Events in Fevereiro 2022

  • Apresentação do Senhor

    Apresentação do Senhor


    2 de Fevereiro, 2022

    Esta festa já era celebrada em Jerusalém, no século IV. Chamava-se festa do encontro,hypapántè , em grego. Em 534, a festa estendeu-se a Constantinopla e, no tempo do Papa Sérgio, chegou a Roma e ao Ocidente. Em Roma, a festa incluía uma procissão até à Basílica de S. Maria Maior. No século X, começaram a benzer-se as velas.

    José e Maria levam o Menino Jesus ao templo, oferecendo-o ao Pai. Como toda a oferta implica renúncia, a Apresentação do Senhor é já o começo do mistério do sofrimento redentor de Jesus, que atingirá o seu ponto culminante no Calvário. Maria e José unem-se à oferta do seu divino Filho estando a seu lado e colaborando, cada um a seu modo, na obra da Redenção.

    Lectio

    Primeira Leitura: Malaquias 3, 1-4

    Assim fala o Senhor: "Eis que Eu vou enviar o meu mensageiro, a fim de que ele prepare o caminho à minha frente. E imediatamente entrará no seu santuário o Senhor, que vós procurais, e o mensageiro da aliança, que vós desejais. Ei-lo que chega! - diz o Senhor do universo. 2Quem suportará o dia da sua chegada? Quem poderá resistir, quando ele aparecer?Porque ele é como o fogo do fundidor e como a barrela das lavadeiras.  3Ele sentar-se-á como fundidor e purificador. Purificará os filhos de Levi e os refinará, como se refinam o ouro e a prata. E assim eles serão para o Senhor os que apresentam a oferta legítima. 4Então, a oferta de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor como nos dias antigos, como nos anos de outrora".

    Os dois mensageiros anunciados pelo profeta introduzem-se mutuamente: um prepara a vinda do Senhor e outro realiza a Aliança, é o Esperado. Estas duas figuras perspetivam João Baptista e Cristo. Um é apenas precursor; o outro é o Messias esperado, de origem divina, o Redentor. O primeiro prepara o caminho; o segundo entra efetivamente no templo, santificando, pela oferta de si mesmo, o sacrifício da nova Aliança, os ministros e o culto.

    Segunda leitura: Hebreus 2, 14-18

    Uma vez que os filhos dos homens têm em comum a carne e o sangue, também Ele partilhou a condição deles, a fim de destruir, pela sua morte, aquele que tinha o poder da morte, isto é, o diabo, 15e libertar aqueles que, por medo da morte, passavam toda a vida dominados pela escravidão. 16Ele, de facto, não veio em auxílio dos anjos, mas veio em auxílio da descendência de Abraão. 17Por isso, Ele teve de assemelhar-se em tudo aos seus irmãos, para se tornar um Sumo Sacerdote misericordioso e fiel em relação a Deus, a fim de expiar os pecados do povo. 18É precisamente porque Ele mesmo sofreu e foi posto à prova, que pode socorrer os que são postos à prova.

    A carne e o sangue, submetidos ao poder da morte pelo inimigo, são divinizados e libertados por Cristo, Deus feito homem. A descendência de Abraão é restituída à vida. O Filho de Deus apresenta-se como primeiro entre muitos irmãos e como sacerdote, mediador na sua divindade e humanidade, da fidelidade de Deus, Pai da vida.

    Evangelho: Lucas 2, 22-40

    Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, 23conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor» 24e para oferecerem em sacrifício, como se diz na Lei do Senhor, duas rolas ou duas pombas. 25Ora, vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo estava nele. 26Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor.27Impelido pelo Espírito, veio ao templo, quando os pais trouxeram o menino Jesus, a fim de cumprirem o que ordenava a Lei a seu respeito. 28Simeão tomou-o nos braços e bendisse a Deus, dizendo:  29«Agora, Senhor, segundo a tua palavra, deixarás ir em paz o teu servo, 30porque meus olhos viram a Salvação  31que ofereceste a todos os povos,  32Luz para se revelar às nações e glória de Israel, teu povo.» 33Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele.  34Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; 35uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações.»36Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, 37ficou viúva até aos oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. 38Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém. 39Depois de terem cumprido tudo o que a Lei do Senhor determinava, regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré. 40Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele.

    O Evangelho da Infância de Jesus tem o seu ponto alto no templo, lugar da plenitude do povo de Israel. É aí que Zacarias ouve a palavra que dirige a história para a sua meta (anúncio de João); é aí que o Menino é apresentado a Deus, revelado a Simeão e a Ana. É daí que regressa a Nazaré. Pano de fundo da cena da apresentação é lei judaica segundo a qual os primogénitos são sagrados e, por isso, devem ser apresentados a Deus. O Pai responde à apresentação e oferta de Jesus com o dom do Espírito ao velho Simeão, que profetiza. Israel pode estar descansado: a sua história não acaba em vão. Simeão viu o Salvador e sabe que a meta é agora o triunfo da vida.

    Meditatio

    Os pais de Jesus, de acordo com a lei mosaica, 40 dias depois do nascimento do primeiro filho, foram ao Templo de Jerusalém para oferecer o primogénito ao Senhor e para a mãe ser purificada. Mas este rito não foi exatamente igual aos outros. Nos ritos comuns, eram os pais que apresentavam os filhos a Deus em sinal de oferta e de pertença; neste rito é Deus que apresenta o seu Filho aos homens. Fá-lo pela boca do velho Simeão e da profetisa Ana. Simeão apresenta-O ao mundo como salvação para todos os povos, como luz que iluminará as gentes, mas também como sinal de contradição; como Aquele que revelará os pensamentos dos corações.
    O encontro de Jesus com Simeão e Ana no Templo de Jerusalém é símbolo de uma realidade maior e universal: a Humanidade encontra o seu Senhor na Igreja. Malaquias preanunciava este encontro: «Eis que Eu vou enviar o meu mensageiro, a fim de que ele prepare o caminho à minha frente. E imediatamente entrará no seu santuário o Senhor, que vós procurais». No Templo, Simeão reconheceu Jesus como o Messias esperado e proclamou-o salvador e luz do mundo. Compreendeu que, doravante, o destino de cada homem se decidia pela atitude assumida perante Ele; Jesus será ruína ou salvação. Como dirá João Baptista: Ele tem na mão a joeira para separar o trigo bom da palha (cf. Mt 3, 12).
    É o que acontece, a outra escala, também hoje: no novo templo de Deus que é a Igreja, os homens «encontram» Cristo, aprendem a conhecê-lo, recebem-no na Eucaristia, como Simeão o recebeu nos braços; a sua palavra torna-se, aí, para eles, luz e o seu corpo força e alimento. É a experiência que fazemos, sempre que vamos à missa. A comunhão é um verdadeiro encontro entre Deus e nós. Hoje, essa experiência é acentuada pelo simbolismo da festa: a procissão com que entramos na igreja com o sacerdote, levando a vela acesa e cantando, era, sinal deste ir ao encontro de Jesus que nos chama no interior da sua igreja, na esperança de irmos ao seu encontro um dia no Hypapante eterno, quando formos nós a ser apresentados por Ele ao Pai.
    A Candelária é festa de luz. A luz da fé não nos foi dada apenas para iluminar o nosso caminho, desinteressando-nos dos outros... A luz da fé também não é para ter acesa apenas na igreja, ou em certos momentos, mas em todos os momentos e situações da nossa vida... A nossa fé há de ser luz que ilumina, fogo que aquece... É luz e fogo quem é compreensivo e bom com todos... quem sabe apoiar os pequenos esforços... os pequenos progressos... quem tem palavras de amizade, de estímulo, de apoio... quem sabe dizer uma boa palavra, dar uma ajuda... O amor cristão tem a sua origem em Deus que nos amou e nos enviou o seu Filho com quem nos encontramos em vários momentos da nossa vida, particularmente quando celebramos a Eucaristia. Esse é o nosso encontro, enquanto esperamos o encontro definitivo no Céu.

    Oratio

    Ó Jesus, eis-me aqui para fazer a vossa vontade. Quero estar atento e ouvir as vossas ordens, os vossos desejos, que me chegam através da vossa Palavra, das orientações dos vossos representantes na terra, dos acontecimentos da minha vida e da vida dos meus irmãos. Uno-me à oblação generosa do vosso divino Coração. Que quereis que vos faça? Dizei-mo, pelos meus pastores, pelas vossas inspirações, pela vossa providência. Falai, Senhor, que o vosso servo escuta. Iluminai-me com a vossa luz divina e refleti-la-ei nos meus irmãos. Ámen.

    Contemplatio

    «Eis-me aqui, meu Deus, para vos servir e para fazer a vossa vontade: Eis a serva do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra». Esta é a regra, Maria obedece. Está escrito na lei, no Levítico e no Êxodo. A jovem mãe apresentar-se-á no templo para ser purificada, quarenta dias depois do nascimento de um filho e oitenta dias depois do nascimento de uma filha. Maria não costuma hesitar quando se trata da lei. Cumpre tudo à letra, segundo a Lei de Moisés. No quadragésimo dia, está em Jerusalém. Não examina se está dispensada pelo carácter sobrenatural da sua maternidade. A hesitação não lhe vem, é a lei. Como o seu divino Filho, renuncia a todo o privilégio e, contente com a sorte comum, obedece à lei. Jesus obedece e deixa-se levar, apresentar, resgatar, Maria obedece também e deixa-se purificar. Como Jesus, Maria leva no meio do seu Coração a lei de Deus, como sua regra de vida. Oh! Como esta obediência pontual, humilde, heroica, condena todas as nossas hesitações, toda a nossa procura de exceções e de dispensas! Maria podia dizer: Eis a serva do Senhor. E eu posso dizer: Ecce venio: eis que venho, Senhor, para obedecer, para fazer a vossa vontade. Eis o teu servo. (Leão Dehon, OSP 3, p. 120).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a Palavra do Senhor:
    "Eu sou a luz do mundo" (Jo 8, 12).

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    Apresentação do Senhor (02 Fevereiro)

  • S. João de Brito, Presbítero e Mártir

    S. João de Brito, Presbítero e Mártir


    4 de Fevereiro, 2022

    João de Brito nasceu em Lisboa, a 1 de Março de 1647. Ainda criança, perdeu o pai, que fora mandado governar o Brasil por D. João IV, e lá faleceu. Aos 16 anos, João entrou no Noviciado da Companhia de Jesus em Lisboa. Foi ordenado sacerdote em 1673. Anelando conquistar almas para Jesus Cristo e sacrificar-se a exemplo de S. Francisco Xavier, partiu, pouco depois, para a Índias, onde trabalhou com ardor na missão do Maduré. A 4 de Fevereiro de 1693, sofreu o martírio, por decapitação, em Urgur. Foi canonizado em 1947.

    Lectio

    Primeira leitura: da féria (ou tempo Comum)

    Evangelho: Marcos 6, 7-17

    Naquele tempo, Jesus percorria as aldeias vizinhas a ensinar. 7Chamou os Doze, começou a enviá-los dois a dois e deu-lhes poder sobre os espíritos malignos. 8Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, a não ser um cajado: nem pão, nem alforge, nem dinheiro no cinto;9que fossem calçados com sandálias e não levassem duas túnicas. 10E disse-lhes também: «Em qualquer casa em que entrardes, ficai nela até partirdes dali. 11E se não fordes recebidos numa localidade, se os seus habitantes não vos ouvirem, ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés, em testemunho contra eles.» 12Eles partiram e pregavam o arrependimento, 13expulsavam numerosos demónios, ungiam com óleo muitos doentes e curavam-nos. 4O rei Herodes ouviu falar de Jesus, pois o seu nome se tornara célebre; e dizia-se: «Este é João Baptista, que ressuscitou de entre os mortos e, por isso, manifesta-se nele o poder de fazer milagres»;15outros diziam: «É Elias»; outros afirmavam: «É um profeta como um dos outros profetas.»16Mas Herodes, ouvindo isto, dizia: «É João, a quem eu degolei, que ressuscitou.» 17Na verdade, tinha sido Herodes quem mandara prender João e pô-lo a ferros na prisão, por causa de Herodíade, mulher de Filipe, seu irmão, que ele desposara.

    Marcos apresenta-nos uma das facetas essenciais da eclesiologia do Novo Testamento: a proclamação do Reino não é feita ao acaso; há uma "instituição" que põe em movimento e planifica o anúncio da Boa Nova.
    Pregar o Reino implica ser enviado por Jesus. Da pregação faz parte um conteúdo intelectual, mas também uma dimensão prática. Por isso, Jesus deu aos Doze "poder sobre os espíritos impuros" (v. 7). Estes "espíritos impuros" ou "alienações" são tudo o que ameaça exteriormente o homem, não o deixando realizar-se como ser humano. A Boa Nova não é apenas uma determinada interpretação do mundo e da história, mas uma indicação de transformação desse mundo e dessa história, uma dinâmica desalienante.
    Os discípulos são enviados "dois a dois": o anúncio faz-se sempre de forma comunitária. Os discípulos não podem levar consigo senão o estritamente necessário: nada de exageros, nem de triunfalismos. Mas, mais que a pobreza dos missionários, o nosso texto acentua a pobreza da missão: o missionário é enviado por Aquele que é o único responsável pelo êxito da missão. No cumprimento da missão, o apóstolo há-de estar pronto a dar própria vida. João de Brito deu-a como supremo testemunho da Verdade que anunciava.

    Meditatio

    Marcos, ao falar da escolha dos Doze, diz que Jesus os chamou "para estarem com ele" e para "os enviar". Não se trata de contradição, mas de complementaridade: chamou-os para estarem em intimidade com Ele e serem enviados a propagar a sua mensagem.
    S. João de Brito viveu este mistério. Educado piedosamente pela sua mãe, desde muito novo sonhou com o sacrifício e a imolação de si mesmo a Deus, por amor. A coerência e o fervor com que vivia a sua fé provocavam a mofa de alguns dos seus colegas pajens da corte. Por isso, bem cedo, começou a ser apelidado de mártir. Tendo entrado na Companhia de Jesus, em breve se distinguiu pela sua piedade e observância religiosa. A sua vida eucarística, a sua devoção a Nossa Senhora eram notáveis. Nesta vida de intimidade com Deus, sonhou partir para a Índia, e imitar o zelo de S. Francisco Xavier no anúncio da Boa Nova. E foi enviado pelos seus superiores com mais 17 missionários, em Março de 1673. Foi destinado à missão do Maduré, uma das mais difíceis por causa do clima ardente, das viagens longas pelas areias, pelos pântanos, pelas florestas. Mas havia dificuldades ainda maiores por causa da condição dos hindus e pelas suas ideias a respeito dos europeus. Tinham-nos como párias por verem que tratavam com estes "fora de castas". Por isso, não lhes consentiam que morassem nas suas aldeias. Mas a caridade inspirou aos missionários o modo de vencer tais dificuldades: adotaram os trajes, os costumes e o modo de viver dos brâmanes saniássis, espécie de religiosos letrados. Assim puderam prosseguir o seu apostolado. Em 1686, João de Brito esteve a ponto de perder a vida para socorrer os cristãos do Maravá sobre os quais se desencadeara tremenda tempestade. Saiu-lhe ao encontro o comandante das tropas do maravá que o prendeu com um grupo de catequistas e os mandou açoitar a todos, pretendendo que invocassem o deus Xivá. Resistiram, passando por muitos tormentos físicos e psicológicos. Dezoito dias depois, o rei condenava o padre à morte: seria espetado, depois de lhe cortarem os pés e as mãos. Seguiram-se novas tribulações, até que o rei, ouvindo João de Brito expor-lhe a doutrina cristã, ficou tão admirado com ela que acabou por declarar que os cristãos são justos e santos. Pouco depois, o P. João de Brito foi chamado à Europa pelo Provincial. Assim, a 8 de Setembro de 1688, chegou a Lisboa, sendo recebido por todos com grande admiração e com a benevolência do rei D. Pedro II, a quem expôs os seus trabalhos. Depois de percorrer os colégios da Companhia, João de Brito regressou à Índia, apesar das súplicas que muitos lhe fizeram para que não voltasse. O seu trabalho missionário produziu tais frutos, que se levantou contra ele nova perseguição, que acabou por levá-lo ao martírio, a 4 de Fevereiro de 1693. Na véspera da sua morte, o santo escrevia do cárcere: "Agora espero padecer a morte por meu Deus e meu Senhor... A culpa de que me acusam vem a ser que ensino a Lei de Deus Nosso Senhor... Quando a culpa é virtude, o padecer é glória". João de Brito continuava, na missão, a vida de intimidade com Deus, iniciada na sua infância e juventude. Se queremos relacionar-nos positivamente com os outros, se queremos ser missionários, precisamos de uma relação íntima, profunda e amorosa com Deus. Sem ela, a nossa vida não é verdadeira, a nossa entrega é vazia. Mas também não podemos viver a intimidade com Ele, fechando-nos aos outros. O egoísmo não conduz à adesão ao Senhor, à comunhão com Ele. Para ser vida de amor, a vida do cristão, particularmente a vida do dehoniano, deve ter o mesmo dinamismo que a de Cristo: ser um movimento de amor para Deus e para os irmãos.

    Oratio

    Senhor, que fortalecestes com invencível constância o mártir São João de Brito para pregar a fé entre os povos da Índia, concedei-nos, por seus méritos e intercessão, que, celebrando a memória do seu triunfo, imitemos os exemplos da sua fé. Por Cristo, nosso Senhor. Ámen. (Coleta da missa).

    Contemplatio

    Nosso Senhor não responde (a Herodes). O momento é grave. Cumpre o seu sacrifício para a redenção do mundo. Não tem tempo para dar às questões frívolas e curiosas de Herodes. Aqui está para nós uma grande lição de vida interior, de gravidade, de dignidade. Nosso Senhor vive unido ao seu Pai, e não condescende em conversar com os homens a não ser que algum motivo de caridade ou de justiça o exija. O silêncio tem as suas preferências. Assim devia ser também para nós. É o que diz S. Paulo aos Filipenses: «Que a vossa modéstia seja manifesta a todos os homens!». A modéstia é aqui a moderação nas palavras e nas ações. "Guardai a calma, acrescenta S. Paulo, ocupai o vosso coração a louvar a Deus, a dar-lhe graças, a rezar. Se for preciso conversar com os homens, que seja sobre temas de edificação, de piedade ou de necessidade" (Fil 4,5)... Paulo recomendava a todos os seus discípulos esta modéstia de Cristo: «Revesti-vos, diz aos Colossenses, da doçura, da modéstia, da paciência de Jesus Cristo» (Col 3,12). A paciência infinita do bom Mestre manifesta-se também com brilho em casa de Herodes. O príncipe e a sua corte tratam Jesus como um louco. Zombam dele, insultam-no. Não lhe batem como os criados do Templo, mas gozam dele. É uma outra prova, não menos cruel para o Filho de Deus. (L. Dehon, OSP 3, p. 325s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Quando a culpa é virtude, o padecer é glória." (S. João de Brito)

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    S. João de Brito, Presbítero e Mártir (04 Fevereiro)

  • 05º Domingo do Tempo Comum – Ano C

    05º Domingo do Tempo Comum – Ano C


    6 de Fevereiro, 2022

    ANO C
    5º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 5º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo leva-nos a reflectir sobre a nossa vocação: somos todos chamados por Deus e d’Ele recebemos uma missão para o mundo.
    Na primeira leitura, encontramos a descrição plástica do chamamento de um profeta – Isaías. De uma forma simples e questionadora, apresenta-se o modelo de um homem que é sensível aos apelos de Deus e que tem a coragem de aceitar ser enviado.
    No Evangelho, Lucas apresenta um grupo de discípulos que partilharam a barca com Jesus, que acolheram as propostas de Jesus, que souberam reconhecê-l’O como seu “Senhor”, que aceitaram o convite para ser “pescadores de homens” e que deixaram tudo para seguir Jesus… Neste quadro, reconhecemos o caminho que os cristãos são chamados a percorrer.
    A segunda leitura propõe-nos reflectir sobre a ressurreição: trata-se de uma realidade que deve dar forma à vida do discípulo e levá-lo a enfrentar sem medo as forças da injustiça e da morte. Com a sua acção libertadora – que continua a acção de Jesus e que renova os homens e o mundo – o discípulo sabe que está a dar testemunho da ressurreição de Cristo.

    LEITURA I – Is 6,1-2a.3-8

    Leitura do Livro de Isaías

    No ano em que morreu Ozias, rei de Judá,
    vi o Senhor, sentado num trono alto e sublime;
    a fímbria do seu manto enchia o templo.
    À sua volta estavam serafins de pé,
    que tinham seis asas cada um
    e clamavam alternadamente, dizendo:
    «Santo, santo, santo é o Senhor do Universo.
    A sua glória enche toda a terra!»
    Com estes brados as portas oscilavam nos seus gonzos
    e o templo enchia-se de fumo.
    Então exclamei:
    «Ai de mim, que estou perdido,
    porque sou um homem de lábios impuros,
    moro no meio de um povo de lábios impuros
    e os meus olhos viram o Rei, Senhor do Universo».
    Um dos serafins voou ao meu encontro,
    tendo na mão um carvão ardente
    que tirara do altar com uma tenaz.
    Tocou-me com ele na boca e disse-me:
    «Isto tocou os teus lábios:
    desapareceu o teu pecado, foi perdoada a tua culpa».
    Ouvi então a voz do Senhor, que dizia:
    «Quem enviarei? Quem irá por nós?»
    Eu respondi:
    «Eis-me aqui: podeis enviar-me».

    AMBIENTE

    Estamos em Jerusalém, por volta de 740/739 a.C.. Isaías tem, então, à volta de vinte anos. Enquanto está no Templo em oração, descobre que Deus o chama a ser profeta. O texto de hoje relata-nos essa descoberta e a resposta de Isaías. No entanto, este relato não deve ser visto como uma reportagem jornalística de acontecimentos, mas sim como uma apresentação teológica de uma experiência interior de vocação.
    Os pormenores folclóricos – o trono alto e sublime em que o Senhor Se senta, o seu manto que enche o Templo, os “serafins” com seis asas que voam sem cessar à volta e que cobrem a face e os pés, o oscilar das portas nos seus gonzos, o fumo – são elementos simbólicos com que o profeta desenha a grandeza, a omnipotência e a magnificência de Deus. É essa a perspectiva que o profeta tem do Deus que o chamou.

    MENSAGEM

    Nesta catequese sobre a experiência de vocação, encontramos vários passos. Vamos resumi-los brevemente.
    Em primeiro lugar (vers. 1-5), Isaías deixa claro que a sua vocação é obra de Jahwéh, o Deus majestoso e santo, infinitamente acima do mundo e distante da realidade pecadora em que os homens vivem mergulhados. Os elementos literários típicos das teofanias (o temor, a voz forte, o fumo) definem o quadro típico das manifestações de Deus no Antigo Testamento: foi esse Deus que se manifestou a Isaías e que o convocou para o seu serviço.
    Em segundo lugar (vers. 6-7), temos a objecção e a purificação. A objecção do profeta é um elemento típico dos relatos de vocação (cf. Ex 3,11, no chamamento de Moisés). Manifesta o sentimento de um homem que, chamado por Deus a uma missão, tem consciência dos seus limites e da sua indignidade, ou prefere continuar no seu cantinho cómodo, sem se comprometer. A “purificação” sugere que a indignidade e a limitação não são impeditivos para a missão: a eleição divina dá ao profeta autoridade, apesar dos seus limites bem humanos.
    Em terceiro lugar, temos a aceitação da missão pelo profeta. Convém, a propósito, notar o seguinte: Isaías oferece-se sem saber ainda qual a missão que lhe vai ser confiada; manifesta, dessa forma, a sua disponibilidade absoluta para o serviço de Deus.
    Temos, aqui, descrito o caminho da verdadeira vocação.

    ACTUALIZAÇÃO

    Nesta reflexão sobre a “vocação”, considerar as seguintes questões:

    • Cada um de nós tem a sua história de vocação: de muitas formas Deus entra na nossa vida, desafia-nos para a missão, pede uma resposta positiva à sua proposta. Temos consciência de que Deus nos chama – às vezes de formas bem banais? Estamos atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e através dos quais Ele nos diz, dia a dia, o que quer de nós?

    • A missão que Deus propõe está, frequentemente, associada a dificuldades, a sofrimentos, a conflitos, a confrontos… Por isso, é um caminho de cruz que, às vezes, procuramos evitar. Será que eu consigo vencer o comodismo e a preguiça que me impedem de concretizar a missão?

    • É preciso ter consciência, também, que as minhas limitações e indignidades muito humanas não podem servir de desculpa para realizar a missão que Deus quer confiar-me: se Ele me pede um serviço, dar-me-á a força para superar os meus limites e para cumprir o que Ele me pede.

    • Isaías aceita o envio, ainda antes de saber, em concreto, qual é a missão. É o exemplo de quem arrisca tudo e se dispõe, de forma absoluta, para o serviço de Deus. No entanto, é difícil arriscar tudo, sem cálculos nem garantias: é o pôr em causa os nossos projectos e esquemas para confiar apenas em Deus, de forma que Ele possa fazer de nós o que quiser. Qual a minha atitude em relação a isto?

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 137 (138)

    Refrão: Na presença dos Anjos,
    eu Vos louvarei, Senhor.

    De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças,
    porque ouvistes as palavras da minha boca.
    Na presença dos Anjos Vos hei-de cantar
    e Vos adorarei, voltado para o vosso templo santo.

    Hei-de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade,
    porque exaltastes acima de tudo o vosso nome e a vossa promessa.
    Quando Vos invoquei, me respondestes,
    aumentastes a fortaleza da minha alma.

    Todos os reis da terra Vos hão-de louvar, Senhor,
    quando ouvirem as palavras da vossa b
    oca.
    Celebrarão os caminhos do Senhor,
    porque é grande a glória do Senhor.

    A vossa mão direita me salvará,
    o Senhor completará o que em meu auxílio começou.
    Senhor, a vossa bondade é eterna,
    não abandoneis a obra das vossas mãos.

    LEITURA II – 1 Cor 15,1-11

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Recordo-vos, irmãos, o Evangelho
    que vos anunciei e que recebestes,
    no qual permaneceis e pelo qual sereis salvos,
    se o conservais como eu vo-lo anunciei;
    aliás teríeis abraçado a fé em vão.
    Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi:
    Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras;
    foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras,
    e apareceu a Pedro e depois aos Doze.
    Em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez,
    dos quais a maior parte ainda vive,
    enquanto alguns já faleceram.
    Posteriormente apareceu a Tiago e depois a todos os Apóstolos.
    Em último lugar, apareceu-me também a mim,
    como o abortivo.
    Porque eu sou o menor dos Apóstolos
    e não sou digno de ser chamado Apóstolo,
    por ter perseguido a Igreja de Deus.
    Mas pela graça de Deus sou aquilo que sou
    e a graça que Ele me deu não foi inútil.
    Pelo contrário, tenho trabalhado mais que todos eles,
    não eu, mas a graça de Deus, que está comigo.
    Por conseguinte, tanto eu como eles,
    é assim que pregamos;
    e foi assim que vós acreditastes.

    AMBIENTE

    A chegada do cristianismo ao mundo grego provocou um choque de mentalidades e de perspectivas culturais. Isso ficou bem evidente na dificuldade dos coríntios em aceitar a ressurreição dos mortos.
    A ressurreição dos mortos era relativamente bem aceite no judaísmo, habituado a ver o homem na sua unidade; mas constituía um problema sério para a mentalidade grega. Porquê? Porque a cultura grega, fortemente influenciada por filosofias dualistas (como a filosofia de Platão, por esta altura na moda) que viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade ideal e nobre, recusava-se a aceitar a ressurreição do homem integral. Como poderia o corpo – essa realidade material, carnal, sensual, que aprisionava a alma e a impedia de subir ao mundo ideal, na opinião dos filósofos gregos – seguir a alma?
    É a esta questão posta pelos Coríntios que Paulo vai responder neste texto.

    MENSAGEM

    A argumentação de Paulo é simples e contundente: nós, cristãos, ressuscitaremos um dia, porque Cristo já ressuscitou.
    O texto começa com a evocação de uma fórmula da catequese primitiva sobre esta questão. Paulo não está a inventar: está a transmitir com absoluta fidelidade a catequese que recebeu.
    A fórmula paulina, que é ao mesmo tempo reflexo e modelo da primitiva pregação cristã acerca da ressurreição, estrutura-se em três tempos: afirmação do facto (morte/ressurreição), testemunho da Sagrada Escritura, comprovação experimental do mesmo (sepultura/aparições). A comprovação do facto resulta dos outros dois elementos.
    No que diz respeito ao testemunho das escrituras, Paulo não cita directamente nenhum texto da Sagrada Escritura em favor da sua tese; mas podemos pensar que Paulo está a referir-se a Is 53,8-12 (o quarto poema do Servo de Jahwéh) e a Os 6,2. No que diz respeito às testemunhas da ressurreição de Jesus, Paulo cita seis manifestações de Jesus ressuscitado: a Pedro, aos Doze, a mais de quinhentos irmãos, a Tiago, aos outros apóstolos e, finalmente, ao próprio Paulo.
    Notemos que os apóstolos (Paulo incluído) não testemunharam o momento da ressurreição, mas a experiência de um Jesus que continuou vivo depois da morte. O ressuscitado fez-se presente na vida destes homens e, como tal, converteu-se em objecto de pregação e de fé. Portanto, ao falar da ressurreição de Jesus, não estamos a falar de um “facto histórico”, entendendo por “facto histórico” aquele de que qualquer pessoa pode relatar os pormenores. A ressurreição de Cristo é um facto real, mas ao mesmo tempo sobrenatural e meta-histórico, algo que ultrapassa completamente as categorias humanas de espaço e de tempo, a fim de entrar na órbita da fé. É algo que a ciência histórica não pode demonstrar, porque corresponde a uma experiência de fé. O que, historicamente, podemos comprovar, é a incrível transformação dos discípulos que, de homens cheios de medo, de frustração e de cobardia, se converteram em arautos destemidos de Jesus, vivo e ressuscitado.
    Além do mais, a ressurreição é um facto que ocorreu, mas que continua a ocorrer; continua a ter a eficácia primitiva, continua a ser capaz de converter em homens novos, a quantos aceitam Jesus pela fé. A comunidade cristã é convidada a fazer esta descoberta, a partir das Escrituras, do Espírito e da própria vida nova que continuamente vai nascendo nos cristãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão deste texto, considerar as seguintes questões:

    • Será um dado adquirido, para qualquer cristão, a ressurreição de Jesus. No entanto, essa ressurreição é, para nós, uma verdade abstracta que afirmamos no credo, ou algo vivo e dinâmico, que todos os dias continua a acontecer na nossa vida e na nossa história, gerando vida nova, libertação, amor, numa contínua manifestação de Primavera para nós e para o mundo?

    • A ressurreição de Cristo garante-nos que não há morte para quem aceita fazer da sua vida uma luta pela justiça, pela verdade, pelo projecto de Deus. Temos consciência disso? A certeza da ressurreição encoraja-nos a lutar, sem a paralisia que vem do medo, por um mundo mais justo, mais fraterno, mais humano?

    ALELUIA – Mt 4,19

    Aleluia. Aleluia.

    Vinde comigo, diz o Senhor,
    e farei de vós pescadores de homens.

    EVANGELHO – Lc 5,1-11

    Evangelho de Nosso senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    estava a multidão aglomerada em volta de Jesus,
    para ouvir a palavra de Deus.
    Ele encontrava-Se na margem do lago de Genesaré
    e viu dois barcos estacionados no lago.
    Os pescadores tinham deixado os barcos
    e estavam a lavar as redes.
    Jesus subiu para um barco, que era de Simão,
    e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra.
    Depois sentou-Se
    e do barco pôs-Se a ensinar a multidão.
    Quando acabou de falar, disse a Simão:
    «Faz-te ao largo
    e lançai as redes para a pesca».
    Respondeu-Lhe Simão:
    «Mestre, andámos na faina toda a noite
    e não apanhámos nada.
    Mas, já que o dizes, lançarei as redes».
    Eles assim fizeram
    e apanharam tão grande quantidade de peixes
    que as redes começavam a romper-se.
    Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco
    para os virem ajudar;
    eles vieram e encheram ambos os barcos
    de tal modo que quase se afundavam.
    Ao ver o sucedido,
    Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe:
    «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador».
    Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele
    e de todos os seus companheiros,
    por causa da pesca realizada.
    Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu,
    que eram companheiros de Simão.
    Jesus disse a Simão:
    «Não temas.
    Daqui em diante serás pescador de homens».
    Tendo conduzido os barcos para terra,
    eles deixaram tudo e seguiram Jesus.

    AMBIENTE

    Estamos na Galileia, no início do ministério de Jesus. Há algum tempo, Ele apresentou o seu programa na sinagoga de Nazaré como anúncio da Boa Nova aos pobres e proposição da libertação para os prisioneiros… Agora, começam a notar-se os primeiros resultados da actividade de Jesus: à sua volta começa a formar-se o grupo dos que foram sensíveis a essa proposta de salvação e seguiram Jesus.

    MENSAGEM

    O texto que nos é proposto como Evangelho é uma catequese que procura apresentar as coordenadas fundamentais da identidade cristã: o que é ser cristão? Como se segue Jesus? O que é que implica seguir Jesus?
    Ser cristão é, em primeiro lugar, estar com Jesus “no mesmo barco” (vers. 3). É desse barco (a comunidade cristã), que a Palavra de Jesus se dirige ao mundo, propondo a todos a libertação (“pôs-Se a ensinar, da barca, a multidão”).
    Ser cristão é, em segundo lugar, escutar a proposta de Jesus, fazer o que Ele diz, cumprir as suas indicações, lançar as redes ao mar (vers. 4-5). Às vezes, as propostas de Jesus podem parecer ilógicas, incoerentes, ridículas (e quantas vezes o parecem, face aos esquemas e valores do mundo…); mas é preciso confiar incondicionalmente, entregar-se nas mãos d’Ele e cumprir à risca as suas indicações (“porque Tu o dizes, lançarei as redes” – vers. 5).
    Ser cristão é, em terceiro lugar, reconhecer Jesus como “o Senhor” (vers. 8): é o que faz Pedro, ao perceber como a proposta de Jesus gera vida e fecundidade para todos. O título “Senhor” (em grego, “kyrios”) é o título que a comunidade cristã primitiva dá a Jesus ressuscitado, reconhecendo n’Ele o “Senhor” que preside ao mundo e à história.
    Ser cristão é, em quarto lugar, aceitar a missão que Jesus propõe: ser pescador de homens (vers. 10). Para entendermos o verdadeiro significado da expressão, temos de recordar o que significava o “mar” no ideário judaico: era o lugar dos monstros, onde residiam os espíritos e as forças demoníacas que procuravam roubar a vida e a felicidade do homem. Dizer que os seus discípulos vão ser “pescadores de homens” significa que a missão do cristão é continuar a obra libertadora de Jesus em favor do homem, procurando libertar o homem de tudo aquilo que lhe rouba a vida e a felicidade. Trata-se de salvar o homem de morrer afogado no mar da opressão, do egoísmo, do sofrimento, do medo – as forças demoníacas que impedem a felicidade do homem.
    Ser cristão é, finalmente, deixar tudo e seguir Jesus (vers. 11). Esta alusão ao desprendimento do discípulo é típica de Lucas (cf. Lc 5,28;12,33;18,22): Lucas expressa, desta forma, que a generosidade e o dom total devem ser sinais distintivos das comunidades e dos crentes que seguem Jesus.
    Uma palavra, ainda, para o papel proeminente que Pedro aqui desempenha: a comunidade lucana é uma comunidade estruturada, que reconhece em Pedro o “porta-voz” de todos e o principal animador dessa comunidade de Jesus que navega nos mares da história.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar os seguintes dados:

    • A reflexão deste texto deve pôr em paralelo o “caminho cristão”, tal como Lucas o descreve aqui, com esse caminho – às vezes não tão cristão como isso – que vamos percorrendo todos os dias. Considerar as seguintes questões:

    • O nosso caminho é feito no barco de Jesus, ou, às vezes, embarcamos noutros projectos onde Jesus não está e fazemos deles o objectivo da nossa vida? Por outro lado, deixamos que Jesus viaje connosco ou, às vezes, obrigamo-l’O a desembarcar e continuamos viagem sem Ele?

    • Ao longo da viagem, somos sensíveis às palavras e propostas de Jesus? As suas indicações são para nós sinais obrigatórios a seguir, ou fazem mais sentido para nós os valores e a lógica do mundo?

    • Reconhecemos, de facto, que Jesus é o “Senhor” que preside à nossa história e à nossa vida? Ele é o centro à volta do qual constituímos a nossa existência, ou deixamos que outros “senhores” nos manipulem e dominem?

    • Chamados a ser “pescadores de homens”, temos por missão combater o mal, a injustiça, o egoísmo, a miséria, tudo o que impede os homens nossos irmãos de viver com dignidade e de ser felizes. É essa a nossa luta? Sentimos que continuamos, dessa forma, o projecto libertador de Jesus?

    • A nossa entrega é total, ou parcial e calculada? Deixamos tudo na praia para seguir Jesus, porque o seu projecto se tornou a prioridade da nossa vida?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 5º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 5º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. DA PALAVRA À EUCARISTIA.
    As palavras do nosso Sanctus vêm da primeira leitura deste domingo. Se o Sanctus programado para este dia tiver um refrão, este último poderá ser utilizado como antífona do salmo responsorial. Será um modo simples de valorizar a ligação entre as duas mesas, a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    “Deus Altíssimo, Rei e Senhor do universo, juntamo-nos à imensa multidão celeste das tuas criaturas espirituais para Te aclamar: Santo, Santo, Santo, Senhor Deus do universo. Toda a terra está cheia da tua glória!
    Pai, que desejas tanto estar próximo de nós e de Te fazer conhecer, nós Te pedimos: envia os teus mensageiros, que o teu Nome seja santificado em toda a terra.”

    N
    o final da segunda leitura:
    “Pai, nos Te damos graças pela Boa Nova de Jesus ressuscitado, Ele que foi manifestado aos Apóstolos e revelado a todos aqueles que Te procuram com fé. Bendito sejas pelo testemunho apostólico transmitido de geração em geração.
    Jesus, Filho do Deus vivo, salva-nos pela tua ressurreição, acolhe todos os nossos irmãos e irmãs defuntos na tua comunhão, na luz da tua Páscoa eterna”.

    No final do Evangelho:
    “Jesus, Mestre e Senhor, bendito sejas pelos apelos que nos diriges em cada dia, convidando-nos a seguir-Te.
    Mestre, nós Te confiamos os nossos desencorajamentos, porque também nós sofremos para avançar ao largo, no teu caminho. Mas na tua Palavra e com o sopro do Espírito, retomaremos o caminho”.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Estes pescadores tinham, sem dúvida, ouvido falar de Jesus. O seu ensinamento parecia ter autoridade, mas não era um homem do Lago. Não era Ele que ia dar lições a estes três pescadores experimentados. Então, que se passou? Ele devia inspirar confiança, para que Simão lhe emprestasse a sua barca, fazendo dela lugar de pregação e, mais ainda, para que este mesmo Simão obedecesse à sua ordem, uma ordem insensata: lançar novamente as redes, quando a pesca tinha sido infrutífera toda a noite. Diante da prodigalidade da pesca, Simão lança-se aos pés daquele que reconhece como mestre, enquanto ele mesmo se reconhece como homem pecador. Jesus faz um segundo sinal, um segundo milagre: vai fazer de Pedro um outro homem. De pescador de peixes torna-se pescador de homens, torna-se um homem cheio de confiança. Deixando tudo, como Tiago e João, segue Jesus!

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Pedro era um pescador profissional. Conhecia o seu ofício. Aquele dia era um dia “não”, um dia de pesca infrutífera. E chega Jesus, carpinteiro, a dizer-lhe o que fazer, para lançar as redes. A primeira atitude de Simão é, naturalmente, de hesitação. Apesar de tudo, manifesta uma atitude de confiança, ao lançar as redes. A palavra e a personalidade de Jesus inspiraram-lhe alguma confiança. Segundo Lucas, Pedro já tinha tido ocasião para experimentar a presença de Jesus junto da sua sogra, doente com febre. A pesca é verdadeiramente milagrosa. Humanamente, não seria possível! Pedro e os companheiros admitem que este jovem rabino tem poderes sobre-humanos. Pelo menos, é um profeta, um enviado de Deus. Mas para Pedro ficam interrogações: a presença de Deus não acontece no Templo, em Jerusalém, onde são necessários ritos de purificação para se aproximar d’Ele? Daí o grito de Pedro: “afasta-Te de mim, que sou um homem pecador!” Em Jesus, Deus sai do Templo, de todos os templos. Vem caminhar na estrada dos homens. Vem ao encontro dos homens, os mais pequenos, os pescadores e pecadores, independentemente de qualquer purificação. Será isso o mundo ao contrário? Certamente! Jesus vem colocar o mundo face a Deus, numa relação de amor que suprime todas as barreiras e que suscita infinita confiança. Isso continua a ser verdade hoje!

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística I, que recorda o nome dos apóstolos de que fala o Evangelho e na Carta de Paulo. As palavras “na presença da tua glória sobre o teu altar celeste” evocam, de certo modo, o clima da primeira leitura.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
    As últimas palavras do sacerdote na missa são palavras de paz: “Ide em paz e o Senhor vos acompanhe!” Eis-nos enviados entre os homens, nossos irmãos, como Isaías, como Simão, como Paulo… E, como eles, não nos sentimos dignos de cumprir a missão que Deus nos confia em cada Eucaristia. Mas, como a Isaías, a Simão, a Paulo, uma palavra forte é dita a cada um de nós: “Não tenhas medo…” Partamos, como Paulo… com a certeza de que não sou eu que trabalho sozinho, “é a graça de Deus, que está comigo!”

     

    https://www.youtube.com/watch?v=2GsZWJn8Dos

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

    S. Paulo Miki e Companheiros

    S. Paulo Miki e Companheiros


    6 de Fevereiro, 2022

    Paulo Miki, jesuíta japonês, é um dos 26 mártires que, a 5 de Fevereiro de 1597, morreram crucificados na colina de Tateyama - depois chamada «colina santa» - junto de Nagasaki. A evangelização do Japão, iniciada por S. Francisco Xavier (1549-1551), tinha dado os seus grupos e a comunidade cristã atingia, em 1587, os 250.000 membros. O imperador, que inicialmente tinha favorecido os missionários, decretou a expulsão dos jesuítas e mandou prender 6 franciscanos espanhóis e três jesuítas japoneses. Foi um tempo de dura repressão.

    Paulo Miki era filho de um oficial. Foi educado num colégio jesuíta e, em 1580, entrou na Companhia de Jesus. Tornou-se muito conhecido pela qualidade da sua vida e pela sua capacidade de evangelizar. Ainda não era sacerdote quando foi martirizado com outros 25 cristãos: 6 missionários franciscanos espanhóis, um escolástico e um irmão, jesuítas japoneses, e 17 leigos também japoneses. Foram canonizados por Pio IX, em 1862.

    Lectio

    Primeira leitura: Gálatas, 2, 19s.

    Irmãos, eu pela Lei morri para a Lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo.20Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. E a vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou por mim.

    A forte experiência a que Paulo faz alusão neste texto, está inserida na vida da comunidade da Galácia, que, se por um lado vive em grande fervor, por outro é provada pelos irmãos que julgam necessário continuar a observar a lei de Moisés, com tudo o que ela implica, também a circuncisão (cf. Gal 1, 2 e Act 15, 1).
    É na provação que os discípulos descobrem a verdadeira origem da salvação. Em consequência, chegam a uma relação viva com o Senhor Jesus, a uma maior consciência da sua identidade, aprendem a reconhecer a acção do Espírito no desenvolvimento da Igreja e descobrem o seu lugar na sociedade. Trata-se de fazer, mais uma vez, uma opção por Cristo e pelo único evangelho, fundamentando a própria vida, não em normas e rituais, como acontecia entre os judeus, mas em Cristo e em Cristo Crucificado. Paulo não quer propor aos Gálatas uma doutrina a discutir, mas levá-los a reflectir, narrando a sua experiência (1, 10-2,21), na «verdade do evangelho» (2, 14), a reconhecer que a justificação vem da fé e não das obras da lei, a encontrar-se com Cristo crucificado, a viver a vida em liberdade, guiados pelo Espírito.
    Paulo «sabe» quem é o seu Senhor! «Estou crucificado com Cristo» (2, 20): é o nascimento da vida nova e é a plena identificação com Jesus. A vida desenrola-se na comunhão profunda, única e misteriosa, com Cristo, que o amou e deu a vida por ele.

    Evangelho: Mateus, 28, 16-20

    Naquele tempo, os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha indicado. 17Quando o viram, adoraram-no; alguns, no entanto, ainda duvidavam.18Aproximando-se deles, Jesus disse-lhes:«Foi-me dado todo o poder no Céu e na Terra. 19Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, 20ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado. E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.»

    Jesus convoca a comunidade dos discípulos para a revelação definitiva. O lugar é significativo: a Galileia, um Monte. Foi na Galileia que Jesus anunciou, pela primeira vez, a vinda do Reino (4, 17); foi sobre um monte que Jesus foi tentado pelo Demónio que Lhe oferecia o domínio sobre os reinos do mundo (4, 8-10); foi sobre um monte que Jesus proclamou as Bem-aventuranças (5, 1ss.); foi sobre um monte que aconteceu a Transfiguração (7, 1). Agora, sobre um monte, o Ressuscitado manifesta-se aos seus e revela-lhes que o Pai Lhe deu todo o poder «no Céu e na Terra» (v. 17).
    Jesus confia aos Apóstolos a missão, que é a missão universal da Igreja. Promete-lhes a sua presença perene: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (v. 20). A senhoria universal do Ressuscitado é a fonte donde brota a missão universal da Igreja: «ir e ensinar todos os povos», «fazer discípulos todos os povos». Mas o Senhor não deixa a Igreja só nesta missão longa e difícil. Ele está com eles como guia, apoio, purificação, luz. Está com eles para apoiar a sua obediência ao Pai e o seu amor activo para com todos.

    Meditatio

    A leitura da Carta aos Gálatas, na memória dos Mártires do Japão, leva-nos a confrontar-nos, mais uma vez, com o «evangelho de Deus» (Rm 1, 1), convidando-nos a renovar a nossa opção por Cristo em todas as situações da nossa vida: na alegria, no sofrimento, no êxito, no fracasso... «a vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a si mesmo se entregou por mim» (Gal 2, 20). O testemunho dos Mártires Japoneses e das suas comunidades cristãs é Palavra e conforto para nós, os crentes, e é anúncio e luz transformadora para a humanidade. A vida nasce da vida que se gasta, que se faz dom. Nos fundamentos da Igreja está o sangue e a fidelidade, isto é, o amor. A Igreja nasce do ágapedivino e vive dele. O ágape é o princípio vital da sua existência e da sua acção, que o irradia e comunica.
    O evangelho faz brotar a gratidão e o louvor, porque leva a tocar com mão a realização do mandato confiado a por Cristo ressuscitado aos seus. A Igreja contempla-O nas terras do Japão, onde o Espírito abriu corações e mentes e agregou novos membros ao novo povo. Todos, com efeito, «são admitidos à mesma herança, membros do mesmo Corpo e participantes da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho». É com este coração apaixonado que também nós queremos ver o homem e a sociedade de hoje. Abertos a todos, dados a todos.
    As comunidades cristãs envolvem o mundo no amor de Cristo crucificado, atestam o senhorio de Cristo, a universalidade do mandato e do amor do Pai, e são, por sua vez, seu ícone entre os homens porque são membros do seu corpo, animados pelo mesmo Espírito.

    Oratio

    Pai santo, nós Te bendizemos e damos graças porque és o autor e dador de todos os bens. Hoje, queremos particularmente agradecer-Te pelo testemunho dos nossos irmãos mártires. À imitação de Cristo, teu Filho, derramaram o seu sangue pela confissão do teu nome. A sua vida é conforto, apoio e luz para nós. Neles manifestas as maravilhas do teu poder. Neles tiras força da fraqueza humana e fazes da fragilidade testemunho da tua grandeza.
    O nosso espírito emudece de espanto na contemplação destes mártires crucificados como o teu Filho e por causa d´Ele. Por sua intercessão, queremos pedir-Te força e coragem para prosseguirmos a nossa peregrinação terrena na fidelidade ao teu amor, mesmo quando tivermos de participar na paixão do teu Filho Jesus. Infunde em nós a sabedoria da cruz e ajuda-nos para aderirmos totalmente a Cristo e com Ele cooperarmos na redenção do mundo. Amen.

    Contemplatio

    Esperando a glória dos céus, os perseguidos experimentam já uma alegria íntima sobre a terra. É uma recompensa da graça divina. «Vêem o fruto do que as suas almas sofreram, diz-nos o profeta, e são assim saciados» (Is 53, 2). É a alegria íntima do apostolado e o triunfo do sofrimento e do sacrifício: «O meu servo é justo e pelo ensino da sua doutrina tornará justo um grande número de homens...Dar-lhe-ei em partilha uma multidão de discípulos; vencerá os seus inimigos e partilhará os seus despojos» (Is 53, 11-12). Isto aplica-se ao Salvador e àqueles que propagam o seu reino. A salvação das almas! Que recompensa consoladora pelas lágrimas derramadas, pelas fadigas suportadas, pelas perseguições sofridas e pelo ódio do mundo!... Seguindo a Jesus, que levou a cruz com alegria, com os apóstolos e os mártires, que louvam a Deus nas perseguições, levemos generosamente a nossa cruz quotidiana. - O Coração de Jesus ama a cruz redentora: o meu coração esperou o opróbrio e a vergonha (Sl 68). Amemos a nossa cruz de cada dia, o trabalho, a fadiga, a humildade, a obscuridade. Suportemos com uma doce paciência as incomodidades da vida comum e as provações que a Providência nos envia. (Leão Dehon, OSP 4, p. 61s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a Palavra do Senhor:
    «Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20).

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    S. Paulo Miki e Companheiros (6 Fevereiro)

  • As cinco Chagas do Senhor

    As cinco Chagas do Senhor


    7 de Fevereiro, 2022

    O culto das Cinco Chagas do Senhor, isto é, das feridas que recebeu na cruz e manifestou aos Apóstolos depois da Ressurreição, foi impulsionado por S. Bernardo, e encontrou sentida e profunda adesão no povo português, desde os começos da nacionalidade. Luís de Camões, nos Lusíadas, faz eco dessa devoção (I, 7). Prestando culto às Chagas do Redentor, é para Jesus Cristo que se dirige a nossa adoração, para quem nos amou até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8). A contemplação das Chagas do Senhor deu particular atenção ao Lado aberto, conduzindo os místicos medievais e posteriores à contemplação do Coração trespassado, a mais viva expressão do seu amor. Essa contemplação move-nos espontaneamente à correspondência, "amor com amor se paga".

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 53, 1-10

    Quem acreditou no nosso anúncio?A quem foi revelado o braço do Senhor? 2O servo cresceu diante do Senhor como um rebento, como raiz em terra árida, sem figura nem beleza. Vimo-lo sem aspecto atraente,  3desprezado e abandonado pelos homens, como alguém cheio de dores, habituado ao sofrimento, diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desconsiderado.  4Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. Nós o reputávamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado. 5Mas foi ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. O castigo que nos salva caiu sobre ele, fomos curados pelas suas chagas.  6Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas perdidas, cada um seguindo o seu caminho. Mas o Senhor carregou sobre ele todos os nossos crimes.7Foi maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro, ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador. 8Sem defesa, nem justiça, levaram-no à força. Quem é que se preocupou com o seu destino? Foi suprimido da terra dos vivos, mas por causa dos pecados do meu povo é que foi ferido.  9Foi-lhe dada sepultura entre os ímpios, e uma tumba entre os malfeitores, embora não tenha cometido crime algum, nem praticado qualquer fraude. 10Mas aprouve ao Senhor esmagá-lo com sofrimento, para que a sua vida fosse um sacrifício de reparação. Terá uma posteridade duradoura e viverá longos dias, e o desígnio do Senhor realizar-se-á por meio dele.

    O quarto cântico do Servo de Javé é um dos momentos mais altos da revelação do Antigo Testamento. Nele encontramos uma interpretação da história de Israel como expiação vicária e redentora do resto em favor de toda a comunidade judaica e de todos os povos da terra. Tudo isto se realiza plenamente em Cristo, membro eminente da comunidade dos que foram salvos, dos Pobres de Israel, do Resto, dos Fiéis. Os evangelistas, inspirados por Deus, leram os acontecimentos da vida de Jesus de Nazaré à luz deste misterioso Servo de que fala o profeta. Jesus é o Servo fiel e sofredor, o "homem das dores" que nos salvou. As suas Chagas são o testemunho mais eloquente do amor, com que realizou a sua intervenção em favor do povo de Deus.

    Segunda leitura: João 19, 28-37

    Naquele tempo, sabendo Jesus que tudo se consumara, para se cumprir totalmente a Escritura, disse: «Tenho sede!» 29Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre uma esponja fixada num ramo de hissopo, chegaram-lha à boca. 30Quando tomou o vinagre, Jesus disse: «Tudo está consumado.» E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.31Como era o dia da Preparação da Páscoa, para evitar que no sábado ficassem os corpos na cruz, porque aquele sábado era um dia muito solene, os judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. 32Os soldados foram e quebraram as pernas ao primeiro e também ao outro que tinha sido crucificado juntamente. 33Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas. 34Porém, um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água. 35Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também. 36É que isto aconteceu para se cumprir a Escritura, que diz: Não se lhe quebrará nenhum osso. 37E também outro passo da Escritura diz: Hão-de olhar para aquele que trespassaram.

    Depois de tudo o que aconteceu na paixão, a sede de Jesus é completamente natural. Mas João na se limita a esse fato. Para ele, a sede de Jesus significa a sua intensa tendência para Deus. O Sl 63, 1 ajuda-nos a compreender a sede de Jesus crucificado: "Ó Deus! Tu és o meu Deus! Anseio por ti! A minha alma tem sede de ti!". O clamor de Jesus era uma oração. Para João, Jesus recitava o salmo 63.
    Jesus morre como verdadeiro cordeiro pascal. É por isso que o evangelista fixa a sua morte no dia e na hora em que, no templo, eram sacrificados os cordeiros que, no dia seguinte, eram comidos na ceia pascal.
    Do seu Lado aberto "saiu sangue e água". Isto é possível fisiologicamente. Mas, para João, mais uma vez, o que interessa é o símbolo do acontecimento: do Lado de Cristo, morto na cruz, brotam os sacramentos da Igreja: a Eucaristia e o Batismo.
    Os homens "hão-de olhar para Aquele que trespassaram", e aqueles que neste olhar de fé, se converterem receberão a água misteriosa do Espírito de Deus. Com o seu sacrifício, o Cordeiro Pascal libertou o seu Povo do pecado. As suas Chagas não são sinais de derrota, mas de triunfo.

    Meditatio

    Nas Chagas do Senhor, particularmente na do seu Lado aberto, contemplamos o caminho do amor de Deus até nós e o nosso caminho de amor até Ele. S. Agostinho realça bem este caminho nos seus discursos: "Cristo é a porta. Esta porta foi aberta para ti quando o Seu Lado foi aberto pela lança. Recorda-te do que saiu e escolhe por onde entrar". Percorrendo este caminho de amor, chegamos à devoção ao Coração de Jesus. Foi este o caminho de Santa Margarida Maria. Desde pequena, teve uma afetuosa devoção à Paixão de Cristo e às cinco Chagas, atraindo particularmente a sua atenção a chaga do Lado. Finalmente, a convite de Jesus, fez a descoberta do Coração, reconhecido como símbolo da Pessoa amante do Redentor. Foi este, também, o caminho "místico" do Pe. Dehon. No "Ano com o Coração de Jesus", escreve: "O profeta não disse: "Verão Aquele que trespassaram", mas "Voltarão o olhar para dentro d'Aquele que trespassaram" ("Videbunt in quem transfixerunt") (Jo 19, 37 - Vulgata). S. João aplica estas palavras à abertura do Lado de Jesus, ao próprio Coração de Jesus que pôde entrever através da chaga do lado aberto...". Para além de todas as questões críticas de tal leitura e interpretação bíblica, a verdade é que "ver em alguém" e muito mais do que "ver alguém". Uma coisa é conhecer uma pessoa só externamente, outra é conhecê-la na sua interioridade e intimidade. O Pe. Dehon fala deste olhar íntimo também na Vida de amor... E põe na boca de Jesus as seguintes palavras: "Eu sou, de verdade, nos mistérios da Minha Paixão, um livro escrito por dentro e por fora (cf. Ap 5, 1) e o que aí está escrito é o Meu amor... Não vos contenteis em ler e admirar esta divina escritura somente do lado de fora, mas penetrai até ao Meu Coração e vereis". E, nas "Coroas de amor"... "Leiamos e voltemos a ler este livro de amor do Coração de Jesus, devoremos este livro de amor que é o próprio amor e, quando ardermos de amor, a nossa oblação será facilmente generosa, pronta, sem cedências". Deste modo, o Pe. Dehon faz eco a S. João: "Hão-de olhar para Aquele que trespassaram" (19, 37); isto não é só uma profecia, é uma exortação, um convite, porque do mistério do Lado aberto (e do Coração Trespassado do Salvador), "nasce o homem de coração novo" (Cst 2-3). "Com S. João, vemos no Lado aberto do Crucificado o sinal do amor que, na doação total de Si mesmo, recria o homem segundo Deus" (Cst 21). Assim contemplamos o Trespassado, no ato supremo da Redenção, não como os israelitas contemplavam a serpente de bronze, elevada no deserto, para curar as mordeduras das serpentes, mas penetramos na realidade suprema do Seu amor, no Seu Coração trespassado, e acolhemos o seu apelo à oblação, à reparação, à imolação, à consolação, àquele "culto de amor e de reparação que o Seu Coração deseja", que nos torna criaturas de coração novo.

    Oratio

    Rezemos com o P. Dehon: "Meu Senhor e meu Deus! Quero tirar nas vossas chagas a bebida da salvação. Sede condescendente comigo como foste com S. Tomé. Emprestai-me as vossas mãos e os vossos pés para que aí cole os meus lábios. Tenho tanta necessidade de forças. Ousarei mesmo aproximar-me do vosso Coração para daí tirar o arrependimento e o fervor. Perdoai-me!" (OSP 2, p. 296).

    Contemplatio
    Jesus aparece no meio dos apóstolos, na sua majestade e na sua bondade. Intervém para curar Tomé das suas dúvidas. Pax vobis! A paz esteja convosco, diz. É a saudação habitual de Jesus aos seus amigos, saudação afetuosa e verdadeiramente eficaz. Tomé com dificuldade ousa acreditar nos seus olhos. Está perturbado. É sobretudo para ele que Jesus aparece hoje. Vem cumprir um milagre moral, a mudança das disposições de Tomé, e é pelas suas cinco chagas que Jesus quer fazer este milagre. Dirige-se, de seguida, a Tomé: «Vem, diz-lhe, coloca o teu dedo aqui, vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado», neste lado aberto pela lança e onde se sente bater o mais amável dos corações, - «e não sejas incrédulo, mas fiel». Os apóstolos observam e aguardam. Tomé vai levar mais longe a incredulidade e tocar as chagas do Salvador? Não, coloca-se de joelhos, e exclama: «Meu Senhor e meu Deus!». Nosso Senhor tinha respondido diretamente às palavras de dúvida que tinha formulado. Nada o podia impressionar mais. Aqui está o começo da devoção às cinco chagas, que preludia à do Sagrado Coração. Nosso Senhor tinha querido mostrar-nos a eficácia das suas chagas. Têm um enorme papel na mística cristã. São as fontes misteriosas pelas quais correu o sangue redentor. Estavam figuradas nas fontes do paraíso terrestre, que levavam a toda a parte a fecundidade e a alegria. Foram profetizadas por Isaías: «Bebereis nas fontes do Salvador». Aparecem no Apocalipse sob a forma das fontes que correm sob os pés do Cordeiro divino. Foram reproduzidas nos membros benditos de alguns santos, como S. Francisco de Assis e santa Catarina de Sena. São o objeto de uma das devoções tradicionais da Igreja. (L. Dehon, OSP 3, p. 295s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20, 28).

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    As cinco Chagas do Senhor (07 Fevereiro)

  • 06º Domingo do Tempo Comum – Ano C

    06º Domingo do Tempo Comum – Ano C


    13 de Fevereiro, 2022

    ANO C
    6.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 6º Domingo do Tempo Comum

    A Palavra de Deus que nos é proposta neste domingo leva-nos a refletir sobre o protagonismo que Deus e as suas propostas têm na nossa existência.
    A primeira leitura põe frente a frente a autossuficiência daqueles que prescindem de Deus e escolhem viver à margem das suas propostas, com a atitude dos que escolhem confiar em Deus e entregar-se nas suas mãos. O profeta Jeremias avisa que prescindir de Deus é percorrer um caminho de morte e renunciar à felicidade e à vida plenas.
    O Evangelho proclama “felizes” esses que constroem a sua vida à luz dos valores propostos por Deus e infelizes os que preferem o egoísmo, o orgulho e a autossuficiência. Sugere que os preferidos de Deus são os que vivem na simplicidade, na humildade e na debilidade, mesmo que, à luz dos critérios do mundo, eles sejam desgraçados, marginais, incapazes de fazer ouvir a sua voz diante do trono dos poderosos que presidem aos destinos do mundo.
    A segunda leitura, falando da nossa ressurreição – consequência da ressurreição de Cristo –, sugere que a nossa vida não pode ser lida exclusivamente à luz dos critérios deste mundo: ela atinge o seu sentido pleno e total quando, pela ressurreição, desabrocharmos para o Homem Novo. Ora, isso só acontecerá se não nos conformarmos com a lógica deste mundo, mas apontarmos a nossa existência para Deus e para a vida plena que Ele tem para nós.

    LEITURA I – Jer 17, 5-8

    Leitura do Livro de Jeremias

    Eis o que diz o Senhor:
    «Maldito quem confia no homem
    e põe na carne toda a sua esperança,
    afastando o seu coração do Senhor.
    Será como o cardo na estepe
    que nem percebe quando chega a felicidade:
    habitará na aridez do deserto,
    terra salobre, onde ninguém habita.
    Bendito quem confia no Senhor
    e põe no Senhor a sua esperança.
    É como a árvore plantada à beira da água,
    que estende as suas raízes para a corrente:
    nada tem a temer quando vem o calor
    e a sua folhagem mantém-se sempre verde;
    em ano de estiagem não se inquieta
    e não deixa de produzir os seus frutos».

    AMBIENTE

    Os versículos que formam esta leitura fazem parte de um bloco de frases de Jeremias (cf. Jer 17, 5-13), apresentadas ao estilo das máximas sapienciais. Aí o profeta, recorrendo a antíteses, vai desenvolvendo o tema da confiança/esperança.
    Estas palavras de Jeremias não nos dão elementos suficientes para as situarmos, inequivocamente, num contexto histórico. No entanto, é possível que o profeta as tenha pronunciado no reinado de Joaquim (609-597 a.C.): é uma época em que o rei desenvolve uma política aventureirística de alianças com potências estrangeiras e confia a segurança da nação, não a Jahwéh, mas aos exércitos egípcios, aliados de Joaquim. O profeta ataca essa política, considerando-a um grave sintoma de infidelidade ao Deus da aliança: Judá já não coloca a sua confiança e esperança em Deus, mas sim nos homens.

    MENSAGEM

    O tema fundamental é, portanto, o da confiança/esperança. A primeira parte da antítese (vers. 5-6) denuncia o homem que se apoia noutro homem e prescinde de Deus. Não se trata de dizer que não devemos confiar nos que nos rodeiam e apoiar-nos neles; trata-se de denunciar essa autossuficiência de uma humanidade que já não precisa de Deus, nem vê n’Ele essa rocha segura que tudo sustenta. Prescindir de Deus e não contar com Ele significa construir uma existência limitada, efémera, raquítica, a que falta o essencial, como um arbusto plantado no deserto, condenado precocemente à morte.
    A segunda parte da antítese (vers. 7-8) apresenta, em imagem, a vida daquele que confia em Deus e n’Ele coloca a sua esperança: é como um arbusto plantado à beira da água, que pode mergulhar as suas raízes bem fundas e que encontra vida em plenitude. A imagem sublinha, sobretudo, a segurança, a solidez, a paz, a fecundidade, a abundância de vida.
    A oposição entre deserto e várzea pode aludir à oposição entre deserto e Terra Prometida: se Israel confiasse unicamente em Deus, lançaria as suas raízes de forma permanente na Terra Prometida e não experimentaria a aventura do exílio.

    ATUALIZAÇÃO

    Na reflexão e na aplicação à vida, ter em conta os seguintes elementos:

    • Todos conhecemos a desilusão e a frustração que resultam da confiança traída. É uma experiência bem dolorosa confiar/esperar e receber traição/ingratidão. Em certos momentos extremos, parece que tudo se desmorona à nossa volta e que perdemos a vontade de continuar a construir a nossa vida. A leitura de hoje põe-nos de sobreaviso: tudo o que é humano é efémero, limitado, finito; só em Deus encontramos o rochedo seguro que não falha e que não nos dececiona.

    • O nosso mundo conhece espantosas construções no domínio da arte e da técnica… Abismamo-nos com os progressos da medicina, com os avanços tecnológicos, com a parafernália imensa de instrumentos que nos facilitam a vida e nos permitem alcançar fronteiras nunca antes sonhadas, seja no domínio da conquista espacial, seja no domínio das novas técnicas de manipulação da vida…. No entanto, o que fizemos de Deus? Ele continua a ser a nossa indicação fundamental? É n’Ele que colocamos a nossa esperança? As conquistas da vida moderna, por mais impressionantes que nos possam parecer, são algo de efémero, de árido, de vazio e, às vezes, de monstruoso, se prescindimos dessa dimensão fundamental que é Deus.

    • Quais são as referências fundamentais à volta das quais se constrói a nossa vida? Onde está a nossa segurança e a nossa esperança? Na conta que temos no banco? Nos amigos influentes? Na importância da nossa posição social ou profissional? Nas conquistas científicas ou técnicas? Ou nesse Deus que se compromete connosco e encontra mil formas de demonstrar, dia a dia, a sua fidelidade?

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 1

    Refrão: Feliz o homem que pôs a sua esperança no Senhor.

    Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios,
    nem se detém no caminho dos pecadores,
    mas antes se compraz na lei do Senhor,
    e nela medita dia e noite.

    É como árvore plantada à beira das águas:
    dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha.
    Tudo quanto fizer será bem sucedido.

    Bem diferente é a sorte dos ímpios:
    são como palha que o vento leva.
    O Senhor vela pelo caminho dos justos,
    mas o caminho dos pecadores leva à perdição.

    LEITURA II – 1 Cor 15, 12.16-20

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos,
    porque dizem alguns no meio de vós
    que não há ressurreição dos mortos?
    Se os mortos não ressuscitam,
    também Cristo não ressuscitou.
    E se Cristo não ressuscitou,
    é vã a vossa fé, ainda estais nos vossos pecados;
    e assim, os que morreram em Cristo pereceram também.
    Se é só para a vida presente
    que temos posta em Cristo a nossa esperança,
    somos os mais miseráveis de todos os homens.
    Mas não.
    Cristo ressuscitou dos mortos,
    como primícias dos que morreram.

    AMBIENTE

    Este texto é a continuação da catequese sobre a ressurreição que Paulo apresenta na Primeira Carta aos Coríntios e que já começámos a ler no passado domingo. Depois de ter afirmado a ressurreição de Cristo (cf. 1 Cor 15, 1-11), Paulo afirma a realidade da nossa própria ressurreição. É preciso recordar, neste contexto, aquilo que dissemos na passada semana: a ressurreição dos mortos, em geral, constituía um sério problema para a mentalidade grega, habituada a ver no corpo uma realidade negativa, que aprisionava a alma no mundo material; sendo assim, o corpo – realidade carnal, sensual – não podia seguir a alma nessa busca da vida plena, da vida divina. Havendo no homem uma realidade negativa, que não podia ascender à vida plena, como admitir a ressurreição do homem integral?
    É a esta questão que Paulo vai continuar a responder na leitura que nos é proposta.

    MENSAGEM

    Para Paulo, uma vez admitida a ressurreição de Cristo, a ressurreição dos crentes impõe-se como algo perfeitamente evidente. A fé em Cristo ressuscitado desemboca inexoravelmente na inquebrantável esperança de que também os cristãos ressuscitarão. O inverso também é verdadeiro: não esperar a ressurreição dos mortos equivale a não acreditar na ressurreição de Cristo. Não é possível desvincular uma coisa da outra.
    Paulo passa, então, a enumerar as consequências fatais que adviriam, para a vida cristã, se Cristo não tivesse ressuscitado: a vivência da fé e a aceitação das propostas de Jesus não teriam qualquer sentido e os cristãos seriam gente enganada, “os mais miseráveis de todos os homens” (vers. 19). Mas Paulo tem a certeza de que os cristãos não são um rebanho de gente iludida… A partir da ressurreição de Cristo, podemos acreditar nessa vida plena que Deus reserva para todos os que O amam. É essa perspetiva que dá sentido à caminhada que o cristão faz neste mundo.
    Chegados aqui, Paulo detém-se para lançar um grito jubiloso de fé e de esperança: “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram” (vers. 20). Jesus ressuscitou não como o único, como um caso excecional, mas como o primeiro de uma longa cadeia da qual fazemos parte. Este “primeiro” não deve ser entendido em sentido cronológico, mas no sentido de que Cristo é o princípio ativo da nossa ressurreição, o princípio que gera essa nova humanidade sobre a qual as forças da morte não têm qualquer poder. Ele arrasta atrás de Si a humanidade solidária com Ele, até à realização plena, à vida definitiva, à salvação total.

    ATUALIZAÇÃO

    Considerar, para a reflexão, as seguintes linhas:

    • A certeza da ressurreição garante-nos que Deus tem um projeto de salvação e de vida para cada homem; e que esse projeto está a realizar-se continuamente em nós, até à sua concretização plena, quando nos encontrarmos definitivamente com Deus.

    • A nossa vida presente não é, pois, um drama absurdo, sem sentido e sem finalidade; é uma caminhada tranquila, confiante – ainda quando feita no sofrimento e na dor – em direção a esse desabrochar pleno, a essa vida total em que se revelará o Homem Novo.

    • Isso não quer dizer que devamos ignorar as coisas boas deste mundo, vivendo apenas à espera da recompensa futura, no céu; quer dizer que a nossa existência deve ser – já neste mundo – uma busca da vida e da felicidade; isso implicará uma não conformação com tudo aquilo que nos rouba a vida e que nos impede de alcançar a felicidade plena, a perfeição última (a nós e a todos os homens nossos irmãos).

    • Não é possível viver com medo, depois desta descoberta: podemos comprometer-nos na luta pela justiça e pela paz, com a certeza de que a injustiça e a opressão não podem pôr fim à vida que nos anima; e é na medida em que nos comprometemos com esse mundo novo e o construímos com gestos concretos que estamos a anunciar a ressurreição plena do mundo, dos homens e das coisas.

    ALELUIA – Lc 6, 23ab

    Aleluia. Aleluia.

    Alegrai-vos e exultai, diz o Senhor,
    porque é grande no Céu a vossa recompensa.

    EVANGELHO – Lc 6, 17.20-26

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    Jesus desceu do monte, na companhia dos Apóstolos,
    e deteve-Se num sítio plano,
    com numerosos discípulos e uma grande multidão
    de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sidónia.
    Erguendo então os olhos para os discípulos, disse:
    Bem-aventurados vós, os pobres,
    porque é vosso o reino de Deus.
    Bem-aventurados vós, que agora tendes fome,
    porque sereis saciados.
    Bem-aventurados vós, que agora chorais,
    porque haveis de rir.
    Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem,
    quando vos rejeitarem e insultarem
    e prescreverem o vosso nome como infame,
    por causa do Filho do homem.
    Alegrai-vos e exultai nesse dia,
    porque é grande no Céu a vossa recompensa.
    Era assim que os seus antepassados tratavam os profetas.
    Mas ai de vós, os ricos,
    porque já recebestes a vossa consolação.
    Ai de vós, que agora estais saciados,
    porque haveis de ter fome.
    Ai de vós, que rides agora,
    porque haveis de entristecer-vos e chorar.
    Ai de vós, quando todos os homens vos elogiarem.
    Era assim que os seus antepassados
    tratavam os falsos profetas.

    AMBIENTE

    Para entendermos todo o alcance e significado deste texto, devemos recordar que ele está situado na primeira parte do Evangelho de Lucas (“atividade de Jesus na Galileia”, Lc 4, 14 – 9, 50). Nesta primeira parte do Evangelho, Lucas procura apresentar um primeiro anúncio sobre Jesus (“kerigma”) e definir o programa libertador que o Messias vai cumprir em favor dos oprimidos. Aliás, toda a primeira parte do terceiro Evangelho é dominada pelo episódio da sinagoga de Nazaré, onde Jesus enuncia o seu programa: “o Espírito do Senhor está sobre Mim porque Me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-Me a proclamar a libertação aos cativos…” (Lc 4, 18-19).
    As bem-aventuranças de Lucas inserem-se em todo este ambiente: a libertação chegou com Jesus e dirige-se aos pobres e aos débeis. Numa planície (Mateus situa o discurso das bem-aventuranças numa montanha), rodeado dos discípulos e por uma multidão “que acorrera para O ouvir e ser curada dos seus males” (Lc 6, 18), Jesus pronuncia o discurso que o Evangelho de hoje nos propõe.

    MENSAGEM

    Lucas inicia este “discurso da planície” com quatro bem-aventuranças (que equivalem às nove de Mateus). Os destinatários destas bem-aventuranças são os pobres, os que têm fome, os que choram, os que são perseguidos. A palavra grega usada por Lucas para “pobres” (ptôchos) traduz certos termos hebraicos (‘anawim, dallim, ebionim) que, no Antigo Testamento, definem uma classe de pessoas privadas de bens e à mercê da prepotência e da violência dos ricos e dos poderosos. São os desprotegidos, os explorados, os pequenos e sem voz, as vítimas da injustiça, que com frequência são privados dos seus direitos e da sua dignidade pela arbitrariedade dos poderosos. Por isso, eles têm fome, choram, são perseguidos. Ora, serão eles, precisamente, os primeiros destinatários da salvação de Deus. Porquê? Porque a proposta libertadora de Deus é para uma classe social, em exclusivo? Não. Mas porque eles estão numa situação intolerável de debilidade e Deus, na sua bondade, quer derramar sobre eles a sua bondade, a sua misericórdia, a sua salvação. Depois, a salvação de Deus dirige-se prioritariamente a estes porque eles, na sua simplicidade, humildade, disponibilidade e despojamento, estão mais abertos para acolher a proposta que Deus lhes faz em Jesus.
    As bem-aventuranças manifestam, numa outra linguagem, o que Jesus já havia dito no início da sua atividade na sinagoga de Nazaré: Ele é enviado pelo Pai ao mundo, com a missão de libertar os oprimidos. Aos pequenos, aos privados de direitos e de dignidade, aos simples e humildes, Jesus diz que Deus os ama de uma forma especial e que quer oferecer-lhes a vida e a liberdade plenas. Por isso eles são “bem-aventurados”.
    As “maldições” (ou os quatro “ais”) aos ricos que preenchem a segunda parte do Evangelho de hoje são o reverso da medalha. Denunciam a lógica dos opressores, dos instalados, dos poderosos, dos que pisam os outros, dos que têm o coração cheio de orgulho e de autossuficiência e não estão disponíveis para acolher a novidade revolucionária do “Reino”. As advertências aos ricos não significam que Deus não tenha para eles a mesma proposta de salvação que apresenta aos pobres e débeis; mas significam que, se eles persistirem numa lógica de egoísmo, de prepotência, de injustiça, de autossuficiência, não têm lugar nesse “Reino” que Jesus veio propor.

    ATUALIZAÇÃO

    Refletir sobre as seguintes questões:

    • A proposta de Jesus apresenta uma nova compreensão da existência, bem distinta da que predomina no nosso mundo. A lógica do mundo proclama “felizes” os que têm dinheiro, mesmo quando esse dinheiro resulta da exploração dos mais pobres, os que têm poder, mesmo que esse poder seja exercido com prepotência e arbitrariedade, os que têm influência, mesmo quando essa influência é obtida à custa da corrupção e dos meios ilícitos. Mas a lógica de Deus exalta os pobres, os desfavorecidos, os débeis: é a esses que Deus Se dirige com uma proposta libertadora e a quem convida a fazer parte da sua família. O anúncio libertador que Jesus traz é, portanto, uma Boa Nova que enche de alegria os corações amargurados, os marginalizados, os oprimidos. Com o “Reino” que Jesus propõe aos homens, anuncia-se um mundo novo, um mundo de irmãos, de onde a prepotência, o egoísmo, a exploração e a miséria serão definitivamente banidos e onde os pobres e marginalizados terão lugar como filhos iguais e amados de Deus.

    • Vinte e um séculos depois do nascimento de Jesus, que é feito da sua proposta? Ela mudou alguma coisa no nosso mundo? Às vezes, contemplando o mundo que nos rodeia, somos tentados a crer que a proposta de Jesus falhou; mas talvez seja mais correto colocar a questão nestes termos: nós, testemunhas de Jesus, teremos conseguido passar aos pobres e aos marginalizados esse projeto libertador? Teremos, com suficiente convicção e radicalidade, testemunhado esse projeto, de forma que ele tivesse um impacto real na história dos homens?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 6.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (algumas adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 6.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PÔR EM DESTAQUE O EVANGELIÁRIO E CONCRETIZAR A ORAÇÃO UNIVERSAL.
    Neste domingo em que começa a leitura do “sermão na planície”, pode-se valorizar o Evangeliário, levando-o à frente da procissão no início da celebração ou colocando-o no centro do altar, e rodeando-o com quatro velas ou lamparinas (em referência às quatro bem-aventuranças de Lucas). As “atividades caritativas” são iniciativas que pretendem levar a felicidade aos deserdados e aos marginalizados. Fazer um inventário das atividades caritativas na comunidade pode levar, neste domingo, a que a oração universal esteja mais enraizada nas realidades do terreno.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    “Senhor, Tu és a nossa esperança, em Ti pomos a nossa confiança, bendito sejas. O teu Espírito é como a água que torna verdejante a erva e faz crescer a árvore, ele nos irriga com a tua vida e nos faz produzir os frutos que Tu esperas.
    Nós Te confiamos os nossos irmãos e irmãs cuja fé secou. Não permitas que os nossos corações se afastem de Ti”.

    No final da segunda leitura:
    “Deus de vida, nós proclamamos que Jesus Cristo, teu Filho, ressuscitou de entre os mortos, para ser entre os mortos o primeiro ressuscitado; nós Te damos graças pela firme esperança que nos dás, de ressuscitar contigo.
    Nós Te confiamos todos os nossos irmãos que duvidam da vida e ignoram ainda a luz da ressurreição em Jesus”.

    No final do Evangelho:
    “Pai dos pobres, Deus de misericórdia, bendito sejas pela esperança que revelas aos pobres, aos pequenos e a todos os feridos da vida, aqueles que a sociedade despreza e negligencia. Tu ofereces-lhes a felicidade do teu Reino.
    Tantos companheiros à nossa volta andam à procura da felicidade e não sabemos como os ajudar. Ilumina-os com o teu Espírito”.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    A felicidade de que fala Jesus está inscrita nos rostos dos seus discípulos. É, de facto, olhando-os que Ele os declara “felizes”. Duas bem-aventuranças estão no presente. Os discípulos são já felizes, porque são pobres: deixaram tudo, barco, família, para inaugurar com Jesus o seu Reino e pregar a sua carta. São felizes porque são já cidadãos deste Reino. São já felizes porque são como o seu Mestre, rejeitados, insultados. O seu discurso incomoda, porque convida a uma mudança, a um regresso a Deus: amar é já sair de si mesmo.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Há diferenças entre as bem-aventuranças na versão de Mateus e na de Lucas. Indiciam duas tradições. Mateus apresenta nove bem-aventuranças, Lucas somente quatro. Mateus diz que Jesus subiu a montanha… Lucas diz que Ele desceu da montanha… Uma contradição apenas aparente. Dois relatos complementares. Para escutar as bem-aventuranças em Mateus, é preciso subir à montanha, elevar-se, subir para Deus. Isso sugere que, para viver segundo o espírito do Evangelho, não nos podemos fechar nos estreitos limites da terra. É preciso subir, respirar um ar mais puro, mais transparente. Isso exige, certamente, um esforço, pois trata-se de deixar o Espírito soprar em nós o ar de Deus. É preciso esforço, como para subir uma montanha, é preciso treino, paciência e também silêncio, atenção interior. Mas isso não significa que devemos desinteressar-nos desta vida muito concreta, da vida ordinária de todos os dias. O Evangelho não é uma droga que nos faria ver um mundo desencarnado. Jesus quer encontrar-nos na planície das nossas vidas muito reais, como está expresso nas situações das bem-aventuranças. Por seu lado, os ricos são infelizes porque, no fundo, se esquecem de sair de si mesmos, de subir à montanha para respirar o ar de Deus.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III para a Assembleia com Crianças, pelas várias expressões relacionadas com a liturgia da Palavra.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
    Levar para as nossas vidas as palavras de felicidade escutadas neste domingo e transformá-las em atitudes de alegria e de encontro com os outros, transmitindo felicidade àqueles que vivem infelizes ao nosso lado… Fazer com que a vida da próxima semana tenha muitos momentos de alegria e de felicidade… que só o serão se partilhados e sentidos com o próximo, a começar pelos que estão na minha casa, no meu trabalho, na minha escola, na minha comunidade, na minha paróquia…

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • S. Cirilo, Monge e S. Metódio, Bispo, Padroeiros da Europa

    S. Cirilo, Monge e S. Metódio, Bispo, Padroeiros da Europa


    14 de Fevereiro, 2022

    Os Santos Cirilo e Metódio nasceram em Salónica, na primeira metade do século IX. Bizantinos de formação, tornaram-se apóstolos dos povos eslavos, na Morávia, atuais repúblicas Checa e Eslovaca, e na Panónia, atual Croácia. Para eles, traduziram A Bíblia e os livros litúrgicos para a língua paleoeslava, e reuniram discípulos. As suas iniciativas missionárias foram aprovadas pelo Papa Adriano II. Entretanto, Cirilo adoeceu, acabando por morrer na cidade, e sendo sepultado na igreja de S. Clemente. Metódio, ordenado bispo, regressou à Morávia, falecendo aí no ano de 885. Os seus discípulos, expulsos do país, refugiaram-se na Bulgária. Daí a liturgia e a literatura eslava passaram para o reino de Kiev, na Rússia e para todos os países eslavos de rito bizantino.

    Lectio

    Primeira leitura: Atos 13, 46-49

    Naqueles dias, Paulo e Barnabé disseram aos judeus: «Era primeiramente a vós que a palavra de Deus devia ser anunciada. Visto que a repelis e vós próprios vos julgais indignos da vida eterna, voltamo-nos para os pagãos,47pois assim nos ordenou o Senhor: Estabeleci-te como luz dos povos, para levares a salvação até aos confins da Terra.»48Ao ouvirem isto, os pagãos encheram-se de alegria e glorificavam a palavra do Senhor; e todos os que estavam destinados à vida eterna abraçaram a fé.49Assim, a palavra do Senhor divulgava-se por toda aquela região.

    Os pagãos escutaram com interesse e entusiasmo Paulo e Barnabé, o que suscitou a inveja e os ciúmes dos Judeus contra os missionários, que são insultados e rejeitados. E dá-se a separação entre o Evangelho e o Judaismo. Os Judeus eram os primeiros destinatários da Boa Nova. Uma vez que a rejeitaram, ela é oferecida aos pagãos, que a aceitam. Nesse contexto, Barnabé e Paulo declaram que vão passar a dirigir-se aos pagãos, baseando a sua dercisão, não só na rejeição dos Judeus, mas também nas palavras da Escritura que falam da luz das nações (Is 49, 6). Quem acolher o Evangelho e abraçar a fé torna-se herdeiro das promessas, seja judeu ou pagão. Fica destinado à "vida eterna" (v. 48).

    Evangelho: Lucas 10, 1-9

    Naquele tempo, o Senhor designou outros setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. 2Disse-lhes:«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe.3Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. 4Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho.5Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!' 6E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. 7Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa.8Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, 9curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: 'O Reino de Deus já está próximo de vós.'

    Além dos Apóstolos, fundamento da missão da Igreja, Jesus escolheu outros setenta e dois discípulos e enviou-os a pregar a Boa Nova. Ao longo dos séculos escolheu muitos outros. Foi o caso de Cirilo e Metódio, enviados a missionar os povos eslavos. Quem acolhe o Reino, sente a necessidade de o anunciar. Por isso, a missão é tarefa de todos os batizados. Isso, todavia, não impede que alguns sejam particularmente destinados a pregar que Deus salva, isto é, que o seu "Reino está no meio de nós". O reino vem como "paz". Por isso, é dever dos missionários invocar a paz de Deus sobre as casas e cidades onde vão. A palavra de Jesus assegura ao missionário a possibilidade da sua mensagem ser ouvida. Mas, quando surgem perseguições, os missionários não têm outro caminho senão o de Jesus, isto é, o que leva à morte, como supremo testemunho do Evangelho.

    Meditatio

    S. Cirilo e S. Metódio sentiram a urgência de levar a salvação para fora das fronteiras do mundo helénico, tal como Paulo e Barnabé tinham sentido a necessidade de levar a Boa Nova para fora das fronteiras do mundo judaico. Isaías falava de Boa Nova e de um movimento centrípto de todos os povos em direção a Jerusalém. No evangelho o movimento é inverso. Jesus envia os discípulos para todo o mundo: "Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura... Eles, partindo, foram pregar por toda a parte." (Mc 16, 15.20). São duas dinâmicas diferentes: Isaías pensa em Jerusalém como centro do mundo, para onde devem acorrer todos os povos, e subir ao monte do Senhor, que a todos atrai. No Novo Testamento, o centro do mundo já não é Jerusalém, mas o corpo de Cristo ressuscitado, misteriosamente presente onde estão os seus discípulos. É aí que encontram a unidade todos os que acreditam em Jesus.
    S. Cirilo e S. Metódio partiram para meio dos eslavos, apesar das dificuldades das viagens e, sobretudo, do problema que era evangelizar povos que não pertenciam à cultura grega e latina. Estes santos foram verdadeiramente pioneiros naquilo que hoje se chama a "inculturação", isto é, em traduzir a fé para a cultura dos povos a evangelizar, sem querer impôr a própria cultura. Traduziram a Bíblia e os textos litúrgicos para eslavo. Esse atrevimento valeu-lhes ser denunciados em Roma pelos missionários latinos. Tiveram que rumar à cidade eterna, e explicar-se às autoridades. Felizmente foram compreendidos pelo Papa Adriano II, que aprovou o seu método missionário.
    Hoje, é questão pacífica que, uma coisa é a fé e outra a cultura, que são realidades separáveis, que a fé deve radicar nas diversas culturas como fermento que as impregna de Evangelho. Mas o mesmo se deve pensar em relação à diferentes gerações: em cada geração a fé deve ser expressa de modo novo. A fé, com efeito, é um fermento de vida que tem de crescer e encontrar novas formas de progresso. Temos de aprender a ir ao encontro dos outros, e não obrigá-los a uniformizar-se com os nosso costumes, ou àquilo que pensamos ser melhor. Há que ir aos outros como Jesus veio até nós, isto é, fazendo-se homem e aceitando tudo o que é humano para se fazer entender por nós, e poder introduzir-nos na sua intimidade.
    O P. Dehon recebeu "a graça e a missão de enriquecer a Igreja com um Instituto religioso apostólico que vivesse da sua inspiração evangélica" (Cst 1). A mística oblativa-reparadora, inspirada pela contemplação do Coração trespassado de Cristo, levou-o a viver uma espiritualidade profundamente sacerdotal e eucarística, e a empenhar-se num apostolado característico onde a atividade missionária tem um lugar importante. Essa atividade tem de ser devidamente insculturada entre os povos, "para que a comunidade humana, santificada pelo Espírito, se torne uma oblação agradável a Deus" (Cst 30. 31).

    Oratio

    Resplandeça sobre nós, Senhor, a luz incorrutível da tua sabedoria. Abre-nos os olhos da mente, para podermos entender os teus preceitos evangélicos. Que, desprezados os desejos carnais, possamos levar uma vida verdadeiramente espiritual, pensando e fazendo o que é do teu agrado. Nós to pedimos por intercessão dos Santos Cirilo e Metódio. Ámen.

    Contemplatio

    Jesus percorria as cidades e as vilas da Galileia, anunciando a boa nova e curando os doentes; mas não podia acorrer tudo sozinho e ao ver todo este povo sofrendo e abatido, foi tomado de compaixão, e disse aos discípulos: «A messe é grande, peçamos ao divino Mestre para lhe enviar operários», depois chamou os seus doze apóstolos e enviou-os dois a dois para pregarem com o poder de expulsarem os demónios e de curarem os doentes... Nosso Senhor indica aos apóstolos três condições requeridas para o sucesso da sua missão. A primeira é o espírito de desinteresse. «Recebestes gratuitamente, dai gratuitamente». Que os vossos ouvintes vejam que não é por ganho, mas pela salvação das almas e pela felicidade dos homens que trabalhais. A segunda é o desapego das coisas da terra e o amor da santa pobreza: «Não leveis convosco nem ouro nem provisões». A terceira é a mais inteira confiança nos cuidados e na proteção da divina Providência: «O trabalhador tem direito ao seu alimento». Estas condições são ainda hoje as do sucesso. (L. Dehon, OSP 4, p. 267s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Rogai ao dono da messe
    que mande trabalhadores para a sua messe" (Lc 10, 2).

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    S. Cirilo, Monge e S. Metódio, Bispo, Padroeiros da Europa (14 Fevereiro)

  • S. Cláudio de La Colombière

    S. Cláudio de La Colombière


    15 de Fevereiro, 2022

    S. Cláudio de La Colombière nasceu em Saint-Symphorien d´Ozon, França, no ano de 1641. Em 1659 ingressou na Companhia de Jesus. Ordenado sacerdote em 1669, ensinou retórica e dedicou-se ao ministério da pregação. Prestou auxílio eficaz a S. Margarida Maria Alacoque na difusão do culto ao Sagrado Coração de Jesus. Enviado para Londres, como pregador da Condessa de York, sofreu calúnias, o cárcere e o exílio. Morreu em 1682, na cidade de Paray, em França, onde se pode venerar o seu túmulo. Foi canonizado por João Paulo II, em 1992.

    Lectio

    Primeira leitura: Efésios 3, 8-9.14-19.

    A mim, o menor de todos os santos, foi dada a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo 9e a todos iluminar sobre a realização do mistério escondido desde séculos em Deus, o criador de todas as coisas. 14É por isso que eu dobro os joelhos diante do Pai,15do qual recebe o nome toda a família, nos céus e na terra: 16que Ele vos conceda, de acordo com a riqueza da sua glória, que sejais cheios de força, pelo seu Espírito, para que se robusteça em vós o homem interior; 17que Cristo, pela fé, habite nos vossos corações; que estejais enraizados e alicerçados no amor, 18para terdes a capacidade de apreender, com todos os santos, qual a largura, o comprimento, a altura e a profundidade... 19a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, para que sejais repletos, até receberdes toda a plenitude de Deus.

    Paulo, o antigo fariseu, "hebreu descendente de hebreus, circuncidado ao oitavo dia, da raça de Israel" (Fl 3, 5) reconhece que a graça que lhe foi concedida foi precisamente a de fazer tábua rasa do nacionalismo judaico e dirigir-se abertamente aos gentios. Este anúncio, segundo o próprio Paulo, é um mistério, algo que estava escondido nos recônditos da transcendência e que unicamente se descobre por meio de uma gratuita revelação de Deus. Nas gerações passadas não foi dado a conhecer aos filhos dos homens, como agora foi revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas. Paulo considera-se o último desses santos, porque a sua integração no grupo dos responsáveis foi tardia. Mas foi-lhe "concedida a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo".
    A Igreja utiliza este testo na memória de S. Cláudio de La Colombière, que recebeu a graça de conhecer e divulgar as revelações do Coração de Jesus feitas a S. Margarida Maria.

    Evangelho: Mateus, 11, 25-30

    Naquele tempo, Jesus tomou a palavra e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos.26Sim, ó Pai, porque isso foi do teu agrado. 27Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.» 28«Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. 29Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. 30Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.»

    Nesta perícopa encontramos descrito o mistério da filiação de Jesus, Filho de Deus, da sua relação com o Pai, com a terminologia e profundidade peculiares do Quarto Evangelho. Até se diz que esta perícopa teria pertencido inicialmente ao evangelho segundo S. João. Ela consta de três pares: a) a ação de graças ao Pai pela revelação recebida; b) o conteúdo dessa revelação; o convite e chamamento. Os escribas e fariseus recusaram a revelação. O mistério do Reino não é acessível a toda a espécie de sabedoria humana. Só aqueles que se apresentam diante de Deus conscientes da sua pequenez, a podem receber. Jesus é o único revelador do Pai, a plenitude da revelação. Os que acolhem a revelação são chamados a tornar-se discípulos submissos e obedientes, tomando sobre si o "jugo" do Senhor, um jugo suave porque motivado e carregado por amor.

    Meditatio

    Cláudio de la Colombière, nascido em 1641 em S. Sinfrónio, perto de Lião, foi enviado pelo seu provincial a Paray em 1675 para ser superior da casa que os Jesuítas tinham nessa cidade. Aí conheceu a S. Margarida Maria, tornando-se seu confessor. Era precisamente o momento da grande revelação do Sagrado Coração, que data de 16 de Junho de 1675. Depois de um exame atento e prudente, o P. Cláudio de la Colombière julgou esta revelação autêntica. Adotou a devoção ao Sagrado Coração e tornou-se o seu propagador mais zeloso, depois de ter confirmado Margarida Maria e a sua superiora a Madre de Saumaise. No ano seguinte, teve de partir para Inglaterra, onde inspirou esta bela devoção em muitas almas. Banido da Inglaterra e já doente, passou por Paray, indo para Lião; aí reviu Margarida Maria, confirmou-a, fortaleceu-a; confirmou igualmente a Madre Greyfié, que tinha sucedido a Madre de Saumaise. Deus quis que viesse morrer a Paray, e que pudesse ver ainda e encorajar Margarida Maria. A sua morte aconteceu no dia 15 de Fevereiro de 1682. O próprio Nosso Senhor fez saber a Margarida Maria que tinha escolhido o P. de la Colombière para a secundar na sua missão.
    Oh! Como importa ter um bom diretor! E preciso pedi-lo a Deus e escolhê-lo com cuidado. A nossa santificação e a nossa salvação estão fortemente interessadas nisso.
    O Padre de la Colombière consagrou-se, ele mesmo, ao Sagrado Coração na sexta-feira 21 de Junho de 1675; era o dia seguinte à oitava do Corpo de Deus, o dia designado por Nosso Senhor para a futura festa. Começou desde então a inspirar esta devoção em todas as suas filhas espirituais em Paray. Chamado a Londres no ano seguinte, como pregador da duquesa de York, deu a conhecer e a amar o Sagrado Coração, a começar pela própria duquesa, que interveio mais tarde com outros príncipes e princesas junto do Papa Inocêncio XII, para o estabelecimento da nova devoção. Ele mesmo fala disso em alguns dos seus sermões da Quaresma. Regressado a França, continuou o seu apostolado, de uma maneira muito persuasiva, nas suas cartas de direção. Pedia aos superiores para a estabelecerem nas suas comunidades. Exercia o mesmo apostolado junto dos jovens religiosos de quem tinha, em Lião, a direção espiritual. É a ele que o Padre de Gallifet faz remontar a sua própria devoção ao Sagrado Coração. Mas seria sobretudo depois da sua morte que o Padre iria cumprir a sua missão. Partiu para o céu no dia 15 de Fevereiro de 1682. Dois anos depois, eram publicados os seus sermões em quatro volumes, e, num volume à parte, o diário dos seus retiros espirituais. Aí lia-se isto: "Reconheci que Deus queria que eu o servisse procurando o cumprimento dos seus desígnios no tocante à devoção que sugeriu a uma pessoa à qual se comunica de modo muito confidencial, e para a qual quis servir-se da minha fraqueza. Depois fazia o relato da grande aparição de 16 de Junho de 1675. Este escrito foi muito lido, porque o seu autor gozava de grande fama de santidade. Anexado ao diário dos retiros estava um belo ato de oferenda ou de oblação ao Sagrado Coração que também teve a sua parte no desenvolvimento da devoção. E eu, o que é que fiz até ao presente para propagar esta bela devoção segundo o desejo de Nosso Senhor? ". (Leão Dehon, OSP 3, p. 171s.).

    Oratio

    Senhor, que farei, senão unir-me à oblação do Padre de la Colombière e fazê-la também? Sim, Senhor, dou-me e consagro-me ao vosso divino Coração. Ofereço-vos tudo aquilo de que posso dispor, e proponho unir-me a vós frequentemente durante o dia (Leão Dehon, OSP 3, p. 173).

    Contemplatio

    O belo ato do Padre de la Colombière caracteriza admiravelmente a devoção ao Coração de Jesus. Começa por dizer qual o seu fim: «Esta oferenda, diz, faz-se para honrar este divino Coração, a sede de todas as virtudes, a fonte de todas as bênçãos e o retiro de todas as almas santas». «Por todas as suas bondades, diz, este divino Coração não encontra no coração dos homens senão dúvida, esquecimento, desprezo, ingratidão». O santo religioso formula então a sua oferenda: «Para reparação de tantos ultrajes e de tão cruéis ingratidões, ó muito adorável Coração do meu amável Jesus, e para evitar cair numa semelhante infelicidade, ofereço-vos o meu coração com todos os movimentos de que é capaz, e dou-me inteiramente a vós... Ofereço ao vosso divino Coração todo o mérito, toda a satisfação de todas as minhas missas, de todas as orações, de todos os atos de mortificação, de todas as práticas religiosas, de todos os atos de zelo, de humildade, de obediência e de todas as outras virtudes que praticar até ao último momento da minha vida. Não só tudo isto será para honrar o Coração de Jesus, mas ainda lhe peço que aceite a doação inteira que lhe faço, de dela dispor do modo que lhe agradar e em favor de quem lhe agradar». Este belo ato contribuiu muito para determinar e para propagar a verdadeira devoção ao Sagrado Coração. (Leão Dehon, OSP 3, p. 142s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a Palavra do Senhor:
    «Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração» (Mt 25, 30).

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    S. Cláudio de La Colombière (15 Fevereiro)

  • VI Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Quarta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    16 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 1, 19-27

    Caríssimos irmãos: 19cada um seja pronto para ouvir, lento para falar e lento para se irar, 20pois uma pessoa irada não faz o que é justo aos olhos de Deus. 21Rejeitai, pois, toda a imundície e todo o vestígio de malícia e recebei com mansidão a Palavra em vós semeada, a qual pode salvar as vossas almas. 22Mas tendes de a pôr em prática e não apenas ouvi-la, enganando-vos a vós mesmos. 23Porque, quem se contenta com ouvir a palavra, sem a pôr em prática, assemelha-se a alguém que contempla a sua fisionomia num espelho; 24mal acaba de se contemplar, sai dali e esquece-se de como era. 25Aquele, porém, que medita com atenção a lei perfeita, a lei da liberdade, e nela persevera – não como quem a ouve e logo se esquece, mas como quem a cumpre – esse encontrará a felicidade ao pô-la em prática. 26Se alguém se considera uma pessoa piedosa, mas não refreia a sua língua, enganando assim o seu coração, a sua religião é vazia. 27A religião pura e sem mácula diante daquele que é Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo.

    Para receber eficazmente a Palavra de Deus, ou outro qualquer dom, é precisa disposição recta, com capacidade de escuta, autocontrolo da língua e dos impulsos do coração, que levam ao exibicionismo, ao aborrecimento ou à indignação. É preciso cultivar a moderação. A ira do homem não realiza a justiça de Deus, isto é, o que Lhe agrada, o que Ele aprova. O que salva é o acolhimento dócil da Palavra, isto é, do Evangelho semeado no coração dos crentes pela pregação. Essa palavra, para ser eficaz, deve ser permanentemente actualizada e aplicada às situações e relações concretas da vida. A fé deve levar à acção e caracterizá-la. Se assim não for, torna-se inútil. De nada serve mirar-se ao espelho, se não se limparem as manchas observadas no rosto por meio dele. Do mesmo modo, a Palavra torna-se inútil se não se traduzir em acção.
    A observância da lei cristã é caminho de felicidade, porque é a lei perfeita que gera a liberdade, e não jugula o homem. Mais ainda: a observância da lei manifesta-se na beneficência e na benevolência para com os necessitados e no esforço para levar uma vida pura neste mundo contaminado e secularizado.

    Evangelho: Marcos 8, 22-26

    Naquele tempo, 22Jesus e os seus discípulos chegaram a Betsaida e trouxeram-lhe um cego, pedindo-lhe que o tocasse. 23Jesus tomou-o pela mão e conduziu-o para fora da aldeia. Deitou-lhe saliva nos olhos, impôs-lhe as mãos e perguntou: «Vês alguma coisa?» 24Ele ergueu os olhos e respondeu: «Vejo os homens; vejo-os como árvores a andar.» 25Em seguida, Jesus impôs-lhe outra vez as mãos sobre os olhos e ele viu perfeitamente; ficou restabelecido e distinguia tudo com nitidez. 26Jesus mandou-o para casa, dizendo: «Nem sequer entres na aldeia.»

    A cura do cego de Betsaida, propositadamente colocada por Marcos num contexto onde se fala da cegueira dos fariseus e dos discípulos, encerra a «secção dos pães».
    Jesus, mais uma vez, usa a linguagem táctil, não à maneira dos magos, mas para que a pessoa, que recebe o prodígio, esteja consciente do que se passa. O milagre realiza-se em dois tempos: primeiro o cego vê confusamente: «Vejo os homens; vejo-os como árvores a andar» (v. 24); depois, quando a cura está completa, vê claramente: «ficou restabelecido e distinguia tudo com nitidez» (v. 25).
    Jesus não quer atitudes triunfalistas. Por isso, ao despedir o cego curado, recomenda-lhe que não entre na aldeia (v. 26). O verdadeiro crente crê nos milagres, e não por causa dos milagres. Os milagres vêm depois da fé, de tal modo que, se não há fé, ou se ela é fraca, nem sequer acontecem milagres. Além disso, os milagres nunca são enquadrados numa cristologia ou eclesiologia triunfalista. São testemunhos da vinda do Messias que hão-de ser contados de modo discreto por aqueles que os receberam. De qualquer modo, Marcos insiste na «reserva messiânica».
    Os crentes não têm que medir forças com os não-crentes. Por um lado, podem perfeitamente admitir que muitos «prodígios» foram efeitos de simples forças naturais desconhecidas pela razão humana; por outro lado, estão conscientes de que a sua fé não vem dos milagres, mas que os milagres a pressupõem. Mas também têm todo o direito a pressupor que certos acontecimentos são verdadeiros «prodígios», pois crêem na força «sobrenatural» de Deus, embora não a possam demonstrar racionalmente.

    Meditatio

    Tiago dá-nos um conselho muito simples e claro, mas muito prático e útil: «cada um seja pronto para ouvir, lento para falar e lento para se irar». Esta serenidade nas relações com os irmãos, à primeira vista, só parece ter a ver com as boas maneiras naturalmente apreciadas por todos. Mas, quando é uma atitude interior de respeito e aceitação do outro, só pode brotar de um coração pacificado, dum coração que acolheu a Palavra nele semeada. Todavia é fácil iludir-nos, pensando que somos acolhedores e ouvintes fiéis da Palavra. A prova real de que a ouvimos e acolhemos é pô-la em prática. A Palavra acolhida é Palavra que incarna.
    A Palavra de Deus, «que pode salvar as nossas almas» foi semeada em nós, é verdade. Mas continuamos a precisar da graça para ver claramente a «glória do Filho de Deus», para termos uma «religião pura e sem mácula diante daquele que é Deus» (v. 17).
    O milagre de hoje, de certo modo, surpreende-nos. Estamos habituados a ver Jesus curar os doentes com uma só palavra, e não por fases. Hoje, Marcos faz-nos ver Jesus que põe saliva nos olhos do cego, lhe impõe as mãos e lhe pergunta: «Vês alguma coisa?» (v. 23). O homem começa a ver e diz o que vê: «Vejo os homens; vejo-os como árvores a andar» (v. 24). Jesus repete o gesto da imposição das mãos sobre os olhos e «ele viu perfeitamente; ficou restabelecido e distinguia tudo com nitidez» (v. 24).
    Marcos não colocou ao acaso as curas de cegos no seu evangelho. Colocou-os em momentos especiais. O milagre que hoje escutamos vem imediatamente antes do episódio de Cesareia de Filipe, onde Jesus pede aos discípulos que declarem quem ele é. A outra cura de um cego encontra-se no termo do caminho para Jerusalém, antes do grande mistério da Paixão. Jesus quer levar os discípulos a compreender que, para terem a luz, precisam duma intervenção dele. Só quem é tocado por Jesus pode compreender quem ele é. Só uma graça especial de Jesus permite entrar no mist&e
    acute;rio da sua Paixão. Resumindo: os discípulos precisavam de contactar com a humanidade de Jesus. Ele quis servir-se do seu corpo humano para realizar a obra de Deus. Por isso, usa a saliva, impõe as mãos… O cego é curado em fases sucessivas. É também através do contacto sucessivo com Jesus que os discípulos avançam, pouco a pouco, na luz. Para sermos iluminados, precisamos do contacto com Jesus e aceitar que a iluminação aconteça por etapas.
    Como tudo isto é importante para nossa caminhada de fé! Vivemos na era do «digital» e queremos tudo depressa e de uma só vez. Mas não é essa a pedagogia de Deus, como verificamos nas autobiografias dos santos. A serenidade que provém de um coração pacificado, a iluminação interior, exigem repetidos e prolongados contactos com o Senhor. E paciência para aceitar o seu ritmo!
    Se a pusermos em prática a Palavra, com a ajuda do Espírito Santo, experimentaremos uma profunda serenidade interior, seremos criaturas de paz, de alegria, de bondade e de mansidão. E, na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco, mostraremos que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela queremos ser fiéis servidores (cf. Cst 65).

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me a graça de escutar a Palavra e de a pôr em prática, fixando o olhar na lei perfeita, na lei da liberdade, permanecendo-lhe fiel e deixando que ela mude em mim o que encontrar disforme. Sei que a luz é um dom teu, e que também é dom teu colaborar com a graça que nos impele a mudar. Que eu descubra, ao espelho da tua Palavra, as minhas más inclinações naturais, os meus desejos e impulsos, mas também os saiba corrigir e rectificar para me abrir aos teus. Numa palavra: que eu saiba servir-me do espelho, que é a tua Palavra, com humildade, com sinceridade, com grande confiança, porque ela é a lei da liberdade, que nos dás por amor, a fim de podermos crescer. Amen.

    Contemplatio

    Devemos receber cada inspiração como uma palavra de Deus, que procede da sua sabedoria, da sua misericórdia, da sua bondade infinita, e que pode operar em nós maravilhosos efeitos, se não lhe pusermos nenhum obstáculo.
    Consideremos o que uma palavra de Deus pôde fazer; ela criou o céu e a terra, tirou todas as coisas do nada tornando-as participantes no ser de Deus, porque não encontrou resistência no nada. Ela operaria em nós algo de mais se não lhe resistíssemos. Tirar-nos-ia do nada moral para a participação sobrenatural da santidade de Deus no estado da graça, e a participação da felicidade de Deus no estado da glória; e por bagatelas, por algumas satisfações do amor-próprio ou dos sentidos, impedimos estes grandes efeitos da palavra de Deus, das suas inspirações e das impressões do seu Espírito. Depois disso, não havemos de confessar que a sabedoria teve razão ao dizer que o número dos loucos é infinito?
    As inspirações de Deus permanecem na superfície da nossa alma, por causa da oposição que encontram em nós; mas penetram docemente nas almas que são possuídas por Deus e enchem-nas desta admirável paz que acompanha sempre o Espírito de Deus (Leão Dehon, OSP3, p. 546).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Recebei com mansidão a Palavra em vós semeada» (Tg 1, 21).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VI Semana – Quinta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Quinta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    17 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 2, 1-9

    1Meus irmãos, não tenteis conciliar a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo glorioso com a acepção de pessoas. 2Suponhamos que entra na vossa assembleia um homem com anéis de ouro e bem trajado, e entra também um pobre muito mal vestido, 3e, dirigindo-vos ao que está magnificamente vestido, lhe dizeis: «Senta-te tu aqui, num bom lugar», e dizeis ao pobre: «Tu, fica aí de pé»; ou «Senta-te no chão, abaixo do meu estrado.» 4Não é verdade que, então, fazeis distinções entre vós mesmos e julgais com critérios perversos? 5Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? 6Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? 7Não são eles os que blasfemam o belo nome que sobre vós foi invocado? 8Se cumpris a lei do Reino, de acordo com a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo, procedeis bem; 9mas, se fazeis acepção de pessoas, cometeis um pecado e a lei condena-vos como transgressores.

    A autenticidade da fé manifesta-se nas obras. Tiago inculca esta verdade com um exemplo muito concreto tirado da vida das comunidades cristãs. Fazer acepção de pessoas é um pecado, porque vai contra a fé abraçada pelos cristãos. Há que lembrar-se de Cristo que se esvaziou e rebaixou a si mesmo (Fl 2, 6ss.). Os discípulos de Cristo não têm qualquer razão para estabelecer distinções entre as pessoas. Se o fizerem estão a agir contra Cristo, tornando-se semelhantes ao juiz sem consciência que se deixa levar por parcialidades e favoritismos ao pronunciar sentenças injustas. Se Deus escolheu os pobres segundo o mundo, a Igreja e os membros que a integram não podem conceder especiais atenções e privilégios aos ricos como faz a sociedade secular. É verdade que o mandamento do amor é universal. Mas uma coisa é amar e outra é prestar honras a alguém por ser rico ou por ocupar determinada posição social. Essas pessoas, por vezes, tornam-se opressoras. Por isso, nada de servilismos. Além do mais, são contra a lei da liberdade que deve regular o comportamento humano.

    Evangelho: Marcos 8, 27-33

    Naquele tempo, 27Jesus partiu com os discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe. No caminho, fez aos discípulos esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» 28Disseram-lhe: «João Baptista; outros, Elias; e outros, que és um dos profetas.» 29«E vós, quem dizeis que Eu sou?» – perguntou-lhes. Pedro tomou a palavra, e disse: «Tu és o Messias.» 30Ordenou-lhes, então, que não dissessem isto a ninguém.
    31Começou, depois, a ensinar-lhes que o Filho do Homem tinha de sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e ressuscitar depois de três dias. 32E dizia claramente estas coisas. Pedro, desviando-se com Ele um pouco, começou a repreendê-lo. 33Mas Jesus, voltando-se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo-lhe: «Vai-te da minha frente, Satanás, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens.»

    O texto que escutamos é central na teologia do segundo evangelho. Aqui se opõe claramente uma cristologia do filho do homem a uma cristologia e a uma eclesiologia triunfalista, inspirada no conceito político-imperialista do Messias. O povo interrogava-se: «Quem é este?». Agora é o próprio Jesus que pergunta aos discípulos o que é que se diz sobre Ele. Em síntese, os discípulos informam que o povo O vê, não só como um profeta, mas como maior dos profetas, o precursor dos tempos messiânicos. Mas Jesus quer ir mais longe, e interpela directamente os discípulos: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» (v. 29). Pedro responde em nome da comunidade: «Tu és o Messias» (v. 29). Mas Jesus impõe-lhes novamente o chamado «segredo messiânico» e começa a falar-lhes do mistério da cruz, que está no centro da sua messianidade: Ele é o Servo sofredor que veio carregar sobre si os nossos pecados para nos fazer passar da morte à vida. E quem quiser ser seu discípulo tem de seguir o mesmo caminho da cruz. Pedro parece perceber tudo muito bem, e é o primeiro a reagir ao escândalo da cruz. Mas Jesus chama-o à ordem: «Vai-te da minha frente» (v. 33), isto é, põe-te atrás de Mim se segue-Me.
    Pôr-se atrás de Jesus, e segui-Lo como discípulos, é a posição correcta que havemos de tomar para sermos salvos.

    Meditatio

    Na primeira leitura, Tiago sempre muito realista e concreto, evidencia a incoerência de quem julga os outros segundo os critérios do mundo e não segundo os pensamentos de Deus, que «escolheu os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam» (v. 5). Quantas vezes, também nós, nos deixamos levar por essas reacções espontâneas!
    O episódio da confissão de Pedro, que hoje escutamos, está no centro do evangelho de Marcos. Até agora, Jesus foi guiando progressivamente os discípulos para se aproximarem do seu mistério. Agora interroga-os sobre a sua identidade: «Quem dizem os homens que Eu sou» (v. 27). Pedro responde em nome do grupo: «Tu és o Messias» (v. 29). O mesmo é dizer: «Tu és Nosso Senhor Jesus Cristo, o «Senhor da glória», como sugere a carta de Tiago. Mateus informa-nos que Jesus declarou Pedro bem-aventurado por causa desta confissão: «feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu» (Mt 16, 17).
    Mas não basta dizer: «Senhor, Senhor». Reconhecê-lo como Senhor da nossa vida, quer dizer também acreditar que está vivo e presente nos irmãos. O Filho de Deus, o Dominador do universo por quem tudo foi criado, quis assumir por nosso amor o rosto do Servo sofredor, do Homem das dores, «sem figura nem beleza» (Is 53, 2). E assim nos revelou a nossa incomparável grandeza.
    Também a nós, como a Pedro, pode ser dado intuir, em alguns momentos de graça, o mistério do Deus vivo no seu esplendor. Mas a prova da nossa fé só se realiza quando não nos deixamos vencer – como Pedro – pelo escândalo da cruz. Reconhecer o Senhor Jesus, implica saber que o seu caminho passa inevitavelmente pelo Calvário, e que também nós temos de passar por lá, abraçando a nossa cruz. Ele vai à nossa frente, marcando o caminho com as suas pegadas vermelhas de sangue, até consumar a sua oblação na imolação. Não caminha como alguém que enfrenta de má vontade um destino inevitável, uma fatalidade. Caminha como um homem livre, que vive plenamente o Seu ser de Filho, que faz da vontade e, portanto, do amor do Pai o seu alimento (cf. Jo 4, 34), que livre
    mente realiza, não só a Sua missão de Messias, mas também a de Servo de Javé: «Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize» (Lc 12, 50). Jesus refere-se ao Seu baptismo de sangue (cf. Mc 10, 38). Lucas apresenta-nos Jesus que avança «à frente dos outros subindo para Jerusalém» (19, 28), com a mesma decisão com que tinha começado a sua última viagem: «Como estavam a chegar os dias de ser levado deste mundo, Jesus dirigiu-Se resolutamente para Jerusalém» (Lc 9, 51) e tudo isto com a máxima liberdade: «Por isto, o Pai ama-Me, porque dou a Minha vida, para tornar a tomá-la. Ninguém Ma tira; sou Eu que a dou por Mim mesmo» (Jo 10, 17-18).

    Oratio

    Senhor Jesus, livra-me da incoerência de Pedro, para que aceite serenamente os momentos de graça em que nos revelas o teu mistério de modo esplendoroso, mas também aqueles em que nos manifestas os aspectos de sofrimento e de morte desse mesmo mistério. Ninguém, nem o próprio Pai, me dá uma luz melhor que a tua. Como o cego de Betsaida foi curado, pouco a pouco, também Pedro precisou de aceitar por etapas todo o teu mistério. Dá-me a luz do teu Espírito para que, também eu, pouco a pouco, consiga ultrapassar os limites das minhas perspectivas humanas. Amen.

    Contemplatio

    «E vós, diz então Nosso Senhor, vós que sois meus discípulos, que viveis comigo, que sois as testemunhas diárias dos meus milagres e do cumprimento das profecias, estais ainda cegos como este povo? Estais suficientemente esclarecidos para que vos faça os pregadores do meu Evangelho? Numa palavra, «quem dizeis que Eu sou?».
    Simão Pedro, antecipando-se a todos os outros pelo ardor da sua fé, apressou-se a responder: «Senhor, vós sois o Cristo, vós sois o Filho de Deus; sois o Messias libertador prometido pelos profetas, sois mais do que o Filho do homem, sois o Filho do Deus vivo, o Filho único do Pai eterno».
    Nosso Senhor apressa-se a louvar esta confissão de fé tão cordial: «És feliz, diz, Simão filho de João, porque não foi nem a carne nem o sangue que te revelaram estes profundos mistérios», tu os compreendeste graças a uma luz superior; foi o meu Pai que está nos céus quem te revelou o que a razão humana, entregue às suas próprias forças, nunca teria compreendido.
    Pedro falou aqui por todos os apóstolos e em nome de todos, e assim será em todos os séculos. Terá merecido esta graça pela simplicidade da sua fé, pela docilidade da sua alma. Que lição para nós, que temos uma fé tão fraca e tão adormecida! (Leão Dehon, OSP4, p. 291s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Tu és o Messias» (Mc 8, 29).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VI Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    18 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 2, 14-24.26

    14Meus irmãos, de que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? 15Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, 16e um de vós lhes disser: «Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome», mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? 17Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. 18Mais ainda: poderá alguém alegar sensatamente: «Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé. 19Tu crês que há um só Deus? Fazes bem. Também o crêem os demónios, mas enchem-se de terror.» 20Queres tu saber, ó homem insensato, como é que a fé sem obras é estéril? 21Não foi porventura pelas obras que Abraão, nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaac? 22Repara que a fé cooperava com as suas obras e que, pelas obras, a sua fé se tornou perfeita. 23E assim se cumpriu a Escritura que diz: Abraão acreditou em Deus e isso foi-lhe contado como justiça, e foi chamado amigo de Deus. 24Vedes, pois, como o homem fica justificado pelas obras e não somente pela fé. 26Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fé sem obras está morta.

    Tiago continua a sua reflexão sobre a relação fé e obras. A fé sem obras é morta, afirma, parecendo responder a alguém que afirmava o contrário. De facto, no tempo de Tiago havia pessoas que, sob a influência de várias filosofias de origem grega, centravam toda a sua atenção e interesse no «conhecimento de Deus», descuidando absolutamente a moral e as boas obras. Provavelmente também havia quem interpretava mal as afirmações de Paulo sobre a justificação pela fé, sem as obras da lei (cf. Gal 3). Recorrendo à diatribe, Tiago responde a estas questões envolvendo os seus ouvintes. Não é um absurdo despedir os irmãos necessitados sem lhes dar o que precisam? Também a fé sem obras é um absurdo, é um cadáver. A fé e as obras são inseparáveis. Não é suficiente proclamar a fé com palavras. Para ser cristãos, não é suficiente acreditar. Também os demónios acreditam… por conhecimento intelectual. Uma fé unicamente intelectual é «diabólica». O verdadeiro crente, tal como Abraão, confirma nas obras aquilo que conhece. A fé sem obras é morta, é um corpo sem alma.
    Sabemos as controvérsias que este texto suscitou a partir da leitura que dele fez Lutero e que contrapunha o pensamento de Tiago ao de Paulo. Os exegetas actuais vêem nestes textos formulações complementares, que nascem de mentalidades e de posições diferentes. Paulo tinha diante de si judeo-cristãos que procuravam a salvação nas «obras da lei», contrapondo-lhes a salvação realizada por Cristo e acolhida na fé (cf. Rm 4, 2ss. E 3, 28). Tiago sublinha a necessidade de que a fé não permaneça apenas teórica, mas se manifeste de modo activo e em obras. É esta a mensagem que a Palavra hoje nos traz.

    Evangelho: Marcos 8, 34 – 9, 1

    Naquele tempo, 34Jesus, chamando a si a multidão, juntamente com os discípulos, disse-lhes: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 35Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. 36Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? 37Ou que pode o homem dar em troca da sua vida? 38Pois quem se envergonhar de mim e das minhas palavras entre esta geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai, com os santos anjos.» 1Disse-lhes também: «Em verdade vos digo que alguns dos aqui presentes não experimentarão a morte sem terem visto o Reino de Deus chegar em todo o seu poder.»

    Jesus quer afastar definitivamente a tentação de uma cristologia e de uma eclesiologia «satânicas», isto é, de uma cristologia e de uma eclesiologia que não aceitassem Jesus como filho do homem, que pretendessem «salvar a vida» por outros caminhos que não o da cruz. Por isso, chama, não só os «discípulos», mas também «a multidão» (v. 34). Estando Jesus nas imediações de Cesareia de Filipe, esta multidão era formada sobretudo por pagãos. Parece, pois, que Jesus queria deixar bem claro, para todos, o futuro que os esperava como discípulos. Quem quiser seguir Jesus não pode pretender para si o lugar central, mas há-de cedê-lo a Jesus, dando-Lhe o primado em tudo, também sobre a própria vida. Há que tomar a cruz e, seguindo os passos de Jesus, sair com Ele da cidade, rumo ao suplício. Só ganha a Vida – que é Jesus – quem estiver disposto a renunciar a si mesmo. E para que serve ter tudo, se não se ganha a Vida?
    É agora, durante a nossa vida terrena, «entre esta geração adúltera e pecadora» (v. 37), que somos chamados a dar testemunho de Cristo. Se não nos envergonharmos dele, nem das suas palavras, também Ele não se envergonhará de nós e nos reconhecerá como seus.

    Meditatio

    Na primeira leitura encontramos o célebre texto em que Tiago parece contradizer a Paulo, que afirmava a justificação só pela fé: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo?» (v. 14). Mas a contradição é só aparente. Paulo fala da fé como base da vida divina em nós, da justificação que Cristo nos alcançou ao morrer por nós pecadores e que nos comunica no Baptismo. É um absurdo pensar que nos salvamos pelas nossas obras. É Deus que, pelo seu amor, nos salva, e não as nossas obras. No Evangelho, Jesus exige sempre a fé em quem se dirige a Ele: «Credes que tenho poder para fazer isso?» (Mt 9, 27); «A tua fé te salvou!» (Mc 10, 40). Mas não podemos ficar por aqui. Tiago, tal como Paulo, afirma noutro lugar que a base é a fé, uma fé que transforma a vida; Paulo, por sua vez, também fala de obras, as obras de quem é dócil ao Senhor, da fé que actua na caridade. E apresenta-se, ele mesmo, como exemplo de uma fé operante: «São ministros de Cristo? – Falo a delirar – eu ainda mais: muito mais pelos trabalhos, muito mais pelas prisões, imensamente mais pelos açoites, muitas vezes em perigo de morte… Viagens a pé sem conta… trabalhos e duras fadigas…» (2 Cor 11, 23ss.). É esta a fé, que nos põem ao serviço de Deus e dos irm&a
    tilde;os, que também nos justifica e salva.
    No evangelho, Jesus ensina que não podemos viver como discípulos tímidos e descomprometidos. A fé é viva quando se concretiza em obras. Quem não sabe amar a Deus e aos irmãos, mais do que a si mesmo, quem não é capaz de tomar a cruz e de seguir a Cristo, passando, como Ele, pelo Calvário, acabará por se dar conta de que atravessou a vida sem a saborear, de que não conseguiu salvar os seus dias neste mundo. As palavras do Senhor são muito duras, mas dizem-nos claramente quais as obras de fé a realizar durante a nossa vida: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me» (v. 34). Há, pois, que carregar a cruz e segui-lo, para que se realize em nós o seu mistério até à morte e à ressurreição. Só assim a fé nos salvará e nos fará salvadores com Ele.
    A fé operante une-nos a Cristo missionário, a Cristo benfeitor da Humanidade, a Cristo sacerdote e vítima, para completarmos o que falta aos seus sofrimentos pelo Seu Corpo que é a Igreja (cf. Col 1, 24).

    Oratio

    Senhor, ensina-nos o que tem valor para a eternidade. Dá-nos uma fé viva, uma fé sincera, que se traduza em generosidade, em serviço incansável e humilde em prol da tua glória, e em favor dos irmãos. Dá-nos uma fé corajosa diante dos sofrimentos desta vida, uma fé que seja luz, uma fé que nos permita seguir a Cristo, teu Filho, carregando a nossa cruz de cada dia. Faz que, desde já, pela graça do teu Espírito, saboreemos a alegria do teu reino de amor. Amen.

    Contemplatio

    A cruz tornou-se na linguagem cristã sinónimo de sacrifício, de penitência, de reparação.
    Se a cruz nos grita que Nosso Senhor nos amou, ela diz-nos também que sofreu por nós, que expiou cruelmente os nossos pecados. Amou a cruz porque ela reparava a glória de seu Pai e porque pagava as nossas dívidas. Ele carregou-se com os nossos pecados, mas quis reservar-nos a honra de o seguirmos neste caminho. Não nos aplica os frutos das suas reparações, a não ser que neles tomemos alguma parte. Quer que partilhemos as suas disposições, os seus sentimentos. É preciso que tenhamos também o desejo, a vontade de reparar a glória do seu Pai e de pagar as nossas dívidas. É preciso, portanto, que, atrás da sua grande e dolorosa cruz, levemos a nossa pequena cruz: a cruz do trabalho quotidiano, da penitência, da obediência, do desapego; a cruz da paciência nas provações da vida. «Aquele que quiser vir atrás de mim e partilhar do meu reino, deve tomar a sua cruz e seguir-me». Aqui está o resumo do Evangelho. Nosso Senhor pregou a penitência e enviou os seus apóstolos a pregá-la em toda a terra. Não há outro caminho para ir ao céu. É preciso alguma coragem e boa vontade. O reino dos céus exige alguma força de alma e algum vigor da parte daqueles que o querem conquistar: O Reino dos céus sofre violência. (Leão Dehon, OSP3, p. 512s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se alguém quiser vir após mim, tome a sua cruz e siga-me» (Mc 8, 34).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VI Semana – Sábado – Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Sábado – Tempo Comum – Anos Pares


    19 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum – Anos Pares

    VI Semana – Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 3, 1-10

    Meus irmãos, 1não haja muitos entre vós que pretendam ser mestres, sabendo que nós teremos um julga-mento mais severo, 2pois todos nós falhamos com frequência. Se alguém não peca pela palavra, esse é um homem perfeito, capaz também de dominar todo o seu corpo. 3Quando pomos um freio na boca do cavalo para que nos obedeça, dirigimos todo o seu corpo. 4Vede também os barcos: por grandes que sejam e fustigados por ventos impetuosos, são dirigidos com um pequeno leme para onde quer a vontade do piloto. 5Assim também a língua é um pequeno membro, e gloria-se de grandes coisas.Vede como um pequeno fogo pode incendiar uma grande floresta! 6Assim também a língua é fogo, é um mundo de iniquidade; entre os nossos membros, é ela que contamina todo o corpo e, inflamada pelo Inferno, incendeia o curso da nossa existência. 7Todas as espécies de animais selvagens, de aves, de répteis e de animais do mar se podem domar e têm sido domadas pelo homem. 8A língua, pelo contrário, ninguém a pode dominar: é um mal incontrolável, carregado de veneno mortal. 9Com ela bendizemos quem é Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. 10De uma mesma boca procedem a bênção e a maldição. Mas isto não deve ser assim, meus irmãos.

    Tiago continua a passar em revista a causa mais profunda dos problemas eclesiais do seu tempo. Hoje detém-se a tratar do controlo da língua. É coisa bem difícil. Mas é sobretudo das qualidades daquele que pretende ser mestre que o apóstolo trata. Os mestres gozavam de grande estima, tanto na Sinagoga como na Igreja. Por isso, havia quem pretendesse sê-lo, sem ter as devidas qualidades. Tiago sublinha a grande responsabilidade daqueles que eram considerados os autênticos intérpretes da lei e da vontade divina (cf. Mt 23, 6-7; 1 Cor 12, 28-29; Ef 4, 11; Heb 13, 7). Os «doutores» devem controlar a própria língua. A fé manifesta-se nas obras, mas também nas palavras. Falar com verdade e coerência é sinal de uma fé sincera. A severidade do juízo sobre as palavras, de que nos será pedida conta, é sinal da importância da língua, cujo bom uso é sinal de perfeição, entendida como autocontrolo e como correcta relação com os outros. Os exemplos do freio e do leme, aplicados à língua, são eficazes: como eles, a língua, órgão bem pequeno, pode guiar o homem. A língua descontrolada torna-se terrivelmente destruidora. A ambiguidade da linguagem é como um fogo, uma chama infernal que, quando penetra em nós, destrói a nossa vida. É impressionante a veemência com que o apóstolo apresenta o aspecto negativo da «indomável» língua, chamada «rebelde» e «carregada de veneno mortal» (v. 7). É um verdadeiro espanto que, com a mesma língua, possamos bendizer a Deus e amaldiçoar os irmãos!

    Evangelho: Marcos 9, 2-13

    Naquele tempo, Jesus, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e levou-os, só a eles, a um monte elevado. E transfigurou-se diante deles. 3As suas vestes tornaram-se resplandecentes, de tal brancura que lavadeira alguma da terra as poderia branquear assim. 4Apareceu-lhes Elias, juntamente com Moisés, e ambos falavam com Ele. 5Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: «Mestre, bom é estarmos aqui; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias.» 6Não sabia que dizer, pois estavam assombrados. 7Formou-se, então, uma nuvem que os cobriu com a sua sombra, e da nuvem fez-se ouvir uma voz: «Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o.» 8De repente, olhando em redor, já não viram ninguém, a não ser só Jesus, com eles. 9Ao descerem do monte, ordenou-lhes que a ninguém contassem o que tinham visto, senão depois de o Filho do Homem ter ressuscitado dos mortos. 10Eles guardaram a recomendação, discutindo uns com os outros o que seria ressuscitar de entre os mortos.
    11E fizeram-lhe esta pergunta: «Porque afirmam os doutores da Lei que primeiro há-de vir Elias?» 12Jesus respondeu-lhes: «Sim; Elias, vindo primeiro, restabelecerá todas as coisas; porém, não dizem as Escrituras que o Filho do Homem tem de padecer muito e ser desprezado? 13Pois bem, digo-vos que Elias já veio e fizeram dele tudo o que quiseram, conforme está escrito.»

    Pedro professou a sua fé, em nome da Igreja. Jesus anunciou a cruz como seu destino e daqueles que O quisessem seguir. Agora intervém o Pai para confirmar a missão do Filho. Jesus vai a caminho de Jerusalém onde irá dar a sua vida para glória do Pai e nossa salvação. A Transfiguração confirma a justeza da sua decisão e da decisão dos discípulos em segui-l´O.
    Na narração encontramos os elementos típicos das teofanias: o monte alto, a glória, a nuvem luminosa, as tendas, a voz. A presença de Moisés e de Elias confirmam que Jesus é o profeta definitivo, o Messias esperado. A voz que se ouve é dirigida, não só ao Filho, mas também a todos quantos a ouvem e é a apresentação oficial que o Pai faz aos discípulos chamados a ser testemunhas da agonia. O destino de Jesus está a realizar-se. O segredo messiânico será completamente revelado na Ressurreição.
    Mas os discípulos, testemunhas privilegiadas da intimidade filial entre Jesus e o Pai, e com os grandes amigos de Deus do Antigo Testamento, não conseguem acreditar que o Messias deva morrer e ressuscitar. Jesus tem de intervir para afirmar que Elias já veio na pessoa de João Baptista, e que já passou pelo sofrimento e pela morte, que são passagem obrigatória para quem pretende alcançar a glória.

    Meditatio

    Tiago adverte-nos, de modo quase irritante, para os perigos da língua, pequeno músculo capaz de provocar grandes danos. É como que uma arma mortífera, poderosa e sempre pronta a espalhar veneno letal. É muito fácil pecar com ela. Por isso, há que pôr-lhe freio. Há que saber falar, mas também que saber calar. Isto é particularmente importante para quem recebeu o ministério de ensinar, de guiar, de orientar os outros. Saber controlar a própria língua é sinal de perfeição: «Se alguém não peca pela palavra, esse é um homem perfeito» (v. 2).
    O evangelho também nos fala de palavra e de silêncio. Marcos comenta a proposta de Pedro – construir três tendas – afirmando que ele «não sabia que dizer» (v. 6). E, de modo categórico, Jesus renova aos seus discípulos a ordem de não falarem do que viram no alto monte, até que Ele tenha ressuscitado dos mortos. Como interpretar esta ordem? Terá sido apenas uma medida de prudência ligada às circunstâncias, ou é também uma indicação para nós? O Pai disse: «Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o» (v. 7). A escuta de Jesus fundamenta, para o
    cristão, tanto o silêncio como a palavra. Se permanecermos em constante escuta do Verbo, seremos verdadeiros mestres. As palavras que brotarem do nosso coração serão autênticas e não atraiçoarão o mistério de Jesus. No silêncio escutaremos, acolheremos e ofereceremos o Verbo, como fez Maria, a mulher do silêncio.
    Mas o próprio Jesus gostava de se entreter com o Pai, em momentos de solidão e silêncio, para O ouvir e Lhe falar. Também nós havemos de reservar momentos semelhantes para nos deixarmos renovar na intimidade com Cristo e nos unirmos ao seu amor pelos homens (cf. Cst 79).
    Lucas é o evangelista que mais se compraz em apresentar Jesus em oração sobre os montes e em lugares solitários: «Jesus… foi conduzido pelo Espírito ao deserto» (Lc 4, 1; cf. Mt 4, 1; Mc 1, 12); «Jesus retirava-se para lugares solitários a fim de rezar» (Lc 5, 16; cf. 9, 18; 11, 1; 22, 40-46); «Jesus subiu ao monte para rezar e passou toda a noite em oração» (Lc 6, 12; cf. 9, 28; Mc 6, 46; Jo 6, 15).
    Marcos também nos diz que Jesus, «depois de ter despedido a multidão, foi orar para o monte» (Mc 6, 46). É evidente a predilecção de Jesus pelo silêncio e pela solidão, a fim de escutar o Pai e Lhe falar, a fim mergulhar na contemplação. A oração é o lugar do Seu repouso e de encontro com o Pai. Podemos pensar numa oração muito simples, feita de amoroso silêncio, com uma única invocação: “Abbá, Pai”.

    Oratio

    Senhor Jesus, quero hoje pedir-te a graça da contemplação. Ver a tua beleza, o teu esplendor, prepara-me para Te escutar melhor, para me tornar mais disponível, para crescer no desejo de Te seguir. Dá-me, Senhor, a graça da contemplação, mas dá-me, sobretudo, o desejo de ser fiel à tua palavra, para me tornar cada vez mais semelhante a Ti, para me unir cada vez mais a Ti, para ter em mim os teus sentimentos de Filho e de Bom Samaritano da humanidade. Amen.

    Contemplatio

    Jesus toma os seus três preferidos, quer fortificar a sua fé, antes de os expor ao escândalo da sua agonia. Chegado ao cume do Tabor, retira-se à parte para orar. Qual foi o objecto da sua oração? Sem dúvida as suas provações próximas e a sua paixão, que foram também o objecto da sua conversa com Moisés e Elias. Ofereceu-se de novo ao seu Pai como vítima pela salvação dos homens. Repete o seu Ecce venio. E como a sua oferenda glorificava o seu Pai, o seu Pai glorificou-o por sua vez. A glória da sua transfiguração foi a recompensa da sua humilhação, da sua oblação voluntária; era assim que Ele tinha sido glorificado pelo seu Pai, quando se humilhou sob a mão de João Baptista no dia do seu baptismo.
    Foi enquanto rezava, que a mudança se manifestou no seu exterior. O seu rosto resplandecia como o sol; as suas vestes pareceram resplandecentes de luz e brancas como a neve. Era a alegria e a felicidade do seu Coração que se reflectiam para o exterior. Ele exultava de alegria porque ia começar o ano do sacrifício.
    Que lição para mim! Não teria esta alegria maravilhosa, mas teria pelo menos uma alegria profunda e a paz sobrenatural que ultrapassa todo o sentimento, se rezasse bem, se me oferecesse generosamente ao Coração de Jesus como vítima de amor e de reparação (Leão Dehon, OSP3, p. 250).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Este é o meu Filho muito amado. Escutai-o» (Lc 9, 7).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 07º Domingo do Tempo Comum – Ano C

    07º Domingo do Tempo Comum – Ano C


    20 de Fevereiro, 2022

    ANO C
    7.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 7.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia deste domingo exige-nos o amor total, o amor sem limites, mesmo para com os nossos inimigos. Convida-nos a pôr de lado a lógica da violência e a substituí-la pela lógica do amor.
    A primeira leitura apresenta-nos o exemplo concreto de um homem de coração magnânimo (David) que, tendo a possibilidade de eliminar o seu inimigo, escolhe o perdão.
    O Evangelho reforça esta proposta. Exige dos seguidores de Jesus um coração sempre disponível para perdoar, para acolher, para dar a mão, independentemente de quem esteja do outro lado. Não se trata de amar apenas os membros do próprio grupo social, da própria raça, do próprio povo, da própria classe, partido, igreja ou clube de futebol; trata-se de um amor sem discriminações, que nos leve a ver em cada homem – mesmo no inimigo – um nosso irmão.
    A segunda leitura continua a catequese iniciada há uns domingos atrás sobre a ressurreição. Podemos ligá-la com o tema central da Palavra de Deus deste domingo – o amor aos inimigos – dizendo que é na lógica do amor que preparamos essa vida plena que Deus nos reserva; e que o amor vivido com radicalidade e sem limitações é um anúncio desse mundo novo que nos espera para além desta terra.

    LEITURA I – 1 Sam 26, 2.7-9.12-13.22-23

    Leitura do Primeiro Livro de Samuel

    Naqueles dias,
    Saul, rei de Israel, pôs-se a caminho
    e desceu ao deserto de Zif
    com três mil homens escolhidos de Israel,
    para irem em busca de David no deserto.
    David e Abisaí penetraram de noite no meio das tropas:
    Saul estava deitado a dormir no acampamento,
    com a lança cravada na terra à sua cabeceira;
    Abner e a sua gente dormia à volta dele.
    Então Abisaí disse a David:
    «Deus entregou-te hoje nas mãos o teu inimigo.
    Deixa que de um só golpe eu o crave na terra com a sua lança
    e não terei de o atingir segunda vez».
    Mas David respondeu a Abisaí:
    «Não o mates.
    Quem poderia estender a mão contra o ungido do Senhor
    e ficar impune?»
    David levou da cabeceira de Saul a lança e o cantil
    e os dois foram-se embora.
    Ninguém viu, ninguém soube, ninguém acordou.
    Todos dormiam, por causa do sono profundo
    que o Senhor tinha feito cair sobre eles.
    David passou ao lado oposto
    e ficou ao longe, no cimo do monte,
    de sorte que uma grande distância os separava.
    Então David exclamou:
    «Aqui está a lança do rei.
    Um dos servos venha buscá-la.
    O Senhor retribuirá a cada um segundo a sua justiça e fidelidade.
    Ele entregou-te hoje nas minhas mãos
    e eu não quis atentar contra o ungido do Senhor».

    AMBIENTE

    A primeira leitura, tirada do primeiro Livro de Samuel, faz parte de um conjunto de tradições que descrevem a história da ascensão de David ao trono (1 Sam 16 – 2 Sam 6). Neste texto, apresenta-se um episódio emblemático que precede a chegada de David ao poder. Escolhido por Deus, mas perseguido pelo ciumento rei Saul, David tem de fugir para salvar a sua vida, enquanto espera que se cumpram os desígnios de Deus. Um dia, David tem a possibilidade de matar Saul e acabar com a perseguição; mas recusa-se a erguer a mão contra “o ungido do Senhor”. Este quadro situa-nos por volta de 1015 a.C.
    O livro de Samuel não é, primordialmente, um livro de história, mas um livro de teologia; assim, é impossível dizer o que é rigorosamente histórico neste conjunto de tradições e o que é catequese. Podemos dizer, a propósito do episódio que a liturgia de hoje nos propõe, que os autores deuteronomistas, responsáveis pela redação e edição da obra histórica que vai de Josué a 2 Reis, estão, sobretudo, preocupados com uma finalidade teológica: apresentar David como o rei ideal, corajoso mas de coração magnânimo, o protótipo do homem que não se afasta dos caminhos de Deus, que pela sua bondade e misericórdia atrai para si e para o seu Povo as bênçãos de Jahwéh.

    MENSAGEM

    O texto põe frente a frente duas formas de lidar com aquilo que nos agride e nos violenta. De um lado, está a atitude agressiva, que paga na mesma moeda, que responde à violência com uma violência igual ou ainda maior e que pode chegar, inclusive, à eliminação física do nosso agressor… Esta é a atitude de Abisai.
    Do outro lado, está a atitude de quem recusa entrar numa lógica de agressão e se propõe perdoar, evitando que a espiral de violência atinja níveis incontroláveis… Essa é a atitude de David.
    É evidente que é a atitude de David que os teólogos deuteronomistas sugerem aos crentes. David é apresentado como o protótipo do homem bom, que pode vingar-se do agressor, mas não o faz, pois sabe que a vida do outro é sagrada e inviolável. Não é espantoso que, cerca de mil anos antes de Cristo, numa época de grande brutalidade, a catequese de Israel ensine que o perdão é a única saída para a violência? Não é espantosa esta certeza de que a vida do outro – mesmo a do nosso agressor – pertence a Deus e que só Deus tem direitos sobre ela?

    ATUALIZAÇÃO

    Ter em conta as seguintes linhas:

    • A lógica da violência tem feito parte da história humana. Nos últimos cem anos conhecemos duas guerras mundiais e um sem número de conflitos resultantes dessa lógica. Como resultado, foram mortos muitos milhões de seres humanos e o mundo conheceu sofrimentos inqualificáveis. Depois disso, o medo de um holocausto nuclear traz-nos em suspenso e a violência quotidiana atinge, todos os dias, um número significativo de pessoas inocentes. Onde nos leva esta lógica? Ela não provou já os seus limites? Ainda acreditamos que a violência seja o princípio de um mundo melhor?

    • É necessário também aplicarmos a reflexão sobre a violência à nossa vida pessoal… Como me situo face à lógica da violência e da agressão? Quando alguém tem pontos de vista diferentes dos meus, grito mais alto para o vencer, ou utilizo a violência física? Agrido-o na sua honra e na sua dignidade, se não puder vencê-lo pela força dos argumentos? A minha lógica é a do “olho por olho, dente por dente”, ou é a lógica do perdão e do amor?

    • Qual a minha atitude face a esse valor supremo que é a vida humana? Há algo que justifique a morte do inimigo, a cadeira elétrica, a injeção letal, o tiro na nuca, o atentado terrorista, o enforcamento? À luz da Palavra de Deus que hoje nos é proposta, justifica-se a eliminação legal de pessoas (pena de morte)?

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)

    Refrão 1: O Senhor é clemente e cheio de compaixão.

    Refrão 2: Senhor, sois um Deus clemente e compassivo.

    Bendiz, ó minha alma, o Senhor
    e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
    Bendiz, ó minha alma, o Senhor
    e não esqueças nenhum dos seus benefícios.

    Ele perdoa todos os teus pecados
    e cura as tuas enfermidades;
    salva da morte a tua vida
    e coroa-te de graça e misericórdia.

    O Senhor é clemente e compassivo,
    paciente e cheio de bondade;
    não nos tratou segundo os nossos pecados,
    nem nos castigou segundo as nossas culpas.

    Como o Oriente dista do Ocidente,
    assim Ele afasta de nós os nossos pecados;
    como um pai se compadece dos seus filhos,
    assim o Senhor Se compadece dos que O temem.

    LEITURA II – 1 Cor 15, 45-49

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    O primeiro homem, Adão, foi criado como um ser vivo;
    o último Adão tornou-se um espírito que dá vida.
    O primeiro não foi o espiritual, mas o natural;
    depois é que veio o espiritual.
    O primeiro homem, tirado da terra, é terreno;
    o segundo homem veio do Céu.
    O homem que veio da terra
    é o modelo dos homens terrenos;
    O homem que veio do Céu
    é o modelo dos homens celestes.
    E assim como trouxemos em nós a imagem do homem terreno,
    procuremos também trazer em nós a imagem do homem celeste.

    AMBIENTE

    O texto que nos é proposto como segunda leitura integra uma passagem mais ampla (cf. 1 Cor 15, 35-53), onde Paulo reflete sobre o “modo” da ressurreição. Como ressuscitarão os mortos? As crenças judaicas do tempo concebiam o mundo dos ressuscitados como uma continuação do mundo presente; no momento da ressurreição, dizia a crença judaica, todos recuperarão o corpo que tinham neste mundo. Evidentemente, tais representações não podiam ser facilmente aceites pelos espiritualistas de Corinto (recordar que, para os gregos, o corpo era uma realidade material, sensual, carnal, que não podia ter acesso ao mundo ideal e espiritual).
    Que pensa Paulo de tudo isto? Ainda que saiba estar a mover-se num terreno misterioso, Paulo não se esquiva à questão e apresenta uma série de reflexões que podem ser clarificadoras para os seus interlocutores coríntios.

    MENSAGEM

    A afirmação básica de Paulo é que os mortos serão objeto de uma profundíssima transformação para chegar ao estado de ressuscitados. Não se pode falar, sem mais, de uma simples continuidade entre o corpo terrestre e o corpo ressuscitado. Ambos são corpos, mas as suas caraterísticas são claramente distintas, opostas até.
    Para explicar isto, Paulo recorre à figura de Adão. De um lado, está o primeiro Adão, tirado do barro, homem terreno e mortal, que é o modelo da nossa humanidade enquanto caminhamos neste mundo. Do outro, está o segundo Adão (Cristo ressuscitado) que, por ação do Espírito, se torna “corpo espiritual”. O modelo a que devem equiparar-se os crentes é o do segundo Adão, Jesus ressuscitado: incorporados pelo batismo em Cristo, os crentes equiparar-se-ão a Cristo ressuscitado e serão, como Ele, um “corpo espiritual”. O que é esse “corpo espiritual”? Paulo não o explica; mas, na tradição bíblica, “espírito” não é sinónimo de imaterialidade, mas sim de força, de vitalidade, de poder, de criatividade.
    Portanto, falar da nossa ressurreição é falar desse estado em que seremos um “corpo espiritual”, à imagem de Cristo ressuscitado. Nesse “corpo espiritual” estará presente o homem inteiro, dotado de novas qualidades – as qualidades do Homem Novo.

    ATUALIZAÇÃO

    Considerar, para reflexão, as seguintes questões:

    • A ressurreição aparece, nesta perspetiva, como a passagem para uma nova vida, onde continuaremos a ser nós próprios, mas sem os limites que a materialidade do nosso corpo nos impõe. Será a vida em plenitude ou, como diz Karl Rahner, “a transposição no modo de plenitude daquilo que aqui vivemos no modo de deficiência”. A morte é o fim da vida; mas fim entendido como meta alcançada, como plenitude atingida, como nascimento para um mundo infinito, como termo final do processo de hominização, como realização total da utopia da vida plena. Sendo assim, haverá alguma razão para temermos a morte ou para vermos nela o fim de tudo – uma espécie de barreira que põe definitivamente fim à comunhão com aqueles que amamos?

    • Mais uma vez convém recordar que ver a morte e a ressurreição na perspetiva da fé é libertarmo-nos do medo: medo de agir, medo de atuar, medo de denunciar as forças de morte que oprimem os homens e desfeiam o mundo… Que temos a perder, quando nos espera a vida plena, o mergulho no horizonte infinito de Deus – onde nem o ódio, nem a injustiça, nem a morte podem pôr fim a essa vida total que Deus reserva aos que percorreram, neste mundo, os caminhos do amor e da paz?

    ALELUIA – Jo 13, 24

    Aleluia. Aleluia.

    Dou-vos um mandamento novo, diz o Senhor:
    amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei.

    EVANGELHO – Lc 6, 27-38

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo,
    Jesus falou aos seus discípulos, dizendo:
    «Digo-vos a vós que Me escutais:
    Amai os vossos inimigos,
    fazei bem aos que vos odeiam;
    abençoai os que vos amaldiçoam,
    orai por aqueles que vos injuriam.
    A quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra;
    e a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica.
    Dá a todo aquele que te pedir
    e ao que levar o que é teu, não o reclames.
    Como quereis que os outros vos façam,
    fazei-lho vós também.
    Se amais aqueles que vos amam,
    que agradecimento mereceis?
    Também os pecadores amam aqueles que os amam.
    Se fazeis bem aos que vos fazem bem,
    que agradecimento mereceis?
    Também os pecadores fazem o mesmo.
    E se emprestais àqueles de quem esperais receber,
    que agradecimento mereceis?
    Também os pecadores emprestam aos pecadores,
    a fim de receberem outro tanto.
    Vós, porém, amai os vossos inimigos,
    fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca.
    Então será grande a vossa recompensa
    e sereis filhos do Altíssimo,
    que é bom até para os ingratos e os maus.
    Sede misericordiosos,
    como o vosso Pai é misericordioso.
    Não julgueis e não sereis julgados.
    Não condeneis e não sereis condenados.
    Perdoai e sereis perdoados.
    Dai e dar-se-vos-á:
    deitar-vos-ão no regaço uma boa medida,
    calcada, sacudida, a transbordar.
    A medida que usardes com os outros
    será usada também convosco».

    AMBIENTE

    Continuamos no horizonte do “discurso da planície” que começámos a ler no passado domingo. As “bem-aventuranças” (cf. Lc 6, 20-26) propunham aos seguidores de Jesus uma dinâmica nova, diferente da dinâmica do mundo; na sequência, Jesus exige aos seus uma transformação dos próprios sentimentos e atitudes, de forma que o amor ocupe sempre o primeiro lugar.

    MENSAGEM

    A exigência de amar e perdoar não é uma novidade radical inventada por Jesus. O Antigo Testamento já conhecia a exigência de amar o próximo (cf. Lv 19, 18); no entanto, essa exigência aparecia com limitações. Normalmente, o amor e o perdão ao inimigo apareciam limitados aos adversários israelitas (cf. 1 Sam 24, 26), aos compatriotas, àqueles a quem o crente vétero-testamentário estava ligado por laços étnicos, sociais, familiares, religiosos. Em contrapartida, o ódio ao inimigo – a esse que não fazia parte do mesmo povo nem da mesma raça – parecia, para o Antigo Testamento, algo natural (cf. Sal 35).
    Jesus vai muito mais além do que a doutrina do Antigo Testamento. Para Ele, é preciso amar o próximo; e o próximo é, sem exceção, o outro – mesmo o inimigo, mesmo o que nos odeia, mesmo aquele que nos calunia e amaldiçoa, mesmo aquele de quem a história ou os ódios ancestrais nos separam (cf. Lc 10, 25-37). Os exemplos concretos que Jesus dá a este propósito (cf. Lc 6, 29-30) sugerem que não basta evitar responder às ofensas; é preciso ir mais além e inventar uma dinâmica de amor que desarme a violência, a agressividade, o ódio. Ele não nos pede, possivelmente, que tenhamos uma atitude cobarde, passiva ou colaborante perante a injustiça e a opressão; o que Ele nos pede é que sejamos capazes de gestos concretos que invertam a espiral de violência e de ódio: trata-se de não responder “na mesma moeda”; trata-se de estar sempre disposto a acolher o outro, mesmo o que nos magoou e ofendeu; trata-se de estar sempre de mão estendida para o irmão, sem nunca cortar as vias do diálogo e da compreensão. O amor é a única forma de desarmar o ódio e a violência… Só assim os crentes imitarão a bondade, o amor e a ternura de Deus.
    A afirmação de Lc 6, 31 costuma ser chamada a “regra de ouro” da caridade cristã: “o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-lho vós também”. Indica que o amor não se limita a excluir o mal, mas que implica um compromisso sério e objetivo para fazer o bem ao próximo. Devemos, no entanto, rejeitar qualquer compreensão “mercantilista” desta regra: o que se procura é o bem do outro e não a estrita reciprocidade. Os versículos seguintes (cf. Lc 6, 32-35) acentuam esta perspetiva e garantem que só quem faz o bem de forma gratuita, sem cálculos e sem esperar nada em troca, pode ser “filho de Deus”.

    ATUALIZAÇÃO

    Na reflexão e aplicação à vida, considerar as seguintes coordenadas:

    • No mundo em que vivemos, é um sinal de fraqueza e de cobardia não responder a uma agressão ou não pagar na mesma moeda a quem nos faz mal; e é um sinal de coragem e de força pagar o mal com o mal – se possível, com um mal ainda maior. Achamos, assim, que defendemos a nossa honra e o nosso orgulho e conquistamos a admiração dos que nos rodeiam. Estes princípios geram, inevitavelmente, guerras entre os povos, separações e divisões entre os membros da mesma família, inimizades e conflitos entre os colegas de trabalho, relacionamentos difíceis e pouco fraternos entre membros da mesma comunidade cristã ou religiosa. Porque não descobrimos, ainda, que este caminho é desumano? É possível acreditar que esta dinâmica de confronto nos torna mais livres e mais felizes?

    • A nossa força e a nossa coragem manifestam-se, precisamente, na capacidade de inverter esta lógica de violência e de orgulho e de estender a mão a quem nos magoou e ofendeu. O cristão não pode recorrer às armas, à violência, à mentira, à vingança para resolver qualquer situação de injustiça que o atingiu. Esta é a lógica dos seguidores de Jesus, desse que morreu pedindo ao Pai perdão para os seus assassinos.

    • A lógica de Jesus – a lógica dos seguidores de Jesus – é precisamente a única que é capaz de pôr um travão à violência e ao ódio. A violência gera sempre mais violência; só o amor desarma a agressividade e transforma os corações dos maus e dos violentos.

    • Isto não significa ter uma atitude passiva e conivente diante das injustiças e das arbitrariedades; significa estar sempre disposto a dar o primeiro passo para o reencontro, para acolher o que falhou; significa ter gestos de bondade e de compreensão, mesmo para quem nos fez mal. Também não significa, obrigatoriamente, esquecer (felizmente, ou infelizmente, temos memória e não a podemos desligar quando nos apetece); mas significa não deixar que as falhas dos outros nos afastem irremediavelmente; significa ter o coração aberto ao nosso próximo – mesmo quando Ele é ou foi um “inimigo”.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 7.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (algumas são adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 7.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. MOMENTO PENITENCIAL: O DEUS DA MISERICÓRDIA…
    Neste domingo em que o Evangelho nos apresenta como modelo o Pai de misericórdia, o sacerdote poderá chamar a atenção para a fórmula que ele pronuncia no final do momento penitencial: “Deus todo-poderoso tenha compaixão…” Sem ser uma absolvição sacramental no sentido estrito, estas palavras oferecem o perdão de Deus a cada membro da assembleia. Isso permitirá ao sacerdote recordar que, se o recurso ao sacramento da reconciliação se impõe para as faltas graves, a Igreja dispõe de outros meios para levar o perdão de Deus aos cristãos que se reconhecem pecadores. O momento penitencial na Eucaristia é um desses momentos.

    3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    “Deus de bondade, nós Te damos graças pela paciência e pelo respeito de que fez prova David para com Saul que o perseguia.
    Nós Te pedimos pela nossa terra, invadida pelo ódio, pela mentalidade de vingança, pela inveja e pelo ciúme. Converte-nos e purifica os nossos corações e os nossos espíritos, para que sejamos construtores de paz e de reconciliação”.

    No final da segunda leitura:
    “Pai, nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus, novo Adão, ser espiritual vindo de junto de Ti para nos dar a vida, a nós, os herdeiros do primeiro Adão, votados à terra e à morte.
    Nós Te pedimos pelos nossos defuntos. Pelo batismo, Tu os recriaste à imagem do novo Adão, o Cristo. Associa-os à sua ressurreição”.

    No final do Evangelho:
    “Pai misericordioso, bom para os ingratos e os maus, bendito sejas pela revelação da tua bondade sem limites que Jesus nos faz pelo seu ensinamento e pelo seu comportamento.
    Nós Te pedimos: que o teu Espírito nos ajude a nos comportarmos como filhos e filhas dignos de Ti, Deus Altíssimo”.

    4. BILHETE DE EVANGELHO.
    Jesus não dá lições de filantropia, mas convida os seus interlocutores a erguer os olhos para Deus seu Pai, a fim de se tornarem semelhantes a Ele. Porque Deus é bom para com os ingratos e os maus, o homem deve procurar ser bom para com todos. Porque Deus é misericordioso, o homem é convidado a perdoar. Não é uma lição de moral, mas fundamentalmente um ato de fé do qual decorre um conjunto de comportamentos. Jesus, o Filho de Deus Altíssimo, veio tirar o homem de tudo aquilo que o pode afastar da semelhança com Deus, o pecado. Jesus é a perfeita imagem de Deus. Dirá mesmo: “Quem Me viu, viu o Pai”. As suas palavras são palavra de Deus, os seus gestos são gestos de Deus. O desafio está em procurarmos ser semelhantes a Jesus, ser perfeitos como o Pai celeste é perfeito.

    5. À ESCUTA DA PALAVRA.
    É uma verdadeira ladainha de desesperança e de culpabilização. Ninguém pode obedecer a todos estes mandamentos de Jesus. Mas não podemos apagar estas palavras tão desconcertantes. O Senhor dá-nos uma luz: Jesus constata que mesmo os pecadores são capazes de agir bem uns para com os outros. Nem tudo está corrompido no ser humano. Já é bom amar os que nos amam, fazer bem aos que nos fazem bem. Mas aos olhos de Jesus, isso não basta. É preciso ir mais longe. Porquê? Porque somos filhos e filhas do Deus Altíssimo. Somos da família de Deus, que é bom para os ingratos e os maus. Então, somos convidados a imitar a maneira de agir do nosso Pai. Ele não ama apenas aqueles que O amam. Ama a todos, bons e maus. E mesmo quando os homens O colocam à margem da sua vida, Ele não deixa de os amar. Jesus, que é o Filho bem-amado, a perfeita imagem de Deus, conformou-Se à moral de seu Pai. Na cruz, rezou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Amou os seus inimigos. Nunca rejeitou ninguém. O que Jesus nos diz hoje não são normas culpabilizantes e impraticáveis. São convites, urgentes e exigentes, é verdade, para que manifestemos, pela nossa maneira de agir, que somos da família do nosso Pai dos céus. Cristãos, somos convidados a colocar a nossa vida na luz de Jesus e da sua palavra, a não nos contentarmos do que fazem os pecadores. É somente num estreito acompanhamento com Jesus que recebemos do Espírito a força de ir sempre mais além no caminho, rude, mas exaltante, do amor, como o de Jesus e do Pai.

    6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    A Oração Eucarística IV celebra muito bem a infinita misericórdia do Deus da Aliança ao longo da história do mundo.

    7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
    No Evangelho deste domingo, Jesus convida-nos a amar como nos ama o Pai dos céus que é bom para os ingratos e os maus. Nesta semana, qual será a minha atitude para com determinado vizinho, colega, próximo… que me magoou ou feriu profundamente? Nesta semana, saberei permanecer no amor ao outro, quando tudo me pede para lhe responder na mesma moeda? Ao longo da semana, podemos retomar, de forma meditativa, o Evangelho deste domingo, pedindo a Deus mais sinceridade nas nossas atitudes e ações.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

    Santos Francisco e Jacinta Marto

    Santos Francisco e Jacinta Marto


    20 de Fevereiro, 2022

    Francisco Marto nasceu em 11 de Junho de 1908, em Aljustrel, Fátima, vindo a falecer também aí, no dia 4 de Abril de 1919. Muito sensível e contemplativo, Francisco orientou toda a sua oração e penitência para "consolar a Nosso Senhor". Jacinta Marto nasceu em Aljustrel, no dia 11 de Março de 1910 e faleceu em 20 de Fevereiro de 1920, no Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa, depois de uma longa e dolorosa doença, oferecendo todos os seus sofrimentos pela conversão dos pecadores, pela paz no mundo e pelo Santo Padre. Os seus restos mortais de Francisco e Jacinta repousam atualmente na Basílica da Cova da Iria. O Santo Padre João Paulo II proclamou-os beatos, em Fátima, a 13 de Maio de 2000.

    Lectio

    Primeira Leitura: 1Samuel 3, 1.3-10

    Naqueles dias, o jovem Samuel servia o Senhor sob a direção do sumo sacerdote Heli. Samuel dormia no templo do Senhor, no lugar onde se encontrava a arca de Deus. O Senhor chamou Samuel e ele respondeu: «Aqui estou». E, correndo para junto de Heli, disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Mas Heli respondeu: «Eu não te chamei; torna a deitar-te». E ele foi deitar-se. O Senhor voltou a chamar Samuel. Samuel levantou-se, foi ter com Heli e disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Heli respondeu: «Não te chamei, meu filho; torna a deitar-te». Samuel ainda não conhecia o Senhor, porque, até então, nunca se lhe tinha manifestado a palavra do Senhor. O Senhor chamou Samuel pela terceira vez. Ele levantou-se, foi ter com Heli e disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Então Heli compreendeu que era o Senhor que chamava pelo jovem. Disse Heli a Samuel: «Vai deitar-te; e se te chamarem outra vez, responde: 'Falai, Senhor, que o vosso servo escuta'». Samuel voltou para o seu lugar e deitou-se. O Senhor veio, aproximou-Se e chamou como das outras vezes: «Samuel, Samuel!». E Samuel respondeu: «Falai, Senhor, que o vosso servo escuta».

    Samuel é uma figura singular e polifacetada do Antigo Testamento: sacerdote, profeta e juiz. Vive no momento da transição da federação de tribos ao regime monárquico. A vocação de Samuel está enquadrada num cenário de simplicidade e sublimidade, de serenidade e dramatismo, de silêncio e eloquência, de quietude e dinamismo. Essa vocação acontece de noite, hora propícia à revelação. O jovem é chamado três vezes, e ainda uma quarta. Samuel pensa tratar-se de Heli, o sacerdote. Este, fazendo um discernimento da situação, coloca Samuel na presença do Senhor. O seu chamamento de Samuel, o primeiro dos profetas, tem semelhanças ao de João Baptista, o último dos profetas: ambos têm a missão de anunciar uma nova etapa da História da salvação. Ambos tiveram que sofrer a dilaceração que implica romper com uma época que se ama e que vai desaparecer, mas também a dor que acarreta a aurora de uma nova etapa.

    Evangelho: Mateus 18, 1-5.10

    Naquele tempo, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-Lhe: «Quem é o maior no reino dos Céus?». Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse-lhes: «Em verdade vos digo: Se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, não entrareis no reino dos Céus. Quem for humilde como esta criança, esse será o maior no reino dos Céus. E quem acolher em meu nome uma criança como esta acolhe-Me a Mim. Vede bem. Não desprezeis um só destes pequeninos. Eu vos digo que os seus Anjos vêem continuamente o rosto de meu Pai que está nos Céus».

    O texto paralelo de Marcos (9, 33-34) faz-nos supor que o contexto imediato destes ensinamentos do Senhor é uma discussão dos discípulos sobre o lugar que cada um deveria ocupar no reino pregado por Jesus. Jesus Manda-lhes que se tornem como crianças, não tanto no que se refere à inocência, mas no que se refere à humildade: a criança não tem pretensões. A humildade cristã é fruto da alegria de ser filhos de Deus. A filiação divina requer conversão. Os discípulos, particularmente os que são chamados a ser dirigentes da comunidade cristã, devem ser humildes e comportar-se como tais. Essa atitude dá-lhes uma dignidade maior que a dos anjos, que estão ao seu serviço

    Meditatio

    "Eu te bendigo, ó Pai, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelastes aos pequeninos". Com estas palavras, Jesus louva os desígnios do Pai celeste: "Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do Teu agrado". Quiseste abrir o Reino aos pequeninos. Por desígnio divino, veio do céu a esta terra, à procura dos pequeninos privilegiados do Pai, uma mulher revestida com o Sol. Fala-lhes com voz e coração de Mãe: convida-os a oferecerem-se como vítimas de reparação, oferecendo-se ela para os conduzir, seguros, até Deus. Foi então que das suas mãos maternais saiu uma luz que os penetrou intimamente, sentindo-se imersos em Deus como quando uma pessoa - explicam eles - se contempla num espelho. Mais tarde, Francisco, um dos três privilegiados, exclamava: nós estávamos a arder naquela luz que é Deus e não nos queimávamos. Como é Deus? Não se pode dizer. Isto sim que a gente não pode dizer. Deus: uma luz que arde mas não queima. A mesma sensação teve Moisés quando viu Deus na sarça-ardente. Ao beato Francisco, o que mais o impressionava e absorvia era Deus naquela luz imensa que penetrara no íntimo dos três. Na sua vida, dá-se uma transformação que poderíamos chamar radical; uma transformação certamente não comum em crianças da sua idade. Entrega-se a uma vida espiritual intensa que se traduz em oração assídua e fervorosa, chegando a uma verdadeira forma de união mística com o Senhor. Isto mesmo leva-o a uma progressiva purificação do espírito através da renúncia aos seus gostos e até às brincadeiras inocentes de criança. Suportou os grandes sofrimentos da doença que o levou à morte, sem nunca se lamentar. Grande era no pequeno Francisco, o desejo de reparar as ofensas dos pecadores, esforçando-se por ser bom e oferecendo sacrifícios e oração. E Jacinta sua irmã, quase dois anos mais nova que ele, vivia animada pelos mesmos sentimentos. Na sua solicitude materna, a Santíssima Virgem veio a Fátima, pedir aos homens para não ofenderem mais a Deus Nosso Senhor, que já está muito ofendido. Dizia aos pastorinhos: Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver que se sacrifique e peça por elas. A pequena Jacinta sentiu e viveu como própria esta aflição de Nossa Senhora, oferecendo-se heroicamente como vítima pelos pecadores. Um dia - já ela e Francisco tinham contraído a doença que os obrigava a estarem de cama - a Virgem Maria veio visitá-los a casa, como conta a pequenita: Nossa Senhora veio-nos ver e diz que vem buscar o Francisco muito em breve para o céu. E a mim perguntou-me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. E, ao aproximar-se o momento da partida do Francisco, Jacinta recomenda-lhe: Dá muitas saudades minhas a Nosso Senhor e a Nossa Senhora e diz-lhes que sofro tudo quanto Eles quiserem para converter os pecadores. Jacinta ficara tão impressionada com a visão do inferno, durante a aparição de treze de Julho, que nenhuma mortificação e penitência era demais para salvar os pecadores. (João Paulo II, Homilia da Missa da Beatificação de Francisco e Jacinta Marto no dia 13 de Maio 2000, em Fátima)

    Oratio

    Deus de infinita bondade, que amais a inocência e exaltais os humildes, concedei, pela intercessão da Imaculada Mãe do vosso Filho, que, à imitação dos bem-aventurados Francisco e Jacinta, Vos sirvamos na simplicidade de coração, para podermos entrar no reino dos Céus. Ámen. (Coleta da Missa).

    Contemplatio

    Jesus acolhia as crianças e abençoava-as... Os apóstolos querem afastar as crianças, mas Jesus não deixa. «Deixai-as vir a mim, diz. São semelhantes aos anjos do céu. A criança é dócil, simples, crente, obediente. Em lugar de afastardes as crianças, imitai as suas qualidades». Abraçava-as, impunha-lhes as mãos e abençoava-as. É uma curta lição de educação cristã. É preciso encorajar as crianças à piedade, abençoá-las e ensinar-lhes a rezar. Alguns dias antes, Jesus já tinha apresentado uma criança aos seus apóstolos como um modelo a imitar, porque a criança é simples, humilde, doce. «Se não tiverdes, dizia Jesus, estas disposições da infância espiritual, não entrareis no reino dos céus». E recomendava-lhes as crianças: «Quem as recebe em meu nome, recebe-me a mim, dizia. Tenho como feito a mim mesmo o que fizerem por elas. Ai daqueles que as escandalizam! Melhor seria que não tivessem nascido» (L. Dehon, OSP 4, p. 278s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O Senhor exaltou os humildes" (Lc 1, 46).

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    Beatos Francisco e Jacinta Marto (20 Fevereiro)

  • VII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    21 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    VII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 3, 13-18

    Caríssimos: 13Existe alguém entre vós que seja sábio e entendido? Mostre, então, pelo seu bom procedimento, que as suas obras estão repassadas da mansidão própria da sabedoria. 14Mas, se tendes no vosso coração uma inveja amarga e um espírito dado a contendas, não vos vanglorieis nem falseeis a verdade. 15Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é a terrena, a da natureza corrompida, a diabólica. 16Pois, onde há inveja e espírito faccioso também há perturbação e todo o género de obras más. 17Mas a sabedoria que vem do alto é, em primeiro lugar, pura; depois, é pacífica, indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem hipocrisia; 18e é com a paz que uma colheita de justiça é semeada pelos obreiros da paz.

    Depois de ter aconselhado os mestres a dominarem a língua, Tiago pergunta: «Existe alguém entre vós que seja sábio e entendido?» (v. 13). Depois, detém-se a apresentar a verdadeira e a falsa sabedoria, realçando-lhes os contrastes. Os neo-convertidos eram tentados a sentar-se na cátedra e a apresentar soluções para todas as questões e problemas, pois julgavam possuir um profundo conhecimento de Deus e do mundo. Tiago pede-lhes moderação. Já Paulo tivera que haver-se com os que possuíam uma «sabedoria» meramente intelectual (cf. 1 Cor 1). A sabedoria intelectual, ou terrena, leva à discórdia; a sabedoria que vem do alto leva à comunhão.
    A sabedoria que vem do alto inspira a comunhão que, por sua vez dá bom testemunho e permite viver na mansidão e na paz. A sabedoria terrena, pelo contrário, inspira a discórdia e faz crescer sentimentos de inveja, de contendas, que alimentam a soberba.
    O fruto da verdadeira sabedoria é a justiça e a paz (v. 18), tal como a desordem e toda a espécie de obras más provêm da falsa sabedoria (v. 16).

    Evangelho: Marcos 9, 14-29

    Naquele tempo, tendo Jesus descido do monte, 14ia ter com os seus discípulos, quando viu em torno deles uma grande multidão e uns doutores da Lei a discutirem com eles. 15Assim que viu Jesus, toda a multidão ficou surpreendida e acorreu a saudá-lo. 16Ele perguntou: «Que estais a discutir uns com os outros?» 17Alguém de entre a multidão disse-lhe: «Mestre, trouxe-te o meu filho que tem um espírito mudo. 18Quando se apodera dele, atira-o ao chão, e ele põe-se a espumar, a ranger os dentes e fica rígido. Pedi aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não conseguiram.» 19Disse Jesus: «Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá.» 20E levaram-lho.Ao ver Jesus, logo o espírito sacudiu violentamente o jovem, e este, caindo por terra, começou a estrebuchar, deitando espuma pela boca.
    21Jesus perguntou ao pai: «Há quanto tempo lhe sucede isto?» Respondeu: «Desde a infância; 22e muitas vezes o tem lançado ao fogo e à água, para o matar. Mas, se podes alguma coisa, socorre-nos, tem compaixão de nós.» 23«Se podes...! Tudo é possível a quem crê», disse-lhe Jesus. 24Imediatamente o pai do jovem disse em altos brados: «Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!» 25Vendo, Jesus, que acorria muita gente, ameaçou o espírito maligno, dizendo: «Espírito mudo e surdo, ordeno-te: sai do jovem e não voltes a entrar nele.» 26Dando um grande grito e sacudindo-o violentamente, saiu. O jovem ficou como morto, a ponto de a maioria dizer que tinha morrido. 27Mas, tomando-o pela mão, Jesus levantou-o, e ele pôs-se de pé. 28Quando Jesus entrou em casa, os discípulos perguntaram-lhe em particular: «Porque é que nós não pudemos expulsá-lo?» 29Respondeu: «Esta casta de espíritos só pode ser expulsa à força de oração.»

    Jesus não permitiu que os discípulos acampassem no Tabor. Mas nem Ele lá ficou muito tempo. Ao chegar junto dos discípulos, viu-os rodeados por uma multidão, que não esperava a sua vinda. Surpreendida, suspendeu a discussão com os discípulos, e acorreu a saudá-lo. É então que o pai de um jovem endemoninhado Lhe fala do estado de saúde do filho, acrescentando que os discípulos não tinham conseguido curá-lo.
    O carácter iracundo de Jesus, várias vezes realçado no segundo evangelho, vem ao de cima: «Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá» (v. 19). Jesus verifica que a sua pregação e os milagres realizados não tinham conseguido consolidar a fé dos discípulos, nem da multidão. Daí a sua indignação. Todavia não abandona aqueles que sofrem.
    O pai do jovem também tinha uma fé inconsistente. Mas, pelo menos, reconhecia-o com humildade: «se podes alguma coisa, socorre-nos, tem compaixão de nós» (v. 22). Era já um princípio de fé, que Jesus intuiu. Partindo dessa fé inicial, e escutando a sua oração - «Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!» - Jesus concede-lhe uma fé mais robusta. Depois, realiza o milagre pedido, libertando o jovem do espírito mudo e deixando um breve intervalo de tempo para que se revelem a grandeza e o poder do amor. A multidão pensa que o jovem estava morto mas, pelo contrário, estava livre e podia iniciar uma nova vida.
    Quando os discípulos interrogam Jesus sobre a sua incapacidade em curar o jovem, o divino Mestre acena, mais uma vez, à necessidade da oração.

    Meditatio

    Tiago leva-nos a meditar na relação sabedoria e fé: uma e outra se entrelaçam, formando como que um tecido compacto que cobre e aquece o homem, fazendo-o caminhar para o bem e para o amor. De facto, o homem sábio e crente tem, com os outros, um relacionamento fundado no acolhimento e na escuta. Por isso, é manso, pacífico, prestável, misericordioso, imparcial e verdadeiro na relação com os seus semelhantes. Na relação com Deus, reconhece-se que precisa d´Ele e que necessita de encontrar a Jesus, no seu caminho, Está consciente de que, por si mesmo, não é capaz de fazer o bem e de caminhar no amor.
    A fé faz crescer a sabedoria e a sabedoria aumenta a fé. O verdadeiro sábio e crente não cairá numa justiça meramente terrena. A humildade é a fé escondida, e a confiança daquele que tudo espera, e por isso tudo cobre na caridade. De mesmo modo, a oração é o pão quotidiano que fermenta a massa da existência e faz erguer os olhos para Aquele que é o Senhor da vida, de Quem precisamos para expulsar o mal que nos atormenta.
    O evangelho apresenta-nos esse Senhor em acção. Marcos narra com pormenor mais um milagre de Jesus que, provavelmente, servia para uma catequese baptismal. Duas vezes o jovem é comparado a um morto: &
    laquo;O jovem ficou como morto, a ponto de a maioria dizer que tinha morrido» (v. 26); «Jesus levantou-o, e ele pôs-se de pé» (v. 27). No v. 27, temos dois verbos, - levantar-se, erguer-se -, que o Novo Testamento usa para falar de ressurreição. Morte e vida: imagem do Baptismo, por meio do qual «fomos, pois, sepultados com Ele (Cristo) na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6, 4). É, pois, necessário que o «homem velho» morra, que seja destruída inveja amarga, o espírito de contendas, a sabedoria carnal, diabólica, para que chegue ao pleno desenvolvimento em nós a novidade de vida que é dom de Cristo.
    Este dom, brotou do Lado aberto do Senhor: «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja» (cf. Leão Dehon, Études sur le Sacré-Coeur, I, p. 114). O sangue e a água, que jorram do Lado de Cristo aberto pela lança simbolizam o dom do Espírito, que será derramado, e da Eucaristia, sacramento do amor, de que somos convidados a alimentar-nos para crescer na caridade. Mas o sangue derramado é também um sinal de morte, e convida-nos a morrer ao homem velho (Cf. Rm 6, 6; Ef 4, 22), tal como a água é um sinal de vida que nos impele a viver do «homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeira» (Ef 4, 22); é sinal do baptismo: «Fomos baptizados em Cristo Jesus... na Sua morte» (Rm 6, 3; Cf. Col 2, 2); «O amor de Deus foi derramado nos vossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5).

    Oratio

    Senhor Jesus, faz morrer em mim toda a desordem, para que reine na minha mente e no meu coração a sabedoria que vem do alto, uma sabedoria pura, pacífica, mansa, prestável, cheia de misericórdia e de bons frutos.
    Se for preciso, renova em mim os teus prodígios, para que a minha fé se torne sólida. Tu disseste: «tudo é possível a quem crê». E eu respondo com humildade e confiança: «Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!». Ajuda-me a não abandonar-te e a descobrir a tua presença na vida de cada dia. Dá-me a graça de olhar para Ti quando penso fazer boas acções, especialmente em favor do próximo, para que não perca qualquer dom do que infundiste em mim. Amen.

    Contemplatio

    Os discípulos exorcizam em vão o doente. Os escribas triunfam; procuram desacreditar os discípulos e o Mestre. Repetem os seus ultrajes do costume: «Estas pessoas, dizem, expulsam os demónios pela virtude de Belzebu, quando Belzebu quer». Os discípulos defendem-se, Jesus intervém: «De que disputais?», diz. Não respondem. As lamentações dolorosas e a ardente súplica do pobre pai interrompem o silêncio. Está de joelhos, chorando e com o coração partido: «Mestre, diz, conjuro-vos, lançai um olhar sobre o meu filho, o meu filho único. Se podeis alguma coisa, ajudai-me, tende piedade de nós, curai-o; os vossos discípulos não puderam». E Jesus diz à parte aos seus discípulos: «Este demónio não se pode expulsar senão pelo jejum, pela penitência e pela oração». É a grande lição deste milagre.
    Depois o Salvador interessa-se pelo pobre doente e pelo seu pai: «Desde quando sofre?» - «Desde a sua infância, diz o pai, é terrivelmente atormentado. Esperava que os vossos discípulos o salvassem!» - «Raça incrédula!», exclamou Jesus. Os apóstolos tinham tido pouca fé; o pai do doente e todo o seu acompanhamento também. «Se tu podes crer, diz o Salvador a este homem, tudo é possível a quem crê». - «Senhor, eu creio, ajuda a minha incredulidade». Mesmo assim Jesus sente-se tocado: «Trazei-me aqui o vosso filho», diz. A raiva do espírito maligno duplica contra a sua vítima, logo que viu Jesus, seu Senhor todo-poderoso. O ar retine com os seus gritos. O menino, atirando-se ao chão, escuma e rebola-se sobre a terra.
    Que espectáculo! O demónio triunfa momentaneamente, porque os apóstolos não tinham sido bastante fiéis ao espírito de reparação e de penitência, ensinado todos os dias pelo seu Mestre. Eis também o segredo do poder que o demónio ainda guarda sobre a nossa alma, sobre as nossas casas, sobre a nossa sociedade: a falta de espírito de reparação e de penitência (Leão Dehon, OSP3, p. 193s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!» (Mc 9, 24).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • Cadeira de S. Pedro

    Cadeira de S. Pedro


    22 de Fevereiro, 2022

    A festa da Cadeira de S. Pedro, colocada no dia 22 de Fevereiro por um martiriológio muito antigo, é uma boa oportunidade para fazermos memória viva e atualizante do primeiro dos Apóstolos, Simão Pedro. Nascido em Cafarnaum, exercia a sua profissão de pescador quando se encontrou com Jesus de Nazaré. Deixou o trabalho, a casa e a família para seguir o Senhor. Os evangelhos deixam-nos entrever a sua personalidade simples, espontânea e simpática. Jesus escolheu-o como primeiro no grupo dos Doze. Com a festa que hoje celebramos, apoiando-nos no símbolo da cadeira, realçamos a missão de mestre e de pastor conferida a Pedro por Cristo. O Senhor fez assentar sobre ele, como sobre uma pedra, todo o edifício da Igreja.

    Primeira Leitura: 1 Pedro 5, 1-4

    Aos presbíteros que há entre vós, eu - presbítero como eles e que fui testemunha dos padecimentos de Cristo e também participante da glória que se há-de manifestar - dirijo-vos esta exortação: 2Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, governando-o não à força, mas de boa vontade, tal como Deus quer; não por um mesquinho espírito de lucro, mas com zelo; 3não com um poder autoritário sobre a herança do Senhor, mas como modelos do rebanho. 4E, quando o supremo Pastor se manifestar, então recebereis a coroa imperecível da glória.

    O texto começa com uma autoapresentação do Apóstolo Pedro, que nos permite colher a sua identidade. Seguem-se algumas recomedações aos ansiãos que, com Pedro, carregam a honra e o peso das responsabilidades que Jesus lhe pôs sobre as costas (vv. 2s.). O Apóstolo transmite, não algo de seu, mas a missão que lhe foi confiada para ser partilhada e participada. Os que, na Igreja, são chamados a exercer um ministério hão-de deixar mover, não por interesse, mas por amor. A sua espiritualidade tem como caraterísticas o total serviço, a plena dedicação, a incondicionada fidelidade. Os que permanecerem fiéis receberão "a coroa imperecível da glória" das mãos do supremo Pastor (cf. v. 4).

    Evangelho: Mateus 16, 13-19

    Ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» 14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.»15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» 16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.» 17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»

    No nosso texto, Jesus começa por interrogar os discípulos sobre o que se diz sobre Ele. As respostas que dão são parcialmente válidas, mas inexatas. É então que Jesus interroga os discípulos sobre o que pensam dele. Responde Pedro, em nome de todos: "Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo." (v. 16). Estas palavras são uma profissão de fé total, completa, que já tem o sabor da fé pascal. Estas palavras revelam também a identidade de Pedro como crente e representante de todos os crentes.
    Na segunda parte do texto, temos temos uma série de palavras com as quais Jesus define a sua relação com Pedro e o ministério do Apóstolo em relação à Igreja (vv. 17-19). Pedro é bem-aventurado porque falou sob inspiração divina. O nome novo que Jesus dá a Pedro indica a sua missão de "pedra" fundamental e sólida do edifício que é a Igreja, a comunidade dos salvos. A entrega das chaves simboliza que é com Pedro e por meio de Pedro que Cristo realiza a salvação de todos.

    Meditatio

    «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?»... «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Em nome dos Doze, Pedro responde à pergunta de Jesus, não segundo o ponto de vista dos homens, mas segundo o ponto de vista de Deus: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo». Por isso, Jesus replica, proclamando-o bem-aventurado: «És feliz, Simão, filho de Jonas». Mas essa resposta é fruto de uma iluminação especial de Deus: «não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu» - diz-lhe Jesus.

    Pedro personifica a Igreja. A sua resposta será a da Igreja iluminada pelo Espírito no Pentecostes. Simão Pedro recebeu essa luz antecipadamente, por causa da missão que Cristo lhe queria confiar: «Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja. Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus, e tudo quanto ligares na terra ficará ligado nos Céus, e tudo quanto desligares na terra será desligado nos Céus" (Mt 16, 18-19).» Bento XVI comenta assim estas palavras do Senhor: «As três metáforas às quais Jesus recorre são muito claras: Pedro será o fundamento, a rocha sobre o qual se apoiará o edifício da Igreja; ele terá as chaves do reino dos céus, para abrir ou fechar a quem melhor julgar; por fim, poderá ligar ou desligar, no sentido em que poderá estabelecer ou proibir o que considerar necessário para a vida da Igreja, que é e permanece a Igreja de Cristo. [...]

    Esta posição de preeminência que Jesus decidiu conferir a Pedro verifica-se também depois da ressurreição (Mc 16, 7; Jo, 20, 2. 4-6). [...] Pedro será, entre os Apóstolos, a primeira testemunha de uma aparição do Ressuscitado (Lc 24, 34; 1 Cor 15, 5). Este seu papel, realçado com decisão (Jo 20, 3-10), marca a continuidade entre a preeminência obtida no grupo apostólico e a preeminência que continuará a ter na comunidade que nasceu depois dos acontecimentos pascais. [...] Vários textos-chave relativos a Pedro podem ser relacionados com o contexto da Última Ceia, no decurso da qual Cristo confere a Pedro o ministério de confirmar os seus irmãos (Lc 22, 31ss.). [...] Esta contextualização do primado de Pedro na Última Ceia, no momento da instituição da Eucaristia, Páscoa do Senhor, indica também o sentido último deste primado: Pedro deve ser, para todos os tempos, o guardião da comunhão com Cristo; deve conduzir à comunhão com Cristo; deve preocupar-se por que a rede não se rompa (Jo 21, 11), para que possa perdurar a comunhão universal. Só juntos, podemos estar com Cristo, que é o Senhor de todos. A responsabilidade de Pedro é, pois, a de garantir a comunhão com Cristo pela caridade de Cristo, conduzindo à realização desta caridade na vida de todos os dias».

    Oratio

    Senhor Jesus, quero hoje dar-te graças porque fundaste a Igreja sobre a pedra que é Pedro, para que seja na terra o sinal vivo da santidade do Pai, e anuncie a todos os povos o Evangelho do reino dos céus. Como Simão Pedro, quero dizer-te: afasta-te de mim que sou pecador, mas à tua palavra lançarei as redes; porque só és o Filho do Deus vivo, só tu tens palavras de vida eterna, só tu és a rocha segura, só tu és o Senhor e o Mestre. Sou fraco, muito fraco, mas com a tua graça darei a minha vida por ti, que sabes tudo, que sabes que te amo. Ámen.

    Contemplatio

    O dedo de Deus está bem marcado no estabelecimento da Religião cristã em Roma e na sua conservação há dezanove séculos. No seu estabelecimento, porque Deus se serviu de um pobre pescador galileu estranho às ciências profanas, sem recursos e sem apoios temporais para impor o jugo do Evangelho aos espíritos mais orgulhosos que jamais existiram, aos patrícios da velha Roma todos cheios de si mesmos, orgulhosos das suas riquezas e dados à sensualidade e ao prazer. Na sua conservação, porque nem as torrentes de sangue que os tiranos fizeram correr no circo e no coliseu, nem os assaltos da heresia tão frequentemente repetidos, nem o furor nem a corrupção dos homens nem as potências dos infernos conseguiram abalar esta pedra, centro e fundamento da Religião católica. Renovemos a nossa devoção e a nossa confiança para com a Igreja romana. Sejamos dóceis a todos os seus ensinamentos, a todas as suas direções. Amemo-la, veneremo-la tanto mais quanto mais ela for atacada e combatida. Rezemos pelo Soberano Pontífice e pela Igreja. (L. Dehon, OSP 3, p. 69s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16, 18).

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    Cadeira de S. Pedro (22 Fevereiro)

    VII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VII Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    22 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    VII Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 4, 1-10

    1De onde vêm as guerras e as lutas que há entre vós? Não vêm precisamente das vossas paixões que se servem dos vossos membros para fazer a guerra? 2Cobiçais, e nada tendes? Então, matais! Roeis-vos de inveja, e nada podeis conseguir? Então, lutais e guerreais-vos! Não tendes, porque não pedis. 3Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para satisfazer os vossos prazeres. 4Almas adúlteras! Não sabeis que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Portanto, quem quiser ser amigo deste mundo torna-se inimigo de Deus! 5Ou pensais que a Escritura diz em vão: O Espírito que habita em nós ama-nos com ciúme? 6No entanto, a graça que Ele dá é mais abundante, pelo que diz:Deus opõe-se aos soberbos,mas dá a sua graça aos humildes.
    7Submetei-vos, portanto, a Deus; resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. 8Aproximai-vos de Deus e Ele aproximar-se-á de vós. Lavai as mãos, pecadores, e purificai os vossos corações, ó gente de alma dividida. 9Reconhecei a vossa miséria, lamentai-vos e chorai; que o vosso riso se converta em pranto e a vossa alegria em tristeza. 10Humilhai-vos na presença do Senhor, e Ele vos exaltará.

    Se a verdadeira sabedoria, aquela que vem do alto, é pacificadora e condescendente, de onde vêm as lutas que dividem a comunidade? Vêm da sabedoria terrena. É ela que suscita na comunidade contendas, cobiças, invejas, lutas. Tiago, depois de ter tratado dos aspectos negativos que levam à divisão, penetra mais profundamente no coração daqueles que se armam em mestres da comunidade. A sua falta de correcção leva a guerras e litígios suscitados pelas paixões humanas que matam moralmente os outros. Como se pode alcançar o que se deseja, quando se pede movidos pela cobiça e pela inveja? O apóstolo chama a essas pessoas «almas adúlteras» (v. 4), porque amam as coisas mundanas e odeiam as coisas de Deus. Ora, «Deus... dá a sua graça aos humildes» (v. 8), ama os humildes, que Lhe são fiéis. Tiago parte desta afirmação para apelar à conversão dos seus ouvintes. É preciso acabar com toda a cobiça e inveja, pois cada um vale diante dos outros ou que vale diante de Deus. E só Ele exalta aqueles que Lhe obedecem.

    Evangelho: Marcos 9, 30-37

    Naquele tempo, 30Jesus e os discípulos, partindo dali, atravessaram a Galileia, e Ele não queria que ninguém o soubesse, 31porque ia instruindo os seus discípulos e dizia-lhes: «O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens que o hão-de matar; mas, três dias depois de ser morto, ressuscitará.» 32Mas eles não entendiam esta linguagem e tinham receio de o interrogar.
    33Chegaram a Cafarnaúm e, quando estavam em casa, Jesus perguntou: «Que discutíeis pelo caminho?» 34Ficaram em silêncio porque, no caminho, tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior. 35Sentando-se, chamou os Doze e disse-lhes: «Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos.» 36E, tomando um menino, colocou-o no meio deles, abraçou-o e disse-lhes: 37«Quem receber um destes meninos em meu nome é a mim que recebe; e quem me receber, não me recebe a mim mas àquele que me enviou.»

    O segundo anúncio da paixão é mais seco do que o primeiro (8, 31). Não se diz quem serão os autores da morte de Jesus. Os discípulos nem se atrevem a fazer perguntas. Talvez porque conhecem as reacções de Jesus, e a sua própria cegueira. Além disso, andavam ocupados com outros pensamentos. Sabiam que Jesus queria fundar uma comunidade e que os elementos fundadores eram eles. Preocupava-os a organização da comunidade. Até aí, não havia falta. Mas também discutiam sobre quem deles seria o primeiro nessa comunidade. Jesus admite que tem que haver um «primeiro», mas não à maneira da sociedade civil. Por isso, faz-lhes saber que será primeiro aquele que se dispuser a servir com humildade. «Servir», em sentido bíblico, é servir a Deus e, portanto, também ao próximo. Este «serviço» liberta do egoísmo, vício dominante do homem. Quem quiser ser o primeiro «há-de ser o último de todos e o servo de todos» (v. 35). Há aqui uma lição de humildade e de entrega de si na dor e no sofrimento, mas, sobretudo, no amor oblativo e desinteressado. Aquele que sabe ser o último e o servo, reconhece que tudo quanto possui lhe foi dado por Deus. Por isso, coloca-se em atitude de acolhimento: «quem me receber, não me recebe a mim mas àquele que me enviou» (v. 37). É comparável a uma criança que recebe tudo e a todos com simplicidade, humildade e pobreza, e se abandona confiadamente nos braços dos pais, ou de quem dela cuida.

    Meditatio

    A tentação de correr aos primeiros lugares é muito antiga nas nossas comunidades cristãs, e mesmo nas comunidades de consagrados e consagradas. Por vezes, essa tentação apresenta-se de modo subtil e sob forma de bem: o interesse da comunidade, o bom êxito da sua missão, o Reino de Deus. Pode acontecer que, no começo, nem nos demos conta do engano em que o nosso egoísmo nos está a induzir. Mas, a tentação, pouco a pouco, vai sugerindo coisas cada vez mais afastadas da verdade de Cristo, que, sendo de condição divina, tomou a condição humana, fazendo-se homem, e homem pobre de bens e de poder. Como refere Paulo, tomou a condição de servo (cf. Fl 2, 5), e, como narra João, prestou serviços de servo (cf. Jo 13, 1ss). Por amor, e para servir, ocupou o último lugar, que ninguém era tentado a tirar-Lhe.
    O serviço à comunidade, não pode ser um pretexto para alguém se afirmar, se impor, dar nas vistas, mas há-de ser prestado com os sentimentos de Jesus. João, ao narrar o lava-pés, revela-nos os sentimentos com que Jesus prestou esse serviço aos seus discípulos. Prestou-o por amor e com humildade: «Tendo amado os seus... começou a lavar-lhes os pés») (Jo 13, 1ss). Vivemos numa sociedade onde há muitos «serviços» organizados em favor dos cidadãos. O serviço evangélico distingue-se de qualquer outro pela motivação (o amor) e pelo modo como é prestado (com humildade). Não bastam o profissionalismo, nem o sentido de solidariedade humana, ainda que sejam importantes. O amor e a humildade tornam o serviço evangélico, imitação de Cristo.
    O evangelho mostra-nos os discípulos, que seguem Jesus, mas não O compreendem, nem compreendem o sentido da sua vida. Jesus é, na verdade, o servo de Deus e dos homens. Eles falam de poder, de domínio. Quando o Mestre fala de dificuldades graves, e mesmo de morte, ainda compreendem menos. Permanecem nos seus pensamentos, que os afastam de Senhor. Por isso, Jesus lhes diz claramente: «Se alguém quiser ser o primeiro, há-de ser o último de todos e o servo de todos» (v. 34).
    Jesus est&aa
    cute; consciente da provação que O espera, e avança decidido e sereno. Procura inculcar nos discípulos o verdadeiro espírito de serviço, motivado pelo amor e praticado com humildade. As suas palavras «Fazei isto em memória de Mim» (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 24-25) pronunciadas na instituição da Eucaristia são também um convite a todo o discípulo de Jesus, para que sirva como Ele serviu, para que se torne "pão partido" e "sangue derramado" por todos. Na eucaristia, como no lava-pés, Jesus oferece-se-nos um exemplo claro de como se deve servir os irmãos: depõe as "vestes" (Jo 13, 4) e, como um servo, lava os pés aos discípulos. Pedro tenta impedir o Senhor de fazer tal serviço (Cf. Jo 13, 6). Mas Jesus diz-lhe: «O que eu faço, tu não podes entendê-lo agora, mas hás-de sabê-lo depois» (Jo 13, 7).
    O Lava-pés preanuncia a morte de Jesus, o dom de toda a sua vida pelos homens: uma verdadeira "diaconia" ou serviço da vida, uma vida que se torna "pão partido pelo mundo". Tal como foi a vida do Mestre, assim deve ser a vida de discípulos. Depois da descida do Espírito Santo, Pedro compreende a lição e escreve na sua primeira carta: «Cada um de vós viva segundo a graça (carisma) que recebeu, pondo-a ao serviço (diaconia) dos outros» (1 Pe 4, 10). Os carismas são para o serviço (Cf. 1 Cor 12, 7; Ef 4, 12). Daqui se compreende o espírito de serviço, que deve caracterizar todo o discípulo do Senhor, que não age por sede de lucro ou por orgulho, mas unicamente animado pela oblação de amor: «Jesus... tendo amado os Seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (Jo 13, 1). O verdadeiro serviço, é imitação de Jesus que amou «não só com palavras e com língua, mas com obras e em verdade» (1 Jo 3, 18; Cst n. 18).

    Oratio

    Ó Jesus, na provação, Te tornaste sacerdote misericordioso. Ajuda-me a acolher as minhas próprias provações como momentos de educação salutar, e como motivos de alegria, porque me unem a Ti. Ajuda-me a acolher e a entender as palavras de Pedro: «exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações» (1 Pe 1, 6), bem como as de Paulo: «Estou cheio de consolação e transbordo de alegria no meio de todas as nossas tribulações» (2 Cor 7, 4). Que jamais me desoriente nas dificuldades e que, fixando o olhar em Ti, encontre, para elas, uma saída inspirada no teu amor por mim e no meu amor por Ti. Amen.

    Contemplatio

    Os apóstolos tinham acabado de ter uma discussão entre eles relativamente às honras que esperavam no novo reino, que julgavam dever ser temporal. Nosso Senhor repreende-os: Deixai, diz-lhes, estas vãs pretensões aos grandes do mundo. Esses gostam dos títulos de honra. Entre vós, que o primeiro se torne o servidor dos outros.
    Depois o bom Mestre quis apoiar este ensinamento com uma lição concreta: Quem é maior, diz-lhes, aquele que é servido, ou o que serve? É o que é servido. Ora bem! Vede, eu faço-me vosso servidor. E tomou uma bacia, como um escravo, e deitou-lhe água, e lavou-lhes os pés. Que lição de humildade!
    «Vós chamais-me Mestre e Senhor, diz-lhes, e dizeis bem, porque o sou. Então, se vos lavei os pés, se me humilhei até desempenhar a vosso respeito o ofício de um escravo, Eu que sou vosso Senhor e vosso Mestre, também vós deveis então lavar os pés uns aos outros, isto é, deveis prestar-vos os serviços mais humildes...».
    Não queria com isto excluir a hierarquia, porque acrescentava: «Como meu Pai me preparou um trono, também vos preparei o vosso; e tu Pedro, rezei para que a tua fé não desfaleça e tu hás-de confirmar os teus irmãos» (Lc 22,32).
    «Sereis apóstolos, deveis mesmo assim ser humildes, porque Eu, que sou vosso Mestre, faço acto de humildade. O apóstolo não é maior do que aquele que o enviou» (Jo 13,16).
    Quais são as minhas disposições de humildade? Sou verdadeiramente o servidor dos meus irmãos pela minha caridade e pelo meu zelo? (Leão Dehon, OSP 3, p. 266s.)

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Se alguém quiser ser o primeiro, faça-se servo de todos.»(cf. Mc 9, 35).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. Policarpo, Bispo e Mártir

    S. Policarpo, Bispo e Mártir


    23 de Fevereiro, 2022

    S. Policarpo foi discípulo de S. João Evangelista e por ele colocado à frente da igreja de Esmirna, como bispo. Foi também amigo de S. Inácio de Antioquia, que hospedou em sua casa, quando ele se dirigia para Roma, onde viria a ser martirizado. E foi Inácio que o definiu como "bom pastor com fé inabalável" e "forte atleta por causa de Cristo". Este juízo foi totalmente confirmado no ano 155, quando o corajoso bispo de Esmirna enfrentou o martírio pelo fogo, no estádio da cidade. A sua morte trouxe para a Igreja, como o seu nome indica "muito fruto".

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 2, 8-11

    Ao anjo da igreja de Esmirna escreve: «Isto diz o Primeiro e o Último, aquele que estava morto, mas reviveu: 9'Conheço as tuas tribulações e a tua pobreza; no entanto, és rico. Também conheço as calúnias dos que se dizem judeus, mas que não são mais que uma sinagoga de Satanás. 10Não temas nada do que vais sofrer. Eis que o Diabo vai lançar alguns de vós na prisão para vos provar. Sereis atribulados durante dez dias. Sê fiel até à morte e dar-te-ei a coroa da vida.' 11Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Aquele que vence não será vítima da segunda morte.

    Cristo ressuscitado dita ao vidente do Apocalipse sete cartas para as sete igrejas da Ásia Menor, dirigindo-as aos seus "anjos", isto é, aos seus bispos. Hoje escutamos a mensagem enviada à igreja de Esmirna, que foi bem aceite por Policarpo, seu bispo na época imediatamente sucessiva à dos apóstolos. O santo bispo enfrentou corajosamente os sofrimentos, superou a provação, foi fiel até à morte. Assim se tornou participante do mistério pascal de Cristo. Depois de o celebrar durante muitos anos no sacrifício eucarístico, tornou-o visível no seu próprio corpo, pelo martírio.

    Evangelho: da féria ou do Comum

    Meditatio

    S. Policarpo teve a felicidade de conhecer e de abraçar a religião cristã desde a juventude. Foi nela instruído pelos próprios apóstolos, e particularmente por S. João evangelista, que o estabeleceu depois bispo de Esmirna. Governou a Igreja de Esmirna durante sessenta e dois anos. O brilho das suas virtudes fazia com que fosse visto como o chefe e o primeiro dos bispos da Ásia. Os fiéis reverenciavam-no, esforçavam-se por lhe tirarem os seus sapatos no regresso das suas viagens apostólicas, considerando uma graça prestarem-lhe um pequeno serviço. Formou vários discípulos, como ele mesmo tinha sido formado pelos apóstolos. Santo Ireneu, bispo de Lião, foi deste número. «Tenho ainda presente no espírito, diz este santo, a gravidade do seu caminhar, a majestade do seu rosto, a pureza da sua vida e as santas exortações com que alimentava o seu povo. Parece-me que ainda o ouço dizer como tinha conversado com S. João, e com vários outros que tinham visto Jesus Cristo, as palavras que tinha escutado das suas bocas e as particularidades que tinha aprendido dos milagres e da doutrina deste divino Salvador. Tudo o que acerca disto dizia era absolutamente conforme às divinas Escrituras, como sendo transmitido por aqueles que tinham sido as testemunhas oculares do Verbo, da palavra de vida» ... A virtude é sempre provada. Nosso Senhor, no Apocalipse, descreve as provações do nosso grande santo: «Conheço a tua tribulação e a tua pobreza - e no entanto és rico - e sei que és difamado pelos que se dizem judeus, mas não são mais do que uma sinagoga de Satanás. Não temas os sofrimentos que te esperam. O diabo vai meter alguns de vós na prisão, para serdes postos à prova; e sereis atribulados durante dez dias. Sê fiel até à morte e dar-te-ei a coroa da vida.» O povo enganado pediu a sua morte, como tinha feito para Cristo. Procuraram o santo no seu modesto quarto. Teria podido salvar-se, mas não quis. «Que se faça a vontade de Deus!», diz. Os guardas queriam persuadi-lo a oferecer incenso aos ídolos e a César para salvar a sua vida. «Não posso», disse-lhes simplesmente. Como Jesus, foi conduzido ao suplício, bruscamente e sem considerações. Caiu e levantou-se pelo caminho. No anfiteatro, ouviram uma voz do céu que dizia: «Coragem, Policarpo, sê firme!» O magistrado pressionou-o em vão para que renunciasse a Jesus Cristo. «Há oitenta e seis anos que o sirvo, diz o santo, e nunca me fez mal». O povo gritava: «É o chefe dos cristãos, o destruidor dos nossos deuses; foi ele que ensinou a muitos a não mais os adorarem". Teriam querido que o entregassem aos leões, mas o espetáculo público tinha terminado. Condenaram-no ao fogo. O povo correu a procurar madeira nas lojas e nos banhos públicos e preparou uma grande fogueira. (Leão Dehon, OSP 3, p. 92s.).
    Policarpo, segundo a palavra de Paulo, "oferecei os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus" (Rm 12, 1), fez de si mesmo, uma oblação a Deus. A eucaristia que celebrava no altar plasmou totalmente a sua vida e a sua morte. O seu martírio foi uma verdadeira celebração litúrgica.

    Oratio

    Grande santo, ajudai-me. Vós sois uma testemunha do amor do Coração de Jesus, aceso na vossa alma pelo apóstolo S. João. Ajudai-me a amar o Coração de Jesus, a imitar as suas virtudes de humildade, de mansidão, de generosidade, a sofrer com Ele e por Ele, esperando a hora de ir gozar na sua presença. (Leão Dehon, OSP 3, p. 94).

    Contemplatio

    Aconteceu a S. Policarpo o que tinha acontecido ao seu mestre S. João, o fogo do seu coração ultrapassou e extinguiu o fogo material com que o envolviam. Tinha-se entregue ao suplício. Como o quisessem pregar a um poste, disse: «Deixai-me; aquele que me dá a força para sofrer o fogo, dar-me-á a graça de permanecer firme na fogueira, sem o socorro dos vossos pregos». Contentaram-se em ligá-lo com cordas. Assim amarrado, ergueu os seus olhos ao céu e disse: «Senhor, Deus todo poderoso, dou-vos graças pelo que me haveis concedido neste dia, por entrar no número dos vossos mártires e tomar parte no cálice do vosso Cristo, a fim de que eu ressuscite para a vida eterna. Que eu seja admitido hoje com eles na vossa presença, como uma vítima de agradável odor, tal como a haveis preparado, predito e cumprido, vós que sois o verdadeiro Deus; eu vos bendigo, vos glorifico pelo pontífice eterno e celeste, Jesus Cristo vosso filho, ao qual seja dada glória, assim como a vós e ao Espírito Santo, agora e em toda a eternidade. Ámen!» Quanto disse ámen, acenderam o fogo, mas por um milagre surpreendente, a chama, em vez de consumir o santo mártir, estendeu-se à volta dele como a vela de um barco enfunada pelo vento. Os pagãos, vendo que o fogo se recusava a servi-los, mandaram ferir o santo com um golpe de espada e o seu sangue extinguiu a fogueira. (Leão Dehon, OSP 3, p. 93s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Recebei-me, Senhor, como oblação de suave odor" (S. Policarpo).

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    S. Policarpo, Bispo e Mártir (23 Fevereiro)

    VII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    23 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    VII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 4, 13-17

    Caríssimos: 13agora, escutai-me, vós dizeis: «Hoje ou amanhã iremos a tal cidade, passaremos ali um ano, faremos negócios e ganharemos bom dinheiro.» 14Vós, que nem sequer sabeis o que será a vossa vida no dia de amanhã! O que é, afinal, a vossa vida? Sois fumo que aparece por um instante e logo a seguir se desfaz! 15Em vez disso, deveis dizer: «Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo.» 16Pelo contrário, gloriais-vos das vossas prosápias: toda a vaidade deste género é má. 17Quem sabe praticar o bem e não o faz comete pecado.

    Estas palavras de Tiago dirigem-se aos ricos da comunidade, homens habituados a viajar e a fazer negócios que lhes trazem elevados lucros. Ávidos de dinheiro e de poder, julgam controlar o futuro. A sua presunção torna-os semelhantes ao fumo: tão depressa sobem como descem e se desfazem, porque são pessoas inconsistentes.
    O apóstolo sublinha a importância de voltar os olhos e os pensamentos para o Senhor. Só assim poderemos tomar decisões sábias, mesmo no que se refere ao nosso dia a dia. «Se Deus quiser», diz o nosso povo cristão, quando se refere ao futuro. Parece que os cristãos, aos quais se dirigia Tiago, não usavam esse modo de falar e, programando o futuro, como se tudo dependesse unicamente deles, apenas projectavam o que convinha aos seus interesses. Para eles, enriquecer era uma vaidade, um modo de se afirmarem sobre os outros, uma tentativa de obter direitos e privilégios. O seu pecado consistia em que, conhecendo o bem, faziam o mal.

    Evangelho: Marcos 9, 38-40

    Naquele tempo, 38João disse a Jesus: «Mestre, vimos alguém expulsar demónios em teu nome, alguém que não nos segue, e quisemos impedi-lo porque não nos segue.» 39Jesus disse-lhes: «Não o impeçais, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer mal de mim. 40Quem não é contra nós é por nós.

    Ao terminarmos a leitura do capítulo 9 de Marcos, podemos fazer um pequeno resumo de alguns temas: a fé dos discípulos é frágil, não é suficiente para expulsar demónios; os próprios discípulos têm a mania das grandezas, orgulhando-se diante daqueles que não pertencem ao grupo dos discípulos. Parece-lhes que só eles têm capacidade para realizar acções correspondentes aos ensinamentos de Jesus. Mas o Mestre mostra que a sua missão e os seus ensinamentos não podem ser encerrados atrás de portas ou muros. O Espírito Santo sopra onde quer. Fazer prodígios «em nome» de Jesus, é actuar com liberdade, acolhendo o amor, e em total dependência de Deus, que não exclui ninguém. Os discípulos não podem pretender um monopólio absoluto sobre Jesus. A Igreja deve estar aberta àqueles que não lhe pertencem expressamente, mas demonstram simpatia e benevolência em relação a ela. As exortações finais apresentam exactamente alguns princípios para a boa convivência comunitária.

    Meditatio

    É rico, não quem acumula muitos bens, mas quem é feliz, e quem sabe estar atento aos outros e às suas necessidades. Mas também é preciso estar atentos aos sentimentos com que damos algo aos irmãos carenciados, às motivações com que o fazemos. Quando a nossa generosidade é movida pela caridade de Cristo, sentimo-nos impelidos a novas iniciativas e a acções que nunca antes pensámos poder fazer. E pode acontecer que também nos admiremos de ver outros capazes de gestos de amor ainda maiores que os nossos.
    É então que nasce o verdadeiro sentido de comunidade, de encontro entre pessoas que, reunidas no amor oblativo, têm como dinamismo vital o Espírito Santo, que assim realiza a sua missão: «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt 18, 29).
    O mesmo Espírito pode actuar por meio de pessoas que não pertencem à comunidade, ao nosso grupo. Jesus ensina-nos a sabedoria espiritual e a abertura do coração para enfrentarmos esses casos. João e os seus companheiros pensaram proibir a outros de fazerem o bem em nome do Senhor: «vimos alguém expulsar demónios em teu nome, alguém que não nos segue, e quisemos impedi-lo porque não nos segue» (v. 38). Também nós, cristãos do século XXI, podemos cair na tentação de não admitir que outros, que não são católicos como nós, façam o bem. Mas a Igreja assumiu, no Concílio Vaticano II, o ensinamento de Cristo, incitando-nos a alegrar-nos com todo o bem feito no mundo, ainda que não seja feito por nós (cf. GS). Não possuímos o monopólio do bem.
    Não é fácil admitir que, pessoas que não estão de acordo connosco, possam fazer o bem. Mas Deus quer que o reconheçamos e nos alegremos com isso, porque «não há ninguém que faça um milagre em meu nome e vá logo dizer mal de mim», disse Jesus (Mt 9, 39). Uma boa acção leva a outra boa acção. Por isso, não a critiquemos, ainda que não estejamos de acordo com quem a faz.
    Há que aprender a descobrir «os sinais da sua presença» (Cst. 28) também em homens que não são "dos nossos". Pode até acontecer que os que nos parecem mais afastados sejam os mais próximos do Senhor. Assim aconteceu na vida de Jesus: Nicodemos e os judeus de Jerusalém são entusiastas dos sinais que Jesus realiza. Acreditam n´Ele e reconhecem-n´O como enviado de Deus. Mas não chegam à fé perfeita. E Jesus não Se fia neles, porque sabe o que há no coração do homem (cf. Jo 2, 23-25; 3, 1-10). Pelo contrário, chegam à fé os desprezados, os cismáticos samaritanos: «Este é, na verdade, o salvador do mundo» (Jo 4, 42) e mais ainda o pagão funcionário real, que acredita à palavra de Jesus: «Vai, o teu filho está salvo. Aquele homem acreditou na palavra de Jesus e pôs-se a caminho» (Jo 4, 50). O seu filho estava verdadeiramente curado: «Acreditou ele e toda a sua família» (Jo 4, 53).

    Oratio

    Senhor, abre o meu coração para que possa receber toda a tua alegria e comunicá-la ao mundo. Perdoa-me a presunção com que, por vezes, realizo obras em teu nome. Tenho a boca, as mãos, o coração e a mente cheios de Ti, mas os meus sentimentos levam-me a procurar interesses e resultados egoístas. Não permitas que os tente justificar, porque, só Tu os podes justificar pela tua morte na cruz. Que a minha única riqueza seja ver a pobreza dos outros, para ir em sua ajuda. E que a minha pobreza seja colmatada pela riqueza que os outros têm para me dar. Amen.

    Contemplatio

    Vigiemos para contentar Nosso Senhor, para alegrar o seu Coração, para nos lembrarmos d' Ele que é nosso amigo, para o servirmos fiel e delicadamente. Vigiemos para salvar
    mos a nossa alma, à qual Nosso Senhor tanto quer. Vigiemos, se amamos Nosso Senhor, para conservarmos a sua presença na nossa alma e a nossa união com o seu divino Coração! A sua graça, a sua amizade, não são o mais precioso dos tesouros?
    Não é estranho que os homens sejam tão zelosos e tão vigilantes pelos seus interesses temporais, para satisfazerem a sua avareza ou a sua ambição, e que o sejam tão pouco para adquirirem e para conservarem o mais precioso dos tesouros, a graça, a amizade de Nosso Senhor, a sua presença na sua alma.
    Vigiai porque estais envolvidos de perigos: perigos do lado do demónio, perigos do lado das criaturas, perigos do lado das vossas paixões. Escutai S. Pedro, que tinha conhecido as graves consequências da falta de vigilância. «Meus irmãos, dizia, sede sóbrios e estai vigilantes, porque o vosso inimigo, o demónio, ronda como um leão para vos devorar. Resisti-lhe permanecendo firmes na fé (e na caridade)» (Pd 5) (Leão Dehon, OSP4, p. 496).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem sabe praticar o bem e não o faz comete pecado» (Tg 4, 17).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VII Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    24 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    VII Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 5, 1-6

    1Agora vós, ó ricos, chorai em altos gritos por causa das desgraças que virão sobre vós. 2As vossas riquezas estão podres e as vossas vestes comidas pela traça. 3O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem servirá de testemunho contra vós e devorará a vossa carne como o fogo. Entesourastes, afinal, para os vossos últimos dias! 4Olhai que o salário que não pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos está a clamar; e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo! 5Tendes vivido na terra, entregues ao luxo e aos prazeres, cevando assim os vossos apetites... para o dia da matança! 6Condenastes e destes a morte ao inocente, e Deus não vai opor-se.

    Tiago dirige agora uma invectiva contra os ricos. É a mais forte e veemente que encontramos na Bíblia (cf. Is 5, 8-10; Jer 5, 26-30; Am 8, 4-8; Miq 2, 89). É um solene aviso, ao estilo dos profetas, à sociedade em que vive, onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
    O apóstolo, primeiro descreve a sorte dos ricos; depois fala da sua culpa. Para isso, retoma, com tons mais duros, o que já antes dissera (cf. Tg 2, 6s.) sobre a relação pobres e ricos. Fá-lo com verbos fortemente expressivos. Os ricos hão-de chorar compulsivamente, e com brados semelhantes ao ulular das feras porque as suas riquezas estão podres, as suas vestes comidas pela traça e o seu ouro e a sua prata enferrujados. As suas garantias de vida estão destruídas e, pior ainda, pesa sobre eles o juízo de Deus (v. 3b). O salário que não pagaram aos trabalhadores clama contra eles aos ouvidos do Senhor (v. 5). A vida frívola tornou-os semelhantes aos animais que engordam para a matança.
    O pobre, pelo contrário, é amado por Deus, que não afasta dele o olhar e que está sempre atento aos seus clamores.

    Evangelho: Marcos 9, 41-50

    Naquele tempo, 41disse Jesus aos seus discípulos: «quem for que vos der a beber um copo de água por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa.»
    42«E se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor seria para ele atarem-lhe ao pescoço uma dessas mós que são giradas pelos jumentos, e lançarem-no ao mar. 43Se a tua mão é para ti ocasião de queda, corta-a; mais vale entrares mutilado na vida, do que, com as duas mãos, ires para a Geena, para o fogo que não se apaga, 44onde o verme não morre e o fogo não se apaga. 45Se o teu pé é para ti ocasião de queda, corta-o; mais vale entrares coxo na vida, do que, com os dois pés, seres lançado à Geena, 46onde o verme não morre e o fogo não se apaga. 47E se um dos teus olhos é para ti ocasião de queda, arranca-o; mais vale entrares com um só no Reino de Deus, do que, com os dois olhos, seres lançado à Geena, 48onde o verme não morre e o fogo não se apaga. 49Todos serão salgados com fogo. 50O sal é coisa boa; mas, se o sal ficar insosso, com que haveis de o temperar? Tende sal em vós mesmos e vivei em paz uns com os outros.»

    Jesus continua a sua caminhada para Jerusalém e chega a Cafarnaúm. Marcos insere aqui uma colecção de ensinamentos sobre o discipulado, aparentemente desligados entre si. Mas neles encontramos algumas palavras-chave que os ligam uns aos outros: a expressão «em nome» de Cristo, ou «por serdes de Cristo» (v. 41), já fora anunciada no v. 37; o termo «escândalo» (v. 42) antecipa a secção seguinte (vv. 43-48); a sentença conclusiva do «sal» (v. 50) apela para o versículo anterior.
    No texto que escutamos, Jesus começa a tratar do acolhimento, apontando alguns gestos simples, feitos em seu nome, porque é Ele que dá significado às acções humanas, e lhes confere valor de eternidade (v. 41). Depois, fala do escândalo: quem põe obstáculos àqueles que ainda são frágeis na fé, merece uma pena severa. Nos vv. 43-47, Marcos adopta a linguagem paradoxal para indicar a radicalidade e a dureza do juízo: é melhor sacrificar os órgãos vitais do que aderir ao pecado e cair na condenação eterna.
    As imagens do sal e do fogo servem para retomar o tema do sacrifício de si mesmo em vista da preservação ou da purificação do pecado. A sabedoria de Cristo deve dar sabor a todas as nossas acções; o fogo do amor deve arder sempre para pôr a nossa vida ao serviço da comunhão. É preciso dispor-se a perder... para tudo ganhar: «quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la» (Mc 8, 35).

    Meditatio

    Apoiados na Palavra recebida, os Profetas interpelam-nos e fazem-nos erguer dos sofás do nosso egoísmo. Deus suscita-os em todas as épocas para erguerem a chama da esperança na escuridão circundante, denunciar as injustiças, e ajudar os pobres e erguer o seu grito para os céus.
    Também nós, cristãos e consagrados, precisamos de ser incomodados e acordados para olharmos a realidade, não com os nossos olhos, mas com os olhos de Deus.
    Os desafios que, no nosso tempo, nos são postos pela globalização estão à vista de todos. Também o apóstolo Tiago via, no seu tempo, o desequilíbrio entre ricos e pobres, e se dava conta do pecado de uns e da grandeza dos outros. Observando a realidade, em perspectiva divina, vemos o que é invisível à simples lógica humana.
    Também cada um de nós é chamado a ser profeta no nosso tempo. Há que devorar a Palavra, há que deixar-se queimar por ela, para que os nossos gestos, mesmo os mais simples, sejam realizados em nome de Deus, e deixem a sua marca. Possuídos pela Palavra, seremos verdadeiros Profetas, e não poremos obstáculos à verdade.
    No evangelho, Jesus exige que resistamos às tentações e renunciemos decididamente às ocasiões de pecado. A sua linguagem, como geralmente acontece, é fortemente expressiva: «Se a tua mão é para ti ocasião de queda, corta-a... Se o teu pé é para ti ocasião de queda, corta-o... se um dos teus olhos é para ti ocasião de queda, arranca-o...» (cf. vv 43-47). É precisa coragem heróica para corresponder a este mandato do Senhor!
    A palavra de Cristo faz-nos tomar consciência da nossa falta de coerência quando é preciso renunciar a pequenas coisas para progredirmos espiritualmente. A palavra de Cristo é semelhante ao bisturi de um cirurgião. O cirurgião usa o bisturi para salvar a vida, para curar o doente. A palavra de Deus, por vezes é mais cortante que um bisturi, quando actua em nós, para nos salvar a vida, para nos curar. E «mais vale entrares mutilado na vida, do que, com as duas mãos, ires para a Geena... mais vale entrares coxo na vida, do que, com os dois pés, seres lançado à Geena...mais vale entrares
    com um só olho no Reino de Deus, do que, com os dois olhos, seres lançado à Geena...» (cf. vv. 45.48). A intenção de Jesus é positiva: quer dar-nos a vida em plenitude. Cada um de nós, inspirado por esta linguagem metafórica de Jesus, deve discernir o que deve efectivamente cortar para entrar na Vida. Para um, será uma certa relação ambígua, para outro será um determinado espectáculo ou leitura, para outro ainda, um certo modo de fazer carreira na política, de aumentar o volume de negócios e de rendimentos... A carta de Tiago pode ajudar ao discernimento.
    «O Padre Dehon espera que os seus religiosos sejam profetas do amor». A nossa "vida religiosa" deve ser «um testemunho profético» (Cst 39). Ser "profetas" é, para nós, um "carisma" em vista da missão salvífica do Povo de Deus (cf. Cst 27).
    O "profeta", em sentido bíblico, é aquele que é chamado por Deus a falar "em nome de Deus" diante dos homens e a "falar em alta voz". Geralmente o profeta do Antigo Testamento é alguém que tem uma profunda experiência pessoal de Deus. Por isso, não só anuncia em alta voz a palavra de Deus, mas testemunha com a sua vida a vontade de Deus e como deve ser a vida do homem segundo Deus.
    Para nós, Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus, o confronto deve acontecer especificamente com a "oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst 6). Sabendo como é exigente o carisma da oblação, é espontâneo o confronto com o Coração trespassado de Cristo e com todas as realidades expressas pelo mistério da transfixão do Seu Lado (Cst 21); é espontâneo o apelo para as profundas exigências da reparação (Cst 23) e da imolação (Cst 24), para as exigências da Eucaristia (Cst nn. 80-84) que devem tornar a nossa vida, tal como a do Pe. Dehon, "uma missa permanente" (Cst 5), "para Glória e Alegria de Deus" (Cst 25).

    Oratio

    Senhor, queremos, hoje, pedir-te a abundância do teu Espírito, porque estamos confusos, e já não sabemos distinguir o bem do mal. O pecado acumulou-se em nós, e tornou-se a nossa riqueza, o tesouro guardado nos cofres cerrados dos nossos corações. Que o teu Espírito, Senhor, volte a arder em nós e nos reconduza ao essencial, ao que verdadeiramente tem valor. Que Ele nos dê um olhar límpido, capaz de ver a criação e as criaturas; que nos dê braços abertos capazes de acolher os irmãos e partilhar com eles o que somos e temos; que nos dê pés seguros capazes de percorrer os caminhos da esperança. Então, seremos teus profetas, arautos da vida nova, que tem a marca e a sabedoria da tua cruz. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor, na sua bondade, quis acautelar-nos e premunir-nos contra a danação... Ora exprime simplesmente a danação, ora chama a nossa atenção para a pena do fogo e para a eternidade do castigo.
    Percorramos estes textos... Nosso Senhor ensina-nos primeiro que podemos perder a nossa alma, se quisermos satisfazer as nossas inclinações naturais e as nossas paixões. A condição da salvação é vencer a natureza, imitar o Salvador e levar a cruz atrás d' Ele (Mt 16).
    E se perdermos a nossa alma, quais serão então as consequências? Nosso Senhor di-no-lo em diversos momentos... «Povos do Oriente e do Ocidente hão-de converter-se, diz-nos, e entrarão no reino de Deus, enquanto que os filhos de Israel serão lançados nas trevas exteriores, onde reinam os choros e os rangeres de dentes» (Mt 7) ... Os condenados são submetidos ao suplício do fogo. O tormento deste suplício guarda em si algum mistério, mas Nosso Senhor chama-o sempre o suplício do fogo... Várias vezes, deu ao inferno, ou lugar dos condenados, o nome de Gehenna... Ora aqui está uma boa figura do inferno, um vale sinistro onde o fogo queima sempre. Ora Nosso Senhor tanto o chama simplesmente Gehenna, ou a Gehenna do fogo.
    «Mais vale, diz, arrancar o membro que causa escândalo, do que ver-se lançado inteiro na Gehenna» (Mt 5). - Noutra vez, diz: na Gehenna do fogo (Mt 18; Mc 9, 44).
    «Escribas e fariseus hipócritas, dizia ainda, fechais aos homens que vos escutam o reino dos céus; fazeis deles filhos da Gehenna... Como é que haveis vós mesmos de escapar ao juízo que condena à Gehenna?».
    Numa outra vez tinha dito: «Do mesmo modo que o cultivador queima as ervas más depois da colheita, assim o Filho do homem há-de enviar os seus anjos para atirar os escandalosos para o braseiro: para a fornalha ardente» (Mt 3, 42) (Leão Dehon, OSP 4, p. 510s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    Quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la» (Mc
    8, 35).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    25 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    VII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 5, 9-12

    Irmãos: 9Não vos queixeis uns dos outros, irmãos, para não serdes julgados.Olhai que o Juiz já está à porta.
    10Irmãos, tomai como modelos de sacrifício e de paciência os profetas, que falaram em nome do Senhor. 11Vede como nós proclamamos bem-aventurados aqueles que sofreram com paciência; ouvistes falar da paciência de Job e vistes o resultado que o Senhor lhe concedeu; porque o Senhor é cheio de misericórdia e compassivo. 12Mas, sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo Céu, nem pela Terra, nem façais qualquer outro juramento. Que o vosso «sim» seja sim e que o vosso "não" seja não, para não incorrerdes em condenação.

    Tiago volta-se finalmente para toda a comunidade exortando-os a viver o tempo presente de modo positivo e confiante. No meio das injustiças e atropelos, devem erguer os olhos para o Senhor que há-de melhorar a sua situação, quando vier como juiz. O apóstolo recorda dois exemplos do Antigo Testamento: os profetas e Job. Deus não os desiludiu, nem nos desiludirá a nós, porque «é cheio de misericórdia e compassivo» (v. 11). Há pois que permanecer fiéis à Palavra que devemos anunciar, e perseverar na fé. Finalmente, para que a esperança da parusia seja um tempo de serenidade e de edificação mútua, Tiago convida, não só a evitar a murmuração, mas também os juramentos (cf Mt 5, 33-37). A nossa palavra há-de ser garantida, não invocando o nome de Deus, mas vivendo com seriedade, autenticidade e transparência.

    Evangelho: Marcos 10, 1-12

    Naquele tempo, 1Jesus saindo dali, foi para a região da Judeia, para além do Jordão. As multidões agruparam-se outra vez à volta dele, e outra vez as ensinava, como era seu costume. 2Aproximaram-se uns fariseus e perguntaram-lhe, para o experimentar, se era lícito ao marido divorciar-se da mulher. 3Ele respondeu-lhes: «Que vos ordenou Moisés?» 4Disseram: «Moisés mandou escrever um documento de repúdio e divorciar-se dela.» 5Jesus retorquiu: «Devido à dureza do vosso coração é que ele vos deixou esse preceito. 6Mas, desde o princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. 7Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher, 8e serão os dois um só. Portanto, já não são dois, mas um só. 9Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem.» 10De regresso a casa, de novo os discípulos o interrogaram acerca disto. 11Jesus disse: «Quem se divorciar da sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. 12E se a mulher se divorciar do seu marido e casar com outro, comete adultério.»

    A comunidade messiânica deve ultrapassar a moral exclusivamente legalista, característica dos fariseus. Eles, com a pergunta sobre o divórcio, querem «experimentá-lo», pô-lo em apuros. O divórcio hebraico era regulado por Dt 24, 1-4, cujo propósito inicial era tutelar a mulher e garantir-lhe uma certa liberdade. Mas as escolas rabínicas discutiam os motivos de divórcio. As mais liberais achavam que bastava a mulher deixar queimar a comida, ou o marido encontrar outra mais bonita, para haver divórcio. Outras achavam que só o adultério justificava o divórcio. De qualquer modo, o divórcio era concedido pela legislação em vigor com muita facilidade, o que naturalmente acabava por prejudicar a mulher.
    Como é seu costume, Jesus responde à questão com outra questão, obrigando os seus interlocutores a aprofundar o sentido da sua objecção. No juízo moral, há que distinguir o que é regra humana, por muito aceitável que ela seja, e a perspectiva de Deus. As prescrições mosaicas sobre o divórcio reflectem a mediocridade humana e não o projecto primordial de Deus sobre a união do homem e da mulher. A moral farisaica fundamentava-se na não confessada inferioridade da mulher, que era considerada propriedade do homem. Para Jesus, à luz do Génesis, a união do homem e da mulher é a meta de uma plenitude humana. Não é o homem que toma posse da mulher, nem o contrário, mas, ao casarem, ambos se enriquecem mutuamente. A união matrimonial procede de Deus e é um verdadeiro «sacrilégio» contrapor-lhe um projecto de separação e divergência.
    O homem e a mulher levam em si a imagem de Deus-Amor e, ainda que na diferença, são chamados a ser uma só coisa no matrimónio (v. 8). A ninguém é permitido quebrar essa união (v. 9).

    Meditatio

    O apóstolo Tiago convida-nos a viver com transparência, sem duplicidade nem ambiguidade, de tal modo que as nossas acções sejam credíveis por si mesmas. E lembra-nos que há um passado de que podemos tirar lições úteis para o presente, e que o futuro não é uma realidade nebulosa, longínqua, mas algo que já se constrói hoje e que, de algum modo, já se pode saborear.
    A história humana desenrola-se entre dois grandes momentos: o da criação e o da vinda gloriosa de Cristo. No princípio e no fim dos tempos, encontramos o sentido profundo da nossa vida: Deus, que nos chama e nos quer em comunhão com Ele. O tempo presente, por influência das sugestões mediáticas dominantes, pode parecer-nos o hoje absoluto, e fazer-nos cair na tentação de cortar com o passado, como se não fosse nosso, e de não nos projectarmos para um futuro possível, fechando-nos em nós mesmos. Mas a Palavra de Deus diz-nos que o momento em que vivemos é tempo de paciência, é tempo de espera activa e confiante do Senhor que vem. A nossa vida é também tempo para darmos corpo e história à «imagem e semelhança» divinas impressas em nós no acto criador, pelo qual cada um realiza o projecto originário de comunhão na diferença e na harmonia do amor.
    No tempo, somos chamados a palpitar da própria vida de Deus Trino e Uno. O homem e a mulher, unidos pelo sacramento do matrimónio, são «sacramento», sinal e actuação dessa vida, dentro dos limites da linguagem humana. Por isso é que o matrimónio é indissolúvel, e só por causa da dureza do coração humano é que Moisés permitiu que se passe o documento de repúdio. Os próprios discípulos acharem excessivamente dura a posição de Jesus em relação ao divórcio: «Se é essa a situação do homem perante a mulher, não é conveniente casar-se!» (Mt 19, 10). Mas é d´Ele que vem a força para amar com paciência e misericórdia. «Bem-aventurados aqueles que sofreram com paciência» (Tg 5, 11). E esta bem-aventurança destina-se, não só aos que são fiéis ao matrimónio, mas a todas as relações interpessoais.
    Parece-nos lógico que os outros tenham paci&ec
    irc;ncia connosco. Mas temos alguma dificuldade em aceitar ter paciência com os outros: «Não vos lamenteis uns dos outros», exorta-nos o Apóstolo (Tg 5, 9). Deus não se lamenta de nós, «porque é rico em misericórdia e compaixão» (cf. Ef 2, 4).
    A paciência, a misericórdia, a tolerância são necessárias em todo o tipo de relações interpessoais, particularmente no matrimónio, mas também na vida comunitária. Os nossos irmãos de comunidade, particularmente os idosos, os doentes, os feridos pelas agruras da vida, precisam de muita compreensão, amor e paciência. A paciência é um fruto do Espírito: é aceitação, compreensão, misericórdia, perdão. Realize-se em nós e nestes nossos irmãos feridos a profecia de Ezequiel: "Dar-vos-ei um coração novo, infundirei em vós um espírito novo; retirarei o vosso coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne" (36.26). A caridade deve ser uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno (Cst 34).

    Oratio

    Bendito és Tu, Senhor, que me lembras que hás-de vir julgar os vivos e os mortos. Ouvindo-te, sou levado a mudar a minha relação com a vida e com os outros. Não existo por acaso, nem avanço na vida sem rumo: Tu és a minha meta, a meta dos meus irmãos. Só Tu dás sentido e dás sabor às relações comigo mesmo e com os outros.
    Fortalece a minha vontade sempre frágil, para que conheça o teu projecto original para cada homem e para cada mulher, esse projecto de amor e de alegria que a tua Palavra me revela e que, em Jesus, assumiu carne humana. Que eu saiba dar o justo valor ao que é humano, e colher no meu tempo fugaz fragmentos duradouros, reflexos de eternidade. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor não veio destruir a lei; explicou, desenvolveu a lei moral com mais clareza, mais extensão; deu-lhe o sentido verdadeiro; purificou-a das falsas interpretações farisaicas; acrescentou-lhe o que faltava, e elevou-a a um ideal de perfeição que nunca tivera até então, e que deve conservar até ao fim dos séculos.
    Deus tinha-nos dado a lei sumariamente no Sinai: resumia-se em dois preceitos: amarás o teu Deus de todo o coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e amarás o teu próximo como a ti mesmo.
    Era necessária a delicadeza do Coração de Jesus para bem compreender toda a plenitude do mandamento divino e todo o seu alcance, e para o explicar sem mistura de vistas terrestres.
    Só Ele tinha poder para acrescentar ao preceito a força do exemplo no cumprimento perfeito de toda a lei, de maneira a poder dizer: dei-vos o exemplo, para que façais como me vistes fazer.
    Nosso Senhor restabeleceu-a em vários pontos.
    O decálogo diz: «Não matarás». Os fariseus tomavam isto à letra e desculpavam as outras violências. Nosso Senhor recorda-nos que o preceito interdita toda a cólera, toda a injúria, mesmo todo o sentimento interior de hostilidade contra o próximo. Recomenda o suporte mútuo e a pronta reconciliação depois da ofensa.
    O decálogo proíbe o adultério. Ao contrário dos Fariseus, Nosso Senhor diz-nos que este preceito interdita até os mínimos desejos, olhares e pensamentos maus, até ao ponto que mais valeria perder um olho ou uma mão, se forem para nós ocasião de escândalo.
    A lei de Moisés autoriza o divórcio em certos casos. Nosso Senhor diz-nos que isso era uma tolerância divina por causa da fraqueza do povo judeu, mas que devia cessar na lei nova, e restabeleceu a indissolubilidade do matrimónio (Leão Dehon, OSP3, p. 27s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Bem-aventurados aqueles que sofreram com paciência» (Tg 5, 11).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • VII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    VII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    26 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares
    VII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Tiago 5, 13-20

    Caríssimos: 13Está alguém, entre vós, aflito? Recorra à oração. Está alguém contente? Cante salmos. 14Algum de vós está doente? Chame os presbíteros da Igreja e que estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. 15A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. 16Confessai, pois, os pecados uns aos outros e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração fervorosa do justo tem muito poder. 17Elias, que era um homem da mesma condição que nós, rezou com fervor para que não chovesse, e durante três anos e seis meses não choveu sobre a terra. 18Depois voltou a rezar, e o céu deu chuva, e a terra produziu o seu fruto. 19Meus irmãos, se algum de vós se extravia da verdade e alguém o converte, 20saiba que aquele que converte um pecador do seu erro salvará da morte a sua alma e obterá o perdão de muitos pecados.

    Tiago termina com um pensamento final, que não se apresenta como conclusivo. Se não se deve invocar o nome de Deus em vão (cf. Tg 5, 9-12), Deus deve estar sempre presente na vida dos cristãos, que O hão invocar na oração. Toda a nossa existência, nas mais diversas situações, tristes ou alegres, pode e deve ser acompanhada pela oração. Tiago aponta concretamente a situação de doença (v. 14). O fiel doente deve dirigir-se a Deus e aos irmãos para receber a força necessária a essa situação. O chefes da comunidade, chamados a intervir com orações e gestos precisos pela autoridade que lhes vem do Senhor, revelam uma praxe usada na primitiva igreja. A Tradição fundamenta nessa praxe o sacramento da unção dos enfermos. A intervenção de Deus, invocado na oração comum, toca o homem na sua totalidade, corpo e espírito, «ergue-o» da doença, mas também do pecado (v. 15). Tiago usa o verbo com que é indicada a ressurreição do Senhor, para sublinhar que o Senhor torna participante da sua própria vida aqueles que a Ele se confiam.

    Evangelho: Marcos 10, 13-16

    Naquele tempo, 13apresentaram a Jesus uns pequeninos para que Ele os tocasse; mas os discípulos repreenderam os que os haviam trazido. 14Vendo isto, Jesus indignou-se e disse-lhes: «Deixai vir a mim os pequeninos e não os afasteis, porque o Reino de Deus pertence aos que são como eles. 15Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele.» 16Depois, tomou-os nos braços e abençoou-os, impondo-lhes as mãos.

    A renúncia ao orgulho é outra característica da comunidade messiânica. O episódio da apresentação de alguns meninos a Jesus é significativo e claro a este respeito. Os discípulos pretendiam afastar as crianças, não porque incomodavam Jesus, mas porque, como as mulheres, representavam pouco ou mesmo nada. Segundo a mentalidade comum, de que os discípulos naturalmente também partilhavam, o Reino não era para crianças, mas para adultos, capazes de opções conscientes, de obras correspondentes e de adquirir méritos. Para Jesus, era tudo ao contrário: o Reino é um dom de Deus, que é preciso receber com disponibilidade. As crianças são as pessoas mais disponíveis para acolher dons, porque são pequenos e pobres, sem seguranças a defender ou privilégios a reclamar. Assim devem ser os discípulos de Cristo (v. 15), porque o Reino não é uma conquista pessoal, mas dom gratuito de Deus a esperar e a acolher com simplicidade e confiança. Ao abraçar as crianças, Jesus elimina toda a distância entre Ele e as crianças, e torna-se modelo daquela vida a que se chama «infância espiritual». De facto, dirige-se ao Pai com a palavra «abba», submete-se à sua vontade, abandona-se nas suas mãos.

    Meditatio

    A primeira leitura faz-nos lembrar o episódio da cura do paralítico que apresentaram a Jesus: Antes de lhe dar a saúde física, Jesus perdoa-lhe os pecados: «Filho, os teus pecados estão perdoados» (Mc 2, 5). De facto, Tiago escreve: «Algum de vós está doente? Chame os presbíteros da Igreja e que estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o aliviará; e, se tiver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados» (vv. 14-15). Esta ligação doença-oração, perdão-cura, é significativa para nós: a doença, lida de modo cristão, é tempo de purificação. Não porque seja necessariamente causada por pecados! Quando os discípulos perguntaram a Jesus, no caso da cura do cego de nascença, se fora ele os pais a pecar, respondeu: «Nem pecou ele, nem os seus pais, mas isto aconteceu para nele se manifestarem as obras de Deus» (Jo 9, 3). Mas não há dúvida de que a doença seja tempo de dolorosa purificação do egoísmo, e de real solidariedade com quem sofre.
    O abraço de Jesus às crianças (v. 16) é simbolo do reino de Deus: é Cristo quem nos torna filhos do Pai e irmãos entre nós. Aquele abraço mostra-nos tudo quanto o nosso coração precisa e deseja. O reino de Deus é uma realidade já presente no meio de nós. Há que acolhê-lo na fé, como crianças, sem a presunção de o construirmos nós próprios. O Reino está aqui. Mas, onde estão as crianças? Onde estão os pequeninos dispostos a deixar-se amar?
    Talvez nos tenhamos tornado adultos autosuficientes! Talvez tenhamos construído um «reino» à nossa medida!
    Deixemos que a Palavra ecoe dentro de nós: «o Reino de Deus pertence aos que são como eles» (v. 14); «o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15); «quem não nascer do Alto não pode ver o Reino de Deus» (Jo 3, 3).
    A Palavra revela os nossos sentimentos mais secretos, desmascara o nosso orgulho, os nossos cálculos egoístas. Mas não nos deixa desorientados. Cristo dá-se a nós, adultos renascidos, para nos fazer sentir a sua presença, que é vida verdadeira, nos nos acolhe e anima, que nos cura o coração. Cristo presente no meio de nós, aponta-nos o caminho e abre os seus braços para nos acolher, juntamente com tantos irmãos, pecadores como nós, mas que se abandonam confiadamente ao seu amplexo.
    O princípio de toda a conversão é o humilde reconhecimento de que somos pequenos, de que somos pecadores: «Os meus olhares pousam sobre os humildes, e sobre os de coração contrito», diz o Senhor em Isaías (66, 2). Com muita sinceridade, no meio dos irmãos, devemos fazer nossa a atitude de Paulo, quando afirma: «Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores dos quais eu sou o primeiro» (1 Tm 1, 15).
    Dos muitos convites &agrave
    ; conversão, que ecoam no NT, prestamos, hoje, particular atenção ao nos traz o evangelho escutado: «Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele» (v. 15; cf. Mt 18, 2-3). Ao pensar nesta conversão, realizada em cada um de nós, Jesus exultou no Espírito Santo dizendo: «Eu Te dou graças, ó Pai... porque escondeste estas coisas (os mistérios do Reino) aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque tudo isso foi do Teu agrado» (Lc 10, 21; TOB). Como é grande a misericórdia, a ternura do Coração de Jesus!

    Oratio

    Senhor, pelo baptismo libertaste-me do pecado, deste-me o teu Espírito e entregaste-me nos braços da tua Igreja. Como é grande o teu amor, a tua misericórdia para comigo! Ajuda-me a conservar e a fazer crescer os teus dons.
    Que em cada momento, em cada situação, possa dirigir-me a Ti, para saborear a tua presença. Tu és o meu refúgio, também na doença. Que eu saiba aceitá-la com fé e amor, para ser purificado do meu egoísmo.
    . Guarda-me nos teus braços e saborearei a tua paz. Se acontecer esquecer-te, e tentar apoiar-me só nas minhas seguranças, ajuda-me a renascer, reconhecendo-me carecido da tua misericórdia, da comunhão contigo e com os meus irmãos. Amen.

    Contemplatio

    O Salvador (diz): Não exijo como um mestre sombrio que estejam sempre diante de mim numa atitude que cheire a incómodo e a coacção. Preciso de simplicidade, candura. Porque é que uma piedade mal entendida impede demasiadas vezes estas doces efusões comigo? As almas simples não conhecem as torturas desta coacção, vêm directamente ter comigo. Falam-me sem arte, como sentem e como pensam. Comprazo-me nesta simplicidade. Concedo a estas almas graças que recuso aos soberbos: humilibus dat gratiam (Tiago 4).
    Quantos sábios na doutrina da verdade são ignorantes na arte de conversar comigo! Imaginam que para virem ter comigo, para serem admitidos na intimidade do meu Coração, é necessário todo um aparato de artifícios engenhosos.
    Aproximam-se de mim como sitiariam um lugar terrível, à força de táctica, e durante esse tempo os simples vêm direitos ao meu Coração. Se fordes fiéis a este abandono cheio de simplicidade, mesmo quando não sentirdes a minha presença, eu estarei em vós. «Amo aqueles que me amam» (Prov. 8). «Se alguém me ama, meu Pai amá-lo-á, e nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada» (Jo 14,25).
    Quero alegrar o coração dos meus amigos, é na sua afeição que o meu coração encontra a sua felicidade e se mesmo não lhes faço sentir a minha presença, estou com eles e eles fazem a minha alegria quando me amam.
    Muitos fazem de mim uma ideia muito inexacta, agem como faziam os meus apóstolos quando lhes repreendi por afastarem de mim as crianças. As crianças ouviam falar da minha bondade e do acolhimento benevolente que fazia a todos, queriam ver-me. Acorriam com a simplicidade da sua idade para verem Jesus, para lhe falarem, para receberem a sua bênção. Os meus apóstolos, que não me conheciam então como me conheceram depois, julgavam fazer bem afastando estes pobres pequenos, consideravam-nos como importunos. Dei-lhes então docemente uma lição que compreenderam. Atraí a mim estas crianças, abracei-as com bondade, abençoei-as e disse aos meus apóstolos quanto amava estas crianças. Acrescentei que o reino dos céus pertence-lhes e àqueles que a elas se assemelham. São semelhantes a elas os que vêm a mim na simplicidade do seu coração, para me dizerem que me amam, para receberem de mim um sinal de afecto, para me darem o seu coração (Leão Dehon, OSP3, p. 45).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele» (Mc 10, 15).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 08º Domingo do Tempo Comum – Ano C

    08º Domingo do Tempo Comum – Ano C


    27 de Fevereiro, 2022

    ANO C
    8.º DOMINGO COMUM

    Tema do 8.º Domingo comum

    O tema central da liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre esta questão: aquilo que nos enche o coração e que nós testemunhamos é a verdade de Jesus, ou são os nossos interesses e os nossos critérios egoístas?
    O Evangelho dá-nos os critérios para discernir o verdadeiro do falso “mestre”: o verdadeiro “mestre” é aquele que apenas apresenta a proposta de Jesus gerando, com o seu testemunho, comunhão, união, fraternidade, amor; o falso “mestre”, ao contrário, é aquele que manifesta intolerância, hipocrisia, autoritarismo e cujo testemunho gera divisões e confusões: o seu anúncio não tem nada a ver com o de Jesus.
    A primeira leitura, na mesma linha, dá um conselho muito prático, mas muito útil: não julguemos as pessoas pela primeira impressão ou por atitudes mais ou menos teatrais: deixemo-las falar, pois as palavras revelam a verdade ou a mentira que há em cada coração.
    A segunda leitura não tem, aparentemente, muito a ver com esta temática: é a conclusão da catequese de Paulo aos coríntios sobre a ressurreição. No entanto, podemos dizer que viver e testemunhar com verdade, sinceridade e coerência a proposta de Jesus é o caminho necessário para essa vida plena que Deus nos reserva. Do nosso anúncio sincero de Jesus, nasce essa comunidade de Homens Novos que é anúncio do tempo escatológico e da vida que nos espera.

    LEITURA I – Sir 27, 4-7

    Leitura do Livro de Ben-Sirá

    Quando agitamos o crivo, só ficam impurezas:
    assim os defeitos do homem aparecem nas suas palavras.
    O forno prova os vasos do oleiro
    e o homem é posto à prova pelos seus pensamentos.
    O fruto da árvore manifesta a qualidade do campo:
    assim as palavras do homem revelam os seus sentimentos.
    Não elogies ninguém antes de ele falar,
    porque é assim que se experimentam os homens.

    AMBIENTE

    O livro de Ben Sira (Eclesiástico) aparece no início do séc. II a.C., durante o domínio selêucida. É uma época em que o helenismo procura impor-se com alguma agressividade, pondo em causa a identidade do Povo de Deus. Jesus Ben Sira, o autor deste livro, estava preocupado com a degradação dos valores tradicionais do seu Povo; escreveu este compêndio de “sabedoria” para defender o património cultural e religioso de Israel e para demonstrar aos seus compatriotas que Israel possuía na “Torah”, revelada por Deus, a verdadeira “sabedoria” – uma “sabedoria” muito superior à “sabedoria” grega.
    O texto que a liturgia de hoje nos propõe é um exemplo clássico da reflexão sapiencial. Apresenta-nos uma máxima que, como todas as máximas da reflexão sapiencial, é deduzida da experiência prática e da própria reflexão (“não elogies ninguém antes de ele falar”); o fim desta máxima é orientar o comportamento do homem, preservando-o do insucesso, do fracasso, dos comportamentos e dos juízos errados.

    MENSAGEM

    Recorrendo a três imagens (a do crivo que, quando agitado, põe à vista as impurezas do trigo; a do forno, que obriga o vaso do oleiro a demonstrar a sua excelência; a do fruto, que revela a qualidade do campo), Jesus Ben Sira ensina que a palavra revela claramente o íntimo do coração do homem. É possível ao homem fingir, enganar, disfarçar, ser ator e encenar determinados tipos de comportamento... Mas a palavra revela-o e põe a nu os seus sentimentos mais profundos.
    A conclusão é, pois, óbvia: não devemos deixar-nos condicionar pela primeira impressão ou por gestos mais ou menos teatrais que nada significam: só a palavra expressa a abundância do coração.

    ATUALIZAÇÃO

    Ter em conta, na reflexão, os seguintes elementos:

    • Com frequência, temos de escolher pessoas e confiar-lhes cargos de alguma responsabilidade ou exigência. Seria ingénuo e pouco sério fazer escolhas com base em critérios acidentais ou interesseiros, ignorando aspetos essenciais. O que é que nos leva a escolher este e a rejeitar aquele? O aspeto físico? A simpatia? A classe social? A subserviência que manifesta em relação a nós? Ou somos convencidos pela competência e pela grandeza do coração?

    • Quantas vezes temos de reformular as nossas impressões acerca de uma pessoa depois de a conhecermos bem... Não podemos, pois, deixar-nos condicionar pela primeira impressão. Um juízo apressado pode levar-nos a ser tremendamente injustos e a marginalizar pessoas muito válidas e com um grande potencial; também pode, ao contrário, levar-nos a confiar totalmente em pessoas que, investidas de cargos de responsabilidade, acabam por destruir coisas que levaram muito tempo a ser edificadas...

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 91 (92)

    Refrão 1: É bom louvar o Senhor.

    Refrão 2: É bom louvar-vos, Senhor,
    e cantar salmos ao vosso nome.

    É bom louvar o Senhor
    e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo,
    proclamar pela manhã a vossa bondade
    e durante a noite a vossa fidelidade.

    O justo florescerá como a palmeira,
    crescerá como o cedro do Líbano:
    plantado na casa do Senhor,
    florescerá nos átrios do nosso Deus.

    Mesmo na velhice dará o seu fruto,
    cheio de seiva e de vigor,
    para proclamar que o Senhor é justo;
    n’Ele, que é o meu refúgio, não há iniquidade.

    LEITURA II – 1 Cor 15, 54-58

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Quando este nosso corpo corruptível se tornar incorruptível
    e este nosso corpo mortal se tornar imortal,
    então se realizará a palavra da Escritura:
    «A morte foi absorvida na vitória.
    Ó morte, onde está a tua vitória?
    Ó morte, onde está o teu aguilhão?»
    O aguilhão da morte é o pecado
    e a força do pecado é a Lei.
    Mas dêmos graças a Deus,
    que nos dá a vitória por Nosso Senhor Jesus Cristo.
    Assim, caríssimos irmãos,
    permanecei firmes e inabaláveis,
    cada vez mais diligentes na obra do Senhor,
    Sabendo que o vosso esforço não é inútil no Senhor.

    AMBIENTE

    Este texto conclui a catequese que temos vindo a ver nos quatro últimos domingos sobre a ressurreição. Consultado pelos coríntios – preocupados com a aparente impossibilidade de o corpo, sensual e material, ter acesso à vida plena com Deus – acerca da ressurreição, Paulo desenvolve a sua catequese sobre essa questão polémica. Aqui, fica bem patente a dificuldade do cristianismo (de raiz judaica e formulado inicialmente de acordo com a linguagem e os valores judaicos) em adaptar-se a uma realidade diferente – a realidade da cultura e dos valores helénicos.

    MENSAGEM

    No final da catequese, Paulo regista que o decisivo é que a morte tenha perdido para sempre o seu poder. Tanto em relação a Cristo, como em relação aos cristãos, não é o “como” da ressurreição que interessa, mas o facto em si. E, para Paulo, o facto em si é incontestável, está para além de toda a dúvida.
    É porque a ressurreição é incontestável que Paulo não pode deixar de festejar num hino – ainda que em miniatura – a vitória de Cristo e dos cristãos sobre a morte. Para isso, recorre a textos bíblicos de Isaías (cf. Is 25, 8) e Oseias (cf. Os 13, 14), ainda que evocados com bastante liberdade: “a morte foi absorvida na vitória. Ó morte, onde está a tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão?” (1 Cor 15 ,54-55). O pecado, a escravidão, o egoísmo, a violência, o ódio, aliados da morte não terão, a partir de agora, qualquer poder sobre o homem: a ressurreição de Cristo libertou todos os crentes do medo da morte, pois demonstrou que não há morte para quem luta por um mundo de justiça, de amor e de paz. O cântico de triunfo leva como acompanhamento obrigatório uma ação de graças a Deus pois é Ele, o Senhor da vida, “que nos dá a vitória por Nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Cor 15, 57).
    A última palavra de Paulo é para convidar os coríntios – e os crentes de todas as épocas – a permanecer “firmes e inabaláveis, cada vez mais diligentes na obra do Senhor” (1 Cor 15, 58). É um convite a não projetarmos a ressurreição apenas num mundo futuro, mas a trabalharmos cada dia para que a ressurreição (como libertação do pecado, do egoísmo, da exploração e da morte) se vá tornando uma realidade viva na história da nossa existência. Isto implica, evidentemente, não cruzar os braços numa passividade que aliena, mas empenharmo-nos verdadeiramente numa efetiva transformação que traga vida nova ao homem e ao mundo.

    ATUALIZAÇÃO

    Como proposta de reflexão, sugerimos as seguintes linhas:

    • A ressurreição de Cristo garante-nos que o nosso Deus é o Senhor da vida. Assim, percorremos o nosso caminho neste mundo com total serenidade e confiança: sabemos que Deus está ao nosso lado sempre, vigiando – como uma mãe que cuida do seu bebé; e que, quando chegar a última fronteira, o nosso último fechar de olhos, a nossa saída deste mundo ou entrada no outro, também então podemos estar tranquilos, porque o nosso Deus/mãe continua vigilante. Ele é o Deus da vida, que nos garante a plenitude da vida.

    • A teologia clássica assimilou o horizonte de compreensão da filosofia grega, segundo a qual o mundo verdadeiro era o mundo sobrenatural; o mundo terreno era apenas o lugar da matéria, da ambiguidade, do pecado, da imperfeição; a alma ansiava por libertar-se rapidamente desta matéria para ascender à esfera da vida plena, da vida de Deus... Atualmente, o regresso à mentalidade bíblica trouxe-nos uma outra consciência: sabemos que o mundo novo que nos espera começa já a realizar-se nesta terra e que é preciso fazê-lo aparecer todos os dias, em cada um dos nossos gestos. Acreditar na ressurreição é, assim, empenhar-se na construção de um mundo mais humano e mais fraterno, procurando eliminar as forças do egoísmo, do pecado e da morte que impedem, já nesta terra, a vida em plenitude. Por isso o Concílio Vaticano II diz: “a Igreja ensina que a importância das tarefas terrenas não é diminuída pela esperança escatológica, mas que esta antes reforça com novos motivos a sua execução” (Gaudium et Spes, 21).

    ALELUIA – Filip 2, 15d.16a

    Aleluia. Aleluia.

    Vós brilhais como estrelas no mundo,
    ostentando a palavra da vida.

    EVANGELHO – Lc 6, 39-45

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

    Naquele tempo.
    disse Jesus aos discípulos a seguinte parábola:
    «Poderá um cego guiar outro cego?
    Não cairão os dois nalguma cova?
    O discípulo não é superior ao mestre,
    mas todo o discípulo perfeito deverá ser como o seu mestre.
    Porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista
    e não reparas na trave que está na tua?
    Como podes dizer a teu irmão:
    ‘Irmão, deixa-me tirar o argueiro que tens na vista’,
    se tu não vês a trave que está na tua?
    Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista
    e então verás bem para tirar o argueiro da vista do teu irmão.
    Não há árvore boa que dê mau fruto,
    nem árvore má que dê bom fruto.
    Cada árvore conhece-se pelo seu fruto:
    não se colhem figos dos espinheiros,
    nem se apanham uvas das sarças.
    O homem bom,
    do bom tesouro do seu coração tira o bem:
    e o homem mau,
    da sua maldade tira o mal;
    pois a boca fala do que transborda do coração».

    AMBIENTE

    Continuamos ainda no ambiente do “discurso da planície”, onde Jesus apresenta os elementos fundamentais da existência cristã.
    Provavelmente, Lucas concentrou aqui um conjunto de frases ou de ditos de Jesus que, originalmente, tinham um contexto diverso e foram pronunciados em alturas diversas. A unidade temática do nosso texto ressente-se, pois, desse facto.
    Apesar disso, pode perceber-se que Lucas está preocupado com os “falsos mestres”. O texto de hoje começa com um provérbio (“poderá um cego guiar outro cego?” – vers. 39) que Mateus coloca num contexto completamente diferente do de Lucas: enquanto que em Mateus (cf. Mt 15,14) ele aparece num contexto de crítica aos fariseus, aqui é uma advertência contra os falsos mestres na comunidade cristã. Provavelmente, Lucas quer pôr a comunidade de sobreaviso em relação a esses mestres pouco ortodoxos que, na década de 80, começam a aparecer nas comunidades e cujas doutrinas apresentam desvios sérios em relação ao essencial da mensagem de Jesus Cristo.

    MENSAGEM

    Segundo Lucas, o verdadeiro mestre será sempre um discípulo de Jesus, o mestre por excelência; e a doutrina apresentada não poderá afastar-se daquilo que Jesus disse e ensinou (vers. 39-40). Quando alguém apresenta a própria doutrina e não as propostas de Jesus está, muito provavelmente, a desorientar os irmãos. A comunidade deve ter isto presente, a fim de não se deixar conduzir por caminhos que a afastem do verdadeiro caminho que é Jesus.
    Um segundo desenvolvimento, diz respeito ao julgamento dos irmãos (vers. 41-42). Há na comunidade cristã pessoas que se consideram iluminadas, que “nunca se enganam e raramente têm dúvidas”, muito exigentes para com os outros, que não reparam nos seus telhados de vidro quando criticam os irmãos... Apresentam-se muito seguros de si, às vezes com atitudes de autoridade, de orgulho e de prepotência e são incapazes de aplicar a si próprios os mesmos critérios de exigência que aplicam aos outros. Esses são (a palavra é dura, mas não a podemos “branquear”) “hipócritas”: o termo não designa só o homem dissimulado, falso, cujos atos não correspondem ao seu pensamento e às suas palavras, mas equivale ao termo aramaico “hanefa” que, no Antigo Testamento, significa, ordinariamente, “perverso”, “ímpio”. Pode o verdadeiro discípulo de Jesus ser “perverso” e “ímpio”? Na comunidade de Jesus não há lugar para esses “juízes”, intolerantes e intransigentes, que estão sempre à procura da mais pequena falha dos outros para condenar, mas que não estão preocupados com os erros e as falhas – às vezes bem mais graves – que eles próprios cometem. Quem não está numa permanente atitude de conversão e de transformação de si próprio não tem qualquer autoridade para criticar os irmãos.
    Finalmente, Lucas apresenta o critério para discernir quem é o verdadeiro discípulo de Jesus: é aquele que dá bons frutos (vers. 43-45). Neste contexto, parece dever ligar-se os “bons frutos” com a verdadeira proposta de Jesus: dá bons frutos quem tem o coração cheio da mensagem de Jesus e a anuncia fielmente; e essa mensagem não pode gerar senão união, fraternidade, partilha, amor, reconciliação. Quando as palavras de um “mestre” geram divisão, tensão, desorientação, confrontação na comunidade, elas revelam um coração cheio de egoísmo, de orgulho, de amor próprio, de autossuficiência: cuidado com esses “mestres”, pois eles não são verdadeiros.

    ATUALIZAÇÃO

    Considerar, para reflexão, as seguintes indicações:

    • Todos nós, de uma forma ou de outra, somos chamados a dar testemunho da nossa fé e da proposta de Jesus. Esta reflexão sobre os verdadeiros e falsos “mestres” não é, portanto, algo que apenas diga respeito à hierarquia da Igreja, mas a todos os cristãos. Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre a verdade ou a mentira do nosso testemunho. Como é o nosso testemunho? Identifica-se com a proposta de Cristo?

    • Pode acontecer que a radicalidade do Evangelho de Jesus seja viciada pela nossa tendência em “suavizar”, “atenuar”, “adaptar”, de forma a que a mensagem seja mais consensual, menos radical, mais contemporizadora... Não estaremos, assim, a retirar à proposta de Jesus a sua capacidade transformadora e a escolher um caminho de facilidade?

    • Também pode acontecer que anunciemos as nossas teorias e as nossas perspetivas, em lugar de anunciar Jesus e as suas propostas. Mais grave ainda: é possível atribuir a Jesus mandamentos e exigências que desvirtuam totalmente o sentido global das propostas que Jesus fez. Isso constitui uma grave perversão do Evangelho; e daí resulta, tantas vezes, opressão, medo, escravatura, em nome de Jesus. Isto tem acontecido, com frequência, ao longo da história da Igreja... É preciso, pois, um permanente confronto do nosso anúncio com o Evangelho e com o sentir da Igreja, a fim de que anunciemos Jesus e não traiamos a verdade da sua proposta libertadora.

    • Podemos também correr o risco de deixar que o sentimento da nossa importância nos suba à cabeça; então, tornamo-nos arrogantes, exigentes, intolerantes, convencidos de que somos os únicos senhores da verdade. Com alguma frequência ouvem-se nas nossas comunidades cristãs frases como “aqui quem manda sou eu” ou “eu é que sei; tu não percebes nada disto”. Sempre que isso acontecer, convém interrogarmo-nos acerca da forma como estamos a exercer o nosso serviço à comunidade: estaremos a veicular a proposta de Jesus?

    • A história da trave e do cisco convida-nos a refletir sobre a hipocrisia... É fácil reparar nas falhas dos outros e enveredar pela crítica fácil que, tantas vezes, afeta a reputação e fere a dignidade das pessoas; é difícil utilizar os mesmos critérios de exigência quando estão em causa as nossas pequenas e grandes falhas... Somos tão exigentes connosco como somos com os outros? Temos consciência da nossa necessidade permanente de conversão e de transformação?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 8.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 8.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • VIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    28 de Fevereiro, 2022

    Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pedro 1, 3-9

    3Bendito seja Deus, Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo, que na sua grande misericórdia nos gerou de novo - através da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos - para uma esperança viva, 4para uma herança incorruptível, imaculada e indefectível, reservada no Céu para vós, 5a quem o poder de Deus guarda, pela fé, até alcançardes a salvação que está pronta para se manifestar no momento final. 6É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações; 7deste modo, a qualidade genuína da vossa fé - muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo - será achada digna de louvor, de glória e de honra, na altura da manifestação de Jesus Cristo. 8Sem o terdes visto, vós o amais; sem o ver ainda, credes nele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, 9alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas.

    A Primeira Carta de Pedro começa com um hino de louvor a Deus pela obra da regeneração da humanidade realizada na ressurreição de Cristo. Este hino é também uma espécie de credo abreviado, que dava ânimo e optimismo aos cristãos, no seu esforço de fidelidade, quando enfrentavam as primeiras dificuldades. Deus precedera-os nesse esforço, - tinha-os regenerado pela ressurreição de Cristo de entre os mortos (cf. v. 4) - estava com eles, e tinha-lhes reservada nos céus uma herança incorruptível (cf. v. 4). A regeneração para uma «esperança viva», realizada por Deus, permitia-lhes perseverar no bem (cf. 4, 119) e dar um bom testemunho de Cristo, tanto na alegria como na dor.
    A fé introduz-nos no domínio de Deus omnipotente, que protege e apoia na batalha os que estão encaminhados para a salvação, para a manifestação do Senhor da glória (1, 9). A linha de continuidade e a distinção entre a regeneração já acontecida e já presente como herança em Cristo glorioso, e a manifestação que acontecerá quando Ele se manifestar, estrutura o tempo da fé. Este tempo caracteriza-se pela não-visão, entretecida de esperança na caridade. Amar e acreditar sem ver é um caminho que leva à purificação da fé e do amor, a nível pessoal e comunitário.

    Evangelho: Marcos 10, 17-27

    Naquele tempo, 17Jesus ia Jesus pôr-se a caminho, quando um homem correu para Ele e se ajoelhou, perguntando: «Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» 18Jesus disse: «Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão um só: Deus. 19Sabes os mandamentos: Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes, honra teu pai e tua mãe.» 20Ele respondeu: «Mestre, tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude.» 21Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.» 22Mas, ao ouvir tais palavras, ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso, pois tinha muitos bens. 23Olhando em volta, Jesus disse aos discípulos: «Quão difícil é entrarem no Reino de Deus os que têm riquezas!» 24Os discípulos ficaram espantados com as suas palavras. Mas Jesus prosseguiu: «Filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! 25É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus.» 26Eles admiraram-se ainda mais e diziam uns aos outros: «Quem pode, então, salvar-se?» 27Fitando neles o olhar, Jesus disse-lhes: «Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível.»

    O diálogo entre Jesus e o homem rico é referido pelos três sinópticos. Mas a versão de Marcos apresenta alguns pormenores interessantes: o homem ajoelha-se diante de Jesus (v. 17); Jesus verifica que se trata de um homem religiosamente sincero e, por isso, sente afeição por ele e fala-lhe (v. 21); tendo ouvido as palavras de Jesus, o homem ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso (v. 22).
    Jesus está a caminho de Jerusalém. A pergunta deste israelita praticante é séria. Mas Jesus apresenta-lhe uma proposta mais vasta: despojar-se dos seus bens e aderir à comunidade dos discípulos. Assim daria prova da sinceridade com que buscava a vida eterna. Mas o homem, que «tinha muitos bens» (v. 22), não é capaz de dar essa prova. Jesus aproveita a ocasião para sublinhar que as riquezas são um grave obstáculo para entrar no reino de Deus, porque impedem de centrar o coração e os afectos em Deus, de tender para Ele, que é o fim de todos e cada um dos mandamentos e prescrições. Os discípulos ficam espantados, pois sabem que Jesus não quer uma comunidade de esfarrapados Mas o Senhor repete a afirmação servindo-se da riqueza metafórica oriental: «É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus» (v. 25). «Quem pode, então, salvar-se?» (v. 26), perguntam os discípulos. Então, Jesus acrescenta: «Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível» (v. 27). É a «teologia da gratuidade», característica do segundo e evangelho, e em consonância com o pensamento paulino (cf. Rm 11, 6; Ef 2, 5; 1 Cor 15, 10; etc.). Jesus coloca-se numa posição oposta ao «automatismo farisaico», que supunha que o cumprimento de certas regras de pobreza assegurava a vida eterna. Mas nada deve ser absolutizado. Só Deus é absoluto.

    Meditatio

    No começa da sua primeira Carta, Pedro fala-nos da vida celeste. Ocupados e preocupados com tantas coisas, nem sempre temos presente essa «esperança viva» que Deus acendeu em nós pela ressurreição do seu Filho Jesus Cristo. O Apóstolo exulta, e não encontra adjectivos suficientes para qualificar essa «herança incorruptível... reservada no Céu para nós» (v. 4).
    No evangelho, Jesus promete esse tesouro ao homem rico, que deseja alcançá-lo: «vai, vende tudo o que tens...; depois, vem e segue-me» (v. 21). Mas este homem não estava animado pela «esperança viva», nem disposto a obedecer a Jesus Cristo e receber a aspersão do seu sangue (cf. 1 Pe 1, 2). Confiava mais em si mesmo, no seu voluntarismo, no seu próprio projecto de santidade, do que no dom gratuito da regeneração realizada pela ressurreição do Senhor. Por isso, não teve coragem para deixar tudo e seguir Jesus. Retirou-se «de semblante anuviado» (v. 22). Jesus, a quem o Pai quer que obedeçamos, é Aquele que nos alimenta com o seu sangue e nos pede que O sigamos para que se cumpra o desígnio de Deus. Esse desígnio, realizado na pessoa de Jesus, avan&ccedil
    ;a agora no seu Corpo Místico, que é a igreja peregrina na terra, até ao seu regresso glorioso, no fim dos tempos. Seguir a Jesus é caminhar na comunidade de salvação que o seu Espírito vivifica.
    Para ser verdadeiro discípulo, preciso de discernir o Caminho por onde avança o povo de Deus, obedecer àqueles que foram designados para autenticar a rota e as suas exigências concretas, trabalhar e colaborar no projecto comum, pôr ao serviço de todos os dons e carismas recebidos. Ninguém vive para si mesmo e ninguém morre para si mesmo. Ser discípulo implica fé em Cristo, o «pastor» invisível do rebanho (1 Pe 5, 4), e docilidade para caminhar com Ele. Obedecer é alimentar-se do seu sangue, que recebemos na Igreja, e perseverar na partilha da missão comum. A única riqueza do crente é Jesus.
    As nossas Constituições lembram-nos Cristo que Se fez pobre, para nos enriquecer a todos com a sua pobreza: «Conheceis a generosidade de N. S. Jesus Cristo: que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer pela sua pobreza» (2 Cor 8,9). Cristo convida-nos à bem-aventurança dos pobres, no abandono filial ao Pai (cf. Mt 5,3). Recordaremos o seu insistente convite: «Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres; depois vem e segue-Me» (Mt 19,21)» (n. 44). A pobreza de Cristo foi uma "graça" ("karis") para nós (cf. 2 Cor 8, 9); também nós havemos de nos tornar uma «graça» para Deus e para os irmãos: uma «graça... em favor dos santos» (cf. 2 Cor 8, 2-4).

    Oratio

    Senhor, hoje quero pedir-te a graça de procurar a esperança viva que me ofereceste na tua Ressurreição. Que essa esperança viva me dê forças para ultrapassar as dificuldades, para me desapegar alegremente de tudo quanto me impede ou dificulta caminhar para a herança incorruptível, imaculada e indefectível que me reservas no Céu. Dá-me, sobretudo, a graça de me desapegar de mim mesmo: dos meus pensamentos, dos meus projectos, dos meus desejos para assumir os teus. Então serei repleto da alegria indizível e gloriosa de que fala o teu Apóstolo Pedro, essa alegria que vem de Ti, meu bom Jesus, fonte viva de felicidade eterna. Amen.

    Contemplatio

    Desde o sermão da montanha, Nosso Senhor tinha indicado os conselhos de perfeição: «Há, dizia, um caminho estreito, mas são raros os que o encontram». Propunha já a pobreza voluntária: «Não acumuleis tesouros sobre a terra, onde a traça e os vermes os corroem, onde os ladrões escavam e roubam. Vendei o que tendes e fazei esmolas. Preparai tesouros no céu... Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração» (Mt 6).
    Depois vem a aplicação. Um jovem de nobre família vem lançar-se aos pés de Jesus, perguntando-lhe qual é o melhor caminho a seguir. O Coração de Jesus é tocado, observa com afecto o jovem, ama-o, propõe-lhe os conselhos de perfeição. É uma vocação: «vai, diz-lhe, vende o que tens, dá-o aos pobres, e vem comigo. Que graça insigne! Ser chamado por Jesus a viver com ele, abandonando-se à sua providência!
    «Mas ele, ouvindo aquilo, afligido com esta palavra foi-se embora triste, porque era muito rico. E Jesus, vendo-o triste, olhou à sua volta e disse aos seus discípulos: Ah! Como é difícil àqueles que têm grandes bens entrar no reino dos céus!» - Ficou triste, porque era convidado a caminhar no desprezo das coisas temporais, a seguir mais de perto, na pobreza, o seu Mestre pobre. A via real da cruz abre-se diante dele, mas falta-lhe a coragem. As riquezas têm tanto poder sobre o coração humano! Jesus viu-o ir-se embora e ficou triste também; como este olhar de Jesus devia ser pungente! Mas este jovem não se voltou para trás, não olhou para Jesus, teria sido tocado. Ter-se-ia tornado um discípulo bem amado, um discípulo do Coração de Jesus, como S. João. Este jovem tem um coração puro e bom, mas sem coragem, porque não está desapegado.
    Jesus suspirou e disse: «Ah! Como é difícil aos ricos entrar no reino dos céus!»
    Pedro estava lá com os outros. Tinha seguido tudo com os olhos. Experimentou uma alegria nova por ter deixado a sua barca e as suas redes: «Nós, Senhor, diz, deixámos tudo por vós, dar-nos-eis, não é, este reino dos céus, e o que será?»
    Nós deixámos tudo! Este tudo é pouca coisa: um pouco de fortuna? Mas o pão não nos faltará, e teremos menos cuidados; - a liberdade? Mas ela é tantas vezes perigosa e funesta; - o mundo? É tão vão, tão enganador, tão cheio de injustiças; - a amizade? É muitas vezes tão efémera; - os laços de família? São tão cedo rompidos pela morte! - Ah! Deixemos tudo, de coração ou na realidade, por Jesus, para ser tudo para Ele, ao seu serviço, ao seu amor, ao seu divino Coração. Senhor, eis-me aqui, quero deixar tudo por vós (Leão Dehon, OSP4, p. 105s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Bendito seja Deus que nos regenerou para uma esperança viva» (1 Pe 1, 3).

    | Fernando Fonseca, scj |

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