1 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Romanos 11, 29-36
Irmãos: os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis. 30Outrora vós desobedecestes a Deus, mas agora alcançastes misericórdia, devido à desobediência deles; 31do mesmo modo, também eles desobedeceram agora, em favor da misericórdia que alcançastes, para que também eles venham agora a alcançar misericórdia. 32Porque Deus encerrou a todos na desobediência, para com todos usar de misericórdia. 33Oh, que profundidade de riqueza, de sabedoria e de ciência é a de Deus! Como são insondáveis as suas decisões e impenetráveis os seus caminhos! 34Quem conheceu o pensamento do Senhor? Quem lhe serviu de conselheiro? 35Quem antes lhe deu a Ele, para que lhe seja retribuído? 36Porque é dele, por Ele e para Ele que tudo existe. Glória a Ele pelos séculos! Ámen.
«Os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis» (v. 29). Se, por causa da desobediência dos Judeus, o anúncio da salvação foi dirigido aos pagãos, e estes fizeram experiência da misericórdia divina, essa mesma experiência pode servir de incitamento aos Judeus para competirem com eles na fé, acolhendo o que no princípio recusaram. Deus quer usar de misericórdia (cf. v. 32). A desobediência de cada um dos homens e dos povos pode ser vista como instrumento no plano de salvação de Deus, que, finalmente, pode ajudar a reconciliar com Ele todos os povos. Na verdade, os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis (cf. v. 29), tal como o seu amor por Israel, por causa dos pais (Rm 11, 28). É algo que Lhe importa e de que não desiste. Sendo assim, brota espontaneamente o hino (vv. 33-36) em que Paulo louva a profundidade, e a impenetrabilidade da sabedoria de Deus, o amor de Deus pelo qual existem todas as coisas e que enche de significado a existência.
Evangelho: Lucas 14, 12-14
Naquele tempo, disse Jesus a um dos principais fariseus, que O tinha convidado para uma refeição: «Quando deres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os teus vizinhos ricos; não vão eles também convidar-te, por sua vez, e assim retribuir-te. 13Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. 14E serás feliz por eles não terem com que te retribuir; ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.»
Mais uma vez, no ambiente de uma refeição, depois de ter curado um hidrópico em dia de sábado, e depois de ter proposto uma parábola, Jesus adverte o chefe dos fariseus que O tinha convidado. As palavras de Jesus brotam da sua experiência, da observação atenta das realidades e comportamentos dos que O rodeiam. O Mestre interpreta tudo de modo simbólico e transfere-o para o domínio religioso. As duas partes deste pequeno texto correspondem-se perfeitamente: o paralelismo antitético facilita a sua compreensão: «Quando deres um almoço ou um jantar... pelo contrário, quando deres um banquete...». O ensinamento claro de Jesus vai direito à sensibilidade dos seus destinatários. Jesus alerta para um comportamento de aparente generosidade, que, na realidade, é egoísta. Este tipo de comportamento, não só é mesquinho, mas também compromete as relações interpessoais. A situação oposta, sugerida por Jesus, traduz, pelo contrário, um convite genuinamente evangélico, que leva ao centro da doutrina de Jesus: privilegiar os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos, que são aqueles que o Senhor ama. É a mensagem das bem-aventuranças (Lc 6, 20-26). A bem-aventurança, e a promessa do v. 14, completam admiravelmente o ensinamento de Jesus.
Meditatio
Paulo leva-nos a reflectir, mais uma vez, sobre a gratuidade da misericórdia divina para connosco. Ninguém, por primeiro, deu algo a Deus, para poder ser retribuído (cf. v. 35). Todos, hebreus e pagãos, foram desobedientes a Deus. Mas «Deus encerrou a todos na desobediência, para com todos usar de misericórdia» (v. 32). Estamos na lógica do amor misericordioso, desinteressado, gratuito. É a lógica em que devemos entrar para compreendermos o Evangelho, nos enchermos de paz e de confiança, e nos comprometermos na misericórdia para com os outros.
No evangelho, Jesus ensina-nos, de modo muito espontâneo, mas paradoxal, esta mesma lógica: «Quando deres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os teus vizinhos ricos; não vão eles também convidar-te, por sua vez, e assim retribuir-te.» (v. 12). É um conselho estranho! O mais natural é convidarmos para o almoço ou para o jantar, os amigos, os familiares, as pessoas que têm influência na sociedade, e nos podem ajudar a resolver algum problema ou a alcançar determinado objectivo. Numa palavra: o mais habitual é convidarmos quem nos possa de algum modo retribuir. Mas Jesus insiste: «Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. E serás feliz por eles não terem com que te retribuir; ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.» (vv. 13-14). Geralmente pensamos que a bem-aventurança, a felicidade, está em receber. Mas Jesus ensina o contrário, apontando-nos o caminho da gratuidade, do amor desinteressado. É aí que se encontra a verdadeira alegria. Se fizermos o bem, à espera de retribuição, estamos no caminho errado. Pelo contrário: se dermos a quem não nos pode retribuir, estamos no bom caminho, na lógica divina do amor, que não se compra nem se vende.
A linguagem da gratuidade consegue pronunciar palavras libertadoras e expressar gestos vivos e vivificantes. É uma linguagem fora de moda, uma vez que andamos encandeados pelas miragens do útil, do eficiente, do produtivo. Mas a gratuidade é um dos atributos de Deus. Deus é gratuidade: dá e dá-Se, e não seria Deus/Amor se não fosse assim.
A reparação, além de acolhimento do amor, correspondência ao amor, união à oblação de amor de Cristo ao Pai, é também partilha da gratuidade absoluta do Pai e de Cristo para com os homens, especialmente «os mais desprotegidos» (Cst 5), os mais miseráveis, os marginalizados, os desesperados, os publicanos, os pecadores, como fez Jesus.
Oratio
Senhor, o teu amor é misericórdia, que me ergue do catre da minha paralisia, do abismo dos meus erros, das regiões desoladas do meu sem-sentido, das trevas oprimentes das minhas dúvidas. O teu amor é gratuito, incondicional, desarmadilhado, desinteressado. Amar, e só amar, é a tua alegria, a tua vida! É o mesmo que me pedes em relação aos meus irmãos, particularmente os pequenos e pobres. Liberta-me do egoísmo que me afasta dos outros e de mim mesmo, do egoísmo que ilusoriamente julgo tornar-me forte, mas que, na verdade, me torna mais fraco. Deus de misericórdia e de gratuidade, amar e só amar, seja a minha alegria, porque amar e só amar
é viver. Amen.
Contemplatio
Quem vem? O Pai de misericórdia que nos ama ternamente. - Chama-nos seus filhinhos: filioli. Descreveu-se com complacência na parábola do filho pródigo. Eu sou este filho pródigo, que viveu, se não na luxúria, pelo menos na vaidade e na inutilidade. Volto para o meu Pai, hesitante, tímido, temeroso, mas ele está lá, que me acolhe com amor. O seu coração bate fortemente no seu peito. Deseja-me com ardor, observa, procura. E se regresso, atira-se ao meu pescoço e aperta-me contra si, coração contra coração. E chama os seus servos, os seus anjos, para me darem tudo o que perdi. Nada falta: o manto de outrora, o anel de nobreza, os sapatos, e o vitelo gordo para a festa. O Coração de Jesus está emocionado; os seus olhos choram de ternura, mas sorriem de alegria: «Alegremo-nos, diz o bom Mestre, este filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado». (Leão Dehon, OSP 3, p. 653).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Deus encerrou a todos na desobediência,
para com todos usar de misericórdia» (Rm 11, 32).
2 Novembro 2021
A Igreja, acolhendo uma tradição monástica que vem do século XI, dedica o dia 2 de Novembro à memória dos fiéis defuntos. Depois de ter celebrado a glória e a felicidade dos Santos, no dia 1 de Novembro, a Igreja dedica o dia 2 à oração de sufrágio pelos "irmãos que adormeceram na esperança da ressurreição". Assim fica perfeita a comunhão de todos os crentes em Cristo.
Lectio
Primeira leitura: Job 19, 1.23-27ª
Job respondeu, dizendo: 2«Até quando afligireis a minha alma e me atormentareis com vãs palavras? 23Quem me dera que as minhas palavras se escrevessem e se consignassem num livro, 24ou gravadas em chumbo com estilete de ferro, ou se esculpissem na pedra para sempre! 25Eu sei que o meu redentor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; 26e depois de a minha pele se desprender da carne, na minha própria carne verei a Deus. 27Eu mesmo o verei, os meus olhos e não outros o hão-de contemplar! As minhas entranhas consomem-se dentro de mim.
Os amigos de Job tentam consolá-lo, recorrendo a uma sabedoria superficial, expressa em frases feitas e lugares comuns. É o que tantas vezes acontece quando pretendemos confortar alguém que sofre. As palavras de Job são muito diferentes. No meio do sofrimento, vendo-se às portas da morte e trespassado pela solidão, compreende que Deus é o seu redentor, aquele parente próximo que, segundo os costumes hebreus, deve comprometer-se a resgatar, à sua própria custa, ou a vingar, o seu familiar em caso de escravidão, de pobreza, de assassínio. Job sente Deus como o seu último e definitivo defensor, como alguém que está vivo e se compromete em favor do homem que morre, porque entre Deus e o homem há uma espécie de parentesco, um vínculo indissolúvel. Job afirma-o com vigor: os seus olhos contemplarão a Deus com a familiaridade de quem não é estranho à sua vida.
Segunda leitura: Romanos 5, 5-11
Irmãos: A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. 6De facto, quando ainda éramos fracos é que Cristo morreu pelos ímpios. 7Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa boa talvez alguém se atreva a morrer. 8Mas é assim que Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós. 9E agora que fomos justificados pelo seu sangue, com muito mais razão havemos de ser salvos da ira, por meio dele. 10Se, de facto, quando éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho, com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua vida. 11Mais ainda, também nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem agora recebemos a reconciliação.
O homem pode ter esperança diante da morte. Como intuiu Job, Deus é, de verdade, o nosso Redentor, porque nos ama. Empenhou-se em resgatar-nos da escravidão do pecado e da morte com o preço do sangue do seu Filho (vv. 6-9) e de modo absolutamente gratuito. De facto, nós éramos pecadores, ímpios, inimigos; mas o Senhor reconheceu-nos como "seus", e morreu por nós arrancando-nos à morte eterna. Acolhemos esta graça por meio do batismo, participando no mistério pascal de Cristo. A sua morte reconciliou-nos com o Pai, e a sua ressurreição permite-nos viver como salvos. Quebrando os laços do pecado, e deixando-nos guiar pelo Espírito derramado em nossos corações, atualizamos cada dia a graça do nosso novo nascimento.
Evangelho: João 6, 37-40
Naquele tempo, Jesus disse à multidão: Todos os que o Pai me dá virão a mim; e quem vier a mim Eu não o rejeitarei, 38porque desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. 39E a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia. 40Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.»
O centro desta perícopa é a vontade de Deus, para a qual está totalmente voltada a missão de Jesus (v. 38). Essa vontade é um desígnio de vida e de salvação oferecido a todos os homens, pela mediação de Cristo, para que nenhum se perda (v. 39). O desígnio de Deus manifesta, pois, a sua ilimitada gratuidade e, ao mesmo tempo, a sua caridade atenta e cuidadosa por cada um de nós. Para acolhê-la, é preciso o livre consentimento da fé: que acredita no Filho tem, desde já, a vida eterna, porque adere Àquele que é a ressurreição e a vida, o único que pode levar-nos para além do intransponível limite da morte.
Meditatio
O silêncio é a melhor atitude perante a morte. Introduzindo-nos no diálogo da eternidade e revelando-nos a linguagem do amor, põe-nos em comunhão profunda com esse mistério imperscrutável. Há um laço muito forte entre os que deixaram de viver no espaço e no tempo e aqueles que ainda vivem neles. É verdade que o desaparecimento físico dos nossos entes queridos nos causa grande sofrimento, devido à intransponível distância que se estabelece entre eles e nós. Mas, pela fé e pela oração, podemos experimentar uma íntima comunhão com eles. Quando parece que nos deixam, é o momento em que se instalam mais solidamente na nossa vida, permanecem presentes, fazem parte da nossa interioridade. Encontramo-los na pátria que já levamos no coração, lá onde habita a Santíssima Trindade. Escreveu o Pe. Dehon: "Vivo muito com os meus mortos: os meus pais, amigos, antigos diretores, antigos alunos. Uma centena dos meus religiosos já partiu para junto do Bom Deus, entre eles, homens que muito trabalharam e rezaram... Saúdo-os todas as manhãs e todas as noites, com os meus padroeiros celestes" (NQT XLIV, 139).
Paulo encoraja-nos a vivermos positivamente o mistério da morte, confrontando-nos com ela todos os dias, aceitando-a como lei de natureza e de graça, para sermos progressivamente despojados do que deve perecer até nos vermos milagrosamente transformados no que devemos ser. Deste modo, a "morte quotidiana" revela-se um nascimento: o lento declínio e o pôr-do-sol tornam-se aurora luminosa. Todos os sofrimentos, canseiras e tribulações da vida fazem parte desta "morte quotidiana" que nos levará à vida imortal. Havemos de viver fixando os olhos na bem-aventurada esperança, confiando na fidelidade do Senhor, que nos prometeu a eternidade. Vivendo assim, quando chegar ao termo desta vida, não veremos descer as trevas da noite, mas veremos erguer-se a aurora da eternidade, onde teremos a alegria de nos sentir uma só coisa com o Senhor. Depois de muitas tribulações, seremos completamente seus, e essa pertença será plena bem-aventurança na visão do seu rosto.
Para o cristão, o sofrimento é um tempo de "disponibilidade pura", de "pura oblação" e, ao mesmo tempo, uma forma eminente de apostolado, em união a Cristo vítima, na comunhão dos santos, para salvação do mundo. Vivendo assim, prepara-se, assim, para o supremo ato de oblação, para o último apostolado, o da morte: configurados "a Cristo na morte" (Fil 3, 10) (Cf. Cst n. 69).Se a morte de Cristo na Cruz é o ato de apostolado mais eficaz, que remiu o mundo, o mesmo se pode dizer da morte do cristão em união com a morte de Cristo. Não se quer com isto dizer que, sob o ponto de vista humano, a morte do cristão deva ser uma "morte bonita", tal como não foi bonita, com certeza, a morte de Cristo aos olhos dos homens. Foi, pelo contrário, uma "liturgia esquálida", de abandono e de desolação. O importante é que seja uma morte "para Cristo e em Cristo" (S. Inácio de Antioquia, SC 10, 132). Imolados com Ele, com Ele ressuscitaremos.
Se, na humildade do dia a dia, vivemos a nossa oblação-imolação com Cristo, oblato e imolado pela salvação do mundo, estamos preparados para o último apostolado da nossa vida: a oblação-imolação da nossa morte, o extremo sacrifício, consumado pelo fogo do Espírito, como aconteceu na morte de Cristo na cruz: "Por um Espírito eterno ofereceu a Si mesmo sem mancha, a Deus" (Heb 9, 14). A morte é, então, a nossa última oferta, o momento da suprema, pura oblação: "Se morrermos com Ele, com Ele viveremos" (2 Tm 2, 11).
Oratio
Senhor, quero hoje rezar-te por aqueles que desapareceram no mistério da morte. Dá o descanso àqueles que expiam, luz aos que esperam, paz aos que anseiam pelo teu infinito amor. Descansem em paz: na paz do porto seguro, na paz da meta alcançada, na tua paz, Senhor. Vivam no teu amor aqueles que amaste, aqueles que me amaram. Não esqueças o bem que me fizeram, o bem que fizeram a outros. Esquece tudo o mal que praticaram, risca-o do teu livro. Aos que passaram pela dor, àqueles que parecem ter sido imolados por um iníquo destino, revela, com o teu rosto, os segredos da tua justiça, os mistérios do teu amor. Concede-me aquela vida interior que permite comunicar com o mundo invisível em que se encontram os nossos defuntos: esse mundo fora do tempo e do espaço, esse mundo que não é lugar, mas estado, e mundo que não está longe de mim, mas à minha volta, esse mundo que não é de mortos, mas de vivos. Ámen.
Contemplatio
O amor ultrapassa o temor e a esperança. O amor não destrói o temor nem a esperança, mas retira-lhes o que o amor-próprio lhe pode misturar de visões mercenárias. O amor não conhece habitualmente outro temor senão o temor filiar, isto é, o medo de desagradar a um Pai bem-amado. Sendo filho do amor, este temor é de uma atenção e delicadeza totalmente diferentes do medo da justiça divina e dos seus castigos. Leva a evitar as mínimas faltas, as mais pequenas imperfeições voluntárias. Em vez de comprimir e de gelar o coração, alarga-o e aquece-o. Não causa nenhuma perturbação, nenhum alarme; e mesmo quando escapa alguma falta, reconduz docemente a alma ao seu Deus através de um arrependimento tranquilo e sincero. Procura acalmar-se e reparar abundantemente da mágoa que se lhe pôde causar. De resto, não se inquieta nem perde a confiança. O amor tira também à esperança o que ela tem de demasiado pessoal. Aquele que ama não sabe outra coisa senão contar com Deus, nem fazer boas obras principalmente com o objetivo de acumular méritos; e por este nobre desinteresse, merece incomparavelmente mais. Esquecendo tudo o que fez por Deus, não pensa noutra coisa senão em fazer ainda mais. Não se apoia sobre si mesmo; visa a recompensa celeste menos sob o título de recompensa do que como uma garantia de amar o seu Deus com todas as suas forças e de ser por Ele amado durante a eternidade. Sem excluir a esperança, que lhe é natural, considera a felicidade mais do lado do bom agrado do seu Deus e da sua glória que lhe pertence do que do lado do seu próprio interesse. E quando o amor está no seu ponto mais elevado de perfeição, estaria disposto a sacrificar a sua felicidade própria à vontade divina, se exigisse dele este sacrifício. Coloca a sua felicidade no cumprimento desta vontade. O coração dos Santos atingiu mesmo sobre a terra este grau de pureza. É a disposição dos bem-aventurados no céu. É preciso, portanto, que o amor seja purificado a este grau neste mundo, ou no outro pelas penas do purgatório. Há, portanto, que deliberar sobre esta escolha? E quando a via do amor não tivesse outra vantagem senão a de nos isentar do purgatório ou de lhe abreviar consideravelmente a duração, poderíeis hesitar em abraçá-la? (Leão Dehon, OSP 2, p. 16s.).
Actio
Repete frequentemente e vive a palavra:
«Dai-lhes, Senhor, o eterno descanso,
entres os esplendores da luz perpétua.
Fazei que descansem em paz.
Ámen»
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Comemoração de Todos os fiéis Defuntos (2 de Novembro)
2 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Romanos 12, 5-16a
Irmãos: os muitos que somos formamos um só corpo em Cristo, mas, individualmente, somos membros que pertencem uns aos outros. 6Temos dons que, consoante a graça que nos foi dada, são diferentes: se é o da profecia, que seja usado em sintonia com a fé; 7se é o do serviço, que seja usado a servir; se um tem o de ensinar, que o use no ensino; 8se outro tem o de exortar, que o use na exortação; quem reparte, faça-o com generosidade; quem preside, faça-o com dedicação; quem pratica a misericórdia, faça-o com alegria. 9Que o vosso amor seja sincero. Detestai o mal e apegai-vos ao bem. 10Sede afectuosos uns para com os outros no amor fraterno; adiantai-vos uns aos outros na estima mútua. 11Não sejais preguiçosos na vossa dedicação; deixai-vos inflamar pelo Espírito; entregai-vos ao serviço do Senhor. 12Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração. 13Partilhai com os santos que passam necessidade; aproveitai todas as ocasiões para serdes hospitaleiros. 14Bendizei os que vos perseguem; bendizei, não amaldiçoeis. 15Alegrai-vos com os que se alegram, chorai com os que choram. 16Preocupai-vos em andar de acordo uns com os outros
Anunciado o Evangelho da salvação (cf. Rm 1, 18 a 11, 36), Paulo passa a exortar a comunidade de Roma a viver de acordo com esse mesmo Evangelho (Rm 12, 1 a 15, 13). Se Deus é amor gratuito, devemos conceber a vida como dom. Da graça à gratuidade. Da "cháris" à "charísmata". Os cristãos são os membros de um só corpo, o corpo de Cristo. Cada membro recebe uma manifestação da graça, um dom, e um modo específico de viver a gratuidade. O importante é que todos entendam o dom como dom, para o bem comum (cf. 1 Cor 12, 7), em vista da edificação da comunidade, e não como posse de algo em proveito próprio. Assim, uns com os outros, caminhamos juntos para a plena humanidade de Cristo (cf. Ef 4, 11-16). Sendo assim, é preciso cultivar a humildade e a caridade. A humildade consiste na justa avaliação de si mesmo (cf. Rm 12, 3), para servir o Senhor na comunidade, cumprindo cada um a sua parte com interesse e simplicidade. A caridade é o modo e o fim do serviço: a atitude de bendizer cada pessoa, uma compaixão que partilha os sentimentos do outro, fazendo próprias as suas alegrias e sofrimentos, confiando-se de modo sereno e perseverante à oração que atravessa os períodos de tribulação e de esperança. Para animar o mais íntimo da nossa existência, a caridade deve ser sem hipocrisia (v. 9).
Evangelho: Lucas 14, 15-24
Naquele tempo, disse a Jesus um dos que estavam com ele à mesa: 15«Feliz o que comer no banquete do Reino de Deus!» 16Ele respondeu-lhe:«Certo homem ia dar um grande banquete e fez muitos convites. 17À hora do banquete, mandou o seu servo dizer aos convidados: 'Vinde, já está tudo pronto.' 18Mas todos, unanimemente, começaram a esquivar-se. O primeiro disse: 'Comprei um terreno e preciso de ir vê-lo; peço-te que me dispenses.' 19Outro disse: 'Comprei cinco juntas de bois e tenho de ir experimentá-las; peço-te que me dispenses.' 20E outro disse: 'Casei-me e, por isso, não posso ir.' 21O servo regressou e comunicou isto ao seu senhor. Então, o dono da casa, irritado, disse ao servo: 'Sai imediatamente às praças e às ruas da cidade e traz para aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos.' 22O servo voltou e disse-lhe: 'Senhor, está feito o que determinaste, e ainda há lugar.' 23E o senhor disse ao servo: 'Sai pelos caminhos e azinhagas e obriga-os a entrar, para que a minha casa fique cheia.' 24Pois digo-vos que nenhum daqueles que foram convidados provará do meu banquete.»
Lucas passa espontaneamente de um banquete humano ao banquete escatológico. Por isso, liga a parábola ouvida ontem à de hoje, introduzindo a expressão: «Feliz o que comer no banquete do Reino de Deus!» (v. 15). Trata-se da participação na comunhão com Deus, quando da «ressurreição dos justos»: a dimensão escatológica da nossa fé e da nossa experiência é mais do que evidente.
A parábola refere vários convites e várias recusas daqueles que não compreenderam a novidade da presença de Jesus, nem sentiram necessidade da salvação. É interessante sublinhar como nesta parábola está delineada a história da salvação: a cada convite e a cada recusa pode-se quase pensar que correspondam outras tantas fases de uma história visitada por Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.
O momento culminante da parábola parece ser a palavra do dono da casa: «Sai imediatamente às praças e às ruas da cidade e traz para aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos» (v. 21). Equivale a dizer que, no banquete messiânico, irão tomar parte os excluídos e serão excluídos os que a ele teriam direito. Confirma-se mais uma vez a lei da Nova Aliança, a bondade de Deus, o objectivo central da mensagem e da presença de Jesus no meio de nós.
Meditatio
Deus criou-nos à sua imagem e semelhança. Somos "uno", não como indivíduos, mas na comunhão, no dom recíproco. Cada um de nós é único. Se não escutarmos o apelo ao dom de nós mesmos, os outros ficam empobrecidos. Dar e dar-se, não é um gesto de magnanimidade, mas a modalidade própria de ser pessoas humanas verdadeiras. Somos puro dom de Deus, com a colaboração dos nossos pais, educadores, catequistas e tantos outros. Só nos realizamos tornando-nos dom para Deus e para os outros. Deus chama-nos a redescobrir e a viver esta fundamental vocação humana. Descobri-la é tanto mais urgente quanto mais sentimos em nós, e à nossa volta, vazios de humanidade.
O evangelho esclarece estas afirmações, que recolhemos em Paulo. Jesus faz-nos compreender a mesquinhez do nosso coração, quando não está disponível para acolher os seus dons. O que o «dono da casa» mostra não é exigência mas generosidade. O dono da casa é imagem de Deus que quer encher-nos com os dons da sua munificência. Mas nós preferimos as nossas pequenas e perecíveis coisas.
O grande banquete é a ceia da caridade divina oferecida a quem tem um coração grande, e não para quem se agarra aos bens terrenos com um amor possessivo, sufocante.
«Comprei um terreno... Comprei cinco juntas de bois...Casei-me». São os nossos afectos limitados, vividos de modo possessivo, com todas as preocupações que daí derivam. Deus, pelo contrário, convida-nos ao banquete da caridade universal. É o banquete que vivemos em cada eucaristia, se nela participamos de coração aberto, apenas atentos às preocupações divinas e prontos a receber com alegria e gratidão os seus dons.
Se assim vivermos as nossas eucari
stias, elas não serão um dever pesado, mas uma necessidade de amor, para pormos ao serviço dos outros as graças que recebemos, conforme a exortação de Paulo: «se um tem o dom da profecia, que seja usado em sintonia com a fé; se é o do serviço, que seja usado a servir; se um tem o de ensinar, que o use no ensino; se outro tem o de exortar, que o use na exortação; quem reparte, faça-o com generosidade; quem preside, faça-o com dedicação; quem pratica a misericórdia, faça-o com alegria» (vv. 7-8). «Testamento do amor de Cristo que se entrega para que a Igreja se realize na unidade e assim anuncie a esperança ao mundo, a Eucaristia reflecte-se em tudo o que somos e vivemos.» (Cst 81). A Eucaristia leva-nos a dar-nos com generosidade e gratuidade, até porque fomos criados de tal modo que ninguém se basta a si mesmo, e todos precisamos uns dos outros. Somos "uno" na comunhão, no dom recíproco, à maneira de Deus, que é uno e trino, Unidade na Trindade. A Eucaristia é um excelente meio para vivemos a unidade na comunhão.
Oratio
Senhor, meu Deus, purifica-me do individualismo, que tantas vezes me fecha em mim mesmo, e não me deixa disponível para acolher os teus dons, nem reparti-los com os irmãos. Tu és Amor, Tu és Comunhão. Por isso, és Alegria, és Festa. Dá-me disponibilidade para acolher o teu convite, entrar na tua casa, e viver como membro do corpo do teu Filho Jesus Cristo. Apoia o meu compromisso em viver na caridade, amando a todos com um amor verdadeiramente fraterno. Manda-me sobre mim o teu Espírito, que me ponha em sintonia com a tua vontade e com o coração dos outros. Amen.
Contemplatio
Ó prodígio inaudito! O Senhor supremo faz-se alimento da sua pobre e miserável criatura! Enquanto comiam, nesta noite da última Ceia, Jesus estava sentado com os seus discípulos. - Ergue os olhos para o seu Pai e recolhe-se numa ardente oração. Está como que transfigurado. - Consideremos o céu aberto acima da sua cabeça: os Anjos admirados tremem de alegria e de temor... de alegria: a Eucaristia inflamará e santificará tantos corações! Acenderá no seio da Igreja uma tal fogueira de dedicação e de amor!... Escutemos as palavras de Jesus: «Tomai e comei, isto é o meu corpo; bebei, isto é o meu sangue...». - Eu vos saúdo, ó verdadeiro corpo, nascido da Virgem Maria! Verei os apóstolos aproximarem-se, tomarem o seu lugar nesta primeira comunhão... Maria, a Mãe bem-amada de Jesus! Quem poderia dizer o ardor da sua caridade! É o seu Filho que ela recebe! É a carne, é o sangue que ela lhe deu! Correntes de amor sobem para o céu nos transportes desta casta união, destes santos arrebatamentos. «Fazei isto em minha memória», acrescenta Jesus, e os seus apóstolos são feitos sacerdotes para a eternidade. Unamo-nos ao seu acto de fé e de amor. (Leão Dehon, OSP 3, p. 481s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Feliz o que comer no banquete do Reino de Deus!» (Lc 14, 15).
3 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Romanos 13, 8-10
Caríssimos, não fiqueis a dever nada a ninguém, a não ser isto: amar-vos uns aos outros. Pois quem ama o próximo cumpre plenamente a lei. 9De facto: Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, bem como qualquer outro mandamento, estão resumidos numa só frase: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. 10O amor não faz mal ao próximo. Assim, é no amor que está o pleno cumprimento da lei.
Há uma dívida que jamais havemos de nos cansar de pagar: o amor recíproco. O amor resume os mandamentos e é o pleno cumprimento da lei (cf. v. 9). Paulo dedica um largo espaço a avaliar criticamente a função da lei. Mas, para que a justiça da lei se cumpra, há um só caminho, o amor gratuito de Cristo, que veio exactamente para cumprir e não para abolir. Este amor não fecha os olhos diante das «rivalidades e contendas» (1 Cor 3, 3), mas não paga o mal com o mal, nem se deixa vencer por ele, mas vence-o com o bem. Cristo deu-nos exemplo desse amor. Devemos conformar-lhe a nossa vida, para podermos participar na plenitude de Deus. Uma vez que Cristo resume e cumpre a lei, é também Ele que resume e cumpre a nossa humanidade.
Evangelho: Lucas 14, 25-33
Naquele tempo, seguiam com Jesus grandes multidões; ele, voltando-se para elas, disse-lhes: 26«Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. 27Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. 28Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? 29Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, 30dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' 31Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? 32Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. 33Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.»
Depois de deixar a casa do fariseu, Jesus encontra-se com a multidão. E o seu discurso torna-se mais íntimo e radical. No texto de hoje, temos duas parábolas (vv. 28-32), precedidas (vv. 25-27) e seguidas por dois convites à renúncia (v. 33). Ambas as parábolas convidam à reflexão antes de empreender qualquer iniciativa, para nos darmos conta se temos capacidade para as terminar. Há que evitar a ligeireza e a temeridade. Uma vez que se decidiu, também é preciso avançar com fidelidade: um fracasso devido à indecisão ou à saudade seria imperdoável. Também o seguimento de Jesus, no caminho que o leva decididamente para Jerusalém e para o Calvário, é uma empresa muito exigente pela qual é preciso jogar toda a vida. É sobre esta realidade que se fundamenta o convite inicial e final desta página evangélica, onde lemos uma das mais radicais exigências de Jesus.
"Odiar" o pai e a mãe, carregar a cruz e seguir Jesus, renunciar a todos os bens (vv. 26s., e 33), são algumas das exigências que não deixam margem para dúvidas. Pelo contrário, o seu carácter paradoxal fere a nossa sensibilidade e leva-nos a gritar de escândalo. Mas isso seria um modo, mais ou menos elegante, de nos subtrairmos ao convite de Jesus, para continuarmos a fazer o que nos é mais fácil.
Meditatio
«Quem ama o próximo cumpre plenamente a lei... qualquer outro mandamento, está resumido numa só frase: Amarás o teu próximo como a ti mesmo..» (v. 10). Caminhar para esta meta e atingi-la, enche-nos de alegria e de gratidão para com Deus. O evangelho, que hoje escutamos, insiste na lei do amor: «Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo» (v. 26). Esta exigência de Jesus, em algumas traduções, está expressa com o verbo "odiar": «Se alguém vem ter comigo e não odeia o seu pai... não pode ser meu discípulo». Ficamos confusos: será que, para amar, é preciso odiar. A actual tradução parece melhor: Não se trata de odiar alguém, mas de amar mais a Jesus, de amá-lo acima de tudo e todos. Só assim se pode ser seu discípulo. Posta a questão em termos de amor, muitos terão ficado entusiasmados, julgando que se tratava de coisa fácil, ao alcance de todos. Mas Jesus tira-nos todas as ilusões. Voltando-se para as multidões O seguiam, Jesus disse-lhes «Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai... não pode ser meu discípulo» (v. 26). Para ser discípulo, não basta um amor qualquer. Jesus exige um amor muito forte, um amor decidido, disposto a opções nem sempre fáceis. Por isso, há que calcular bem as nossas capacidades, antes de tomar a decisão de se tornar discípulo do Senhor. Jesus ilustra essa necessidade com duas comparações: a de alguém quer pretende construir uma torre, e se põe a calcular se tem com que a concluir, e a de alguém que se prepara para a guerra e calcula se tem homens e armas suficientes para alcançar a vitória. E conclui: «Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo» (v. 33). Encontramo-nos perante um dilema entre o amor e o desapego. Se pensarmos bem, Jesus, ao dar-nos a lei do desapego, dá-nos as condições para o verdadeiro amor. Não se trata de renunciar a todo o amor, mas ao amor possessivo. De facto, Jesus pede-nos para O amarmos mais que ao pai e restante família, e mais do que à nossa própria vida (cf. v. 26). Jesus percorreu, antes de nós, esse caminho do desapego, e deu-nos exemplo do verdadeiro amor, capaz de todos os sacrifícios, um amor que leva ao dom da própria vida e aceita a humilhação para realizar os desígnios de Deus. Viver um tal amor está para além das nossas forças humanas. Mas Jesus convida-nos a procurar esse amor, e a força para o viver, no seu próprio coração. Com o Coração de Jesus, podemos amar como Ele amou.
Oratio
Senhor, só a tua graça me pode permitir experimentar um amor semelhante àquele que demonstras por mim. O amor que me propões é maior que o oceano, cujos limites desconheço, e que me parece impossível de sulcar. As tuas propostas são claras, e sem qualquer engano. Também não queres que me engane a mim mesmo, c
om os meus entusiasmos fáceis. Ajuda-me a reflectir antes de Te dizer: «Eis-me aqui!». Apoia-me com a tua graça. Tu queres-me protagonista responsável da minha própria história. Só o teu amor me torna pessoa humana. Só o teu amor me dá a plenitude que tanto procuro, o amor que aprendo de Ti, ao seguir-te como discípulo, o amor com que procuro amar os meus irmãos. Obrigado, Senhor! Amen.
Contemplatio
«Em verdade vos digo, responde Nosso Senhor, para vós que deixastes tudo e que me seguistes, quando no dia da regeneração o filho do homem estiver sentado sobre o trono da sua glória, também vós estareis sentados sobre doze tronos para julgardes as doze tribos de Israel; e ninguém terá deixado casa, irmãos, irmãs, ou pai, mãe, mulher ou filhos, ou terras por minha causa, que não receba cem vezes e muito mais neste mundo, com perseguições, e no século que há-de vir, a vida eterna». Desde esta vida, as almas desapegadas encontram o cêntuplo. Deus faz-se o seu pai e Maria a sua Mãe. Encontram irmãos e irmãs naqueles que fizeram como eles. Estas almas são felizes mesmo nas perseguições e nas tribulações: felizes por tudo darem, por tudo sofrerem, por se assemelharem mais completamente ao Bom Mestre; felizes por suportarem como Ele o ódio e a perseguição. Mas será no céu sobretudo que a sua recompensa será grande. O sacrifício que fizeram dá-lhes o direito de entrarem. É uma segurança para a eternidade; e lá em cima julgarão com Nosso Senhor aqueles que ficaram agarrados aos bens do mundo, aqueles que conservaram uma alma partilhada e toda manchada de concupiscências. Ambicionemos a via estreita. Bem poucos têm a coragem de nela se empenharem, diz Nosso Senhor; peçamos-lhe o favor de sermos desses. (Leão Dehon, OSP 4, p. 106s.).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
«Se alguém não me tem mais amor que ao seu pai e família,
não pode ser meu discípulo» (Cf. Lc 14, 26).
4 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Romanos 14, 7-12
Irmãos: de facto, nenhum de nós vive para si mesmo e nenhum morre para si mesmo. 8Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; e se morremos, é para o Senhor que morremos. Ou seja, quer vivamos quer morramos, é ao Senhor que pertencemos. 9Pois foi para isto que Cristo morreu e voltou à vida: para ser Senhor tanto dos mortos como dos vivos. 10Mas tu, porque julgas o teu irmão? E tu, porque desprezas o teu irmão? De facto, todos havemos de comparecer diante do tribunal de Deus, 11pois está escrito:Tão certo como Eu vivo, diz o Senhor, todo o joelho se dobrará diante de mim e toda a língua dará a Deus glória e louvor. 12Portanto, cada um de nós terá de dar contas de si mesmo a Deus.
«Se vivemos, é para o Senhor que vivemos; e se morremos, é para o Senhor que morremos» (v. 8). O baptizado tornou-se pertença do Senhor, colocou-se do lado de Jesus, que Se tornou o Senhor da sua vida. O seu modo de viver há-de inspirar-se nessa realidade, nesse sentido de pertença ao Senhor. E «cada um de nós terá de dar contas de si mesmo a Deus» (v. 12). Por isso, o cristão há-de viver pelo Senhor e para o Senhor, ultrapassando preconceitos no modo de acolher a diversidade e a fraqueza. A melhor hospitalidade é acolher o outro, o próximo, o irmão. Ninguem deve fechar-se na sua concha. Pelo contrário, respeitando os caminhos pessoais, somos todos chamdos a abrir-nos a relações de caridade, de que Cristo é, ao fim e ao cabo, a fonte.
Evangelho: Lucas 15, 1-10
Naquele tempo, aproximavam-se de Jesus todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. 2Mas os fariseus e os doutores da Lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles.» 3Jesus propôs-lhes, então, esta parábola:
4«Qual é o homem dentre vós que, possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura da que se tinha perdido, até a encontrar? 5Ao encontrá-la, põe-na alegremente aos ombros 6e, ao chegar a casa, convoca os amigos e vizinhos e diz-lhes: 'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida.' 7Digo-vos Eu: Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão.» 8«Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perde uma, não acende a candeia, não varre a casa e não procura cuidadosamente até a encontrar? 9E, ao encontrá-la, convoca as amigas e vizinhas e diz: 'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida.' 10Digo-vos: Assim há alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.»
Estamos no coração do evangelho de Lucas. É no capítulo 15 que o segundo evangelista concentra a mensagem principal da sua obra: o evangelho da misericórdia. Ao mesmo tempo, Lucas aproxima-se o mais possível do Jesus histórico, que veio anunciar e incarnar, no meio de nós, o amor misericordioso do Pai.
Lucas começa por apresentar o contexto histórico (vv. 1-3) em que Jesus contou as três parábolas. Os publicanos e pecadores vinham «para o ouvirem» (v. 1). Os fariseus e os escribas «murmuravam» contra ele. As parábolas da ovelha perdida e da dracma perdida - com a do pai misericordioso, que Jesus apresenta como ícone de Deus-Pai - devem ser interpretadas à luz desse contexto histórico, pois iluminam a situação daquilo ou de quem estava perdido e a alegria de quem pôde encontrar o que estava perdido.
A alegria do homem serve para falar da alegria de Deus. Lucas sublinha três vezes essa alegria do Pai, que tanto amou o mundo que lhe deu o seu Filho, tirando desse dom a máxima alegria para Si.
Meditatio
Quantas vezes, andamos angustiados com a nossa vida e com a perspectiva da morte. Mas, se estamos em Cristo, se somos de Cristo, não há que temer. «Como todos morrem em Adão, assim em Cristo todos voltarão a receber a vida. Mas cada um na sua própria ordem: primeiro, Cristo; depois, aqueles que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.» (1 Cor 15, 22-23). Mais do que viver ou morrer, importar "pertencer a Cristo", ser de Cristo, praticar a caridade para com o irmão. O resto, que é muitíssimo, porque é "voltar a receber a vida", vem em consequência.
A parábola do "bom pastor" quer ensinar-nos a paixão de Deus pela vida de cada homem. Ele não sossega enquanto não encontrar aquele que se afastou d´Ele, que se perdeu. Ao encontrá-lo, transborda de alegria e convida à festa. Talvez seja esta a mensagem que espero: Alguém interessa-Se por mim. O meu Criador não deseja mais nada senão saber se estou vivo e em segurança.
Tenho que estar disponível para me deixar encontrar, para "ver" a alegria de Deus por minha causa. Então posso compreender algo sobre a beleza da vida, que não é terreno a explorar o mais possível, mas dom a celebrar. Deus deu-me a vida e faz tudo para que a viva em plenitude, e faz tudo para que continue a vivê-la para além da morte. É a sua misericórdia! Vivendo n´Ele e por Ele, a vida terá sentido e sabor. Com Ele aprendo a não obstaculizar a vida dos outros e a "dar" a minha própria vida, imitando a sua misericórdia.
As riquezas espirituais foram comparadas à chama. Uma chama nada perde ao comunicar-se. Pelo contrário, cresce e irradia luz e calor. Quem a quiser esconder, corre o risco de a apagar, por falta de oxigénio. O mesmo sucede com as riquezas espirituais. Recordemos que, na primitiva Igreja de Jerusalém, a comunhão de bens, além de unir os corações, provocava «favor de todo o povo» (Act 2, 47). Para nós, filhos do Pe. Dehon, trata-se de pôr o que somos e temos ao serviço da construção de um mundo mais justo e mais humano, em solidariedade especialmente com os mais pobres, os oprimidos, os explorados, o mais desprotegidos e marginalizados. O nosso carisma profético exige de nós uma presença religiosa no mundo, nas necessidades humanas e espirituais dos homens, sobretudo dos mais pobres material e espiritualmente.
Oratio
Senhor, faz-me compreender profundamente aquela atitude de espírito, que me impede de ser orgulhoso, de me apoiar em mim mesmo, e me faz abandonar nas tuas mãos, com tudo o que sou e faço, sabendo que tudo me vem de Ti e que, na partilha com os outros, multiplico os bens que me deste. Ajuda-me a não julgar os outros. Ajuda-me a repartir com todos o bem precioso da misericórdia, que usas para comigo, certo de que nada perderei, mas muito mais hei-de receber, porque é dando que se recebe. Amen.
Contemplatio
O bom Pastor tem um coração cheio de afecto e de dedicação pelas suas ovelhas (Jo 10). Conhece-as pelo seu nome e elas seguem-no. Dá a vida para as salvar: «Dou a minha vida pela glória de meu Pai, diz o Salvador, porque o amo e ele ama-me porque dou a minha vida pela sua glória (Jo 10, 17). Ora bem, dou também a minha vida pelas
minhas ovelhas, pela sua salvação eterna. Assim, as minhas verdadeiras ovelhas conhecem-me e amam-me». Sou do número destas verdadeiras ovelhas, que amam ardentemente o Bom Pastor do tabernáculo? Infelizmente não, sou uma pobre ovelha imprudente, que erra pelos bosques expostos aos animais ferozes. E o Bom Pastor quer procurar-me, chama-me, quer pegar-me nos seus ombros, perto do seu coração. Será uma grande alegria para ele encontrar-me, comunicará aos seus amigos, convidá-los-á a alegrarem-se com ele (Lc 15). Posso ler esta parábola do Salvador e ficar indiferente? Ele chama-me, espera-me, está triste pela minha ausência, pela minha frieza, pela minha indiferença. Oh! Como o Salvador tem um Coração amoroso e como eu tenho um coração duro! Senhor, fazei violência ao meu coração. (Leão Dehon, OSP 3, 18s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Se vivemos, é para o Senhor que vivemos
se morremos, é para o Senhor que morremos» (Rm 14, 8).
5 Novembro 2021
SEXTA-FEIRA
31ª Semana do Tempo comum
Lectio
Primeira leitura: Romanos 15, 14-21
Irmãos: no que vos toca, estou pessoalmente convencido de que vós próprios estais cheios de boa vontade, repletos de toda a espécie de conhecimento e com capacidade para vos aconselhardes uns aos outros. 15Apesar disso, escrevi-vos, em parte, com um certo atrevimento, como alguém que vos reaviva a memória. Faço-o em virtude da graça que me foi dada: 16ser para os gentios um ministro de Cristo Jesus, que administra o Evangelho de Deus como um sacerdote, a fim de que a oferenda dos gentios, santificada pelo Espírito Santo, lhe seja agradável. 17É, pois, em Cristo Jesus que me posso gloriar de coisas que a Deus dizem respeito. 18Eu não me atreveria a falar de coisas que Cristo não tivesse realizado por meu intermédio, em palavras e acções, a fim de levar os gentios à obediência, 19pela força de sinais e prodígios, pela força do Espírito de Deus.Foi assim que, desde Jerusalém e, irradiando até à Ilíria, dei plenamente a conhecer o Evangelho de Cristo. 20Mas, ao fazê-lo, tive a maior preocupação em não anunciar o Evangelho onde já era invocado o nome de Cristo, para não edificar sobre fundamento alheio. 21Pelo contrário, fiz conforme está escrito: Aqueles a quem ele não fora anunciado é que hão-de ver e aqueles que dele não ouviram falar é que hão-de compreender.
Paulo justifica delicadamente o «certo atrevimento» com que se dirigiu aos Romanos (v. 15). Reconhece que estão «cheios de boa vontade, repletos de toda a espécie de conhecimento», que têm capacidade para se aconselharem uns aos outros, segundo o pensamento do Senhor (v. 14). O Apóstolo limita-se a reavivar-lhes a memória sobre o que já sabem (cf. v. 15). Fala da sua missão de pregador como de um serviço litúrgico (v. 16). Paulo é o liturgo de Cristo, encarregado de um «ofício sagrado» que consiste na «oblação» a Deus daqueles a quem pregou o Evangelho. É assim que presta culto a Deus, tal como tinha lhes tinha recomendado (Rm 12, 1). Este culto é paga da «dívida» (cf. 1, 14) a Cristo, de que Paulo tem plena consciência, pela graça d´Ele recebida. Assim, com a «fraqueza» que lhe é própria, o Apóstolo corresponde à força do Evangelho. O seu apostolado, por «palavras e acções», é confirmado com a «força de sinais e prodígios, com a força do Espírito de Deus» (v. 19).
Evangelho: Lucas 16, 1-8
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:«Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. 2Mandou-o chamar e disse-lhe: 'Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar.' 3O administrador disse, então, para consigo: 'Que farei, pois o meu senhor vai tirar-me a administração? Cavar não posso; de mendigar tenho vergonha. 4Já sei o que hei-de fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido da minha administração.' 5E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro: 'Quanto deves ao meu senhor?' Ele respondeu: 6'Cem talhas de azeite.' Retorquiu-lhe: 'Toma o teu recibo, senta-te depressa e escreve cinquenta.' 7Perguntou, depois, ao outro: 'E tu quanto deves?' Este respondeu: 'Cem medidas de trigo.' Retorquiu-lhe também: 'Toma o teu recibo e escreve oitenta.' O senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza. É que os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes.»
Só tendo presente o contexto de todo o capítulo, que tem o seu centro no v. 14, «Os fariseus, como eram avarentos, ouviam as suas palavras e troçavam dele», podemos compreender o pensamento de Jesus nesta parábola. A primeira parábola (vv. 1-8) ensina o modo correcto de usar os bens; a segunda parábola (vv. 19-31) ensina como não devem ser usados. Em ambas, a lição recai sobre o amor ao dinheiro.
Na primeira parábola, o louvor do administrador infiel pode causar espanto ou mesmo escândalo; mais adiante Lucas compara Deus a um juiz injusto (Lc 18, 1-8); em Mt 10, 16, os discípulos são convidados a ser espertos como as serpentes. Mas não havemos de nos escandalizar: Jesus não nos dá por modelo um qualquer vigarista ou fulano astuto. Pelo contrário, lembra-nos que somos responsáveis pelos bens que não são exclusivamente nossos, mas que devemos considerar dons de Deus e, portanto, tratar com prudência e com audácia dignas de filhos de Deus.
Ao fim e ao cabo, Jesus quer que os filhos da luz, na sua caminhada terrena, sejam mais sagazes do que os filhos deste mundo (v. 8b). A sagacidade de que fala Jesus é directamente funcional ao desejo e à consecução do verdadeiro bem.
Meditatio
Esta parábola de Jesus pode deixar-nos bastante desorientados. Parece insinuar que o fim justifica os meios, que saber desenrascar-se é preferível à honestidade. São palavras provocantes que havemos de escutar em profundidade. Para isso, será bom darmos atenção às palavras com que o Senhor conclui a parábola: «os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes» (v. 8). Há o modo engenhoso de quem, para praticar desonestidades, recorre a análises, a iniciativas, à entrega pessoal. Talvez os discípulos do Senhor nem sempre recorram aos mesmos meios para obter fins honestos, cedendo facilmente diante dos imprevistos, das dificuldades. Jesus não louva a desonestidade do administrador, mas a esperteza com que soube encontrar, numa situação difícil, uma solução que lhe permitiu continuar uma vida cómoda, egoísta.
Deixemo-nos interpelar e verifiquemos a qualidade do nosso discipulado. Quantas vezes baixamos os braços dizendo: «Não é possível... com este povo! Não há nada a fazer nesta sociedade em que vivemos!». Os santos não reagem assim. As dificuldades levam-nos a procurar soluções e a encontrá-las, porque só estão preocupados com o projecto de Deus, e o seu amor é desinteressado, generoso, criativo: «Águas caudalosas não podem apagar o amor, nem os rios o podem submergir» (Cant 8, 7).
É o que verificamos em Paulo, com a sua apaixonada e extenuante corrida evangelizadora. Ser discípulos de Cristo significa ser homens e mulheres criativos, generosos, corajosos. Essa criatividade, generosidade e coragem vêm-lhes da relação íntima com o Senhor, renovada cada dia. É preciso que Ele viva em nós. É preciso que estejamos activamente com Ele e com os irmãos n´Ele. Então, todas as peças do puzzl da nossa existência se integram harmoniosamente, de modo que a nossa vida se torne louvor do Senhor.
A actividade missionária constitui, para o Pe. Dehon e para
nós, uma forma privilegiada de serviço apostólico. Nela, como nas outras actividades apostólicas, a sua preocupação constante, tal como para Paulo, é que a comunidade humana, santificada pelo Espírito Santo, se torne uma oblação agradável a Deus (cf. Rm 15,16).
Oratio
Vem Espírito Santo, força criadora de Deus! Ensina-me a fantasia e a criatividade do amor no seguimento de Jesus, na generosidade para com Ele e para com os irmãos. Ilumina-me, Espírito divino, para que saiba discernir o bem e realizá-lo com criatividade, generosidade, coragem. Que a minha vida seja uma oblação, que Te dê glória e alegria. Que a humanidade e a criação inteira, também com a minha humilde cooperação, se torne para Ti oblação viva, santa e agradável. Amen.
Contemplatio
O zelo não é mais do que o florescer da caridade. Amando ardentemente a Nosso Senhor, cultivamos o zelo pela sua casa, pelo seu culto e serviço, o zelo pelas almas. O zelo assume formas diversas consoante o espírito e a finalidade de cada Instituto. O objecto do nosso zelo é o reino do Coração de Jesus. Este reino é muito vasto; é universal. Mas tem naturalmente exigências especiais e mais urgentes. Nosso Senhor quer santuários dedicados à reparação, Betânias onde possa repousar e encontrar amor e consolação, no meio da indiferença geral e da tibieza até de uma parte do povo eleito. Devemos desejar tais santuários, como David desejava o templo do Senhor: Não deixarei dormir os meus olhos..., enquanto não encontrar um lugar para o Senhor, um santuário para o Deus de Jacob (Si 132, 4-5). A mínima esperança de ter estes santuários deve encher-nos de alegria: ouvimos dizer que (a arca) estava em Éfrata (Si 132, 6). Nas obras de apostolado, devemos preferir as que podem ser mais queridas ao Coração de Jesus: o serviço dos sacerdotes, a sua formação e santificação, a educação das crianças e a dedicação aos operários e aos pobres. Servimos mais directamente o Senhor, sempre que nos dedicamos àqueles a respeito dos quais Jesus afirmou: Em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes estas coisas a um só destes meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim que o fizestes (Mt 25, 40). (Leão Dehon, DIRECTÓRIO ESPIRITUAL, edição portuguesa, n. 199)
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Águas caudalosas não podem apagar o amor» (Cant 8, 7).
6 Novembro 2021
Nuno Álvares Pereira nasceu a 24 de Junho de 1360. Aos treze anos tornou-se pajem da rainha D. Leonor, sendo, pouco depois, armado cavaleiro. Por vontade de seu pai, casou-se aos 16 anos. Dos três filhos do seu matrimónio, dois faleceram ainda crianças, ficando apenas uma filha, Beatriz, que veio a casar com o filho do rei D. João I, D. Afonso, primeiro duque de Bragança. Quando, a 22 de Outubro de 1383, faleceu rei D. Fernando I, não deixou filhos varões, mas apenas uma filha casada com o rei de Castela, que pretendeu apoderar-se da coroa de Portugal. Opôs-se-lhe D. João, Mestre de Avis, irmão de D. Fernando, com o apoio de D. Nuno Alvares Pereira. Este, nomeado Condestável, conduziu o exército português a várias vitórias contra os castelhanos, até à vitória final, em Aljubarrota, a 14 de Agosto de 1385. O Condestável, aos dotes militares, aliava uma espiritualidade sincera e profunda, caraterizada pelo amor à Eucaristia e à Virgem Maria. Com a morte da sua esposa, em 1387, D. Nuno recusa contrair segundas núpcias e, quando a paz é definitivamente estabelecida, distribui grande parte dos bens pelos seus companheiros, antigos combatentes, e faz-se carmelita, com o nome de frei Nuno de Santa Maria. Logo após a sua morte, no dia 1 de Abril de 1431, Fre Nuno começou a ser chamado "santo" pelo povo. Beatificado por Bento XV beatificou-o, em 1918 e Bento XVI canonizou-o, em 2009.
Lectio
Primeira leitura: Ben Sirá 44, 1-3ab.4.6-7.10.13-14
Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados,segundo as suas gerações. 2O Senhor deu-lhes grande glória e magnificência, desde o princípio do mundo. 3Eles governaram nos seus reinos, homens famosos pelo seu poder, conselheiros pela sua inteligência. 4Guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores, pelo seu ensino, 6Homens ricos, dotados de poder, vivendo em paz nas suas casas. 7Todos eles alcançaram glória entre os seus contemporâneos e foram honrados no seu tempo. 10Foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. 13A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim. 14Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração.
Ben Sirá evoca as figuras ilustres que marcaram o passado da história de Israel para, com o seu exemplo, infiltrar vida nova no presente e projetar a esperança do povo na direção do futuro. Se estes homens baseavam a sua esperança na perpetuidade da sua memória, nas homenagens que lhes prestariam as gerações futuras, uma vez que ainda não lhes era muita clara a vida para além da morte, a nossa esperança de cristãos baseia-se em motivações bem mais sólidas: Cristo morto e ressuscitado, nossa esperança. S. Nuno de Santa Maria, grande pelo heroísmo e generosidade com que serviu o povo e pelas benemerências que lhe prestou, é ainda maior pela sua fé, pela sua esperança e pela sua caridade. Animado por essas virtudes, serviu a Pátria e, sobretudo, serviu a Deus.
Evangelho: Lucas 14, 25-33
Naquele tempo, seguia Jesus uma grande multidão. Jesus voltou-se e disse-lhes: 26«Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. 27Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. 28Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? 29Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, 30dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' 31Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? 32Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. 33Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.
O seguimento de Jesus é exigente. Não se pode ser cristã a meias. É o que nos ensinam as duas parábolas (vv. 27-30 e 31-32) e as três sentenças (vv. 26.27.32) que escutamos no evangelho da memória de S. Nuno de Santa Maria. Se os projetos deste mundo impõem custos, planos, sacrifícios, o seguimento de Jesus não é menos exigente. Por isso, se alguém quer ser discípulo de Jesus, deve tomar a cruz para segui-lo (cf. v. 26). A nossa lei é Cristo, com a sua entrega aos pequenos, a sua mensagem de esperança, de perdão e o seu caminho de verdade/fidelidade até à morte. S. Nuno foi discípulo verdadeiro e fiel, como cristão leigo, como militar, como religioso.
Meditatio
"Sabei que o Senhor me fez maravilhas. Ele me ouve, quando eu o chamo" (Sl 4, 4). Estas palavras do Salmo Responsorial exprimem o segredo da vida do bem-aventurado Nuno de Santa Maria, herói e santo de Portugal. Os setenta anos da sua vida situam-se na segunda metade do século XIV e primeira do século XV, que viram aquela nação consolidar a sua independência de Castela e estender-se depois pelos Oceanos - não sem um desígnio particular de Deus - abrindo novas rotas que haviam de propiciar a chegada do Evangelho de Cristo até aos confins da terra. São Nuno sente-se instrumento deste desígnio superior e alistado na militia Christi, ou seja, no serviço de testemunho que cada cristão é chamado a dar no mundo. Características dele são uma intensa vida de oração e absoluta confiança no auxílio divino. Embora fosse um ótimo militar e um grande chefe, nunca deixou os dotes pessoais sobreporem-se à ação suprema que vem de Deus. São Nuno esforçava-se por não pôr obstáculos à ação de Deus na sua vida, imitando Nossa Senhora, de Quem era devotíssimo e a Quem atribuía publicamente as suas vitórias. No ocaso da sua vida, retirou-se para o Convento do Carmo por ele mandado construir. Sinto-me feliz por apontar à Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a prova de que em qualquer situação, mesmo de carácter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus. (Bento XVI, Homilia da Canonização de S. Nuno de Santa Maria).
Oratio
Senhor nosso Deus, que destes a S. Nuno de Santa Maria a graça de combater o bom combate e o tornastes exímio vencedor de si mesmo, concedei aos vossos servos que, dominando como ele as sedições do mundo, com ele vivam para sempre na pátria celeste. Ámen.
Contemplatio
"A devoção a Maria, diz Santo Efrém, é "um salvo-conduto para o céu". "Maria é uma advogada que não perde as suas causas", diz S. Bernardo. Temos disso a prova no milagre de Caná. "Ela não se cansa de nos defender", diz S. Germano... Santo Anselmo aplica-lhe o que é dito da Sabedoria nos santos livros: "Ela antecipa-se às nossas orações para nos vir socorrer" (Sab 6, 14). O mesmo Sto. Anselmo vai até ao ponto de dizer que o socorro vem às vezes mais depressa pela invocação de Maria, enquanto Jesus é Mestre e Juiz. "Como Maria é terrível para o demónio", diz S. Boaventura! E o Santo doutor aplica a Maria o que Job diz da Aurora que faz fugir os ladrões: "O diabo tal como os ladrões atravessa as muralhas de noite, mas se a aurora aparece, foge como os ladrões"... Guardemos a castidade segundo a nossa própria condição... Recitemos o pequeno ofício ou a liturgia das horas". (Leão Dehon, OSP 4, p. 64s.).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"A suas obras de piedade não foram esquecidas" (Ben Sirá, 44, 12).
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S. Nuno de Santa Maria, Religioso (6 de Novembro)
6 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Romanos 16, 3-9.16.22-27
Irmãos: saudai Priscila e Áquila, meus colaboradores em Cristo Jesus, 4pessoas que, pela minha vida, expuseram a sua cabeça. Não sou apenas eu a estar-lhes agradecido, mas todas as igrejas dos gentios. 5Saudai também a igreja que se reúne em casa deles. Saudai o meu querido Epéneto, o primeiro fruto da Ásia para Cristo. 6Saudai Maria, que tanto se afadigou por vós. 7Saudai Andrónico e Júnia, meus concidadãos e meus companheiros de prisão, que tão notáveis são entre os apóstolos e que, inclusivamente, se tornaram cristãos antes de mim. 8Saudai Ampliato, que me é tão querido no Senhor. 9Saudai Urbano, nosso colaborador em Cristo, e o meu querido Estáquio. 16Saudai-vos uns aos outros com um beijo santo. Saúdam-vos todas as igrejas de Cristo. 22Saúdo-vos eu, Tércio, que escrevi esta carta, no Senhor. 23Saúda-vos Gaio, que me recebe como hóspede, assim como a toda a igreja. Saúda-vos Erasto, o tesoureiro da cidade, e o irmão Quarto. 24A graça do Senhor nosso Jesus Cristo esteja com todos vós! Ámen. 25Àquele que tem o poder para vos tornar firmes, de acordo com o Evangelho que anuncio pregando Jesus Cristo, segundo a revelação de um mistério que foi mantido em silêncio por tempos eternos, 26mas agora foi manifestado e, por meio dos escritos proféticos, de acordo com a determinação do Deus eterno, levado ao conhecimento de todos os gentios, para os levar à obediência da fé, 27ao único Deus sábio, por Jesus Cristo, a Ele a glória pelos séculos! Ámen.
Como é seu costume, Paulo termina a carta aos Romanos com saudações a pessoas a que está ligado por amizade e pela colaboração que lhe prestam. É o caso de Áquila e Priscila, um casal que hospedou Paulo em Corinto e em Éfeso (cf. 1 Cor 16, 19 e Actos 18, 2-3.26). Seguem-se os nomes de outras pessoas. Mas a principal referência, na trama das relações de Paulo, é sempre Cristo: em Cristo e por Cristo é a nota dominante nas saudações e nas recordações. Notemos também o «beijo santo» (v. 16), talvez um gesto litúrgico, símbolo da solidariedade, que os fiéis são convidados trocar entre si.
O texto encerra com uma doxologia centrada no mistério do projecto divino de salvação, «mantido em silêncio por tempos eternos, mas agora manifestado, por meio dos escritos proféticos... llevado ao conhecimento de todos os gentios, para os levar à obediência da fé, ao único Deus sábio, por Jesus Cristo, a Ele a glória pelos séculos! Ámen.» (vv. 25-27).
Evangelho: Lucas 16, 9-15
Naquele tempo: disse Jesus aos seus discípulos: 9«Arranjai amigos com o dinheiro desonesto, para que, quando este faltar, eles vos recebam nas moradas eternas. 10Quem é fiel no pouco também é fiel no muito; e quem é infiel no pouco também é infiel no muito. 11Se, pois, não fostes fiéis no que toca ao dinheiro desonesto, quem vos há-de confiar o verdadeiro bem? 12E, se não fostes fiéis no alheio, quem vos dará o que é vosso? 13Nenhum servo pode servir a dois senhores; ou há-de aborrecer a um e amar o outro, ou dedicar-se a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» 14Os fariseus, como eram avarentos, ouviam as suas palavras e troçavam dele. 15Jesus disse-lhes: «Vós pretendeis passar por justos aos olhos dos homens, mas Deus conhece os vossos corações. Porque o que os homens têm por muito elevado é abominável aos olhos de Deus.
Depois de contar a parábola do administrador desonesto, Jesus toma a palavra para explicitar a doutrina. Primeiro, refere-se à morte, momento no qual o dinheiro perderá todo o seu interesse, pois nos será tirada a administração de qualquer bem (v. 9). Depois, vem o convite à fidelidade, frente ao perigo da infidelidade (vv. 10s.). Trata-se de um discurso sapiencial, com que Jesus procura a nossa adesão livre e alegre ao ideal da pobreza evangélica. Se a caridade não se ligar à pobreza, dificilmente terá as características de um ideal evangélico.
Jesus também enuncia uma verdade apodíctica: «Servo algum pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (v. 13). O discípulo de Cristo não tem alternativa. O amor por um implica o ódio pelo outro. O amor por um implica o serviço, porque o amor que não se torna serviço não é verdadeiro. Foi o que Jesus mostrou com a sua vida, antes de o dizer com palavras.
Por fim, Jesus convida à humildade, diante dos fariseus que se têm por «por justos aos olhos dos homens» (v. 15). Caridade, serviço e humildade não pode separar-se, sob pena de perderem todo o valor diante de Deus.
Meditatio
As saudações de Paulo aos seus amigos, que estão longe, revelam-nos a viva e afectuosa recordação que tem deles, a sua caridade. Mais do que as solenes declarações, são os pequenos gestos do dia a dia que tornam o mundo melhor. Dizer que se ama a todos, pode significar que não se ama a ninguém! O amor de Deus, infundido nos nossos corações, ganha forma nas relações humanas que sabemos estabelecer e cultivar. O mandamento novo incarna nas relações concretas que estabelecemos todos os dias com as mais diversas pessoas. Se não incarnar aí, permanece nas nuvens, é estéril!
O "pouco" que temos entre mãos no dia a dia é o espaço precioso onde se revela a glória do Senhor, e em que actuamos a obediência de fé n´Ele. Deus não saltou a humanidade: assumiu-a. Somos nós que distinguimos matéria e espírito e os obriga-nos a estar em oposição. Mas podemos experimentar a unificação interior no "pouco" que nos é confiado. Viver assim, é a verdadeira riqueza de servir com todas as forças e a alcançar a tudo o custo.
Maria de Nazaré foi um coração fiel no "pouco" e no "muito", nas pequenas e nas grandes coisas de que foi tecida a sua vida. Ela viveu na fidelidade aos deveres quotidianos, tantas vezes escondidos, tantas vezes vistos com óbvios, mas que podem tornar-se pesados por serem repetitivos. Foi fiel nos grandes eventos da sua vida, ainda que escondidos: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Depois destas palavras «o anjo retirou-se de junto dela». Que se saiba, não houve mais anjos na vida de Maria. Os mensageiros de Deus serão, a partir desse momento, Isabel, os pastores, o velho Simeão. Mas a sua fidelidade não irá terminar ou diminuir, nem no Calvário, onde oferecerá ao Pai o dom mais precioso, a vida do Filho. Tendo sido fiel nos pequenos e gestos de amor de cada dia, foi fiel no gesto supremo. Que nos alcance de Deus idêntica fidelidade!
Oratio
Senhor, infunde no meu coração a atenção, o respeito, a amizade com que tratavas tod
os quantos Te buscavam ao longo dos caminhos da Palestina. Ensina-me e ajuda-me a estabelecer relações, laços de amizade, com a intensidade única da tua humanidade. Que a beleza do teu amor, concretizada de modo simples e natural, em todas as circunstâncias, me seduza e leve a imitar-Te nas minhas relações com os outros. Amen.
Contemplatio
Jesus é fiel na sua amizade, morreu por nós. Não foi fiel também na sua amizade por nós? Pôde provocar-nos a uma luta de amizade e pretender ao primeiro lugar: «Ninguém ama mais, diz, do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos» (Jo 15). Foi o primeiro a dar a vida por nós. Esta fidelidade tocou profundamente S. João, quando escreve, narrando a Ceia: «Jesus amou os seus até ao fim» (Jo 13). Tinha-nos dado o seu Coração, não o retomou. Nosso Senhor pode dizer-nos: «A minha fidelidade para convosco custou-me todo o meu sangue. Constitui a minha glória, é para mim um título de honra, como o exprimi no Apocalipse: Aquele que estava a cavalo chamava-se o Fiel e o Verdadeiro (Ap 19). - Sede orgulhosos também da vossa fidelidade. Fazei dela um título de glória. Os vossos mais caros interesses dependem dela e a minha amizade é o seu preço». Sejamos fiéis, se quisermos escutar um dia esta sentença: «Vinde, servo bom e fiel, a vossa fidelidade será recompensada, entrai na alegria do Senhor» (Mt 25). Nosso Senhor não faria por nós o que Deus pedia aos justos da Antiga Lei: «Se tiverdes um servo fiel, que ele seja como do vosso sangue; tratai-o como irmão» (Eccli 34). Mas nós, nós já não somos servos, mas amigos (cf. Jo 15). Isto aplica-se particularmente aos padres. É deles sobretudo que Jesus espera a fidelidade que convém aos amigos. Se formos fiéis, o olhar amável de Jesus não nos deixará (cf. Sl 100). Seremos a sua consolação e a sua alegria: «Nada é comparável a um amigo fiel, um amigo fiel é o remédio para as penas da vida» (Eccli 6, 15). Depois de tudo o que Jesus fez por nós, depois das provas de amizade que o seu divino Coração nos deu, especialmente na sua paixão, na santa Eucaristia, na nossa vocação privilegiada, não tem o direito de contar que seremos para Ele amigos fiéis? Que faremos na prática? Devemos examinar-nos primeiro e arrepender-nos. Fomos tão pouco fiéis até ao presente! Infiéis à graça e às divinas inspirações que negligenciámos; infiéis aos nossos deveres de estado; infiéis às nossas promessas mais sagradas, que muitas vezes violámos. Peçamos esta fidelidade que nos falta. Peçamo-la por Maria, a Virgem fiel entre todas. Digamos com Santo Agostinho: «Senhor, fazei-me perseverar nas obras que a vossa vontade pede de mim» (Med 12). A fidelidade é a garantia das consolações divinas e da glória celeste. «Sede fiéis e perseverantes, diz a Imitação, sede firmes e corajosos, e a consolação vos chegará no seu tempo» (Liv 3, c. 31). (Leão Dehon, OSP 4, p. 499s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Ao único Deus sábio, por Jesus Cristo,
a glória pelos séculos! Ámen.» (Rm 16, 26).
8 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Sabedoria 1, 1-7
Amai a justiça, vós que governais a terra, tende para com o Senhor sentimentos rectos e buscai-o com sinceridade de coração. 2Porque Ele deixa-se encontrar por aqueles que não o tentam e revela-se aos que não perdem a fé nele. 3Com efeito, os pensamentos perversos afastam de Deus; e o seu poder, posto à prova, confunde os insensatos. 4A sabedoria não entrará numa alma maligna nem habitará num homem sujeito ao pecado. 5O espírito santo, que nos educa, foge da duplicidade, afasta-se dos pensamentos insensatos, retira-se ao aproximar-se a iniquidade. 6A sabedoria é um espírito benevolente mas que não deixará sem castigo os lábios blasfemos, porque Deus é testemunha dos seus pensamentos, examina o seu coração segundo a verdade e escuta as suas palavras. 7O espírito do Senhor enche o universo, e Ele, que tudo abrange, tem conhecimento de quanto se diz.
O livro da Sabedoria foi provavelmente escrito por um Judeu residente no Egipto, em meados do século I a. C. O autor começa por se dirigir aos reis da terra, mas, no fundo dirige-se a todos quantos querem participar no dom da sabedoria.
«Amai a justiça» (v. 1) é o primeiro convite. Amar a justiça implica a conformidade total, de pensamento, vontade e obras humanas, com a vontade divina, tal como ela se manifesta nos preceitos da Lei e na voz da consciência. O justo é sábio; o ímpio é insensato. Deus e a Sabedoria, e a insensatez/injustiça, repelem-se reciprocamente (cf. vv. 3.5). Os insensatos não acreditam e tentam pôr Deus à prova (v. 2ss.) Os «pensamentos perversos» levam os insensatos à morte, que a escolhem como amiga (cf. Sb 1, 16). Mas a sabedoria conduz à vida (cf. Jb 28, 28). A sabedoria é amiga dos homens (v. 6). Deus, que bem conhece o coração do homem, por Ele criado, é o único capaz de o guiar pelo caminho da vida, graças ao dom da Sabedoria.
Evangelho: Lucas 17, 1-6
Naquele tempo: Jesus disse aos seus discípulos: «É inevitável que haja escândalos; mas ai daquele que os causa! 2Melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar, do que escandalizar um só destes pequeninos. 3Tende cuidado convosco!Se o teu irmão te ofender, repreende-o; e, se ele se arrepender, perdoa-lhe. 4Se te ofender sete vezes ao dia e sete vezes te vier dizer: 'Arrependo-me', perdoa-lhe.» 5Os Apóstolos disseram ao Senhor: «Aumenta a nossa fé.» 6O Senhor respondeu: «Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a essa amoreira: 'Arranca-te daí e planta-te no mar', e ela havia de obedecer-vos.»
Lucas apresenta-nos três temas da pregação de Jesus: o escândalo, o perdão, a fé. É preciso considerá-los de modo unitário.
O discípulo deve ter a preocupação de não provocar escândalo, que leve alguém a afastar-se do caminho iniciado. Trata-se do caminho evangélico. Por isso, Jesus lança um dos seus «ai». O Mestre não pode aceitar o comportamento de quem põe em risco a sua salvação e compromete a dos outros, sobretudo a dos «pequenos» (v. 2). Se é preciso evitar o escândalo, também é preciso conceder o perdão a todos, a todo o custo (vv. 3-4). O perdão é sinal de verdadeiro amor. É no perdão que se revela o amor de Deus para connosco. Jesus, que é a incarnação histórica do amor de Deus, também oferece o perdão àqueles que dele precisam.
Ao terminar o ensinamento, Jesus elogia a fé que, ainda que seja pequena, pode mostrar toda a sua força, mesmo com um milagre. Os discípulos pedem um aumento da sua fé. Jesus responde-lhes falando da eficácia de uma fé genuína (v. 6).
Meditatio
«A sabedoria é um espírito benevolente», diz-nos a primeira leitura (v. 6). Este espírito guia-nos com suavidade e força, ensinando-nos o caminho para chegarmos a Deus, e para estabelecermos uma relação correcta com os outros.
O evangelho apresenta-nos Jesus, Sabedoria de Deus, simultaneamente severo e indulgente: «Ai daquele que causa escândalos! Melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar... Se o teu irmão te ofender sete vezes ao dia e sete vezes te vier dizer: 'Arrependo-me', perdoa-lhe.» (vv. 1-4).
Ao longo da nossa vida, é frequente deparar-nos com situações que exigem atitudes opostas. Nem sempre é fácil fazer um discernimento correcto sobre a altitude a tomar. Muitas vezes, o mais espontâneo é assumir atitudes exactamente opostas àquelas que o evangelho nos recomenda. Somos naturalmente indulgentes connosco. Quando provocamos escândalo, nem sempre nos damos conta disso. Mas, se nos dermos conta, facilmente nos desculpamos, dizendo que, afinal, não há motivos para escândalo. Mas, quando se trata dos nossos interesses, tornamo-nos muito severos. Se alguém nos ofende, achamos que se trata de uma enormidade, que naturalmente não podemos, nem devemos, tolerar nem perdoar. Também é fácil julgarmos, como coisa de pouca importância, aquilo que o Senhor julga com severidade. Pelo contrário somos severos com coisas que Ele olha com indulgência.
A Lei era estimada pelos Hebreus como um dos mais preciosos dons de Deus, que distinguia o Povo de Israel, pela sabedoria, de todos os outros povos, e que indicava o caminho da vida (cf. Sl 119(118). A nova lei, a lei do amor, dá ao novo povo de Deus uma sabedoria ainda maior, que lhe permite praticar sempre a justiça, porque «o amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade.Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará.» (1 Cor 13, 4-7).
Peçamos ao Senhor o dom da sabedoria para julgarmos correctamente, segundo os seus critérios, os critérios do amor.
Oratio
Senhor, Pai santo, infunde no meu coração a tua sabedoria divina, que lance na minha vida a luz recta da tua palavra, e afaste as luzes enganosas das minhas inclinações naturais. Aumenta, Pai santo, a minha fé, para que possa conhecer-me verdadeiramente e conhecer-Te, para que possa conhecer o amor e a misericórdia d´Aquele que veio, não para os justos, mas para os pecadores e que nos ensinou a amar a todos, até aos nossos inimigos. Amen.
Contemplatio
S. Tiago resume toda a vida cristã sob o nome de sabedoria que vem do alto, como S. Paulo a resumiu sob o nome de caridade. «A sabedoria é casta, diz, é modesta, pacífica, dócil aos sábios conselhos, cheia de misericórdia, dedicada às boas obras. Evita os juízos temerários, as mentiras, a duplicidade. É sobretudo amiga da paz interior e do recolhimento que são a condição para escutar a voz de Deus e para praticar a justiça
na pureza de intenção». Sim, é na paz interior, na união com o Sagrado Coração, que poderei praticar a vida de amor e de reparação que Nosso Senhor espera de mim. A modéstia, o recolhimento e a humildade vão preparar-me para isso. (Leão Dehon, OSP 3, p. 506s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«A sabedoria é um espírito benevolente» (Sb 1, 6).
9 Novembro 2021
A Basílica do Santíssimo Salvador, ou de S. João de Latrão, foi fundada pelo Papa Melquíades (311-314) sobre a colina de Latrão. Aí se celebraram sessões de cinco Concílios Ecuménicos. Aí o Papa celebra a Missa da Ceia do Senhor, em quinta-feira santa. Aí multidões de presbíteros e bispos foram ordenados ao longo dos séculos. Daí partiram muitos missionários para os cinco continentes. Uma vez que o Bispo de Roma, Sucessor de Pedro, tem a sua sede na Basílica de Latrão, essa igreja é justamente chamada "mãe e cabeça de todas as igrejas", como se lê no seu frontispício. O aniversário da sua Dedicação é celebrado como festa litúrgica, desde o século XII.
Lectio
Primeira leitura: Ezequiel 47, 1-2.8-9.12
Naqueles dias, o Anjo conduziu-me para a entrada do templo, e eis que saía água da sua parte subterrânea, em direcção ao oriente, porque o templo estava voltado para oriente. A água brotava da parte de baixo do lado direito do templo, a sul do altar. 2Fez-me sair pelo pórtico setentrional e contornar o templo por fora, até ao pórtico exterior oriental; vi rebentar a água do lado direito. 8Ele disse-me: «Esta água corre para o território oriental, desce para a Arabá e dirige-se para o mar; quando chegar ao mar, as suas águas tornar-se-ão salubres. 9Por onde quer que a torrente passar, todo o ser vivo que se move viverá. O peixe será muito abundante, porque aonde quer que esta água chegar, tornar-se-á salubre; e a vida desenvolver-se-á por toda a parte aonde ela chegar. 12Ao longo da torrente, nas suas margens, crescerá toda a sorte de árvores frutíferas, cuja folhagem não murchará e cujos frutos nunca cessam: produzirão todos os meses frutos novos, porque esta água vem do santuário. Os frutos servirão de alimento e as folhas, de remédio.
O tema da manifestação da Glória de Javé na terra de Israel, no meio do seu povo, no templo, como centro vivificante, atinge, a sua máxima expressão no texto de Ezequiel, que hoje escutamos. A presença da Glória de Deus no meio de Israel provocará transformações, que trarão ao povo as mesmas condições de vida do início, da criação. Os quatro rios paradisíacos são agora uma única torrente que irrompe da entrada do templo e desce até Arabá pelo lado direito do mesmo templo. Começando por ser um simples arroio, vai crescendo até se tornar uma torrente intransponível, que fertiliza os campos até ao Mar Morto. O próprio Mar Morto volta a encher-se de vida, porque as suas águas salgadas se tornam salubres. Na nova Jerusalém dos tempos escatológicos, a presença de Javé será uma bênção manifestada em poder vivificante e criador. Este simbolismo da água é retomado pelo Novo Testamento: do Lado aberto de Cristo, templo de Deus no meio dos homens, brotará o Espírito que tudo renova e recria, verdadeira fonte de águas vivas que jorram para a vida eterna.
Segunda leitura: 1 Coríntios 3, 9c-11.16-17
Irmãos: Vós sois o edifício de Deus. 10Segundo a graça de Deus que me foi dada, eu, como sábio arquitecto, assentei o alicerce, mas outro edifica sobre ele. Mas veja cada um como edifica, 11pois ninguém pode pôr um alicerce diferente do que já foi posto: Jesus Cristo. 16Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? 17Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Pois o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós.
A construção da Igreja é realizada por impulso da misteriosa dinâmica divina, sob o alicerce que é Jesus Cristo. O contributo humano necessário, por vontade de Deus, será avaliado, não segundo a dignidade da tarefa encomendada, mas segundo o esforço voluntário de cada um. Tanto faz ser arquiteto como pedreiro! Mas o templo de Deus é a própria comunidade humana. É aí que Deus quer habitar. Os outros templos, mais ou menos grandiosos, hão-de ajudar a que, todos e cada um, se tornem templo do Deus vivo.
Evangelho: João 12, 13-22
Estava próxima a Páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém. 14Encontrou no templo os vendedores de bois, ovelhas e pombas, e os cambistas nos seus postos. 15Então, fazendo um chicote de cordas, expulsou-os a todos do templo com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas pelo chão e derrubou-lhes as mesas; 16e aos que vendiam pombas, disse-lhes: «Tirai isso daqui. Não façais da Casa de meu Pai uma feira.» 17Os seus discípulos lembraram-se do que está escrito: O zelo da tua casa me devora. 18Então os judeus intervieram e perguntaram-lhe: «Que sinal nos dás de poderes fazer isto?» 19Declarou-lhes Jesus, em resposta: «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!» 20Replicaram então os judeus: «Quarenta e seis anos levou este templo a construir, e Tu vais levantá-lo em três dias?» 21Ele, porém, falava do templo que é o seu corpo. 22Por isso, quando Jesus ressuscitou dos mortos, os seus discípulos recordaram-se de que Ele o tinha dito e creram na Escritura e nas palavras que tinha proferido.
Jesus entrara em Jerusalém como vencedor da morte e senhor da vida - ressuscitara Lázaro; entrara no ambiente próprio de um rei triunfante, como indicavam os ramos de palmeira associados ao triunfo dos Macabeus (cf. 1 Mac 13, 50-52; 2 Mac 10, 1-9). Mas é ele próprio que encontra um jumento e monta nele. Não é, pois, o Messias no sentido que o povo esperava, mas o Messias anunciado por Zacarias (cf. Zc 9, 9). Só a partir da sua morte e ressurreição, graças à presença do Espírito, é que tudo isto é entendido pelos próprios apóstolos. Ao contrário do que se pensava, não é o povo que dá autoridade a Jesus, mas o Pai. O seu reino também não é deste mundo. Por isso, os judeus nada tinham a temer, quando verificaram: "toda a gente vai atrás d´Ele."
Meditatio
Hoje a Igreja-Mãe chama-nos para Roma a fim de, ao menos em espírito, celebrarmos com ela o aniversário da Dedicação da Sé Catedral do Papa, que não é, como muitos julgam, a Basílica de S. Pedro do Vaticano, mas é exatamente a Basílica de S. João de Latrão.
A liturgia hodierna sublinha claramente o significado da igreja-edifício, como sinal visível do único verdadeiro templo que é o corpo pessoal de Cristo e o seu corpo místico, que é a Igreja, que celebra num determinado lugar o culto em espírito e em verdade (cf. Jo 4, 23; At 2, 46s.). Para além da sacralização do espírito material, somos estimulados a colher em Cristo homem-Deus a verdadeira sacralidade que, a partir dele, se comunica a todo o povo santo e sacerdotal, batizado e crismado no Espírito, unido ao sumo e eterno sacerdote na única oblação (Heb 10, 14).
A casa do povo de Deus, no que diz respeito à estrutura, ao decoro e à funcionalidade, deve ser tida a peito por todos os crentes, que nela renascem para a vida divina, e que nela serão abençoados para o último êxodo pascal, rumo à pátria. É casa de todos e, como tal, deve ser cuidada e guardada com amor também no seu aspeto exterior, que é sinal da nossa pureza interior" (CEI, Rito da Dedicação de uma igreja, Orientações Pastorais, Roma 1981, 12-14).
Na festa da Dedicação da Catedral de Roma, sigamos um conselho do P. Dehon: "Renovemos a nossa devoção e a nossa confiança para com a Igreja romana. Sejamos dóceis a todos os seus ensinamentos, a todas as suas orientações. Amemo-la, veneremo-la tanto mais quanto mais ela for atacada e combatida. Rezemos pelo Soberano Pontífice e pela Igreja". (Leão Dehon, OSP 3, p. 70).
Oratio
Senhor, Pai santo, nós vos damos graças. Nesta casa visível, que nos destes a graça de construir, incessantemente concedeis os vossos favores à vossa família, que, neste lugar, peregrina para Vós. Aqui nos dais o sinal admirável da vossa comunhão connosco e nos fazeis participar no mistério da vossa aliança: aqui edificais o vosso templo, que somos nós, e fazeis crescer a Igreja, presente em toda a terra, na unidade do Corpo do Senhor, que, um dia, tornareis perfeita na visão da paz da celeste Jerusalém. Com os Anjos e os Santos, nós Vos louvamos, no templo da vossa glória. Ámen. (cf. Prefácio da Missa).
Contemplatio
As grandes ordenações em S. João de Latrão são realmente emocionantes. A cerimónia é feita no coro da Basílica, ao pé da mesa da Ceia, testemunha da primeira ordenação no Cenáculo, junto das sagradas cabeças de S. Pedro e de S. Paulo, que depois de Jesus, são a nascente do sacerdócio, e nesta igreja que é a cabeça e a mãe de todas as igrejas. Sobre estas lajes prostraram-se, depois de S. Silvestre e de Constantino, muitos milhares de padres que vinham receber a unção sacerdotal ou a consagração episcopal. Daí partiram os apóstolos de tantas nações. Aí renova-se cada ano a nascente do apostolado pelas ordenações de clérigos de todas as nações. Experimentei aí as mais profundas e as melhores emoções da minha vida. (Leão Dehon, Memórias (NHV), 65-66).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"O templo de Deus é santo, e esse templo sois vós" (1 Cor 3, 17).
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Dedicação Da Basílica De Latrão (9 de Novembro)
9 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Sabedoria 2, 23 - 3, 9
Deus criou o homem para a incorruptibilidade e fê-lo à imagem do seu próprio ser. 24Por inveja do diabo é que a morte entrou no mundo, e hão-de prová-la os que pertencem ao diabo. 1As almas dos justos estão nas mãos de Deus e nenhum tormento os atingirá. 2Aos olhos dos insensatos pareceram morrer, a sua saída deste mundo foi tida como uma desgraça, 3a sua morte, como uma derrota. Mas eles estão em paz. 4Se aos olhos dos homens foram castigados, a sua esperança estava cheia de imortalidade. 5Depois de terem sofrido um pouco, receberão grandes bens, pois Deus os provou e achou dignos de si. 6Ele os provou como ouro no crisol e aceitou-os como um holocausto. 7No tempo da intervenção de Deus, os justos resplandecerão e propagar-se-ão como centelhas através da palha. 8Julgarão as nações e dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre. 9Aqueles que nele confiam compreenderão a verdade, e os que são fiéis no amor habitarão com Ele, pois a graça e a misericórdia são para os seus eleitos.
«Deus criou o homem para a incorruptibilidade» (v. 23), isto é, para a imortalidade, esperança daqueles que n´Ele confiam (cf. v. 9). É esta a mensagem do nosso texto, construído a partir da sorte aparente/real dos justos. O destino original do homem é a imortalidade, isto é, uma vida que não conhece a morte, uma vez que foi feito à imagem de Deus (2, 23), ainda que, «por inveja do diabo» (2, 24), a morte se apresente como espectro da existência.
Pela primeira vez, ao aprofundar a questão da retribuição - os justos devem ser premiados e os maus castigados - e usando linguagem filosófica, por influência da cultura helenista, fala-se de vida eterna. E isso acontece ao comentar Gn 2-3, onde se narra como, desde as origens, a morte e a vida se atravessam no caminho do homem.
É preciso confiar no Senhor, é preciso ir além das aparências, onde se fixam os que olha, de modo apressado e superficial, o tempo que passa. É preciso esperar que termine o tempo da provação, talvez aquele porque passava o povo hebreu na época dos Macabeus, sob o rei Antíoco Epífanes. Então será satisfeita a confiança dos justos, e de todos os que esperaram contra toda a esperança. Os justos receberão, resplandecerão, dominarão (cf. vv. 5-9), porque, na verdade, «estão em paz» (v. 3), «estão nas mãos de Deus» (v. 1), desde já e para sempre.
Evangelho: Lucas 17, 7-10
Naquele tempo, disse o Senhor: «Qual de vós, tendo um servo a lavrar ou a apascentar gado, lhe dirá, quando ele regressar do campo: 'Vem cá depressa e senta-te à mesa'? 8Não lhe dirá antes: 'Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, enquanto eu como e bebo; depois, comerás e beberás tu'? 9Deve estar grato ao servo por ter feito o que lhe mandou? 10Assim, também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: 'Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer.'»
Jesus, depois de ter falado da fé, dirige-se aos apóstolos e, por meio da parábola do servo (seria mais exacto traduzir «escravo»), recomenda-lhes que se façam servos («escravos») de todos. Mais uma vez, Jesus acentua que, na lógica do Reino, não conta tanto o que se faz quanto a intenção, o estilo, o método com que se faz. Não recomenda uma humildade genérica, ou protocolar: o que Lhe interessa realmente é o que pensam e pretendem fazer os apóstolos, quando se põem ao seu serviço e ao serviço da sua causa. Deus não precisa de nós, nem das nossas ajudas; mas quer colaboradores em total sintonia com o seu projecto de salvação, aqui e agora personificado em Jesus de Nazaré.
«Escravos inúteis» (v. 10), isto é, comuns, simples... O que Jesus quer que os apóstolos interiorizem é a atitude que, Ele mesmo, demonstrará na véspera da paixão: depor o manto, servir os irmãos e, no fim, julgar-se e declarar-se «escravos inúteis» (cf. Lc 22, 24-27; Jo 13, 1-17).
Meditatio
O livro da Sabedoria convida-nos a olhar em profundidade o mundo, a vida, o tempo que passa, sem nos deixarmos iludir pelas aparências: «As almas dos justos estão nas mãos de Deus... Aos olhos dos insensatos pareceram morrer, a sua saída deste mundo foi tida como uma desgraça, a sua morte, como uma derrota. Mas eles estão em paz. Se aos olhos dos homens foram castigados, a sua esperança estava cheia de imortalidade» (vv. 1-4). A ilusão de quem julga pelas aparências está em acreditar que quem é contrariado, perseguido, atormentado pelos homens, é profundamente infeliz. Mas a realidade é bem diferente: aquele que é perseguido por causa da sua fé está nas mãos de Deus, unido a Ele, cheio de esperança e de paz, em qualquer situação. Quem consegue ver o mais profundo da realidade dá-se conta de que a felicidade não está nos prazeres mundanos. Estes provocam no homem um terrível vazio, que o leva a procurar mais prazeres, numa correria louca para encontrar satisfação e plenitude de vida.
O mártir sabe que não está só. Unido à paixão de Cristo, tem consciência de o próprio Cristo sofre com ele, sofre nele. «Deus os provou e achou dignos de si. Ele os provou como ouro no crisol e aceitou-os como um holocausto» (vv. 5s.).
Em todos os sofrimentos, busquemos a intenção de Deus, que é sempre uma intenção de amor. Prova-nos como ouro no crisol para nos purificar, para nos conduzir a um amor mais profundo, mais desinteressado. Se alcançarmos de Deus a graça de compreender isto, estaremos sempre em paz, mesmo no meio dos maiores sofrimentos. Pensemos nos Mártires, mas também em tantos outros Santos, como Francisco de Assis, que, já doente e cego, entoou o cântico do irmão Sol. Pensemos em tantos outros santos, que encontramos ao longo da vida, e que, no meio de enormes sofrimentos, nos souberam transmitir serenidade e paz. Recordo concretamente um cristão, que encontrei em Moçambique, em 1967, e que, já no leito de morte, cantava a alegria do encontro com o Senhor, que sabia estar prestes a acontecer. Lembro uma enfermeira que, a morrer de cancro, num hospital de Lisboa, transmitia paz, serenidade e esperança a quem dela se aproximava. É bem certo que: «aqueles que confiam em Deus compreenderão a verdade, e os que são fiéis no amor habitarão com Ele, pois a graça e a misericórdia são para os seus eleitos.» (v. 9).
O cristão consegue ver para além das suas aparências mais ou menos dramáticas da morte. O seu sofrimento é iluminado pela esperança, tanto no que se refere à sua morte como à dos outros, a quem se une, "na esperança" de os rever no céu. Também nós, dehonianos, participamos dessa esperança. Mas para além dela, consideramos a sua e a nossa morte como o úl
timo e supremo acto da nossa oblação de amor e de reparação, em união "à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst 6), a continuar na eternidade.
Oratio
Senhor, tudo o que sou e tenho, de Ti o recebi. Ajuda-me a que faça de toda a minha existência uma restituição dos teus dons. Dá-me a certeza de que já estou Contigo naquela vida que durará eternamente, e de que a morte é apenas uma terrível passagem. Aumenta em mim a fé nesta eternidade de amor, que já saboreio em cada cintila de amor humano que recebo. Creio, Senhor, que, como acordo todas as manhãs, um dia ressuscitarei na tua aurora. Não será um prémio a que tenho direito, mas o definitivo transbordar da tua infinita misericórdia. Amen.
Contemplatio
Aconteceu a S. Policarpo o que tinha acontecido ao seu mestre S. João, o fogo do seu coração ultrapassou e extinguiu o fogo material com que o envolviam. Tinha-se oferecido ao suplício. Como o quisessem pregar ao poste: «Deixai-me, tinha dito, aquele que me dá a força para sofrer o fogo, dar-me-á a graça de permanecer firme sobre a fogueira, sem o socorro dos vossos pregos». Contentaram-se a ligá-lo com cordas. Assim amarrado, ergueu os seus olhos ao céu e disse: «Senhor, Deus todo poderoso, dou-vos graças pelo que me haveis concedido neste dia, por ser posto no número dos vossos mártires e tomar parte no cálice do vosso Cristo, a fim de que eu ressuscite para a vida eterna. Que eu seja admitido hoje com eles na vossa presença, como uma vítima de agradável odor, tal como a haveis preparado, predito e cumprido, vós que sois o verdadeiro Deus; eu vos bendigo, vos glorifico pelo pontífice eterno e celeste, Jesus Cristo vosso filho, ao qual seja dada glória, assim como a vós e ao Espírito Santo, agora e por toda a eternidade. Amen!» Quanto disse amen, acenderam o fogo, mas por um milagre surpreendente, a chama, em vez de consumir o santo mártir, estendeu-se à volta dele como a vela de um barco inchada pelo vento. Os pagãos, vendo que o fogo se recusava a servi-los, mandaram ferir o santo com um golpe de espada e o seu sangue extinguiu a fogueira. Venera-se ainda, no anfiteatro de Esmirna, a recordação deste drama. (Leão Dehon, OSP 3, p. 93s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Deus criou o homem para a incorruptibilidade» (Sb 2, 23).
10 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Sabedoria 6, 1-11
Ouvi, ó reis, e entendei; aprendei, ó vós que governais em toda a terra! 2Prestai ouvidos, vós que reinais sobre as multidões e vos gloriais do número dos vossos povos! 3Porque do Senhor recebestes o poder, e a soberania vem do Altíssimo, que julgará as vossas obras e examinará os vossos pensamentos. 4Pois, sendo ministros do reino, não governastes com rectidão nem respeitastes a Lei, nem seguistes a vontade de Deus. 5De modo terrível e inesperado, Ele vos aparecerá, pois um julgamento rigoroso será feito aos grandes. 6O pequeno, com efeito, encontrará misericórdia, mas os poderosos serão examinados com rigor. 7O Senhor de todos não temerá ninguém nem se intimidará com a grandeza, pois Ele criou o pequeno e o grande e de todos cuida igualmente. 8Mas, para os poderosos, o julgamento será severo. 9A vós, pois, ó reis, se dirigem as minhas palavras para que aprendais a sabedoria e não pequeis. 10Aqueles que se conduzem segundo as leis santas serão reconhecidos como santos, e os que se deixam instruir por elas, nelas encontrarão a sua defesa. 11Ansiai, pois, pelas minhas palavras, desejai-as ardentemente e sereis instruídos.
O autor dirige-se aos reis e a todos os que governam a terra, convidando-os a escutar (cf. v. 1), - princípio de sabedoria. A escuta da lei/sabedoria é eficaz, porque realiza o que ouviu, conformando a vida à Palavra do Senhor. O poder vem de Deus, e quem o detém deve servir o seu reino, como ministros, isto é, como servidores. No fim, serão julgados sobre o modo como exerceram o seu serviço. Será um juízo imparcial. O rigor do juízo será proporcional às responsabilidades de cada um. Deus, que cuida de todos, garante justiça aos pequenos, mas guarda com amor vigilante todos os caminhos. Por isso, a todos pedirá contas, conforme ao poder de servir dado a cada um. Assim, o convite à sabedoria é dirigido a todos. A sabedoria abre o caminho da imortalidade a quem a tem e usa para servir a Deus e aos homens. Mais do que filosofia, a sabedoria é um itinerário místico, que encontra e se deixa encontrar por «aquele que não dorme por causa dela» (6, 15) satisfazendo-lhe o desejo.
Evangelho: Lucas 17, 11-19
Naquele tempo, 11Quando caminhava para Jerusalém, Jesus passou através da Samaria e da Galileia. 12Ao entrar numa aldeia, dez homens leprosos vieram ao seu encontro; mantendo-se à distância, 13gritaram, dizendo: «Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós!» 14Ao vê-los, disse-lhes: «Ide e mostrai-vos aos sacerdotes.» Ora, enquanto iam a caminho, ficaram purificados. 15Um deles, vendo-se curado, voltou, glorificando a Deus em voz alta; 16caiu aos pés de Jesus com a face em terra e agradeceu-lhe. Era um samaritano. 17Tomando a palavra, Jesus disse: «Não foram dez os que ficaram purificados? Onde estão os outros nove? 18Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?» 19E disse-lhe: «Levanta-te e vai. A tua fé te salvou.»
Jesus retoma a viagem para Jerusalém, onde como os profetas, será chamado a dar a vida. Entra numa aldeia de samaritanos e deixa-se interpelar por um grupo de leprosos. Eram samaritanos, estrangeiros para os judeus; eram leprosos e tornavam impuro quem se aproximasse deles (vv. 12s.). Mas Jesus é o salvador de todos, o irmão universal. Veio para todos: não faz acepção de pessoas, não despreza ninguém por pertencer a um determinado povo ou a uma certa raça; muito menos despreza alguém por estar doente. Jesus realiza este milagre com a sua habitual discrição e abertura aos mais pobres entre os pobres, àqueles que mais precisam da sua intervenção salvadora.
São curados os 10 leprosos; mas só um deles sente a obrigação de agradecer (v. 15). O gesto de se lançar aos pés de Jesus significa, não só a sua gratidão pelo milagre, mas também a decisão de se tornar discípulo (v. 16). E só ele é plenamente curado, no corpo e na alma. Não basta encontrar Jesus. É preciso escutar a sua palavra, deixar-se atrair pela graça e segui-lo para onde quer que vá. O caminho da salvação vai da graça recebida, à gratidão, ao louvor.
Meditatio
A gratidão parece uma das tantas espécies em vias de extinção no mundo de hoje. Todos reivindicamos direitos, mas nem sempre sentimos o dever de agradecer a quem livre e desinteressadamente nos faz bem. Muitas vezes não agradecemos sequer a Deus pelos seus inumeráveis dons de cada dia. Talvez saibamos pedi-los. Mas nem sempre agradecemos convenientemente.
As leituras de hoje podem ajudar-nos a meditar na importância da gratidão. Os reis e governadores da primeira leitura orgulhavam-se do seu poder. Mas não se lembravam que ele lhes fora dado pelo Senhor para governarem com rectidão, segundo a Lei, e cumprirem a vontade do Altíssimo. Era essa a forma de mostrarem gratidão para com Deus. Cumprindo a sua vontade, reconheciam que não eram donos de nada nem de ninguém, mas que tudo tinham recebido d´Ele para o serviço dos seus povos.
No evangelho, Jesus acentua a importância da gratidão. O Senhor curou dez leprosos. Mas só um sentiu necessidade de voltar atrás para agradecer. Os outros, habituados aos benefícios de Deus, julgavam ter-lhes direito e não se sentiram na obrigação de agradecer. Não se passará o mesmo connosco, cumulados de bênçãos de Deus? Não continuarão os afastados do Senhor a manifestar maior admiração do que nós pelas suas intervenções misericordiosas? Mas, se nos habituarmos a não agradecer a Deus as graças que nos dá, afastamo-nos d´Ele, e perdemos dons ainda maiores. Só àquele estrangeiro que voltou a agradecer a cura da lepra, Jesus pôde dizer: «Levanta-te e vai. A tua fé te salvou.» (v. 19). Os outros apenas ficaram com a cura da sua doença! Mas, mais importante do que essa cura era a relação com Jesus, a relação da fé que salva. Receber um milagre é, no fundo, algo de secundário. O mais importante é a relação com Deus, a que o milagre nos convida. Para uma criança, mais importante do que receber um presente, é sentir-se amada. Deus quer que sintamos o seu amor, quer que O reconheçamos, não porque reivindica os seus direitos, mas porque, mais do que dar-nos isto ou aquilo, quer dar-se a Si mesmo. Reconhecendo os seus dons, e agradecendo, completamos a relação por Ele iniciada, e que não fica perfeita sem a nossa colaboração. É por isso que é importante agradecer, reconhecer que Deus nos ama!
A gratidão para com Deus é, pois, uma grande ajuda na nossa caminhada espiritual. Quando não agradecemos, facilmente podemos cair o egoísmo e no orgulho, como os reis e governadores da primeira leitura.
Jesus estava sempre pronto a dar graças ao Pai, mesmo durante a Paixão. A Paixão é, aliás, um sacrifício de acção de graças, como vemos na instituição da Eucaristia.
Oratio
Ó meu Deus, inflamai o meu coração de reconhecimento e de amor por vós. Quero que a minha memória e o meu pensamento se dirijam muitas vezes para Vós e que o meu coração Vos diga a sua gratidão de manhã, à noite, nas horas de exame de consciência, depois dos acontecimentos felizes e mesmo depois das cruzes que são os dons do vosso amor para me purificar e me santificar. (Leão Dehon, OSP 4, p. 545).
Contemplatio
A oração serve também para exprimir o reconhecimento pelos benefícios que recebemos. Se alguém recebeu um socorro numa necessidade premente, se alguém venceu uma tentação ou triunfou de uma dificuldade, se alguém teve algum sucesso num empreendimento de ordem espiritual ou de ordem temporal, deixará passar esta ocasião de testemunhar a Nosso Senhor o seu reconhecimento? Quem ama sinceramente a Nosso Senhor, mistura-o de tal modo a tudo o que faz, que não tem necessidade de reflectir nem de raciocinar para lhe dizer o reconhecimento do seu coração. Os santos iam mais longe, agradeciam a Nosso Senhor mesmo os seus insucessos, porque viam neles uma prova querida ou permitida por Nosso Senhor para os manter na humildade. Este hábito deve tornar-se em nós tão natural que os nossos lábios murmurem por si mesmos uma palavra afectuosa pelo Salvador. É o conselho de Nosso Senhor: É preciso rezar sempre (Lc 18). É preciso rezar com o espírito, com o coração e com os lábios. Rezamos com o espírito quando pensamos em Nosso Senhor; com o coração quando o amamos; com os lábios quando lhe dizemos: Rezarei com o espírito, mas rezarei também com a inteligência (Cor 14, 15). Nosso Senhor mesmo reza em nós: No qual clamamos: Abba Pai! A graça ajudar-nos-á, se lhe correspondermos. «Não poderíamos rezar utilmente por nós mesmos» (2Cor 3, 5). (Leão Dehon, OSP 4, p. 577s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Levanta-te e vai. A tua fé te salvou.» (Lc 17, 19).
11 Novembro 2021
S. Martinho nasceu na Panónia, na atual Hungria, no ano 316. O pai orientou-o para a carreira militar. Ainda catecúmeno, deu prova de coerência e de amor cristão para com os pobres. Recebido o batismo, orientado por S. Hilário de Poitiers, deixou as armas e consagrou-se a Deus na vida monástica. Começou por viver como eremita. Depois, sempre aconselhado por S. Hilário, fundou em Ligugè o primeiro mosteiro cristão do Ocidente. Em 373 foi escolhido para bispo de Tours. Até à morte, ocorrida em 397, dedicou-se com incansável solicitude à formação do clero, à pacificação entre os povos e à evangelização. Foi um dos primeiros santos, não mártires, a ser honrado pela liturgia da Igreja.
Lectio
Primeira leitura: Da féria ou do Comum
Evangelho: Mateus 25, 31-40
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: "Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes".
O discurso sobre o "juizo final", é o ponto final e culminante do ministério público de Jesus, segundo Mateus. Retomando o capítulo 7 de Daniel, Jesus fala do Filho do homem como juiz glorioso que introduz no reino de Deus. Todos passam por um discernimento inevitável (vv. 32s.), cujo critério surpreende. Nesse momento, de fato, fica-se a compreender que o Filho do homem vindo na glória "com todos os seus anjos" (v. 31), estava desde sempre presente em todos os pobres e fracos. O Filho do homem, agora sentado no trono de glória, identifica-se com todos os "irmãos mais pequeninos" (v. 40). Felizes o que neste mundo tiverem partilhado a sua porção dealegria com os aflitos. Com surpresa, irão herdar o reino para eles preparado pelo Pai "desde a criação do mundo" (v. 34).
Meditatio
Deus, misericordioso para com todos, particularmente para com os pobres, os famintos, os aflitos, revela o seu poder e a sua bem-aventurança realizando generosamente as obras de misericórdia. Os que, ensinados por Cristo, e com a graça do Espírito Santo, imitam a Deus Pai na sua misericórdia, são verdadeiramente bem-aventurados. S. Martinho de Tours é um desses bem-aventurados, porque sobre partilhar a sua capa, e tudo quanto era e quanto possuía, com os mais pobres e aflitos. O povo cristão admirou a sua generosidade e reconheceu a sua bem-aventurança, venerando-o, celebrando-o e criando sugestivas tradições ligadas à sua memória. A sua vida, escrita por Sulpício Severo, chegou bem depressa a todo o Império romano. Durante a Idade Média fizeram-se peregrinações ao seu sepulcro, quase tantas como aos sepulcros dos Apóstolos, em Roma. A sua fama de taumaturgo transportava toda a espécie de enfermos e necessitados, com a esperança de alcançarem cura das suas doenças e males.
Nascido de pais pagãos, Martinho converteu-se ao cristianismo, recebendo o batismo. Cheio de Espírito Santo, amou a todos com o coração de Cristo, dando o que tinha recebido, sem fazer cálculos. A sua caridade era intuitiva e preveniente. Começou por dar a todos o que tinha de mais precioso: a vida da graça. Como monge, deu a sua oração perene de louvor, de ação de graças e de intercessão. Como bispo, prodigalizou-se em favor dos doentes e pobres, que o aguardavam à porta da igreja, esperando a cura, e a generosidade das suas esmolas. Chegou a dar a sua própria roupa, logo depois de endossar os paramentos litúrgicos. Descobriu a Cristo nos pobres quando ainda era militar e catecúmeno e, desde então, a sua vida tornou-se milícia em prol do evangelho.
"É na disponibilidade e no amor para com todos, especialmente para com os pequenos e os que sofrem, que viveremos a nossa união a Cristo. Como poderíamos, efetivamente, compreender o amor que Cristo nos tem, senão amando como Ele em obras e em verdade? Neste amor de Cristo encontramos a certeza de alcançar a fraternidade humana e a força de lutar por ela." (Cst 18). S. Martinho, amando como Cristo, compreendeu e experimentou o seu amor.
Oratio
S. Martinho, a piedade, o amor por Nosso Senhor, o zelo pela perfeição, a caridade para com o próximo são uma bela regra de vida. Todas estas virtudes estão interligadas. O desapego e a austeridade são a sua condição, mas é o amor que dá asas à alma para avançar rapidamente pela via da santidade. Grande santo, fazei-me participar no vosso grande amor por Nosso Senhor. Amén. (cf. Leão Dehon, OSP 4, p. 448s.).
Contemplatio
A caridade é a virtude caraterística de S. Martinho. É apresentado dando metade do seu manto a um pobre. Foi este grande ato de caridade que lhe ganhou o Coração de Nosso Senhor e que lhe preparou todas as suas graças. Foi um apóstolo infatigável. Percorreu a Gália, convertendo os pagãos pelas suas pregações e pelos seus milagres. Destruía os templos e mandava construir igrejas para os substituir. Na sua bondade, solicitava junto dos príncipes, em Tréveris, o perdão dos criminosos, a liberdade dos cativos, o regresso dos exilados ou o alívio dos pobres e dos infelizes. Sabia persuadir o imperador de que todas estas obras serviam para a sua glória. Ao cair doente, está pronto para retardar a alegria da sua recompensa, se Nosso Senhor ainda o quiser utilizar na terra. Quando os seus discípulos em lágrimas lhe suplicam que os não deixe, dirige a Nosso Senhor esta oração tão conhecida: «Senhor, se sou ainda necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar. Seja feita a vossa vontade!» Este era o segredo dos seus sucessos apostólicos e dos seus progressos incessantes na virtude: a conformidade à vontade divina em todas as coisas. Esta admirável vida convida-nos ao louvor de Deus, ao reconhecimento e à imitação das virtudes deste amável santo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 449).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"Senhor, se ainda sou necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar. Seja feita a vossa vontade!" (S. Martinho de Tours).
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S. Martinho de Tours, bispo (11 de Novembro)
11 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Sabedoria 7, 22 - 8, 1
Na sabedoria há um espírito inteligente e santo, único, múltiplo e subtil, ágil, penetrante e puro, límpido, invulnerável, amigo do bem e perspicaz, 23livre, benéfico e amigo dos homens, estável, firme e sereno, que tudo pode e tudo vê, que penetra todos os espíritos, os inteligentes, os puros e os mais subtis. 24A sabedoria é mais ágil que todo o movimento e por sua pureza tudo atravessa e penetra. 25Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação pura da glória do Omnipotente, pelo que nada de impuro entra nela. 26Ela é um reflexo da luz eterna, um espelho imaculado da actividade de Deus e uma imagem da sua bondade. 27Sendo uma só, tudo pode; permanecendo em si mesma, tudo renova; e, derramando-se nas almas santas de cada geração, ela forma amigos de Deus e profetas, 28pois Deus só ama quem vive com a sabedoria. 29Ela é mais radiante que o sol, e supera todas as constelações; comparada com a luz, sai vencedora, 30pois a luz dá lugar à noite, mas sobre a sabedoria não prevalece o mal. 1Ela estende-se com vigor de uma extremidade à outra e tudo governa com bondade.
O autor desenvolve a personificação da Sabedoria, tecendo o seu elogio. Descreve-a servindo-se da sucessão de vinte e um atributos (vv. 22s.), número simbólico que exprime a perfeição absoluta, enquanto é obtido pela multiplicação de sete (número da perfeição) por três (número da plenitude). No Novo Testamento, alguns releram essas características, atribuindo-as a Cristo. Pensemos, por exemplo, na perspicácia (Ap 1, 16), no poder de bem (Act 10, 38), na filantropia ( Tt 3, 4).
O autor evidencia a origem e a natureza divinas da Sabedoria, utilizando, quer a terminologia bíblica, quer a terminologia filosófica (vv. 25s.). Os termos sopro, irradiação, reflexo exprimem, mesmo que com diferentes acentuações, a origem e a consubstancialidade a Deus, enquanto os termos espelho e imagem indicam a identidade da natureza, na distinção. Finalmente trata-se da actividade da Sabedoria, seja na formação de «amigos de Deus e profetas» (v. 27), seja na criação, renovação e governo de tudo «com bondade» (8, 1).
O «espírito de sabedoria» (Is 11, 2), na teologia posterior, informará a acção de Cristo, cujo primado na criação (Cl 1, 15-29) será lido com as mesmas funções aqui indicadas. A nossa própria existência, iluminada pelo escândalo da cruz, será apontada como «sabedoria de Deus» (cf. 1 Cor 1, 24.30).
Evangelho: Lucas 17, 20-25
Naquele tempo: Interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o Reino de Deus, Jesus respondeu-lhes:«O Reino de Deus não vem de maneira ostensiva. 21Ninguém poderá afirmar: 'Ei-lo aqui' ou 'Ei-lo ali', pois o Reino de Deus está entre vós.» 22Depois, disse aos discípulos: «Tempo virá em que desejareis ver um dos dias do Filho do Homem e não o vereis. 23Vão dizer-vos: 'Ei-lo ali', ou então: 'Ei-lo aqui.' Não queirais ir lá nem os sigais. 24Porque, como o relâmpago, ao faiscar, brilha de um extremo ao outro do céu, assim será o Filho do Homem no seu dia. 25Mas, primeiramente, Ele tem de sofrer muito e ser rejeitado por esta geração.
Escutamos hoje o chamado "Pequeno discurso escatológico" do evangelho de Lucas (cf. Lc 21, onde encontramos o "Grande discurso escatológico"). Trata-se de um breve mas intenso ensinamento de Jesus, provocado por uma pergunta dos fariseus acerca do tempo em que há-de vir o Reino de Deus. Jesus não condescende com a miopia espiritual nem com interesses egoístas. Por isso, não dá uma resposta exacta. Não veio para satisfazer curiosidades. Começa por se exprimir de modo negativo, para que não caiamos em ilusões, mas aprendamos a discernir situações e pessoas que possam hipnotizar a nossa atenção ou desviar a nossa fé. Como verdadeiro mestre, alerta-nos para possíveis desvios, e indica o caminho que devemos seguir.
Mas há duas afirmações positivas neste discurso de Jesus, que devemos notar. Primeiro, fala do desejo do crente em «ver um dos dias do Filho do Homem» (v. 22), que todos havemos de sentir e que Ele quer satisfazer; depois, afirma a necessidade de «primeiramente, ter de sofrer muito e ser rejeitado» (v. 25). Antes da escatologia, tem se realizar-se a Páscoa de Jesus. Quem aceitar ir com Ele até Jerusalém e partilhar a sua Páscoa, prepara-se para ir ao encontro final com o Salvador.
Meditatio
Os sábios do Antigo Testamento reconheceram que a sabedoria não é dos homens, mas tem algo de divino: «um espírito inteligente e santo, único, múltiplo e subtil, ágil, penetrante e puro, límpido, invulnerável, amigo do bem e perspicaz, livre, benéfico e amigo dos homens, estável, firme e sereno, que tudo pode e tudo vê, que penetra todos os espíritos, os inteligentes, os puros e os mais subtis» (vv. 22s.). Mais ainda: «Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação pura da glória do Omnipotente» (v. 25). A sabedoria é, pois, uma luz intelectual, que penetra todas as coisas, mas também luz espiritual, que é muito mais, pois dá conhecimento às pessoas, as põe em relação com o próprio Deus e, «forma amigos de Deus e profetas» (v. 27). Esta revelação do Antigo Testamento já é muito preciosa: a nossa vida intelectual é uma certa participação na vida divina. Mas, no Novo Testamento, é completada e ultrapassada pela revelação de Jesus, Sabedoria divina que ilumina todas as circunstâncias da vida humana e os faz viver em total relação com Deus. A Sabedoria não é somente «um sopro do poder de Deus» (v. 25), mas, como lemos na carta aos Hebreus, é «resplendor da sua glória e imagem fiel da sua substância e que tudo sustenta com a sua palavra» (1, 3). É o Verbo Incarnado. Sendo assim, o dom de Deus, o reino de Deus, no meio de nós, é Jesus: «O Reino de Deus não vem de maneira ostensiva... o Reino de Deus está entre vós.» (vv. 20-22). É, pois, preciso acolher Jesus dentro de nós, cumprindo o seu ardente desejo expresso na oração ao Pai, antes da Paixão: «Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim» (Jo 17, 23). Para reconhecer a luz e o amor de Deus na vida de cada dia, é preciso estar vigilantes. Jesus, que era o Reino de Deus em pessoa, aparentemente era um homem como os outros, não manifestava habitualmente a sua glória de Filho de Deus. E todavia veio do Pai para nos ensinar o caminho da sabedoria. A Sabedoria é Ele mesmo.
Oratio
Senhor, dai-me esta água a beber, a água da vossa sabedoria, que brota do vosso divino Coração. Tenho sede dela, desejo-a, peço-a. Dai-me esta sabe
doria, quero preparar-me para ela, tanto quanto está em mim, pela pureza do coração e pela vigilância. Quero evitar o pecado venial e a tibieza, que vos afastam do meu coração. Perdoai-me o passado, ajudai-me no futuro. Amen (Leão Dehon, OSP 3, p. 552).
Contemplatio
A sabedoria divina refere tudo ao nosso fim soberano, que é a glória de Deus. A sabedoria humana, que é loucura, toma por fim e por primeiro princípio, ou a honra, ou o prazer, ou qualquer outro bem temporal, nada mais apreciando senão isso e a isso referindo tudo, nada mais procurando nem estimando do que isso e desprezando todo o resto. O verdadeiro sábio, diz S. Tomás, julga bem das coisas que dizem respeito à sua conduta, porque as julga em relação ao primeiro princípio e ao fim último, que é Deus; e o outro julga mal porque não toma esta causa soberana por regra dos seus sentimentos e das suas acções. O mundo está cheio desta espécie de loucura. A maior parte dos homens têm o gosto depravado, porque metem o seu fim, ao menos em prática, na criatura e não em Deus. Cada qual tem algum objecto ao qual se prende e ao qual refere tudo e isto é uma loucura. O mundo chama loucura ao que é a verdadeira sabedoria diante de Deus. O Sagrado Coração de Jesus amou a humildade, a pobreza, a cruz e a abjecção, como meios de reparar as nossas faltas. As almas dotadas com o dom da sabedoria sentem um sabor delicioso nestes objectos que Nosso Senhor amou, mas poucas almas têm os sentidos suficientemente apurados para sentirem este odor e para apreciarem este sabor que são todos sobrenaturais. Os santos correram atrás do odor destes perfumes. Os apóstolos estavam alegres por levarem a cruz por Jesus. (Leão Dehon, OSP 3, p.551s.)
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«A sabedoria forma amigos de Deus e profetas» (Sb 7, 27).
12 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Sabedoria 13, 1-9
São insensatos todos aqueles homens em que se instalou a ignorância de Deus e que, a partir dos bens visíveis, não foram capazes de descobrir aquele que é, nem, considerando as obras, reconheceram o Artífice. 2Antes foi o fogo, o vento ou o ar subtil, a abóbada estrelada, ou a água impetuosa, ou os luzeiros do céu que tomaram por deuses, governadores do mundo. 3Se, fascinados pela sua beleza, os tomaram por deuses, aprendam quão mais belo que tudo é o Senhor, pois foi o próprio autor da beleza que os criou. 4E se os impressionou a sua força e o seu poder, compreendam quão mais poderoso é aquele que os criou, 5pois na grandeza e na beleza das criaturas se contempla, por analogia, o seu Criador. 6Estes, contudo, merecem só uma leve censura porque talvez se extraviem, apenas por buscarem Deus e quererem encontrá-lo. 7Movendo-se no meio das suas obras, investigam-nas, mas deixam-se seduzir pela aparência, pois são belas as coisas que vêem. 8De qualquer modo, nem sequer estes são desculpáveis, 9porque, se tiveram tanta capacidade para poderem perscrutar o universo, como não descobriram, primeiro, o Senhor dessas coisas?
A grandeza e a beleza da Criação remetem-nos para o Criador. Mas o autor do nosso texto, que vive em ambiente helenista, onde predominam os cultos pagãos politeístas, verifica que nem sempre os homens foram capazes de ler correctamente a Criação. A consideração da grandeza do mundo criado, e da sabedoria de Deus, não é nova. Encontramo-la no livro de Job (36, 22-26) e em Isaías (40, 12-14). Mas é impressionante a acentuação da beleza (v. 3).
Há que remontar ao Senhor de todas as criaturas, Àquele que formou tudo quanto existe, porque «o que é invisível nele - o seu eterno poder e divindade - tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras.» (Rm 1, 20). Mas Deus, que deixou que «cada povo seguisse o seu caminho» (Act 14, 16), imprimiu na criação as marcas da sua passagem para que pudéssemos encontrá-l´O. Isso nem sempre aconteceu (v. 1). Mas não têm desculpa, porque «o que de Deus se pode conhecer está à vista deles, já que Deus lho manifestou» (Rm 1, 19).
Evangelho: Lucas 17, 26-37
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 26Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também nos dias do Filho do Homem: 27comiam, bebiam, os homens casavam-se e as mulheres eram dadas em casamento, até ao dia em que Noé entrou na Arca e veio o dilúvio, que os fez perecer a todos. 28O mesmo sucedeu nos dias de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, construíam; 29mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, Deus fez cair do céu uma chuva de fogo e enxofre, que os matou a todos. 30Assim será no dia em que o Filho do Homem se revelar. 31Nesse dia, quem estiver no terraço e tiver as suas coisas em casa não desça para as tirar; e, do mesmo modo, quem estiver no campo não volte atrás. 32Lembrai-vos da mulher de Lot. 33Quem procurar salvar a vida, há-de perdê-la; e quem a perder, há-de conservá-la. 34Digo-vos que, nessa noite, estarão dois numa cama: um será tomado e o outro será deixado. 35Duas mulheres estarão juntas a moer: uma será tomada e a outra será deixada. 36Dois homens estarão no campo: um será tomado e o outro será deixado.» 37Tomando a palavra, os discípulos disseram-lhe: «Senhor, onde sucederá isso?» Respondeu-lhes: «Onde estiver o corpo, lá se juntarão também os abutres.»
Jesus quer ensinar aos discípulos a verdadeira esperança. Por isso, completa o discurso sobre a sua última vinda. Para que a esperança não se torne utópica e não crie ilusões fáceis, Jesus une-a à fé. A fé, por sua vez, une-nos, desde já, ao Senhor e à sua morte e ressurreição. Unindo a esperança à fé, ficamos a saber quem esperamos, e não nos interessa quando ou como isso acontecerá.
Jesus ilustra o ensinamento com dois exemplos: o de Noé (vv. 26s.) e o de Lot (vv. 28s.). Só aparentemente estes dois factos históricos evidenciam o carácter improviso e repentino do dilúvio, no caso de Noé, e da chuva de fogo, no caso de Lot. O que Jesus quer acentuar é a necessidade de estar prontos quando Deus se manifestar no seu poder: prontos a reconhecê-lo, prontos para ser introduzidos na alegria eterna e na comunhão com Ele. O verdadeiro ensinamento de Jesus é, pois, este: não devemos considerar apenas Noé e Lot como figuras de crentes, mas também os seus contemporâneos, representados pela mulher de Lot (v. 32). Viviam esquecidos de Deus e preocupados com os bens terrenos: foi nessa situação que foram surpreendidos pelo castigo de Deus. É a sua indiferença perante a imprevisível intervenção de Deus, e a sua cegueira espiritual, é a sua incapacidade para se darem conta da dramaticidade dos tempos que atrai a atenção de Jesus, do evangelista e a nossa.
Meditatio
A Criação, na multiplicidade das suas formas e manifestações, oferece-nos um precioso espaço para a nossa relação com Deus. Mais ainda: as criaturas falam-nos do Criador. Sendo assim, a Criação é a primeira manifestação da beleza e do amor de Deus, e é, ao mesmo tempo, a primeira palavra com que respondemos ao seu amor.
A palavra de Jesus, hoje, diz-nos que Ele há-de voltar. Quando tal acontecer, compreenderemos que a nossa vida vale na medida em que a damos a Ele, e a gastamos no cumprimento dos nossos deveres de cada dia, em união com Ele. É desse modo que estaremos prontos para o encontro definitivo. Não poderá surpreender-nos a vinda d´Aquele com quem vivemos em permanente relação.
No tempo de Jesus, os Judeus desejavam ardentemente a vinda do Reino de Deus. Várias vezes interrogaram Jesus sobre o «dia do Filho do homem», em que se havia de realizar o desígnio da justiça divina. Jesus nunca indicou uma data. Limitou-se a exortar à vigilância, a estar prontos. O Senhor não queria fazer profecias extraordinárias, tão ao gosto das pessoas do seu tempo, como do nosso. O mais importante era que compreendessem, e também nós compreendamos, que é preciso estar prontos para receber Deus na nossa vida, seja nos acontecimentos extraordinários como nos de cada dia. Quem não estiver preparado pode ser surpreendido, «como sucedeu nos dias de Noé... e sucedeu nos dias de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, construíam». Quando Deus veio, não os encontrou preparados. Também na nossa vida, o encontro com Deus pode acontecer de modo inesperado. A morte, mesmo para quem está gravemente doente, chega sempre de improviso! Há, pois, que estar preparados, vivendo em união com o Senhor. A árvore cai para onde pende. Quem vive em união com o Senhor, «em Cristo», só pode morrer em união com o Senhor, «em Cristo» (cf. Rm 6, 1ss.).
Oratio
Senhor Jesus, dou-vos graças
por todos os mistérios da nossa salvação e da nossa redenção. Procurar-vos-ei doravante fielmente com Madalena. Não quero perder-vos mais por minha causa. Por isso, evitarei o pecado, desapegar-me-ei das criaturas, e viverei no recolhimento e na união com o vosso divino coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 377).
Contemplatio
É preciso fazer o que Deus quer. Isso é marcado pelo nosso estado, pelo nosso regulamento de vida. «Aplico-me, dizia Nosso Senhor, àquilo que o meu Pai quer» (Lc 2). É preciso fazê-lo com cuidado. Jesus fez bem todas as coisas. Coloquemo-nos muitas vezes esta questão: «O que faria Nosso Senhor neste momento em meu lugar, e como o faria?» Não ceder à preguiça, que é a mãe de todas as tentações. Não se deixar levar pela pressa natural. Tudo por Deus, tudo por Jesus, com ele e sob o seu olhar. Nada de dissipação, nada de ligeireza. É preciso possuir a nossa alma docemente na união com Deus, com Nosso Senhor. União, no trabalho, aos sentimentos do Coração de Jesus. Tudo pelo amor de Deus e pela reparação. «Tende cuidado, diz o piedoso Luís de Blois, em oferecer as vossas boas obras e os vossos exercícios ao dulcíssimo e sacratíssimo Coração de Jesus Cristo, para que sejam purificados por este Coração e aperfeiçoados; porque este Coração cheio de amor e de ternura apraz-se nisso, e está sempre pronto a aperfeiçoar em vós, de uma maneira excelentíssima, o que há de imperfeito» (Miroir spirituel). (Leão Dehon, OSP 3, p. 112s.).
Actio
Repete frequentemente e vive a palavra:
«Caminhai no amor» (cf. 2 Jo 6).
13 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Sabedoria 18, 14-16; 19, 6-9
Quando um silêncio profundo envolvia todas as coisas e a noite ia a meio do seu curso, 15então, a tua palavra omnipotente desceu do céu e do trono real e, como um implacável guerreiro, lançou-se para o meio da terra condenada à ruína, trazendo, como espada afiada, o teu irrevogável decreto. 16 Deteve-se e encheu de morte o universo;de um lado, tocava o céu, do outro, pisava a terra. 6É que toda a criação, obediente às tuas ordens, tomava novas formas em sua própria natureza para guardar os teus filhos de todo o mal. 7Uma nuvem cobriu de sombra o acampamento e do que dantes era água viu-se emergir terra seca, o Mar Vermelho tornou-se um caminho transitável, e as ondas impetuosas, uma planície verdejante; 8por ali passou todo o povo, protegido pela tua mão, contemplando prodígios admiráveis. 9Iam como cavalos pastando no prado,e como cordeiros saltitando, e glorificavam-te, Senhor, a ti que os salvavas.
O autor do livro da Sabedoria, percorrendo a história de Israel, vê nela a obra da Sabedoria, que actua em conformidade com a vontade de Deus. Hoje, considera particularmente os acontecimentos do Êxodo. Começa por narrar a morte dos primogénitos dos egípcios, atribuída a Deus pela mão do anjo exterminador. Este sinal, abre caminho à saída de Israel do Egipto. Menciona-se particularmente o tempo, meia-noite, em que esse sinal foi dado (v. 14; cf. Ex 11, 4.12.29). A Sabedoria, aqui, é identificada com a palavra eficaz de Deus (cf. Is 11, 4; 55, 11).
Nos versículos 6-9, do capítulo 19, a atenção centra-se na passagem do mar vermelho. O Êxodo é visto como uma nova criação, onde ao «espírito», que «adejava sobre as águas» do caos primordial (Gn 1, 2), corresponde a «nuvem» que acompanha Israel no seu caminho (Nm 9, 15ss.) e lhe torna fecunda como «sombra» (cf. Lc 1, 35) as etapas. E aparece a «terra enxuta», a «planície verdejante» e a «estrada livre» para aqueles que Deus protege com a sua mão (cf. Ex 14, 21s; Gn 1, 9-12).
Em conclusão: a natureza traz as marcas de Deus que a criou, e toda a história está assinalada por elas: «Em tudo, Senhor, Tu engrandeceste e glorificaste o teu povo,e não deixaste de o assistir em todo o tempo e lugar.», escreve o nosso autor no fim do seu livro (Sb 19, 22).
Evangelho: Lucas 18, 1-8
Naquele tempo: Depois, disse-lhes uma parábola sobre a obrigação de orar sempre, sem desfalecer: 2«Em certa cidade, havia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. 3Naquela cidade vivia também uma viúva que ia ter com ele e lhe dizia: 'Faz-me justiça contra o meu adversário.' 4Durante muito tempo, o juiz recusou-se a atendê-la; mas, um dia, disse consigo: 'Embora eu não tema a Deus nem respeite os homens, 5contudo, já que esta viúva me incomoda, vou fazer-lhe justiça, para que me deixe de vez e não volte a importunar-me.'» 6E o Senhor continuou: «Reparai no que diz este juiz iníquo. 7E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e há-de fazê-los esperar? 8Eu vos digo que lhes vai fazer justiça prontamente. Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?»
Esta parábola, por um lado, alerta para a necessidade de perseverar na oração; por outro, lembra o ensinamento de Jesus sobre a certeza do seu regresso e sobre a gravidade do juízo que há pronunciar sobre aqueles que não seguem a justiça.
Devemos notar a interrogação de Jesus no v. 7: «E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e há-de fazê-los esperar?» Pensando em Deus, este «fazer justiça» tem a ver com a sua fidelidade às promessas e, portanto, com a sua vontade de perdão e de salvação. Deus é justo enquanto justiça: é essa a concepção bíblica de justiça.
«Há-de fazê-los esperar?» (cf. v. 7b). Esta pergunta também ilumina a nossa busca. Deus, de facto, de acordo com o ensinamento bíblico, não é apenas justo, mas também paciente e bom. Manifesta a sua arte pedagógica não só ao ouvir as nossas orações, mas também ao estabelecer os tempos e os modos em que irá intervir. Este comportamento de Deus causa um certo escândalo, porque Ele espera, talvez demasiado tempo, antes de fazer justiça. Esta paciência de Deus, por vezes, torna impacientes os crentes.
«Eu vos digo que lhes vai fazer justiça prontamente» (v. 8ª). Está aqui o fim da parábola; o que segue pode considerar-se um acrescento posterior. É deste modo que Jesus pretende confirmar a nossa fé em Deus-Pai, que contrariamente às nossas incertezas e crises, toma conta de todos aqueles que, na pobreza, O escolhem como único Senhor.
Meditatio
Provavelmente, não há criatura humana que, durante a sua existência, pelo menos por alguns momentos, não tenha desejado perceber sensivelmente a presença de Deus, e ter sinais inequívocos de que Ele se interessa por nós e escuta as nossas orações.
Talvez também eu tenha vivido pessoalmente esses anseios, ficando perplexo e desiludido por não os ver realizados. Deus parece escapar-nos, mesmo quando nos parece vislumbrá-l´O perto de nós. Mas a palavra de Deus recorda-nos, hoje, algo que facilmente esquecemos: é na história que encontro a Deus e posso estabelecer uma relação íntima e pessoal com Ele. Não são os espaços infinitos das experiências exotéricas que me conduzem ao encontro com Deus, mas os eventos concretos que tecem a minha vida e a história. É aí que hei-de procurar respostas às minhas preces e sinais concretos da sua acção misericordiosa e salvadora. Deus não "manobra" a história: guarda-a e sustem-na. Faz com que tudo concorra para a realização da sua obra salvadora.
Tudo isto me interpela. A fé é uma relação com Deus, é adesão a Ele e aos seus desígnios, e não um facto ocasionado por uma necessidade que quero ver satisfeita, ou o reflexo de ímpeto emotivo. A fé de Maria, invocada pela Igreja como sede da Sabedoria, foi essa adesão incondicional a Deus e ao seu projecto de salvação da humanidade. São muito poucas as palavras de Maria conservadas nos evangelhos. Mas há um ensinamento precioso que nos deixou: «Fazei o que Ele (Jesus) vos disser» (Jo 2, 5). Em Caná, tendo os servos feito o que Jesus disse, a água foi transformada em vinho. A palavra do Senhor, «Fazei o que Ele (Jesus) vos disser» (Jo 2, 5), tornou-se a regra essencial da vida cristã, que não é outra coisa que fazer e viver o que Jesus fez e disse. Vivendo essa regra, o nosso dia a dia, ainda que nos pareça insignificante e monótono, como a "água" de um rio que corre e não deixa marcas, pode transformar-se no «melhor vinho» (Jo 2, 10), se for feito e vivido na docilidade
à vontade de Deus, caminhando no seu amor. Em união com Jesus, todas as nossas acções, mesmo a mais insignificantes e banais se transformam em «melhor vinho».
Oratio
Senhor, hoje quero falar-te desta história, que me parece ter enlouquecido, e não consigo entender. Ensina-me a descobrir os tuas pegadas nos caminhos nublosos, lamacentos e tortuosos da humanidade. Deus da história, aumenta em mim a fé! Faz-me simples e puro, para que não tema reconhecer-Te naqueles com quem me cruzo no dia a dia, para que consiga descobrir-Te como rocha segura, no meio dos ventos e das marés da vida, para que possa ver-Te como luz radiante, que ilumina as minhas trevas no caminho da vida eterna. Amen.
Contemplatio
Fala-se pouco em Nazaré. O Evangelho transmite a conversa de Maria com o anjo Gabriel, esta não dissipa. - Maria troca também algumas palavras com Santa Isabel. É uma saudação, depois o cântico do Magnificat. Temos ainda algumas palavras de Maria a Jesus no Templo, depois a sua intervenção em Caná. Que belas lições de fé e de piedade nestas duas conversas de Maria com a sua parente Isabel e com os servos dos esposos de Caná! Saúda Isabel e convida-a a dar graças a Deus. Exorta os servos de Caná a fazer tudo o que Jesus lhes disser. Eis o que eram os pensamentos e as palavras de Maria. E nós, nós procuramos muitas vezes conversas que distraem. Todos os ruídos do mundo vêm ao nosso espírito pelas conversas inúteis e por uma atenção demasiado grande dada à imprensa quotidiana. Que pode então restar de recolhimento, de vida interior, de união com Deus? Nosso Senhor é um Deus de paz, não se agrada na agitação 1Rs 19, 11). O amável desejo de Nosso Senhor era sempre: «A paz esteja convosco!». (Leão Dehon, OSP 3, p. 159)
Actio
Repete frequentemente e vive a palavra:
«Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5).
15 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: 1 Macabeus 1, 10-15.41-43.54-57.62-64
Naqueles dias, da descendência de Alexandre da Macedónia, saiu aquela raiz de pecado, Antíoco Epifânio, filho do rei Antíoco, que estivera em Roma como refém, e tornou-se rei no ano cento e trinta e sete da era dos gregos. 11Nesta época, surgiram também, em Israel, filhos perversos que seduziram o povo, dizendo: «Façamos aliança com as nações vizinhas, porque desde que nos separámos delas sobrevieram-nos imensos males.» 12Pareceu-lhes bom este conselho. 13Alguns de entre o povo decidiram-se e foram ter com o rei, o qual lhes concedeu autorização para seguirem os costumes pagãos. 14Edificaram em Jerusalém um ginásio, segundo o estilo dos gentios, 15dissimularam os sinais da circuncisão, afastaram-se da aliança com Deus, coligaram-se com os estrangeiros e tornaram-se escravos do pecado.41Então, o rei Antíoco publicou um édito para todo o seu reino, prescrevendo que todos os povos se tornassem um só povo, 42abandonando as suas leis particulares. Todos os gentios se conformaram com esta ordem do rei, 43e muitos de Israel adoptaram a religião de Antíoco, sacrificando aos ídolos e violando o sábado. 54No dia quinze do mês de Quisleu, do ano cento e quarenta e cinco, o rei edificou a abominação da desolação sobre o altar dos sacrifícios, e construíram altares em todas as cidades de Judá. 55Queimaram incenso diante das portas das casas e nas praças públicas, 56rasgaram e queimaram todos os livros da Lei, que encontraram. 57Todo aquele que tivesse em seu poder um livro da aliança ou mostrasse gosto pela lei, morreria, em virtude do decreto do rei. 62Foram muitos os israelitas que resolveram, no seu coração, não comer nada de impuro, preferindo antes morrer, a manchar-se com alimentos impuros; 63e preferiram ser trucidados, a manchar-se com alimentos impuros e a profanar a aliança santa. 64Foi muito grande a cólera que caiu sobre Israel.
A helenização da Palestina, começada muito antes, acentuou-se com a conquista militar de Alexandre Magno, em 331 a. C. Atrás dos soldados, chegaram o comércio, a literatura, as artes, os desportos, ou seja, uma nova cultura e estilo de vida. Esta nova cultura era uma ameaça para a Lei judaica, que implicava umas exigências e um género de vida muito opostos ao estilo e aos gostos helénicos. Bem cedo começaram reacções e revoltas contra a situação. Mas tudo se agravou quando Antíoco IV Epifânio quis impor a helenização pela força, e conseguiu mesmo adeptos entre os hebreus (cf. v. 15). Com um édito (cf. vv. 41-43), Antíoco IV pretendeu unificar os povos que lhe estavam submetidos, abolindo as leis particulares e as autonomias. Era a unidade procurada em oposição à vontade de Deus, como no mito da torre de Babel. Mas o pior foi quando o rei pretendeu colocar um ídolo sobre o altar do templo de Jerusalém, e ordenou sacrifícios aos ídolos em todas as cidades de Judá. Os Hebreus não podiam guardar os livros sagrados, mas deviam destruí-los. Quem desobedecesse à lei, devia ser morto (vv. 54-57). Houve uma forte reacção anti-helénica protagonizada pelos Macabeus. Os fiéis à fé e à tradição hebraica foram perseguidos, e vários foram massacrados. Apesar de tudo, muitos mantiveram-se fiéis à fé dos pais, seguindo escrupulosamente as suas tradições, nomeadamente no que se refere aos alimentos.
Evangelho: Lucas 18, 35-43
Naquele tempo: 35Quando se aproximavam de Jericó, estava um cego sentado a pedir esmola à beira do caminho. 36Ouvindo a multidão que passava, perguntou o que era aquilo. 37Disseram-lhe que era Jesus de Nazaré que ia a passar. 38Então, bradou: «Jesus, Filho de David, tem misericórdia de mim!» 39Os que iam à frente repreendiam-no, para que se calasse. Mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem misericórdia de mim!» 40Jesus parou e mandou que lho trouxessem. Quando o cego se aproximou, perguntou-lhe: 41«Que queres que te faça?» Respondeu: «Senhor, que eu veja!» 42Jesus disse-lhe: «Vê. A tua fé te salvou.» 43Naquele mesmo instante, recobrou a vista e seguia-o, glorificando a Deus. E todo o povo, ao ver isto, deu louvores a Deus.
Lucas situa o episódio da cura do cego nos arrabaldes de Jericó. Lá irá situar também o episódio de Zaqueu. Jericó, tal como Jerusalém, era uma cidade importante para o evangelista, porque evocava acontecimentos notáveis da história de Israel.
Há semelhanças entre os episódios da cura do cego e do encontro com Zaqueu: Jesus dá atenção ao cego, que jaz à beira da estrada (v. 40), mas a multidão tenta fazê-lo calar (v. 39ª); Jesus chama Zaqueu, que estava empoleirado no sicómoro (19, 5); a multidão murmura quando Ele se deixa acolher na casa de Zaqueu (19, 7).
O cego começa por chamar a Jesus «Filho de David» (v. 38) e pede-lhe «misericórdia»; depois, chama-o «Senhor» (v. 41) e pede-lhe um milagre. Há um amadurecimento da sua fé. Jesus fora-lhe apresentado apenas como «Jesus de Nazaré» (v. 37); mas ele acaba por reconhecê-lo como Messias e Senhor.
No final, depois de ter recebido o dom da vista, ouvirá Jesus dizer-lhe: «A tua fé te salvou» (v. 42). Só a fé nos permite reconhecer o mistério.
Meditatio
Enquanto as dominações assíria, babilónica e persa sobre Israel foram, sobretudo, de carácter político, a dominação grega estendeu-se à cultura e à religião. Tratou-se de um verdadeiro processo de helenização, que interessava a uma parcela de judeus renegados, que se converteram em militantes da helenização. Geralmente, pertenciam às classes economicamente mais abastadas e dedicadas ao comércio, interessadas em melhorar as relações com os povos vizinhos. Os mais decididos dirigiram-se a Antíoco, em busca de apoio. O ginásio era uma das instalações desportivas próprias das cidades-Estado gregas. A sua introdução em Jerusalém, mais do que um relaxamento de vida, implicava uma nova constituição política, correspondente às cidades-Estado gregas que tinham à frente um corpo e um conselho de cidadãos. O novo estatuto político e administrativo colocava Jerusalém numa categoria superior, facilitava as relações com outras cidades do império sírio e oferecia-lhe maiores oportunidades comerciais.
Sob esta nova lei, a circuncisão, o sábado e a separação dos gentios já não eram exigidas. Os judeus que quisessem podiam continuar a observar estas práticas, mas tinham deixado de ser a lei oficial. Eliminada a Lei, caía a Aliança, da qual a Lei era como que a Magna Carta.
Os poderes absolutos sempre tentaram manipular a identidade das pessoas e dos povos, de acordo com as suas ideologias e os seus interesses. Isso aconteceu no passado e, ao que parece continua a acontecer no presente. Não é difícil encontrarmos go
vernos, com maiorias absolutas ou sem elas, mais apostados em promover as suas ideologias, do que em buscar o verdadeiro bem dos cidadãos, tantas vezes mergulhados em situações de verdadeiro desespero. Para isso, não se coíbem de atentar contra a identidade nacional do seu povo, ou mesmo destruí-la, com o que tem de mais precioso - a sua fé - em nome de um pseudo-progresso ou de uma falsa modernidade. Parece repetir-se aquilo que se conta dos bizantinos, ridicularizando-os. Diz-se que, tendo os turcos às portas da cidade, e prestes a entrar nela, continuavam a discutir o "sexo dos anjos"...
O evangelho leva-nos a meditar sobre a oração. Um cego, em altos brados e com insistência, reza: «Jesus, Filho de David, tem misericórdia de mim!» (v. 38). Escutado o seu grito, sua oração torna-se louvor que se alarga a todo o povo: «O cego seguia-o, glorificando a Deus. E todo o povo, ao ver isto, deu louvores a Deus» (v. 43).
Podemos e devemos fazer oração de súplica, não para tentar forçar Deus a dar-nos o que queremos, mas para Lhe prestarmos a homenagem de Lhe pedir o que julgamos importante para nós, deixando-Lhe sempre a decisão de nos dar, ou não, o que pedimos, pois só Ele sabe qual é o nosso verdadeiro bem. Mas há duas condições para que a oração de súplica seja escutada: que estejamos conscientes de precisar da ajuda do Senhor, como estava o cego, e que tenhamos uma grande confiança. Sem confiança, a nossa oração de súplica pode manifestar apenas desânimo e desespero. É principalmente a confiança que nos alcança os favores de Deus: «A tua fé te salvou» (v. 42).
A oração é sempre útil, também quando vivemos momentos pessoais ou colectivos difíceis, como aqueles por que estamos a passar. Quando se vive uma tão grande crise económica, quando tantos concidadãos estão no desemprego ou a caminhar para ele, quando tantas famílias sofrem a fome, e vemos os que nos governam mais preocupados com falsos problemas, apetece-nos gritar: «Jesus, Filho de David, tem misericórdia de nós!» O cego, convencido da sua necessidade, gritou pelo Senhor. Esse grito, por sua vez, fê-lo tomar maior consciência da sua necessidade e tomar as decisões oportunas, mesmo contra a opinião dos que o rodeavam.
Peçamos ao Senhor que tenha compaixão de nós. Ele não deixará de a ter. E a consciência da nossa necessidade tornar-se-á maior, com as consequências concretas que isso possa vir a ter para nós e para a transformação da sociedade em que vivemos.
Oratio
Senhor, bem vês quanto sou miserável e carenciado, quanto preciso de Ti. Creio firmemente que, na tua bondade, terás piedade de mim e irás curar-me e curar a situação em que vivo com tantos irmãos e irmãs. Creio, Senhor! Escuta a minha oração, para que possa bendizer-te e louvar a tua infinita misericórdia. O meu louvor irá propagar-se e o teu nome será bendito por muitos outros irmãos e irmãs. Amen.
Contemplatio
Penitência e oração! Como temos disso necessidade! Viestes, ó Maria, em 1858, (a Lourdes) quando começavam as conspirações contra a vossa Igreja. Como se agravaram desde então! Há luta por toda a parte e uma luta violenta. A vida religiosa, a educação cristã, a família, tudo o que há de sagrado é o ponto de mira das seitas. Os demónios mais temíveis parecem desencadeados por uma permissão divina. Os costumes públicos estão em decadência como a fé. Há uma imprensa imunda que suja os espíritos. Penitência e oração! Como é que chegaremos a isso? Seriam necessárias grandes expiações. Vítimas da perseguição, atingidos pela confiscação e pelo exílio, ofereçamos os nossos sofrimentos, as nossas privações, as nossas dores, para obtermos misericórdia. O mal é imenso. Rezemos muito. Ofereçamos em cada dia algum acto de penitência: uma privação, um miserere, uma pública retractação. Gritemos piedade e misericórdia! Dirijamo-nos ao Coração de Jesus por intercessão da Virgem Imaculada. (Leão Dehon, OSP 3, p. 154).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Jesus, Filho de David, tem misericórdia de mim!» (Lc 18, 38)
16 Novembro 2021
Santa Gertrudes nasceu no dia 6 de Janeiro de 1256, festa da Epifania, mas nada se sabe dos seus pais, nem do lugar do seu nascimento. Entrou no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorreu toda a sua existência. Adquiriu vasta cultura e entregou-se à vida contemplativa. Foi uma das maiores místicas da Idade Média. As suas obras estão na base da difusão do culto do Sagrado Coração de Jesus. É uma das padroeiras da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.
Lectio
Primeira leitura: Efésios 3, 14-19
Irmãos: Eu dobro os joelhos diante do Pai, 15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.
Depois de ter anunciado as maravilhas de Deus, Paulo irrompe numa oração vibrante de amor. Ajoelha diante do Pai, origem de toda a paternidade no céu e na terra (v. 15), e pede-lhe que os Efésios sejam fortificados interiormente pelo Espírito Santo (v. 16). No fundo, pede para eles uma fé robusta, para que Cristo habite nos seus corações e, desse modo, cresça neles o sinal típico de pertença a Cristo: a caridade. O Apóstolo sabe que, só quando estiverem «enraizados e alicerçados no amor» (v. 17), em comunhão com os outros crentes, serão capazes de compreender «a largura, o comprimento, a altura e a profundidade» daquele amor que ultrapassa todas as categorias humanas (v. 18). Assim é porque é de Deus e só com a força de Deus podemos realizar a nossa vocação: receber «a plenitude de Deus» (v. 19). Com entusiasmo, Paulo louva a Deus porque é capaz de realizar maravilhas muito maiores do que possamos pensar e desejar. Sentimos em todo o texto que o conhecimento do mistério de Deus não é fruto do nosso esforço intelectual, mas de amor admirado, que brota de uma atitude profundamente interior e contemplativa.
Evangelho: da féria ou do Comum
Meditatio
Santa Gertrudes, a Grande, é uma das místicas mais famosas... Com a sua vida e pensamento, ela incidiu de modo singular sobre a espiritualidade cristã. É uma mulher extraordinária, dotada de particulares talentos naturais e de excecionais dons de graça, de humildade profundíssima e de zelo ardente pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus na contemplação e de prontidão no socorro aos necessitados...
Entra no mosteiro com cinco anos, em 1261, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Ali transcorre toda a sua existência... Gertrudes é uma estudante extraordinária... Fascinada pelo saber, dedica-se ao estudo profano com fervor e tenacidade, alcançando êxitos escolares para além de qualquer expectativa... A literatura, a música, o canto e a arte da miniatura conquistam-na; tem uma índole forte, decidida, imediata e impulsiva; diz com frequência que é negligente; reconhece os seus defeitos e pede humildemente perdão pelos mesmos. Com humildade, pede conselhos e orações pela sua conversão. Há características do seu temperamento e defeitos que a acompanham até ao fim, a ponto de causar admiração a certas pessoas que se interrogam como o Senhor a prefere tanto. Como estudante, passa a consagrar-se totalmente a Deus na vida monástica e, durante vinte anos, não acontece nada de extraordinário: o estudo e a oração são a sua atividade principal... A 27 de Janeiro de 1281, poucos dias antes da festa da Purificação da Virgem, por volta da hora das Completas, à noite, o Senhor ilumina as suas densas trevas. Com suavidade e docilidade, acalma a inquietação que a angustia. Gertrudes vê nessa inquietação como que um dom do próprio Deus, «para abater aquela torre de vaidade e de curiosidade que, apesar do nome e do hábito de religiosa, eu ia erguendo com a minha soberba, para assim encontrares o modo para me mostrar a tua salvação» (Ibid., II, 1, p. 87). Gertrudes tem a visão de um jovem que a leva a superar o enredo de espinhos que oprime a sua alma, guiando-a pela mão. Naquela mão, «o traço precioso daquelas chagas que ab-rogaram todos os atos de acusação dos nossos inimigos» (Ibid., II, 1, p. 89), reconhece Aquele que, na Cruz, nos salvou com o seu sangue, Jesus.
A partir daquele momento, a sua vida de íntima comunhão com o Senhor intensifica-se... mesmo quando, doente, não podia ir ao coro...A sua biógrafa indica dois rumos daquela que poderíamos definir uma sua particular «conversão»: nos estudos, com a passagem radical dos estudos humanísticos profanos para os teológicos e, na observância monástica, com a passagem da vida que ela define negligente para a vida de oração intensa e mística, com um ardor missionário extraordinário. O Senhor, que a tinha escolhido desde o seio materno e desde criança a tinha levado a participar no banquete da vida monástica, chama-a com a sua graça «das coisas externas para a vida interior e das ocupações terrenas para o amor das realidades espirituais». Gertrudes compreende que está distante dele, na região da dissemelhança, como ela diz com Santo Agostinho; que se tinha dedicado com demasiada avidez aos estudos liberais, à sabedoria humana, descuidando a ciência espiritual, privando-se do gosto da verdadeira sabedoria; agora é conduzida para o monte da contemplação, onde deixa o homem velho para se revestir do novo. Gertrudes transforma tudo isto em apostolado: dedica-se a escrever e divulgar a verdade de fé com clareza e simplicidade, graça e persuasão, servindo a Igreja com amor e fidelidade, a ponto de ser útil e agradável aos teólogos e às pessoas piedosas. Resta-nos pouco desta sua intensa atividade, também por causa das vicissitudes que levaram à destruição do mosteiro de Helfta. Além do Arauto do amor divino ou das Revelações, dispomos ainda dos Exercícios espirituais, uma joia rara da literatura mística espiritual... Orientada para a comunhão sem fim, conclui a sua vicissitude terrena no dia 17 de Novembro de 1301, ou 1302, com cerca de 46 anos. (Extratos da catequese do Santo Padre Bento XVI, na Praça de S. Pedro, a 6 de Outubro de 2010).
Oratio
Rezemos com Santa Gertrudes: "Ó Jesus, Tu que me és imensamente querido, está sempre comigo, para que o meu coração permaneça contigo e o teu amor persevere comigo, sem possibilidade de separação, e o meu trânsito seja abençoado por ti, de tal modo que o meu espírito, livre dos vínculos da carne, possa encontrar repouso imediatamente em ti. Amém! (Exercícios Espirituais).
Contemplatio
«Eu vos adoro, vos saúdo e vos bendigo, ó doce Senhor Jesus Cristo, agradecendo-vos pelo amor com o qual vós quisestes, para nos resgatar, vós o Criador de todas as coisas, ser agarrado pelos homens, ligado, arrastado, pisado aos pés, batido, coberto de escarros, flagelado, coroado de espinhos, condenado, carregado com a cruz, despojado, crucificado, para morrer da mais amarga das mortes e ser traspassado com a lança. E em união com este mesmo amor, ofereço-vos as minhas indignas orações, suplicando-vos pelos méritos da vossa santíssima paixão e da vossa morte, que vos digneis lavar inteiramente e apagar todos os meus pecados com os quais as almas pelas quais eu rezo se macularam, por pensamentos, por palavras ou por ações. Conjuro-vos a oferecer a Deus Pai, por todas as penas nas quais estas almas incorreram perante a vossa justiça, todas as penas e as dores, os méritos e as ações do vosso corpo coberto de feridas e da vossa alma abismada de dores. Assim seja». (Oração de Santa Gertrudes citada pelo Leão Dehon, in OSP 4, p. 425s.).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"Cristo, pela fé, habite nos vossos corações" (Ef 3, 17).
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S. Gertrudes, Virgem (16 de Novembro)
16 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: 2 Macabeus 6, 18-31
Naqueles dias, a Eleázar, varão de idade avançada e de bela aparência, um dos primeiros doutores da lei, abrindo-lhe a boca à força, tentavam obrigá-lo a comer carne de porco. 19Mas ele, preferindo morrer com honra a viver na infâmia, voluntariamente caminhava para o suplício, 20depois de cuspir a carne, como devem fazer os que têm a coragem de rejeitar o que não é permitido comer, mesmo à custa da própria vida. 21Ora, os encarregados deste ímpio banquete proibido pela lei, que, desde há muito tempo, mantinham relações de amizade com ele, tomaram-no à parte e rogaram-lhe que mandasse trazer as carnes permitidas, por ele mesmo preparadas, e as comesse como se fossem carnes do sacrifício, conforme ordenara o rei. 22Fazendo assim, seria preservado da morte. Usavam com ele desta espécie de humanidade, em virtude da antiga amizade que lhe tinham. 23Mas Eleázar, tomando uma bela resolução, digna da sua idade, da autoridade que lhe conferia a sua velhice, do prestígio que lhe outorgavam os seus cabelos brancos, da vida íntegra que levava desde a infância, digna, sobretudo, das sagradas leis estabelecidas por Deus, preferiu ser conduzido à morte. 24«Não é próprio da minha idade - respondeu ele - usar de tal fingimento, não suceda que muitos jovens, julgando que Eleázar, aos noventa anos, se tenha passado à vida dos gentios, 25pelo meu gesto de hipocrisia e por amor a um pouco de vida, se deixem arrastar pelo meu exemplo; isto seria a desonra e a vergonha da minha velhice. 26Mesmo que eu me livrasse agora dos castigos dos homens, não poderia escapar, vivo ou morto, das mãos do Omnipotente. 27Por isso, morrendo valorosamente, mostrar-me-ei digno da minha velhice 28e deixarei aos jovens um nobre exemplo, se morrer corajosamente pelas nossas santas e veneráveis leis.»Ditas estas palavras, dirigiu-se para o suplício. 29Aqueles que o levavam transformaram em violência a humanidade que pouco antes lhe tinham mostrado, julgando insensatas as suas palavras. 30E quando estava prestes a morrer sob os golpes que sobre ele descarregavam, ele exclamou entre suspiros: «O Senhor, que tem a ciência santíssima, vê bem que, podendo eu livrar-me da morte, sofro no meu corpo os tormentos cruéis dos açoites, mas suporto-os com alegria, porque é a Ele que eu temo.» 31Desta maneira passou à outra vida, deixando com a sua morte, não só aos jovens mas também a toda a gente, um exemplo de fortaleza e de coragem.
Embora versem sobre o mesmo argumento, os dois livros dos Macabeus são diferentes e independentes. Assim, a narrativa da revolta de Judas Macabeu contra Antíoco IV, com diversos episódios de heroísmo e martírio, é completamente independente do primeiro livro.
O nosso texto apresenta-nos a figura exemplar de Eleázar que, para não transgredir as normas sobre a alimentação, enfrenta serenamente o martírio. Não se trata de uma religiosidade formal e rígida, de um legalismo excessivo. A fidelidade às leis sobre a alimentação era sinal da fidelidade à lei do Senhor, e ao próprio Senhor. Quando lhe é sugerido que finja comer as carnes proibidas, Eleázar recusa por temer dar mau exemplo aos jovens Israelitas.
Eleázar reage com firmeza às imposições do rei pagão. Reage com a mesma firmeza à sugestão de comer carnes puras, fingindo comer as carnes proibidas, para salvar a sua vida. Não queriam induzir em erro os seus compatriotas, que poderiam interpretar o acto como uma conversão aos ídolos e como uma traição. O santo varão prefere enfrentar a morte. As últimas palavras do mártir contrapõem o sofrimento físico à alegria do coração. Assim se torna para todos «um exemplo de fortaleza e de coragem» (v. 31).
Evangelho: Lucas 19, 1-10
Naquele tempo: Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. 2Vivia ali um homem rico, chamado Zaqueu, que era chefe de cobradores de impostos. 3Procurava ver Jesus e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura. 4Correndo à frente, subiu a um sicómoro para o ver, porque Ele devia passar por ali. 5Quando chegou àquele local, Jesus levantou os olhos e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa.» 6Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria. 7Ao verem aquilo, murmuravam todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um pecador. 8Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.» 9Jesus disse-lhe: «Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de Abraão; 10pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.»
Ao entrar em Jericó, Jesus encontra-se com Zaqueu, homem rico e chefe de publicanos (vv. 1s.). É útil darmos atenção ao itinerário de fé deste homem. «Procurava ver Jesus» (v. 3), mas não conseguia, seja devido à sua pequena estatura, seja à distância psicológica e espiritual que o afastava do Senhor. Mas era um homem à procura... Pelo que lemos no evangelho, procurava Jesus. Mas Jesus também procurava Zaqueu para lhe satisfazer o desejo. O encontro de ambos torna-se um momento de graça: «Hoje tenho de ficar em tua casa...Hoje veio a salvação a esta casa» (vv. 5.9). O termo "hoje" mostra-nos a realização da missão de Jesus, mas também a abertura de Zaqueu à salvação. A abertura ao hoje de Deus, a capacidade de se dar conta da sua presença no "hoje" da humanidade, é o segredo de quem está realmente disposto a seguir Jesus, que «veio pro¬curar e salvar o que estava perdido» (v. 10). Por isso, é oferecida a todos a oportunidade de O ver, de se encontrar com Ele, de O reconhecer como verdadeiramente é.
Meditatio
Os pagãos queriam obrigar Eleázar, um dos principais doutores de Israel, a comer carne de porco. Com violência, tentavam meter-lha pela boca abaixo. Mas o respeitável ancião preferiu resistir e enfrentar a morte a violar a Lei.
Hoje, para nós cristãos, que não estamos obrigados a observâncias alimentares, pode parecer-nos exagerado que alguém morra para as respeitar. Mas devemos admirar o exemplo de Eleázar: podia escapar à morte, mas não o fez, para não dar mau exemplo aos jovens: «Não é próprio da minha idade usar de tal fingimento, não suceda que muitos jovens, julgando que Eleázar, aos noventa anos, se tenha passado à vida dos gentios, pelo meu gesto de hipocrisia e por amor a um pouco de vida, se deixem arrastar pelo meu exemplo; isto seria a desonra e a vergonha da minha velhice» (vv. 24-25). A memória da perseguição de Antíoco Epifânio foi mais tarde, para os primeiros cristãos, um exemplo de grande generosidade e coerência da parte de muitos Judeus.
O evangelho fala-nos da aventura maravilhosa de um homem chamado Zaqueu, que todos consideravam pecador. É fácil rever-nos nesse homem, pois também nós
somos pecadores e pequenos. É-nos impossível ver o Senhor. Por isso, é preciso que seja Ele a procurar-nos, e a decidir entrar em nossa casa. O seu amor gratuito tornar-nos-á capazes de um amor generoso como o de Zaqueu, talvez mesmo até heróico, como o de Eleázar. É, pois, importante que imitemos a humildade de Zaqueu, não temendo expor-nos ao ridículo, subindo a um sicómoro. Se Ele é capaz de Se revelar aos que O não procuram, quanto mais Se revela aos que O buscam de coração sincero, e estabelece com eles uma comunhão de grande intimidade: «Hoje tenho de ficar em tua casa» (v. 5).
Precisamos de tempos de intimidade pessoal com o Senhor, de tempos que devemos escolher no dia, fora dos tempos da oração comunitária. Devemos beber na fonte da salvação, que é o próprio Deus, na fonte da oblação, que é Cristo-Eucaristia, se quisermos viver o amor oblativo, como resposta de amor ao Pai e como serviço aos irmãos. Devemos pôr-nos à escuta da Palavra, se quisermos converter-nos como Zaqueu, se quisermos anunciá-la com convicção e fervor, tanto na pregação, como no sacramento da Reconciliação, tanto na direcção espiritual como no testemunho da nossa vida quotidiana.
Oratio
Senhor Jesus, quando me olhares, dá-me a graça de estar atento, porque posso estar distraído, mais centrado em mim e nos meus problemas, do que a procurar-te. Por vezes, lamento que as minhas orações não são atendidas. Mas dou-me conta de que, não é porque não as ouças, mas porque eu não sou incapaz de elevar-me acima da minha pequena estatura para procurar ver-te. Dá-me a simplicidade de Zaqueu e a firmeza de Eleázar. Mostra-me o que queres de mim, o que é realmente importante na minha vida, e que ela só tem sentido quando corresponde à tua vontade. Amen.
Contemplatio
Zaqueu desejava ver Jesus para o conhecer, «para conhecer, diz S. João Crisóstomo, aquele que o seu coração tinha adivinhado; para ver os traços daquele que considerava em espírito desde há muito tempo». Sai da sua casa, corre entre a multidão, adianta-se-lhe, enfrenta o respeito humano; sobe a uma árvore, sem medo das zombarias; verá Jesus, contemplá-lo-á à sua vontade, é o que quer. É conduzido pela fé; é simples e humilde, despreza a opinião humana, é assim que ele quer ir ter com Jesus. Há no seu coração confiança e um começo de amor. Quer ver para conhecer, e conhecer para amar, venerar e servir. Que simplicidade num homem do mundo, um publicano, um homem de negócios, um pagão! Várias vezes Jesus encontrou entre os pagãos esta fé que lamentava não ver nos Judeus. Não tem Ele lamentações análogas quando vê a nossa indiferença, a nossa frieza e a nossa ingratidão? Não pode censurar a dureza do nosso coração? Senhor, aumentai a minha fé e fortificai a minha vontade. Zaqueu tinha desejado ver Jesus, mas o desejo de Jesus para ver Zaqueu e o ganhar para a fé não era menos vivo. Ele mesmo no-lo diz: «O filho do homem, diz, veio para procurar e para salvar o que estava perdido». Jesus deteve-se e olhou para o sicómoro: «Zaqueu, diz, apressai-vos, é preciso que eu fique hoje em vossa casa». O olhar de Jesus é doce e penetrante, Zaqueu está profundamente impressionado. - «Apressai-vos», diz-lhe Jesus. O Salvador tem pressa em conversar com esta alma e em salvá-la. «É preciso, diz, que eu fique hoje em vossa casa». É preciso, é uma ordem, Jesus quer, é uma graça eficaz que oferece ao pobre publicano. É preciso e hoje mesmo, sem demora e o mais depressa possível. E não é uma visita superficial que Jesus quer fazer-lhe. «Ficarei em tua casa», diz-lhe, Jesus ficará lá hospedado, comerá lá, dormirá lá. Poderão conversar longamente. Zaqueu está encantado, desce alegre, apressa-se, corre para Jesus, condu-lo a sua casa. É assim que Jesus vem às nossas almas. Traz-lhes a alegria e a paz. Escuta o que a nossa alma quer dizer-lhe, comunica-se a ela, inflama-a, encoraja-a, comunica-lhe os mais generosos desígnios. A nossa alma deve escutar, corresponder. (Leão Dehon, OSP 4, p. 198s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Hoje tenho de ficar em tua casa» (Lc 19, 5).
17 Novembro 2021
Primeira leitura: 2 Macabeus 7, 1.20-31
Aconteceu também que um dia foram presos sete irmãos com a mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de azorrague e de nervos de boi, quis obrigar a comer carnes de porco, proibidas pela lei. 20Particularmente admirável e digna de grandes elogios foi a mãe que, num dia só, viu perecer os seus sete filhos e suportou essa dor com serenidade, porque punha a sua esperança no Senhor. 21Ela exortava cada um no seu idioma materno e, cheia de nobres sentimentos, juntava uma coragem varonil à ternura de mulher. 22Dizia-lhes: «Não sei como aparecestes nas minhas entranhas, porque não fui eu que vos dei a alma nem a vida, nem fui eu que formei os vossos membros. 23Mas o Criador do mundo, autor do nascimento do homem e origem de todas as coisas, restituir-vos-á, na sua misericórdia, tanto o espírito como a vida, se agora vos sacrificardes a vós mesmos por amor das suas leis.» 24Mas Antíoco, julgando que ela se ria dele e o insultava, começou a exortar o mais jovem, o que restava, e não só com palavras mas até com juramento, lhe prometia, se abandonasse as tradições dos seus antepassados, torná-lo rico e feliz, tratá-lo como amigo e confiar-lhe honrosos cargos. 25Como o jovem não lhe prestasse atenção, o rei mandou à mãe que se aproximasse e aconselhasse o filho a salvar a sua vida. 26E, depois de ter insistido com ela muito tempo, ela consentiu em persuadir o filho. 27Inclinou-se sobre ele e, zombando do cruel tirano, disse-lhe na língua materna: «Meu filho, tem compaixão de mim que te trouxe nove meses no seio, que te amamentei durante três anos, que te criei, eduquei e alimentei até agora. 28Suplico-te, meu filho, que contemples o céu e a terra. Reflecte bem: o que vês, Deus o criou do nada, assim como a todos os homens. 29Não temas, portanto, este carrasco, mas sê digno dos teus irmãos e aceita a morte, para que, no dia da misericórdia, eu te encontre no meio deles.» 30Logo que ela acabou de falar, o jovem disse: «Que esperais? Não obedecerei às ordens do rei, mas somente aos mandamentos da Lei, dada a nossos pais por intermédio de Moisés. 31Mas tu, que és o inventor desta perseguição contra os hebreus, não escaparás à mão de Deus.
Ao martírio de Eleázar, venerando doutor da Lei, segue-se o dos sete irmãos e sua mãe, que heroicamente morrem na esperança da vida futura. Estamos ainda no tempo de Judas Macabeu. A perseguição movida por Antíoco IV leva à prisão e condenação desta mulher e de seus filhos. Instada a convencê-los a que abandonassem as tradições dos antepassados (cf. v. 24), esta mulher não cede, mas exorta e encoraja-os à resistência. O discurso da mulher é uma admirável profissão de fé no Deus da vida: Aquele que misteriosamente plasmou a vida dos seres saberá restituí-la aos que a perdem para Lhe serem fiéis (vv. 22s. É a mais explícita profissão de fé na ressurreição, em todo o Antigo Testamento. A resistência dos mártires irrita o rei, que volta à carga para que a mãe convença o filho mais novo, o único ainda vivo, a apostatar. A mulher dá a entender que faz a vontade ao rei, porque se dirige ao filho em língua hebraica. Na verdade, continua a exortá-lo à resistência ao rei, e à fidelidade ao Deus da vida. E, mais uma vez, reafirma a fé na ressurreição: «aceita a morte, para que, no dia da misericórdia, eu te encontre no meio deles» (v. 29). O nosso texto termina com a corajosa profissão de fé do jovem: «Não obedecerei às ordens do rei, mas somente aos mandamentos da Lei, dada a nossos pais por intermédio de Moisés. Mas tu, que és o inventor desta perseguição contra os hebreus, não escaparás à mão de Deus.» (v. 30s.)
Evangelho: Lucas 19, 11-28
Naquele tempo, disse Jesus uma parábola, por estar perto de Jerusalém e por eles pensarem que o Reino de Deus ia manifestar se imediatamente. 12Disse, pois:«Um homem nobre partiu para uma região longínqua, a fim de tomar posse de um reino e em seguida voltar. 13Chamando dez dos seus servos, entregou-lhes dez minas e disse-lhes: 'Fazei render a mina até que eu volte.' 14Mas os seus concidadãos odiavam-no e enviaram uma embaixada atrás dele, para dizer: 'Não queremos que ele seja nosso rei.' 15Quando voltou, depois de tomar posse do reino, mandou chamar os servos a quem entregara o dinheiro, para saber o que tinha ganho cada um deles. 16O primeiro apresentou-se e disse: 'Senhor, a tua mina rendeu dez minas.' 17Respondeu-lhe: 'Muito bem, bom servo; já que foste fiel no pouco, receberás o governo de dez cidades.' 18O segundo veio e disse: 'Senhor, a tua mina rendeu cinco minas.' 19Respondeu igualmente a este: 'Recebe, também tu, o governo de cinco cidades.' 20Veio outro e disse: 'Senhor, aqui tens a tua mina que eu tinha guardado num lenço, 21pois tinha medo de ti, que és homem severo, levantas o que não depositaste e colhes o que não semeaste.' 22Disse-lhe ele: 'Pela tua própria boca te condeno, mau servo! Sabias que sou um homem severo, que levanto o que não depositei e colho o que não semeei; 23então, porque não entregaste o meu dinheiro ao banco? Ao regressar, tê-lo-ia recuperado com juros.' 24E disse aos presentes: 'Tirai-lhe a mina e dai-a ao que tem dez minas.' 25Responderam-lhe: 'Senhor, ele já tem dez minas!' 26Digo-vos Eu: A todo aquele que tem, há-de ser dado, mas àquele que não tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado. 27Quanto a esses meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os cá e degolai-os na minha presença.» 28Dito isto, Jesus seguiu para diante, em direcção a Jerusalém.
Nesta página do seu evangelho, Lucas quer ensinar-nos o que significa ser discípulos, e introduz o episódio do rei recusado. O primeiro ensinamento desenvolve o que já vem das páginas anteriores: o que é ser discípulo. O episódio do rei recusado introduz o tema das páginas seguintes. Mas importa dar atenção ao início desta parábola (v. 11), em que Lucas quer ilustrar o tema da iminência escatológica, ligando-se assim não só ao evento histórico da entrada de Jesus em Jerusalém, mas também com a questão «quando virá o reino de Deus» (cf. Lc 17, 20).
Do cruzamento de todos estes motivos, resulta uma interpretação múltipla e diferenciada da própria palavra, onde também se notam alguns retoques pessoais do evangelista. Por exemplo, a menção a «uma região longínqua» (v. 12), para onde foi o rei, é uma alusão ao longo espaço de tempo que ainda nos separa da segunda vinda de Jesus. Mais adiante, Lucas voltará a alertar-nos para possíveis erros de avaliação do tempo desse regresso (21, 8). Outro pormenor lucano tem a ver com a necessidade de fazer render as minas. Se o Senhor tarda em vir, também é certo que vir&aacu
te; como juiz: importa ter frutos para Lhe apresentar, quando vier. Isto vale também para nós, hoje.
Meditatio
«Suplico-te, meu filho, que contemples o céu e a terra. Reflecte bem: o que vês, Deus o criou do nada, assim como a todos os homens» (v. 28). O episódio do martírio dos irmãos Macabeus e de sua mãe leva-nos a meditar sobre o dom da vida, que recebemos de Deus e que devemos administrar segundo a sua vontade, mesmo que, para isso, tenhamos de perdê-la. Não somos donos da vida, mas simples administradores. Havemos de dar contas dela. Deus, como um senhor exigente, interrogar-nos-á sobre o modo como a utilizámos.
A parábola do evangelho inspira-se num facto histórico narrado por Flávio José. Quando morreu Herodes, o Grande, o seu filho, Arquelau, deslocou-se a Roma para receber a investidura real do senado romano. Mas os Judeus enviaram, ao mesmo tempo, uma delegação para pedir ao senado que não o deixasse reinar sobre eles. O evangelho diz-nos que Jesus contou esta parábola para aqueles que pensavam «que o Reino de Deus ia manifestar se imediatamente» (v. 11), e o aguardavam com impaciência, esperando que Deus, finalmente, pusesse tudo em ordem na terra. Mas Jesus faz-lhes compreender que Deus não tem pressa, que não quer intervir imediatamente e que, Ele mesmo, o Cristo, não vai assumir já o poder universal. Primeiro, irá fazer uma longa viagem, durante a qual os homens, fiéis e infiéis, são livres. Quem é fiel, não deve temer esta liberdade, mas acolhê-la com confiança.
O Senhor dá-nos a liberdade, mas, para Lhe sermos fiéis, devemos usá-la e não pensar como o servo pusilânime: «Senhor, aqui tens a tua mina que eu tinha guardado num lenço, pois tinha medo de ti» (v. 20s.). Se assim fizermos, não corresponderemos à nossa vocação. Há que arriscar, usando a devida prudência. De que serve, por exemplo, guardar a fé, se ela não for usada para que outros tomem consciência do projecto de salvação de Deus? O medo de perder a fé não me deve inibir o testemunho da mesma. De que serve a um religioso guardar muito bem os seus votos, se o tornarem estéril comunitária e pastoralmente?
Há que arriscar, aceitar iniciativas, ser criativos. Assim honramos o Criador e nos tornamos semelhantes a Ele, que arrisca continuamente. Para agradar a Deus, há que aproveitar da nossa liberdade, produzindo bons frutos para os irmãos: «Senhor, a tua mina rendeu dez minas» (v. 16). E o Senhor responde: «Muito bem, bom servo; já que foste fiel no pouco, receberás o governo de dez cidades» (v. 17).
Peçamos ao Senhor o sentido da sua vontade que nos quer livres, criativos, para O glorificarmos.
Oratio
Senhor, livra-me do medo de arriscar e perder, do medo de não estar à altura das minhas obrigações, do medo de fracassar. Não sei quantas minas me confiaste. Mais do que ficar a contá-las, para verificar se ainda as tenho todas, ajuda-me a utilizá-las, com generosidade e responsabilidade, ao serviço dos irmãos, ao serviço do teu Reino. Dá-me a graça de, cada dia, cumprir com simplicidade, todos os meus deveres, pequenos e grandes, para que todos sejam felizes, Te conheçam e amem. Liberta-me dos medos e do calculismo, que tantas vezes me paralisam, impedindo-me de avançar os poucos metros do caminho, que pões à minha frente. Ajuda-me a entregar-me a Ti, com generosidade e segurança, porque, afinal, és Tu o Senhor da vida. Amen.
Contemplatio
S. Sebastião tinha abraçado a carreira das armas, porque via aí muito bem para fazer. Pela sua situação de família e pelos seus talentos, estava certo de chegar a cargos elevados, onde lhe seria fácil proteger os cristãos, seja nas guarnições, seja nas prisões, seja nas perseguições públicas. Como na sua qualidade de soldado não era suspeito, diz a sua vida, as suas acções eram menos observadas, e devia à sua situação uma grande liberdade para se tornar útil, em muitas circunstâncias, aos cristãos. Estava ao corrente dos projectos dos perseguidores e podia advertir os fiéis. Sob o pretexto de uma inspecção de serviço, visitava os que se encontravam nas prisões por causa da fé, e encorajava-os a sofrer por amor de Jesus Cristo. Converteu mesmo vários idólatras, que receberam o baptismo e foram coroados com o martírio. Tornado capitão dos guardas sob Diocleciano, comportou-se com tanta discrição, que ninguém na corte suspeitava que fosse cristão. Continuou a servir a Igreja de Jesus Cristo como tinha começado; e durante uma violenta perseguição que se levantou contra os cristãos de Roma, vários, encorajados pelas suas exortações, todos ardentes de amor por Jesus Cristo, tiveram a felicidade de morrer pela fé. Para ele, estava sempre preparado, e esperava a hora de Deus, que não devia tardar. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 74).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«O Criador do mundo restituir-vos-á tanto o espírito como a vida, » (2 Mac 7, 23).
18 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: 1 Macabeus 2, 15-29
Entretanto, os delegados do rei chegaram à cidade de Modin, para obrigar à apostasia e exigir que oferecessem sacrifícios. 16Muitos israelitas obedeceram-lhes, mas Matatias e os filhos permaneceram firmes. 17Os enviados do rei, dirigindo-se a Matatias, disseram-lhe: «Possuis nesta cidade notável poder, influência e consideração, os teus irmãos e os teus filhos reconhecem-te autoridade. 18Vem, pois, e sê o primeiro a executar a ordem do rei como o fizeram todas as nações, os habitantes de Judá e os que ficaram em Jerusalém. Serás contado, tu e os teus filhos, entre os amigos do rei; tu e os teus filhos sereis honrados pelo rei, o qual vos enriquecerá de prata, ouro e numerosos presentes.» 19Matatias respondeu-lhes com voz forte: «Ainda que todas as nações que formam o império do rei renegassem a fé dos seus pais e obedecessem às suas ordens, 20eu, os meus filhos e os meus irmãos, obedeceremos à aliança dos nossos antepassados. 21Que Deus nos preserve de abandonar a lei e os seus preceitos! 22Não escutaremos as ordens do rei e não nos desviaremos da nossa religião, nem para a direita, nem para a esquerda.» 23Mal acabara de falar, eis que um judeu, à vista de todos, se aproximou para imolar no altar de Modin, conforme as ordens do rei. 24Matatias, ao vê-lo, e no ardor do seu zelo, sentiu estremecer as suas entranhas. Num ímpeto de indignação pela lei, atirou-se sobre ele e matou-o mesmo no altar. 25Ao mesmo tempo, matou o delegado do rei, que obrigava a sacrificar, e destruiu o altar. 26Com semelhante gesto mostrou o seu amor pela lei, como fizera Fineias, a respeito de Zimeri, filho de Salú. 27Então, em altos brados, Matatias levantou a voz através da cidade e disse: «Aquele que sentir zelo pela lei e permanecer fiel à aliança, venha e siga-me.» 28E fugiu com os filhos, em direcção às montanhas, abandonando todos os seus bens na cidade.
A tentativa de Antíoco IV Epifânio, para eliminar a religião de Israel e estabelecer em Jerusalém o culto pagão, está no auge. Matatias e a sua família procuram resistir. Encontram-se em Modin, quando chegam os emissários do rei para tentar convencê-los a apostatar. Primeiro, recorrem a lisonjas; depois passam às ameaças. Matatias é elogiado e informado dos benefícios que o rei lhe reserva (vv. 17s.). Segue-se a resposta decidida do chefe dos Israelitas (vv. 19-22): ainda que todos sigam o rei, Matatias e a sua família permanecerão fiéis à aliança. Então, muda o cenário. Um judeu intimidado aproxima-se do altar para sacrificar aos ídolos, e Matatias mata-o imediatamente, fazendo o mesmo aos emissários de Antíoco. Acaba por destruir o altar (vv. 24s.). Depois pronuncia um verdadeiro grito de guerra: «Aquele que sentir zelo pela lei e permanecer fiel à aliança, venha e siga-me» (v. 27). E foge com os seus homens, não por medo, para organizar a resistência nas montanhas (v. 28).
Evangelho: Lucas 19, 41-44
Naquele tempo, 41quando Jesus se aproximou de Jerusalém, ao ver a cidade chorou sobre ela e disse: 42«Se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está oculto aos teus olhos. 43Virão dias para ti, em que os teus inimigos te hão-de cercar de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; 44hão-de esmagar-te contra o solo, assim como aos teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, por não teres reconhecido o tempo em que foste visitada.»
Ao contrário de Marcos, que insiste na incredulidade do povo diante da pessoa e da mensagem de Jesus, Lucas, nesta página, acentua a sua lamentação e o seu choro sobre Jerusalém, estabelecendo um claro contraste com as aclamações e louvores que, pouco antes, lhe tinham sido dirigidos (cf. Lc 19, 38). O choro de Jesus revela-nos a sua humanidade autêntica e, ao mesmo tempo, a sua total participação no drama de uma humanidade que resiste a entrar no projecto salvífico de Deus. Jesus salva-nos com o seu poder divino; mas também com a sua fragilidade humana.
A lamentação de Jesus encerra um juízo e oferece uma motivação. O juízo está nas palavras: «Mas agora isto está oculto (por Deus) aos teus olhos» (v. 42). Estas palavras atribuem a Deus o que na realidade depende da livre opção humana. A motivação encontra-se nas palavras: «Se neste dia também tu tivesses conhe¬cido» (v. 42). Estas palavras correspondem a uma afirmação: Tu não conheceste nem queres conhecer. Mas o mais urgente é revelar dois elementos positivos que caracterizam a lamentação de Jesus: a paz e o tempo da visita.
A paz é o dom messiânico por excelência. Jesus veio proclamá-la e oferecê-la a todos. Mas é preciso acolhê-la para caminhar com Jesus até ao termo do seu itinerário. O tempo de que fala Jesus é o "tempo providencial" (kairós) em que Deus visita o seu o povo para o libertar e introduzir no Reino. São dois acenos que iluminam o seu martírio que está próximo.
Meditatio
A primeira leitura narra a insurreição dos Judeus contra Antíoco IV Epifânio, e o começo da guerra em que tomaram parte os Macabeus. Esta guerra permitiu a paz religiosa durante algum tempo. O evangelho fala-nos de uma outra guerra, que leva à derrota e à destruição de Jerusalém: «Os teus inimigos te hão-de cercar de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; hão-de esmagar-te contra o solo, assim como aos teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra,» (vv. 43s.). E Jesus chora sobre a cidade que não conheceu «o que lhe pode trazer a paz». Os acontecimentos podem ser julgados por Deus de modo diferente. A primeira guerra era justa, como continuam a sê-lo todas as guerras em defesa do território ou da liberdade dos povos, quando falham todos os outros meios para fazer justiça. Matatias escolhe a luta armada contra o opressor, em vez de transgredir a lei de Deus. A segunda não era justa, ainda que consequência da oposição de Jerusalém à salvação. São imagens cruas, que chocam a nossa sensibilidade: a cidade santa, cega por uma decisão divina que a condena inexoravelmente, e o gesto de Matatias que atinge com a mesma violência o altar profanado e os profanadores... Mas, para além da linguagem, está a radicalidade da decisão de fé. E é isso que conta!
A complexidade da situação humana torna muito difícil encontrar o caminho da paz nas diversas circunstâncias. Mas não se pode capitular, atraiçoando os princípios evangélicos.
Peçamos ao Senhor o fim das guerras em curso, em diversas partes do mundo. Peçamos pelos governantes dos povos, para que sejam homens sinceros e corajosos na busca dos caminhos da paz.
O «dia da salvação» e o «dia do juízo» coincidem. É o dia da opção definitiva. Esse dia correspo
nde a toda a nossa vida, e condensa-se no instante da morte. É o dia em que decidimos se estamos «com Ele» ou «contra Ele». E não há meios-termos, compromissos ou hesitações. A perseguição é graça, se se tornar ocasião de testemunho de fé. O Senhor visita para salvar. Se for para condenar, será culpa nossa, e não d´Ele.
Oratio
Senhor, que eu tenha junto a mim um amigo, no dia da tua visita. Que não feche o coração, nem a mente, de modo a não reconhecer nos acontecimentos os sinais da tua presença e da vontade. Que Te reconheça nos irmãos. Que eu Te escolha sempre a Ti. Que eu jamais perca a confiança e a esperança, mesmo no meio da perseguição ou de graves obstáculos à vivência da minha fé. Amen.
Contemplatio
Nosso Senhor quer a nossa salvação. O seu Coração está muito preocupado. Por isso quis nas suas últimas pregações precaver-nos contra o pecado deixando-nos a descrição mais imponente do juízo final. Os apóstolos ficaram profundamente tocados, e os Evangelhos reproduziram estes quadros tão impressionantes. O anúncio da ruína de Jerusalém mistura-se com a pregação do juízo final. «O filho do homem virá na sua glória com os seus anjos, diz Nosso Senhor em S. Mateus no capítulo dezasseis. - Virá em toda a sua majestade e todos os seus anjos com Ele, retoma capítulo vinte e cinco, e sentar-se-á no seu trono de juiz supremo, e todas as nações serão reunidas diante d'Ele e separará os bons dos maus. Em S. Marcos, Nosso Senhor descreve mais mas completamente os prelúdios do juízo: a guerra, os escândalos, a perseguição, os falsos Cristos e os falsos profetas, a desordem universal na natureza; depois Cristo virá sobre as nuvens com grande poder e glória, e os anjos reunirão a multidão imensa dos mortos para que sejam julgados. Podemos imaginar algo de mais tocante? (Leão Dehon, OSP 4, p. 305s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Que Deus nos preserve de abandonar a lei e os seus preceitos!» (1 Mac 2, 21).
19 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: 1 Macabeus 4, 36-37.52-59
Naqueles dias, Judas e os seus irmãos disseram: «Os nossos inimigos estão aniquilados; subamos, pois, purifiquemos e restauremos o santuário.» 37Reunido todo o exército, subiram ao monte de Sião. 38Ao verem a desolação do santuário, o altar profanado, as portas queimadas, os átrios cheios de ervas, nascidas como num bosque ou nos montes, e os aposentos demolidos, 39rasgaram as vestes, lamentaram-se e deitaram cinza sobre a cabeça. 40Prostraram-se com o rosto por terra, tocaram as trombetas, e clamaram ao céu. 41Então, Judas mandou um destacamento a combater os soldados da cidadela, enquanto purificavam o santuário. 42Depois, escolheu sacerdotes irrepreensíveis e zelosos pela lei, 43que purificaram o templo e transportaram para um lugar impuro as pedras contaminadas. 44Deliberaram entre si o que se deveria fazer do altar dos holocaustos, que fora profanado, 45e tomaram a boa resolução de o demolir, para que não recaísse sobre eles o opróbrio vindo da profanação dos gentios. Destruíram-no, portanto, 46e transportaram as pedras para um lugar conveniente sobre a montanha do templo, até que viesse algum profeta e decidisse o que se lhes devia fazer. 47E arranjaram as pedras intactas, segundo a lei, e construíram um novo altar, semelhante ao primeiro. 48Restauraram também o templo e o interior do templo e purificaram os átrios. 49Fizeram novos vasos sagrados e transportaram para o santuário o candelabro, o altar dos perfumes e a mesa. 50Queimaram incenso sobre o altar, acenderam as lâmpadas do candelabro, para iluminar o templo, 51colocaram pães sobre a mesa e suspenderam os véus, terminando completamente o trabalho empreendido. 52No dia vinte e cinco do nono mês, que é o mês de Quisleu, do ano cento e quarenta e oito, levantaram-se muito cedo 53e ofereceram um sacrifício, segundo a lei, sobre o novo altar dos holocaustos, que tinham levantado. 54Precisamente no mesmo dia e na mesma hora em que os gentios o haviam profanado, o altar foi de novo consagrado ao som de cânticos, harpas, liras e címbalos. 55Todo o povo se prostrou com o rosto por terra, para adorar e bendizer aquele que lhes deu tão feliz triunfo. 56Durante oito dias celebraram a dedicação do altar e, com alegria, ofereceram holocaustos e sacrifícios de comunhão e de acção de graças. 57Adornaram a fachada do templo com coroas de ouro e com pequenos escudos, consagraram as entradas do templo e as salas, nas quais colocaram portas. 58Foi grande a alegria do povo, e foi afastado o opróbrio infligido pelas nações. 59Judas e seus irmãos, assim como toda a assembleia de Israel, estabeleceram que os dias da dedicação do altar fossem celebrados, cada ano, na sua data própria, durante oito dias, a partir do dia vinte e cinco do mês de Quisleu, com alegria e regozijo.
Os livros dos Macabeus interessam-se, sobretudo, pela vertente religiosa da gesta que relatam. Daí a importância dada ao templo, como centro da vida do povo e referência necessária para a observância integral da Lei.
O nosso texto narra a purificação e consagração do templo, depois das primeiras vitórias de Judas Macabeu, em Dezembro do ano 164 a. C. O templo fora saqueado, e profanado com os sacrifícios pagãos, três anos antes. Depois do lamento e do luto pela desolação a que fora reduzido o santuário, decidem-se e realizam-se trabalhos de reconstrução. Chegado o dia do rito, são oferecidos logo de manhã, sobre o altar reedificado, sacrifícios ao som de cânticos acompanhados por diversos instrumentos. O altar é consagrado, e o povo prostra-se em adoração e dá graças a Deus. Os ritos prosseguem durante oito dias (v. 56). No templo remodelado, é apagada a vergonha da dominação pagã (vv. 57s.). E Judas Macabeu ordena que a festa seja celebrada todos os anos com alegria (v. 59).
Evangelho: Lucas 19, 45-48
Naquele tempo, 45Jesus, entrando no templo, começou a expulsar os vendedores. 46E dizia-lhes: «Está escrito: A minha casa será casa de oração; mas vós fizestes dela um covil de ladrões.» 47Ensinava todos os dias no templo, e os sumos sacerdotes e os doutores da Lei, assim como os chefes do povo, procuravam matá-lo. 48Não sabiam, porém, como proceder, pois todo o povo, ao ouvi-lo, ficava suspenso dos seus lábios.
Lucas começa por referir a palavra de Jesus contra os vendedores. Depois apresenta um resumo dos episódios que marcaram os últimos dias de Jesus na terra.
«Está escrito: A minha casa será casa de oração», diz Jesus (v. 45). Jesus não reza só no templo, e chega a criticar o apego às instituições religiosas vistas apenas em perspectiva materialista. Mas o templo, enquanto casa de Deus, tem de ser respeitado, e não pode ser usado para outros fins que não sejam o culto de Deus. O templo não pode tornar-se «um covil de ladrões» (v. 46). «Está escrito»: não são apenas as profecias que determinam o comportamento de Jesus, mas é também o comportamento de Jesus que realiza em plenitude as profecias. A luz que ilumina os gestos de Jesus vem da sua mensagem profética, mas sobretudo da sua consciência messiânica.
«Os sumos sacerdotes e os doutores da Lei, assim como os chefes do povo, procuravam matá-lo» (v. 47): os poderosos permanecem na sua cegueira diante de Jesus e das suas palavras. Mas o povo simples, que reconhece a necessidade de um Salvador e de um Mestre, está suspenso dos seus lábios (v. 48).
Meditatio
Os que escutavam Jesus, com coração simples e bem disposto, experimentavam a doçura, a paz, a luz que se desprendia da sua palavra e não sabiam afastar-se d´Ele. A palavra de Deus é, de facto, alegria do coração.
Mas esta experiência de alegria e doçura é apenas o primeiro efeito, a primeira etapa, que corresponde aos mistérios gozosos. É a fase de quem começa a ouvir a Palavra de Deus com interesse e disponibilidade. Esta etapa prolonga-se na dos mistérios luminosos, em que vamos descobrindo, com uma profundidade cada vez maior, a verdadeira identidade de Jesus e o projecto da salvação que o Pai Lhe confiou, em nosso favor. Mas há também o segundo efeito, a segunda etapa, que corresponde aos mistérios dolorosos. A palavra de Deus provoca tensões, tanto em nós como à nossa volta. É como uma espada de dois gumes, que penetra até à medula dos ossos e que, portanto, provoca amargura profunda, porque há uma parte de nós que não a quer receber. É uma amargura necessária, que nos faz conhecer a verdade de nós mesmos e que nos purifica de tudo quanto em nós destoa da Palavra. Mas também não falta a etapa dos mistérios gloriosos, que encontramos bem descrita no Apocalipse: «Aquele que vence não será vítima da segunda morte...Ao que sair vencedor, dar-lhe-ei a comer do maná escondido e dar-lhe-ei também uma pedra branca; na pedra branca estará gravado um novo nome que ninguém conhece, a não ser o que a recebe...Ao que vencer, fá-lo-ei coluna no t
emplo do meu Deus. Entrará e não mais sairá dele» (Ap 2, 11ss.).
Manter-se fiéis à Palavra, sem ceder a compromissos, impõe opções difíceis. O reino dos céus conquista-se pela violência, diz Mateus (11, 12), e o próprio Lucas sublinha a necessidade de não se subtrair à luta: «Agora, quem não tem espada venda a capa e compre uma.» (Lc 22, 36).
Impressiona-nos Judas Macabeu, que consagra o templo com as mãos ainda manchadas pelo sangue dos inimigos. Impressiona-nos Jesus, quando não hesita e pôr-se contra os prepotentes, sabendo que o povo também Lhe voltará as costas brevemente. É precisa coragem e força para tomar e manter posições impopulares, mas ditadas pela consciência e pelo Evangelho. É preciso discernimento, humildade, e prolongado contacto com a Palavra de Deus, para conjugar o rigor dos princípios com a atenção às pessoas.
Oratio
Senhor Jesus, que eu resista à tentação de mascarar a minha cobardia com a desculpa da mansidão, que eu não confunda o respeito pelas opiniões alheias com a incapacidade de dar testemunho do Evangelho. Dá-me luz para discernir o que é sagrado, porque assim o quiseste, do que nós mesmos revestimos de sagrado, porque tal nos convém. Dá-me coragem para falar quando for preciso e de me calar quando é bom fazê-lo. Guia-me pelo caminho da vida, nas minhas relações com os outros, porque, mais do que os templos ou as igrejas, todo o homem é sagrado para Ti. Amen.
Contemplatio
S. Quintino era jovem, e simples clérigo ou diácono, mas era da raça dos nobres romanos, como os Cecílio e os Agnes. Quis consagrar-se para estender o império espiritual da Roma cristã, como os seus antepassados se tinham consagrado à glória da Roma pagã. Tem a alma de um comandante de exército. O soberano Pontífice confia-lhe um grupo de missionários, bispos e padres para irem conquistar para a Igreja as províncias da Gália. Ele é da raça dos fortes, aos quais se dirige S. João: «Escrevo-vos, jovens, porque sois fortes, porque a palavra de Deus permanece em vós e porque vencestes o demónio». Ele é forte porque ama. «O amor é forte como a morte». O amor de Jesus dá a eloquência ao apóstolo e a coragem ao mártir. Nada deterá Quintino, nem as promessas nem as ameaças, ele ama a Jesus e fará com que seja amado. (Leão Dehon, OSP 4, p. 409).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«A minha casa é casa de oração» (Lc 19, 46).
20 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: 1 Macabeus 6, 1-13
Naqueles dias, o rei Antíoco atravessava as províncias superiores, quando soube que, na Pérsia, em Elimaida, havia uma cidade famosa pelas suas riquezas em prata e ouro. 2O seu templo, extraordinariamente rico, possuía armaduras de ouro, couraças e armas, deixadas ali por Alexandre, filho de Filipe, rei da Macedónia, o primeiro que reinou sobre a Grécia. 3Dirigiu-se para esta cidade com o propósito de a tomar e saquear, mas não pôde, porque os habitantes estavam prevenidos. 4Resistiram-lhe com as armas, e viu-se obrigado a fugir e a regressar à Babilónia com grande humilhação. 5Na Pérsia, um mensageiro foi dizer-lhe que as tropas enviadas à Judeia tinham sido derrotadas, 6e que Lísias, partindo com um poderoso exército, fora vencido pelos judeus, que aumentaram o seu poderio com as armas, as munições e os despojos, tomados ao exército desbaratado. 7E que tinham destruído também a abominação edificada por ele sobre o altar, em Jerusalém, e tinham cercado o templo com altas muralhas como outrora, assim como a cidade de Bet-Sur. 8Ouvindo estas notícias, o rei ficou irado e profundamente perturbado. Caiu de cama, doente de tristeza, ao ver que os acontecimentos não tinham correspondido aos seus desejos. 9Passou assim muitos dias, porque a sua mágoa se renovava sem cessar, e julgou morrer. 10Mandou, então, chamar todos os seus amigos e disse-lhes: «O sono fugiu dos meus olhos e o meu coração desfalece de preocupação. 11E digo a mim mesmo: A que grande aflição fui reduzido e em que abismo de tristeza me encontro, eu, que antes vivia alegre e era amado quando era poderoso! 12Mas agora lembro-me dos males que causei a Jerusalém, de todos os objectos de ouro e prata que roubei, e de todos os habitantes da Judeia que exterminei sem motivo. 13Reconheço que foi por causa disto que me sobrevieram todos estes males, e, agora, morro de tristeza numa terra estrangeira.»
O nosso texto é uma das três versões da morte de Antíoco, que encontramos nos livros dos Macabeus. As outras duas versões encontram-se em 2 Mac 1, 11-17 e 9, 1-29. A nossa versão interpreta a morte do tirano como manifestação do juízo de Deus. Começa por apontar a avidez com que vai à conquista da cidade, certo de que realizará os seus intentos. Mas tal não sucedeu: «Dirigiu-se para esta cidade com o propósito de a tomar e saquear, mas não pôde, porque os habitantes estavam prevenidos» (v. 3). Seguem-se outras más notícias: a derrota das suas tropas na Judeia (vv. 5s.); a destruição dos ídolos pelos Israelitas e a fortificação do santuário (v. 7).
A derrota atinge o rei como uma doença (vv. 8s.). Antíoco IV Epifânio, que personifica o mal, é fisicamente anulado de tal modo que não consegue levar a termo os seus maus projectos. Vendo-se às portas da morte, toma consciência dos seus crimes e do castigo que merece (vv. 10-13). Mais do que arrependimento, mostra resignação perante o castigo que justamente o atinge, por causa da profanação do templo e do mal feito a Israel (v. 13).
Evangelho: Lucas 20, 27-40
Naquele tempo, 27Aproximaram-se alguns saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: 28«Mestre, Moisés prescreveu-nos que, se morrer um homem deixando a mulher, mas não tendo filhos, seu irmão casará com a viúva, para dar descendência ao irmão. 29Ora, havia sete irmãos: o primeiro casou-se e morreu sem filhos; 30o segundo, 31depois o terceiro, casaram com a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram sem deixar filhos. 32Finalmente, morreu também a mulher. 33Ora bem, na ressurreição, a qual deles pertencerá a mulher, uma vez que os sete a tiveram por esposa?» 34Jesus respondeu-lhes: «Nesta vida, os homens e as mulheres casam-se; 35mas aqueles que forem julgados dignos da vida futura e da ressurreição dos mortos não se casam, sejam homens ou mulheres, 36porque já não podem morrer: são semelhantes aos anjos e, sendo filhos da ressurreição, são filhos de Deus. 37E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob 38Ora, Deus não é Deus de mortos, mas de vivos; pois, para Ele, todos estão vivos.» 39Tomando, então, a palavra, alguns doutores da Lei disseram: «Mestre, falaste bem.» 40E já não se atreviam a interrogá-lo sobre mais nada
A pergunta dos saduceus manifesta uma mentalidade materialista e fechada à lógica do céu. Não se trata de levar ou não a mulher para a outra vida. A vida depois da morte será algo de completamente novo e inesperado. Jesus fala de imortalidade, coisa que não podemos experimentar desde já e que deve ser considerada um dom preciosos da vontade divina. As relações interpessoais na vida eterna serão de outra ordem: não nos fecharemos na relação com uma pessoa, mas estaremos abertos a todos e a Deus. Finalmente Jesus afirma que os ressuscitados serão «semelhantes aos anjos». Não se trata de uma expressão de desprezo pelo matrimónio, mas da afirmação de que a vida eterna será diferente da vida deste mundo: mais próxima de Deus a quem louvaremos e serviremos, como fazem os anjos.
Os vv. 39 e 40 mostram-nos que entre os escribas também havia pessoas que apreciavam a doutrina de Jesus, mas não tinham coragem para ser coerentes até às últimas consequências, isto é, até comprometer-se com Ele.
Meditatio
A morte separa, sem possibilidade de confusão, o que é verdade do que é falso. Momento culminante da vida, mais importante do que o próprio nascimento, de que não estávamos conscientes, crisol onde se temperam as decisões fundamentais que determinam o nosso destino. A nossa vida é suficientemente longa para nos prepararmos para a morte. O modo como nos tivermos preparado decidirá a qualidade de vida nova que nos está preparada para sempre. A história dos Macabeus mostra-o a seu modo, com a tardia tomada de consciência de Antíoco IV: «morro de tristeza numa terra estrangeira» (v. 13), reconhecimento de uma justiça cruel mas correcta. A palavra libertadora do Evangelho priva morte do seu «aguilhão» (cf. 1 Cor 15, 55), restituindo-lhe a característica de passagem de uma vida imperfeita e precária à vida plena e eterna, segundo o projecto do Criador.
As leituras de hoje são já uma preparação para a festa de Cristo Rei do Universo, que amanhã vamos celebrar. A primeira leitura fala-nos de Antíoco, que morre na tristeza do tirano, que oprimiu o seu povo, e desprezou a lei e o culto do Deus vivo e verdadeiro. O evangelho fala-nos da ressurreição à qual em vão se opõem os saduceus: «Deus não é Deus de mortos, mas de vivos; pois, para Ele, todos estão vivos», diz Jesus (v. 38).
Jesus é o nosso rei, que não nos impôs o seu domínio pela violência, mas morreu na cruz, em aparente fracasso. Na realidade,
a sua morte, aceite em total adesão à vontade do Pai, triunfou sobre a morte e abriu-se vitoriosamente à ressurreição.
Preparemo-nos para acolher o nosso rei «justo, vitorioso, humilde», como escreve o profeta Zacarias ( 9, 9), com a profunda humildade de Maria. Submetamo-nos a Ele de todo o coração, como Ele se submeteu à vontade do Pai. Assim entraremos no seu reino, «reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz», como reza o prefácio da missa de amanhã.
Oratio
Senhor, tenho medo da morte. Tenho medo da morte dos outros, dos que me são queridos, daqueles que não consigo dispensar. Dá-me olhos puros, que me permitam ver para além das aparências, para além do muro de sombra, que me separa de Ti. Dá-me um coração simples, que não sucumba diante das interrogações que não têm resposta.
Faz-me compreender o sentido da vida e da morte. Ajuda-me a aceitar o teu silêncio e a ausência de respostas para tantas questões que me atormentam. Ajuda-me a acreditar sempre que és o Senhor da vida e da morte. Amen.
Contemplatio
Um atraso no cuidado da nossa salvação põe a nossa alma em perigo de se perder. A morte pode-nos surpreender. As paixões crescem, os hábitos enraízam-se e o endurecimento vem a seguir ao abuso das graças. A paciência divina cansa-se, a justiça reclama os seus direitos. No Antigo Testamento, as ameaças divinas eram severas: «Não acrescenteis à vossa dívida. - Não tardeis em converter-vos» (Ecc.). O Novo Testamento não nos pressiona menos: «Começo a vomitar-vos da minha boca. - Vou transferir o vosso episcopado a outro» (Ap). «Fazei penitência, senão virei como um ladrão, arrebatarei a vossa coroa» (Ibid.). A salvação é a recompensa da obediência a Deus, da união com Deus. Estais no caminho? Não estais expostos às penas eternas? É preciso fazer tudo, e, se for preciso, tudo sacrificar pela própria salvação. «Se o vosso olho vos escandaliza, arrancai-o». Isto não deve ser tomado materialmente, mas quer dizer que é preciso estarmos preparados para todos os sacrifícios necessários para não perdermos a nossa alma. Portanto, se a vossa salvação exige o sacrifício das satisfações dos vossos sentidos, de algumas amizades naturais, ou de algumas cobiças, hesitareis? Que importa tudo o resto, se perdeis a vossa alma? (Leão Dehon, OSP, p. 625).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Deus não é Deus de mortos, mas de vivos;
para Ele, todos estão vivos» (Lc 20, 38).
21 Novembro 2021
A Apresentação de Maria ao templo de Jerusalém é descrita apenas nos evangelhos apócrifos. O imperador Justiniano mandou construir junto desse templo uma basílica, Santa Maria a Nova, que foi dedicada no dia 21 de Novembro de 543. A memória litúrgica da Apresentação de Maria começou a ser celebrada em Constantinopla, no século VIII, espalhando-se pouco a pouco no Oriente. No Ocidente, esta festa também se desenvolveu lentamente. Em 1472 foi alargada a algumas igrejas latinas, parecendo no Missal Romano apenas em 1505. É uma daquelas festas que, no dizer de Paulo VI, «para além do dado apócrifo, propõem conteúdos de alto valor exemplar e dão continuidade a veneráveis tradições» (Marialis cultus 8).
Lectio
Primeira leitura: Zacarias 2, 14-17
Rejubila e alegra-te, filha de Sião, porque eis que Eu venho para morar no meio de ti - oráculo do Senhor. 15Naqueles dias, muitas nações se unirão ao Senhor e serão meu povo; habitarei no meio de ti, e saberás que o Senhor do universo me enviou a ti. 16O Senhor possuirá Judá como sua porção na Terra Santa e escolherá ainda Jerusalém. 17Cale-se toda a criatura diante do Senhor, porque Ele se eleva da sua morada santa.
Este oráculo é provavelmente data da época da reconstrução do Templo de Jerusalém, quando alguns israelitas ainda estão longe da pátria e surgem fortes esperanças de renascimento.
Os três versículos que escutamos são tirados da terceira das oito visões em que Zacarias escuta os oráculos do Senhor. Neles ecoa a convicção forte dos israelitas: Deus vive no meio do seu povo, a sua casa é o Templo de Jerusalém.
O texto de Zacarias confirma a fé, dá esperança robustece a atitude, porque o Senhor está no Templo, garante nele a sua morada, e anuncia a sua disponibilidade para acolher todos, israelitas e gentios. Esta presença, que provoca júbilo, há-de levar também à contemplação silenciosa do mistério.
Evangelho: Marcos 3, 31-35
Naquele tempo, chegam sua mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandam chamar. 32A multidão estava sentada em volta dele, quando lhe disseram: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» 33Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» 34E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. 35Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»
Jesus ultrapassa a crise aberta com os seus familiares, particularmente com a Mãe e os irmãos, alargando os limites da familiaridade com Ele a quem quer que que cumpra a vontade de Deus. Os verdadeiros familiares do Senhor são aqueles que «fazem» a vontade de Deus: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (v. 35). Na perspetiva de Jesus, a vontade de Deus não há-de feita com a atitude de um escravo que executa ordens do dono, mas com o dinamismo e a criatividade de alguém que sabe escutar e ser coerente com a Palavra escutada.
Jesus é um verdadeiro mestre na arte de «fazer» a vontade do Pai. Maria é sua discípula fiel. Escuta, acredita e cumpre o que escuta e acredita «Feliz Aquela que acreditou».
Meditatio
A Apresentação de Maria ao Templo não tem qualquer fundamento bíblico. São os evangelhos apócrifos que falam desse presumível acontecimento. Mas é claramente improvável que uma rapariga tenha sido confiada ao clero de Jerusalém, num Templo inacessível a mulheres. Lemos no protoevangelho de Tiago: «Quando a menina completou três anos, Joaquim disse: «Chamai as meninas dos hebreus que não tenham qualquer mancha e tome cada uma delas uma lâmpada, uma lâmpada que não se apague. A menina não deverá voltar atrás e o seu coração não permanecerá fora do Templo do Senhor». Elas obedeceram àquela ordem e foram juntas ao Templo do Senhor. E o sacerdote acolheu a menina, tomou-a nos braços e abençoou-a dizendo: «O Senhor glorificou o teu nome em todas as gerações. Em ti, nos últimos dias, revelará a redenção que concede aos filhos de Israel». E mandou sentar a menina no terceiro degrau do altar. E o Senhor encheu-a de graça e ela dançou e tornou-se querida por toda a casa de Israel. Os seus pais deixaram o Templo cheios de admiração, louvando a Deus: a menina não procurou voltar atrás. E permaneceu no Templo do Senhor, semelhante a uma pomba, e a mão de um anjo oferecia-lhe o alimento» (Protoevangelho de Tiago 7, 2-8,1). É tudo muito bonito, mas é tudo muito «sobrenatural», bem pouco em sintonia com o realismo do mistério da Encarnação.
A Santa Sé admitiu a festa somente em 1372, a pedido do embaixador do rei de Chipre "e de Jerusalém". Mas ela só aparece no Missal Romano a partir de 1505.
O Lecionário litúrgico oferece-nos uma proposta unitária para tornar verosímil a interpretação do acontecimento: a tipologia da presença. As duas leituras detêm-se nessa modalidade relacional. O oráculo de Zacarias proclama a presença de Deus no Templo e transmite a palavra do próprio Deus que se apresenta, como que a explicar o sentido e o significado dessa decisão divina, que enche de alegria o povo e há-de levá-lo à contemplação. Se o mistério da presença de Deus no meio do seu povo era uma realidade no Antigo Testamento, mais o é no Novo Testamento. A Santíssima Humanidade de Cristo é o novo Templo, o novo ´lugar´ da Presença de Deus no meio de nós. Em Jesus, Deus torna-se presente ao homem, e o homem tem o caminho para se tornar presente a Deus. A primeira criatura que beneficiou dessa presença, e se apresentou a Deus, foi a Virgem Maria. Nela se realizou, como em ninguém jamais, a mútua presença e imanência: Deus apresentou-Se a Ela e Ela apresentou-se a Deus; Deus permaneceu nela, e Ela permaneceu em Deus. O evangelho refere a presença de Maria junto do seu Filho. Esta presença como que torna visível o mistério profundo que meditamos. As palavras de Jesus, sobre a identidade daqueles que Ele julga seus parentes, deixam clara a mensagem: o Senhor está presente junto da pessoa humana; sendo assim, a pessoa humana tem a porta aberta para se apresentar diante do Senhor. Se o Templo torna visível o encontro entre Deus e o homem, a Santíssima Humanidade de Cristo torna-o ainda mais visível.
Tendo como pano de fundo o delicado símbolo da presença de uma menina na solenidade do Templo, isto é, a chamada «apresentação de Maria ao Templo», a liturgia hodierna leva-nos a meditar no sentido de uma apresentação de nós mesmos diante do Senhor. A própria presença diante do Senhor torna-se apresentação todas as vezes que é iluminada, explicada, motivada, cultivada pela consciência. O símbolo da apresentação de Maria ao Templo equivale, portanto, à consciência da identidade de Maria e da sua função junto do Messias, cada vez mais importante, primeiro por parte dos seus familiares e, depois, por parte da própria Virgem Maria e, finalmente, por parte dos outros crentes. O sentido fundamental é este: Maria está sempre na presença do Senhor, integralmente dedicada ao seu serviço, crescendo na consciência de si e da sua missão.
Quando Deus se torna presente a nós em Jesus e na sua palavra, e nós nos tornamos presentes a Deus, em Jesus, e guardamos a sua palavra, também nos tornamos felizes, bem-aventurados, como Aquela que recebeu no seu ventre, transportou e deu à luz Jesus Cristo, nossa Bem-aventurança.
Oratio
Salve santa Maria, filha de Israel e guarda do Evangelho. Tu deste-te inteiramente ao Senhor. Para viveres na sua presença, escolheste uma vida de oração, de trabalho e de silêncio. A tua vida tornou-se um templo em que Deus veio habitar. A tua alegria e a tua felicidade eram servi-l´O dia e noite, vivendo na sua presença. «Bem-aventurados os que habitam na vossa casa, Senhor! Bem-aventurados os que só do Senhor esperam o seu apoio e o seu socorro. Os seus corações elevar-se-ão de grau em grau e avançarão sem cessar na virtude», diz o Salmo. Santa Maria, apresentada ao Templo, tu és para nós modelo da vida no Espírito, modelo do dom de nós mesmos a Deus. Faz-me compreender bem a vida de abandono e entrega ao Senhor. Por isso, me consagro a vós e ao Coração Jesus. Ámen.
Contemplatio
Maria não tinha senão três anos, mas já tinha a razão desenvolvida e estava avançada em graça. Unia-se à recitação e ao canto dos belos salmos que os seus pais Ana e Joaquim diziam com tanto fervor. E a graça divina falava ao mesmo tempo ao seu coração. Podemos pensar que impressão fazia sobre esta alma cândida o salmo 83: «Como são amáveis os vossos tabernáculos. Deus das virtudes! A minha alma suspira e desfalece para ir até aos átrios do Senhor... Bem-aventurados os que habitam na vossa casa, ó meu Deus...». - E enquanto ela recitava e saboreava estas aspirações, a graça solicitava a sua alma. O Verbo divino dizia-lhe como no salmo 44: «Escuta, minha filha, vê, presta atenção ao meu apelo: esquece o teu povo e a casa de teu pai...». E acrescentava baixinho: «O rei está encantado com a tua beleza e quer ter-te na sua casa e na sua intimidade». A santa criança escutava e compreendia o apelo divino. Nada a pode reter. Diz aos seus pais bem amados: «Tenho sede de habitar no templo para me consagrar inteiramente à oração e ao serviço de Deus». Ana e Joaquim acederam ao seu desejo, como outrora a mãe de Samuel. Foi uma explosão de alegria no coração da santa criança: «Alegrei-me quando me disseram que irei para a casa do Senhor». (Sl 121) (Leão Dehon, OSP 4, p. 477).
Actio
Repete hoje estas palavras:
«Feliz aquele que faz a vontade do Senhor» (cf. Mc 3, 25).
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Apresentação da Virgem Santa Maria (21 de Novembro)
22 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Daniel 1, 1-6.8-20
No terceiro ano do reinado de Joaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilónia, veio cercar Jerusalém. 2O Senhor entregou-lhe Joaquim, rei de Judá, e uma parte dos objectos do templo; Nabucodonosor transportou-os ao país de Chinear e colocou-os na sala do tesouro dos seus deuses. 3O rei deu ordem a Aspenaz, chefe dos criados, que lhe trouxesse jovens israelitas, de ascendência real ou de família nobre, 4sem qualquer defeito, formosos, dotados de toda a espécie de qualidades, instruídos, inteligentes e fortes. Seriam colocados no palácio real e Aspenaz devia ensinar-lhes as letras e a língua dos caldeus. 5O rei destinou-lhes uma provisão diária de alimentos, reservada à ementa da mesa real, e do vinho que ele bebia. A formação deles havia de durar três anos, após o que entrariam ao serviço na presença do rei. 6Entre estes, contavam-se Daniel, Hananias, Michael e Azarias, que pertenciam aos filhos de Judá. 8Daniel tomou a resolução de não se manchar com o alimento do rei e com o vinho que ele bebia. Por isso, pediu ao chefe dos criados para se abster deles. 9Deus fez com que o chefe dos criados acolhesse Daniel com benevolência e amabilidade. 10Mas depois disse-lhe: «Temo que o rei, meu senhor, que determinou o que vós haveis de comer e beber, venha a encontrar o vosso rosto mais magro que o dos outros jovens da mesma idade e assim me exponhais a uma repreensão da parte do rei.» 11Então, Daniel disse ao oficial, a quem o chefe dos criados tinha confiado o cuidado de Daniel, Hananias, Michael e Azarias: 12«Por favor, faz uma experiência de dez dias com os teus servos: que se nos dê apenas legumes a comer, e água a beber. 13Depois disto, compararás o nosso aspecto com o dos jovens que se alimentam das iguarias da mesa real e, conforme o que tiveres constatado, assim agirás com os teus servos.» 14Concordou com esta proposta e submeteu-os à prova, durante dez dias. 15Ao fim deste prazo, verificou-se que tinham melhor aspecto e estavam mais robustos que todos os jovens que comiam os acepipes da mesa real. 16Como consequência, o oficial retirava as iguarias e o vinho que lhes estavam destinados e mandava que lhes servissem legumes. 17A estes quatro jovens, Deus deu sabedoria e inteligência no domínio das letras e ciências. Daniel compreendia toda a espécie de visões e sonhos. 18Decorrido o tempo fixado pelo rei para a apresentação dos jovens, o chefe dos criados levou-os à presença de Nabucodonosor, 19que conversou com eles. Dentre todos os jovens, não houve nenhum que pudesse comparar-se a Daniel, Hananias, Michael e Azarias. Por isso, entraram ao serviço na presença do rei. 20Em qualquer assunto de sabedoria e inteligência que os consultasse, o rei achava-os dez vezes superiores a todos os escribas e magos do seu reino.
O livro de Daniel junta narrativas de tipo sapiencial com oráculos do género apocalíptico. O protagonista não é uma personagem histórica, mas uma figura simbólica, modelo de sabedoria e fidelidade à Lei. O livro, ambientado na época do exílio em Babilónia, remonta ao século III a. C., mas inclui naturalmente tradições anteriores.
O nosso texto refere a deportação ocorrida no tempo de Nabucodonosor. O autor serve-se das narrativas dos livros das Crónicas para pintar um quadro em que ressalta a figura de Daniel. A narrativa decorre à maneira das fábulas. O rei manda escolher alguns jovens, entre eles quatro israelitas nobres e dotados, para serem instruídos e colocados ao serviço da corte. São escolhidos Daniel, Hananias, Michael e Azarias, todos da tribo de Judá (vv. 3-6). Mas Daniel e os seus companheiros revelam-se decididos a não transgredir a Lei. Era essencial para os exilados manterem-se fiéis aos poucos preceitos que podiam observar fora da sua terra, e que os distinguiam dos pagãos: a circuncisão, o sábado, as prescrições referentes a alimentos. Os quatro jovens hebreus recusam a ementa real, e conseguem convencer o oficial, que deles cuidava, a servir-lhes apenas legumes e água. Levados à presença do rei, verifica-se que têm melhor aparência que os restantes jovens alimentados da mesa do rei. E são escolhidos para o serviço de Nabucodonosor, revelando-se grandes sábios, «dez vezes superiores a todos os escribas e magos do seu reino.» (v. 20).
Evangelho: Lucas 21, 1-4
Naquele tempo, 1Levantando os olhos, Jesus viu os ricos deitarem no cofre do tesouro as suas ofertas. 2Viu também uma viúva pobre deitar lá duas moedinhas 3e disse:«Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou mais do que todos os outros; 4pois eles deitaram no tesouro do que lhes sobejava, enquanto ela, da sua indigência, deitou tudo o que tinha para viver.»
Lucas, para nos inserir numa situação de vida que, hoje como ontem, nos interpela pela sua dramaticidade, serve-se de elementos contrastantes: os «ricos» e a «viúva», a «miséria» e o «supérfluo». O Evangelho não é um livro de piedosas exortações. Ilumina a realidade em que vivemos para que a possamos ler em profundidade. Jesus vê e elogia a pobre viúva; vê e não pode deixar de estigmatizar o gesto daqueles ricos. O olhar de Jesus é como que um juízo sobre a atitude daqueles que têm uma relação diferente com os bens, com o dinheiro. Um juízo que é sempre difícil de aceitar, mas que ilumina o gesto e o coração das pessoas.
Jesus elogia a viúva pobre por causa das «duas moedas» que ofereceu ao templo. Também aqui há um forte contraste nas palavras de Jesus: duas moedas são duas moedas; mas Jesus considera-as mais preciosas do que as ofertas dos ricos. O gesto desta mulher lembra o da mulher anónima que, na véspera da paixão de Jesus, perfumou os seus pés e a sua cabeça com perfume precioso. É um gesto belo que agrada a Jesus mais do que qualquer outro. O pouco da pobre viúva é tudo aos olhos de Deus, enquanto o muito dos ricos é simplesmente supérfluo. Também aqui encontramos um juízo bastante claro: Deus aprecia mais o valor qualitativo do que o valor quantitativo dos nossos gestos. Só Ele vê o nosso coração e nos conhece profundamente.
Meditatio
O episódio narrado na primeira leitura talvez nos choque, habituados como estamos a tudo acomodar para evitar dissabores e complicações. Custa-nos certamente aceitar a atitude dos quatro jovens israelitas, que recusam alimentar-se da ementa real, proibida pela Lei. Não se trata de simples formalismo, uma vez que as normas alimentares tinham um valor simbólico importante: manifestavam a separação entre o povo consagrado a Deus e os outros povos, e permitiam um testemunho mais verídico da sua Palavra. É preciso ir mais além do que o que se vê, procurando descobrir o significado profundo das coisas. As Sagradas Escrituras de Israel, e o próprio Jesus, ensinam-nos a sondar os corações e a considerar o sentido autêntico dos gestos das pessoas, para não ficarmos pelas aparências. Se assim fizermos, não corremos o risco de valorizar a oferta do ricos e desprezar as «du
as moedinhas» da viúva.
O episódio narrado no evangelho de hoje revela-nos, mais uma vez, a delicadeza de Jesus, que nos enche de admiração e de coragem. Certamente que a pobre viúva não estava orgulhosa pela sua oferta, que sabia ser muito pequena. Até talvez procurasse esconder o seu gesto, ao lançar as duas moedinhas no tesouro do templo. Que eram elas, comparadas com as ofertas do ricos? Estes poderiam sentir-se orgulhosos, porque davam muito. Mas ela, não! Jesus, que vê os corações das pessoas, inverte a situação: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou mais do que todos os outros.» (v. 3). Deus não quer as aparências, e sonda os corações, sabendo muito bem onde se encontra a verdadeira generosidade.
Isto deve animar-nos quando nos encontramos em situações semelhantes à da pobre viúva. Aprendamos a ser humildes, se tivermos muito para dar. Tudo o que temos nos foi dado por Deus. Não há razão para nos ensoberbecermos. Temos que aprender também a ser humildes quando temos pouco para dar, quando nos sentimos pobres, em todos os sentidos: pobres de forças físicas, pobres de capacidades... Nestes casos, é difícil ser generosos, porque desanimamos e somos tentados a não dar sequer o pouco que temos. Jesus diz-nos que vale a pena dar sempre, por muito ou pouco que seja, desde que se faça com amor e com humildade. Aliás Ele não se contenta com muito. Quer tudo: «esta viúva pobre deitou mais do que todos os outros, pois... deitou tudo o que tinha para viver» (v. 24).
Agradeçamos ao Senhor pelas luzes que nos dá hoje, e peçamos para nós, e para quem nos é caro, esta generosidade cheia de humildade e de caridade divina.
Oratio
Ilumina-me, Senhor, para que possa compreender o verdadeiro valor das atitudes, dos comportamentos e das coisas. A tentação de me deixar levar pelas opiniões correntes, pelas modas, é grande. Por vezes, é difícil dar testemunho de Ti e da tua palavra, é difícil ser fiel à tua vontade. O mundo nem sempre compreende, escandaliza-se, e até se torna violento contra os teus fiéis. É mais fácil estar com os ricos e segui-los, do que estar com os pobres, tomar partido por eles, defendê-los. Ajuda, Senhor, a minha fragilidade, para que seja coerente com a minha fé, e dócil à tua palavra. Amen.
Contemplatio
Jesus amou a pobreza e o desapego! Vede-o em Belém, no Egipto, em Nazaré, sobre a cruz! Pode dizer-nos: Vede se há uma pobreza semelhante à minha. Desposou a pobreza, escolheu-a, é a sua graça: «Vede, diz S. Paulo, a graça de Nosso Senhor, o qual, sendo rico, se despojou para nos enriquecer com a sua pobreza...» (para nos afectar os seus méritos) (2Cor 8, 9). Ama os pobres, a sua missão é socorrê-los e consolá-los: Enviou-me a evangelizar os pobres (Lc 4, 18). Louva a pobre viúva que dá o seu óbolo ao templo. - Aconselha a pobreza a um jovem de nobre família que procura a perfeição, e quando vê o seu apego aos bens terrenos, exprime a sua tristeza a respeito dos ricos, que dificilmente entrarão no reino dos céus (Lc 18, 18). Os apóstolos compreenderam o bom Mestre. - É certo, diz S. Paulo a Timóteo, que a piedade que se contenta com o necessário é uma grande riqueza; porque não trouxemos nada para este mundo e seguramente também nada poderemos levar. Tendo com que nos alimentar e com que nos vestir, estamos satisfeitos (1Tim 6, 6). - Escutai, meus irmãos muito amados, diz S. Tiago: Deus não escolheu os pobres do mundo para os tornar ricos na fé (isto é, nos bens sobrenaturais) e herdeiros do Reino prometido àqueles que o amam? (Tg 2, 5). Jesus não pode vir com a sua graça a um coração cheio de apego aos bens materiais. Não o entristeçamos como fez o jovem nobre do Evangelho. (Leão Dehon, OSP 4, p. 33s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Esta viúva pobre deitou tudo o que tinha para viver» (Lc 21, 24).
23 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Daniel 2, 31-45
Naqueles dias, Daniel disse ao rei: 31tu tiveste uma visão. Eis que uma grande, uma enorme estátua se levantava diante de ti; era de um brilho extraordinário, mas de um aspecto terrível. 32Esta estátua tinha a cabeça de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de bronze, 33as pernas de ferro, os pés metade de ferro e metade de barro. 34Contemplavas tu esta estátua, quando uma pedra se desprendeu da montanha, sem intervenção de mão alguma, e veio bater nos seus pés, que eram de ferro e argila, e lhos esmigalhou. 35Então, com a mesma pancada foram feitos em pedaços o ferro, o barro, o bronze, a prata, o ouro, e, semelhantes ao pó que no Verão voa da eira, foram levados pelo vento sem que deixassem qualquer vestígio. A pedra que tinha embatido contra a estátua transformou-se numa alta montanha, que encheu toda a terra. 36Este era o sonho. Vamos agora dar ao rei a sua interpretação. 37Tu, ó rei, és o rei dos reis, a quem o Deus dos céus deu a realeza, o poder, a força e a glória; 38a quem entregou o domínio sobre os homens, onde quer que eles habitem, sobre os animais terrestres e sobre as aves do céu. Tu é que és a cabeça de ouro. 39Depois de ti surgirá um outro reino menor que o teu; depois um terceiro reino, o de bronze, que dominará sobre toda a terra. 40Um quarto reino será forte como o ferro; assim como o ferro quebra e esmaga tudo, assim este esmagará e aniquilará todos os outros. 41Os pés e os dedos que viste, em parte de argila de oleiro, em parte de ferro, indicam que este reino será dividido; haverá nele alguma coisa da resistência do ferro, conforme tu viste ferro misturado com argila. 42Os dedos dos pés, em parte de ferro e em parte de barro, significam que o reino será ao mesmo tempo forte e frágil. 43Se tu viste o ferro junto com o barro, foi porque as duas partes se uniram por descendência humana, mas não se aguentarão juntas, do mesmo modo que o ferro não se funde com a argila. 44No tempo destes reis, o Deus dos céus fará aparecer um reino que jamais será destruído e cuja soberania nunca passará para outro povo. Esmagará e aniquilará todos os outros, enquanto ele subsistirá para sempre. 45Foi o que pudeste ver na pedra que se desprendia da montanha, sem intervenção de mão alguma, e que reduzia a migalhas o ferro, o bronze, a argila, a prata e o ouro.
Nabucodonosor teve um sonho que lhe agitou o espírito e lhe fez perder o sono. Os seus escribas, magos, feiticeiros e os caldeus, não conseguiram interpretar esse sonho, porque só Deus pode desvendar os mistérios (cf. v. 28). E desvenda-os ao seu servo Daniel. Este narra a visão que o rei tivera e tanto o assustava: uma enorme estátua construída com diversos materiais: ouro, prata, bronze, ferro e argila. De um monte desprende-se uma pedra que atinge os pés da estátua e a faz em pedaços, enquanto a própria pedra se transforma numa alta montanha que enche a terra. Depois, Daniel prossegue explicando o significado da visão: depois de Nabucodonosor, vão suceder-se quatro reinos, cada um dos quais suplantará o anterior, numa progressiva decadência até ao último, enfraquecido pela amálgama de ferro e argila. Então surgirá, por obra de Deus, um reino que aniquilará os outros, simbolizado pela pedra. O autor talvez pense na desagregação do império de Alexandre Magno nos reinos dos sucessores, para afirmar a soberania eterna de Deus, que põe termo ao domínio humano com a imagem escatológica da unificação mundial.
Evangelho: Lucas 21, 5-11
5Naquele tempo, comentavam alguns que o templo estava adornado de belas pedras e de ofertas votivas. Jesus respondeu-lhes: 6«Virá o dia em que, de tudo isto que estais a contemplar, não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.» 7Perguntaram-lhe, então: «Mestre, quando sucederá isso? E qual será o sinal de que estas coisas estão para acontecer?» 8Ele respondeu: «Tende cuidado em não vos deixardes enganar, pois muitos virão em meu nome, dizendo: 'Sou eu'; e ainda: 'O tempo está próximo. ' Não os sigais. 9Quando ouvirdes falar de guerras e revoltas, não vos alarmeis; é necessário que estas coisas sucedam primeiro, mas não será logo o fim.» 10Disse-lhes depois: «Há-de erguer-se povo contra povo e reino contra reino. 11Haverá grandes terramotos e, em vários lugares, fomes e epidemias; haverá fenómenos apavorantes e grandes sinais no céu.»
O fim do mundo e a vida futura marcam a espiritualidade cristã. É o que Lucas nos indica ao referir mais um "Discurso escatológico" de Jesus (cf. Lc 17, 20-37). As perguntas que os ouvintes fazem a Jesus - «Mestre, quando sucederá isso? E qual será o sinal de que estas coisas estão para acontecer?» - são duas pistas para investigarmos a mensagem. O discurso de Jesus é pronunciado diante do templo, com as suas «belas pedras» e «ofertas votivas», o que cria contraste entre o presente, que ameaça fechar a religiosidade dos contemporâneos de Jesus, e o futuro para onde Jesus deseja orientar a fé dos seus ouvintes. Ao responder, Jesus anuncia o fim do templo e, de certo modo, de tudo aquilo que ele simboliza. Anuncia o fim do mundo que se concretizará nessa catástrofe e em tantas outras. Tudo o que é deste mundo terá certamente fim, mais tarde ou mais cedo. Por isso, o mais importante é acolhermos o ensinamento de Jesus e deixar-nos guiar por ele, enquanto aguardamos a sua vinda. A sua palavra ajudar-nos-á a discernir pessoas e acontecimentos, e a optar pelos valores que nos propõe. Há muita gente que anuncia a proximidade do fim do mundo, para nos aterrorizar, e nos oferece caminhos de salvação. Jesus não faz isso. Mesmo quando fala do fim do mundo, preocupa-se em iluminar-nos e em confortar-nos.
Meditatio
A imagem da primeira leitura, fortemente simbólica como é próprio do estilo apocalíptico, tem uma mensagem profunda, que precisamos de captar, para percebermos o seu significado último.
O livro de Daniel foi composto no tempo de Antíoco IV, quando o povo estava reduzido a quase nada, oprimido, sem esperança. Os Hebreus fervorosos aprofundaram a sua fé, considerando a sorte dos povos que os tinham dominado anteriormente, Medos, Persas, Gregos, colossos de poder, que desapareceram uns depois dos outros. O mesmo havia de suceder a Antíoco Epifânio. Uma «pedra» havia de desprender-se da montanha, para reduzir a cacos a estátua. Nesta pedra, desprendida da montanha, «sem intervenção de mão alguma» (v. 34), reconhecemos Cristo, nascido da Virgem sem pai terreno, que veio a proclamar e a estabelecer o seu reino com a vitória sobre o mal. O reino de Deus é muito diferente do reino dos homens. Apresenta-se na humildade, estabelece-se nos corações e transforma-os sem clamor, com um poder enorme, mas secreto.
Acontece-nos, muitas vezes, desejar um reino mais visível. Mas é um sonho a que temos de renunciar. O importante é acolhermos o reino em nós, n
as nossas famílias, nas nossas comunidades, na Igreja. Jesus avisa-nos: «Tende cuidado em não vos deixardes enganar» (v. 8). De facto, também hoje, há pessoas que propõem coisas extraordinárias. «Não vos alarmeis», alerta-nos Jesus (v. 8). Tudo o que acontece é humano. O reino é uma realidade eterna.
Quando nos sentimos oprimidos por diversos «impérios», externos ou internos a nós mesmos, aprofundemos a nossa fé no Rei que não falha, no Rei forte, perante o Qual todos os outros poderes são reduzidos a nada.
«Verificamos que o mundo de hoje se agita num imenso esforço de libertação: libertação de tudo quanto lesa a dignidade do homem e ameaça a realização das suas mais profundas aspirações: a verdade, a justiça, o amor, a liberdade (cf. GS 26-27) ... Nestas interrogações e procuras entrevemos a expectativa de uma resposta que os homens esperam, mesmo sem chegar a formulá-la claramente. Partilhamos essas aspirações dos nossos contemporâneos, como abertura possível ao advento de um mundo mais humano, ainda que elas contenham o risco de um malogro e de uma degradação. Pela fé, na fidelidade ao magistério da Igreja, relacionamos tais aspirações com a vinda do Reino, por Deus prometido e realizado em seu Filho (Cst 36-37).
Oratio
Senhor, Pai santo, com o óleo da alegria consagrastes Sacerdote, Jesus Cristo, Nosso Senhor, para que, oferecendo-Se no altar da cruz, como vítima de reconciliação, consumasse o mistério da redenção humana e, submetendo ao seu poder todas as criaturas, oferecesse à vossa infinita majestade um reino eterno e universal: reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz. Por isso, com os coros dos Anjos e dos Arcanjos, e com todos os coros celestes, proclamamos a vossa glória, hoje e sempre. Amen.
Contemplatio
Jesus é o Rei dos reis. - David viu profeticamente estes reis magos e descreveu-os no salmo 71: «Os reis de Tarsis e das ilhas ofereceram-lhe presentes; os reis da Arábia e de Saba trouxeram-lhe os seus tributos. Todos os reis da terra o hão-de adorar e todos os povos o hão-de servir». Nada está mais bem marcado no Antigo e no Novo Testamento do que a realeza de Jesus. O que o Antigo Testamento dizia de Deus, que é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores (Dt 10), o Apocalipse di-lo várias vezes de Cristo. - «Ele é o primogénito de entre os mortos e o Príncipe dos reis da terra» (Ap 1,5). «O cordeiro triunfará sobre todos os reis, porque ele é o Senhor e o Rei de todos os que reinam» (Ap 17, 14). «O Verbo de Deus reinará sobre todos os povos; o título escrito sobre o seu brasão é: Rei dos reis e Senhor dos senhores» (Ap 19,16). Todo o salmo 2 é o cântico de glória da realeza de Cristo: «Os reis lutarão em vão contra ele. Deus disse-lhe: pede-me todas as nações em herança e eu dar-tas-ei, tu reinarás sobre todos os reis». S. Paulo diz aos Colossenses: «Cristo é o chefe de todo o principado e de toda a potestade» (2,10). Nós vimos ao longo dos séculos o belo reino de Cristo. É o seu direito, ele conquistou a coroa resgatando os homens e as sociedades. Este reino pode encontrar dificuldades e provas, mas Cristo triunfará sempre. «É em vão, diz David, que os reis e os povos conspiram contra Deus e o seu Ungido, o rei dos reis há-de rir-se deles» (Sl 2). (Leão Dehon, OSP 3, p. 38).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Tende cuidado; não vos deixardes enganar» (Lc 21, 8).
24 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Daniel 5, 1-6.13-14.16-17.23-28
Naqueles dias, o rei Baltasar deu um banquete a mil dos seus conselheiros; e, na presença de todos eles, foi bebendo vinho. 2Excitado pela bebida, mandou trazer os vasos de ouro e prata que o pai Nabucodonosor tinha tirado do templo de Jerusalém, a fim de que o rei, os seus grandes, as concubinas e as bailarinas, se servissem deles para beber. 3Trouxeram, pois, os vasos de ouro que tinham sido roubados ao templo de Deus em Jerusalém. O rei, os seus conselheiros, as concubinas e as bailarinas beberam por eles. 4Depois de terem bebido o vinho, iniciaram o louvor aos deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra. 5Neste momento, apareceram dedos de mão humana que escreviam defronte do candelabro, sobre o reboco da parede do palácio real.O rei, à vista da mão que escrevia, 6mudou de cor, pensamentos terríveis o assaltaram, os músculos dos rins perderam o vigor e os joelhos entrechocavam-se. 13Daniel foi, então, levado à presença do rei, que lhe disse: «És tu, de facto, Daniel, deportado de Judá, a quem meu pai trouxe da Judeia para aqui? 14Ouvi dizer a teu respeito que o espírito de Deus está em ti e que em ti se encontram uma luz, uma inteligência e uma sabedoria superiores. 16Ora, asseguraram-me que tu és mestre na arte das interpretações e das resoluções de enigmas. Se tu, pois, conseguires ler o que está escrito e me deres a conhecer a sua interpretação, serás revestido de púrpura, trarás ao pescoço um colar de ouro e tomarás o terceiro lugar no governo do reino.» 17Daniel respondeu deste modo ao rei: «Guardai as vossas dádivas; as vossas honrarias, dai-as a outro! Contudo, eu lerei ao rei o texto e dar-lhe-ei o significado dele. 23Mas levantaste-te contra o Senhor do Céu; trouxeram-te os vasos do seu templo, pelos quais bebeste vinho, tu, os teus grandes, as tuas mulheres e concubinas. Tributaste louvores aos deuses de prata, de ouro, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra, que são cegos, surdos e nada conhecem, em vez de glorificares o Deus que tem na mão o teu sopro de vida e que conhece todos os teus passos. 24Por isso, foi enviada de sua parte esta mão, que traçou na parede estas palavras. 25Eis o texto aqui escrito: 'Mené, Tequel e Parsin.' 26Eis o sentido destas palavras: Mené: Deus mediu o teu reino e pôs-lhe um termo; 27Tequel: foste pesado na balança e encontrado muito leve; 28Parsin: o teu reino foi dividido e entregue aos Medos e aos Persas.»
O nosso texto é claramente uma parábola. O rei Baltasar, filho e sucessor de Nabucodonosor, não é uma figura histórica. O rei, durante um banquete, em Babilónia, manda pôr na mesa os vasos sagrados trazidos de Jerusalém por Nabucodonosor. A profanação dos vasos sagrados desencadeia um prodígio que espalha o terror na sala do banquete: uma mão prodigiosa escreve palavras incompreensíveis na parede. O mais assustado é o rei: «O rei, à vista da mão que escrevia, mudou de cor, pensamentos terríveis o assaltaram, os músculos dos rins perderam o vigor e os joelhos entrechocavam-se.» (vv. 5-6), escreve o autor com ironia. Mais uma vez, ninguém conseguiu explicar o fenómeno. A rainha sugere que se chame Daniel. O rei, que já conhece a sabedoria do jovem deportado, promete-lhe uma recompensa choruda, caso consiga interpretar a visão. Mas Daniel não é um adivinho qualquer. Os seus poderes vêm-lhe de Deus e, por isso, exerce-os gratuitamente. Relendo a história, o sábio israelita mostra as consequências da arrogância e do sacrilégio cometido pelo rei. Baltazar opôs-se ao Deus do céu e adorou os ídolos (v. 23). Por isso, tornou-se réu do juízo de Deus. E Daniel explica: o seu reinado vai acabar, o seu poder já não tem peso, o seu reino vai ser dado a outros.
Evangelho: Lucas 21, 12-19
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 12«Vão deitar-vos as mãos e perseguir-vos, entregando-vos às sinagogas e metendo-vos nas prisões; hão-de conduzir-vos perante reis e governadores, por causa do meu nome. 13Assim, tereis ocasião de dar testemunho. 14Gravai, pois, no vosso coração, que não vos deveis preocupar com a vossa defesa, 15porque Eu próprio vos darei palavras de sabedoria, a que não poderão resistir ou contradizer os vossos adversários. 16Sereis entregues até pelos pais, irmãos, parentes e amigos. Hão-de causar a morte a alguns de vós 17e sereis odiados por todos, por causa do meu nome. 18Mas não se perderá um só cabelo da vossa cabeça. 19Pela vossa constância é que sereis salvos.»
Continuamos a escutar o segundo "Discurso escatológico" em que é delineado o futuro dos crentes e das comunidades cristãs de todos os tempos. Entrevemos já os acontecimentos narrados pelo mesmo Lucas nos primeiros capítulos dos Actos dos Apóstolos. A perseguição é sinal da autenticidade da fé em Jesus, porque os crentes participam do seu destino pascal. É também um sinal de que está perto o reino de Deus e de que é preciso estar atento e preparado para o acolher. Sabemos como a espiritualidade martirial marcou a vida das primeiras comunidades, até ao édito de Milão, em 313. E sabemos como tantos crentes ainda hoje vêem o martírio como uma forte possibilidade. Por isso, derramar o sangue por Cristo foi e continua a ser para muitos cristãos uma oportunidade para «dar testemunho» (v. 13) do Senhor e do seu Evangelho. O dom da fé implica a missão. Jesus indica o método e o estilo dessa missão. O testemunho dos discípulos, para ser eficaz, deve ser ao estilo pascal do testemunho de Jesus. Não é preciso preparar a própria defesa (v. 14), nem imaginar métodos de defesa meramente humanos, ou fazer apelo a estratégias terrenas. O que é preciso é viver de pura fé, abandonar-se ao poder de Deus, confiar na sua Providência. Cristo não deixará faltar a eloquência e a coragem aos seus fiéis (v. 15). A perseverança é o distintivo dos mártires.
Meditatio
A linguagem de imagens fortemente evocativas dos textos apocalípticos incute terror. Mas a mensagem subjacente é de esperança.
Que relação pode haver entre as duas leituras de hoje? A primeira narra um banquete real perturbado por um episódio misterioso; o evangelho refere a promessa de perseguições contra os seus discípulos, feita por Jesus. Mas há uma relação de contraste muito significativo entre as duas leituras. Na primeira leitura, vemos o triunfo de uma personagem rica, poderosa, que atingiu o mais elevado grau do sucesso humano. O rei Baltazar exerce o seu domínio sobre um imenso império e pode organizar festas grandiosas, como o grande banquete que preparou para os seus dignitários. No evangelho, Jesus anuncia aos seus discípulos uma sorte bem diferente: «Vão deitar-vos as mãos e perseguir-vos, entregando-vos às sinagogas e metendo-vos nas prisões; hão-de conduzir-vos perante reis e governadores, por causa do meu nome...Sereis entregues até pelos pais, irmãos, parentes e am
igos. Hão-de causar a morte a alguns de vós e sereis odiados por todos, por causa do meu nome» (v. 12.16.17ª). Os discípulos de Jesus não terão a felicidade de um banquete, como os dignitários de Baltazar, mas a mísera sorte com que é tratado como criminoso.
Um contraste tão violento entre as duas situações sabe a escandaloso, porque não está de acordo com as exigências da justiça. O rei Baltazar abusa do seu poder para cometer sacrilégios: manda que sejam trazidos para o banquete os vasos sagrados do templo de Jerusalém e profana-os, usando-os para beber e embriagar-se. Assume a figura do ímpio triunfante e insolente, como aparece no salmo 73 (72), 3-12).
A infelicidade dos discípulos de Jesus também é escandalosa, porque não merecem ser perseguidos, postos na prisão, odiados. A única razão da hostilidade contra eles é o apego a Jesus, a sua fé n´Ele. É o que diz o próprio Jesus: «Vão deitar-vos as mãos e perseguir-vos... por causa do meu nome» (v. 12. 17ª). Como é possível serem perseguidos por estarem apegados a uma pessoa tão boa como Jesus? Não tem qualquer lógica! Mas é assim! É uma manifestação do «mistério da iniquidade» (2 Ts 2, 7).
A Sagrada Escritura não cala as provações por que passam as testemunhas de Deus, porque não é um livro enganoso ou falsamente consolador. Quanto mais é vivo o quadro da catástrofe, mais ressalta a firmeza da fé. Enquanto Baltazar empalidece, ecoam seguras as palavras de Daniel: «Deus mediu o teu reino e pôs-lhe um termo» (v. 27).
O cristão revive os sofrimentos de Cristo. De acordo com a interpretação de Santo Agostinho estas tribulações, vividas por todos os cristãos, atingem, com maior razão, aqueles que, por vocação e pelo carisma da oblação reparadora, são chamados a sofrer pela propagação do Evangelho em união com Cristo.
Oratio
Senhor, mantém-me forte e corajoso, para que não trema e vacile diante das provações da vida, nem diante das perseguições promovidas por daqueles que se opõem a Ti e ao teu reino. Dá-me luz para discernir a tua presença e o sentido do caminho que nos propões; dá-me força para testemunhar a minha fé. Conforta-me quando me sinto triste e abandonado. Só Tu podes ajudar-me, sustentar a minha fé, reanimar a minha esperança e dar calor à minha caridade. Só Tu podes dar-me «palavras de sabedoria» para resistir aos ataques dos teus e meus adversários. Obrigado por estares comigo. Obrigado porque a minha fraqueza mostra que só em Ti há vida e salvação. Amen.
Contemplatio
A fortaleza é uma virtude que nos consolida contra o medo e contra o horror das dificuldades, dos perigos e dos trabalhos que se apresentam na execução dos nossos empreendimentos. É o que o dom da fortaleza faz excelentemente: porque este dom é uma disposição habitual que o Espírito Santo coloca na alma e no corpo para fazer e sofrer coisas extraordinárias, para empreender acções difíceis, para expor-se aos perigos, para superar os trabalhos mais rudes, para suportar as dores mais desagradáveis e isto constantemente e de um modo heróico. Este dom é necessário em algumas ocasiões em que alguém se vê exposto a perder os bens, a honra ou a vida, pelo serviço de Deus. O Coração de Jesus assiste então poderosamente com o dom do conselho e da fortaleza a uma alma fiel a qual, desconfiando de si mesma e tenho conhecimento da sua fraqueza e do seu nada, implora o seu socorro e coloca nele a sua confiança. Temos grande necessidade deste dom por causa da dificuldade de alguns empregos aos quais a obediência nos pode aplicar, como ir para as missões, ficar no trabalho das aulas, ou permanecermos num lugar que nos parece menos favorável para a nossa saúde. A ocasião de uma bela morte é tão preciosa que nenhum homem sábio deve perdê-la quando ela se apresenta. Por este único acto de generosidade cristã, merecemos tanto quanto durante todo resto da vida, se vivêssemos mais longamente e colocados fora de perigo. É uma bela morte apanhar a doença ao serviço dos doentes, ir para as missões perigosas, consumir-se pelo próprio rebanho, como fazem os superiores. Não saberíamos dizer quanto aqueles que assim se expõem atraem de graças sobre as suas famílias religiosas. (Leão Dehon, OSP 3, p. 565s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Não vos deveis preocupar-vos:
Eu próprio vos darei palavras de sabedoria» (Lc 21, 14.15).
25 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Daniel 6, 12-28
Naqueles dias, aqueles homens acorreram, alvoroçados, e encontraram Daniel em oração, invocando o seu Deus. 13Dirigiram-se imediatamente a casa do rei e disseram-lhe, a propósito do decreto real de proibição: «Não promulgaste tu, ó rei, uma proibição, declarando que quem, no período de trinta dias, invocasse algum deus ou homem que não fosses tu, seria lançado na cova dos leões?» Respondeu o rei: «Com certeza, conforme a lei dos Medos e dos Persas, que não pode ser modificada.» 14«Pois bem - prosseguiram eles - Daniel, o exilado de Judá, não teve consideração nem pela tua pessoa, nem pelo decreto que promulgaste. Três vezes ao dia, faz a sua oração.» 15Ao ouvir estas palavras, o rei, muito pesaroso, tomou a peito, apesar de tudo, a salvação de Daniel e nisso se aplicou até ao pôr-do-sol. 16Porém, os mesmos homens, em tropel, vieram novamente procurar o rei. «Sabei, ó rei - lhe disseram - que a lei dos Medos e dos Persas não permite qualquer revogação de uma proibição ou de um decreto publicado pelo rei.» 17O rei, então, mandou levar Daniel e lançá-lo na cova dos leões. Disse-lhe o rei: «O Deus que tu adoras com tamanha fidelidade, Ele próprio te libertará!» 18Trouxeram uma pedra, que rolaram sobre a abertura da cova: o rei selou-a com o seu sinete e com o sinete dos grandes, para que nada fosse modificado em atenção a Daniel. 19Entrando no palácio, o rei passou a noite sem comer nada e sem mandar ir para junto dele concubina alguma; não conseguiu fechar os olhos. 20De madrugada, levantou-se e partiu a toda a pressa para a cova dos leões. 21Quando estava próximo, com uma voz muito magoada, chamou Daniel: «Daniel, servo do Deus vivo, o teu Deus, que adoras com tanta fidelidade, teria podido libertar-te dos leões?» 22Daniel dirigiu-se ao rei nestes termos: «Ó rei, viva o rei para sempre! 23O meu Deus enviou o seu anjo e fechou as fauces dos leões, que não me fizeram qualquer mal, porque, aos olhos dele, estava inocente. Para contigo, ó rei, tão pouco cometi qualquer falta.» 24O rei, então, cheio de alegria, ordenou que tirassem Daniel da cova. Daniel foi, pois, tirado sem qualquer vestígio de ferimento, porque tinha fé no seu Deus. 25Por ordem do rei, trouxeram os acusadores de Daniel e atiraram-nos à cova dos leões, a eles, às mulheres e aos filhos. Ainda não tinham tocado o fundo da cova e já os leões os tinham agarrado e lhes tinham triturado os ossos. 26Então, o rei Dario escreveu: «A todos os povos, a todas as nações e à gente de todas as línguas que habitam a face da terra, paz e prosperidade! 27Promulgo este decreto: 'Que em toda a extensão do meu reino se tema e trema diante do Deus de Daniel, porque Ele é o Deus vivo, que subsiste eternamente; o seu reino jamais será destruído e o seu domínio é perpétuo. 28Ele salva e Ele liberta, faz milagres e prodígios no céu e na terra: foi Ele quem livrou Daniel das garras dos leões. '»
Daniel, apesar da proibição do rei, continua a rezar três vezes ao dia, como faz todo o piedoso israelita (v. 14). Os seus inimigos denunciam-no. Dário fica triste, mas não pode deixar de castigar Daniel, pois os decretos reais são irrevogáveis. Como nas fábulas, Daniel e lançado na cova dos leões, fechada com uma pedra que o rei sela para evitar irregularidades. Mas deseja que o Deus de Daniel intervenha para o salvar. Não hesita em orar e jejuar por essa intenção (vv. 17-19).
No dia seguinte, ainda cedo, quando o rei pesaroso se dirigiu à cova dos leões e chama por Daniel, este responde-lhe, dizendo: «Ó rei, viva o rei para sempre! O meu Deus enviou o seu anjo e fechou as fauces dos leões, que não me fizeram qualquer mal.» (vv. 22-23). Libertado o herói, Daniel, segue-se o castigo dos seus inimigos que, antes de chegarem ao fundo da cova, são triturados pelos dentes dos leões (vv. 24s.). Tudo termina com um novo decreto do rei, que ordena que em todo o reino se preste culto ao Deus de Daniel (vv. 26-28). O monoteísmo de Israel triunfa sobre as nações pagãs, que, por causa dos seus prodígios, reconhecem o Deus vivo e verdadeiro.
Evangelho: Lucas 21, 20-28
Naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos: 20«Quando virdes Jerusalém sitiada por exércitos, ficai sabendo que a sua ruína está próxima. 21Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; os que estiverem dentro da cidade retirem-se; e os que estiverem no campo não voltem para a cidade, 22pois esses dias serão de punição, a fim de se cumprir tudo quanto está escrito. 23Ai das que estiverem grávidas e das que estiverem a amamentar naqueles dias, porque haverá uma terrível angústia no país e um castigo contra este povo. 24Serão passados a fio de espada, serão levados cativos para todas as nações; e Jerusalém será calcada pelos gentios, até se completar o tempo dos pagãos.» 25«Haverá sinais no Sol, na Lua e nas estrelas; e, na Terra, angústia entre os povos, aterrados com o bramido e a agitação do mar; 26os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai acontecer ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. 27Então, hão-de ver o Filho do Homem vir numa nuvem com grande poder e glória. 28Quando estas coisas começarem a acontecer, cobrai ânimo e levantai a cabeça, porque a vossa redenção está próxima.»
Esta secção do "Discurso escatológico" apresenta duas partes. Na primeira, é descrita a ruína de Jerusalém (vv. 20-24); na segunda é descrito o fim do mundo (vv. 25-28). Na primeira parte verificamos, mais uma vez, como Lucas gosta de passar da apocalíptica à história: «quando virdes Jerusalém sitiada por exérci¬tos... esses dias serão de punição» (cf. vv. 20-22). A destruição de Jerusalém é um juízo de Deus sobre o comportamento passado dos seus habitantes. Mas é também um aviso em relação ao futuro, e de alcance universal: «até se completar o tempo dos pagãos» (v. 24), isto é, o tempo do testemunho, o tempo dos mártires (cf. Actos dos Apóstolos).
S. Lucas gosta de distinguir os tempos: o Antigo Testamento, a plenitude dos tempos caracterizada pela presença de Jesus, e o tempo da Igreja. O «tempo dos pagãos» insere-se nesta última fase da história. Entre a primeira e segunda parte desta página, o evangelista deixa entender que, depois do tempo dos pagãos, será o juízo universal. Os versículos 25-28 caracterizam-se pela vinda do Filho do homem para o juízo universal. O crente nada tem a temer, ainda que a descrição desse momento o induza ao temor de Deus. De facto, o regresso do Senhor caracteriza-se por «grande poder e glória» (v. 27). Mas será nesse regresso que irá trazer aos fiéis o dom da libertaç&atil
de;o definitiva, o dom da redenção.
Meditatio
Os inimigos de Daniel fazem-no condenar e lançar à cova dos leões, apesar da benevolência do rei para com ele. Aparentemente levam a melhor. Jerusalém, a cidade santa, é destruída, e a população da Judeia exterminada. Tudo parece correr mal para o sábio servo de Deus, Daniel, e para o povo da Aliança. Mas é exactamente no meio das tragédias que gira a roda da fortuna e se manifesta a vitória do projecto divino: os leões, que pouparam Daniel, devoram os seus adversários; enquanto os homens morrem de medo, os discípulos de Jesus erguem a cabeça, porque a sua libertação está próxima. Os crentes, em vez de se espantarem, devem permanecer serenos e alegres, na esperança da libertação, que se aproxima. Toda a tribulação augura vitória, se formos dóceis ao Espírito Santo, que tudo renova. Não esqueçamos que, tanto o autor do livro de Daniel, como Lucas, escreveram em tempos de perseguição, quando a solução positiva e o fim das tribulações pareciam incertos e longínquos. Para o cristão, o sofrimento da morte é libertação para Cristo e para a vida eterna. Pensemos nas palavras de Paulo: «Tenho o desejo de partir e estar com Cristo» (Fl 1, 23). Deixaríamos de lamentar-nos pelas nossas dificuldades de cada dia, se tivéssemos uma migalha da fé testemunhada nas leituras de hoje.
Façamos nosso este modo de ver as coisas, lendo os acontecimentos à luz da fé e da esperança. Externamente, talvez nada mude. Mas nós estaremos sempre em paz, naquela paz que Jesus nos trouxe. Em qualquer circunstância, basta-nos a disponibilidade para tudo acolher e viver em união com Cristo, para nossa salvação e salvação do mundo. O Pe. Dehon quer que o "Ecce venio" seja a nossa máxima preferida: «Esta expressão está sempre nos nossos lábios e, sobretudo, nos nossos corações», escreve o Fundador nas Cst de 1885. A profissão de vítima, isto é, de viver em permanente atitude de oblação, obriga-nos a oferecer todos os dias as nossas orações, obras, sofrimentos e a vida em união com o Coração de Jesus, em espírito de sacrifício, de expiação, de acção de graças e de amor.
Oratio
Senhor, também eu me revejo entre os fugitivos que saem da cidade, aterrados pelos sinais nos céus e pelo bramido e agitação no mar. A "cidade santa", que me dava refúgio e apoio está reduzida a um montão de ruínas: onde estão a igrejas repletas de outrora? Por onde anda a juventude? Que é feito das formas de piedade tradicional em que fui educado? Onde estão as respostas claras e concisas às minhas dúvidas? Ajuda-me, Senhor, a descobrir a tua vontade no meio de tantas desgraças. Ajuda-me a enfrentar sereno e esperançoso, como Daniel, os leões que rugem e me querem devorar. Ajuda-me a ver para além dos céus abalados e dos mares agitados. Se estiveres comigo, os meus olhos verão o Filho do homem vir numa nuvem e terei força para erguer a cabeça. Amen.
Contemplatio
Nosso Senhor preveniu-nos: «A via larga conduz à perdição. - O reino dos céus sofre violência». S. Pedro recorda-nos nas suas epístolas que os demónios, nossos inimigos, andam à nossa volta, com a fúria dos leões para nos perderem. A nossa natureza corrompida, as paixões, a nossa indolência natural arrastam-nos. O mundo, as suas máximas, os seus costumes seduzem-nos. O respeito humano paralisa-nos. Um bom número de almas fracassa na obra da salvação. Quantas? Deus o sabe. Mesmo os santos tremiam de medo. O próprio S. Paulo, depois de ter convertido uma multidão de almas, temia o juízo de Deus. S. João Crisóstomo pensava que muitos cristãos e mesmo sacerdotes perdem a sua alma. Nosso Senhor fez ver a Santa Teresa que a sua salvação dependia de uma ligação natural que devia romper. Fez a mesma advertência à bem-aventurada Margarida Maria. Disse-lhe que se ela não se retirasse desta afeição, Ele retirar-se-ia dela. Não estamos demasiado confiantes, demasiado descuidados na grande questão da salvação? (Leão Dehon, OSP 2, p. 14s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Animai-vos: a vossa redenção está próxima.» (Lc 21, 28).
26 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Daniel 7, 2-14
Considerava eu, na minha visão nocturna, os quatro ventos do céu precipitarem-se sobre o grande mar. 3Surgiram do mar quatro grandes animais, diferentes uns dos outros. 4O primeiro era semelhante a um leão, mas tinha asas de águia. Enquanto o contemplava, foram-lhe arrancadas as asas. Levantavam-no da terra e endireitavam-no sobre os pés como um homem. Depois, deram-lhe um coração de homem. 5Em seguida, apareceu um segundo animal semelhante a um urso; erguia-se sobre um dos lados e segurava na goela, entre os dentes, três costelas. Diziam-lhe: 'Vamos! Devora muita carne! ' 6Depois disto, vi um terceiro animal parecido com uma pantera, que tinha sobre o dorso quatro asas de ave e também quatro cabeças. Foi-lhe entregue a soberania. 7Enfim, quando contemplava estas visões nocturnas, divisei um quarto animal, horroroso, aterrador, e de uma força excepcional. Tinha enormes dentes de ferro; devorava, depois fazia em pedaços e o resto calcava-o aos pés. Era diferente dos animais anteriores, pois tinha dez chifres. 8Quando eu contemplava os chifres, eis que surgiu do meio deles um outro chifre mais pequeno. Para dar lugar a este chifre, três dos primeiros foram arrancados. Este chifre tinha olhos como um homem e uma boca que proferia palavras arrogantes. 9«Continuava eu a olhar, até que foram preparados uns tronos, e um Ancião sentou-se. Branco como a neve era o seu vestuário, e os cabelos da cabeça eram como de lã pura; o trono era feito de chamas, com rodas de fogo flamejante. 10Corria um rio de fogo que jorrava da parte da frente dele. Mil milhares o serviam, dez mil miríades lhe assistiam. O tribunal reuniu-se em sessão e foram abertos os livros. 11Eu olhava. Por causa do ruído das palavras arrogantes que o chifre proferia, esse animal foi morto e o seu corpo desfeito e atirado às chamas do fogo. 12Quanto aos outros animais, também lhes foi tirado o poderio; no entanto, a duração da sua vida foi-lhes fixada a um tempo e uma data. 13Contemplando sempre a visão nocturna, vi aproximar-se, sobre as nuvens do céu, um ser semelhante a um filho de homem. Avançou até ao Ancião, diante do qual o conduziram. 14Foram-lhe dadas as soberanias, a glória e a realeza. Todos os povos, todas as nações e as gentes de todas as línguas o serviram. O seu império é um império eterno que não passará jamais, e o seu reino nunca será destruído.»
O texto que acabamos de escutar pertence ao género literário apocalíptico. As revelações por meio de sonhos são frequentes tanto no Antigo como no Novo Testamento. No nosso texto, Daniel descreve uma visão nocturna do mar revolto, donde emergem quatro grandes e terríveis animais. O mar simboliza aqui o caos primordial, ou o conjunto das forças que se opõem a Deus e aos seus fiéis. Os animais (quatro significa a totalidade) representam as forças inimigas ou reinos pagãos. Apesar da sua arrogância, não passam de simples instrumentos por meio dos quais Deus realiza os seus juízos. Nos animais podem identificar-se os sinais de Babilónia, dos Medos, dos Persas, e, sobretudo, os Selêucidas da Síria, os mais terríveis. A Síria era antigamente identificada com a Assíria, e aqui na visão dos dez chifres (símbolo de poder) e do chifre mais pequeno e mais arrogante sobrepõe-se ao de Antíoco IV a imagem de Assur. A visão torna-se uma teofania. Aparece uma espécie de tribunal celeste presidido por um Ancião vestido de branco e sentado num trono de fogo com rodas flamejantes. A multidão dos que servem o Ancião é incontável. São abertos os livros do juízo e o quarto animal é morto, enquanto aos outros é concedido um tempo limitado de vida. O mal continua a ameaçar os fiéis. Mas o seu fim está perto. A teofania culmina com a aparição do Filho de homem, figura messiânica, a quem é entregue a senhoria eterna sobre todos os povos e nações.
Evangelho: Lucas 21, 29-33
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: 29«Reparai na figueira e nas restantes árvores. 30Quando começam a deitar rebentos, ao vê-los, ficais a saber que o Verão está próximo. 31Assim também, quando virdes essas coisas, conhecereis que o Reino de Deus está próximo. 32Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que tudo se cumpra. 33O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão-de passar.»
Jesus, ao terminar o "Discurso escatológico", responde à pergunta inicial: «Mestre, quando sucederá isso? E qual será o sinal de que estas coisas estão para acontecer?» (21, 7). A parábola da figueira é a resposta. Já no versículo 28 fora introduzido o tema da vigilância: «cobrai ânimo e levantai a cabeça!» que agora é retomado e desenvolvido. Lucas aproveita todas as ocasiões para exortar os destinatários do seu evangelho a tirar as devidas consequências da mensagem que lhes entrega.
O pormenor das «restan¬tes árvores» (v. 29) visa tornar inteligível a parábola fora da Palestina. Mas não é preciso aplicar a realidade do Reino de Deus ao ritmo das estações. Portanto o regresso do Senhor não deve ser entendido como é o Verão, tempo das colheitas. Apenas se quer afirmar que, quando se verificarem os sinais premonitórios (cf. vv 20-28), então se manifestará definitivamente o poder de Deus que salva. Para Lucas, como sabemos, o reino de Deus já está no meio de nós (cf. 12, 20; 17, 21). O regresso do Senhor não será o início do Reino, mas a realização da sua última fase. «A vossa redenção está próxima» (v. 28): Cristo, o libertador, que já deu início ao reino do Pai no meio de nós, há-de vir aperfeiçoar a sua missão.
Meditatio
«Os quatro grandes animais» do sonho de Daniel não conseguem fixar os olhos no trono resplandecente em que está sentado o Ancião. Consegue-o Daniel, com os olhos puros da fé, a quem é dado contemplar o fim da visão. O poder das forças do mal é limitado no tempo e no espaço, apesar de incutir terror. Os crentes escolheram outro poder, que não tem limites. A multidão dos que servem o Ancião é inumerável. O reino entregue ao Filho do homem é eterno. O poder humano «não é humano»; o único reino "humano" é o reino de Deus.
Mas, voltemos à visão de Daniel. O profeta vê quatro grandes animais: um leão monstruoso, que se endireitava sobre os pés como se fosse um homem e tem coração de homem; um urso, ao qual é dito: «Vamos! Devora muita carne!» (v. 5); uma espécie de pantera à qual foi entregue a soberania; finalmente, «um quarto animal, horroroso, aterrador, e de uma força excepciona» (v. 7). Estes animais representam o poder humano não submetido a Deus. É um poder cruel, desumano, que parece nunca acabar, mas que é miserável e inconsisten
te. A este poder, Daniel opõe o poder de Deus, na visão de «um ser semelhante a um filho de homem» (v. 13), que recebe poder, glória e reino do próprio Deus. É o rei que preferiu sofrer a fazer sofrer, que se fez homem para melhor compreender os homens e guiá-los de modo humano, com mansidão e humildade.
O profeta Daniel antecipa a grande revelação do Novo Testamento, onde é recordada em momentos decisivos. O Filho do homem a quem Deus dá glória, poder e reino é evocado por Cristo na resposta ao Sumo-sacerdote: «És o Messias, o Filho de Deus?» Jesus respondeu-lhe: «Sim: Vereis um dia o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.» (Mt 26, 63-64). Os cristãos exultaram ao reler a profecia, e contemplam Cristo à direita de Deus. No último encontro de Jesus com os seus, Ele proclama que esta profecia está realizada: «Foi-me dado todo o poder no Céu e na Terra» (Mt 28, 18).
Como discípulos do Senhor somos chamados a viver a bem-aventurança dos pobres e a renunciar a tantos meios de segurança humana: dinheiro, estado social influente, cargos, poder... Jesus é tudo na nossa vida. De modo particular, como religiosos, queremos assumir o Seu estilo de vida e cooperar, segundo a nossa vocação pessoal e comunitária, para a difusão do Seu Reino.
Oratio
Senhor, obrigado pela ironia com que nos disseste quando será o fim do mundo: "quando virdes a figueira lançar os primeiros rebentos, dizeis que o Verão está perto". É um fenómeno natural, que o camponês bem sabe interpretar. Também não passará a nossa geração sem que venha o reino de Deus. Não se trata de nos abandonarmos a fantasias milenaristas, mas de viver plenamente a nossa vida cristã, que para isso recebemos. Não é preciso esperar pelo fim do mundo para nos convencermos que a tua Palavra dura eternamente e para decidirmos, de uma vez por todas, confiar-nos a Ti, e não aos poderes deste mundo, que, entretanto, parecem levar a melhor. Obrigado, Senhor, por assim me esclareceres. Amen.
Contemplatio
O silêncio acusador de Jesus, mais eloquente do que tudo o que teria podido dizer, perturbava e inquietava a consciência dos juízes. Caifás quis rompê-lo a todo o custo. As acusações das testemunhas confirmavam-no no pensamento de que Jesus se dava por Messias. Quis obrigá-lo a confessar. Por isso disse-lhe solenemente: «Eu te conjuro, em nome do Deus vivo, a que nos digas se és o Cristo, o Filho de Deus». Jesus sabe que a sua resposta afirmativa terá como consequência uma declaração de morte; mas não quer subtrair-se a uma notificação jurídica. Responde dignamente: «Tu o disseste, sou». É como se dissesse: «Sou o Messias esperado, aquele que os profetas vos anunciaram. Deveríeis reconhecê-lo e proclamá-lo. Em vez disso, ides condenar-me à morte, mas esta morte mesma me fará entrar na glória, e julgar-vos-ei por minha vez». E acrescentava: «Vereis, então, um dia o Filho do homem, sentado à direita de Deus todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu, para julgar os vivos e os mortos». A estas palavras, o sumo-sacerdote, fingindo surpreender o Salvador em flagrante delito de blasfémia, rasgou as vestes e exclamou: «Blasfemou, que vos parece? Que necessidade temos ainda de testemunhas?». Todos se levantaram e gritaram, como possessos: «É digno de morte». Mas Jesus não provou a sua missão com milagres? Era isto que deviam examinar e nem pensam. Ó meu bom Mestre, sim, creio, vós sois o Cristo, Filho de Deus. Reconheço-o, adoro-vos, faço pública retractação por estes ultrajes que vos são feitos em casa de Caifás. Infelizmente, a minha vida tem sido muitas vezes uma negação da vossa autoridade. Perdoai-me, prostro-me aos vossos pés e abraço-os. (Leão Dehon, OSP 3, p. 292s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Vereis um dia o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso
e vindo sobre as nuvens do céu» (Mt 26, 64
27 Novembro 2021
Lectio
Primeira leitura: Daniel 7, 15-27
Eu, Daniel, senti-me esmagado perante semelhantes visões, com o espírito perturbado. 16Aproximei-me de um dos assistentes e interroguei-o sobre a realidade de tudo aquilo. Respondeu-me e deu-me a explicação: 17«Estes portentosos animais, que são em número de quatro, são quatro reis que se levantarão da terra. 18Os santos do Altíssimo são os que hão-de receber a realeza e guardá-la por toda a eternidade.» 19Quis, então, conhecer exactamente o que se referia ao quarto animal, diferente dos outros, excessivamente aterrador, cujos dentes eram de ferro e as garras de bronze, que devorava, depois desfazia em pedaços e o que restava calcava-o aos pés. 20Desejei ser esclarecido acerca dos dez chifres que tinha na cabeça, bem como daquele outro chifre que tinha despontado e diante do qual três chifres tinham caído. É que esse chifre tinha olhos e uma boca que proferia palavras arrogantes e parecia maior que os seus companheiros. 21Tinha visto este chifre fazer guerra aos santos e levar vantagem sobre eles. 22Mas o Ancião, quando veio, fez justiça aos santos do Altíssimo. A hora deles era aquela e obtiveram a posse do reino. 23Respondeu-me assim: «O quarto animal será um quarto reino terrestre, que será diferente de todos os reinos, devorará o mundo, o calcará e o reduzirá a pó. 24Os dez chifres designam dez reis, que surgirão neste reino, mas após estes surgirá um outro, diferente dos anteriores, o qual vencerá três reis. 25Proferirá insultos contra o Altíssimo, perseguirá os santos do Altíssimo. Pensará em mudar os tempos sagrados e a religião. Os santos viverão sob a sua alçada, apenas durante um determinado espaço de tempo. 26Mas o julgamento continuará e tirar-lhe-ão o domínio, para o suprimir e aniquilar definitivamente. 27A realeza, o império e a grandeza de todos os reinos, situados sob os céus, serão então devolvidos ao povo dos santos do Altíssimo. O seu reino é eterno e todas as soberanias lhe prestarão preito de obediência.»
A visão escatológica de Daniel prossegue. Mas, desta vez, não consegue compreender sozinho o seu sonho, e pede explicação a uma das figuras do tribunal celeste. Os quatro animais são quatro reinos poderosos, que, todavia, serão suplantados pelo reino dos «santos do Altíssimo» (v. 27). O quarto animal aterroriza Daniel que, mais uma vez, pede explicações ao anjo: haverá dez reis, e finalmente um rei - o pequeno chifre - mais feroz e blasfemo que os outros, que substituirá o culto de Deus pelo dos ídolos. Este rei terá mãos livre durante um certo tempo. Depois, será julgado e reduzido a nada. O reino eterno será, finalmente, entregue aos santos do Altíssimo, as potências angélicas que representam o domínio de Deus. Podemos entrever uma alusão à revolta dos Macabeus contra Antíoco IV ou aos rebeldes que lutam por salvaguardar a pureza da fé e o conforto da previsão da vitória final.
Evangelho: Lucas 21, 34-36
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos 34«Tende cuidado convosco: que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão, a embriaguez e as preocupações da vida, e que esse dia não caia sobre vós subitamente, 35como um laço; pois atingirá todos os que habitam a terra inteira. 36Velai, pois, orando continuamente, a fim de terdes força para escapar a tudo o que vai acontecer e aparecerdes firmes diante do Filho do Homem.»
Ao terminar o "Discurso escatológico", Jesus alerta-nos para o perigo do relaxamento espiritual. Mas também nos convida à coragem e à força do testemunho. Mas o que mais interessa ao Senhor é preparar os discípulos para a luta espiritual que há caracterizar a sua experiência histórica. Se são perigosos os ataques exteriores, não o são menos as fraquezas interiores. Para ser fiel ao Evangelho, é preciso estar atento a si mesmo e resistir aos outros. Por isso, o convite: «Velai, orando continuamente» (v. 36). Estas palavras apontam as atitudes de quem quer ser discípulo de Jesus. São atitudes indispensáveis a cada um dos crentes, mas também às comunidades. Na certeza de que todos havemos de comparecer diante do Filho do homem (cf. v. 36), Jesus indica-nos a necessidade de fazer algumas opções. Em primeiro, a da vigilância, isto é, a do exame crítico do tempo em que vivemos, a presença crítica na sociedade em que vivemos e actuamos, mas também o discernimento crítico das propostas de salvação que vamos recebendo de um lado e de outro. Em segundo lugar, a renúncia: para nos prepararmos para o encontro com o Senhor, para estar interiormente e exteriormente puros, para não nos deixarmos seduzir pelo mundo nem pelo Maligno.
Meditatio
«Velai, orando continuamente, a fim de aparecerdes firmes diante do Filho do Homem.» (v. 36). No último dia do ano litúrgico, o Senhor recomenda-nos esperança e vigilância. Paulo repetia essa recomendação aos Coríntios: «Estai vigilantes, permanecei firmes na fé, sede corajosos e fortes.» (1 Cor 16, 13). A Igreja continua a repeti-la: «Vigiai e orai em todo o tempo, para vos apresentardes sem temor diante do Filho do homem» (versículo do Aleluia).
Podemos ter esperança porque, como lemos no livro de Daniel, «A realeza, o império e a grandeza de todos os reinos, situados sob os céus, serão então devolvidos ao povo dos santos do Altíssimo» (v. 27). Será então que o Filho do homem, de quem ontem ouvimos falar, corresponde ao povo? É um ponto obscuro. A expressão aqui tem sentido colectivo e sempre messiânico, mas o sentido pessoal não é excluído, porque o Filho do homem é, ao mesmo tempo, o chefe, o representante e o modelo do povo dos santos. Jesus falou de Si mesmo, muitas vezes, como Filho do homem. Os santos, diz Daniel, serão por um certo tempo entregues nas mãos dos inimigos; depois, Deus retirar-lhes-á o poder, e os santos receberão do reino. É a nossa esperança: «Tende confiança: Eu já venci o mundo!» (Jo 16, 13). Jesus venceu, e nós participamos da sua vitória, se permanecermos unidos a Ele, orando e vigiando.
«Segundo o seu desígnio de amor, concebido antes da criação do mundo (cf. Ef 1,3-14), o Pai enviou-nos o seu Filho: "Ele O entregou por todos nós" (Rm 8,32). Pela ressurreição, constituiu-O Senhor, Coração da humanidade e do mundo, esperança de salvação para quantos ouvem a sua voz.» (Cst 19).
Oratio
Senhor, neste último dia do ano litúrgico, quero colocar-me diante de Ti, em atitude de confiança e de paz. Com grande alegria, quero bendizer-Te pelo teu amor sempre presente, pelo teu magnífico projecto de salvação. Louvado e exaltado sejas para sempre por todos os homens, pela tua Igreja, pelos teus servos, pelos justos que, tendo passado pela grande tribulação, já estão Contigo para sempre.
Louvado sejas por todos os santos e humildes de coração. Amen.
Contemplatio
Nosso Senhor dará a cada um segundo as suas obras. Foi o que Ele mesmo nos disse. A sua justiça será rigorosa e sem acepção de pessoas. O exame versará primeiro sobre a fé, quem tiver acreditado será salvo; depois sobre a caridade e as obras de misericórdia. Acautele-se quem não tiver praticado a caridade segundo o seu poder. O exame incidirá também sobre os deveres pessoais, sobre os deveres de estado. A quem tiver recebido muito, muito será pedido. Os que tiverem exercido uma autoridade hão-de responder por si e pelos outros. Quantas ilusões hão-de cair nesse dia! O exame será tão rigoroso! O olhar de Deus é tão penetrante! Nós ocultamos as nossas faltas a nós mesmos. Não queremos ver. Não nos queremos humilhar diante dos representantes de Deus. Tenhamos uma vez a coragem de irmos até ao fundo da nossa consciência. Não façamos como os maus contabilistas, que esperam o dia da falência para olharem claramente para os seus negócios. Quando a hora chegar, pode ser próxima e sempre imprevista, escutaremos esta interpelação: «Presta contas da tua administração». Estamos prontos? Conhecemos as contas que temos de dar? Não desviámos sempre os nossos olhos para não vermos? Apressemo-nos a reflectir sobre isto. O juízo será definitivo. Os justos escutarão esta sentença triunfal: «Vinde, benditos de meu Pai, possuir o reino que vos foi preparado desde o princípio do mundo». E os pecadores receberão este juízo aterrador: «Retirai-vos de mim malditos, ide para o fogo eterno que foi preparado para Satanás e para os seus anjos». E uns irão para o suplício que não acaba e os outros para a vida eterna». Foi por bondade e para nos premunir que Nosso Senhor quis dar-nos toda esta descrição. Ficou gravada no espírito dos apóstolos e foi transmitida a toda a Igreja guardando sempre a mesma vivacidade de expressão. A liturgia colocou-a na sua primeira e na sua última página, nos evangelhos do primeiro e do último domingo do ano. A arte cristã esculpiu-a no pórtico das nossas igrejas, para que entremos sob a impressão desta pregação. O Credo no-lo recorda todos os dias. A conclusão é dada por S. Lucas: «Vigiai, portanto, em todo o tempo». Vigiai todos os dias, pensai sempre no juízo. (Leão Dehon, OSP 4, p. 306s.)
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Velai e orai continuamente» (Lc 21, 36).
29 Novembro 2021
Tempo do Advento Primeira Semana - Segunda-feira
Lectio
Primeira leitura: Is 2, 1-5
1 Visão profética de Isaías, filho de Amos. sobre Judá e Jerusalém: 2*No fim dos tempos o monte do templo do Senhor estará firme, será o mais alto de todos, e dominará sobre as colinas. Acorrerão a ele todas as gentes, 3virão muitos povos e dirão: «Vinde, subamos à montanha do Senhor, à casa do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos, e nós andaremos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e de Jerusalém, a palavra do Senhor. 4E1e julgará as nações, e dará as suas leis a muitos povos, os quais transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices. Uma nação não levantará a espada contra outra, e não se adestrarão mais para a guerra. 5Vinde Casa de Jacob, caminhemos à luz do Senhor.»
Isaías, com o seu olhar de fé, descortina na história um duplo movimento: um movimento ascendente da parte do homem, que progride, que procura a Deus, e um movimento descendente da parte de Deus, que vem ao encontro do homem, por meio da sua Palavra, para o atrair para Si. O futuro da humanidade não será a catástrofe, mas a unidade, a paz universal. A vinda do Messias provocará entre os povos um movimento inverso ao que aconteceu em Babel. À confusão e à dispersão sucederá a união entre os homens e sua proximidade com Deus. Jerusalém será a cidade de Deus para sempre.
A «palavra do senhor- (v. 3) dirigida aos homens, ensínar-lhes-á a concórdia e o caminho da paz, orientando nessa direcção as suas energias positivas. Assim, os instrumentos de guerra, serão transformados em instrumentos de paz: «transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em totces- (v. 4).
As realizações humanas serão sempre frágeis. Mas ajudarão a compreender que a vida, que muitas vezes avança no meio de sofrimento, é uma santa peregrinação iluminada pela luz que emana do «monte do templo do Senhor» (v. 2). Essa luz, que será plena no fim dos tempos, brilha desde já iluminando o caminho do povo de Israel: « Vinde Casa de Jacob, caminhemos à luz do Senhor» (v. 5). A história avança, muitas vezes, no meio de grande turbulência e com muitas oscilações. Mas Isaías convida-nos ao optimismo.
Evangelho: Mt. 8, 5-11
Naquele tempo:5*entrando em Cafarnaúm, aproximou-se dele um centurião, suplicando nestes termos: 6«Senhor, o meu servo jaz em casa paralítico, sofrendo horrivelmente.» 7Disse-Ihe Jesus: «Eu irei curá-to» 8Respondeu-Ihe o centurião: «Senhor, eu não sou digno de que entres debaixo do meu tecto; mas diz uma só palavra e o meu servo será curado. 9porque eu, que não passo de um subordinado, tenho soldados às minhas ordens e digo a um: 'Vai; e ele vai; a outro: 'Vem; e ele vem; e ao meu servo: 'Faz isto; e ele faz.» 10*Jesus, ao ouvi-lo, admirou-se e disse aos que o seguiam: «Em verdade vos digo: Não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé! 11*Digo-vos que, do Oriente e do Ocidente, muitos virão sentar-se à mesa do banquete com Abraão, Isaac e Jacob, no Reino do Céu.
A fé do centurião causa espanto a Jesus. Trata-se de um pagão, pessoa considerada impura pelos judeus, de um soldado das forças estrangeiras de ocupação da terra de Israel! E todavia manifesta uma fé muito grande, uma fé convicta, determinada, acompanhada por um forte sentimento de indignidade, que não lhe permite ter pretensões. Reconhece que o povo eleito é Israel. Mas também sabe que o poder de Deus, manifestado em Jesus, não tem quaisquer limites. E, tal como a sua palavra de comandante é eficaz, está certo de que, com maior razão, também a palavra de Jesus será eficaz contra a doença do seu servo.
Jesus exalta a fé desse "pagão" como verdadeira fé salvífica. Com este relato, Mateus propõe um caminho de fé que vai da confiança em Jesus, que pode e quer curar, ao acolhimento da sua pessoa como enviado de Deus, à abertura sincera e total que desemboca na fé.
Ao terminar o relato, o evangelista acrescenta uma palavra de Jesus que evoca o banquete do fim dos tempos em que hão-de participar também os pagãos. Mateus, que é hebreu, parece querer provocar ciúmes nos seus irmãos hebreus e sacudir a sua excessiva segurança por serem o povo eleito.
Meditatio
As leituras de hoje abrem horizontes de esperança para todos os povos: Deus «dará as suas leis a muitos pOV09> (v. 4). Por isso, a nossa oração não pode limitar-se ao nosso horizonte pessoal, mas abrir-se aos desejos e aspirações de todos os homens, para que encontrem plena satisfação em Cristo, o verdadeiro templo a que «acorrerão todas as pentes» (v. 2).
O Advento não é um tempo fictício. É verdade que Cristo já veio. Mas ainda não foi anunciado nem acolhido por todos os homens, por todos os povos, que por Ele anseiam. Também é certo que, Aquele que veio, há-de voltar no fim dos tempos, para completar a obra da salvação oferecida a todos os povos. Abramos, pois o coração a quantos ainda não conhecem o Senhor, ou não O querem conhecer, mas que d ' Ele precisam e, no fundo, por Ele anseiam.
O evangelho diz-nos que, em Cristo, que vem ao nosso encontro, podemos descobrir o rosto de Deus que vem visitar a humanidade, que O procura ansiosamente. Mas também nos diz como se vai ao encontro de Cristo que vem. Em primeiro lugar, havemos de ter consciência daquilo que precisamos. O centurião precisa da intervenção de Cristo em favor do servo que sofre. Também nós havemos de estar conscientes das nossas reais necessidades, das nossas misérias ... Em segundo lugar, precisamos de humildade, isto é, de reconhecermos que não podemos salvar-nos só por nós mesmos. Em terceiro lugar, a humildade há ser acompanhada pela confiança no Senhor que vem ao nosso encontro para nos conduzir pelos caminhos da vida e da luz. A humildade também leva a reconhecer que, ainda que estejamos em urgente necessidade, não somos dignos, e muito menos podemos exigir, que o Filho de Deus se incomode por causa de nós. Não o merecemos. O que fizer por nós é puro dom da sua misericórdia.
Precisamos também de fé. Sabemos que Deus tem os seus tempos e modos de actuar. Deixemo-lo actuar como e quando quiser. O centurião nada exige e está disponível para aceitar o que o Senhor quiser. Limita-se a crer em Jesus, a amar a sua vontade. E isso é o mais importante, como Jesus acaba por sublinhar
O episódio narrado no evangelho de hoje também nos mostra que a fé não é monopólio de ninguém. Quem escutar a Palavra e aderir a Jesus Cristo, encontra a salvação. Por isso é que a Igreja continua a evangelizar todos os povos. E o Advento é também um tempo missionário que deve alertar-n
os para a necessidade de evangelizar.
Embora o nosso instituto não seja exclusivamente missionário, as missões «ed çentes» fazem parte das opções apostólicas preferenciais da Congregação. Já o Pe. Dehon, em carta ao Pe. Guillaume, em 3 de Outubro de 1910, indicava os motivos dessa opção: fazer conhecer o amor do Coração de Jesus nas terras infiéis; o espírito de sacrifício e, portanto, de imolação, a alegria de Nosso Senhor e da Igreja (AD B 44). A actividade missionária permanece no Instituto como um modo privilegiado de nos inserir no movimento de amor redentor, iniciado com o mistério da Encarnação e desenvolvermos riquezas da nossa vocação e oblatos-reparadores. O Advento é tempo de reavivarmos a consciência da nossa vocação missionária.
Oratio
Vem, Senhor Jesus! Precisamos de Ti, da realização das tuas promessas.
Precisamos da tua palavra, que nos ensine a pôr de lado a prepotência, as incompreensões, as divisões e a violência e a percorrer os caminhos da paz.
Vem, Senhor Jesus! Ilumina os nossos passos com a luz do teu rosto, e fortalece os nossos corações para sejamos capazes de transformar as lanças em foices e as espadas em relhas de arado.
Vem, Senhor Jesus! Vem às nossas vidas, para nos iluminar, nos curar, nos dar
a paz.
Vem, Senhor Jesus! E, como o centurião, testemunharemos a nossa fé e a nossa confiança em Ti, bem como a nossa gratidão por Te fazeres nosso companheiro de viagem e nosso hóspede: «Senhor, eu não sou digno de que entres debaixo do meu tecto; mas diz uma só palavra e o meu servo será curado!»
Vem, Senhor Jesus! Vem, Senhor Jesus!
Contemplatio
Edificar e expandir benefícios, tal é o fim das relações exteriores de Jesus. Nós podemos considerá-lo nas suas relações com aqueles que são estranhos à fé judaica, depois nos seus encontros com os seus amigos e com os seus inimigos. As suas relações com aqueles que são estranhos à fé judaica: Várias vezes está em relação com estranhos a respeito da fé nacional, com pagãos, com samaritanos cismáticos. Ganha-os para a verdade pelos seus benefícios e pela sua santidade. Mas não tem sucesso junto de Pilatos, que está prevenido pelo orgulho e pelo interesse.
Eis em primeiro lugar o centurião de Cafarnaúm. É pagão, mas é honesto e bom. Mandou mesmo construir uma sinagoga para os judeus. É um homem recto e humilde. Ouviu falar dos milagres de Jesus, e manda-lhe pedir a cura do seu servo. Jesus quer ir a sua casa. O centurião pronuncia esta palavra histórica: «Não sou digno de que entreis em minha casa». Jesus cura o seu servo sem ir mais longe e exalta a fé deste centurião: «Não encontrei uma tão grande fé em Israel» (Leão Dehon, OSP 2, p. 576).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas diz uma palavra e serei salvo!» (da Liturgia, cf. Mt 8, 8).
30 Novembro 2021
André era discípulo de João Batista, e companheiro de João Evangelista. Quando o Precursor apontou Jesus que passava, dizendo: "Eis o cordeiro de Deus" (cf. Jo 1, 35-40) tornou-se imediatamente discípulo do Senhor. Logo a seguir, comunicou a Pedro, seu irmão a descoberta do Messias (cf. Jo 1, 41s.). Jesus chamou a ambos para se tornarem "pescadores de homens" (Mt 4, 18s.). É André que, na multiplicação dos pães indica a Jesus o rapaz que tem cinco pães e dois peixes (Jo 6, 8s.). Com Filipe, André refere a Jesus que alguns gregos O querem ver (Jo 12, 20s.). A tradição reconhece em Santo André o evangelizador da Acaia (Grécia) e em Patras o lugar onde morreu após dois dias de suplício na Cruz, donde anunciou Cristo até ao último momento.
Lectio
Primeira leitura: Romanos 10,9-18
Irmãos: Se confessares com a tua boca: «Jesus é o Senhor», e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, serás salvo. 10É que acreditar de coração leva a obter a justiça, e confessar com a boca leva a obter a salvação. 11É a Escritura que o diz: Todo o que nele acreditar não ficará frustrado. 12Assim, não há diferença entre judeu e grego, pois todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam. 13De facto, todo o que invocar o nome do Senhor será salvo. 14Ora, como hão-de invocar aquele em quem não acreditaram? E como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão-de ouvir falar, sem alguém que o anuncie? 15E como hão-de anunciar, se não forem enviados? Por isso está escrito: Que bem-vindos são os pés dos que anunciam as boas-novas! 16Porém, nem todos obedeceram à Boa-Nova. É Isaías quem o diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? 17Portanto, a fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo. 18Mas, pergunto eu, será que não a ouviram? Pelo contrário: A voz deles ressoou por toda a terra e até aos confins do mundo as suas palavras.
A fé leva à salvação quando nos abandonamos a Deus, reconhecendo-O como único Salvador. Mas a fé pressupõe a escuta da Palavra, pela pregação dos missionários. A pregação e a fé têm o mesmo objeto: o mistério de Jesus-Senhor, morto e ressuscitado pelo poder de Deus Pai. Por isso, quando alguém acredita, expropria-se de si mesmo e torna-se propriedade de Deus, garante e fundamento de toda a confiança dos homens n´Ele. Mas também a pregação pressupõe um evento histórico absolutamente necessário: ter sido enviado. Por outras palavras, a pregação pressupõe a missão. A mensagem evangélica, destinada a todos os povos, passa pela escolha que Jesus faz das suas testemunha e pelo seu envio em missão: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (Mc 16, 15).
Evangelho: Mateus 4, 18-22
Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. 19Disse-lhes: «Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens.» 20E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no. 21Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai, Zebedeu, consertavam as redes, dentro do barco. Chamou-os, e 22eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no.
Jesus reúne à sua volta alguns discípulos aos quais dirige um especial ensinamento, porque os quer como discípulos e como testemunhas. Depois da Ressurreição, enviá-los-á ao mundo inteiro. Os Doze, de pescadores de peixes, tornam-se pescadores de homens. É o que Jesus lhes garante: "farei de vós pescadores de homens" (v. 19). André, com o seu irmão Simão, é um dos primeiros a ouvir o chamamento de Jesus e a segui-l´O. Mateus realça a prontidão com que o fizeram: "E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (v. 20). O seguimento de Jesus não admite hesitações ou demoras. Exige radicalidade!
Meditatio
A adesão pronta de André, e dos outros apóstolos, ao seguimento de Jesus e à missão que lhes confiava, permitiram-lhes levar a "Boa Notícia" da salvação aos confins da terra. A fé, adesão a Cristo e ao projeto de salvação que nos propõe, vem da escuta da Palavra, isto é, de Cristo, Palavra definitiva de Deus aos homens. Pregar essa Palavra, para que todos possam conhecê-la e aderir-lhe é, ainda hoje, a missão da Igreja.
Somos, pois, convidados a escutar a Palavra, a acolhê-la no coração. É, sem dúvida, uma palavra exigente. Mas é Palavra salutar. Por isso, não podemos cair na tentação de lhe fechar os nossos ouvidos. Tal como certos remédios, a Palavra pode fazer-nos momentaneamente sofrer. Mas é a nossa salvação.
A palavra é também alimento. Os profetas dizem que Deus promoverá no mundo uma fome, não de pão, mas da sua Palavra. Precisamos de experimentar essa fome, sabendo que a Palavra de Deus nos pode saciar para além de todas as realidades terrestres, e muito mais do que podemos imaginar.
A palavra de Deus é exigência. Jesus fala de uma semente que deve crescer e espalhar-se por todo o lado. É a Palavra que torna fecundo o apostolado. Não pregamos palavras nossas, mas a Palavra que escutamos e acolhemos, e nos impele a proclamá-la, para pôr os homens em comunhão com Deus.
S. João ensina-nos que não é fácil escutar a palavra, porque não é fácil ser dóceis a Deus. Mas só quem dócil ao Pai, escuta a sua Palavra: "Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim" (Jo 6, 45).
A Palavra é a nossa felicidade. A palavra, meio de comunicação humana por excelência, permite-nos comunicar com Deus. Para entrar em comunicação e em comunhão com Deus, havemos de acolher a sua Palavra em nós.
Que Santo André nos ensine a escutar e a acolher a Palavra de Deus, para estarmos em comunhão com Ele e uns com os outros.
Oratio
Senhor, abre-nos os ouvidos e o coração à tua Palavra para que estejamos dispostos a seguir-te em radicalidade evangélica e a ser tuas testemunhas onde e como dispuseres. Que a tua Palavra ecoe, hoje, mais eficazmente do que nunca. Que nos demos conta da tua presença e a reconheçamos, hoje, mais do que nunca, sobretudo os que somos jovens. Abandonados à tua solicitude de pastor, não faltarão vocações à tua Igreja. Ámen.
Contemplatio
Santo André foi um dos apóstolos que melhor compreendeu e saboreou o mistério da cruz. O seu bom coração foi penetrado pela graça do Calvário. Pregou a cruz na Cítia, no Ponto e noutras regiões. Desejava morrer sobre a cruz, para dar a Nosso Senhor amor por amor. Teve esta graça em Patras. Censurava ao juiz as suas perseguições contra a verdade. O juiz irritado ordenou-lhe que sacrificasse aos deuses. - «É ao Deus todo-poderoso, o único e verdadeiro, respondeu André, que imolo todos os dias, não a carne dos animais, mas o Cordeiro sem mancha, inteiro e cheio de vida sobre o altar, depois de ter sido imolado e dado em alimento aos cristãos». Mostrava assim sobretudo o seu amor pela Eucaristia. Contam que, vendo de longe a cruz sobre a qual devia ser ligado, exclamou: «Eu vos amo, cruz preciosa, que fostes consagrada pelo corpo do meu Deus, e ornada com os seus membros como com ricas pedrarias... Aproximo-me de vós com alegria, recebei-me nos vossos braços... Há muito tempo que vos desejo e que vos procuro. Os meus votos cumpriram-se. Que aquele, que de vós se serviu para me resgatar, se digne receber-me apresentado por vós». Na prática, unamos todas as nossas cruzes quotidianas à cruz de Jesus Cristo. Elas unir-nos-ão aos seus méritos. (Leão Dehon, OSP 4, p.505s.).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"Deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (Jo 3, 20)."
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S. André, Apóstolo (30 de Novembro)
30 Novembro 2021
André era discípulo de João Batista, e companheiro de João Evangelista. Quando o Precursor apontou Jesus que passava, dizendo: "Eis o cordeiro de Deus" (cf. Jo 1, 35-40) tornou-se imediatamente discípulo do Senhor. Logo a seguir, comunicou a Pedro, seu irmão a descoberta do Messias (cf. Jo 1, 41s.). Jesus chamou a ambos para se tornarem "pescadores de homens" (Mt 4, 18s.). É André que, na multiplicação dos pães indica a Jesus o rapaz que tem cinco pães e dois peixes (Jo 6, 8s.). Com Filipe, André refere a Jesus que alguns gregos O querem ver (Jo 12, 20s.). A tradição reconhece em Santo André o evangelizador da Acaia (Grécia) e em Patras o lugar onde morreu após dois dias de suplício na Cruz, donde anunciou Cristo até ao último momento.
Lectio
Primeira leitura: Romanos 10,9-18
Irmãos: Se confessares com a tua boca: «Jesus é o Senhor», e acreditares no teu coração que Deus o ressuscitou de entre os mortos, serás salvo. 10É que acreditar de coração leva a obter a justiça, e confessar com a boca leva a obter a salvação. 11É a Escritura que o diz: Todo o que nele acreditar não ficará frustrado. 12Assim, não há diferença entre judeu e grego, pois todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam. 13De facto, todo o que invocar o nome do Senhor será salvo. 14Ora, como hão-de invocar aquele em quem não acreditaram? E como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão-de ouvir falar, sem alguém que o anuncie? 15E como hão-de anunciar, se não forem enviados? Por isso está escrito: Que bem-vindos são os pés dos que anunciam as boas-novas! 16Porém, nem todos obedeceram à Boa-Nova. É Isaías quem o diz: Senhor, quem acreditou na nossa pregação? 17Portanto, a fé surge da pregação, e a pregação surge pela palavra de Cristo. 18Mas, pergunto eu, será que não a ouviram? Pelo contrário: A voz deles ressoou por toda a terra e até aos confins do mundo as suas palavras.
A fé leva à salvação quando nos abandonamos a Deus, reconhecendo-O como único Salvador. Mas a fé pressupõe a escuta da Palavra, pela pregação dos missionários. A pregação e a fé têm o mesmo objeto: o mistério de Jesus-Senhor, morto e ressuscitado pelo poder de Deus Pai. Por isso, quando alguém acredita, expropria-se de si mesmo e torna-se propriedade de Deus, garante e fundamento de toda a confiança dos homens n´Ele. Mas também a pregação pressupõe um evento histórico absolutamente necessário: ter sido enviado. Por outras palavras, a pregação pressupõe a missão. A mensagem evangélica, destinada a todos os povos, passa pela escolha que Jesus faz das suas testemunha e pelo seu envio em missão: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura." (Mc 16, 15).
Evangelho: Mateus 4, 18-22
Caminhando ao longo do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. 19Disse-lhes: «Vinde comigo e Eu farei de vós pescadores de homens.» 20E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no. 21Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai, Zebedeu, consertavam as redes, dentro do barco. Chamou-os, e 22eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no.
Jesus reúne à sua volta alguns discípulos aos quais dirige um especial ensinamento, porque os quer como discípulos e como testemunhas. Depois da Ressurreição, enviá-los-á ao mundo inteiro. Os Doze, de pescadores de peixes, tornam-se pescadores de homens. É o que Jesus lhes garante: "farei de vós pescadores de homens" (v. 19). André, com o seu irmão Simão, é um dos primeiros a ouvir o chamamento de Jesus e a segui-l´O. Mateus realça a prontidão com que o fizeram: "E eles deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (v. 20). O seguimento de Jesus não admite hesitações ou demoras. Exige radicalidade!
Meditatio
A adesão pronta de André, e dos outros apóstolos, ao seguimento de Jesus e à missão que lhes confiava, permitiram-lhes levar a "Boa Notícia" da salvação aos confins da terra. A fé, adesão a Cristo e ao projeto de salvação que nos propõe, vem da escuta da Palavra, isto é, de Cristo, Palavra definitiva de Deus aos homens. Pregar essa Palavra, para que todos possam conhecê-la e aderir-lhe é, ainda hoje, a missão da Igreja.
Somos, pois, convidados a escutar a Palavra, a acolhê-la no coração. É, sem dúvida, uma palavra exigente. Mas é Palavra salutar. Por isso, não podemos cair na tentação de lhe fechar os nossos ouvidos. Tal como certos remédios, a Palavra pode fazer-nos momentaneamente sofrer. Mas é a nossa salvação.
A palavra é também alimento. Os profetas dizem que Deus promoverá no mundo uma fome, não de pão, mas da sua Palavra. Precisamos de experimentar essa fome, sabendo que a Palavra de Deus nos pode saciar para além de todas as realidades terrestres, e muito mais do que podemos imaginar.
A palavra de Deus é exigência. Jesus fala de uma semente que deve crescer e espalhar-se por todo o lado. É a Palavra que torna fecundo o apostolado. Não pregamos palavras nossas, mas a Palavra que escutamos e acolhemos, e nos impele a proclamá-la, para pôr os homens em comunhão com Deus.
S. João ensina-nos que não é fácil escutar a palavra, porque não é fácil ser dóceis a Deus. Mas só quem dócil ao Pai, escuta a sua Palavra: "Todo aquele que escutou o ensinamento que vem do Pai e o entendeu vem a mim" (Jo 6, 45).
A Palavra é a nossa felicidade. A palavra, meio de comunicação humana por excelência, permite-nos comunicar com Deus. Para entrar em comunicação e em comunhão com Deus, havemos de acolher a sua Palavra em nós.
Que Santo André nos ensine a escutar e a acolher a Palavra de Deus, para estarmos em comunhão com Ele e uns com os outros.
Oratio
Senhor, abre-nos os ouvidos e o coração à tua Palavra para que estejamos dispostos a seguir-te em radicalidade evangélica e a ser tuas testemunhas onde e como dispuseres. Que a tua Palavra ecoe, hoje, mais eficazmente do que nunca. Que nos demos conta da tua presença e a reconheçamos, hoje, mais do que nunca, sobretudo os que somos jovens. Abandonados à tua solicitude de pastor, não faltarão vocações à tua Igreja. Ámen.
Contemplatio
Santo André foi um dos apóstolos que melhor compreendeu e saboreou o mistério da cruz. O seu bom coração foi penetrado pela graça do Calvário. Pregou a cruz na Cítia, no Ponto e noutras regiões. Desejava morrer sobre a cruz, para dar a Nosso Senhor amor por amor. Teve esta graça em Patras. Censurava ao juiz as suas perseguições contra a verdade. O juiz irritado ordenou-lhe que sacrificasse aos deuses. - «É ao Deus todo-poderoso, o único e verdadeiro, respondeu André, que imolo todos os dias, não a carne dos animais, mas o Cordeiro sem mancha, inteiro e cheio de vida sobre o altar, depois de ter sido imolado e dado em alimento aos cristãos». Mostrava assim sobretudo o seu amor pela Eucaristia. Contam que, vendo de longe a cruz sobre a qual devia ser ligado, exclamou: «Eu vos amo, cruz preciosa, que fostes consagrada pelo corpo do meu Deus, e ornada com os seus membros como com ricas pedrarias... Aproximo-me de vós com alegria, recebei-me nos vossos braços... Há muito tempo que vos desejo e que vos procuro. Os meus votos cumpriram-se. Que aquele, que de vós se serviu para me resgatar, se digne receber-me apresentado por vós». Na prática, unamos todas as nossas cruzes quotidianas à cruz de Jesus Cristo. Elas unir-nos-ão aos seus méritos. (Leão Dehon, OSP 4, p.505s.).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"Deixaram as redes imediatamente e seguiram-no." (Jo 3, 20)."
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S. André, Apóstolo (30 de Novembro)