleição” como a “adoção como filhos” resultam do imenso amor de Deus por nós, um amor que é gratuito, incondicional e radical. Respondemos a esta extraordinária iniciativa de Deus, aos seus dons maravilhosos, com o louvor e a ação de graças.
Na segunda parte (vers. 7-12), o autor do hino reflete sobre a ação de Cristo no projeto salvador de Deus em favor dos homens. Cumprindo o projeto do Pai, Cristo veio ao nosso encontro e apontou-nos caminhos de Vida nova. Ofereceu a sua vida até à morte para nos mostrar a Vida de Deus. Derramou o seu sangue para nos libertar do egoísmo, do pecado e de tudo aquilo que nos leva à morte. Com a sua vida e com a sua morte, ensinou-nos a viver no amor, no amor total e radical.
Mas Cristo fez mais: com a sua vida e com a sua entrega, mostrou-nos o amor que o Pai nos tem e deu-nos a conhecer o “mistério” da sua vontade. O conceito paulino de “mistério” designa o projeto salvador de Deus, oculto durante muitos séculos, mas revelado aos homens na vida, nas palavras e nos gestos de Jesus Cristo. O objetivo final do projeto de Deus é “instaurar todas as coisas em Cristo, tudo o que há nos Céus e na terra”, de modo que, na plenitude dos tempos, Cristo seja o centro para o qual tudo converge e à volta do qual tudo se articula, em total harmonia.
Aqueles que aderem a Cristo e aceitam viver de acordo com as suas propostas (os que ouviram “a palavra da verdade, o Evangelho da salvação” e abraçaram a fé) entram na família de Deus e tornam-se filhos adotivos de Deus, herdeiros dos bens eternos. Para isso fomos eleitos e predestinados desde toda a eternidade.
Na terceira parte (vers. 13-14) fala-se da ação do Espírito Santo em nós. Quem adere a Jesus e vai atrás d’Ele, recebe o Espírito Santo. O Espírito reside em nós, sela a nossa adesão a Cristo e à Vida que Ele nos veio oferecer, anima-nos no caminho do seguimento de Cristo e garante-nos que um dia participaremos da Vida definitiva, da Vida de Deus.
INTERPELAÇÕES
- Em pleno séc. XXI temos consciência, mais do que em qualquer outra época da história, das dimensões inabarcáveis deste universo, sempre em contínua expansão, onde Deus nos colocou. E nós, ao olhar para a imensidão do cosmos, sentimos especialmente a nossa pequenez de criaturas, finitas e limitadas; sentimo-nos pequenos grãos de pó perdidos num espaço cujos contornos nunca conseguiremos totalmente abarcar. Qual o nosso lugar e o nosso papel nesta fantástica arquitetura de Deus? Qual o nosso lugar no projeto de Deus para o universo? A propósito de tudo isto, o autor da Carta aos Efésios diz-nos algo muito belo e motivador: não somos um acidente de percurso na evolução inexorável do cosmos, nem somos imprestáveis grãos de pó perdidos na imensidão do universo; mas somos atores principais de uma história de amor que o nosso Deus sonhou e quis viver connosco… Deus “elegeu-nos” desde sempre, deu-nos um papel e um lugar centrais no seu projeto; e, ao longo da história, nunca se cansou de vir ao nosso encontro e de procurar relacionar-se connosco. No meio das nossas desilusões e dos nossos sofrimentos, da nossa finitude e do nosso pecado, dos nossos medos e dos nossos dramas, não esqueçamos que somos filhos amados de Deus, a quem Ele oferece continuamente a Vida definitiva, a verdadeira felicidade. Esta certeza alimenta a nossa peregrinação pela terra? Somos gratos a Deus por nos ter escolhido e amado, louvamo-l’O pela sua bondade e pelo seu amor?
- De acordo com o autor da Carta aos Efésios, Deus “elegeu-nos… para sermos santos e irrepreensíveis”. Os “santos” são aqueles que pertencem ao Deus santo, são aqueles que Deus chamou e consagrou para o seu serviço. Ora, essa consagração a Deus tem sempre implicações práticas. Requer que vivamos atentos a Deus, procurando descobrir e acolher os projetos que Ele tem para nós e para o mundo; implica procurarmos concretizar esses projetos, com verdade, fidelidade e radicalidade… Caminhamos pela vida conscientes desse chamamento que nos é feito à santidade? No meio das solicitações do mundo e das exigências da nossa vida profissional, social e familiar, conseguimos encontrar tempo para Deus, para dialogar com Ele e para tentar perceber os seus projetos e propostas? Temos disponibilidade e vontade de concretizar a “obra de Deus”, mesmo quando ela não parece conciliável com os nossos interesses pessoais?
- O hino da Carta aos Efésios que a liturgia deste domingo nos trouxe afirma a centralidade de Cristo nesta história de amor que Deus quis viver connosco… Jesus veio ao nosso encontro, mostrou-nos o amor que o Pai nos tem e deu-nos a conhecer o “mistério” da sua vontade. Ele apontou-nos o caminho que devemos percorrer para nos tornarmos “filhos de Deus”, herdeiros da Vida eterna. Cristo, o nosso irmão, o Deus que se fez um de nós e caminhou no meio de nós, é a nossa grande referência. Estamos conscientes disso e caminhamos atrás de Jesus, sem o perder de vista? As suas palavras e os seus gestos são para nós a suprema indicação do caminho que devemos percorrer? Aqueles que caminham pelo mundo ao nosso lado encontram nos nossos gestos e atitudes sinais vivos do amor de Deus revelado em Jesus?
ALELUIA – cf. Efésios 1,17-18
Aleluia. Aleluia.
Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
ilumine os olhos do nosso coração,
para sabermos a que esperança fomos chamados.
EVANGELHO – Marcos 6,7-13
Naquele tempo,
Jesus chamou os doze Apóstolos
e começou a enviá-los dois a dois.
Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros
e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
a não ser o bastão:
nem pão, nem alforge, nem dinheiro;
que fossem calçados com sandálias,
e não levassem duas túnicas.
Disse-lhes também:
«Quando entrardes em alguma casa,
ficai nela até partirdes dali.
E se não fordes recebidos em alguma localidade,
se os habitantes não vos ouvirem,
ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés
como testemunho contra eles».
Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento,
expulsaram muitos demónios,
ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.
CONTEXTO
Desde os primeiros instantes do seu ministério apostólico, Jesus aparece rodeado de discípulos. Esses discípulos – alguns pescadores do lago de Tiberíades, um cobrador de impostos chamado Mateus, um zelota chamado Simão, entre outros – formavam um grupo bastante heterogéneo. Eram homens e mulheres de origens diversas que tinham abandonado, pelo menos durante algum tempo, as suas casas, as suas famílias, as suas profissões, para acompanhar Jesus na sua atividade de profeta itinerante, pelas aldeias e vilas da Galileia. Eles seguiam Jesus, partilhavam a Sua vida, escutavam a mensagem que Ele ia repetindo de terra em terra, admiravam-se com os gestos curadores que Ele fazia, surpreendiam-se com a forma como Ele acolhia os pecadores e aqueles que a sociedade condenava, ajudavam-no a acolher as multidões… No final de cada dia, depois de a multidão ter ido embora, eles sentavam-se com Jesus e conversavam longamente… Era com eles que Jesus partilhava, de forma mais próxima, o seu sonho do Reino de Deus.
No entanto, estes discípulos não eram apenas os companheiros de jornada de Jesus na etapa da Galileia. Aos poucos, Jesus ia-os preparando para serem seus colaboradores na construção do Reino de Deus. Aliás, Ele tinha dito aos primeiros que O seguiram que contava com eles para serem “pescadores de homens” (Mc 1,17). A tarefa que lhes ia ser confiada consistia em libertar do mar do sofrimento, da opressão e da morte todos os homens e mulheres que aí estivessem mergulhados. Na verdade, tratava-se da mesma missão que o Pai do céu confiara a Jesus: proclamar a salvação de Deus a todos aqueles que necessitam de ser salvos.
A dada altura, de entre todos os discípulos que O seguiam, Jesus escolheu um grupo especial de doze. Eram, de entre os discípulos, o núcleo mais importante, os mais chegados a Jesus. Jesus chamou-os “para estarem com Ele e para os enviar a proclamar, com autoridade para expulsar os demónios” (Mc 3,14-15). A esses doze Marcos chama “apóstolos” (“enviados”). O número doze é simbólico. Era o número das doze tribos de Israel. Ao constituir este grupo de doze apóstolos, Jesus estaria a sinalizar o nascimento de um novo Povo de Deus.
MENSAGEM
Depois de alguns meses a conviver com Jesus e a frequentar a “escola de Jesus”, chegou a altura de os Doze colaborarem na missão. A iniciativa é de Jesus: Ele é o líder, que chama e envia os seus colaboradores para o trabalho.
Portanto, Jesus chamou-os “e começou a enviá-los” (vers. 7). Se os doze simbolizam o novo Povo de Deus, é a totalidade do Povo de Deus que é enviada em missão. A comunidade de Jesus é uma comunidade missionária, onde todos são enviados a proclamar a Boa notícia da salvação.
Os “doze” são enviados “dois a dois”. É possível que o envio “dois a dois” tenha a ver com o costume judaico de viajar acompanhado, para ter ajuda e apoio em caso de necessidade; pode também pensar-se que o envio “dois a dois” tenha a ver com as exigências da lei judaica, de acordo com a qual eram necessárias duas testemunhas para dar credibilidade a qualquer anúncio (cf. Dt 19,15; Mt 18,16). No entanto, também podemos ver neste envio “dois a dois” a indicação de que a evangelização tem sempre uma dimensão comunitária. Os discípulos nunca devem trabalhar sós, à margem do resto da comunidade; não devem anunciar as suas ideias ou propor a sua visão pessoal das coisas; mas devem proclamar a fé da Igreja. Quem anuncia o Evangelho, anuncia-o em nome da comunidade; e o seu anúncio deve estar em plena sintonia com a fé reconhecida, vivida e proclamada pela comunidade.
Em seguida, Marcos define a missão que Jesus confiou aos doze: “deu-lhes poder sobre os espíritos impuros”. Os espíritos impuros de que Marcos fala representam aqui tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de chegar à Vida em plenitude. É tarefa dos enviados de Jesus lutarem contra tudo aquilo – seja de carácter físico, seja de carácter espiritual – que destrói a vida e a felicidade do homem. Para tal, eles recebem a “autoridade” de Jesus (“deu-lhes poder”). Eles não agem por iniciativa própria e com poder próprio; mas agem por mandato de Jesus e com a força irresistível que lhes vem de Jesus. Da ação libertadora dos discípulos nasce um mundo novo, de homens livres – o mundo do “Reino”.
Jesus deixa também aos seus apóstolos instruções claras sobre os apetrechos de que se devem munir para a concretização da missão (vers. 8-9). De acordo com Jesus, eles devem partir para a missão o mais possível despojados de bens e seguranças humanas… Podem levar um cajado, que além de ajudar o caminhante a apoiar-se, pode servir de arma de defesa contra os animais selvagens; mas não devem levar nem pão, nem alforge, nem moedas (essas pequenas moedas de cobre que o viajante levava sempre consigo para as suas pequenas necessidades), nem duas túnicas. Os discípulos devem ser totalmente livres e não estar amarrados a bens materiais; caso contrário, a preocupação com os bens materiais pode roubar-lhes a liberdade e a disponibilidade para a missão. Por outro lado, essa atitude de pobreza e de despojamento ajudará também os discípulos a perceber que a eficácia da missão não depende da abundância dos bens materiais, mas sim da ação de Deus. Finalmente, a sobriedade e o desapego são sinais de que o discípulo confia em Deus e contribuem para dar credibilidade ao seu testemunho.
Um outro género de instruções refere-se ao comportamento dos enviados de Jesus diante da hospitalidade que lhes for oferecida (vers. 10-11). Quando forem acolhidos numa casa, devem aí permanecer algum tempo (seguramente para formar uma comunidade) e não devem saltar de um lugar para o outro, ao sabor das amizades, dos interesses próprios ou alheios ou das suas próprias conveniências pessoais. Quando não forem recebidos num lugar, devem “sacudir o pó dos pés” ao abandonar esse lugar: trata-se de um gesto que os judeus praticavam quando regressavam do território pagão e que simboliza a renúncia à impureza. Aqui, deve significar o repúdio pelo fechamento às propostas libertadoras de Deus. A Boa notícia da salvação só pode ser proposta, nunca imposta; mas os discípulos que Jesus envia devem deixar isto muito claro: quem recusa as propostas de Deus está a perder oportunidades únicas e a afastar-se da sua realização plena, da Vida verdadeira.
Finalmente, Marcos apresenta um breve resumo da ação desenvolvida pelos enviados de Jesus (vers. 12-13). Eles “pregaram a conversão”, como Jesus fazia quando começou a anunciar a chegada do Reino de Deus (cf. Mc 1,15); “expulsaram demónios”, libertando todos aqueles que estavam submetidos ao poder do mal; “ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos”, levando a salvação de Deus aos que estavam privados de Vida. Era isso que Jesus fazia também.
A missão dos discípulos aparece em paralelo e em absoluta continuidade com a missão de Jesus. Marcos sugere, dessa forma, que compete aos apóstolos de todas as épocas continuar na história a obra libertadora que Jesus começou.
INTERPELAÇÕES
- A questão central, incontornável, no evangelho deste décimo quinto domingo comum é que Jesus associa os seus discípulos à missão que o Pai lhe confiou: anunciar, testemunhar, construir o Reino de Deus. Os discípulos que seguem Jesus e que o acompanham desde a Galileia a Jerusalém não são uma associação pia que se reúne de quando em quando para um momento de oração, mas são homens e mulheres com que Jesus conta e que Jesus envia para serem arautos de um mundo novo, de um mundo transformado. Trata-se de uma realidade que nós, discípulos de Jesus, não deveríamos esquecer. O nosso seguimento de Jesus concretiza-se na missão, uma missão que implica testemunho e intervenção no mundo. Como é que encaramos o nosso compromisso com Jesus e com o seu projeto? Somos cristãos de rituais, que se limitam a “espreitar” Jesus em certos momentos de oração e de celebração comunitária dentro dos espaços protegidos dos nossos templos, ou somos discípulos comprometidos, que aceitam ser enviados às periferias da vida para testemunhar e construir, com gestos concretos, o Reino de Deus?
- Qual é a missão dos discípulos de Jesus? É libertar e curar; é lutar objetivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem, que o impede de ser feliz, que lhe rouba a Vida. É uma missão sempre atual, sempre necessária. O nosso mundo mantém estruturas que geram guerra, violência, terror, morte: a missão dos discípulos de Jesus é desmontá-las; o nosso mundo aposta em “valores” – frequentemente apresentados como o “último grito” da moda, do avanço cultural ou científico, das conquistas civilizacionais – que produzem escravidão, alienação, sofrimento: a missão dos discípulos de Jesus é recusá-los e denunciá-los; o nosso mundo aceita esquemas de exploração – disfarçados de sistemas económicos geradores de bem estar – que criam miséria, marginalização, debilidade: a missão dos discípulos de Jesus é combatê-los; o nosso mundo pactua com ideologias desumanas, que potenciam o racismo, a exclusão, a indiferença: a missão dos discípulos de Jesus é contestá-las. Aceitamos estes desafios?
- Jesus é a fonte, o inspirador e o modelo de ação dos seus enviados. É de Jesus que eles recebem autoridade para se apresentarem ao mundo como arautos do Reino. Eles devem atuar ao estilo de Jesus, com o amor e a solicitude de Jesus, dando testemunho, com gestos concretos, da ternura e da bondade de Deus para com todos os seus filhos. Eles não atuam em nome próprio nem proclamam as suas teorias pessoais, mas propõem o Evangelho de Jesus, o Evangelho do Reino. Ora, para que isso seja possível, esses enviados têm de manter-se vinculados a Jesus. Têm de manter com Ele uma relação viva, próxima, apaixonada, alimentada pelo encontro pessoal com Jesus. Se isso não acontecer, esses enviados facilmente se tornam gestores egoístas de projetos pessoais ou funcionários descomprometidos que executam um trabalho mecânico e sem alma. Nós, discípulos e enviados de Jesus, mantemo-nos ligados a Ele? Renovamos cada dia a nossa adesão a Ele e ao seu projeto? Confrontamo-nos com a sua Palavra e deixamo-nos questionar por ela? Encontramo-nos com Jesus e os outros irmãos da comunidade à mesa da Palavra e do Pão e acolhemos a Vida que Ele nos oferece e que somos convidados a levar ao mundo?
- Jesus apenas autoriza os seus enviados a levarem para o caminho um cajado, sandálias e uma túnica. Ele considera que quanto mais livres e despojados os discípulos se apresentarem, mais convincentes serão como testemunhas do Reino de Deus. No entanto, esta lógica parece ainda não nos ter convencido… Vinte e um séculos depois de Jesus, continuamos a interessar-nos por postos e lugares que nos assegurem autoridade e poder; continuamos a agarrar títulos que possam dar-nos prestígio social; continuamos a montar estruturas e estratégias que nos proporcionem visibilidade e capacidade de intervenção; continuamos a procurar recursos económicos que financiem os nossos projetos e nos permitam combater os “filhos das trevas”. É evidente que vivemos neste mundo e temos de ser realistas… Mas, em última análise, a abundância de meios será útil ou será prejudicial para a causa do Reino de Deus? A preocupação com o “ter” não roubará aos discípulos espaço, disponibilidade e liberdade para se lançarem na aventura do anúncio do Reino? A preocupação com os bens materiais, com as honras e privilégios, não poderá levar os discípulos a calarem-se perante a maldade e a injustiça, a fim de preservarem os seus interesses económicos e os seus benefícios particulares?
- O testemunho e a construção do Reino de Deus são o grande desafio que Jesus deixou aos seus seguidores. No entanto, todos nós, discípulos de Jesus, sabemos como é difícil que o nosso testemunho seja escutado e acolhido. Sentimos que temos uma ótima proposta para apresentar, mas que essa proposta nem sempre encontra o acolhimento que merece; parece que, por muito que nos esforcemos, o “mundo” não está interessado no testemunho que damos de Jesus. Porquê? A culpa é da sociedade e dos valores vigentes, ou é da forma como damos testemunho? O que é que torna pouco convincente e pouco credível aquilo que anunciamos?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 15.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 15.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Testemunho do “nós”… Jesus envia os discípulos dois a dois. Ele sabe que a sua missão será difícil de cumprir. Mesmo Ele, Jesus, fez-Se acompanhar de uma equipa. O testemunho é sempre um “nós” para nunca se falar em nome próprio mas, com outros, em nome daquele que envia. Algumas recomendações a estes peregrinos da Boa Nova: contar apenas com Deus; pôr-se a caminho para se fazer peregrino; aceitar a hospitalidade para se apresentar como um pobre; não forçar as portas para respeitar a liberdade. Quanto à mensagem a proclamar, é a mensagem do Mestre: “convertei-vos!” E quanto aos atos, são os mesmos de Jesus: expulsar os demónios e curar os doentes. Decididamente, o servo não é maior do que o seu mestre, e o enviado faz sempre referência àquele que o envia. Hoje, o “nós” é o da Igreja. Oxalá ela possa contar apenas com Deus, fazer-se peregrina, apresentar-se pobre, respeitar a liberdade dos homens…
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Testemunhas do amor de Deus… “Jesus chamou os doze Apóstolos e começou a enviá-los dois a dois. Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros”. O apelo dos Apóstolos está ligado ao seu envio, à sua missão. Serem os companheiros de Jesus, não para ficarem abrigados perto d’Ele, mas para serem enviados comos suas testemunhas até aos confins da terra. Ele envia-os dois a dois. Sem dúvida, porque na altura um testemunho só era reconhecido como autêntico se levado por duas testemunhas. Mas, mais profundamente, Jesus veio para colocar os homens na “circulação do amor”. Deus criou os homens para serem à sua imagem. Como “Deus é Amor”, os homens serão imagens de Deus na medida em que construírem juntos relações de amor fraterno. Ora, eles recusaram isso. O espírito do mal é chamado de diabo, aquele que divide em vez de unir. Jesus veio para acabar com a divisão. Ele é aquele que reconcilia os homens com Deus e entre si. Eis porque Jesus envia os Apóstolos dois a dois: para que sejam primeiramente, pelo seu comportamento e pela sua vida, testemunhas desta obra de reconciliação. A salvação nunca é individual, é colocada na relação dos homens entre si, no movimento de amor de Deus. A missão dos Apóstolos é, pois, de lutar contra o mal que divide e corrompe. Então, compreendemos melhor porque Jesus dá conselhos de pobreza. Encher-se de riquezas materiais é arriscar cair na armadilha da possessão egoísta, é entrar no círculo infernal da vontade de poder, da inveja. É centrar-se sobre si mesmo em lugar de dar lugar aos outros. É obscurecer o seu olhar interior e não ser mais suficientemente disponível para acolher o outro. É sempre válido para todos os batizados cuja missão é serem testemunhas da Boa Nova no coração do mundo!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Bendizer no quotidiano… Em cada dia desta semana, dirigir ao Senhor uma curta oração de bênção: para a felicidade partilhada nesse dia, para um encontro enriquecedor, para uma refeição partilhada e cheia de amizade, para a beleza da Criação, para um nascimento ou a alegria das crianças, etc.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA
Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org