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I Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares
I Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares
10 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares I Semana - Segunda-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 1, 1-8
1*Havia em Ramataim um homem de Suf, nas montanhas de Efraim, chamado Elcana, filho de Jeroam e neto de Eliú, da família de Toú e do clã de Suf, de Efraim. 2*Tinha duas mulheres, uma chamada Ana e outra Penina. Esta tinha filhos; Ana, porém, não tinha nenhum. 3*Todos os anos, este homem subia da sua cidade a Silo, para adorar o SENHOR do universo e oferecer-lhe um sacrifício. Aí se encontravam os dois filhos de Eli, Hofni e Fineias, sacerdotes do SENHOR. 4Cada vez que Elcana oferecia um sacrifício, dava a porção correspondente à sua mulher Penina, bem como aos seus filhos e filhas. 5*Mas dava uma porção dupla a Ana, porque a amava mais, embora o SENHOR a tivesse tornado estéril. 6Além disso, a sua rival afligia-a duramente, humilhando-a, por o SENHOR a ter feito estéril. 7*Isto repetia-se todos os anos, quando Ana subia ao templo do SENHOR; Penina zombava dela. Ana chorava e não comia. 8Seu marido dizia-lhe: «Ana, por que choras? Por que não comes? Por que estás triste? Não valho para ti tanto como dez filhos?»
Os livros de Samuel são talvez os mais modernos de toda a Sagrada Escritura. Neles, Deus faz-se presente ao homem, ao homem concreto, ao homem pecador mas também generoso, com todas as contradições que o caracterizam. Deus já não se revela directamente. Mas está presente na piedade de David, na sua generosidade, no seu arrependimento. O homem é sacramento de Deus. Este humanismo caracteriza os livros de Samuel e o seu exemplo é o rei David, rodeado por uma coroa de outras personalidades concretas: Samuel, Saúl, Jónatas... Deus parece intervir quando parece que tudo tinha acabado. Israel fora derrotado, e parecia não haver salvação possível. Mas Deus continuava presente e activo no silêncio, no escondimento. A nação iria ressurgir. A mensagem da derrota será confiada a uma criança levada pela mãe para o templo. Mas a mesma criança terá por missão anunciar e preparar uma nova era. Samuel há-de ungir o primeiro rei de Israel. Ana conceberá e dará à luz um filho. Depois do pranto, virá a oração e a escuta da mesma por Deus. Samuel será uma das maiores figuras vetero-testamentárias de Jesus, no Qual se hão-se realizar as promessas de Deus.
Evangelho: Mc 1, 14-20
14Depois de João ter sido preso, Jesus foi para a Galileia, e proclamava o Evangelho de Deus, 15*dizendo: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho.» 16*Passando ao longo do mar da Galileia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. 17E disse-lhes Jesus: «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens.» 18Deixando logo as redes, seguiram-no. 19Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco a consertar as redes, e logo os chamou. 20E eles deixaram no barco seu pai Zebedeu com os assalariados, e partiram com Ele.
«Acreditai no Evangelho». Estas palavras mostram que Jesus exige ao discípulo uma atitude nova e radical. Vão na mesma linha as duas cenas de vocação. Os discípulos são chamados a um novo êxodo, a um caminho inaudito do evangelho: «Vinde comigo»; «Deixando logo as redes, seguiram-no». Todo este dinamismo parte do olhar e do chamamento de Jesus. Não parte de uma iniciativa voluntarista, moralista ou generosa do homem. Não é o homem que parte ao encontro de Deus. É Deus que vem ao encontro do homem. A Encarnação torna-se possível o seguimento, o caminhar com Jesus, o Filho de Deus feito homem. O seguimento de Jesus implica «deixar» algumas pessoas, algumas coisas, alguns projectos pessoais, o que sempre requer algum sacrifício. Mas é possível, porque o olhar de Jesus precede a tomada dessas decisões. Jesus que passa, vê e chama é a estrutura que possibilita abandonar tudo e segui-l´O. Jesus vem ao nosso encontro para mudar o nosso destino.
Meditatio
Um início infeliz não deve levar ao desânimo, mas à esperança. Deus é capaz de transformar em alegria as situações mais tristes. A esterilidade de Ana, que lhe causava tanto sofrimento interior e exterior, que fazia dela uma mulher sem futuro, tornou-se fecundidade feliz. Deus só permite o sofrimento para nos dar bens maiores. Os sofrimentos de Ana eram agravados pela zombaria da sua rival, que com ela ia ao templo. Também hoje encontramos pessoas que, cumprindo escrupulosamente os deveres cultuais, não têm igual cuidado nas relações com os irmãos, particularmente com os que sofrem, avivando-lhes as feridas e os sofrimentos. Elcaná, pelo contrário, experimentando no templo a misericórdia e a ternura de Deus, empenha-se em reproduzi-la no seu âmbito familiar e consola a esposa amada. O tempo novo inaugurado pelo Senhor requer comportamentos novos, marcados pela misericórdia. A conversão a que Jesus apela passa também por aí: «arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (v. 15). Jesus afirma que «Reino de Deus está próximo» e não que já chegou. Também não fala de batalhas e de vitórias, mas de conversão e de fé. Quem O escuta e se aproxima d´Ele, entra no Reino; quem não se converte, quem não se volta para Deus, e permanece agarrado às suas ideias sobre o Reino, permanece fora dele. Também nós corremos o risco de nos iludirmos, confundindo o Reino de Deus com vitórias fáceis sobre as dificuldades, com a plena satisfação de todos os nossos desejos. Mas Jesus avisa-nos: «O Reino de Deus não é questão de comida ou bebida, mas de caridade, paz e alegria no Espírito Santo». Para entrar nele, é preciso converter-se e acreditar. Acreditar é uma experiência de vida, é aderir com toda a nossa pessoa a Cristo, porque o Evangelho, antes de ser um livro, uma doutrina, é para nós uma pessoa: Jesus Cristo. O lugar teológico da conversão é o nosso coração, biblicamente entendido como o eu profundo, onde se tomam as decisões existenciais pelo bem e pelo mal, por Cristo ou contra Ele.
Oratio
Senhor, o mistério do Natal tornou mais próximo o teu reino, ajudou a nossa fé, porque o teu Filho Jesus se fez nosso companheiro, nosso irmão, convidando-nos com maior insistência a converter-nos e a acreditarmos. Agora está presente no meio de nós o teu Reino, isto é, a caridade, a alegria, a paz. Que nos pode impedir de encontrá-lo? É verdade que ainda não é a sua manifestação plena; mas o Reino de Deus já se dilata dentro de nós para nossa alegria. Que, também entre os povos e nações cresça a justiça, a paz e a alegria. Amen.
Contemplatio
O Salvador não vinha oferecer-nos um só meio de salvação, o baptismo, Ele que dizia a S. Pedro que era preciso perdoar setenta vezes sete. Ele também, depois de S. João Baptista, prega a penitência: «Os temp os cumpriram-se, dizia, o Reino de Deus chega! Fazei penitência e crede no Evangelho» (Mc 1, 14). A penitência e a fé não são apenas a condição para entrar na Igreja, mas também para aí viver e perseverar nas vias da salvação. Jesus diz aos discípulos de Emaús: «Era preciso que o Cristo sofresse e ressuscitasse, e que a penitência fosse pregada em toda a parte em seu nome para a remissão dos pecados» (Lc 24, 46). O reino de Cristo sobre a terra é o reino da penitência: penitência para a primeira conversão, penitência para toda a remissão dos pecados (Leão Dehon, OSP 4, p. 217s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavrra «Reino de Deus está próximo» (Mc 1, 15).
| Fernando Fonseca, scj |
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I Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares
I Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares
11 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares I Semana - Terça-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 1, 9-20
Naqueles dias, Ana levantou-se, depois de ter comido e bebido em Silo. O sacerdote Eli estava instalado no seu assento, à entrada do templo do SENHOR. 10Ana, profundamente amargurada, orou ao SENHOR e chorou copiosas lágrimas. 11*E fez um voto, dizendo: «SENHOR do universo, se te dignares olhar para a aflição da tua serva e te lembrares de mim. Se não te esqueceres da tua serva e lhe deres um filho varão, eu o consagrarei ao SENHOR, por todos os dias da sua vida, e a navalha não passará sobre a sua cabeça.» 12Ela repetiu muitas vezes a sua oração diante do SENHOR; Eli observava o movimento dos seus lábios. 13*Ana, porém, falava só para si e apenas movia os lábios, sem se lhe ouvir palavra alguma. 14Eli, julgando-a ébria, disse-lhe: «Até quando durará a tua embriaguez? Vai-te embora e deixa passar o efeito do vinho de que estás cheia.» 15Ana respondeu: «Não é assim, meu senhor; a verdade é que sou uma mulher de espírito atribulado; não bebi vinho nem álcool; apenas estava a desabafar as minhas mágoas na presença do SENHOR. 16*Não tomes a tua serva por alguma das filhas de Belial, porque só a grandeza da minha dor e da minha aflição é que me fez falar até agora.» 17Eli respondeu: «Vai em paz e o Deus de Israel te conceda o que lhe pedes.» 18*Ana respondeu: «Que a tua serva mereça o teu favor.» A mulher foi-se embora, comeu e nunca mais houve tristeza em seu rosto. 19No dia seguinte pela manhã, prostraram-se diante do SENHOR e voltaram para sua casa, em Ramá. Elcana conheceu Ana, sua mulher, e o SENHOR lembrou-se dela. 20*Ana concebeu e, passado o seu tempo, deu à luz um filho, ao qual pôs o nome de Samuel, porque dizia: «eu o pedi ao SENHOR.»
A Escritura fala-nos de muitas mulheres estéreis: como Sara, Rebeca, Raquel, a mãe de Sansão, e Isabel, mãe de João Baptista. Também Ana, mãe de Samuel, era estéril. Elcaná, seu marido, é compreensivo e incita-a a reagir, a comer, a não ficar triste. Mas Ana, como toda a mulher em Israel, considera a esterilidade um castigo de Deus. Por isso, refugia-se na oração, seu único conforto e esperança. Pede ao Senhor um filho. Fá-lo de modo pessoal, discreto, rezando em voz baixa. Sabe que Deus a escuta. Não se importa com o juízo dos homens, mesmo do sacerdote Eli, porque sabe que Deus perscruta os corações e conhece os seus sentimentos mais íntimos. Ana reza intensamente em seu coração. Faz uma verdadeira oração do coração, onde se encontra com Deus e se abre a Ele, esquecendo tudo quanto a rodeia. O seu coração une-se ao Coração de Deus, entra em comunhão com Ele. E Deus escuta-a. O sacerdote Eli, que começa por confundir Ana com uns tantos casos patológicos que passavam por Silo, acaba por reconhecer a sua humildade e sinceridade. O caso de Ana torna-se, para ele, um sinal de Deus. As suas palavras indicam implicitamente que a oração de Ana fora ouvida. E a mulher, que antes estava triste e amargurada, acolhe serenamente as palavras de Eli: «Vai em paz e o Deus de Israel te conceda o que lhe pedes» (v. 17).
Evangelho: Mc 1, 21-28
21*Entraram em Cafarnaúm. Chegado o sábado, veio à sinagoga e começou a ensinar. 22*E maravilhavam-se com o seu ensinamento, pois os ensinava como quem tem autoridade e não como os doutores da Lei. 23*Na sinagoga deles encontrava-se um homem com um espírito maligno, que começou a gritar: 24«Que tens a ver connosco, Jesus de Nazaré? Vieste para nos arruinar? Sei quem Tu és: o Santo de Deus.» 25E Jesus repreendeu-o, dizendo: «Cala-te e sai desse homem.» 26Então, o espírito maligno, depois de o sacudir com força, saiu dele dando um grande grito. 27Tão assombrados ficaram que perguntavam uns aos outros: «Que é isto? Eis um novo ensinamento, e feito com tal autoridade que até manda aos espíritos malignos e eles obedecem-lhe!» 28E a sua fama logo se espalhou por toda a parte, em toda a região da Galileia.
O povo dava-se conta de que Jesus não se limitava a explicar os profetas anteriores, mas que se apresentava, também ele, como profeta, investido de um poder que lhe vinha de Deus.: ensinava com autoridade e curava os doentes. O ensino de Jesus era verdadeiramente eficaz. Marcos gosta de apresentar Jesus como Mestre: desde o começo do seu evangelho, Jesus é Aquele que ensina. Depois vêm os encontros com o «espírito maligno» (v. 23). Qual é a postura de Jesus diante da crença popular nos demónios? Sabemos quanto horror causavam no homem primitivo as doenças mentais, e sobretudo a epilepsia. O comportamento desses doentes dava a entender que estavam «possessos», que tinha entrado neles outra pessoa, o «espírito maligno». Por isso, o doente mental ou epiléptico, era um ser execrável, que era preciso afastar a golpes e com torturas de toda a espécie. É claro que o núcleo, deste e doutros relatos semelhantes, não é a existência ou a inexistência dos espíritos malignos, mas o comportamento de Jesus diante dessas situações, tais como eram vistas e interpretadas pelos seus contemporâneos: nos Evangelhos, tal como nos Actos do Apóstolos, os demónios são afastados pelo poder de Deus e não por meios mágicos, ou seja com exorcismos dirigidos a um espírito ou pelo recurso a meios materiais. Jesus tem o poder do Reino de Deus e usa-o desde o princípio para evangelizar e para libertar o homem a todos os níveis, também corporal, e de tudo quanto o «possui» e oprime, sem a preocupação de o interpretar, coisa aliás difícil, uma vez que, pela Encarnação, era verdadeiro homem, contextualizado no seu tempo e na sua cultura. Para Marcos, Jesus é o santo de Deus, cujas palavras têm poder divino e, por isso, renovam, transformam e refazem o homem em todas as suas dimensões.
Meditatio
Todos somos tentados a ver a provação e o sofrimento como desgraça, isto é, como falta de graça, falta dos favores de Deus e, por isso mesmo, também como ausência ou morte do próprio Deus. Ana parece partilhar desta mentalidade perante a sua esterilidade; por isso pede a Deus a graça, o dom de um filho. Mas a aflição pode tornar-se ocasião de graça, por exemplo, de uma oração mais intensa. Ana rezava e chorava, diz o texto. As lágrimas reforçavam a sua oração e provocavam uma relação mais íntima e profunda com Deus. Que mais é preciso para demonstrar a fecundidade da provação e do sofrimento? Mas, no caso de Ana, verificamos outro fruto da provação: o dom e a oferta a Deus. Ana faz voto de oferecer a Deus o filho que lhe for dado. Parece haver incoerência nas palavras de Ana: «se te dignares olhar para a aflição da tua serva e te lembrares de mim, se não te esqueceres da tua serva e lhe deres um filho varão, eu o consagrarei ao SENHOR, por todos os dias da sua vida» (v. 11). Mas é a oferta de Ana que provoca o dom de Deus; a aflição leva a uma troca de dons, torna-se meio de comunhão. O evangelho realça a autoridade, a decisão e a clareza da palavra de Jesus. Essa palavra é luz e eficácia também diante dos espíritos malignos. As palavras humanas de Jesus manifestam-n´O como Palavra divina, que liberta o homem da servidão do demónio, o cura e lhe confere uma vida serena. A Palavra de Deus incarnada liberta o homem de toda a espécie de males. Por isso, a nova criação, realizada pelo próprio Deus, exclui o sofrimento. Todavia, no momento presente, o homem ainda continua a participar na luta dramática contra o mal, deve atravessar o deserto do sofrimento. Mas não caminha só. Deus vai com o homem e dá-lhe tudo quanto precisa para transformar o sofrimento em ocasião de graça. «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo. «Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja"»(Col 1,24) (Cst 24).
Oratio
Senhor Jesus, Tu falas com autoridade. A tua palavra divina é fundamento seguro para a minha vida. Apoiado nela, deixo de ser criança, deixo de ser batido pelas ondas e levado por qualquer vento de doutrina, ao sabor do jogo dos homens, da astúcia que maliciosamente leva ao erro, e posso testemunhar a verdade no amor, crescer em tudo para Ti, que és a cabeça da nova humanidade. Sobre a tua palavra, sobre Ti, que és a Rocha eterna, quero construir a minha vida, viver a minha vocação e realizar a minha missão. Em quem mais me poderei apoiar? Só Tu tens palavras de vida eterna. Por isso te abro hoje a minha mente e o meu coração. Ilumina a minha caminhada, dá suporte à minha vida. Assim serei verdadeiro filho do Pai, verdadeiro filho da luz, como são aqueles que realmente se encontram Contigo. Amen.
Contemplatio
«Porque me chamais: Senhor! Senhor! E não fazeis o que eu digo?» (Lc6, 46). «Muitos me dirão no juízo: Senhor! Senhor! Não profetizámos em vosso nome, não expulsámos demónios em vosso nome?». E responder-lhes-ei na presença de todos: «Nunca vos conheci! Retirai-vos de mim, operários da iniquidade!» (Mt 7). - «Quem vem a mim, escuta as minhas palavras e as põe em prática, comparo-o ao homem sábio, que cava fundamentos profundos e constrói a sua casa sobre a rocha; a chuva cai, as correntes transbordam, os ventos sopram e se desencadeiam com furor sobre aquela casa; ela não cai nem mesmo é abalada, porque os seus fundamentos repousam sobre a rocha. - Mas se alguém escuta as minhas palavras e as não mete em prática, comparo-o a um insensato que constrói a sua casa sobre a areia, sem fundações; vêm a chuva, as torrentes, os ventos furiosos: a casa desmorona-se imediatamente e não é mais do que um montão de ruínas» (Lc 6; Mt 7). O sólido fundamento é Jesus. É preciso que nos mantenhamos unidos a Ele pelo pensamento, pelo coração e por uma acção incessante (Leão Dehon, OSP 4, p. 99).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja» (Cl 1, 24).
| Fernando Fonseca, scj |
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I Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
I Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
12 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares I Semana - Quarta-feira Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 3, 1-10.19-20
Naqueles dias, 1O jovem Samuel servia o Senhor sob a direcção de Eli. O Senhor, naquele tempo, falava raras vezes e as visões não eram frequentes. 2Ora certo dia aconteceu que Eli estava deitado, pois os seus olhos tinham enfraquecido e mal podia ver. 3A lâmpada de Deus ainda não se tinha apagado e Samuel repousava no templo do Senhor, onde se encontrava a Arca de Deus. 4O Senhor chamou Samuel. Ele respondeu: «Eis-me aqui.» 5Samuel correu para junto de Eli e disse-lhe: «Aqui estou, pois me chamaste.» Disse-lhe Eli: «Não te chamei, meu filho; volta a deitar-te.» 6O Senhor chamou de novo Samuel. Este levantou-se e veio dizer a Eli: «Aqui estou, pois me chamaste.» Eli respondeu: «Não te chamei, meu filho; volta a deitar-te.» 7Samuel ainda não conhecia o Senhor, pois até então nunca se lhe tinha manifestado a palavra do Senhor. 8Pela terceira vez, o Senhor chamou Samuel, que se levantou e foi ter com Eli: «Aqui estou, pois me chamaste.» Compreendeu Eli que era o Senhor quem chamava o menino e disse a Samuel: 9«Vai e volta a deitar-te. Se fores chamado outra vez, responde: «Fala, Senhor; o teu servo escuta!» Voltou Samuel e deitou-se. 10Veio o Senhor, pôs-se junto dele e chamou-o, como das outras vezes: «Samuel! Samuel!» E Samuel respondeu: «Fala, Senhor; o teu servo escuta!» 19Samuel ia crescendo, o Senhor estava com ele e cumpria à letra todas as suas predições. 20Todo o Israel, desde Dan até Bercheba, reconheceu que Samuel era um profeta do Senhor.
Samuel é uma das figuras mais significativas do Antigo Testamento, uma figura plurifacetada: sacerdote, profeta e juiz. É protagonista da transição da fase das tribos para o regime monárquico. A vocação de Samuel está enquadrada num contexto de simplicidade e sublimidade, serenidade e dramatismo, silêncio e eloquência, quietude e dinamismo. A mãe tinha-o oferecido a Deus para o serviço do templo. Aí permaneceu silencioso e escondido durante alguns anos. Agora o Senhor chama-o, durante a noite, - «A lâmpada de Deus ainda não se tinha apagado e» v. 3, - tempo propício para a revelação, pois não havia o ruído das coisas, descansavam os sentidos do corpo e estavam mais sensíveis os da alma. O Senhor chama três, quatro vezes: «Samuel! Samuel!». Um chamamento divino nunca é anónimo. Dirige-se sempre a uma pessoa concreta, a uma pessoa que Deus ama. Samuel ainda não é capaz de reconhecer imediatamente a voz de Deus. Por isso, o Senhor usa uma pedagogia adaptada: chama gradualmente, dá tempo ao homem, repete o chamamento... À terceira vez, entra em cena um intermediário, Eli, que ajuda Samuel a reconhecer a voz de Deus. As mediações humanas são importantes para sairmos da dúvida, da incerteza. Samuel escuta Eli e faz-se totalmente disponível para Deus: «Fala, Senhor; o teu servo escuta!» (v. 9). Samuel evoca, em várias situações, a figura de João Baptista. Lucas sublinha esses paralelismos: em ambos os casos estamos em ambiente sacerdotal, e ambas as anunciações acontecem no santuário; nos dois casos, as mães são estéreis e os filhos são consagrados nazireus Lc 1, 7. 15-17.25. Mas o mais forte paralelismo talvez esteja no facto de ambos anunciarem uma nova fase da história da salvação. João Baptista é o último dos profetas e anuncia a plenitude dos tempos. Samuel é o primeiro dos profetas e consagra os inícios da monarquia, onde ocupa papel de destaque a dinastia de David, da qual havia de nascer o Messias.
Evangelho: Mc 1, 29-39
Naquele tempo, 29saindo da sinagoga, foram para casa de Simão e André, com Tiago e João. 30A sogra de Simão estava de cama com febre, e logo lhe falaram dela. 31Aproximando-se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. 32À noitinha, depois do sol-pôr, trouxeram-lhe todos os enfermos e possessos, 33e a cidade inteira estava reunida junto à porta. 34Curou muitos enfermos atormentados por toda a espécie de males e expulsou muitos demónios; mas não deixava falar os demónios, porque sabiam quem Ele era. 35De madrugada, ainda escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração. 36Simão e os que estavam com Ele seguiram-no. 37E, tendo-o encontrado, disseram-lhe: «Todos te procuram.» 38Mas Ele respondeu-lhes: «Vamos para outra parte, para as aldeias vizinhas, a fim de pregar aí, pois foi para isso que Eu vim.» 39E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas deles e expulsando os demónios.
Jesus rompe com o estilo nos rabinos, na sua relação com as mulheres. Aproxima-se da sogra de Pedro, toma-a pela mão, cura-a e, maior novidade ainda, deixa-se servir por ela. Assim inverte todos os parâmetros das relações sociais, dando ao «serviço» um novo estilo e um novo conteúdo. «Servir» é a essência do programa messiânico de Jesus, que está no meio de nós como «quem serve» (Lc 22, 27). É também a característica fundamental que Jesus deixa aos discípulos, antes de morrer. Neste sentido, a sogra de Pedro, torna-se protótipo do crente libertado e que pode oferecer o seu serviço aos irmãos. Depois de um dia cheio de trabalho e de êxitos apostólicos, Jesus não se deixa levar pelo entusiasmo do povo, mas refugiou-se no deserto para se encontrar a sós com o Pai e orar. Aí encontra a força necessária para dizer a Pedro: «Vamos para outra parte». Jesus não se detém a saborear os êxitos apostólicos. Parte para que a Boa Nova chegue a todo o lado, também às pequenas aldeias perdidas na acidentada geografia da Galileia.
Meditatio
A Liturgia de hoje leva-nos a reflectir sobre a importância da busca da vontade de Deus, e da sua realização, na vida dos crentes. Discernir a vontade de Deus, saber claramente o que devemos fazer na nossa vida, e em cada um dos seus momentos, é um desafio nem sempre fácil de realizar. O próprio Jesus nos faz ver essa dificuldade: deve tomar a decisão de partir para um tempo de oração no deserto, quando todos O procuravam (cf. v. 37) e exigiam a sua atenção e cuidados. Mas Jesus compreendeu que não devia ficar em Cafarnaúm, mas partir a pregar a Boa Nova noutras aldeias e cidades. O Evangelho mostra-nos que a decisão clara e serena de Jesus se baseia na oração: «De madrugada, ainda escuro, levantou-se e saiu; foi para um lugar solitário e ali se pôs em oração» (v. 35). Não se diz que rezava para conhecer a vontade do Pai, mas simplesmente que rezava, de madrugada, apesar do cansaço do dia anterior. Assim compreendemos quanto é importante rezar para fazer um bom discernimento da vontade de Deus a nosso respeito. Esta oração deve ser assídua, independentemente dos problemas que vão surgindo na nossa vida. O clima de união com Deus e de oração, propício ao bom discernimento, não pode ser criado apenas no momento em que &e acute; preciso tomar decisões. Podemos certamente, para uma decisão concreta, pedir a luz de Deus que, na sua misericórdia nos pode escutar. Mas se não vivermos em clima de permanente união com Deus, corremos o risco de não sabermos discernir a sua vontade, porque não estamos no mesmo cumprimento de onda que Ele. Além disso, as nossas más inclinações podem levar-nos por caminhos que não são os de Deus. Pode haver momentos em que devemos procurar a vontade de Deus na oração durante um tempo mais prolongado. Mas, se vivermos em união habitual com Ele, rezaremos com a absoluta certeza de que nos vai escutar e dar a sua luz, porque habitualmente procuramos conhecer e cumprir a sua vontade. Samuel ainda não conhecia o Senhor, nem recebera a revelação da sua palavra. Por isso, Deus tem de chamá-lo repetidamente, até que o menino ponha de parte a interpretação espontânea da voz que escutava e reconheça a voz do Senhor na oração. Isto também nos interessa. Havemos de aprender a rezar, a escutar a Deus na oração, em cada uma das fases da nossa vida. A história desta criança que não reconhece a voz de Deus, e se julga chamado pelo sacerdote Eli, repete-se muitas vezes na vida de cada um de nós. Temos que aprender a escutar, a conhecer e a reconhecer a voz do Senhor desde pequeninos. Mas, ao longo da vida, devemos reaprendê-lo várias vezes, porque Deus não fala sempre do mesmo modo, nas diversas fases da nossa vida. Como Samuel, também nós precisaremos da orientação de alguém mais experimentado nas coisas de Deus, de um director espiritual, para não corrermos o risco de fazermos falsas interpretações da sua voz e da sua vontade. Como todo o cristão, também o religioso deve estar decidido a procurar a vontade de Deus e a pô-la em prática com a ajuda do Espírito. E tudo isto com a santa liberdade dos filhos de Deus. Devemos ter a humilde convicção de que não é sempre fácil conhecer essa vontade, e realizá-la perfeitamente. Daqui nasce a exigência de ter um irmão mais velho que nos ajude, e de ter o superior, que tem o carisma, recebido do Espírito, para guiar. Se Deus nos chamou para a vida religiosa comunitária, certamente nos deu os meios para a vivermos. Um destes meios é o serviço do superior. Nem sempre os conteúdos de uma obediência são, com absoluta certeza, vontade de Deus. Mas, se não estiverem em contradição com a Sua lei, é certamente vontade de Deus que obedeçamos, convencidos de que "Deus faz com que tudo concorra para o bem daqueles que O amam" (Rm 8, 28).
Oratio
Senhor Jesus, Samuel, na disponibilidade conquistada, depois de algum esforço, dispôs-se a cumprir a vontade de Deus na sua vida. Tu próprio, diante das solicitações concretas do teu ambiente de vida, privilegiaste a missão recebida do Pai. Infunde em mim o teu Espírito Santo, que me una intimamente a Ti, reze em mim e anime a minha oração, para que esteja sempre disponível a procurar e a cumprir a vontade do Pai. Como a Virgem de Nazaré, quero dizer-te hoje: «Faça-se em mim segundo a tua palavra». O teu projecto de salvação enche-me de admiração e alegria. Na verdade, fizeste em mim maravilhas e, com a minha humilde colaboração, queres fazê-las em todos os homens e mulheres da terra. Mostra-me o que queres que faça nesse projecto de amor: Eis-me aqui, Senhor; faça-se em mim segundo a tua vontade.
Contemplatio
As palavras, as inspirações divinas não merecem esta docilidade do nosso coração? Os mistérios da sua vida, as suas acções, os seus sofrimentos são dignos da consideração respeitosa que nos pede e do nosso respeito humilde e religioso. Se soubéssemos a paz, a alegria, as luzes de espírito, que encontraríamos nesta união, nesta intimidade respeitosa com Nosso Senhor! Se conhecesses o dom de Deus! Recordemos os exemplos dos Santos. Job encontrava a sua consolação na sua humilde submissão à vontade de Deus e na sua docilidade às palavras divinas. A minha consolação consiste, dizia, em aceitar os castigos divinos e não contradizer a palavra divina. Samuel ainda criança agradava a Deus pela sua docilidade: «Falai, Senhor, dizia, o vosso servo escuta» (1Sam 3). David dizia: «Por muito que me custe e mesmo que as ordens divinas sejam severas, escutarei a palavra divina» (Sl 16, 4). Santo Agostinho dizia: «Aquele que escuta a palavra de Deus com negligência é tão culpável como aquele que deixasse cair por terra o corpo de Jesus Cristo por sua culpa» (Hom 26). Para nós, os amigos e os devotos do Sagrado Coração, esta docilidade não é mais fácil e mais consoladora ainda? É ao Coração de Jesus que vamos buscar directamente a luz, a graça e a força. O Coração de Jesus abriu-se para nos revelar os seus sentimentos, os seus desejos, as suas alegrias, as suas tristezas, as suas promessas: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris (Leão Dehon, OSP 4, p. 571).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Fala, Senhor; o teu servo escuta!» (1 Sam 3, 9).
| Fernando Fonseca, scj |
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I Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
I Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
13 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares I Semana - Quinta-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 4, 1-11
1A palavra de Samuel foi dirigida a todo o Israel. Israel saiu ao encontro dos filisteus para lhes dar combate. Acamparam junto de Ében-Ézer e os filisteus acamparam em Afec. 2Os filisteus puseram-se em linha de combate frente a Israel, e começou a batalha. Israel foi vencido pelos filisteus, que mataram em combate cerca de quatro mil homens. 3O povo voltou ao acampamento e os anciãos de Israel disseram: «Porque é que o Senhor nos derrotou hoje diante dos filisteus? Vamos a Silo e tomemos a Arca da aliança do Senhor, para que Ele esteja no meio de nós e nos livre da mão dos nossos inimigos.» 4O povo mandou, pois, buscar a Silo a Arca da aliança do Senhor do universo, que se senta sobre querubins. Os dois filhos de Eli, Ofni e Fineias, acompanhavam a arca. 5Quando a Arca da aliança do Senhor chegou ao acampamento, todo o Israel lançou um grande clamor, que fez a terra tremer. 6Os filisteus, ouvindo-o, disseram: «Que significa este grande clamor no acampamento dos hebreus?» Souberam que a Arca do Senhor havia chegado ao acampamento. 7Tiveram medo e disseram: «O Deus deles chegou ao acampamento. Ai de nós! Até agora nunca se ouviu coisa semelhante. 8Ai de nós! Quem nos salvará da mão desse Deus excelso? É aquele Deus que feriu os egípcios com toda a espécie de pragas no deserto. 9Coragem, ó filisteus! Portai-vos varonilmente, não suceda que sejais escravos dos hebreus como eles o são de vós. Esforçai-vos e combatei.» 10Começaram a luta; Israel foi derrotado e todos fugiram para as suas casas. O massacre foi tão grande que ficaram mortos trinta mil homens de Israel. 11A Arca de Deus foi tomada, e os dois filhos de Eli, Hofni e Fineias, pereceram.
Os filisteus chegaram a Canaã quase ao mesmo tempo que os filhos de Israel. Dispunham de uma técnica superior à deles: conheciam a forja para trabalhar metais e eram os únicos que tinham armas desse tipo. Por isso, apesar de serem menores em número, os filisteus foram um problema sério para Israel. Mas o centro de interesse do nosso texto não é de ordem militar, mas teológico. O centro das atenções é a Arca e, em última análise, Deus, de quem a Arca é expressão sensível. No primeiro recontro os filisteus bateram Israel. Os anciãos deram a culpa ao Deus da Aliança: «Porque é que o Senhor nos derrotou hoje diante dos filisteus?» (v. 39). O povo não se resigna e põe Deus à prova: «Vamos a Silo e tomemos a Arca da aliança do Senhor, para que Ele esteja no meio de nós e nos livre da mão dos nossos inimigos» (v. 39). Mas, ao desencadear-se uma nova batalha, Israel sofre uma nova e terrível derrota. A própria Arca é roubada pelos filisteus. Os filhos de Eli são mortos em combate e o próprio sacerdote cai morto ao receber a notícia da completa derrota. Parece o fim. Mas Deus, fiel às suas promessas, estava atento e tinha uma reserva de esperança: Samuel. Dali para a frente, o filho de Elcaná e de Ana torna-se o representante do povo santo e leva consigo o destino da nação. Este episódio encerra várias lições. Sublinhemos apenas duas: a Aliança inclui privilégios, mas também exigências; a Arca, o Templo, os «sacramentos», não são meios mágicos para pôr Deus a nosso serviço.
Evangelho: Mc 1, 40-45
Naquele tempo, 40um leproso veio ter com Ele, caiu de joelhos e suplicou: «Se quiseres, podes purificar-me.» 41Compadecido, Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: «Quero, fica purificado.» 42Imediatamente a lepra deixou-o, e ficou purificado. 43E logo o despediu, dizendo-lhe em tom severo: 44«Livra-te de falar disto a alguém; vai, antes, mostrar-te ao sacerdote e oferece pela tua purificação o que foi estabelecido por Moisés, a fim de lhes servir de testemunho.» 45Ele, porém, assim que se retirou, começou a proclamar e a divulgar o sucedido, a ponto de Jesus não poder entrar abertamente numa cidade; ficava fora, em lugares despovoados. E de todas as partes iam ter com Ele.
A lepra era uma doença aterradora, porque excluía da comunhão com o povo de Deus: «Impuro! Impuro!» gritava o leproso, à distância, para que ninguém dele se aproximasse (Lev 13, 45). Os rabinos consideravam o leproso como um morto. A sua cura era tão improvável como a ressurreição. No texto que escutámos, o leproso atreve-se a aproximar-se de Jesus. E Jesus acolhe-o e toca-o, contra as normas vigentes. As leis só obrigam na medida em que concorrem para o bem do homem. É um tema que irá repetir-se ao longo do segundo evangelho e em Paulo. Pode haver momentos em que o cristão, levado pela sua consciência humanizadora, tenha de recorrer à «objecção de consciência». Operada a cura, Jesus manda ao leproso que não faça publicidade dela, mas se apresente aos sacerdotes para que o reintegrem na comunidade. O objectivo da cura não era fazer publicidade apologética, mas reintegrar o marginalizado. A salvação já não se encontra na separação e na marginalização, mas na reintegração porque, com Jesus, entrou no mundo o próprio poder salvífico de Deus, que se põe do lado dos pobres e dos últimos da sociedade dos homens. A nova sociedade inaugurada por Jesus não marginaliza ninguém, não separa, não exclui, porque Jesus aboliu o sistema que separava o puro do impuro tal como o entendia o mundo judaico. O cristão é um homem livre para Deus e para os outros. A Igreja deve estar na linha da frente para que a liberdade se torne real para todos os homens.
Meditatio
A primeira leitura mostra-nos que é possível iludir-nos com uma falsa confiança em Deus. Isso pode acontecer se mantivermos com Ele uma relação religiosa simplesmente aparente, expressa por um aparato cultual mais ou menos sofisticado, ou pela simples declaração de boas intenções. A verdadeira relação com Deus exige honestidade, ausência de fingimento. Os hebreus, vencidos pelos filisteus, vão buscar a Arca da Aliança, esperando que a sua presença lhes alcance a vitória. Mas acontece o pior: além de perderam a batalha, perdem também a Arca, que é roubada pelos filisteus. A sua confiança foi completamente frustrada. Toda estas desgraças já tinham sido anunciadas a Samuel: Deus tinha dito ao jovem que não estava contente com o culto que Lhe era prestado. Os próprios filhos do sacerdote Eli desonravam o Senhor, com o seu mau comportamento. Teria de haver um castigo. E houve. Diante da infidelidade do povo de Deus, de nada serviu a própria Arca da Aliança. Não se pode viver na infidelidade e esperar uma intervenção milagrosa de Deus, quando surge um problema. É preciso viver em comunhão permanente com Ele, buscando e realizando a sua vontade, servindo-o generosamente. Dizendo isto, será bom lembrar que, apesar de tudo, a nossa confiança em Deus nunca é frustrada, mesmo quando sofremos as consequências dos nossos pecados. Mas não havemos de esperar intervenções miraculosas de Deus quando merecemos a provação. Deus não deixará de escutar as nossas preces, e de actuar, mas não necessariamente para nos livrar das tribulações justamente merecidas. No caso de que nos fala a leitura, os filisteus levam a Arca da Aliança, coisa ainda mais dramática para os hebreus do que a própria derrota militar. Perdendo a Arca, que mantinha unido o povo, parecia ter chegado o fim do mesmo povo. Mas não é o que acontece. Os filisteus são atingidos por várias desgraças e vêem-se obrigados a devolver a Arca. E assim começa a história do Templo de Jerusalém. A Arca é primeiramente colocada em Silo. Mas quando David conquista Jerusalém é levada para lá. Assim, com uma derrota, começa a história do triunfo do Templo de Jerusalém, de David, da prosperidade de Israel, das maiores promessas de Deus ao seu povo. É bom manter sempre a confiança em Deus, mesmo quando nos abandona às consequências do nosso pecado. Quando menos esperamos, pode abrir-nos horizontes que jamais teríamos sonhado. Para o P. Dehon, o culto a prestar a Deus há-de ser um "culto de amor e de reparação", um culto que envolve "toda a vida" (Cst. 7), transformando-a numa "missa permanente" (Cst. 5). É esse culto que nos cura da lepra do pecado e cura a humanidade, reunindo-a no Corpo de Cristo e consagrando-a para Glória e Alegria de Deus (cf. Cst 25).
Oratio
Pai santo, animados pelo teu Espírito, oferecemo-nos a Ti, em união com o Sagrado Coração de Jesus, para vivermos a sua oblação como resposta ao teu amor. Consagramos-Te a nossa vida, orações e acções, alegrias e sofrimentos, como sacrifício de amor e reparação. Eis-nos aqui, ó Pai, para fazermos a tua vontade. Amen.
Contemplatio
Nosso Senhor, ao apresentar-se aos doentes ou ao atraí-los a si pela sua incomparável bondade, exigia apenas uma condição para os curar: uma confiança absoluta n'Ele. S. João Baptista, não operando milagres, contentava-se em pregar a penitência com o zelo de Elias. Mas aquele que tinha vindo para salvar o que estava perdido exigia antes de tudo a confiança. Ao leproso que se prostra cheio de confiança diante d'Ele, dizendo: «Senhor, se quiseres, podes curar-me», apressa-se a responder: «Quero, fica curado». A outros, que lhe pedem socorro para si ou para os seus filhos, diz: «Credes? Tendes confiança? Tudo é possível a quem crê». E o pobre pai da criança endemoninhada exclama então: «Eu creio, Senhor, ajuda a minha incredulidade». Se estes judeus carnais tinham confiança bastante para obter a sua cura, que diremos nós dos cristãos dos nossos dias, dos cristãos piedosos que não têm nenhuma ou que a têm tão fraca que não persevera? Mas nós, apóstolos do Sagrado Coração, que opera tantas maravilhas no meio de nós, se nos faltasse a confiança, isso seria um ultraje considerável para com este divino Coração, seria dizer-lhe: «Não, vós não sois assim tão bom, nem poderoso bastante, e eu não confio em vós. Por conseguinte não vos amo». Esta blasfémia implícita não deixaria afastar de nós a sua divina misericórdia. A confiança e o amor mantêm-se bem perto. Aquele que ama é amado e não duvida da bondade do seu amigo (Leão Dehon, OSP 2, p. 282).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Senhor, se quiseres, podes purificar-me» (Mc 1, 40).
| Fernando Fonseca, scj |
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I Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
I Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
14 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares I Semana - Sexta-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 8, 4-7.10-22a
Naqueles dias, 4Reuniram-se todos os anciãos de Israel e vieram ter com Samuel a Ramá. 5Disseram-lhe: «Estás velho e os teus filhos não seguem as tuas pisadas. Dá-nos um rei que nos governe, como têm todas as nações.» 6Esta linguagem - 'dá-nos um rei que nos governe' - desagradou a Samuel, que se pôs em oração diante do Senhor. 7O Senhor disse-lhe: «Ouve a voz do povo em tudo o que te disser, pois não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, para que Eu não reine mais sobre eles.10Referiu Samuel todas as palavras do Senhor ao povo que lhe pedia um rei. 11E disse: «Eis como será o poder do rei que vos há-de governar: tomará os vossos filhos para guiar os seus carros e a sua cavalaria e para correr diante do seu carro. 12Fará deles chefes de mil e chefes de cinquenta, empregá-los-á nas suas lavouras e nas suas colheitas, na fabricação das suas armas e dos seus carros. 13Tomará as vossas filhas como suas perfumistas, cozinheiras e padeiras. 14Há-de tirar-vos também o melhor dos vossos campos, das vossas vinhas e dos vossos olivais, e dá-los-á aos seus servidores. 15Cobrará ainda o dízimo das vossas searas e das vossas vinhas, para o dar aos seus cortesãos e ministros. 16Tomará também os vossos servos, as vossas servas, os melhores entre os vossos mancebos e os vossos jumentos, para os colocar ao seu serviço. 17Cobrará igualmente o dízimo dos vossos rebanhos. E vós próprios sereis seus servos. 18Então, clamareis por causa do rei que vós mesmos escolhestes, mas o Senhor não vos ouvirá.» 19Porém, o povo não quis ouvir a voz de Samuel. Disse: «Não! Precisamos de ter o nosso rei! 20Queremos ser como todas as outras nações; o nosso rei administrará a justiça, marchará à nossa frente e combaterá por nós em todas as guerras.» 21Samuel ouviu todas as palavras do povo e referiu-as ao Senhor. 22Então, o Senhor disse: «Faz o que te pedem e dá-lhes um rei.»
Em Israel existiam duas correntes: uma a favor da monarquia e outra contra a monarquia. Acabou por vencer a corrente favorável à monarquia e Deus, diríamos nós, condescendeu com a nova forma de governo e converteu-a em meio para levar por diante a obra da salvação (cf. 1 Sam 1, 12). A corrente antimonárquica apontava as consequências sociais da instituição da monarquia: enriquecimento da família real e dos nobres à custa do povo, que será cada vez mais pobre. Os profetas apontam o dedo contra esses abusos. Basta lembrar as censuras de Natã a David (2 Sam 12), as de Elias a Acab e Jesabel (1 Re 21). Vários reis favorecem a idolatria, ou não tomam medidas eficazes contra ela. A monarquia pressupõe a secularização da concepção teocrática da comunidade israelita, que assim entra no jogo político do Médio Oriente, facto que trará descalabro e desastres sucessivos. O povo já não confia unicamente em Deus. Quer um rei como as outras nações. Quer certezas, garantias mais evidentes. Só um rei poderá realizar a união das tribos. Deus condescende e exorta Samuel a dar um rei ao povo. As consequências negativas não se fazem esperar. Então, nasce o profetismo. Os profetas censuram com frequência as injustiças, a paganização do culto, a política de alianças com as grandes potências do Médio Oriente. Os autores sagrados fazem uma avaliação pessimista e negativa da instituição monárquica.
Evangelho: Mc 2, 1-12
1Dias depois, tendo Jesus voltado a Cafarnaúm, ouviu-se dizer que estava em casa. 2Juntou-se tanta gente que nem mesmo à volta da porta havia lugar, e anunciava-lhes a Palavra. 3Vieram, então, trazer-lhe um paralítico, transportado por quatro homens. 4Como não podiam aproximar-se por causa da multidão, descobriram o tecto no sítio onde Ele estava, fizeram uma abertura e desceram o catre em que jazia o paralítico. 5Vendo Jesus a fé daqueles homens, disse ao paralítico: «Filho, os teus pecados estão perdoados.» 6Ora estavam lá sentados alguns doutores da Lei que discorriam em seus corações: 7«Porque fala este assim? Blasfema! Quem pode perdoar pecados senão Deus?» 8Jesus percebeu logo, em seu íntimo, que eles assim discorriam; e disse-lhes: «Porque discorreis assim em vossos corações? 9Que é mais fácil? Dizer ao paralítico: 'Os teus pecados estão perdoados', ou dizer: 'Levanta-te, pega no teu catre e anda'? 10Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, 11Eu te ordeno - disse ao paralítico: levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa.» 12Ele levantou-se e, pegando logo no catre, saiu à vista de todos, de modo que todos se maravilhavam e glorificavam a Deus, dizendo: «Nunca vimos coisa assim!»
A «palavra», em Jesus, consiste em «falar» e em «fazer». Por isso, as curas realizadas por Jesus são «palavra». Marcos, depois de nos dizer que Jesus «anunciava a palavra» (v. 2), oferece-nos um exemplo plástico dessa «palavra actuante». O foco da narrativa que ouvimos está nas palavras: «para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados...». O milagre confirma o poder de reconciliação com Deus reivindicado por Jesus. A atenção é mudada de um mal físico para um mal mais profundo, o pecado, que paralisa o homem, impedindo-o de avançar segundo o projecto de Deus. Os escribas compreendem o alcance das palavras de Jesus. Mas não estão dispostos a aceitar uma tal «blasfémia», porque só Deus pode perdoar os pecados. Jesus reage reforçando a sua afirmação: «Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar os pecados, Eu te ordeno: levanta-te» (vv. 10-11). O milagre é sinal do poder de Jesus. A cura do paralítico é uma síntese da palavra pregada por Jesus. O reino de Deus está próximo, porque Deus decidiu oferecer o seu perdão aos homens. Esse perdão introduz o homem todo, corpo e espírito, na salvação.
Meditatio
O povo de Israel confiava no poder de um rei que realizasse a união das tribos, promovesse o bem-estar de todos e conduzisse os exércitos contra os seus inimigos. Deus condescende. Exorta Samuel a dar um rei ao povo, mas o Seu plano vai por diante e há-de surpreender aqueles que confiavam mais na ajuda humana do que na ajuda divina. O evangelho mostra-nos a diferença entre a ajuda que vem dos homens e a ajuda oferecida por Deus. Os quatro amigos do paralítico puseram-no num catre e levaram-no a Jesus. Que mais podiam fazer? Por sua vez, Jesus faz o que só Deus pode fazer pelo homem: «levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa» (v. 11). O Senhor cura o doente da paralisia e do pecado: «os teus pecados estão perdoados» (v. 5). O poder de Deus, manifestado em Jesus, transforma totalmente o paral& iacute;tico, que recupera as forças para carregar o catre e assumir responsabilidades: «levanta-te, pega no teu catre e vai para tua casa» (v. 11). O homem redimido pelo poder de Deus torna-se capaz de viver de acordo com a sua nova condição. O evangelho alerta-nos para o poder da palavra eficaz de Deus, que ultrapassa os limites do poder humano em que, tantas vezes, pomos a nossa confiança: perdoar os pecados é muito mais do que a cura de uma paralisia. Os escribas estavam limitados pela imagem de Deus, que eles mesmos tinham criado. Por isso, não estavam para acolher a força libertadora do Reino. Também nós não devemos deixar-nos condicionar pela rigidez das formas mentais e das instituições humanas, mas estar abertos para acolher a presença activa de Deus que, com gestos gratuitos e inesperados, vem ao encontro dos nossos limites. O primeiro acto de amor, a primeira humildade e, portanto, liberdade consiste em aceitar-nos como somos, em ter confiança em nós mesmos para termos confiança em Deus: "Não temas Abraão, Eu sou o teu escudo..." (Gn 15, 1); "Com o meu Deus saltarei muralhas" (cf. Sl 18(17), 30. Moisés fez brotar água do rochedo (cf. Ex 17, 1-7); também das tuas incapacidades e fraquezas Deus pode fazer brotar a vida. O importante é não dobrar-nos sobre nós mesmos, não ficar a chorar por causa das nossas fraquezas, dos nossos limites, não deixar de procurar a Deus, também na obscuridade, também tropeçando. Então não conta o que és, mas o que procuras ser, como S. Agostinho, experimentarás que Deus nunca esteve tão próximo de ti como quando O procuras. Só, vales certamente pouco; mas, com Deus, podes fazer muito. Se te sentes mais um vale do que um monte, lembra-te que também os vales dão glória a Deus. Deus pode mudar o "vale de lágrimas numa fonte de água" (Sl 84(83), 14).
Oratio
Pai, quero hoje pedir-te uma fé capaz de abrir telhados, de fazer descer o catre, em que jazo tomado de tristeza, até ao âmago da vida, ao coração da história, para me encontrar diante de Jesus. Perdoado e curado por Ele, poderei regressar a casa, ser restituído a mim mesmo e aos meus e cooperar eficazmente na construção do Reino. Como aqueles homens, que ajudaram o paralítico, quero fazer o que estiver ao meu alcance para que todos possam encontrar-se com Jesus, teu Filho, para serem perdoados e curados pelo poder eficaz da sua palavra salvadora. Amen.
Contemplatio
Não é um doente de longe em longe que Nosso Senhor cura, opera curas em massa e em grande número. Em Cafarnaúm, impõe as mãos a todos os doentes que lhe apresentam e todos são curados (Lc 4, 40). Algum tempo depois teve lugar esta cena tão comovente: uma multidão considerável seguiu-o ao longo do lago. A sua habitação é assaltada por esta multidão que lhe apresenta um grande número de doentes. Uma virtude miraculosa saía dele para os curar. Chegam a descobrir o tecto da casa, para chegarem a apresentar ao Salvador um paralítico estendido sobre um catre. O Salvador, tocado pela sua fé cura ainda este doente depois de todos os outros (Lc 3). Na primeira Páscoa, opera tantos milagres que um grande número de Judeus é conquistado para a fé (Jo 2, 23). Na sua primeira missão na Galileia, Nosso Senhor cura toda a fraqueza e toda a enfermidade (Mt 4). Sobre o Monte das Bem-aventuranças, multidões de infortunados doentes, vindos da Judeia e mesmo de Tiro e de Sídon, são curados apenas pelo toque do seu manto. Antes da primeira e da segunda multiplicação dos pães, Jesus cura primeiro as multidões dos doentes e de enfermos que se comprimem à sua volta. Desde o início das missões de Pereia, Nosso Senhor renova os milagres das missões de Galileia, e em cada etapa são curas tão extraordinárias como numerosas (Mt 19). «Por toda a parte aonde Jesus chegasse, diz-nos S. Marcos, nas aldeias e nas cidades colocavam os doentes no meio das praças públicas, pedindo-lhe que lhes permitisse tocarem ao menos na borda do seu manto. E todos os que lhe tocavam eram curados» (Mt 6). Os apóstolos, enviados pelo Mestre, operam em todos os lugares em seu nome os mesmos prodígios (Mt 11). Mesmo no dia dos Ramos, vemo-lo curar ainda, nos átrios do Templo, os cegos e os coxos que lhe imploram (Mt 21) (Leão Dehon, OSP 4, p. 138s.).
| Fernando Fonseca, scj |
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II Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares
II Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares
17 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Segunda-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 15, 16-23
Naqueles dias, 16Samuel disse a Saul: «Cala-te! Vou dizer-te o que o Senhor me disse esta noite.» Saul respondeu: «Fala.» 17Samuel disse: «Apesar de te considerares pequeno, acaso não te tornaste chefe das tribos de Israel, e não te ungiu o Senhor rei de Israel? 18O Senhor enviou-te a essa expedição, dizendo: 'Passa ao fio de espada esses amalecitas pecadores e combate contra eles até ao completo extermínio.' 19Porque não ouviste a sua voz e te lançaste sobre os despojos, fazendo o que desagrada ao Senhor?» 20Respondeu Saul a Samuel: «Eu obedeci à voz do Senhor, fui pelo caminho que Ele me traçou, trouxe Agag, rei dos amalecitas, e exterminei esse povo. 21O povo somente tomou dos despojos algumas ovelhas e bois, como primícias do que devia destruir, para os sacrificar ao Senhor, teu Deus, em Guilgal.» 22Samuel replicou-lhe, então: «Porventura, o Senhor se compraz tanto nos holocaustos e sacrifícios como na obediência à sua palavra? A obediência vale mais do que os sacrifícios, e a submissão, mais do que a gordura dos carneiros.23A desobediência é tão culpável como a superstição, e a insubmissão é como o pecado da idolatria. Visto, pois, que rejeitaste a palavra do Senhor, também Ele te rejeita e te tira a realeza!»
Saul é tão maltratado na Bíblia, que chega a inspirar compaixão. No nosso texto, é acusado por não ter sacrificado a Deus todos os despojos, o que pressupõe falta de fé e de obediência a Deus. Saul não foi certamente um santo. Mas o autor sagrado parece ter carregado as tintas para fazer realçar a pessoa de David, cuja figura, com o decorrer do tempo, vai sendo cada vez mais idealizada até chegar à do rei perfeito apresentado no primeiro livro das Crónicas. O elemento mais considerável da narrativa está na declaração de Samuel: a obediência vale mais do que o sacrifício. Trata-se de uma relevante conquista do pensamento religioso: mais do que os actos de culto, que podem não estar em sintonia com a fé, valoriza-se a vida; mais do que aos actos externos de culto, dá-se importância à atitude interior da pessoa que os pratica. A oferta sacerdotal e existencial de Jesus será caracterizada pela obediência vivida no amor.
Evangelho: Mc 2, 18-22
Naquele tempo, 18os discípulos de João e os fariseus guardavam o jejum. Vieram dizer-lhe: «Porque é que os discípulos de João e os dos fariseus guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam?» 19Jesus respondeu: «Poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar. 20Dias virão em que o esposo lhes será tirado; e então, nesses dias, hão-de jejuar.» 21«Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, pois o pano novo puxa o tecido velho e o rasgão fica maior. 22E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho romperá os odres e perde-se o vinho, tal como os odres. Mas vinho novo, em odres novos.»
Ao contrário dos grupos religiosos do seu tempo, incluindo o de João Baptista, os discípulos de Jesus não praticavam o jejum. Porquê? Porque Jesus tinha introduzido no mundo o tempo gozoso das núpcias entre Deus, o esposo, e o seu povo, a esposa. Não fazia sentido reiterar um sinal que indicava luto. Além disso, não havia que precipitar os acontecimentos: tempos viriam em que a adesão dos discípulos a Jesus havia de lhes custar momentos difíceis em que, para fazer penitência, não seria preciso estabelecer o jejum. As palavras sobre o «pano novo em roupa velha» e sobre «vinho novo em odres velhos» convidam-nos a compreender a novidade introduzida pelo Evangelho, confirmando a suspensão do sinal do jejum. Neste texto, Jesus também polemiza contra um ritualismo que, como todos os ritualismos, pretende planificar a própria salvação, esquecendo que ela é uma iniciativa absoluta de Deus.
Meditatio
«A obediência vale mais do que os sacrifícios» (1 Sam 15, 22). A nossa relação com Deus é verdadeira quando é modulada pela obediência à sua vontade. Podemos ser tentados a buscar segurança em interpretações arbitrárias da Palavra de Deus ou em formas de culto à medida dos nossos interesses. Mas a obediência ao Senhor é a nossa única segurança. Obedecer a Deus significa estar de alma e coração atentos e disponíveis às inspirações do Espírito, preferindo-as ao nosso bom senso. Significa também estar dispostos a converter-nos a uma maior autenticidade nas nossas formas de culto, de modo que exprimam e motivem a nossa vida. Jesus também pede disponibilidade superior à dos fariseus, muito preocupados com coisas a fazer ou a evitar: «Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, pois o pano novo puxa o tecido velho... E ninguém deita vinho novo em odres velhos...mas vinho novo, em odres novos» (vv. 22-23). Jesus não escolheu para apóstolos fariseus conhecedores da Lei, mas indisponíveis; escolheu pessoas talvez menos cultas, mas abertas à graça, às novidades de Deus. Em cada Eucaristia, Jesus enche-nos de um vinho novo, de um vinho forte e generoso, que é o seu sangue. Esse vinho faz explodir a nossa generosidade, o nosso entusiasmo, o nosso zelo, o nosso amor. Se isso não acontece, há que pedir-Lhe um «odre novo», um coração novo, que é o seu próprio Coração. Só unidos ao Coração de Jesus, tendo em nós os seus sentimentos, podemos receber em nós o vinho novo da Nova Aliança. Lembram-nos as nossas Constituições: «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito» (n. 3). Este nascimento, preanunciado a Nicodemos (cf. Jo 3, 3.5), realizou-se na transfixão do Lado, onde a água que brota de Cristo é sinal do dom do Espírito, do Baptismo, do nascimento da Igreja e, na Igreja, de cada um de nós. "O homem de coração novo" é uma expressão bíblica: "Dar-vos-ei um coração novo" (Ez 36, 26; cf. Sal 51(50), 12). NO AT e no NT o coração é o lugar onde o homem encontra Deus. E esse encontro torna-se total e efectivo no "Coração de Cristo, aberto na cruz"(Cst. 3). De facto, Jesus em vista da nossa "conversão permanente" (Cst. 144), convida-nos a irmos à escola do Seu Coração: «Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração» (cf. Mt 11, 29). S. Paulo também exorta a nos "revestir-nos do homem novo, criado segundo Deus, na justiça e na santidade verdadeira" ( Ef 4, 24; cf. Col 3, 9-11). A realidade do "homem de coração novo, animado pelo Espírito", que nasce do "Coração de Jesus, aberto na cruz" (Cst 3) é um tema importante p ara o Pe. Dehon e para nós. Por isso, é várias vezes retomado nas Constituições (cf. nn. 10.11.21.39).
Oratio
Senhor Jesus, abre a minha mente e o meu coração para receber o grande dom do teu Espírito, de modo que eu não rebente, qual odre velho, mas seja repleto de uma vida nova, que Te dê glória e seja útil aos meus irmãos. Animado pelo mesmo Espírito, farei, não a minha, mas a vontade do Pai, e crescerei na inteligência do coração, para não me encerrar em certezas da minha razão, mas permanecer aberto à exigências da tua Palavra, fonte de vida e de novidade. Amen.
Contemplatio
«Eis-me aqui, meu Deus, para vos servir e para fazer a vossa vontade: «Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra». Esta é a regra, Maria obedece. Está escrito na lei, no Levítico e no Êxodo. A jovem mãe apresentar-se-á no templo para ser purificada, quarenta dias depois do nascimento de um filho e oitenta dias depois do nascimento de uma filha. Maria não costuma hesitar quando se trata da lei. Cumpre tudo à letra, segundo a Lei de Moisés. No quadragésimo dia, está em Jerusalém. Não examina se está dispensada pelo carácter sobrenatural da sua maternidade... Como o seu divino Filho, renuncia a todo o privilégio e, contente com a sorte comum, obedece à lei. Jesus obedece e deixa-se levar, apresentar, resgatar, Maria obedece também e deixa-se purificar. Como Jesus, Maria leva no meio do seu Coração a lei de Deus, como sua regra de vida. Oh! Como esta obediência pontual, humilde, heróica, condena todas as nossas hesitações, toda a nossa procura de excepções e de dispensas! Maria podia dizer: Eis a serva do Senhor. E eu posso dizer: Ecce venio: eis que venho, Senhor, para obedecer, para fazer a vossa vontade. Sou teu servo. Em que é que ainda sou recalcitrante à lei, à vontade divina? Examinar-me-ei e mudarei (Leão Dehon, OSP 3, p. 119s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «A obediência vale mais do que os sacrifícios» (1 Sam 15, 22).
| Fernando Fonseca, scj |
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II Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares
II Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares
18 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Terça-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 16, 1-13
Naqueles dias, o Senhor disse a Samuel: «Até quando chorarás Saul, tendo-o Eu rejeitado para que não reine em Israel? Enche o teu chifre de óleo e vai. Quero enviar-te a Jessé de Belém, pois escolhi um rei entre os seus filhos.» Samuel respondeu: «Como hei-de ir? Se Saul souber, irá tirar-me a vida.» 2O Senhor disse: «Levarás contigo um novilho e dirás que vais oferecer um sacrifício ao Senhor. 3Convidarás Jessé para o sacrifício e Eu te revelarei o que deverás fazer. Darás por mim a unção àquele que Eu te indicar.» 4Fez Samuel como o Senhor ordenara. Ao chegar a Belém, os anciãos da cidade saíram-lhe ao encontro, inquietos, e disseram: «É de paz a tua vinda?» 5Ele respondeu: «Sim. Venho oferecer um sacrifício ao Senhor; purificai-vos e acompanhai-me para o sacrifício.» Ele mesmo purificou Jessé e os filhos e convidou-os para o sacrifício. 6Logo que entraram, Samuel viu Eliab e pensou consigo: «Certamente é este o ungido do Senhor.» 7Mas o Senhor disse a Samuel: «Que te não impressione o seu belo aspecto, nem a sua alta estatura, pois Eu rejeitei-o. O que o homem vê não importa; o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração.» 8Jessé chamou Abinadab e apresentou-o a Samuel, que disse: «Não é este o que o Senhor escolheu.» 9Jessé trouxe-lhe, também, Chamá. E Samuel disse: «Ainda não é este o que o Senhor escolheu.» 10Jessé apresentou-lhe, assim, os seus sete filhos, mas Samuel disse: «O Senhor não escolheu nenhum deles.» 11E acrescentou: «Estão aqui todos os teus filhos?» Jessé respondeu: «Resta ainda o mais novo, que anda a apascentar as ovelhas.» Samuel ordenou a Jessé: «Manda buscá-lo, pois não nos sentaremos à mesa antes de ele ter chegado.» 12Jessé mandou então buscá-lo. David era louro, de belos olhos e de aparência formosa. O Senhor disse: «Ei-lo, unge-o: é esse.» 13Samuel tomou o chifre de óleo e ungiu-o na presença dos seus irmãos. E, a partir daquele dia, o espírito do Senhor apoderou-se de David. E Samuel voltou para Ramá.
A Bíblia apresenta-nos três versões do acesso de David à vida pública: como bom músico, entrou ao serviço de Saul, que andava triste e abatido, para o alegrar (1 Sam 16, 14-23); indo levar provisões aos seus três irmãos mais velhos, que faziam parte do exército de Saul, dispõe-se a combater Golias, vencendo-o, caindo nas graças do rei que o põe ao seu serviço (1 Sam 17, 12-30); sendo o mais novo e o mais fraco dos filhos de Jessé, é ungido rei por indicação de Deus (1 Sam 16, 1-13). O relato da unção de David por Samuel segue um esquema comum a quase todos os relatos de eleição, a começar pelo próprio povo de Israel que é eleito, não por ser o mais numeroso nem por ser melhor que os outros, mas por puro amor de Deus (Dt 7, 7-8). O esquema repete-se no Antigo e no Novo Testamento. Paulo vê-o verificar-se na eleição do novo Povo de Deus, a Igreja. Ao observar a igreja de Corinto, escreve: «Considerai, pois, irmãos, a vossa vocação: humanamente falando, não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Mas o que há de louco no mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que há de fraco no mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que o mundo considera vil e desprezível é que Deus escolheu; escolheu os que nada são, para reduzir a nada aqueles que são alguma coisa.» (1 Cor 1, 26-28). Deus actua com absoluta liberdade, suscitando surpresa.
Evangelho: Mc 2, 23-28
23Passeava Jesus através das searas num dia de sábado, os discípulos puseram-se a colher espigas pelo caminho. 24Os fariseus diziam-lhe: «Repara! Porque fazem eles ao sábado o que não é permitido?» 25Ele disse: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele? 26Como entrou na casa de Deus, ao tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu os pães da oferenda, que apenas aos sacerdotes era permitido comer, e também os deu aos que estavam com ele?» 27E disse-lhes: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. 28O Filho do Homem até do sábado é Senhor.»
Este breve texto realça a autoridade definitiva de Jesus e um dos princípios centrais do Evangelho: a libertação da «alienação legal». Como dirá S. Paulo, Cristo veio libertar o homem da tirania da Lei (cf. Rom 3, 20; 4, 13; 6, 14; 8, 2; Gal 1, 4-5, etc). A autoridade do «filho do homem» é uma autoridade em favor do homem. Jesus não veio condenar o homem, mas salvá-lo de toda a alienação, em primeiro lugar da alienação legal. Marcos não indica claramente o objecto da transgressão dos discípulos. Mas, mais do que eles, é Jesus que é posto em questão. O Senhor responde: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele?» (v. 25). Se o velho rei, por motivos de força maior, podia passar sobre a lei, quanto mais Jesus o podia fazer! Mais ainda: a autoridade de Jesus permitia-lhe ab-rogar o sábado e substituí-lo por outro dia. O Evangelho transcende a «ordem estabelecida». O cristão relativiza a ordem legal quando ela não está «em função do homem».
Meditatio
«O homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração» (1 Sam 16, 7). Deus não se deixa impressionar pela imponência de Eliab, nem pela beleza de Saul. Escolheu para rei de Israel o mais novo dos filhos de Jessé, que nem julgara necessário chamá-lo do meio do seu rebanho. Deus não olha às aparências, mas ao coração. E o de David agradou-lhe! Por isso disse a Samuel: «Ei-lo, unge-o: é esse.» (1 Sam 16, 12). A escolha de David é figura da de Jesus, o novo David, que vem na mansidão e na humildade para fazer a união, não de um só povo, mas de todos os povos, de todos os homens. O pequeno pastor Belém, David, é figura do Bom Pastor, que cuida das suas ovelhas, as defende dos lobos, as guia para os prados verdejantes e para as águas cristalinas, e morre pela unidade do rebanho. Deus é o Senhor das pessoas, que conhece, pois foi Ele Quem lhes plasmou o coração. Mas é também o Senhor do tempo e da história. Por isso, actua com liberdade absoluta nas suas escolhas e nas suas acções. Mas essa liberdade coincide com o seu amor, que se manifesta na predilecção pelos pequenos e no absoluto respeito pelo primado da pessoa humana. As opções de Deus podem desorientar-nos e pôr em crise as nossas regras, as nossas leis, as nossas seguranças humanas, quando não temos na devida conta as pessoas con cretas e as suas necessidades. O respeito pela dignidade e pela liberdade da pessoa humana é a primeira caridade que devemos a cada irmão. Esta caridade é também esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser, por absoluta iniciativa de Deus, ou com a ajuda do nosso apoio fraterno. A caridade afasta todo e qualquer preconceito em relação às pessoas concretas com quem nos encontramos, vivemos ou temos de trabalhar. Todo o Evangelho é uma defesa da dignidade da pessoa humana, especialmente quando é espezinhada nos pobres, nos marginalizados, como os leprosos, ou nas pessoas desprezadas, como os pecadores, publicanos, prostitutas. "O sábado foi feito para o homem - diz Jesus - e não o homem para o sábado" (Mc 2, 27). Para realçar a dignidade da pessoa humana, Jesus realiza muitos milagres ao sábado (cf. Mc 3, 1-6; Lc 14, 1-6; Jo 5, 1-14) e convive com todos, mesmo os com os pecadores. Respeitar o homem e fazer-lhe bem, especialmente quando carenciado, é uma lei maior que todas as outras. É mesmo o melhor modo de santificar o sábado, de prestar culto a Deus.
Oratio
Obrigado, Senhor, Deus nosso Pai, pela revelação progressiva do teu projecto de amor, definitivamente realizado em Jesus, Bom Pastor da humanidade. Dá-nos um coração semelhante ao d´Ele, um coração manso e humilde, um coração justo e compassivo para com todos. Assim seremos bons samaritanos da humanidade, e obreiros da paz e da comunhão entre os homens. Obrigado pela tua palavra, que nos convida e nos provoca a sabermos discernir a verdade das coisas lembrando-nos de que és o Senhor de tudo e de todos. Amen.
Contemplatio
É a fé, de facto, que é o princípio de todas as graças de Maria. Toda a vida do Salvador parece contrária às promessas do anjo. - «O vosso filho, disse-lhe Gabriel, será altamente reconhecido como Filho do Altíssimo; o Senhor dar-lhe-á o trono de David seu pai; reinará para sempre sobre a família de Jacob, e o seu reino não terá fim». Quantos factos pareceram afastados destas promessas! Jesus nasce pobre, leva durante trinta anos uma vida obscura; na sua vida pública, sobrevive de esmolas e é alvo de inveja, de ódio; depois desenvolve-se o drama da paixão. E Maria conservava a sua fé. Oh! Como devemos corar pela nossa falta de fé e de vida sobrenatural! (Leão Dehon, OSP 4, p. 22).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «O homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração» (1 Sam 16, 7).
| Fernando Fonseca, scj |
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II Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
II Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
19 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Quarta-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 17, 32-33.37.40-51
Naqueles dias, David foi levado à presença do rei Saul e disse-lhe: 32«Ninguém desanime por causa desse filisteu! O teu servo irá combatê-lo.» 33Disse-lhe Saul: «Não poderás ir lutar contra esse filisteu. Não passas de uma criança, e ele é um homem de guerra desde a sua mocidade.» 37E acrescentou: «O Senhor, que me livrou das garras do leão e do urso, há-de salvar-me igualmente das mãos desse filisteu.» Disse-lhe o rei: «Vai, e que o Senhor esteja contigo.» 40E tirou a armadura. Tomou o seu cajado e escolheu no regato cinco pedras lisas, pondo-as no alforge de pastor que lhe servia de bolsa. Depois, com a funda na mão, avançou contra o filisteu. 41Este, precedido do escudeiro, aproximou-se de David, 42mediu-o com os olhos e, vendo que era jovem, louro e de aspecto delicado, desprezou-o. 43Disse-lhe: «Sou eu, porventura, um cão, para vires contra mim de pau na mão?» E amaldiçoou David em nome dos seus deuses. 44E acrescentou: «Vem, que eu darei a tua carne às aves do céu e aos animais da terra!» 45David respondeu: «Tu vens para mim de espada, lança e escudo; eu, porém, vou a ti em nome do Senhor do universo, do Deus dos esquadrões de Israel, a quem tu desafiaste. 46O Senhor vai entregar-te hoje nas minhas mãos e eu vou matar-te, cortar-te a cabeça e dar os cadáveres do campo dos filisteus às aves do céu e aos animais da terra, para que todo o mundo saiba que há um Deus em Israel. 47E toda essa multidão de gente saberá que não é com a espada nem com a lança que o Senhor triunfa, porque Ele é o árbitro da guerra e Ele vos entregará nas nossas mãos!» 48Levantou-se o filisteu e avançou contra David. Este também correu para as linhas inimigas ao encontro do filisteu. 49Meteu a mão no alforge, tomou uma pedra e arremessou-a com a funda, ferindo o filisteu na fronte. A pedra penetrou-lhe na cabeça, e o gigante tombou com o rosto por terra. 50Assim venceu David o filisteu, ferindo-o de morte com uma funda e uma pedra. E, como não tinha espada na mão, 51David correu para o filisteu e, quando já estava junto dele, arrancou-lhe a espada da bainha e acabou de o matar, cortando-lhe a cabeça. Vendo morto o seu guerreiro mais valente, os filisteus fugiram.
No combate, que o texto nos descreve, mais do que dois homens, David e Golias, enfrentam-se duas teses, duas políticas: a tese da política da fé contra a tese da política da força e da técnica humanas. É significativa a descrição de Golias, filisteu, povo que já dominava a força dos metais e fabricava armas desse tipo. David, pelo contrário, incapaz de usar essas armas, enfrenta Golias «em nome do Senhor» (v. 45). «Uns confiam nos carros, outros nos cavalos: nós confiamos no nome do Senhor, nosso Deus» (cf. Sl 20, 8). Confiar em Deus, mais do que nos homens e nos meios humanos é um tema recorrente na Bíblia. O nosso texto realça a fé de David que enfrenta uma situação ignominiosa para o povo e para a fé em Deus; a impotência do rapaz, mas também a sua fé na Providência divina, já tantas vezes experimentada; o conteúdo religioso do desafio que é o confronto entre os deuses e o único Deus verdadeiro. Assim se conclui que a verdadeira fé pode enfrentar e desfazer as mais ameaçadoras dificuldades. Tudo isto coincide com a chamada doutrina da pobreza espiritual, já formulada por S. Paulo: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza.» De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 9-10).
Evangelho: Mc 3, 1-6
1Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem que tinha uma das mãos paralisada. 2Ora eles observavam-no, para ver se iria curá-lo ao sábado, a fim de o poderem acusar. 3Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e vem para o meio.» 4E a eles perguntou: «É permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou matá-la?» Eles ficaram calados. 5Então, olhando-os com indignação e magoado com a dureza dos seus corações, disse ao homem: «Estende a mão.» Estendeu-a, e a mão ficou curada. 6Assim que saíram, os fariseus reuniram-se com os partidários de Herodes para deliberar como haviam de matar Jesus.
O texto que a liturgia nos propõe hoje contém a quinta e última polémica de Jesus com os seus adversários. No fundo é uma reafirmação de que o Evangelho transcende toda a «ordem estabelecida», e que ela deve ser relativizada quando não concorrer para o bem do homem. O clima está cada vez mais carregado: Jesus mostra indignação e amargura; os seus interlocutores revelam obstinação e astúcia e tramam a morte de Jesus (v. 6). Mas o Senhor não se deixa intimidar. Continua fielmente o seu serviço profético, insistindo numa instituição sabática que sirva o homem. É um drama que se irá repetir muitas vezes até ao fim. Fazer bem ao homem, exigirá a Deus o preço da eliminação do seu Filho.
Meditatio
As leituras de hoje ensinam-nos a enfrentar as lutas e as dificuldades da vida de modo correcto. Acanhar-se, como fizeram Saul e o seu exército, que «ficaram assombrados e cheios de medo» (1 Sam 17, 11), não é solução. Mas uma esperança ilusória, que leve a refugiar-se em Deus de modo genérico, esperando tudo dele, contando apenas com a sua presença no meio de nós, como de algum modo tinham feito os israelitas na batalha em que perderam a arca do Senhor (cf. 1 Sam 4, 11), também não é solução. David mostra-nos como enfrentar adequadamente as nossas lutas. Não se deixa dominar pelo medo, pela falta de coragem, e procura os meios para enfrentar o combate: «tomou o seu cajado e escolheu no regato cinco pedras lisas, pondo-as no alforge de pastor que lhe servia de bolsa. Depois, com a funda na mão, avançou contra o filisteu» (1 Sam 17, 20). São instrumentos humildes e quase ridículos, diante do equipamento «moderno» do filisteu. Mas eram aqueles de que podia dispor. Quanto ao resto, confiava em Deus. Quando dispomos de todos de meios que julgamos necessários, podemos confiar mais neles do que em Deus. Mas, quando nos sentimos pobres, avançamos porque Deus o quer e no-lo pede. É a atitude da pobreza espiritual de que falará S. Paulo: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza.» De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 9-10). David faz o que pode e confia em De us. Alcança um triunfo que só poderá ser atribuído a Deus. Por isso, todos ficarão a saber que há um Deus em Israel (1 Sam 17, 46). Se a primeira leitura nos fala de vitória, a vitória de um «fraco», que Deus apoia, o evangelho também nos fala de vitória, a vitória de Jesus sobre a paralisia do homem e sobre a interpretação opressiva da Lei por parte do fariseus. Certamente todos podemos ler nestas páginas da Escritura algumas experiências de luta nossas. Provavelmente já todos nos encontramos perante situações que parecem exigir forças e meios superiores àqueles de que dispomos, ou julgamos dispor. Talvez, alguma vez, nos tenhamos sentido bloqueados, incapazes de actuar, condenados à impotência, reduzidos a objectos da compaixão dos outros. A Palavra de Deus convida-nos à ousadia, a actuar: «em nome do Senhor» (1 Sam 17, 45), isto é, pondo n´Ele a nossa confiança. Não podemos ficar sempre à espera de nos sentir idóneos para enfrentarmos os desafios que nos são postos. Há que avançar com os meios de que dispomos, conscientes dos nossos limites, das nossas paralisias, confiando no Senhor. E a vitória irá acontecer, para que se «saiba que há um Deus em Israel» (1 Sam 17, 46). Num mundo que nos enche de angústias e nos torna muitas vezes pessimistas, porque nos parece que "tudo... jaz sob o poder do maligno" (1 Jo 5, 19), Cristo, "Homem novo" (Ef 4, 24) dá-nos coragem, ilumina-nos, pacifica-nos e dá-nos alegria (Cf. Jo 20, 20-21), porque n´Ele, "apesar do pecado, dos fracassos e da injustiça, a redenção é possível, oferecida e já está presente (Cst. 12). Insistimos sobretudo na convicção de que «está presente». "Corramos com perseverança a carreira que nos é proposta, com os olhos fixos em Jesus, autor e consumador da fé" (Heb 12, 1-2), que deu a Sua vida por nós e, agora, glorioso, intercede por nós junto do Pai (Cf. Heb 7, 25). E Jesus não faltará às Suas promessas: "Não vos deixarei órfãos..." (Jo 14, 18).
Oratio
Senhor, dá-me a graça de viver a paradoxal condição da esperança cristã que me leva a fazer tudo o que posso, aceitando a pobreza dos meios de que disponho e pondo toda a minha confiança em Ti, que gostas de fazer maravilhas com instrumentos fracos. Liberta-me do medo que me bloqueia e do sentimento de inferioridade que me paralisa. Faz-me acreditar que, em mim, serás sempre vitorioso. Amen.
Contemplatio
«Satanás, escreve S. Margarida Maria, está enraivecido por ver que, pelo meio salutar da amável devoção ao Sagrado Coração, verá escaparem-se dele muitas almas que julgava já possuir. Assim ameaçou que faria surgir obstáculos a tudo o que se fizesse para estabelecer essa devoção. «É preciso que estejamos resolvidos a suportar generosamente todas as dificuldades e borrascas de Satanás, e não nos devemos espantar por todas as contradições que havemos de encontrar trabalhando pelo estabelecimento do reino deste amável Coração». «As cruzes e as oposições são uma das marcas mais seguras de que a coisa vem de Deus e que ele deve ser muito glorificado pelo reino do Sagrado coração do seu divino Filho» (Carta à Madre de Saumaise). «Para mim, diz ainda, quanto mais vejo dificuldades, quanto mais mágoas, calúnias e dores encontro mais me sinto fortalecida e encorajada a prosseguir, e mais esperança tenho no pensamento de que Deus será glorificado e que tudo resultará para a glória deste amável Coração, para a salvação de muitas almas, porque estas obras só se realizam por meio das contradições» (Carta 47 à Irmã Joly). Aqui está o nosso programa de acção: Coragem e perseverança, apesar de todas as contradições. Trabalhemos no reino do Sagrado Coração nas almas e nas sociedades. Satanás há-de opor mil embustes a todos os nossos passos. Nada detesta tanto como este reino do Sagrado Coração que prepara a sua derrota definitiva (Leão Dehon, OSP 3, p. 50s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Vou a ti em nome do Senhor!» (1 Sam 17, 45).
| Fernando Fonseca, scj |
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II Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
II Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
20 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Quinta-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 18, 6-9; 19, 1-7
Naqueles dias, 6ao regressar o exército, depois de David ter morto o filisteu, de todas as cidades de Israel as mulheres saíram ao encontro de Saul, cantando e dançando alegremente, ao som de tambores e címbalos. 7E, à medida que dançavam, cantavam em coro: «Saul matou mil, mas David matou dez mil.» 8Saul irritou-se em extremo e ficou sumamente desgostoso por isso. E disse: «Dão dez mil a David e a mim apenas mil! Só lhe falta a coroa!» 9A partir daquele dia, não voltou a olhar para David com bons olhos. 1Saul falou ao seu filho Jónatas e a todos os seus servos da sua intenção de matar David. Mas Jónatas, filho de Saul, amava cordialmente David 2e preveniu-o, dizendo: «Saul, meu pai, quer matar-te. Procura fugir amanhã de manhã; foge para um lugar oculto e esconde-te. 3Sairei em companhia de meu pai, até ao lugar onde tu te encontrares; falarei com ele a teu respeito, para ver o que ele pensa, e depois avisar-te-ei.» 4Jónatas falou bem de David a seu pai e acrescentou: «Não faças mal algum ao teu servo David, pois ele nunca te fez mal; pelo contrário, prestou-te grandes serviços. 5Arriscou a vida, matando o filisteu, e o Senhor deu, assim, uma grande vitória a Israel. Foste testemunha e alegraste-te. Porque queres pecar contra o sangue inocente, matando David sem motivo?» 6Saul ouviu as palavras de Jónatas e fez este juramento: «Pela vida do Senhor, David não morrerá!» 7Então, Jónatas chamou David, contou-lhe tudo isto e apresentou-o novamente a Saul. David voltou a estar ao seu serviço como antes.
A acção salvífica de Deus realiza-se na história, tantas vezes marcada pelos limites, fragilidades e pecados dos homens. A inveja de Saul não leva a melhor sobre a graça divina que já actua claramente em David, que se vai afirmando cada vez mais como o eleito do Senhor. Porque é que, estando Saul em franca decadência, não se pensa em Jónatas para lhe suceder, mas em David? Não é fácil responder. Mas parece certo que o autor sagrado quis realçar a figura de David e tudo concebeu e escreveu em função desse objectivo. Neste contexto, adquire maior relevância e simpatia a amizade aberta, generosa e desinteressada que o filho de Saul mostra para com David. Se a inveja de Saul agride David, a amizade de Jónatas salva-o. Há grandes males e grandes bens que passam pelas nossas paixões. E Deus pode actuar por meio delas. Da nossa parte, se não devemos deixar-nos dominar por elas, também havemos de pô-las ao serviço do Senhor.
Evangelho: Mc 3, 7-12
Naquele tempo, 7Jesus retirou-se para o mar com os discípulos. Seguiu-o uma imensa multidão vinda da Galileia. E da Judeia, 8de Jerusalém, da Idumeia, de além-Jordão e das cercanias de Tiro e de Sídon, uma grande multidão veio ter com Ele, ao ouvir dizer o que Ele fazia. 9E disse aos discípulos que lhe aprontassem um barco, a fim de não ser molestado pela multidão, 10pois tinha curado muita gente e, por isso, os que sofriam de enfermidades caíam sobre Ele para lhe tocarem. 11Os espíritos malignos, ao vê-lo, prostravam-se diante dele e gritavam: «Tu és o Filho de Deus!» 12Ele, porém, proibia-lhes severamente que o dessem a conhecer.
Nos textos escutados nos últimos dias, Jesus mostra que é inútil querer aproveitar as instituições judaicas para nelas infundir a novidade evangélica do reino de Deus. Então retira-se para o mar de Genesaré. A sua acção, que até aí se desenvolvera na sinagoga, ou perto dela, abria-se agora a horizontes mais vastos. Começa uma nova secção do evangelho de Marcos. A actividade de Jesus alarga-se e causa admiração nas multidões. Mas é ainda um entusiasmo superficial, que não leva à decisão da fé (6, 6). Entretanto, Jesus vai preparando uma nova família formada por pessoas que mostram verdadeira disponibilidade para com Ele e cria para elas a escola do discipulado. A palavra e a acção de Jesus, na Galileia, colocam-no no centro das atenções. Mas, não buscando interesses pessoais, mas os de Deus, Jesus proíbe aos demónios falarem dele. Ele não é um curandeiro, mas o enviado do Pai que narra o que Deus quer dar a conhecer de Si mesmo, e o que pede aos mesmos homens, que estão mais interessados em procurar a si mesmos do que a Deus, inclusivamente nos seus actos religiosos.
Meditatio
Quantas vezes nos sentimos mal interpretados nas nossas palavras e nos nossos actos. Quantas vezes nos damos conta de que não somos reconhecidos nem acolhidos na nossa verdade. E tudo isso nos causa sofrimento. Pior ainda quando nos sentimos alvo da inveja e do ciúme dos outros por sermos quem somos. David alcança uma grande vitória. As mulheres, nos seus cantares, comparam-no com Saul: «Saul matou mil, mas David matou dez mil» (1 Sam 18, 7). O rei fica irritado e decide matar David. Às vezes, os nossos elogios aos outros podem prejudicá-los, porque provocam a inveja de terceiros. Parece que Jesus quer evitar a inveja dos sacerdotes, dos escribas e dos fariseus. Por isso é que impõe silêncio aos espíritos malignos, que proclamavam a sua identidade: «Tu és o Filho de Deus!» (Mc 3, 12). O comportamento de Jónatas é um bom exemplo de reconciliação. David, seu amigo, tornara-se involuntariamente seu rival. Mas Jónatas não leva a mal. Atreve-se mesmo a defender David diante de Saul: «Não faças mal algum ao teu servo David, pois ele nunca te fez mal; pelo contrário, prestou-te grandes serviços. Arriscou a vida...» (1 Sam 18, 4). Jónatas é quase uma figura de Cristo. Como Ele, dá-nos exemplo daquela humildade de coração e daquela caridade que constroiem a união e a paz. Jesus, em vez de acusar os culpados, lava-lhes os pés, purificando-os das culpas e reconstruindo a unidade. A atitude de Jónatas é de enorme generosidade e amor à verdade, tal como será a de Jesus. Assim deve ser também a nossa atitude de discípulos, colocando-nos do lado da verdade, que nos torna humildes, caridosos, objectivos e sem hostilidade contra ninguém. Devemos aprender com Jónatas. Precisamos, sobretudo, de ir à escola de Jesus e aprender d´Ele a mansidão e a humildade do coração (Cf. Mt 11, 29). A humildade é o caminho da caridade e, portanto, do serviço por amor, especialmente pelos "pequenos", "por aqueles que sofrem" (Cst. 18). Para ser humildes, não é suficiente "sentir-se humildes", é preciso "tornar-se humildes", como Jesus no lava-pés: "Dei-vos o exemplo... Eu, o Mestre e Senhor... Sabendo estas coisas, sereis felizes se as puserdes em prática" (Jo 13, 14-15.17). "Deveis lavar os pés uns aos outros" (Jo 13, 14). É o serviço aos irmãos, de que Cristo nos deu o exemplo mais heróico, até ao dom da vida (Cf. Jo 15, 13), até Se tornar alimento e bebida para nós (Cf. n. 17). "Neste amor de Cristo encontramos a certeza de alcançar a fraternidade humana e a força de lutar por ela" (Cst. 18).
Oratio
Senhor Jesus, quando me sentir incompreendido, não reconhecido e não acolhido na minha verdade, quando me sentir alvo da inveja e do ciúme de alguém, dá-me um espírito de serenidade, de calma, de paz semelhante àquele que Te animou durante a tua gloriosa Paixão. Que jamais me deprima, desanime, ou perca tempo em justificar-me, mas, animado pelo Espírito Santo, continue a viver e a actuar em sintonia com a tua vontade e a missão que me confias na Igreja e no mundo. Não faltarão ocasiões para a verdade venha ao de cima serenamente e, à volta dela, será construída aquela unidade pela qual rezaste. Amen.
Contemplatio
Há que ler o livro do amor. Um dia, quando S. Margarida Maria fazia leitura espiritual, Nosso Senhor disse-lhe: «Quero fazer-te ler no livro da vida onde está contida toda a ciência do amor». E descobrindo-lhe o seu Coração, fez-lhe ler estas palavras: «O meu Coração reina no sofrimento, triunfa na humildade e alegra-se na unidade». Quando sofremos pacientemente por amor do Sagrado Coração, ele reina verdadeiramente em nós. Quando somos humildes ele triunfa; quando estamos unidos a ele, ele encontra nisso o seu prazer. Noutro dia, em que ela tinha longamente adorado o Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor disse à santa: «Tudo o que puderes fazer e sofrer com a minha graça, deves meter no meu Coração para ser convertido num bálsamo precioso que será o óleo desta lâmpada, a fim de que tudo seja consumido pelo fogo do meu divino amor». Um dia, em que ela desejava ardentemente receber Nosso Senhor, disse-lhe: «Meu Senhor, ensinai-me o que quereis que eu vos diga. - Nada, respondeu Ele, senão estas palavras: Meu Deus, meu único e meu tudo, vós sois tudo para mim e eu sou toda para vós. Estas palavras suprirão todos os actos que quiseres fazer e servir-te-ão de preparação nas tuas acções». É sempre a lição de amor que se lê no Sagrado Coração (Leão Dehon, OSP 4, p. 349s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «O meu Coração reina no sofrimento, triunfa na humildade e alegra-se na unidade». (Jesus a Santa Margarida Maria).
| Fernando Fonseca, scj |
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II Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
II Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
21 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares II Semana - Sexta-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Samuel 24, 3-21
Naqueles dias, 3Saul tomou consigo três mil homens escolhidos em todo o Israel, foi em busca de David e dos seus homens pelos rochedos de Jelim, só acessíveis às cabras monteses. 4Chegando perto dos apriscos de ovelhas que encontrou ao longo do caminho, Saul entrou numa gruta para satisfazer as suas necessidades. No fundo desta gruta, encontrava-se David com os seus homens, 5os quais lhe disseram: «Eis o dia do qual o Senhor te disse: 'Eu entregarei o teu inimigo nas tuas mãos, para que faças dele o que quiseres.'» David levantou-se e cortou sigilosamente a ponta do manto de Saul. 6E logo o seu coração se encheu de remorsos por ter cortado a ponta do manto de Saul. 7E disse aos seus homens: «Deus me guarde de fazer tal coisa ao meu senhor, o ungido do Senhor, estender a minha mão contra ele, pois ele é o ungido do Senhor!» 8David conteve os seus homens com estas palavras e impediu que agredissem Saul. O rei levantou-se, afastou-se da gruta e prosseguiu o seu caminho. 9Depois, levantou-se David e saiu da caverna atrás de Saul, clamando: «Ó rei, meu senhor!» Saul voltou-se, e David, inclinando-se, fez-lhe uma profunda reverência. 10E disse David a Saul: «Porque dás ouvidos ao que te dizem: 'David procura fazer-te mal'? 11Viste hoje com os teus olhos que o Senhor te entregou nas minhas mãos, na gruta. O pensamento de te matar assaltou-me, incitou-me contra ti, mas eu disse: 'Não levantarei a mão contra o meu senhor, porque é o ungido do Senhor.' 12Olha, meu pai, e vê se é a ponta do teu manto que tenho na minha mão. Se eu cortei a ponta do teu manto e não te matei, reconhece que não há maldade nem revolta contra ti. Não pequei contra ti e tu, ao contrário, procuras matar-me. 13Que o Senhor julgue entre mim e ti! Que o Senhor me vingue de ti, mas eu não levantarei a minha mão contra ti. 14O mal vem dos perversos, como diz um provérbio antigo; por isso, não te tocará a minha mão. 15Mas a quem persegues, ó rei de Israel? A quem persegues? Um cão morto? Uma pulga? 16Pois bem! O Senhor julgará e sentenciará entre mim e ti. Que Ele julgue e defenda a minha causa, e me livre das tuas mãos.» 17Logo que David acabou de falar, Saul disse-lhe: «É esta a tua voz, ó meu filho David?» E Saul elevou a voz, soluçando. 18E disse a David: «Tu portas-te bem comigo, e eu comporto-me mal contigo. 19Provaste hoje a tua bondade para comigo, pois o Senhor havia-me entregado nas tuas mãos e não me mataste. 20Qual é o homem que, encontrando o seu inimigo, o deixa ir embora tranquilamente? Que o Senhor te recompense pelo que fizeste comigo! 21Agora eu sei que serás rei e que nas tuas mãos estará firme o reino de Israel.
À medida que avançamos na leitura do primeiro livro de Samuel, verificamos que a figura de David é cada vez mais engrandecida, muitas vezes à custa da de Saul. É certo que também Saul pronuncia belas palavras sobre David: «É esta a tua voz, ó meu filho David?» E Saul elevou a voz, soluçando. 18E disse a David: «Tu portas-te bem comigo, e eu comporto-me mal contigo. 19Provaste hoje a tua bondade para comigo, pois o Senhor havia-me entregado nas tuas mãos e não me mataste». Mas faltou-lhe dar o último passo: libertar-se do ódio, da inveja e da sede de vingança, oferecendo a David o abraço da reconciliação. O que faltou a Saul, superabundou em David: venceu Golias, triunfou nos campos de batalha, e triunfou sobre si mesmo ao controlar a paixão do ódio e da vingança até limites que suscitam comoção e emocionam. A nobreza e a magnanimidade de David são realmente notáveis. O contraste com Saul fica ainda mais evidente, mostrando a justeza do seu afastamento e da eleição do humilde filho de Jessé.
Evangelho: Mc 3, 13-19
Naquele tempo, 13Jesus subiu a um monte, chamou os que Ele queria e foram ter com Ele. 14Estabeleceu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar, 15com o poder de expulsar demónios. 16Estabeleceu estes doze: Simão, ao qual pôs o nome de Pedro; 17Tiago, filho de Zebedeu, e João, irmão de Tiago, aos quais deu o nome de Boanerges, isto é, filhos do trovão; 18André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o Cananeu, 19e Judas Iscariotes, que o entregou.
Jesus forma a sua nova família, um grupo de pessoas dispostas a acolhê-lo, embora também elas devam ainda converter-se. Embora falemos de família, para acentuar a relação pessoal e afectiva que deve existir entre Jesus e os seus discípulos, o grupo apresenta uma valência estrutural mais ampla: são o novo Israel, os fundamentos da futura Igreja. Tudo acontece sobre um «monte». Os montes são lugares propícios para as revelações de Deus (cf. 6, 43; 9, 2). As grandes decisões de Deus sobre o seu povo foram tomadas sobre os montes (cf. Ex 1, 20; 24, 12; Num 27, 12; Dt 1, 6-8, etc). Aqui é Cristo que chama, escolhe e constitui a comunidade. Marcos não diria isto, se não acreditasse que Jesus era Deus. O grupo é convocado para «ir ter com Ele» (v. 13 e, em primeiro lugar, para «estar com Ele» (v. 14). O novo povo de Deus constitui-se à volta de Jesus, que se apresenta como referência absoluta, assumindo uma função que pertencia à Lei. Isto causava escândalo aos Judeus. Os discípulos recebem os próprios poderes de Jesus, actuando com a força do Evangelho. A vocação implica a missão, está em função dela.
Meditatio
David, perseguido por Saul, tem oportunidade de se vingar dele, matando-o. Mas respeita a sua dignidade e oferece-lhe mais uma oportunidade de reconciliação: «Deus me guarde de fazer tal coisa ao meu senhor, o ungido do Senhor, estender a minha mão contra ele, pois ele é o ungido do Senhor!... Se eu cortei a ponta do teu manto e não te matei, reconhece que não há maldade nem revolta contra ti. Não pequei contra ti e tu, ao contrário, procuras matar-me. 13Que o Senhor julgue entre mim e ti!». O reconhecimento da dignidade do outro, dignidade querida por Deus, é a base da reconciliação, em qualquer conflito. David dá-nos também um belo exemplo de fidelidade, cheio de actualidade, num mundo onde a falta dela já quase não causa espanto. Mas Deus é fiel, e o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, não pode deixar de ser fiel. Os apóstolos, chamados a partilhar a vida e a missão de Jesus, aprenderão que a lealdade e a fidelidade comportam o dom de si mesmo. A lealdade e a fidelidade que, antes de serem virtudes cristãs, são virtudes humanas que libertam o homem dos caprichos dos seus instintos e das emoções passageiras. A fé leva-me a ser leal e fiel porque me revela a lealdade e a fidelidade de Deus. Todo o cristão, e particularmente o religioso, deve "respeito" e "lealdade" para com os seus semelhantes e especialmente para com os seus superiores, ainda que nem sempre sejam modelos de virtude. A violência, mesmo contra os inimigos, n&ati lde;o é uma atitude digna dos discípulos d´Aquele que disse: "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração" (Mt 11, 29). Muito menos digna será quando visar satisfazer a ânsia de domínio, privando os outros da sua liberdade, ou instrumentalizando-os para afirmação de si mesmo. É fechar-se no próprio egoísmo, sem reconhecer a dignidade humana dos outros, e despedaçando a verdadeira relação pessoal. O Oblato-Sacerdote do Coração de Jesus, e quantos quiseram partilhar a sua espiritualidade, deve ter a serena consciência de que todos somos fracos e imperfeitos, incluindo as autoridades civis e religiosas, que todavia respeita e trata com lealdade.
Oratio
Senhor, meu Deus, que, em Jesus Cristo, reconciliaste o mundo Contigo, dá-me um coração leal e fiel, um coração disponível e generoso que faça de mim um profeta e servidor da reconciliação. Obrigado pelo exemplo de David, que leal e fiel a Saul, que o persegue, lhe oferece um gesto de reconciliação. Obrigado pelo exemplo de Paulo, que, perseguido pelos seus próprios irmãos de raça, testemunha a generosidade de Deus que, também a eles, oferece a reconciliação em Cristo. Obrigado, sobretudo, pelo exemplo de Jesus que, ao morrer pela salvação do mundo, oferece o perdão àqueles que o matam. Faz-me caminhar na mansidão e na humildade, conforme o desejo do Coração de Jesus, teu Filho, para que me torne arauto e obreiro da unidade pela qual rezou e ofereceu a Si mesmo na cruz. Amen.
Contemplatio
Sebastião, zeloso no cumprimento de todos os seus deveres, tinha sido desde cedo educado para os cargos militares. Era um oficial amável, hábil, pontual. É pela sua bondade e pela sua justiça que ganha influência junto dos seus homens e até no serviço das prisões, o que lhe permite tornar-se útil a muitos dos cristãos e mesmo ganhar pagãos para a fé. Pelas suas qualidades de cidadão e de oficial ganhou as boas graças do imperador Diocleciano, que o fez capitão da primeira companhia dos guardas. Quando a sua religião foi descoberta, Diocleciano mandou-o chamar e repreendeu-o pela sua ingratidão. Mas Sebastião pode responder que observou fielmente todos os deveres da sua carreira. Acrescenta que se não ofereceu pelo imperador sacrifícios a Júpiter, a Marte, a Esculápio, rezou, no entanto, por ele e pelo império, dirigindo-se ao Deus do céu, o único verdadeiro e poderoso e a Jesus Cristo seu único Filho. Belo modelo de fidelidade a todos os deveres civis e militares! A fé não destrói as qualidades naturais, mas eleva-as e fortalece-as. A religião não impede de servir o soberano e a pátria, pelo contrário, torna este serviço mais fiel e mais dedicado. Como S. Sebastião, cumpramos todos os nossos deveres naturais e cívicos, ao mesmo tempo que servimos a Cristo com amor (Leão Dehon, OSP 3, p. 74s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Ensina-me, Senhor, a mansidão e a humildade» (cfr. Mt 11, 29).
| Fernando Fonseca, scj |
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III Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares
III Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares
24 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares III Semana - Segunda-feira
Lectio
Primeira leitura: 2 Samuel 5, 1-7.10
1Todas as tribos de Israel foram ter com David a Hebron e disseram-lhe: «Aqui nos tens: não somos nós da tua carne e do teu sangue? 2Tempos atrás, quando Saul era nosso rei, eras tu quem dirigia as campanhas de Israel e o Senhor disse-te: 'Tu apascentarás o meu povo de Israel e serás o seu chefe.'» 3Vieram, pois, todos os anciãos de Israel ter com o rei a Hebron. David fez com eles uma aliança diante do Senhor, e eles sagraram-no rei de Israel. 4David tinha trinta anos quando começou a reinar e reinou quarenta anos: 5sete anos e seis meses sobre Judá, em Hebron, e trinta e três anos em Jerusalém, sobre todo o Israel e Judá. David em Jerusalém (1 Cr 11,4-9; 14,1-7) - 6O rei marchou com os seus homens para Jerusalém, contra os jebuseus, que habitavam aquela terra. Estes disseram a David: «Não entrarás aqui; serás repelido até por cegos e coxos.» Isto queria dizer: «Nunca entrarás aqui.» 7Contudo, David apoderou-se da fortaleza de Sião, que é a Cidade de David. 10Deste modo, David ia-se fortificando e o Senhor, Deus do universo, estava com ele.
A unção de David por Samuel espelha o sentido profundamente religioso e carismático que sempre teve a autoridade em Israel. Mas essa unção não parece ter sido obra de Samuel, mas dos homens de Judá, primeiro (2 Sam 2, 4) e, depois, dos anciãos de Israel (5, 3). David entrou no exército de Saul como chefe de mercenários (1 Sam 18, 5); depois passou ao serviço dos filisteus, que o fizeram príncipe de Ciclag (1 Sam 27, 6); finalmente fui ungido rei pelas tribos do sul em Hebron, onde reinou sete anos e meio (2 Sam 5, 5). Num segundo momento foi reconhecido como rei das tribos do norte e, uma vez conquistada Jerusalém, estabeleceu nela a capital. A conquista de Jerusalém impunha-se por razões políticas: situada entre os territórios de Israel e de Judá, não pertencia a nenhum deles, mas aos Jebuseus e, por isso, podia ser aceite por ambas as partes do novo reino. A cidade foi tomada pela milícia pessoal de David, sublinhando que não ficava integrada nem em Israel nem em Judá, mas permanecia como cidade neutral, centro autónomo do poder do rei. O v. 10 repete o refrão teológico, e poderia representar a conclusão original da história de David, do seu sinuoso caminho desde as pastagens de Belém até ao domínio de Sião. Com a conquista de Jerusalém, as tribos unificadas sentem-se seguras e podem dedicar-se a outras actividades, inclusivamente culturais. Na escola de escribas, surge o movimento Javista que compõe a primeira síntese histórico-salvífica, a fim de assinalar a missão e o destino de Israel como paradigma e fonte de salvação para todos os povos da terra.
Evangelho: Mc 3, 22-30
22E os doutores da Lei, que tinham descido de Jerusalém, afirmavam: «Ele tem Belzebu!» E ainda: «É pelo chefe dos demónios que expulsa os demónios.» 23Então, Jesus chamou-os e disse-lhes em parábolas: «Como pode Satanás expulsar Satanás? 24Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode perdurar; 25e se uma família se dividir contra si mesma, essa família não pode subsistir. 26Se, portanto, Satanás se levanta contra si próprio, está dividido e não poderá subsistir; é o seu fim. 27Ninguém consegue entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens sem primeiro o amarrar; só depois poderá saquear-lhe a casa. 28Em verdade vos digo: todos os pecados e todas as blasfémias que proferirem os filhos dos homens, tudo lhes será perdoado; 29mas, quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão: é réu de pecado eterno.» 30Disse-lhes isto porque eles afirmavam: «Tem um espírito maligno.»
O «tribunal» vindo de Jerusalém, não podendo negar a evidência prodígios que Jesus operava, insinua que é por Belzebu que expulsa os demónios. Jesus enfrenta decidida e corajosamente os seus caluniadores, ainda que «em parábolas», para os refutar. Evidencia as suas contradições: se fosse Satanás a expulsar Satanás, não era preciso estar preocupados com ele, porque o seu poder tinha chegado ao fim. As palavras de Jesus, cheias da ironia que Marcos várias vezes anota, são uma profecia: efectivamente o reino de Satanás estava prestes a findar, porque se aproximava o reino dos céus, ou melhor, já estava presente. Libertar os pecadores do poder de Satanás e da escravidão do pecado era um sinal claro de que Jesus actuava em nome de Deus. Dizer que actuava pelo poder do «espírito maligno» era blasfemar contra o Espírito Santo.
Meditatio
David fez tudo pela unidade de Israel. Foi generoso e leal com Saul, que o perseguia, vestiu-se de luto quando soube da sua morte e matou os assassinos dos parentes do rei. Estas atitudes levaram as tribos de Israel a reconhecê-lo como rei. Se assim não fosse, David não seria mais do que senhor de Judá. Agindo como agiu, assumiu o poder sobre as tribos do Norte e do Sul e, ao conquistar Jerusalém, ergueu o reino de Israel, que havia de governar durante 40 anos, e que é figura do reino messiânico. No evangelho, Jesus fala do reino dividido de Satanás para mostrar o poder do Espírito. A figura do reino dividido e rebelde, do homem forte amarrado e espoliado, contrasta com o Reino eterno do perdão, contra o qual ninguém consegue opor-se com êxito, e onde todos serão acolhidos e salvos. Só o mau uso da nossa liberdade poderá excluir-nos do Reino, se nos levar a blasfemar contra o Espírito Santo, confundindo o Filho do Homem com Satanás. Meditando nos esforços de David para realizar a unidade do reino de Israel, e no Espírito Santo como força de união, rezemos pela unidade da Igreja. Apesar da vontade de Jesus, e da sua oração para «que todos sejam um» (Jo 17, 21), a Igreja continua dividida, dificultando que «o mundo creia» (Jo 17, 23) A união e a caridade entre os cristãos podem ser vividas a vários níveis. O mais perfeito é expresso por Jesus em forma de oração, quando pede que os seus discípulos se amem uns aos outros como as Três Pessoas da Santíssima Trindade se amam: "Não rogo só por estes, mas também por aqueles que, graças à sua palavra, hão-de acreditar em Mim, para que todos sejam um. Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, sejam também eles uma só coisa, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (Jo 17, 20-21). A união e a caridade são, por si mesmas, um poderoso apostolado. A falta delas dificulta a eficácia apostólica. O "Sint unum" (Jo 17, 21) é um mote caro ao Pe. Dehon, e proposto a quantos partilham o seu carisma e a sua missão. «Unidos... à intercessão de Cristo, somos chamados a colocar toda a nossa vida ao serviço da Aliança de Deus com o seu Povo e a promover a unidade dos cristãos e de todos os ho mens. "Porque há um único pão, nós todos formamos um só corpo, pois todos participamos desse único pão" (1 Cor 10,17)» (Cst 84). Queremos, deste modo, responder ao convite de encontro e de comunhão que Cristo nos faz por meio do sinal privilegiado da sua presença, que é a Eucaristia, que celebramos, comungamos e adoramos (cf. Cst 84)
Oratio
Senhor Jesus, Tu disseste: «Todo o reino, dividido contra si mesmo, fica devastado; e toda a cidade ou casa, dividida contra si mesma, não poderá subsistir» (Mt 12, 25). Hoje quero pedir-te pela unidade da tua Igreja. Que sejamos todos «um só», como Tu e o Pai são «um só», «para que o mundo creia». Que a unidade da Igreja esteja sempre, pelo menos, nos nossos desejos, para que não comprometamos a união e a comunhão entre nós, os que acreditamos em Ti. Amen.
Contemplatio
«Meu Pai, dizia Nosso Senhor na sua oração, aqueles que me destes, quero que onde eu estiver eles também estejam comigo, para que vejam a glória que me destes. Reconheceram que me enviastes. Dei-lhes a conhecer o vosso nome, as vossas divinas perfeições, a vossa santidade, a vossa misericórdia/485, o vosso amor inefável, e pelo dom do Espírito Santo dá-los-ei a conhecer ainda mais, para que vos conheçam melhor, vos amem mais e se tornem sempre mais dignos do vosso amor e assim o amor com o qual me amastes esteja neles e ameis neles as imagens do vosso Filho bem-amado, os membros do corpo místico do qual sou o chefe...» Nesta oração ao seu Pai, Nosso Senhor indicava toda a união que devemos ter com a santa Trindade e particularmente com ele. Do seu lado, ele está unido a nós: deu-nos a conhecer o seu Pai, o Deus do amor, manifestavi nomem tuum hominibus, quos dedisti mihi de mundo. Comunicou-nos a palavra de seu Pai, a revelação divina, os segredos do seu conselho divino, Verba quae dedisti mihi, dedi eis. Nós também estamos unidos a ele. Como seus discípulos, recebemos a sua palavra e conservámo-la nos nossos corações com fidelidade, sermonem tuum acceperunt et servaverunt. Reconhecemos que a sua palavra era a palavra de Deus mesmo. Acreditámos na sua natureza divina e na sua missão, cognoverunt quia a te exivi et crediderunt quia tu me misisti (Jo 17). Esta união consumar-se-á no céu (Leão Dehon, OSP 3, p.484s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Que todos sejam um» (Jo 17, 21).
| Fernando Fonseca, scj |
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III Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares
III Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares
25 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares III Semana - Terça-feira
Lectio
Primeira leitura: 2 Samuel 6, 12b-15.17-19
12Disseram ao rei que o Senhor abençoara a casa de Obededom e todos os seus bens por causa da Arca de Deus. Foi, pois, David e transportou-a da casa de Obededom para a Cidade de David, com grande regozijo. 13E a cada seis passos que davam os que transportavam a Arca do Senhor, sacrificavam um boi e um carneiro. 14David, cingindo a insígnia votiva de linho, dançava com todas as suas forças diante do Senhor. 15O rei e todos os israelitas conduziram a Arca do Senhor, soltando gritos de alegria e tocando trombetas. 17Introduziram a Arca do Senhor e colocaram-na no seu lugar, no centro do tabernáculo que David construíra para ela; e David ofereceu holocaustos e sacrifícios de comunhão diante do Senhor. 18Quando David acabou de oferecer holocaustos e sacrifícios de comunhão, abençoou o povo em nome do Senhor do universo 19e distribuiu alimentos a toda a multidão dos israelitas, homens e mulheres, dando a cada pessoa, um bolo, um pedaço de carne assada e uma filhó. Depois, toda a multidão se retirou, indo cada um para a sua casa.
Os centros de culto tradicionais eram Siquém, Betel, Guilgal, Mambré, Bersabé, entre outros. Jerusalém fora pagã até ontem. Daí o interesse de David em rodeá-la com uma aura religiosa. Nada melhor que torná-la sede da Arca da Aliança. A Arca da Aliança continha as tábuas da Lei dadas por Deus a Moisés, no Sinai. Era símbolo da presença de Javé no meio do seu povo. Por isso, o tinha acompanhado nas peregrinações pelo deserto, até à conquista da Terra, e durante a guerra com os filisteus. O transporte da Arca para Jerusalém é ocasião de festa para o povo e para o rei: David manifesta abertamente a sua alegria dançando, cingido com o efod, a veste sagrada dos sacerdotes. Como ainda não há o templo, a Arca é colocada numa tenda, sinal da mobilidade do povo e do próprio Deus, que recorda aos Israelitas que não podem apoderar-se da presença de Deus, fazendo-o como que prisioneiro. Os holocaustos, os sacrifícios de comunhão e a refeição sagrada - o pão, a carne, as uvas - distribuídos por David a todos selam a cerimónia. A Arca instrumento de batalha durante a guerra contra os filisteus, torna-se sinal de paz e de prosperidade. A partir de David, Jerusalém torna-se uma referência fundamental para o judaísmo e, mais tarde também para o cristianismo e para o islamismo.
Evangelho: Mc 3, 31-35
31Nisto chegam sua mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandam chamar. 32A multidão estava sentada em volta dele, quando lhe disseram: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» 33Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» 34E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. 35Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»
Depois do julgamento do «tribunal» de Jerusalém, vem o julgamento dos «seus», conterrâneos e parentes, que dizem que Ele está louco. Alguns autores vêem neste texto ecos de uma desconfiança que existia em relação à comunidade judeo-cristã de Jerusalém, cujo bispo era Tiago, «irmão» do Senhor, pertencente ao grupo de Nazaré, cuja hostilidade para com o Senhor é sublinhada por Marcos (cf. 6, 3). Os parentes do Senhor lideravam a igreja de Jerusalém e também há quem veja no texto de Marcos resíduos de uma polémica contra o perigo do nepotismo na Igreja. Como quer que seja, não podemos ver neste texto qualquer atitude de menosprezo pela Mãe, nem pelos afectos humanos. Marcos não trata desses temas, mas aproveita o ensejo para criar uma situação paradoxal que dá maior realce aos vv. 34s., que são o cume do episódio. Todos quantos rodeiam Jesus, ainda que simples curiosos, discípulos hesitantes ou apóstolos tardos em compreender, ou mesmo traidores, são mãe e irmãos. Ser irmão de Jesus, não é questão de sangue, de mérito, mas de graça: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe», por que se torna «filho de Deus».
Meditatio
A Arca da Aliança, recebida em casa de Obedon, um estrangeiro, torna-se fonte de bênçãos para ele. Por isso, David decide levá-la para Jerusalém, recentemente conquistada aos jebuseus. Transporta-a com manifestações de grande alegria e oferecendo vários sacrifícios a Deus. Colocada na tenda, oferece holocaustos e sacrifícios de comunhão. E todo o povo participa na festa, comendo bolos, carne e filhós. Somos inclinados a ver o sacrifício como privação, como algo que nos faz sofrer. Na primeira leitura, o sacrifício aparece-nos como alegria, festa, exultação. David, enquanto transporta a Arca, e já em Jerusalém, oferece sacrifícios com grande alegria para ele e para todo o povo. O verdadeiro sacrifício não é privação, mas um acto positivo, uma oferta a Deus. E quando oferecemos algo a uma pessoa a quem queremos bem, a eventual privação é secundária para nós. O mais importante é a satisfação de oferecer. O sacrifício é uma oferta a Deus. Como pode ser algo de triste? Se pensarmos melhor, todo o sacrifício oferecido a Deus, é um dom do próprio Deus para nós. Ao fim e ao cabo, é Ele que nos torna capazes de oferecer sacrifícios. O autor da Carta aos Hebreus diz-nos que Jesus «por um Espírito eterno ofereceu a Si mesmo sem mancha, a Deus" (Heb 9, 14). Só o Espírito Santo é capaz de nos animar para o sacrifício e de tornar sagradas (sacrum facere) as nossas oferendas. Os sofrimentos são realidades negativas. Só quando Deus as transforma pela sua graça é que se tornam gestos de generosidade e de amor. Além disso, o sacrifício, oferta a Deus, não inclui necessariamente o sofrimento. Todas as nossas alegrias podem e devem tornar-se ofertas a Deus para serem alegrias santas e não apenas humanas. As nossas alegrias, as nossas satisfações, as coisas boas da vida, o bem que recebemos, podem e devem tornar-se oblação santa e agradável a Deus. O acolhimento da Arca em casa de Obedon, um estrangeiro, trouxe-lhe as bênçãos de Deus. O acolhimento do Evangelho cria uma familiaridade com Jesus superior à dos simples laços de sangue. A simplicidade com que David sabe reconhecer sem ciúmes os sinais da graça do Senhor na casa de Obedon, e a clareza com que Jesus define quem são os seus familiares, devem tornar-nos atentos ao essencial, e disponíveis a entregar-nos sem preconceitos ao louvor de Deus e ao acolhimento e cumprimento da sua vontade. David dança pelo caminho como um homem qualquer; quem quer que escute a Palavra de Jesus e a ponha em prática, torna-se «irmã, ir mão e mãe» d´Ele. As nossas Constituições indicam-nos "como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo" (n. 26). A matéria desta oblação somos nós mesmos. Por carisma, dom do Espírito Santo, oferecemo-nos a Deus em castidade, pobreza e obediência, vivendo em comunidade, ao serviço da missão da Igreja, solidários com os pequenos e pobres. A Eucaristia é modelo e forma da nossa oblação: "neste sacrifício da Nova Aliança, unimo-nos à oblação perfeita que Cristo oferece ao Pai, para fazê-la nossa, pelo sacrifício espiritual das nossas vidas» (Cst 81). Um sacrifício espiritual, isto é, animado pelo Espírito, só pode ser feito na alegria.
Oratio
Senhor, dá-me um coração capaz de acolher os sinais da tua presença, capaz de acolher e cumprir a tua vontade. Que a tua Palavra, acolhida na alegria, ocupe sempre um lugar de honra no meu coração. Então serei capaz de reconhecer como irmãs e irmãos todos quantos cumprem a vontade do Pai, sem me abandonar a preconceitos de qualquer espécie. Então serei capaz de me oferecer e oferecer com alegria tudo quanto vivo, realizo e sofro, fazendo da minha vida e da minha morte uma oblação santa e agradável a Deus. Amen.
Contemplatio
Deus enviou o seu filho à terra, para que seja o seu sacerdote, para que o glorifique no seu coração sacerdotal. Nosso Senhor foi sacerdote desde a sua incarnação. Recebeu com a união hipostática a unção sacerdotal. O seu coração foi desde então um coração de sacerdote. Ofereceu-se imediatamente em holocausto e pronunciou o seu Ecce venio. Mas foi no Templo que teve lugar o primeiro acto exterior da sua oblação. É feita pelos seus pais e pelo sacerdote, mas o seu Coração sacerdotal ratifica-a. Oferece-se ao seu Pai, dá-se. Aniquilou-se pela incarnação, humilhar-se-á por uma vida toda de obediência, de trabalho e de pobreza; consumará o seu sacrifício pela sua paixão e pela sua morte. O sacerdote apresenta-o a Deus e coloca-o sobre o altar. Jesus repete no seu coração o Ecce venio da sua incarnação: Eis-me aqui, diz de novo ao seu Pai, eis-me aqui para fazer a vossa vontade, eis-me aqui para suprir às hóstias e aos holocaustos que já não quereis. - Tem em vista todos os fins do sacrifício. A oblação do seu coração é um acto de religião infinito. É simultaneamente um acto de adoração, de acção de graças, de reparação e de oração. Mas a nossa fraca inteligência não se dá conta da perfeição desta oblação senão supondo actos distintos e sucessivos. Nós vemos primeiro no Coração sacerdotal de Jesus um acto de adoração e para exprimir esta adoração aniquilamentos infinitos. Nosso Senhor confessa a absoluta dependência na qual se encontra diante da infinita Majestade do seu Pai. Proclama que lhe deve tudo e, /124 para lhe fazer um sacrifício de tudo o que é, abaixa-se até ao nada, como diz S. Paulo, porque é exactamente nada esta natureza humana tomada na sua pobreza, na sua infinita pequenez, com a carga de todos os pecados dos homens e a espera da morte. Mas mais o Verbo de Deus se abaixa, mais nós devemos exaltá-lo com os nossos louvores (Leão Dehon, OSP 3, p. 123s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (Mc 3, 35).
| Fernando Fonseca, scj |
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III Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares
III Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares
26 de Janeiro, 2022III Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares
Lectio
Primeira leitura: 2 Samuel 7, 4-17
4Mas, naquela mesma noite, o Senhor falou a Natan, dizendo-lhe: 5«Vai dizer ao meu servo David: Diz o Senhor: "És tu que me vais construir uma casa para Eu habitar? 6Desde que tirei da terra do Egipto os filhos de Israel até ao dia de hoje, não habitei em casa alguma; mas peregrinava alojado numa tenda que me servia de morada. 7E, durante todo o tempo em que andei no meio dos israelitas, disse, porventura, a algum dos chefes de Israel que encarreguei de apascentar o meu povo: ‘Porque não me edificais uma casa de cedro?’ 8Dirás, pois, agora, ao meu servo David: Diz o Senhor do universo: Eu tirei-te das pastagens onde apascentavas as tuas ovelhas, para fazer de ti o chefe de Israel, meu povo. 9Estive contigo em toda a parte por onde andaste; exterminei diante de ti todos os teus inimigos e fiz o teu nome tão célebre como o nome dos grandes da terra. 10Fixarei um lugar para Israel, meu povo; nele o instalarei, e ali habitará, sem jamais ser inquietado; e os filhos da iniquidade não mais o oprimirão, como outrora, 11no tempo em que Eu estabelecia juízes sobre o meu povo, Israel. A ti concedo uma vida tranquila, livrando-te de todos os teus inimigos. Além disso, o Senhor faz hoje saber que será Ele próprio quem edificará uma casa para ti. 12Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino. 13Ele construirá um templo ao meu nome, e Eu firmarei para sempre o seu trono régio. 14Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. Se ele cometer alguma falta, hei-de corrigi-lo com varas e com açoites, como fazem os homens, 15mas não lhe tirarei a minha graça, como fiz a Saul, a quem afastei diante de ti. 16A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre".» 17Foi segundo estas palavras e esta visão que Natan falou a David.
A profecia de Natan vem desfazer as desconfianças e as reticências perante a monarquia. Até aí o povo de Israel estava organizado em tribos, que gozavam de certa autonomia. Com monarquia, o poder foi concentrado nas mãos do rei e em Jerusalém, capital do reino e cidade santa. Era uma inovação que nem todos aceitavam pacificamente. A profecia de Natan funciona como um referendo divino à instituição monárquica e, de modo muito especial, à dinastia de David: «A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre» (v. 16). David está consciente da solidez eterna da sua casa e do seu trono pois, ao morrer, pronuncia as seguintes palavras: «A minha casa está firme diante de Deus, porque Ele fez comigo uma aliança eterna» (2 Sam 23, 5). Este pacto de Deus com David manterá elevada a moral e a esperança do povo nos momentos difíceis.
O oráculo de Natan começa com uma pergunta retórica: «És tu que me vais construir uma casa para Eu habitar?» (v. 5). Esta pergunta faz um todo com a afirmação antitética do v. 11: «será Ele próprio (o Senhor), quem edificará uma casa para ti». Só depois da morte de David o Senhor suscitará o seu descendente (cf. v. 12). Como frequentemente acontece nos oráculos proféticos, são possíveis dois níveis de leitura: a referência imediata a Salomão que construirá o Templo em Jerusalém e a vinda do futuro Messias. O Messias construirá uma casa ao Nome de Deus, o seu reino será eterno, e aplica-se a ele a fórmula de adopção: «Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho» (v. 14).Evangelho: Mc 4, 1-20
1De novo começou a ensinar à beira-mar. Uma enorme multidão vem agrupar-se junto dele e, por isso, sobe para um barco e senta-se nele, no mar, ficando a multidão em terra, junto ao mar. 2Ensinava-lhes muitas coisas em parábolas e dizia nos seus ensinamentos: 3«Escutai: o semeador saiu a semear. 4Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho e vieram as aves e comeram-na. 5Outra caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra e logo brotou, por não ter profundidade de terra; 6mas, quando o sol se ergueu, foi queimada e, por não ter raiz, secou. 7Outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram, sufocaram-na, e não deu fruto. 8Outra caiu em terra boa e, crescendo e vicejando, deu fruto e produziu a trinta, a sessenta e a cem por um.» 9E dizia: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça.»
10Ao ficar só, os que o rodeavam, juntamente com os Doze, perguntaram-lhe o sentido da parábola. 11Respondeu: «A vós é dado conhecer o mistério do Reino de Deus; mas, aos que estão de fora, tudo se lhes propõe em parábolas, 12para que ao olhar, olhem e não vejam, ao ouvir, oiçam e não compreendam, não vão eles converter-se e ser perdoados.»
13E acrescentou: «Não compreendeis esta parábola? Como compreendereis então todas as outras parábolas? 14O semeador semeia a palavra. 15Os que estão ao longo do caminho são aqueles em quem a palavra é semeada; e, mal a ouvem, chega Satanás e tira a palavra semeada neles. 16Do mesmo modo, os que recebem a semente em terreno pedregoso, são aqueles que, ao ouvirem a palavra, logo a recebem com alegria, 17mas não têm raiz em si próprios, são inconstantes e, quando surge a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, logo desfalecem. 18Outros há que recebem a semente entre espinhos; esses ouvem a palavra, 19mas os cuidados do mundo, a sedução das riquezas e as restantes ambições entram neles e sufocam a palavra, que fica infrutífera. 20Aqueles que recebem a semente em boa terra são os que ouvem a palavra, a recebem, dão fruto e produzem a trinta, a sessenta e a cem por um.»O reino de Deus é proclamado pela palavra. Marcos, na secção que hoje abre, oferece-nos uma teologia da palavra do reino. Jesus começa a falar «em parábolas». Era o método usado pelos rabinos. As parábolas são «histórias» aparentemente simples, mas com um elemento-surpresa e uma conclusão inesperada que convidam a procurar um segundo significado, para além do imediato.
A parábola começa por estar orientada para o semeador, extremamente generoso na sementeira. Mas logo centra a nossa atenção na semente. Vem, depois, a tipologia dos terrenos que recebem a semente. Há um evidente exagero ao falar da «boa terra». A imagem da colheita sugere o fim dos tempos. A parábola, ao fim e ao cabo, diz-nos que o Messias está próximo e descreve a abundância de graça do Reino messiânico.
No diálogo com «os que o rodeavam», a semente é claramente identificada com a Palavra, e os terrenos correspondem às diferentes reacções suscitadas pela pregação dos apóstolos.Meditatio
Quantas vezes concebemos, como David, grandes projectos de acção em favor de Deus e do seu Reino. Mas Deus baralha-nos quando nos faz perceber que é Ele que tem grandes projectos em nosso favor, e que, antes de manifestarmos o nosso a
mor, é Ele que quer manifestar o seu amor por nós: «não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho» (1 Jo 4, 10). A David, Deus disse pelo profeta: «És tu que me vais construir uma casa para Eu habitar? … Eu próprio edificarei uma casa para ti» (cf 1 Sam 7, 5.11).
Se pusermos a nossa generosidade à frente da generosidade de Deus, se pusermos o nosso amor antes do amor de Deus, invertemos a ordem das coisas e manifestarmos a pretensão de sermos os primeiros a amar. O primado do amor pertence a Deus, como ficamos a perceber se escutarmos e acolhermos a sua palavra, que, em primeiro lugar, uma promessa. Deus quer cumular-nos de dons. Iniciou uma relação e um diálogo connosco para nos encher de dons.
A fecundidade da palavra que Deus manda transmitir a David é extraordinária: produz verdadeiramente trinta, sessenta, cem por um. E a palavra que Deus dirige a cada um de nós? Somos terra boa? Que fazemos com a nossa vocação cristã e com a nossa vocação específica? Terra boa foi Maria, foram os apóstolos, foram os mártires e os santos. Terra boa foi o Pe. Dehon. Mas o fruto da palavra não depende apenas com o nosso esforço, das nossas obras, talvez grandiosas aos olhos dos homens. Tudo o que fazemos está nas mãos de Deus. Só Ele pode tornar estável a nossa «casa» e fecundo o nosso «terreno», muito para além dos nossos desejos e projectos. De facto, os projectos de Deus são bem mais maravilhosos, amplos e profundos do que podemos esperar. Basta-nos abrir-lhe o coração.
A primeira bem-aventurança que ecoa no Evangelho é dirigida a Maria: “Feliz d´Aquela que acreditou no cumprimento das palavras do Senhor…” (Lc 1, 45). É a bem-aventurança da fé, que acolhe a Palavra de Deus e adere a ela com toda a vida. É a bem-aventurança que o próprio Jesus, um dia, proclamará: “Felizes… aqueles que escutam a Palavra de Deus e a põe em prática!” (Lc 11, 28). A Palavra de Deus é, em primeiro lugar, um dom do seu amor ao qual havemos de corresponder com uma vida de amor a Deus: “Sede daqueles que põem em prática a palavra e não apenas ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1, 22Oratio
Senhor, ensina-me a submeter os meus projectos aos teus. Ensina-me a deixar-me amar por Ti, antes de pretender amar-te. Ensina-me a acolher a tua palavra, antes de querer falar-Te. Ela é um dom do teu amor, que deve encher a minha vida. Que, nos momentos difíceis, seja para mim um rochedo de salvação. Ensina-me que ela é sempre eficaz, mas não do modo que eu pretendo.
Dá-me um coração disponível e acolhedor. Lança generosamente em mim a tua palavra e torna-a fecunda pelo teu Espírito. Amen.Contemplatio
O grande semeador é Deus, é Jesus. Deus semeou os seus benefícios desde a criação. Cristo semeia as suas graças e semeia-as quotidianamente desde a sua incarnação. E muitas destas graças e destes benefícios não encontraram nem gratidão nem fidelidade.
Mas reflectirei sobretudo nas graças que recebi pessoalmente: o baptismo, a primeira comunhão, a vocação, os retiros, as confissões, as comunhões, as leituras espirituais, os acontecimentos providenciais, a minha vocação especial de amigo do Sagrado Coração.
O divino semeador semeou sem descanso o bom grão no campo da minha alma, mas que é que daí resultou? – Há grãos que caem sobre os caminhos e as aves apoderam-se deles. É demasiadas vezes o que me acontece. A minha alma é um grande caminho pela dissipação, pela a curiosidade, pela ligeireza. O bom grão não consegue ter aí raiz. – Outros grãos caem sobre uma terra pedregosa ou cheia de espinhos. É ainda a minha alma, endurecida pela tibiez e ocupada pelos espinhos dos cuidados materiais e terrestres, estranhos à minha vocação. Estes grãos não produzirão nada de durável. – Há, finalmente, boas terras que produzem o cêntuplo. A minha alma deveria ser destas. Como hei-de fazer para a dispor? É-lhe necessário o labor profundo da penitência e do retiro, a guarda da modéstia e do recolhimento, a emenda da reparação e do sacrifício. Que farei?… Ó minha alma, dispõe-te a receber as sementeiras do bom grão, as sementeiras da graça fecunda do Sagrado Coração (Leão Dehon, OSP 3, p. 57s.).Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Não fomos nós que amámos a Deus; foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho» (cf. 1 Jo 4, 10)».| Fernando Fonseca, scj |
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III Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
III Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
27 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares III Semana - Quinta-feira
Lectio
Primeira leitura: 2 Samuel 7, 18-19.24-29
18Então, David foi apresentar-se diante do Senhor e disse-lhe: «Quem sou eu, Senhor Deus, e quem é a minha família, para que me tenhas conduzido até aqui? 19E, como se isto fosse pouco para ti, Senhor Deus, Senhor Deus, fizeste também promessas à família do teu servo para os tempos futuros! Porque esta é a lei do homem, ó Senhor Deus! 24Estabeleceste solidamente o teu povo, Israel, para ser eternamente o teu povo, e Tu, Senhor, seres o seu Deus. 25Agora, pois, Senhor Deus, cumpre para sempre a promessa que fizeste ao teu servo e à sua casa e faz como disseste. 26O teu nome será exaltado para sempre e dir-se-á: 'O Senhor do universo é o Deus de Israel. E permanecerá estável diante de ti a casa do teu servo David. 27Porque Tu próprio, ó Senhor do universo, Deus de Israel, fizeste ao teu servo esta revelação: 'Eu te construirei uma casa.' Por isso, o teu servo se animou a dirigir-te esta prece. 28Agora, ó Senhor Deus, só Tu és Deus, e as tuas palavras são a própria verdade. Já que prometeste ao teu servo estes bens, 29abençoa, desde agora, a sua casa, para que ela subsista para sempre diante de ti: porque Tu, Senhor Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada eternamente.»
Depois das promessas de Deus em relação a David, à sua descendência e a todo o povo (na primeira parte de 2Sam 7), o rei toma a palavra e pronuncia uma oração de louvor e de acção de graças. A oração é repetitiva e redundante: os conceitos «casa», «Senhor Deus» (Adonai Yahveh), «servo», «falar», «palavra» «eternamente», repetem-se várias vezes. Mas essa repetição acentua claramente as ideias principais nela expressas. Entre elas sobressai o conceito de «palavra»: promessa feita a David por meio de Natan; palavra eficaz e fonte de esperança nos momentos difíceis da história. As razões pelas quais Deus recusa a construção do templo por David não estão muito claras. Mas o rei aceita a anulação dos seus projectos para que se realizem os de Deus: «Quem sou eu, Senhor Deus, e quem é a minha família, para que me tenhas conduzido até aqui?». Esta submissão e esta humildade aparecem nos relatos bíblicos de vocação (cf. Ex 3, 11; Jz 6, 15; Jer 1, 6). A confiança de David apoia-se na memória das obras de Deus em favor do seu povo. David põe-se em sintonia com a palavra do Senhor, pedindo que ela se realize. Deus é fiel. É na fidelidade que se revela a sua grandeza. Uma vez que o Senhor «falou», não há que hesitar: «a casa do teu servo será abençoada eternamente», conclui David.
Evangelho: Mc 4, 21-25
21Disse-lhes ainda: «Põe-se, porventura, a candeia debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para ser colocada no candelabro? 22Porque não há nada escondido que não venha a descobrir-se, nem há nada oculto que não venha à luz. 23Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 24E prosseguiu: «Tomai sentido no que ouvis. Com a medida que empregardes para medir é que sereis medidos, e ainda vos será acrescentado. 25Pois àquele que tem, será dado; e ao que não tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado.»
Depois da parábola do semeador, Marcos apresenta-nos dois pares de breves sentenças. O Evangelho é para todos na comunidade. Por isso, deve ser colocado «no candelabro». Se alguém cair na tentação de o guardar ciosamente para si, então ser-lhe-á tirado. A Sagrada Escritura não é privilégio só para alguns, mas é para todos. Por isso, deve ser posta ao alcance de todos. A fé recebida por mim deve ser posta ao serviço da minha comunidade e de todos os homens. No primeiro par de sentenças, a imagem da lâmpada que deve ser exposta sobre o candelabro é desenvolvida por duas antíteses paralelas: o que está escondido há-de ser descoberto, o que está oculto há-de vir à luz. O Reino, ainda que, por enquanto, seja anunciado em parábolas, depressa virá à luz na sua glória, e o Evangelho será anunciado a todos os povos. No segundo par de sentenças, a antítese volta-se para a condição interna da comunidade: a imagem da medida insinua a proibição de julgar os outros; a segunda sentença está mais ligada à parábola do semeador: «aquele que tem» corresponde à «boa terra», que acolhe a palavra e lhe permite produzir fruto.
Meditatio
As sentenças de Jesus que Marcos nos apresenta hoje vêm logo depois da parábola do semeador, e ajudam-nos a compreendê-la. A semente é, sem dúvida, a Palavra de Deus. Daí a insistência de Jesus: «Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça»... «Tomai sentido no que ouvis. » (cf. Mc 4, 23-24). Um bom acolhimento da Palavra, alcança graças mais abundantes. David, ao acolher a Palavra do Senhor, alcança a bênção e a promessa da estabilidade da sua casa: «Tu, Senhor Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada eternamente» (2 Sam 7, 29). Esta estabilidade não consiste tanto na glória ou no sucesso político da dinastia davídica, mas mais na solidez na fé e na correspondência ao desígnio de Deus sobre o seu povo. E isto é fruto de graça. David tinha um bom projecto, o melhor que um homem pode conceber: construir um templo para Deus, isto é, ocupar-se com a sua glória, esquecendo a si mesmo. A recusa de Deus poderia causar-lhe desilusão. Mas, em vez disso, o jovem rei põe de parte o seu projecto e acolhe a Palavra de Deus. Um belo exemplo para nós, mas difícil de seguir! Quantas vezes nos agarramos a projectos que julgamos bons e até inspirados por Deus. E que dramas, quando a vontade do Senhor se mostra diferente! David, não se deixa cair na desilusão, no desânimo. Pelo contrário, pede a Deus que cumpra a sua promessa: «Só Tu és Deus, e as tuas palavras são a própria verdade... Tu, Senhor Deus, falaste e, graças à tua bênção, a casa do teu servo será abençoada eternamente» (cf. 2 Sam 7, 28-29). Desde muito jovem, e ainda antes de entrar no seminário, o Pe. Dehon dava grande importância à "escuta da Palavra", como testemunham os dois primeiros cadernos do seu "Diário". Quase todos os conteúdos das suas notas têm a sua raiz na Escritura. As citações são tomadas sem qualquer diferença tanto do Antigo como do Novo Testamento. Em 138 páginas manuscritas contamos 210 citações da Sagrada Escritura. A sua preferência vai para S. João (57 vezes) e para S. Paulo (38 vezes). Preparado pela "escuta da Palavra&rdquo ;, meditada e assimilada, Leão Dehon está preparado para viver o espírito de abandono e de imolação que o caracteriza. Não hesita em pôr de parte projectos e interesses pessoais, para fazer o que se lhe apresenta como vontade de Deus. «Ecce venio», «Fiat» são seus motes preferidos. Como Cristo, Leão Dehon não hesita em oferecer-se, em imolar-se por amor, chegando a emitir o voto de vítima, para reviver o sacerdócio e o sacrifício de Cristo, Vítima divina, e alargar o seu "Reino nas almas e na sociedade" (Cst 4).
Oratio
Senhor, dá-me a graça de saber sempre renunciar corajosamente aos meus projectos, ainda que os julgue bons, para acolher a tua vontade onde, como e quando se revelar. Só o teu projecto é força de vida, é semente capaz de originar uma grande árvore, enquanto os projectos humanos são efémeros. Enche-me de confiança em Ti para realizar o que me pedires, sem me deixar tomar pela ansiedade e pela angústia de não me sentir à altura dos projectos em que me queres envolver. Que eu reconheça sempre a grandeza do teu Nome, e não me orgulhe pelas bênçãos com que vais cumulando ao longo da vida. Amen.
Contemplatio
Jesus quis ser o nosso modelo até nas tentações. Quis passar pelas diversas tentações que podem assaltar a nossa alma. Satanás começa por lhe propor mudar pedras em pão, para satisfazer o seu apetite... Jesus responde a esta tentação e às outras com frases da Sagrada escritura. Indica-nos assim qual é o objecto das suas meditações na solidão e como devemos procurar a nossa força na palavra de Deus. Está escrito, responde, que o homem não vive só de pão, mas também da palavra divina» (Dt 7, 3). Em toda a sua vida, Jesus abandonar-se-á à divina Providência para tudo o que lhe concerne e não fará nenhuma concessão à sensualidade. Oh! Quanto tenho a fazer a este respeito! Como sou fraco e inclinado a procurar mil satisfações! O remédio está na união com Nosso Senhor, na meditação assídua da sua palavra e dos seus mistérios. Enquanto o nosso coração não estiver fortemente agarrado ao Coração de Jesus e bem apaixonado pelo seu amor, deixar-se-á seduzir pelas satisfações sensuais (Leão Dehon, OSP 3, p. 225).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Só Tu és Deus, e as tuas palavras são a própria verdade» (cf. 2 Sam 7, 28).
| Fernando Fonseca, scj |
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III Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
III Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares
28 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares
III Semana - Sexta-feiraLectio
Primeira leitura: 1 Samuel 11, 1-4a.5-10a.13-17
1No ano seguinte, na época em que os reis saem para a guerra, David enviou Joab com os seus oficiais e todo o Israel; eles devastaram a terra dos amonitas e sitiaram Rabá. David ficou em Jerusalém. 2E aconteceu que uma tarde David levantou-se da cama, pôs-se a passear no terraço do seu palácio e avistou dali uma mulher que tomava banho e que era muito formosa. 3David procurou saber quem era aquela mulher e disseram-lhe que era Betsabé, filha de Eliam, mulher de Urias, o hitita. 4Então, David enviou emissários para que lha trouxessem. Ela veio e David dormiu com ela, depois de purificar-se do seu período menstrual. Depois, voltou para sua casa. 5E, vendo que concebera, mandou dizer a David: «Estou grávida.» 6Então, David mandou esta mensagem a Joab: «Manda-me Urias, o hitita.» E Joab enviou Urias, o hitita, a David. 7Quando Urias chegou, David pediu-lhe notícias de Joab, do exército e da guerra. 8E depois disse-lhe: «Desce à tua casa e lava os teus pés.» Urias saiu do palácio do rei, e este, em seguida, enviou-lhe comida da sua mesa real. 9Mas Urias não foi a sua casa e dormiu à porta do palácio com os outros servos do seu senhor. 10E contaram-no a David, dizendo-lhe: «Urias não foi a sua casa.» David perguntou a Urias: «Não voltaste, porventura, de uma viagem? Porque não foste a tua casa?» 13David convidou-o a comer e beber com ele, e embriagou-o. Mas à noite, Urias não foi a sua casa; saiu e deitou-se com os outros servos do seu senhor. 14No dia seguinte de manhã, David escreveu uma carta a Joab e enviou-lha por Urias. 15Dizia nela: «Coloca Urias na frente, onde o combate for mais aceso, e não o socorras, para que ele seja ferido e morra.» 16Joab, que sitiava a cidade, pôs Urias no lugar onde sabia que estavam os mais valentes guerreiros do inimigo. 17Os assediados fizeram uma surtida contra Joab, e morreram alguns homens de David, entre os quais Urias, o hitita.
Apesar de grave, o pecado de David com Betsabé, está dentro do que se poderia considerar normal no século X a. C. Se a solução tentada por David tivesse resultado, não haveria consequências de maior. Mas Urias, porque suspeitava de algo, ou por razões de ética militar, como diz a Bíblia, não cedeu às pressões do rei. Então, David recorre ao assassinato de Urias, perpetrado de modo traiçoeiro.
O pecado foi tomando conta do rei que agiu de modo cada vez mais pérfido. Não nos escandalizemos. O pecado dá-nos a justa medida do homem. É uma realidade constante e universal. A Bíblia verifica-a e atribui-a a uma tendência que nos arrasta para o mal de modo irresistível: «Nasci na culpa, e em pecado minha mãe me concebeu» (Sl 51, 7).
O episódio de David e Betsabé, narrado com precisão e simplicidade, acusa, sem reticências, o rei; o Primeiro livro das Crónicas, mais obsequioso em relação a David, não o refere. Mas o episódio faz parte da «História da sucessão ao trono» e visa introduzir na cena Salomão que, depois de muitas peripécias, irá sentar-se no trono de David.Evangelho: Mc 4, 26-34
26Dizia ainda: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. 27Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como. 28A terra produz por si, primeiro o caule, depois a espiga e, finalmente, o trigo perfeito na espiga. 29E, quando o fruto amadurece, logo ele lhe mete a foice, porque chegou o tempo da ceifa.»
30Dizia também: «Com que havemos de comparar o Reino de Deus? Ou com qual parábola o representaremos? 31É como um grão de mostarda que, ao ser deitado à terra, é a mais pequena de todas as sementes que existem; 32mas, uma vez semeado, cresce, transforma-se na maior de todas as plantas do horto e estende tanto os ramos, que as aves do céu se podem abrigar à sua sombra.»
33Com muitas parábolas como estas, pregava-lhes a Palavra, conforme eram capazes de compreender. 34Não lhes falava senão em parábolas; mas explicava tudo aos discípulos, em particular.As duas parábolas, que Marcos põe na boca de Jesus, ilustram dois aspectos da inevitável tensão dialéctica do reino de Deus na história.
A parábola da semente, que cresce sem a intervenção do agricultor, diz-nos que o Reino é uma iniciativa de Deus, que deve permanecer sempre acima de toda a tentativa humana para guiar o curso do seu crescimento e maturação. É claro que Deus conta com a colaboração humana: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra» (v. 26). Para sublinhar a acção de Deus, a parábola esquece diversos trabalhos necessários, à sementeira, à limpeza, à rega, etc. Mas alude ao acto de semear. É essa a tarefa dos discípulos que, depois, devem aguardar, com paciência, que a Palavra actue pela força que tem em si mesma e dê fruto no tempo e no modo que Deus quiser.
A segunda parábola apresenta o reino como um grão de mostarda, que dá origem a um grande arbusto. Também aqui encontramos uma importante mensagem de confiança para a comunidade primitiva e para nós. Não havemos de preocupar-nos por sermos poucos e pequenos: a Palavra de Deus dará frutos incomensuráveis, não por nosso mérito, mas pela graça.
Os vv. 33 e 34 retomam o tema das parábolas para o grande público e das explicações privadas aos discípulos.Meditatio
A primeira leitura mostra-nos que, quando entramos pelo caminho do pecado, não sabemos até que ponto podemos chegar. Ao pecar com Betsabé, David inicia uma série de pecados, que termina em verdadeiras catástrofes. Não conseguindo disfarçar a primeira culpa, David trama a morte de Urias. Mais tarde, um seu filho usa de violência contra uma irmã, provocando a fúria de Absalão, que o mata. Depois, é o próprio Absalão que se revolta contra David, obrigando-o a fugir. Segue a guerra civil. Numa das batalhas, Absalão é morto pelos homens do rei. Sabemos quando começamos a pecar, mas não sabemos até onde poderão ir as consequências do nosso pecado.
Mas, como diz S. Paulo, «onde aumentou o pecado, superabundou a graça» (Rom 5, 20). A força do pecado é nada diante da força do Reino de Deus. É o que nos diz o evangelho. O Senhor leva por diante o seu projecto de salvação, servindo-se de homens fracos e pecadores, utilizando instrumentos simples e pobres. Não nos compete decidir quando e em que medida a semente dará fruto. O crescimento acontece em segredo, enquanto nos ocupamos de outros afazeres, e é imensamente superior às nossas expectativas.
As leituras de hoje trazem-nos uma mensagem de esperança. Foi-nos confiada uma tarefa para a qual nos sentimos inadequados. Mas a nossa acção é importante. Compete-nos espalhar a semente, difundir o evangelho, o que não é pouco. Mas não devemos cair na an
siedade, à espera de ver os resultados. Eles não dependem de nós, e talvez jamais os vejamos neste mundo. Só no fim da nossa vida poderemos dar-nos conta dos frutos do nosso trabalho, e a colheita será uma festa, se tivermos sabido esperar serenos e confiantes a obra do Pai.
O segredo do êxito está em confiar n´Ele, sem fugirmos às nossas responsabilidades e sem pretendermos disfarçar as nossas culpas. Onde abunda a fraqueza e o pecado, superabundará a graça.
A missão que nos está confiada há-de ser realizada exige o reconhecimento da nossa pobreza, também moral. Somos pecadores que confiam na misericórdia de Deus. Temos consciência de sermos instrumentos fracos. Mas havemos de ir mais longe, ultrapassando todo o interesse próprio, ainda que seja o de ver os frutos do nosso apostolado. Essa pobreza libertar-nos da anisedade e estimula-nos a viver na confiança e na gratuidade do amor, como recomenda as nossas Constituições (cf. n. 46). Reconhecer a pobreza do nosso ser e do nosso futuro é renunciar à orgulhosa auto-suficiência e à desumana auto-afirmação. A pobreza evangélica, acolhida e amada, na nossa vida e no nosso apostolado, leva à exigência da confiança em Deus nosso Pai (cf. Mt 6, 25-34), Senhor da semente e da messe, nossa origem e fim último da nossa vida, que queremos servir, servindo os irmãos.Oratio
Senhor da semente e da messe, dá-me uma inabalável confiança na tua palavra. Sabes quão difícil é para mim aguardar o tempo da colheita, e como gostaria de ver imediatamente o fruto dos meus trabalhos. Mas só Tu sabes a hora em que a tua palavra irá revelar o seu poder. Só Tu sabes o tempo em que hei-de empunhar a foice. A semente cresce, não pelos meus méritos, mas pela tua graça. Que eu saiba esperar com paciência o tempo do amadurecimento, respeitando os irmãos a quem falo em teu nome, sem confundir a eficácia do testemunho com o êxito das minhas iniciativas.
Ensina-me a esperar vigilante a tua vinda, ainda que me pareça distante. Mas atrai-me para Ti, porque anseio participar na festa da colheita no teu Reino. Amen.Contemplatio
Todas as belas parábolas de Nosso Senhor relativas ao reino de Deus aplicam-se também evidentemente ao reino do Sagrado Coração, que é o novo desenvolvimento do reino de Deus e da sua perfeição.
O reino de Deus é o reino da fé e da graça; é a igreja de Cristo estendendo-se a toda a terra. Nosso Senhor descreveu os seus progressos. Será primeiro um grão de mostarda, que morrerá para dar o seu germe. Jesus, o verdadeiro grão, maravilhosamente fecundo, morreu no Calvário para dar nascimento à igreja. O seu Coração, como um grão misterioso, abriu-se, e a igreja saiu dele, simbolizada pela água e pelo sangue.
Os apóstolos e os mártires morreram também de uma morte fecunda, para fazer nascer por toda a parte filhos da Igreja.
É preciso que os apóstolos do Sagrado Coração sejam mártires pelo coração para estenderem pelo fruto das suas imolações o reino do Sagrado Coração. É preciso que sejam mártires pelo fogo do amor e pela espada da imolação e do sacrifício (Leão Dehon, OSP 3, p. 179).Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Nem o que planta nem o que rega é alguma coisa, mas só Deus, que faz crescer» (1 Cor 3, 7).| Fernando Fonseca, scj |
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IV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares
IV Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares
31 de Janeiro, 2022Tempo Comum - Anos Pares
IV Semana - Segunda-feira
LectioPrimeira leitura: 2 Samuel 15, 13-14.30; 16, 5-13a
13Naqueles dias, alguém foi informar David: «O coração dos israelitas inclinou-se para Absalão!» 4David disse aos servos que estavam com ele em Jerusalém: «Fujamos depressa porque, de outro modo, não podemos escapar a Absalão! Apressemo-nos a sair, não suceda que ele se apresse, nos surpreenda e se lance sobre nós, passando a cidade ao fio da espada.» 30David, chorando, subia o monte das Oliveiras, com a cabeça coberta e descalço. Todo o povo que o acompanhava subia também, chorando, com a cabeça coberta.
5Chegou, pois, o rei a Baurim, e saía de lá um homem da parentela de Saul, chamado Chimei, filho de Guera, que, enquanto caminhava, ia proferindo maldições. 6Lançava pedras contra David e contra os servos do rei, apesar de todo o povo e todos os guerreiros seguirem o rei, agrupados à direita e à esquerda. 7E Chimei amaldiçoava-o, dizendo: «Vai, vai embora, homem sanguinário e criminoso. O Senhor fez cair sobre ti todo o sangue da casa de Saul, cujo trono usurpaste, e entregou o reino a teu filho Absalão. Vês-te, agora, oprimido de males, por teres sido um homem sanguinário.» 9Então, Abisai, filho de Seruia, disse ao rei: «Porque há-de continuar este cão morto a insultar o rei, meu senhor? Deixa-me passar, para lhe cortar a cabeça.» 10Mas o rei respondeu-lhe: «Que te importa, filho de Seruia? Deixa-o amaldiçoar-me. Se o Senhor lhe ordenou que amaldiçoasse David, quem poderá dizer-lhe: 'Porque fazes isto?'» 11David disse também a Abisai e aos seus homens: «Vede! Se o meu próprio filho, fruto das minhas entranhas, conspira contra a minha vida, quanto mais agora este filho de Benjamim? Deixai-o amaldiçoar-me, conforme a permissão do Senhor. 12Talvez o Senhor tenha em conta a minha miséria e me venha a dar bens em troca destes ultrajes.» 13David e os seus homens prosseguiram o seu caminho, mas Chimei seguia a par dele pelo flanco da montanha, amaldiçoando-o, atirando-lhe pedras e espalhando poeira no ar.David sente-se responsável pela indisciplina e pela ambição dos seus filhos. A conjura de Absalão é um dos dramáticos episódios que acompanham o declínio do reino de David. O rei foge. Essa fuga, mais que uma retirada estratégica, parece uma tentativa de evitar o confronto directo com o filho. David sofre com paciência e humildade exemplares. A sua fuga é, sobretudo, uma caminhada penitencial, uma humilde aceitação do castigo divino. Para trás, fica Jerusalém, a cidade heroicamente conquistada, a capital das tribos, cheia de tantas recordações felizes. As lágrimas de David, ao subir o Monte das Oliveiras, evocam já as lágrimas de Jesus (Lc 19, 41-44).
O episódio da maldição de Chimei acentua a sensação de irreparabilidade da derrota, atribuída à vontade de Deus. Chimei pertencia à família de Saul (v. 5), que era um permanente perigo para David, devido à ameaça de secessão do Reino do norte. David tinha usurpado o reino de Saul; agora Absalão podia fazer o mesmo. David teme ter sido abandonado por Deus, como fora Saul (v. 11). Por isso, recusa ajuda para matar Chimei, e aceita a afronta como provação. David tem consciência dos seus próprios crimes, e espera que o sofrimento actual possa trazer-lhe bens no futuro (v. 12). David parece concentrar na sua pessoa toda a fé do povo eleito, provado por Deus e acostumado ao sofrimento e à humilhação.Evangelho: Mc 5, 1-20
1Naquele tempo, Jesus e os seus discípulos chegaram à outra margem do mar, à região dos gerasenos. 2Logo que Jesus desceu do barco, veio ao seu encontro, saído dos túmulos, um homem possesso de um espírito maligno. 3Tinha nos túmulos a sua morada, e ninguém conseguia prendê-lo, nem mesmo com uma corrente, 4pois já fora preso muitas vezes com grilhões e correntes, e despedaçara os grilhões e quebrara as correntes; ninguém era capaz de o dominar. 5Andava sempre, dia e noite, entre os túmulos e pelos montes, a gritar e a ferir-se com pedras. 6Avistando Jesus ao longe, correu, prostrou-se diante dele 7e disse em alta voz: «Que tens a ver comigo, ó Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te, por Deus, que não me atormentes!» 8Efectivamente, Jesus dizia: «Sai desse homem, espírito maligno.» 9Em seguida, perguntou-lhe: «Qual é o teu nome?» Respondeu: «O meu nome é Legião, porque somos muitos.» 10E suplicava-lhe insistentemente que não o expulsasse daquela região. 11Ora, ali próximo do monte, andava a pastar uma grande vara de porcos. 12E os espíritos malignos suplicaram a Jesus: «Manda-nos para os porcos, para entrarmos neles.» 13Jesus consentiu. Então, os espíritos malignos saíram do homem e entraram nos porcos, e a vara, cerca de uns dois mil, precipitou-se do alto no mar e ali se afogou. 14Os guardas dos porcos fugiram e levaram a notícia à cidade e aos campos.As pessoas foram ver o que se passara.
15Ao chegarem junto de Jesus, viram o possesso sentado, vestido e em perfeito juízo, ele que estivera possuído de uma legião; e ficaram cheias de temor. 16As testemunhas do acontecimento narraram-lhes o que tinha sucedido ao possesso e o que se passara com os porcos. 17Então, pediram a Jesus que se retirasse do seu território. 18Jesus voltou para o barco e o homem que fora possesso suplicou-lhe que o deixasse andar com Ele. 19Não lho permitiu. Disse-lhe antes: «Vai para tua casa, para junto dos teus, e conta-lhes tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti.» 20Ele retirou-se, começou a apregoar na Decápole o que Jesus fizera por ele, e todos se maravilhavam.Escutamos, hoje, um relato popular, de estilo burlesco, com que as primeiras comunidades cristãs acentuavam o poder benéfico do «kerygma» de Jesus. O episódio passa-se a oriente do lago de Tiberíades, em terra pagã, como se vê pela existência da vara de porcos, animais considerados impuros em Israel. É o caso do epiléptico, que não podia ser controlado pelos seus conterrâneos e, por isso, vivia no campo ou, pior ainda «entre os túmulos». A situação é grave e mesmo dramática. Ouvem-se os urros dos demónios, que reconhecem Jesus, proclamam a sua divindade e suplicam que não os expulse. Jesus mantém-se imperturbável: pergunta-lhes o nome, e concede-lhes refugiar-se nos porcos. A precipitação da vara no lago, sugere o seu regresso a Satanás, rei dos abismos. Os presentes continuam dominados pelo temor e pedem a Jesus que se afaste.
O anúncio do Evangelho deve ser preparado e exige a mediação da testemunha, do apóstolo. Ao contrário do silêncio que, em Marcos, Jesus geralmente impõe aos miraculados, aqui manda ao possesso libertado que vá levar a notícia aos seus. O homem não se contenta com isso e apregoa na Decápole a obra que Jesus nele realizou.Meditatio
Os últimos anos de David são marcados pelo drama da guerra civil provocada pe
lo seu próprio filho e por vários episódios que o fazem sofrer. Hoje, a primeira leitura mostra-o a ser injuriado pelo assassínio de Saul que, na verdade, não matou. Abisai pede autorização para matar Chemei, o parente de Saul que proferia a calúnia e as maldições. Mas David opõe-se: «Se o Senhor lhe ordenou que amaldiçoasse David, quem poderá dizer-lhe: 'Porque fazes isto?'» (2 Sam 16, 10). O rei sabia que não tinha matado Saul. Mas também sabia que tinha matado Urias. Aceitava, por isso, o castigo anunciado por Natan. E confiava em Deus: «Talvez o Senhor tenha em conta a minha miséria e me venha a dar bens em troca destes ultrajes» (v. 12). Também nós, quando nos sentimos injustamente acusados, havemos de aceitar a afronta para nos penitenciarmos de tantas faltas cometidas e de quem ninguém nos acusa, renovar a nossa confiança em Deus e até dar-lhe graças porque os nossos adversários, felizmente, não sabem tudo sobre nós.
O drama de David, amaldiçoado e apedrejado, que o servo pretende vingar cortando a cabeça a Chimei, aproxima-se do drama do endemoninhado de Gerasa, que vagueia entre sepulcros, quebrando correntes e grilhões, somando violências. Mas não é juntando violência à violência que o homem é libertado. David espera a libertação através da purificação do sofrimento. O geraseno alcança-o por uma intervenção gratuita de Jesus. Ninguém pediu esse milagre. O possesso nem tinha voz para falar. Era a legião dos demónios que gritava nele pedindo o afastamento de Jesus.
Espanta-nos a passividade dos que observam a cena. Essa passividade torna-se, depois, hostilidade. Um estrangeiro, Jesus, vem perturbar a ordem estabelecida, devolvendo à sociedade um homem considerado excluído e remetendo para os abismos da impureza, animais criados com todo o cuidado. Os gerasenos ficaram assustados com tais gestos revolucionários, e pediram a Jesus «que se retirasse do seu território» (Mc 5, 17). É difícil conviver com a liberdade.
Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, de Dezembro de 1975, acautela os cristãos para o perigo de indevidas "reduções", isto é, de se interessarem apenas pela miséria material, "sacrificando toda a preocupação espiritual e religiosa a iniciativas de ordem política e social" (n. 32). A libertação evangélica "deve mirar ao homem todo, em todas as suas dimensões, incluindo a sua abertura para o Absoluto... que é Deus" (n. 33). Libertação também mental e psicológica da ignorância, do fatalismo, da apatia. De facto, na medida em que cada um não conhece e não usa a sua vontade, torna-se vítima de toda a espécie de injustiça. As Constituições incitam-nos a empenhar-nos na libertação total do homem: "o mundo de hoje agita-se num imenso esforço de libertação: libertação de tudo quanto lesa a dignidade do homem e ameaça a realização das suas mais profundas aspirações: a verdade, a justiça, o amor, a liberdade" (n. 36).
Os cristãos devem ser radicais, autênticos revolucionários, se quiserem ser verdadeiros. A sua revolução exclui a violência, mas não os meios enérgicos; é criativa e construtiva. Todos os homens têm direito à liberdade e, portanto, à justiça. "Pela fé, na fidelidade ao magistério da Igreja, relacionamos tais aspirações com a vinda do Reino, por Deus prometido e realizado em seu Filho" (n. 37). A Glória de Deus é o homem vivo. Como pode considerar-se vivo um homem sem liberdade?Oratio
Senhor, dá-me a docilidade e a paciência de David, que se afasta sem combater, deixando que se cumpra a vontade de Deus. Quantas vezes, quis cortar cabeças, à maneira de Abisaí. Quantas vezes quis rebentar as correntes e grilhões que não me deixam ser livre. Mas a violência gera violência. Que eu saiba aceitar tudo, reconhecendo os meus pecados, e deixando-me purificar. Que eu saiba acolher as tuas intervenções maravilhosas, mesmo quando forem surpresas para mim. Que, iluminado pela fé, receba tudo das tuas mãos. E, então, experimentarei a paz, como uma criança nos braços do seu pai. Amen.
Contemplatio
E enquanto Jesus está no pretório com uma coroa, um ceptro e um manto ridículos, os seus carrascos insultam-no e ultrajam-no.
Dão-lhe bofetadas com as suas mãos grosseiras, escarram-lhe na cara. Oprimem-no com zombarias, grosserias, injúrias: fizerem pouco delei. A prova é longa, é toda uma coorte: congregaverunt ad eum omnem cohortem. Rivalizam em grosseria e crueldade. No fim, está no mais triste estado onde jamais algum homem se encontrou; está coberto de escarros e de sangue. Já não tinha o aspecto de um homem: vimo-lo sem figura atraente.
Antes era o mais belo, o mais nobre, o mais majestoso dos filhos dos homens; já não havia traço da sua beleza: sem aspecto atraente. Parecia desprezível e o último dos homens. O seu rosto desaparece sob as manchas; quem lhe atribuiria ainda alguma estima (cf. Is 53, 2). Mas não, enganai-vos, cruéis carrascos. Julgais humilhá-lo e exaltai-o. Glorificais a sua bondade, a sua paciência, a sua generosidade. Tornai-as manifestas. Mais o fazeis sofrer, mais manifestais a bondade do seu coração, mais o tornais amável aos nossos olhos e glorioso aos olhos do nosso Pai. Ah! As vossas vistas são curtas. Sabei somente dele aproveitar, pecadores de todos os séculos. Jesus é humilhado para vos levantar (Leão Dehon, OSP 3, p. 205s.).Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Vai e conta tudo o que o Senhor fez por ti e como teve misericórdia de ti» (cf. Mc 5, 19).| Fernando Fonseca, scj |