1 Março 2022
Tempo Comum - Anos Pares
VIII Semana - Terça-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Pedro 1, 10-16
Caríssimos: 10A salvação foi objecto das buscas e averiguações dos profetas, que predisseram a graça que vos estava destinada. 11Eles investigavam a época e as circunstâncias indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles morava e que profetizava os padecimentos reservados a Cristo e a glória que se lhes seguiria. 12Foi-lhes revelado - não para seu proveito, mas para vosso - que eles estavam ao serviço destas realidades que agora vos foram anunciadas por aqueles que vos pregaram o Evangelho, em virtude do Espírito Santo enviado do Céu; as mesmas que os Anjos avidamente contemplam. 13Por isso, de ânimo preparado para servir e vivendo com sobriedade, ponde a vossa esperança na dádiva que vos vai ser concedida com a manifestação de Jesus Cristo. 14Como filhos obedientes, não vos conformeis com os antigos desejos do tempo da vossa ignorância; 15mas, assim como é santo aquele que vos chamou, sede santos, vós também, em todo o vosso proceder, 16conforme diz a Escritura: Sede santos, porque Eu sou santo.
Toda a revelação de Deus constitue uma unidade. O mesmo Espírito que falava em Cristo, falou também através dos Profetas do Antigo Testamento, e continua a falar naqueles que proclamam a salvação oferecida a todos na ressurreição de Cristo. Os primeiros cristãos tiveram plena consciência desta realidade e, por isso, para descobrirem todo o alcance e toda a dimensão da vida de Jesus, investigaram as Escrituras e encontraram nelas a chave do mistério cristão. Iluminados pelo Espírito, mandado sobre eles depois da ressurreição de Jesus, os pregadores cristãos, particularmente os evangelistas, descobriram essa chave e ofereceram-na aos leitores do Evangelho para os introduzir no mistério de Cristo. O Senhor ressuscitado está presente e actua na história para dar pleno cumprimento à obra da regeneração da humanidade realizada na Ressurreição.
A beleza deste anúncio, proclamado pelos arautos do Evangelho, provoca alegria e admiração entre os próprios anjos, e leva os fiéis a viverem em clima de páscoa, isto é, de «ânimo preparado para servir e vivendo com sobriedade» (v. 13), estando vigilantes à espera da graça que lhes será dada na parusia, quando Jesus se manifestar na sua glória. Tendo passado da ignorância ao conhecimento de Deus, os discípulos de Jesus já não se podem conformar com os antigos desejos vãos, mas querem viver como filhos obedientes ao Pai, que os regenerou em Jesus, e portar-se como santos. A vida de santidade é possível a quantos, tendo sido baptizados, se tornaram participantes de vida de Cristo, da vida divina.
Evangelho: Marcos 10, 28-31
Naquele tempo, 28Pedro começou a dizer-lhe: «Aqui estamos nós que deixámos tudo e te seguimos.» 29Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa do Evangelho, 30receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, juntamente com perseguições, e, no tempo futuro, a vida eterna. 31Muitos dos que são primeiros serão últimos, e muitos dos que são últimos serão primeiros.»
O discurso de Jesus, depois do colóquio com o homem rico, deixou os discípulos apavorados. Pedro toma a palavra para tentar clarificar a confusão que se abatera sobre todos: que será de nós que «deixámos tudo e te seguimos»? (v. 28). Jesus garante-lhes que Deus não se deixa vencer em generosidade. Acolherá na vida eterna aqueles que, deixando tudo, O seguem; mas também lhes permite usufruir, desde já, da riqueza dos seus dons, e está com eles para os apoiar nas perseguições. Marcos faz uma lista detalhada dos bens de que os discípulos podem, desde já, usufruir, e conclui com a máxima sobre os primeiros e os últimos no Reino (cf. Mt 19, 30; 20, 26; Lc 13, 30). Há que estar atento contra as falsas seguranças, e empenhar-se num permanente esforço de conversão.
Meditatio
A vida das comunidades, que avançam pelos caminhos do Senhor, preanunciada pelos Profetas, e na qual os pregadores do evangelho pedem perseverança, está permeada de alegrias e de sofrimentos. É um caminho de purificação e de confiança. Jesus promete àqueles que O seguem, não só a vida eterna no futuro, mas também, já agora, o cêntuplo das coisas deixadas, com perseguições à mistura. A vocação cristã não é apenas renúncia, mas privilégio: «quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou campos por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, no tempo presente, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, juntamente com perseguições, e, no tempo futuro, a vida eterna» (vv. 29-30). O cêntuplo, com perseguições, porque a terra ainda não é o céu!
Que é a vida eterna prometida por Jesus? É aquele de que fala João, quando escreve: «Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem Tu enviaste» (Jo 17, 3). É uma vida que começa na fé e termina na visão. A pobreza por causa de Cristo é condição para possuir tudo.
«Como filhos obedientes, não vos conformeis com os antigos desejos do tempo da vossa ignorância; mas, assim como é santo aquele que vos chamou, sede santos, vós também, em todo o vosso proceder, conforme diz a Escritura: Sede santos, porque Eu sou santo» (vv. 15-16). É Deus que nos chama à santidade. Mas, se não nos abrirmos a esse chamamento, não darão fruto as graças que diariamente recebemos de Deus com essa finalidade. E não nos pode tornar santos.
A Santidade é a finalidade para a qual tende a nossa cristã, toda a nossa vida religiosa: «Com todos os nossos irmãos cristãos, somos levados a seguir os passos de Cristo, para alcançar a santidade (cf. 1 Tes 4,7). «Para isto fostes chamados: o próprio Cristo sofreu por vós e deixou-vos o exemplo para seguirdes os seus passos"»(1 Pd 2,21). Radicada no Baptismo e na Confirmação, a nossa vocação religiosa é um dom particular em ordem à glória de Deus e para testemunhar o primado do Reino» (Cst 13). Que a Virgem Maria nos ajude!
Oratio
Senhor, faz-me compreender que a vida no Reino não está privada de consolações dignas da minha condição humana. Viver em Ti, que vives na tua Igreja, é partilhar a tua condição de «pedra angular», preciosa para o Pai, mas rejeitada pela humanidade. Viver em Ti, é beber o teu cálice, receber o teu baptismo, participar na tua Paixão, mas também participar na glória da tua Ressurreição!
Tudo depende do modo como acolho o teu m
istério pascal, na sua totalidade, e me situo nele. Deste-nos duas mãos: se numa escrever zero e noutra um, terei um, ou terei dez, conforme as colocar.
Assim as alegrias e sofrimentos da minha vida podem servir para me perder ou para me santificar. Tudo depende do modo como os encaro e situo na vivência do teu mistério pascal. Que a minha decisão contribua sempre para enriquecer a santidade da tua Igreja. Amen.
Contemplatio
Roma é o coração da Igreja, e o Coração de Jesus está em Roma, junto do coração da sua esposa.
Roma é a cidade santa. Nosso Senhor deu-lhe os seus três grandes apóstolos para a formar: S. Pedro, S. Paulo e S. João. S. João chama-a a Igreja senhora, Senhora eleita (2Jo 1,1). S. Paulo felicita-a pela sua fé, que recebeu de Pedro e da qual fez o elogio no mundo inteiro. (Rom 1,8).
Convinha, diz S. Leão, que a cidade que era a capital material do mundo se tornasse também a sua capital espiritual e - podia acrescentar - «o seu coração» (Lições da festa).
«Tu és Pedro, disse Nosso Senhor, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja». A pedra foi levada pelos acontecimentos de Jerusalém a Antioquia e de Antioquia a Roma. Foi lá que ela parou e que se tornou a pedra angular da Igreja. Foi selada lá com o sangue de Pedro e consagrada pela sua fé e pela sua caridade.
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Sede santos, porque Eu sou santo» (1 Pe 1, 16)
| Fernando Fonseca, scj |
2 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Joel 2, 12-18
12*Diz agora o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração com jejuns, com lágrimas, com gemidos. 13*Rasgai os vossos corações e não as vossas vestes, convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e rico em misericórdia. 14*Quem sabe? Talvez Ele mude de ideia e volte atrás, deixando, ao passar, alguma bênção, para oferenda e libação ao SENHOR vosso Deus! 15Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada.16Reuni o povo, purificai a assembleia, juntai os anciãos, congregai os pequeninos e os meninos de peito. Saia o esposo dos seus aposentos e a esposa do seu tálamo nupcial.17*Entre o pórtico e o altar chorem os sacerdotes, e digam os ministros do SENHOR: «Tem piedade do teu povo, SENHOR, não transformes em ignomínia a tua herança, para que ela não se torne o escárnio dos povos! Por que diriam: 'Onde está o seu Deus? '» 18*0 SENHOR encheu-se de zelo pelo seu país e teve compaixão do seu povo.
Joel é provavelmente um sacerdote-profeta, que vive no Templo, depois do exílio. Fiel ao serviço da Casa de Deus, exorta o povo, que passa por uma grave carestia provocada por uma invasão de gafanhotos (1, 2-2, 10), à oração e à conversão .. O próprio culto, no templo, tinha cessado (1, 13.16). O profeta, que sabe ler os sinais dos tempos, anuncia a proximidade do «dia do sennot», e convida o povo ao jejum, à súplica e à penitência (2, 12.15-17). «Convertei-vos», grita o profeta. O termo hebraico subjacente é schOb que significa arrepiar caminho, regressar ... O povo que virara costas a Deus, devia voltar novamente o coração para Ele, e retomar o culto no templo, um culto autêntico, que manifestasse a conversão interior. O povo pode voltar novamente para Deus, porque Ele é misericordioso (v. 13), e também pode mudar de ideia e voltar atrás (v. 14).
Um amor sincero a Deus, uma fé consistente, e uma esperança que se torna oração coral e penitente, darão ao profeta e aos sacerdotes as devidas condições para implorarem a compaixão de Deus para com o seu povo.
Segunda leitura: 2 Coríntios 5, 20 - 6,2
Irmãos: 20é em nome de Cristo, portanto, que exercemos as funções de embaixadores e é Deus quem, por nosso intermédio, vos exorta. Em nome de Cristo suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus. 21Aquele que não havia conhecido o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nos tornássemos, nele, justiça de Deus.
1 *E como seus colaboradores, exortamo-vos a não receber em vão a graça de Deus. 2Pois Ele diz: No tempo favorável ouvi-te e, no dia da salvação, vim em teu auxílio. É este o tempo favorável, é este o dia da salvação.
«Reconciliai-vos com Deus», é o apelo de Paulo. A reconciliação é possível, porque essa é a vontade do Pai, manifestada na obra redentora do Filho e no poder do Espírito que apoia o serviço dos apóstolos. O v. 21 é o ponto alto do texto, pois proclama o juízo de Deus sobre o pecado e o seu incomensurável amor pelos pecadores, pelos quais não poupou o seu próprio Filho (cf. Rm 5, 8; 8, 32). Cristo carregou sobre si o pecado do mundo e expiou-o na sua própria carne. Assim, podemos apropriar-nos da sua justiça-santidade. O Inocente tornou-se pecado para nos pudéssemos tornar justiça de Deus. E, agora, o tempo favorável para aproveitar essa graça: deixemo-nos reconciliar (katallássein) com Deus. O termo grego indica a transformação da nossa relação com Deus e, por consequência, da nossa relação com os outros homens. Acolhendo o amor de Deus, que nos leva a vivermos, não já para nós mesmos, mas para Aquele que morreu e ressuscitou por nós (w. 14s.), podemos tornar-nos nova criação em Cristo (5, 18).
Evangelho: Mateus 6, 1-6.16-18
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos. 1 *«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. 2*Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 3Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, 4a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» 5«Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te.
16*«E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.»
Jesus pede aos seus discípulos uma justiça superior à dos escribas e fariseus, mesmo quando praticam as mesmas obras que eles.: «Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles». Agora aplica esse princípio a algumas práticas religiosas do seu tempo: a esmola, o jejum e a oração. Há que estar atentos às motivações que nos levam a dar esmola, a orar, a jejuar, porque o Pai vê o que está oculto, os sentimentos profundos do coração. Se buscamos o aplauso dos homens, a vanglória, Deus nada tem para nos dar. Mas se buscamos a relação íntima e pessoal com Ele, a comunhão com Ele, seremos recompensados. Se não fizermos as boas obras com recta intenção somos hypokritoi, isto é, comediantes, e mesmo ímpios, de acordo com o uso hebraico do termo.
Meditatio
A Liturgia da Palavra dá-nos, hoje, a orientação correcta para vivermos frutuosa mente a Quaresma, tempo favorável de graça, dia de salvação. Penitência e arrependimento não são caminho de tristeza, de depressão, mas caminho de luz e de alegria, porque, se nos levam a reconhecer a nossa verdade de pecadores, também nos abrem ao amor e à misericórdia de Deus.
a profeta, em nome de Deus, convida o povo a percorrer o caminho da esperança, fazendo penitência; os apóstolos recebem de Deus o ministério da reconciliação; a Igreja repete a boa nova: «É este o tempo favorável~ é este o dia da salvação» (2 Cor 6, 2). Com todo o povo de Deus, somos convidados a arrepiar caminho, a voltar-nos para o Senhor, a deixar-nos reconciliar, a d
ar a Cristo ocasião de tomar sobre Si o nosso pecado, porque só Ele o conhece e pode expiar.
Renovados pelo amor, podemos viver alegre e confiadamente na presença de Deus, nosso Pai, cumprindo humildemente tudo quanto Lhe agrada e é útil para os irmãos. E a presença do Pai, no mais íntimo de nós mesmos, garante-nos a verdadeira alegria.
Jesus, no evangelho, mostra-nos qual deve ser a nossa atitude quando praticamos obras de penitência (tais como a esmola, a oração, o jejum), e insiste na rectidão interior, garantida pela intimidade com o Pai. Era essa a atitude e a orientação do próprio Jesus em todas as suas palavras e obras. Nada fazia para ser admirado pelos homens. Nós podemos ser tentados a fazer o bem para obtermos a admiração dos outros. Mas essa atitude, por um lado, fecha-nos em nós mesmos, por outro lado projecta-nos para fora de nós, tornando-nos dependentes da opinião dos outros.
Há, pois, que fazer o bem porque é bem, e porque Deus é Deus, e nos dá oportunidade de vivermos em intimidade e solidariedade com Ele, para bem dos nossos irmãos. Estar cheios de Deus, viver na sua presença, é a máxima alegria neste mundo, e garante-nos essa mesma situação, levada à perfeição, no outro.
Nós, dehonianos, fizemos "a nossa opção pela vida religiosa" (Cst 144) uma vez para sempre, não de modo estático, mas dinâmico. Por isso, "para que se mantenha viva" (Cst 144), deve ser permanentemente renovada no "encontro frequente com o Senhor na oração" (Cst 144), especialmente no encontro eucarístico pessoal da oração de intimidade e comunitário da celebração e da adoração eucarística, na "conversão permanente ao Evangelho", para que tenhamos "a disponibilidade de coração e de atitude para acolher o hoje de Deus' (Cst 144).
Converter-se "ao Evangelho"! O Evangelho para nós, mais do que um livro, é uma pessoa, Jesus Cristo. É necessária a "conversão" ao verdadeiro conhecimento de Cristo. Não um conhecimento intelectual, como aquele que se obtém nas aulas de teologia. É preciso um conhecimento de fé, uma experiência viva, como aquela de fala S. Paulo: "Na verdade, em tudo isso só vejo dano, comparado com o supremo conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Põe Ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo ... Assim poderei conhecê-I' o, a Ele, à força da Sua Ressurreição e à comunhão nos seus sofrimentos, configurando-me à Sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição. Não que eu já tenha alcançado a meta, ou que já seja perfeito, mas prossigo a minha carreira para ver se de algum modo a poderei alcançar, visto quejá fui alcançado por Jesus Cristd' (Fil 3, 8.10-13).
Façamos nesta Quaresma as obras de penitência que pudermos. Mas façamo-Ias na intimidade e na presença do Senhor, que havemos de procurar na oração, na Eucaristia, na comunidade... Não esqueçamos a ascese, especialmente a que nos é exigida pelo fiel cumprimento dos nossos compromissos com Deus e com os irmãos.
Oratio
Senhor, que, mais uma vez, me ofereces a graça da Quaresma, tempo favorável, dia de salvação, ajuda-me a vivê-lo no segredo onde me vês, me amas e me esperas. Sei que as coisas exteriores têm a sua importância. Mas quero vivê-Ias na tua presença. Gostaria de fazer muitas obras de penitência durante este tempo. Mas, se fizer poucas, que sejam no teu amor, o que é mais importante do que fazer muitas para atrair a admiração e a estima dos outros. Quero fazer o que puder na oração, na mortificação, na caridade fraterna; mas quero fazê-lo na humildade e na sinceridade diante de Ti. Infunde em mim o teu Espírito Santo que me conduza e guie pelo deserto da penitência, durante esta Quaresma. Amen.
Contemplatio
Que sou eu? Cinza e pó. O pó é levado pelo vento. Assim acontece com a minha pobre natureza. Sou acessível a todo o vento da tentação. A minha vontade é tão móvel como o pó. Em que é então que me posso orgulhar? Que lição de humildade!
Porque é que o barro e a cinza se orgulham, pergunta o Sábio (Eccli 10, 8). Todos os homens, diz ainda, são apenas terra e cinza (17, 31). Os povos, depois de um rápido brilho, são como um amontoado de cinza depois do incêndio, diz Isaías (33, 12).
A nossa vida desaparecerá como se extingue uma faúlha, diz o Sábio, e o nosso corpo cairá feito em cinzas (Sab 2, 3).
Abraão dizia: «Ousarei falar a Deus, eu que não sou senão cinza e pó?» (Gen 18, 27).
No entanto, falou a Deus com humildade e confiança.
Tal deve ser o fruto desta cerimónia. Devo recordar-me, todos os dias, do meu nada e da minha fragilidade. O sinal material apagar-se-á da minha fronte, mas o pensamento que exprime deve permanecer gravado na minha memória.
Sou apenas nada, no entanto irei ter com Deus, mas irei com humildade. Irei lamentando as minhas faltas, irei fazendo reparação e confissão pública pelos meus pecados e pelos dos meus irmãos.
Irei com a consciência da minha fraqueza, mas mesmo assim confiante, porque Deus é bom, porque o Filho de Deus tomou um coração para me amar e partir este coração para deixar escorrer sobre a minha alma o perfume da sua misericórdia (Leão Dehon, OSP 3, p. 196).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«E este o tempo favorável é este o dia da salvação» (2 Cor 6,2)
3 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Deuteronómio 30,15-20
Moisés falou ao povo, dizendo: 15«Repara que coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal. 16Assim, ordeno-te hoje que ames o SENHOR, teu Deus, que andes nos seus caminhos, que guardes os seus mandamentos, preceitos e sentenças. Assim viverás, multiplicar-te-ás e o SENHOR, teu Deus, te abençoará na terra em que vais entrar para dela tomar posse. 17Mas se o teu coração se desviar e não escutares, se te deixares arrastar e adorares deuses estranhos e os servires, 18declaro-vos hoje que, sem dúvida, morrereis; os vossos dias não se prolongarão na terra na qual ides entrar, passando o Jordão, para dela tomar posse» 19«Tomo hoje por testemunhas contra vós o céu e a terra; ponho diante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, 20amando o SENHOR, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele, porque Ele é a tua vida e prolongará os teus dias para habitares na terra, que o SENHOR jurou que havia de dar a teus pais, Abraão, Isaac e Jacob.»
Os desterrados de Israel são convidados a reflectir sobre as causas da sua sorte, a acolher novamente a aliança do Senhor com todas as suas exigências e a abrir-se à esperança. Para ser mais incisivo, o autor sagrado recorre à contraposição dizendo que se trata de uma escolha entre a vida e a morte, entre o bem e o mal, entre a bênção e a maldição. Há que fazer uma opção responsável, com todas as suas consequências. O céu e a terra são testemunhas dessa opção (v. 19).
A vida é um dom de Deus, mas também é participação no seu ser (c. 20). Deus é Aquele que vive e faz viver. Há que estar unidos a Ele no amor e na obediência aos seus preceitos. Esses preceitos não têm outra finalidade que não seja a de nos ajudar a percorrer os seus caminhos (v. 16) e a alcançar a sua promessa (v. 20) de vida e de bênção.
Evangelho: Lucas 9, 22-25
22Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «O Filho do Homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos-sacerdotes e pelos doutores da Lei, tem de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar.» 23*Depois, dirigindo-se a todos, disse: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. 24Pois, quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-Ia; mas, quem perder a sua vida por minha causa há-de salvá-Ia. 25Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, perdendo-se ou condenando-se a si mesmo?
Jesus anuncia, pela primeira vez, a necessidade da sua paixão aos discípulos, que acabavam de Lhe referir a opinião do povo sobre Ele e de proclamar a sua fé. Jesus reserva este ensinamento a um pequeno grupo de discípulos, os mais íntimos. Mas a todos ensina o caminho a seguir por quem pretende tornar-se seu discípulo. De acordo com os costumes de então, quem decidia tornar-se discípulo de um rabi, caminhava seguindo os seus passos.
Àqueles que o querem seguir, Jesus apresenta o caminho da abnegação, do sofrimento e da morte, o caminho da cruz. Era frequente, sob a dominação romana, que um condenado carregasse o braço transversal da cruz desde o lugar da condenação ao lugar da execução. Tratava-se, pois, de uma imagem tremendamente realista: seguir a Cristo era viver como condenados à morte pelo mundo, prontos a enfrentar o desprezo de todos. Mas é a morte de Jesus, a sua cruz, que nos dá a vida verdadeira. Por isso, há que estar prontos a perder tudo, que de nada serve, se não alcançarmos a vida.
Meditatio
A primeira leitura apresenta-nos Deus que, com afecto paterno, respeitando-nos e querendo o nosso bem, nos apresenta dois caminhos, aconselhando-nos a escolher o bom: «Coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal... Ordeno-te hoje que ames o SENHOR... que andes nos seus caminhos, que guardes os seus mandamentos, preceitos e sentenças. Assim viverás, multiplicar-te-ás e o SENHOR, teu Deus, te abençoará na terra em que vais entrar para dela tomar posse» (w. 15-16). A vida consiste em amar o Senhor, em observar os seus preceitos, em ser dócil à sua palavra. O mal consiste em seguir os caprichos do coração ... E leva à morte: «Se o teu coração se desviar e não escutares, se te deixares arrastar e adorares deuses estranhos e os servires, declaro-vos hoje que morrereis ... » (VII. 16- 17). Deus avisa-nos, mas não nos obriga a obedecer-lhe. Ninguém, como Ele, respeita a liberdade que nos deu. Quero que O sirvamos, mas por amor e, por isso, livremente: «Escolhe» (v. 19). Mas, como deseja o nosso bem, quase nos suplica: «Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, 20amando o SENHOR, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele» (v. 19).
A escolha da vida não é óbvia, porque encerra um paradoxo: Jesus diz que se alcança a vida segundo Deus, que é Deus, renunciando a nós mesmos, carregando a cruz de cada dia, aceitando perder a vida presente por causa d ' Ele. É seguindo Cristo, de modo radical, até ao fim, que se chega à vida. O seguimento de Cristo implica passar pelo Calvário, pela cruz. Mas é por aí que se chega à ressurreição, que se salva a vida.
O ensinamento de Jesus deita por terra os modelos das velhas religiões. A grandeza do homem não consiste em transcender a finitude da matéria, subindo à altura do ser do divino (mística oriental), nem consiste em identificar-nos sacramentalmente com as forças da vida latentes na profundidade radical do cosmos (religião dos mistérios), nem é perfeito quem cumpre a lei até ao fim (farisaísmo), nem o que pretende escapar da miséria do mundo, na esperança da meta que se aproxima (apocalíptica) ... Diante de todos os possíveis caminhos da história do homens, Jesus apresenta-nos o seu caminho: «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me».
A vida de oblação, no concreto, no humilde dia a dia, consiste em aceitar com serenidade, dando graças, as cruzes e canseiras; consiste em irradiar com espontaneidade simples os frutos do Espírito. Assim realizamos o convite de Jesus: Quem quiser ser Meu discípulo "tome a sua cruz, dia a dia, e siga-Mé' (Lc 9, 23). Sequi-lO na mansidão e na humildade do coração: "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração' (Mt 11, 29). Irradiar alegria, paz, bondade, para alívio, não só nosso, mas também dos nossos irmãos. Assim, como "Sacerdotes do Coração de Jesus, vivemos hoje no nosso Instituto a herança do Padre Dehon" (Cst. 26).
Oratio
Senhor Jesus, o teu desafio é tremendamente claro, deixando-me sem escapatória possível: ou a salvação imediata, que me levará a perder a vida; ou renúncia a mim mesmo, que me conduzirá à vida. E desafias-me, não só com palavras, mas também com o te
u exemplo, pois quiseste percorrer, antes de mim, o caminho que leva à salvação. Como Tu mesmo declaraste, trata-se de um caminho muito difícil: «O Filho do homem tem de sofrer muito, tem de ser condenado à morte», mas «ao terceiro dia, ressuscitar», Seguindo as tuas pegadas sangrentas, não errarei o caminho, e estarei seguro da tua graça, que me conduzirá até ao fim. Infunde em mim o teu Espírito Santo para que, unido a Ti durante a caminhada, e até ao sacrifício, Contigo continue unido na glória da Ressurreição. Amen.
Contemplatio
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque o reino dos céus lhes pertence.
Nosso Senhor no-lo dirá muitas vezes: no seu seguimento, na sua companhia, a gente leva a cruz. Ele dá a sua força, mesmo o gosto dela. Esta paciência é o sinal da união com Nosso Senhor.
a esposo divino quer que a sua esposa lhe seja semelhante. «Se alguém quiser vir atrás de mim, que tome a sua cruz e siga-me».
a maior sinal do amor é sofrer pelo objecto amado.
Como são admiráveis os vossos ensinamentos, ó meu Salvador! E como sabeis em poucas palavras traçar-nos todo o caminho que conduz a vós! (Leão Dehon, asp 3, p. 31s).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Se alguém quer seguir-me, tome a sua cruz e siga-me» (cf. Lc 9,23).
https://www.youtube.com/watch?v=wkx1MTEBYZo&feature=emb_logo
4 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Isaías 58, 1-9a
Eis o que diz o Senhor Deus: 1 Grita em voz alta, sem te cansares. Levanta a tua voz como uma trombeta. Denuncia ao meu povo as suas faltas, aos descendentes de Jacob, os seus pecados.2*Consultam-me dia após dia, mostram desejos em conhecer o meu caminho, como se fosse um povo que praticasse a justiça, e não abandonasse a lei de Deus. Pedem-me sentenças justas, querem aproximar-se de Deus.3Dizemme: «Para quê jejuar, se vós não fazeis caso? Para quê humilhar-nos, se não prestais atenção?» É porque no dia do vosso jejum só cuidais dos vossos negócios, e oprimis todos os vossos empregados.4Jejuais entre rixas e disputas, dando bofetadas sem dó nem piedade. Não jejueis como tendes feito até hoje, se quereis que a vossa voz seja ouvida no alto.5Acaso é esse o jejum que me agrada, no dia em que o homem se mortifica? Curvar a cabeça como um junco, deitar-se sobre saco e cinza? Podeis chamar a isto jejum e dia agradável ao Senhor? 60 jejum que me agrada é este: libertar os que foram presos injustamente, livrá-los do jugo que levam às costas, pôr em liberdade os oprimidos, quebrar toda a espécie de opressão, 7*repartir o teu pão com os esfomeados, dar abrigo aos infelizes sem casa, atender e vestir os nus e não desprezar o teu irmão.8*Então, a tua luz surgirá como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a cicatrizar-se. A tua justiça irá à tua frente, e a glória do Senhor atrás de ti.9Então invocarás o Senhor e Ele te atenderá, pedirás auxílio e te dirá: «Aqui estou!»
Neste discurso, o profeta pretende alertar o povo para a falta de autenticidade com que vive (vv. 1-3a), proclamar o verdadeiro jejum (vv. 3b-7) e indicar as consequências positivas da ligação do jejum à prática da justiça (vv. 8-12).
O povo tinha regressado do exílio cheio de entusiasmo e de esperança. Mas as dificuldades eram grandes. Deus parecia surdo e indiferente às súplicas e ao culto do seu povo. Mas o profeta alerta para a prática de um jejum misturado com injustiças sociais, e condena-o. O culto deve estar unido à solidariedade com os pobres. Caso contrário, não agrada a Deus e é estéril. As manifestações exteriores de conversão têm a sua prova real na caridade e na misericórdia para com os pobres e oprimidos. Isaías parece já ter ouvido as palavras de Jesus: «Tinha fome e destes-me de comer ... (cf. Mt 25, 31-46). Mas afirmar que o verdadeiro jejum e o verdadeiro culto consistem na caridade, não significa negar o valor dessas práticas, mas afirmar que elas têm sentido e valor em vista da mesma caridade. O jejum tem sentido e valor quando se torna expressão de amor a Deus e ao próximo. Por sua vez, o verdadeiro culto é relação com Deus, sem individualismo e falsidade.
Evangelho: Mateus 9, 14-15
14*Naquele tempo, os discípulos de João Baptista foram ter com Jesus e perguntaram-lhe: «Por que é que nós e os fariseus jejuamos e os teus discípulos não jejuam?» 15*Jesus respondeu-lhes: «Porventura podem os convidados para as núpcias estar tristes, enquanto o esposo está com eles? Porém, hão-de vir dias em que lhes será tirado o esposo e, então, vão jejuar.»
Os discípulos de Jesus são acusados de não Jejuarem. Jesus responde dando a entender que, com Ele, começaram os tempos messiânicos, o tempo das núpcias, o tempo escatológico anunciado pelos profetas, tempo de alegria durante o qual não se jejua, pois o Esposo está presente. Mas muitos não conseguem ver em Jesus o Messias esperado, e não reconhecem que o Reino de Deus é festa, é pérola pela qual se está disposto a deixar tudo com alegria. A renúncia, por Deus, não é um peso. Não há que ter medo do rosto alegre do Senhor. O jejum cristão não consiste apenas em abster-se de alimentos. Consiste, sobretudo, em desejar o encontro com Jesus salvador.
O contexto deste evangelho ajuda-nos a compreendê-lo. Nos versículos seguintes Jesus recorre a duas comparações: «Ninguém põe um remendo de pano novo em roupa velha.. 17Nem se deita vinho novo em odres velhos. »(vv. 16.17), que oferecem outra motivação em favor do comportamento dos discípulos de Jesus. Com a vinda de Jesus, começou o tempo novo do Reino em que já não se sentem prisioneiros do jejum ou de outras práticas da Antiga Aliança. A novidade de Cristo não se limita a adaptar as velhas formas: arranca o pano velho, rebenta os velhos odres. Há um novo começo.
Meditatio
O jejum começa a reentrar na nossa cultura actual por razões de dieta e de estética, ou aconselhado por certas formas de religiosidade, com origem no Oriente. A Igreja, como sempre, também recomenda o jejum, particularmente na Quaresma. Mas podemos entender mal as suas motivações ou até cair no egoísmo e do orgulho. Por isso, a mesma Igreja, nos alerta para duas dimensões essenciais do jejum: a sua referência a Cristo e a sua dimensão de solidariedade.
Expliquemos: jejua-se porque Cristo, o Esposo, ainda não está totalmente presente em cada um de nós nem na sociedade em que vivemos. O Esposo está pronto. Mas nós não estamos prontos. Ainda não nos deixamos invadir completamente pelo seu amor. Jejuamos para Lhe dar lugar em nós, para que possa ocupar toda a nossa existência. Jejuamos para nos unirmos à sua Paixão. Já no século II era recomendado aos fiéis que não jejuassem nos mesmos dias em que jejuavam os judeus, mas sim na sexta-feira, em memória da paixão de Jesus.
Mas também jejuamos para nos tornarmos sensíveis à fome e à sede de tantos irmãos e para assumirmos a nossa responsabilidade na resolução dos problemas dos pobres e carenciados. A memória da paixão de Jesus não é um simples ritual, mas um acto de misericórdia, no sentido da palavra do Senhor: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício» (cf. Mt 9, 13). A sua paixão é obediência ao Pai, mas também um gesto de extrema caridade, de
solidariedade com todos nós.
Tendo bem presentes estas dimensões, entendemos melhor o sentido do jejum que nos é recomendado e pedido pela Igreja, e mais facilmente evitamos cair na busca de uma perfeição individualista e fechada, sem nos preocuparmos com os outros.
Deixemo-nos conduzir pelo Espírito nas formas de ascese a escolher para vivermos proveitosamente a nossa Quaresma. E sucederá connosco o que sucedeu com Jesus: "O Espírito do Senhor está sobre Mim - diz Jesus na sinagoga de Nazaré - ... enviou-Me a anunciar a boa nova aos pobres ... e a pregar um ano de graça do Senhor' (Lc 4,18-19; Cf. Cst 28). Amar um pequeno, um pobre, é amar Jesus: "Todas as vezes que fizeste isto (as obras de misericórdia) a um só destes meus irmãos mais pequenos, foi a Mim que o fizestes" (Mt 25, 40; cf. Cst 28).
o tempo da Quaresma é propício a percorrermos os diversos graus da caridade evangélica: "Ama o próximo como a ti mesmo" (Mt 19, 19). É a regra de ouro que já foi proclamada no Antigo Testamento e que Jesus faz Sua: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti (Cf. Mt 7,12); Lc 6,11; Lv 19,18; Tob 4,15). Este é o primeiro grau da caridade. O segundo grau é: ama o próximo como amas a Jesus (Cf. Mt 25, 40; cf. n. 28). O terceiro grau é amar o próximo como Jesus nos ama: "Este é o Meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amel' (Jo 15,12). O quarto grau, o mais perfeito, é revelado por Jesus em forma de oração: pede que os seus discípulos se amem uns aos outros como as Três Pessoas da SS. Trindade se amam: "Não rogo só por estes, mas também por aqueles que, graças à sua palavra, hão-de acreditar em Mim, para que todos sejam um. Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, sejam também eles uma só coisa, para que o mundo creia que Tu Me enviaste" (Jo 17,20-21).
O fruto da caridade é Jesus presente no meio de nós: "Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, Eu estarei no meio deles" (Mt 18, 20). Mas o preço da caridade é sempre a cruz, a negação de nós mesmos, a superação do nosso egoísmo: "Se alguém quiser vir após Mim, renegue a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-Me" (Lc 9, 23).
Oratio
Senhor Jesus, infunde em mim o teu Espírito, que seja o meu guia neste tempo da Quaresma. Quero comungar no teu jejum para estar unido a Ti, para Te experimentar como o Esposo desejado. Aumenta em mim o sentido esponsal da vida cristã. Ensiname a jejuar de quanto me faz esquecer de Ti, de quanto me afasta da meditação da tua Palavra, de quanto me leva a procurar outros «amantes» e a correr o perigo de Te ser infiel.
Que o meu jejum me abra também ao amor dos irmãos e me faça percorrer o caminho da caridade até amar como Tu amas, até que o meu amor pelos irmãos seja reflexo daquele amor que reina entre Ti, o Pai e o Espírito. Amen.
Contemplatio
Jesus quis jejuar quarenta dias e quarenta noites. Moisés e Elias tinham feito o mesmo antes de empreenderem a sua grande missão perante o povo de Deus.
Nosso Senhor quis que este jejum absoluto e miraculoso fosse algumas vezes reproduzido na Igreja. É atribuído a S. Simão, o estilita, a Santa Catarina de Sena, etc.
O primeiro Adão tinha pecado por gula, o novo Adão quis reparar pelo jejum.
Havia também a expiar toda a nossa sensualidade, que é infinita.
Nosso Senhor quis também mostrar-nos como é preciso combater as nossas más paixões. O nosso corpo é um inimigo que é preciso enfraquecer e dominar, se não queremos que nos domine e que sujeite a nossa alma.
«O jejum, diz S. Basílio, serve de asas à oração para se elevar em altura e penetrar até aos céust.é também o guardião da castidade».
O período de quarenta dias tem as suas oportunidades misteriosas. É preciso sem dúvida este lapso de tempo para que a penitência actue fortemente sobre a natureza. A Igreja pede-nos também quarenta dias de um jejum relativo, para imitarmos o jejum absoluto de Nosso Senhor.
O jejum é o guardião da castidade para nós, sobretudo neste período da primavera em que os sentidos estão mais excitados.
Dá asas à oração que a abundância de alimentos torna pesada e sonolenta. Tenho aproveitado do exemplo de Nosso Senhor? Tenho obedecido ao preceito da Igreja, na medida das minhas forças e da minha saúde? Tenho feito durante quarenta dias uma penitência suficiente e verdadeiramente eficaz? Tenho substituído por alguma outra mortificação o que não podia fazer?
Não desperdicei tantas graças que se me ofereciam? (Leão Dehon, OSP 3, p. 223).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício» (cf. Mt 9, 13)
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5 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Isaías 58, 9b-14
Eis o que diz o Senhor: 9Se retirares da tua vida toda a opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo, 10se repartires o teu pão com o faminto e matares a fome ao pobre, a tua luz brilhará na tua escuridão, e as tuas trevas tomar-se-ão como o meio dia.110 Senhor te guiará constantemente, saciará a tua alma no árido deserto, dará vigor aos teus ossos. Serás como um jardim bem regado, como uma fonte de águas inesgotáveis 12Reconstruirás ruínas antigas, levantarás sobre antigas fundações. Serás chamado: «Reparador de brechas, restaurador de casas em ruínas.»13Se te abstiveres de trabalhar ao sábado, de te ocupares dos teus negócios no meu dia santo, se chamares ao sábado a tua delícia, consagrando-o à glória do Senhor; se o solenizares, abstendo-te de viagens, de procurares os teus interesses, e de tratares os teus negócios 14então, encontrarás a tua felicidade no Senhor. Far-teei desfilar sobre as alturas da terra, alimentar-te-ei com a herança do teu pai Jacob. É o próprio Senhor quem o diz!
Depois da forte denúncia dos pecados do povo (Is 58, 1), a pedido de Deus, o profeta passa à exortação. Exorta àquilo que hoje se poderia chamar a caridade fraterna (vv. 9- 10a), motivada pela promessa da comunhão com Deus e da restauração do país (vv. 10b-12). Vem, depois, a exortação ao respeito pelo sábado, agora visto a partir dos direitos de Deus (v. 13) e a consequente promessa de felicidade no Senhor (v. 14). Por outras palavras: primeiro Deus pede que seja afastado tudo o que divide o povo em si mesmo (opressão, falsas acusações em tribunal, difamação). Em consequência, Deus promete a comunhão Consigo e a prosperidade. A reconstrução da justiça social é condição para que também sejam restauradas as antigas ruínas. Depois, vem a exigência de abandonar o eficientismo e retomar o sentido do repouso sabático, com a consequente promessa de saborear a alegria do Senhor e dos seus bens.
Evangelho: Lucas 5, 27-32
27*Naquele tempo, Jesus viu um cobrador de impostos, chamado Levi, sentado no posto de cobrança. Disse-lhe: «Segue-me.» 28*E ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-o. 29Levi ofereceu-lhe, em sua casa, um grande banquete; e encontravam-se com eles, à mesa, grande número de cobradores de impostos e de outras pessoas. 30*Os fariseus e os doutores da Lei murmuravam, dizendo aos discípulos: «Por que comeis e bebeis com os cobradores de impostos e com os pecadores?» 31*Jesus tomou a palavra e disse-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. 32Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores.»
A conversão de Levi concretiza a afirmação de Jesus: «Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecedores.» (v. 32) e sintetiza toda a anterior acção de Jesus: a chamada dos primeiros discípulos, homens simples e rudes; a cura do leproso, sem medo da impureza legal. O perdão dos pecados e a cura do paralítico. Agora, Jesus convida ao seguimento um homem duplamente desprezível porque é um explorador profissional e um colaboracionista do ocupante romano.
Jesus revela a liberdade total das suas escolhas. Trata-se de uma liberdade que liberta, porque nasce do amor. Levi, «deixando tudo», pesos, amarras, «levantou-se» (anastás = o mesmo verbo que é usado para indicar a ressurreição de Jesus) e seguiu-o». A libertação e a vida nova estão orientadas para o seguimento de Jesus, para o discipulado.
Levi, libertado e tornado discípulo, quer fazer da sua experiência um acontecimento de graça para outros. Por isso, organiza um banquete em sua casa (v. 29).
Meditatio
«Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas os que estão doentes. Não foram os justos que Eu vim chamar ao arrependimento, mas os pecadores» (vv. 32-33).
Jesus veio ao mundo para chamar o homem pecador à conversão e à comunhão com Deus. Mas, para experimentarmos a Misericórdia, devemos reconhecer-nos doentes e pecadores. Mas, por vezes, não é fácil colocar-nos entre os pecadores, porque, temos consciência de, por graça de Deus, não ter cometido faltas graves. Mas esta resistência em nos considerarmos pecadores, já é sinal de orgulho e de egoísmo.
Cada um de nós há-de reconhecer-se nos doentes a quem Jesus cura e em Levi a quem Jesus perdoa. Só então poderemos experimentar a felicidade da Misericórdia que cura e perdoa.
Há que sentir-nos pecadores, solidários com os outros pecadores e dispostos a carregar os seus pesos, tal como Jesus se fez solidário connosco e se dispôs a carregar sobre Si o nosso pecado.
Pela boca de Isaías, Deus exorta-nos à solidariedade e à partilha com os irmãos. Jesus é, para nós, o exemplo perfeito dessa solidariedade e dessa partilha. Ele partilhou a nossa vida e a nossa condição. Assumiu as nossas limitações e o nosso pecado. Passou fazendo o bem a todos e acolhendo a todos. Reconhecendo a misericórdia que usou para connosco, só a Ele havemos de procurar, solidarizandonos com Ele na obra da redenção do mundo.
O Evangelho é realmente Boa Nova para todos quantos nos sentimos carecidos da misericórdia de Deus que nos cura e nos perdoa. É também Boa Nova para toda e qualquer pessoa humana, cuja dignidade defende de modo intransigente, especialmente quando se trata de gente espezinhada pelos outros, os pobres, os marginalizados (os leprosos), as pessoas desprezadas (os pecadores, publicanos, prostitutas). "O sábado foi feito para o homem - diz Jesus - e não o homem para o sábado" (Mc 2, 27). Para realçar a dignidade da pessoa humana, Jesus realiza muitos milagres ao sábado (cf. Mc 3, 1-6; Lc 14, 1-6; Jo 5, 1-14). Para Jesus, fazer bem ao homem é o melhor modo de santificar o sábado. "
;Não são os que têm saúde que precisam do médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" (Mc 2, 17). "Em verdade vos digo: os publicanos e as meretrizes precedervos-ão no reino de Deus" (Mt 21,31).
Oratio
Senhor, Tu podias separar-Te dos pecadores, porque não precisavas de penitência, nem de experimentar o sofrimento. Mas quiseste misturar-te com os pecadores e com os doentes para sobre todos derramares a tua misericórdia que salva e cura. Como Tu, quero colocar-me entre os pecadores, para sofrer e reparar pelos meus pecados, para sofrer e reparar pelos deles. Quero sentar-me à mesa dos pecadores para os ajudar a converter-se. Quero sentar-me à cabeceira dos doentes para os confortar. Quero estar junto de uns e de outros para ser sinal do teu amor e da tua misericórdia.
Perdoa-me se, tantas vezes, fechei as mãos e o coração à indigência material e espiritual de quem me rodeia, por me julgar melhor que os outros. Quero abandonar as minhas falsas seguranças, e seguir-Te no caminho novo que abriste aos indigentes e pecadores, para, com eles, participar na festa da tua Misericórdia. Amen.
Contemplatio
Mateus/Levi era publicano ou colector de impostos. Os homens desta profissão eram muito desprezados entre os Judeus, abusavam muito das suas funções para oprimirem as populações! Nosso Senhor quis, no entanto, escolher um dos seus apóstolos de entre eles.
Levi estava no seu escritório, junto do lago de Genesaré, quando Jesus dele se apercebeu e lhe disse para o seguir. O publicano abandonou imediatamente o posto lucrativo que ocupava, para se ligar a Nosso Senhor. Todo feliz e reconhecido pela sua vocação, convidou o divino Salvador e os seus discípulos para virem tomar uma refeição em sua casa. Convidou ao mesmo tempo vários publicanos seus amigos para os atrair a Jesus. Os fariseus ficaram escandalizados e disseram aos discípulos do Salvador: «Porque é que o vosso mestre come com os publicanos e os pecadores?». Jesus, ouvindo as suas murmurações, deu esta bela resposta: «Os médicos são para os doentes, e não para aqueles que estão de boa saúde. Eu vim chamar, não os justos, mas os pecadores». Palavra encorajadora caída do Coração de Jesus! Não percamos confiança, embora sejamos pecadores (Leão Dehon, OSP 4, p. 275).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Eu não vim chamar os justos ao arrependimento, mas os pecadores» (Mt 5, 32).
https://youtu.be/6qxZ1snEUv0
6 Março 2022
ANO C
1º DOMINGO DA QUARESMA
Tema do 1º Domingo da Quaresma
No início da Quaresma, a Palavra de Deus apela a repensar as nossas opções de vida e a tomar consciência dessas “tentações” que nos impedem de renascer para a vida nova, para a vida de Deus.
A primeira leitura convida-nos a eliminar os falsos deuses em quem às vezes apostamos tudo e a fazer de Deus a nossa referência fundamental. Alerta-nos, na mesma lógica, contra a tentação do orgulho e da auto-suficiência, que nos levam a caminhos de egoísmo e de desumanidade, de desgraça e de morte.
O Evangelho apresenta-nos uma catequese sobre as opções de Jesus. Lucas sugere que Jesus recusou radicalmente um caminho de materialismo, de poder, de êxito fácil, pois o plano de Deus não passava pelo egoísmo, mas pela partilha; não passava pelo autoritarismo, mas pelo serviço; não passava por manifestações espectaculares que impressionam as massas, mas por uma proposta de vida plena, apresentada com simplicidade e amor. É claro que é esse caminho que é sugerido aos que seguem Jesus.
A segunda leitura convida-nos a prescindir de uma atitude arrogante e auto-suficiente em relação à salvação que Deus nos oferece: a salvação não é uma conquista nossa, mas um dom gratuito de Deus. É preciso, pois, “converter-se” a Jesus, isto é, reconhecê-l’O como o “Senhor” e acolher no coração a salvação que, em Jesus, Deus nos propõe.
LEITURA I – Deut 26,4-10
Leitura do livro do Deuteronómio
Moisés falou ao povo, dizendo:
«O sacerdote receberá da tua mão
as primícias dos frutos da terra
e colocá-las-ás diante do altar do Senhor teu Deus.
E diante do Senhor teu Deus, dirás as seguintes palavras:
‘Meu pai era um arameu errante,
que desceu ao Egipto com poucas pessoas,
e aí viveu como estrangeiro
até se tornar uma nação grande, forte e numerosa.
Mas os egípcios maltrataram-nos, oprimiram-nos
e sujeitaram-nos a dura escravidão.
Então invocámos o Senhor Deus dos nossos pais
e o Senhor ouviu a nossa voz,
viu a nossa miséria, o nosso sofrimento
e a opressão que nos dominava.
O Senhor fez-nos sair do Egipto
com mão poderosa e braço estendido,
espalhando um grande terror e realizando sinais e prodígios.
Conduziu-nos a este lugar e deu-nos esta terra,
uma terra onde corre leite e mel.
E agora venho trazer-Vos as primícias dos frutos da terra
que me destes, Senhor’.
Então colocarás diante do Senhor teu Deus
as primícias dos frutos da terra
e te prostrarás diante do Senhor teu Deus».
AMBIENTE
O livro do Deuteronómio – do qual é retirada a primeira leitura de hoje – é aquele “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a. C.) (cf. 2 Re 22). Neste livro os teólogos deuteronomistas – originários do norte mas, entretanto, refugiados no sul, em Jerusalém, após as derrotas dos reis do norte (Israel) frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um povo único, unido, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as divisões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
O livro apresenta-se, literariamente, como um conjunto de discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab: antes de entrar na Terra Prometida, Moisés lembra ao Povo os seus compromissos para com Deus e convida os israelitas a renovar a sua aliança com Jahwéh.
Em concreto, o texto que hoje nos é apresentado faz parte de um bloco (cf. Dt 12-26) que apresenta “as leis e os costumes” que o Povo da aliança devia pôr em prática nessa terra da qual iria, em breve, tomar posse. Uma dessas leis pedia que fossem oferecidos ao Senhor os primeiros frutos da terra e que o israelita fiel proclamasse, nesse contexto, a sua “confissão de fé”. Provavelmente, o costume é de inspiração cananeia: cada ano, por ocasião da recolha dos produtos da terra, o cananeu celebrava uma festa em honra de Baal, divindade da fecundidade e da vegetação, agradecendo-lhe os dons da terra. Israel, no entanto, sabia que não era a Baal mas a Jahwéh que devia agradecer tudo; a sua confissão de fé centrava-se, então, na acção de Deus em favor do seu Povo, sublinhando sobretudo a libertação do Egipto, os acontecimentos da marcha pelo deserto, a eleição e o dom da Terra.
MENSAGEM
O gesto de oferecer os primeiros produtos da terra era, portanto, acompanhado de uma “confissão de fé”. No fundo, todo este “credo” que recapitula as antigas intervenções do Senhor em favor do seu Povo (eleição dos patriarcas, êxodo, dom da terra) tem como objectivo último afirmar e reconhecer que essa Terra Boa onde Israel construiu a sua existência é um dom de Deus; e não só a terra, mas tudo o que cresce sobre ela, é produto do amor de Deus em favor do seu Povo. É isso que significavam e simbolizavam as primícias que o israelita depositava sobre o altar, por meio do sacerdote.
Estas profissões de fé que os israelitas estavam obrigados a pronunciar periodicamente na liturgia faziam parte da pedagogia divina, que queria prevenir o Povo contra a tentação da idolatria. Por um lado, Israel era convidado a reconhecer quem era o seu Senhor e que tudo era um dom do amor de Jahwéh – não de outros deuses; por outro lado, Israel era convidado a libertar-se do orgulho, do egoísmo, da auto-suficiência e a reconhecer que tudo o que era e que tinha não era fruto das conquistas humanas, mas provinha de Jahwéh. Israel era, assim, convidado a reconhecer que só no amor e na acção de Deus encontrava a vida e a felicidade.
ACTUALIZAÇÃO
Para reflexão, considerar os seguintes pontos:
• Uma das tentações frequentes na vida do homem moderno é colocar a sua vida, a sua esperança e a sua segurança nas mãos dos falsos deuses: o dinheiro, o poder, o êxito social ou profissional, a ciência ou a técnica, os partidos, os líderes e as ideologias ocupam com frequência nas nossas vidas o lugar de Deus. Quais são os deuses diante dos quais o mundo se prostra? Quais são os deuses que, tantas vezes, impedem que Deus ocupe, na minha vida, o primeiro lugar?
• O orgulho, o egoísmo, a auto-suficiência também levam o homem a prescindir de Deus. Os êxitos e as realizações são atribuídas exclusivamente ao esforço e ao génio humano, como se o homem se bastasse a si próprio… De
us chega mesmo a ser visto, não como a referência última da nossa história e da nossa vida, mas como um estorvo que impede o homem de ser livre e de seguir o seu caminho de busca de felicidade. Onde nos leva um mundo que prescinde de Deus? Os caminhos que o homem constrói longe de Deus são caminhos onde encontramos mais humanidade, mais alegria, mais amor, mais liberdade, mais respeito pela justiça e pela dignidade do homem? Porquê?
• Tudo o que recebemos é de Deus e não nosso. Somos apenas administradores dos dons que Deus colocou à disposição de todos os homens. A nossa relação com os bens – mesmo os mais fundamentais – não pode, pois, ser uma relação fechada e egoísta: tudo pertence a Deus, o Pai de todos os homens e deve, portanto, ser partilhado. Como nos situamos face a isto? Os bens que Deus colocou à nossa disposição servem apenas para nosso benefício exclusivo, ou são vistos como dons de Deus para todos?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 90 (91)
Refrão: Estai comigo, Senhor, no meio da adversidade.
Tu que habitas sob a protecção do Altíssimo
e moras à sombra do Omnipotente,
Diz ao Senhor: «Sois o meu refúgio e a minha cidadela:
meu Deus, em Vós confio».
Nenhum mal te acontecerá
nem a desgraça se aproximará da tua tenda,
porque Ele mandará aos seus Anjos
que te guardem em todos os teus caminhos.
Na palma das mãos te levarão,
para que não tropeces em alguma pedra.
Poderás andar sobre víboras e serpentes,
calcar aos pés o leão e o dragão.
Porque em Mim confiou, hei-de salvá-lo;
hei-de protegê-lo, pois conheceu o meu nome.
Quando Me invocar, hei-de atendê-lo,
estarei com ele na tribulação,
hei-de libertá-lo e dar-lhe glória.
LEITURA II – Rom 10,8-13
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Que diz a Escritura?
«A palavra está perto de ti,
na tua boca e no teu coração».
Esta é a palavra da fé que nós pregamos.
Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor
e se acreditares no teu coração
que Deus O ressuscitou dos mortos,
serás salvo.
Pois com o coração se acredita para obter a justiça
e com a boca se professa a fé para alcançar a salvação.
Na verdade, a Escritura diz:
«Todo aquele que acreditar no Senhor
não será confundido».
Não há diferença entre judeu e grego:
todos têm o mesmo Senhor,
rico para com todos os que O invocam.
Portanto, todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo.
AMBIENTE
A Carta aos Romanos é considerada, por alguns exegetas, a “carta da reconciliação”. Estamos nos anos 57/58; a convivência entre judeo-cristãos e pagano-cristãos apresenta algumas dificuldades, dadas as diferenças sociais, culturais e religiosas subjacentes aos dois grupos. A comunidade cristã corre o risco de radicalizar as incompatibilidades e de se dividir… Nesta situação, Paulo escreve para sublinhar aquilo que a todos une. O centro da carta seria, de acordo com esta perspectiva, 15,7: “Acolhei-vos, pois, uns aos outros, como Cristo vos acolheu, para glória de Deus”.
O texto da segunda leitura pertence à primeira parte da carta (Rom 1-11); o título desta parte pode ser: o Evangelho de Jesus é a força que congrega e que salva todo o crente (judeus e pagãos). Depois de demonstrar que todos os homens vivem mergulhados num ambiente de pecado (Rom 1,18-3,20), mas que a “justiça de Deus” dá a vida a todos sem distinção (Rom 3,21-5,11) e que é em Jesus que essa vida se comunica (Rom 5,12-8,39), Paulo reflecte sobre o desígnio de Deus a respeito de Israel (Rom 9,1-11,36).
Neste texto, em concreto, Paulo põe em relevo aquilo que une judeus e gregos: a mesma fé em Jesus Cristo e na proposta de salvação que Ele traz.
MENSAGEM
Nos versículos anteriores (cf. Rom 9,30-10,4), Paulo havia criticado o orgulho e a auto-suficiência dos judeus, que pensavam chegar à salvação à custa das obras que praticavam: se cumprissem as obras da Lei, Deus não teria outro remédio senão salvá-los. Ora, na perspectiva de Paulo, a salvação não é uma conquista humana, mas um dom gratuito de Deus que, na sua bondade, “justifica” o homem.
Essa auto-suficiência dos judeus levou-os a desprezar a salvação de Deus, oferecida gratuitamente em Jesus Cristo. Os pagãos, ao contrário, com simplicidade e humildade, acolheram a proposta de salvação que Jesus trouxe.
Então, tudo estará perdido para os judeus? Não. Basta-lhes acolher Jesus como “o Senhor” e aceitar a sua condição de ressuscitado: isso significa aceitar que Ele veio de Deus e que a proposta de salvação por Ele apresentada tem o selo de Deus.
Dessa forma nascerá um povo único, sem distinções de raça, cor ou estatuto social. O que é decisivo é acolher a proposta de salvação que Deus faz através de Jesus e aderir a essa comunidade de irmãos, “justificados” pela bondade e pelo amor de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, na reflexão e actualização da Palavra, as seguintes questões:
• O orgulho e a auto-suficiência aparecem sempre como algo que fecha aos homens o caminho para Deus. Conduzem o homem ao fechamento em si próprio e a prescindir de Deus e dos outros. Os orgulhosos e auto-suficientes correspondem aos “ricos” das bem-aventuranças: são os que estão instalados nas suas certezas, no seu comodismo, no seu egoísmo e não estão disponíveis para se deixar desafiar por Deus e para acolher, em cada instante, a novidade e o amor de Deus. Por isso, são “malditos”: se não estiverem dispostos a abrir o seu coração a Deus, recusam a salvação que Deus tem para oferecer.
• Como nos situamos face a isto? A nossa religião é um cumprir escrupulosamente as regras para assegurar o “lugarzinho no céu”, ou é um aderir na fé à pessoa de Jesus e à proposta gratuita de salvação que, através d’Ele, Deus nos faz?
• Quando nos reunimos em assembleia e proclamamos Jesus como o nosso “Senhor”, somos uma verdadeira comunidade de irmãos, sem “judeu nem grego”, ou continuamos a ser uma comunidade dividida, com amigos e inimigos, ricos e pobres, negros e brancos, santos e pecadores, superiores e inferiores?
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mt 4,4b
Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.
EVANGELHO – Lc 4,1-13
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
Jesus, cheio do Espírito Santo,
retirou-Se das margens do Jordão.
Durante quarenta dias,
esteve no deserto, conduzido pelo Espírito,
e foi tentado pelo diabo.
Nesses dias não comeu nada
e, passado esse tempo, sentiu fome.
O diabo disse-lhe:
«Se és Filho de Deus,
manda a esta pedra que se transforme em pão».
Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito:
‘Nem só de pão vive o homem’».
O diabo levou-O a um lugar alto
e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra
e disse-Lhe:
«Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos,
porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser.
Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu».
Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito:
‘Ao Senhor teu Deus adorarás,
só a Ele prestarás culto’».
Então o demónio levou-O a Jerusalém,
colocou-O sobre o pináculo do Templo
e disse-Lhe:
«Se és Filho de Deus,
atira-te daqui abaixo,
porque está escrito:
‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito,
para que te guardem’;
e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão,
para que não tropeces em alguma pedra’».
Jesus respondeu-lhe:
«Está mandado:
‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
Então o diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação,
retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.
AMBIENTE
Estamos no começo da actividade pública de Jesus. Ele acabou de ser baptizado por João Baptista e recebeu o Espírito para a missão (cf. Lc 3,21-22). Agora, confronta-Se com uma proposta de actuação messiânica que pretende subverter a proposta do Pai.
Também aqui não estamos diante de uma reportagem histórica, feita por um jornalista que presenciou o desafio entre Jesus e o diabo, algures no deserto… Estamos, sim, diante de uma página de catequese, cujo objectivo é ensinar-nos que Jesus, como nós, sentiu a mordedura das tentações. Ele também sentiu a tentação de prescindir de Deus e de seguir um caminho humano de êxitos, de aplausos, de poder e de riqueza; no entanto, Ele soube dizer não a todas essas propostas que O afastavam do plano do Pai.
MENSAGEM
Lucas (como já o havia feito Mateus) vai apresentar a catequese sobre as opções de Jesus, em três episódios ou “parábolas”. O relato constrói-se em torno de um diálogo em que tanto o diabo como Jesus citam a Escritura em apoio da sua opinião.
A primeira “parábola” sugere que Jesus poderia ter optado por um caminho de facilidade e de riqueza, utilizando a sua divindade para resolver qualquer necessidade material… No entanto, Jesus sabia que “nem só de pão vive o homem” e que o caminho do Pai não passa pela acumulação egoísta de bens. A resposta de Jesus cita Dt 8,3, sugerindo que o seu alimento – a sua prioridade – é a Palavra do Pai.
A segunda “parábola” sugere que Jesus poderia ter escolhido um caminho de poder, de domínio, de prepotência, ao jeito dos grandes da terra. No entanto, Jesus sabe que esses esquemas são diabólicos e que não entram nos planos do Pai; por isso, citando Dt 6,13, diz que só o Pai é o seu “absoluto” e que não se deve adorar mais nada: adorar o poder que corrompe e escraviza não tem nada a ver com o projecto de Deus.
A terceira “parábola” sugere que Jesus poderia ter construído um caminho de êxito fácil, mostrando o seu poder através de gestos espectaculares e sendo admirado e aclamado pelas multidões (sempre dispostas a deixarem-se fascinar pelo “show” mediático dos super-heróis). Jesus responde a esta proposta citando Dt 6,16, que manda “não tentar” o Senhor Deus: aqui, “tentar” significa “não utilizar os dons de Deus ou a bondade de Deus com um fim egoísta e interesseiro”.
Apresentam-se, portanto, diante de Jesus, dois caminhos. De um lado, está a proposta do diabo: que Jesus realize o seu papel na história da salvação como um Messias triunfante, ao jeito dos homens. Do outro, está a escolha de Jesus: um caminho de obediência ao Pai e de serviço aos homens, que elimina qualquer concepção do messianismo como poder.
ACTUALIZAÇÃO
Reflectir sobre as seguintes coordenadas:
• Frente a frente estão, hoje, a lógica de Deus e a lógica dos homens. A catequese que o Evangelho nos apresenta neste primeiro Domingo da Quaresma ensina que Jesus pautou cada uma das suas escolhas pela lógica de Deus. E nós, cristãos, seguidores de Jesus? É essa a nossa lógica, também?
• Deixar-se conduzir pela tentação dos bens materiais, do acumular mais e mais, do olhar apenas para o seu próprio conforto e comodidade, do fechar-se à partilha e às necessidades dos outros, é seguir o caminho de Jesus? Pagar salários de miséria aos operários e malbaratar fortunas em noitadas de jogo ou em coisas supérfluas (enquanto os irmãos, ao lado, gemem a sua miséria), é seguir o caminho de Jesus?
• Dentro de cada pessoa, existe o impulso de dominar, de ter autoridade, de prevalecer sobre os outros. Por isso – às vezes na Igreja – os pobres, os débeis, os humildes têm de suportar atitudes de prepotência, de autoritarismo, de intolerância, de abuso. A catequese de hoje sugere que este “caminho” é diabólico e não tem nada a ver com o serviço simples e humilde que Jesus propôs nas suas palavras e nos seus gestos.
• Podemos, também, ceder à tentação de usar Deus ou os dons de Deus para brilhar, para dar espectáculo, para levar os outros a admirar-nos e a bater-nos palmas. A isto Jesus responde de forma determinada: não utilizarás Deus em proveito da tua vaidade e do teu êxito pessoal.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 1º DOMINGO DA QUARESMA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 1º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. PÃO – TENTAÇÃO: PALAVRAS-CHAVE.
O Evangelho fala de PÃO e de TENT
AÇÃO. Estas duas palavras aparecem na oração do Pai Nosso: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje… não nos deixeis cair em tentação”. Uma pista para a homilia poderia ser a ligação entre pão e tentação: se não se alimentar com o pão da Palavra, o cristão não terá forças para resistir, quando chegar a prova da tentação. Somos convidados a reler o Pai Nosso à luz do Evangelho deste domingo: dá-nos o teu pão para este dia, ajuda-nos a ultrapassar a tentação!
3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
“Deus, Pai do teu Povo, a Igreja, nós Te damos graças. Pelo Baptismo e Confirmação, libertaste-nos das amarras da morte para nos introduzir na nova Terra prometida, a Eucaristia.
Neste início de Quaresma, recomendamos-Te os candidatos ao Baptismo que entram na última etapa da sua preparação.
No final da segunda leitura:
“Pai, nós Te damos graças pela fé que nos ofereces: confessamos que Jesus é Senhor, acreditamos do fundo do coração que O ressuscitaste de entre os mortos.
Nós Te pedimos pelos nossos irmãos e irmãs que duvidam e por nós mesmos: pelo teu Espírito Santo, sustenta a nossa fé, que a tua Palavra habite nos nossos corações.
No final do Evangelho:
“Deus fiel, nós Te damos graças porque nos enviaste o teu Filho Jesus. Ele convida-nos a segui-l’O nos caminhos da humanidade e a nos comprometermos no caminho da Páscoa.
Nós Te pedimos: enche-nos do teu Espírito, à imagem do teu Filho Jesus, para que possamos progredir na fidelidade à tua Palavra.
4. BILHETE DE EVANGELHO.
Jesus não está só no deserto, é aí que Ele se entretém com seu Pai e, duas vezes, Lucas precisa que o Espírito Santo acompanha Jesus, que está cheio do Espírito Santo e é por Ele conduzido. O tentador é forte, apanha Jesus nos seus próprios terrenos. Se Ele é Filho de Deus, diz-lhe o demónio, Ele é o criador, a Palavra que tudo criou. Então pode mudar as pedras em pão. Jesus recorda-lhe que o verdadeiro alimento é a Palavra de Deus. Se Jesus é Aquele que veio instaurar um Reino novo, diz-lhe o tentador, então tem necessidade de poder e de glória. Jesus não tomará o poder pela força, menos ainda afastando-Se do seu Pai. O seu Reino é precisamente o de seu Pai que só merece ser adorado. Se Jesus é o Filho de Deus, diz-lhe Satã, pode manifestar a sua divindade através de prodígios que ultrapassam os homens, só os anjos se Lhe podem submeter. Jesus veio revelar o verdadeiro rosto de Deus, cujo único poder é a força do amor. Qualquer outra imagem é uma caricatura, um ídolo. Pedir-lhe que não seja senão amor, é pô-l’O à prova. Com o Espírito Santo, Jesus resiste às tentações. E se o demónio se afasta até ao momento fixado, quando este momento vier, Jesus será ainda o grande vencedor sobre o Maligno.
5. À ESCUTA DA PALAVRA.
Há o diabo, Jesus e, entre os dois, a Palavra de Deus. A cada uma das tentações, Jesus responde com uma citação da Escritura, que reenvia a um episódio da travessia do deserto pelos Hebreus, após a sua saída do Egipto. Relemos a resposta à primeira tentação… O pão corporal é indispensável, mas não é suficiente. Temos necessidade da Palavra de Deus, que é a única a dar sentido e abre uma esperança, para ir até ao fim da vida. Relemos a segunda tentação… Jesus utiliza a sua filiação divina para impor o seu poder sobre todos os reinos da terra, mas não à maneira do poder terrestre. Esta tentação reenvia-nos à verdade da nossa fé em Deus Pai. Relemos a terceira tentação… Colocar Deus à prova é pedir-Lhe sem cessar para nos provar que Ele nos ama. É estar à procura de provas de que Deus Se ocupa de nós. A única resposta está no dom que Deus nos fez no seu Filho bem amado. A fé, a esperança, o amor: a Palavra de Deus, que ilumina toda a nossa vida com Deus e com os nossos irmãos, é o melhor antídoto para todas as tentações!
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
A Oração Eucarística I para a Reconciliação, com o seu prefácio próprio, retoma os temas principais sugeridos pelos textos do dia.
7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
• Jesus não escolhe partir para o deserto. É conduzido pelo Espírito Santo. E aí, é afrontado pelo espírito do mal. Também nós não escolhemos viver no coração deste mundo em que Deus Se tornou desinteressante. Deserto para as nossas vidas de crentes… para a nossa Igreja… com todas as tentações ligadas às nossas faltas: lassidão, desencorajamento, desejo de nos retirarmos de uma Igreja que nos desconcerta e de abandonarmos Deus… Por causa de Jesus sabemos que a travessia do deserto é possível. O seu Espírito acompanha-nos e apoia as nossas escolhas de crentes. “Acredita no teu coração…”, diz-nos Paulo na Carta aos Romanos. A Quaresma, travessia do deserto… A Quaresma, convite a reavivar a nossa esperança!
• Seria interessante reflectir durante a semana, em equipa fraterna, sobre as tentações que nos atingem hoje. E, depois de as detectar, encontrar juntos alguns meios para nos ajudar a ultrapassá-las…
• Seguindo as orientações da Diocese concretizadas em cada Paróquia, optar por uma caminhada de solidariedade, com uma intenção concreta.
https://youtu.be/tA7KWysw3Og
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org
7 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Levítico 19, 1-2.11-18
o Senhor dirigiu-se a Moisés, dizendo: 2*«Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel e diz-lhes: sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo.
11Não furtareis, não mentireis, nem enganareis em detrimento de um compatriota. 12Não jurareis falso, em meu nome; desse modo profanareis o nome do vosso Deus. Eu sou o Senhor. 13Não roubarás nem furtarás nada ao teu próximo; o salário do jornaleiro não passará a noite em teu poder até à manhã seguinte. 14Não insultarás um surdo, não colocarás tropeços diante de um cego. Teme o teu Deus. Eu sou o Senhor: 15Não cometerás injustiças nos julgamentos. Não prejudicarás o pobre, nem serás complacente para com o poderoso. Julgarás o teu compatriota com imparcialidade. 16Não semearás o mal no meio do teu povo. Não peças o sangue do teu próximo. Eu sou o Senhor.17*Não odiarás o teu próximo no teu coração; mas repreende o teu compatriota para não caíres em pecado por causa dele. 18Não te vingarás nem guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor
A primeira leitura, que pertence ao chamado «Código de Santidade» que encontramos no Levítico, apresenta a toda a comunidade de Israel o mandamento da santidade. Mandamento motivado pela santidade de Deus (v. 2). Deus é o Totalmente Outro, radicalmente diferente do que é o homem. Mas quere-o participante da sua santidade. Depois deste mandamento, seguem algumas normas de moral pessoal e social. O respeito pela santidade de Deus deve inspirar o respeito pelo próximo, particularmente pelos mais fracos e os deficientes (v. 14). Às exortações negativas: «Não fareis isto ou aquilo ... », seguem exortações prepositivas destinadas a construir uma sociedade humana mais fraterna: «amarás o teu próximo como a ti mesmos (v. 18b). O amor pelos outros, fundamentado em Deus, edifica a comunidade humana na santidade.
Evangelho: Mateus 25, 31-46
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 31 *«Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32*Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33,,4 sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 340 Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40*E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.' 41Em seguida dirá aos da esquerda: 'Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! 42porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, 43era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.' 44Por sua ve-4 eles perguntarão: 'Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?' 45E1e responderá, então: 'Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.' 46*Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.»
o texto de Mateus está na linha da tradição apocalíptica bíblica e judaica (cf. Daniel .. ). Trata-se de uma revelação relativa às coisas últimas, ao juízo universal. Nela aparece o Filho de homem, figura simultaneamente humana e celeste e que tem um papel fundamental na instauração do reino de Deus e na recondução dos eleitos para Deus. Jesus identifica-se com esta personagem gloriosa. Ele virá encerrar a história, e assumir a realeza que foi escondida no tempo.
Tal como os pastores reuniam, ao cair da noite, o rebanho e separavam os animais segundo a espécie, assim fará o Rei-Pastor com a humanidade reunida à sua volta Esta separação inclui um juízo. O critério da divisão será a caridade. Jesus mostra como esta figura real quer identificar-se com cada um dos irmãos mais pequenos. É no encontro com cada um dos homens que se joga o nosso destino eterno: usámos ou não usámos de misericórdia com eles. Será essa a única matéria em exame no juízo final.
Meditatio
Ao pronunciar o discurso que escutámos no evangelho, Jesus não quer descrever os acontecimentos finais em si mesmos. Quer, sim realçar o significado central da sua pessoa. Os homens serão julgados pela sua atitude diante da pessoa de Jesus, que Se identifica com os carenciados: Mas essa atitude verifica-se pela atitude diante dos outros, especialmente dos mais carenciados: foi «a mim mesmo o fizestes» ou «foi a mim que o deixastes de fazer». Por isso, nos incita à misericórdia, à caridade, para com eles. Esta identificação surpreende-nos. Esperávamos, talvez, que Deus ordenasse a caridade fraterna em nome da sua vontade, que quer o bem e a felicidade de todos. Mas esse era o modo de falar do Antigo Testamento: «Eu sou o SENHOR. Não odiarás ... Não te vingarás nem guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHO/?» (Cf. Lev 19, 16-18). Apelando para a sua autoridade divina, manda afastar de nós todo o mal, manda praticar a justiça. É já caminho para a caridade. Trata-se de não fazer o mal a ninguém por respeito a Deus. No evangelho, Jesus já não fala da sua autoridade, mas da sua pessoa. Identifica-se com os pobres. Já não estamos diante da simples justiça. Estamos diante da caridade. Já não é suficiente não fazer o mal. É preciso fazer o bem, ir ao encontro dos carenciados. Os pecados de omissão também serão objecto de juízo.
No n. 28 das nossas Constituições, lemos: «Sequiosos de intimidade com o Senhor, procuramos os sinais da sua presença na vida dos homens, onde actua o seu amor salvador. Partilhando as nossas alegrias e sofrimentos, Cristo identificou-Se com os pequenos e com os pobres, aos quais anuncia a Boa Nova». No mesmo número, as Constituições lembram as palavras do Senhor: "Em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim que o fizestes" (Mt 25,40). "O Espírito do Senhor está sobre Mim ... enviou-Me para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação a
os cativos, a vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos, a proclamar um ano de graça do Senhor"(lc 4,18-19).
Ao orientar-nos para o apostolado dos "pequenos" e dos "pobres", as Constituições começam com uma experiência contemplativa: "Sequiosos de intimidade com Senhor". Haurindo o amor oblativo na sua fonte, que é Cristo, por meio da "oração de intimidade", reconhecemos (isto é, fazemos experiência de vida) e cremos (isto é, aderimos com todo o nosso ser) "ao amor que Deus tem por nós" (1 Jo 4, 16) e, se a experiência contemplativa for autêntica, sentimos a necessidade de irradiar este amor entre os irmãos, isto é, de viver "a oração perene" (ou caridade perene), de acordo com a exortação de Jesus: é preciso "rezar(= amar) sempre, sem desfalecer" (Lc 18, 1). É a passagem espontânea da contemplação à acção e o regresso da acção à contemplação, naquele único amor oblativo, que anima tanto a acção como a contemplação. É, pois, um desejo espontâneo de amor, que procura "os sinais da presença" do Senhor "na vida dos homens, onde actua o seu amor" (Cst 28).
Nas "alegrias" e nas "angústias" de cada homem, por bom ou mau que seja, voltamos a ouvir a pergunta de Jesus: "A quem procurais?' (Jo 1, 38); "Quem procurais?" (Jo 18, 4.7), "A quem procuras?' (Jo 21, 15). Consciente ou inconscientemente a resposta é: "Queremos ver Jesus' (Jo 12, 21), porque é Ele o nosso amor, a nossa alegria, a nossa paz e também porque todo o anseio de redenção, de libertação, de bondade, de misericórdia, de perdão, de ajuda ... , até mesmo de remorso, é um querer ver Jesus. É Ele a redenção, a libertação, a bondade, a misericórdia, o perdão personificados.
Onde esta Jesus, onde actua o seu "amor que salva", também nós queremos estar presentes, unidos "no seu amor pelo Pai e pelos homens" (Cst 17), especialmente pelos "pequenos" e pelos "pobres" (Cst 28), porque "Cristo se identificou" com eles (Cst 28; Cf. Mt 25, 40).
Oratio
Senhor Jesus, dá-me a dimensão divina da tua caridade. Quero ajudar-Te, ajudando todos os irmãos carenciados de bens materiais, de atenção, de conforto e de compreensão. Tu disseste: «O que fizestes a um destes pequeninos, foi a Mim que o fizestes». No caminho de Damasco, disseste a Saulo que perseguia os cristãos; «Eu sou Jesus a quem tu persegues-. A Martinho, que dividiu o manto com um pobre, também disseste: «Hoje, Martinho catecúmeno revestiu-Me com o seu manto». Estes exemplos iluminam o evangelho e dão-me força para percorrer o mesmo caminho, certo de que, na atenção generosa para com todos os carenciados, começo desde já a viver a vida eterna, porque Te amo como a mim mesmo, irmão em Cristo, irmão Cristo. Amen.
Contemplatio
«O meu Pai e eu, diz o Senhor, somos assim glorificados». É, de facto, o amor divino pelos homens que é imitado e continuado. A nossa união fraterna faz a alegria de Deus nosso Pai. Ela faz também a nossa força e a nossa consolação. As obras da caridade fraterna são também um poderoso meio de apostolado e o instrumento da conversão dos povos. O mundo vê que nos amamos e fica emocionado.
Esta caridade tem tido os seus inumeráveis mártires, que têm fecundado a Igreja e enchido o céu. Todos aqueles que sacrificaram a sua vida nos trabalhos e nos perigos do apostolado sob todas as suas formas são mártires da caridade. Enfrentaram as fadigas, as doenças, as dificuldades do clima, a hostilidade dos infiéis para irem em socorro dos que sofrem ou que estão nas trevas da idolatria. Era o espírito da caridade que os conduzia.
Dando-nos o seu preceito novo, Nosso Senhor dá-nos, no Espírito Santo, a graça de o cumprirmos.
Se correspondermos a este espírito de caridade, havemos de praticar entre nós a doçura, a paciência, a benevolência. As obras de misericórdia ser-nos-ão caras e fáceis. Teremos gosto em tomar conta dos pequenos, dos pobres, dos ignorantes, daqueles que sofrem. Havemos de nos recordar da palavra do bom Mestre: «O que fazeis aos pequenos e aos deserdados, tenho como feito por mim».
Se tivermos uma caridade ardente e abundante, levá-la-emos até ao sacrifício. Despojar-nos-emos, afadigar-nos-emos para socorrer o nosso próximo, e, se for preciso, daremos a nossa vida por ele como Nosso Senhor a deu por nós (Leão Dehon, OSP 3, p. 419s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Foi a Mim que o fizestes» (Mt 25, 40).
https://youtu.be/i6gINUmw4gw
8 Março 2022
S. João de Deus nasceu a 8 de Março de 1495, em Montemor-o-Novo. Aos 8 anos saiu de casa, dirigindo-se para Oropesa, Espanha, onde foi pastor e, mais tarde, soldado de Carlos V. Exerceu outras atividades até descobrir a vocação a que Deus o chamava. Em 1539, assistiu às exéquias da Imperatriz Isabel, mulher de Carlos V, e, à semelhança do Duque de Gandia, futuro S. Francisco de Borja, ficou profundamente impressionado. A pregação e a orientação de S. João de Ávila ajudaram João de Deus a encontrar o caminho a que Deus o chamava. Instalou, em Granada, um hospital para os pobres, aos quais se entregou generosamente, tornando-se para eles, e para todos, um sinal vivo da misericórdia de Deus. Começaram a juntar-lhe colaboradores que, mais tarde, se constituíram em instituto religioso, a "Ordem Hospitaleira dos Irmãos de S. João de Deus", aprovada por Sixto V, em 1583. S. João de Deus faleceu em Granada, a 8 de Março de 1550. É padroeiro dos hospitais católicos, bem como dos enfermeiros católicos e suas associações.
Lectio
Primeira leitura: Da féria (ou do Comum)
Segunda leitura: Mateus 25, 31-40
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.'
Jesus, como filho do seu tempo e participante da mentalidade da sua época, tem presente as ideias comuns sobre os acontecimentos extraordinários do fim dos tempos e parte delas para inculcar nos homens a necessária preparação para superarem, com êxito, a provação final. Além disso, pretende afirmar que os homens serão julgados pela atitude que tiverem em relação a Ele.
A reunião universal dos povos pressupõe a ressurreição dos mortos. Os bons serão colocados à direita, lugar de sorte, e os maus à esquerda, lugar de desgraça. Esta colocação pressupõe que o juízo já foi efetuado. Daí que, logo de seguida, seja proferida a sentença. O Filho do homem revela-se como rei, e convida os da sua direita a receberem o prémio, justificando essa decisão com as obras de caridade feitas por eles aos "irmãos pequeninos" de Jesus (v. 40). O serviço caritativo prestado ao próximo necessitado justifica o prémio, tal como a ausência desse serviço justifica o castigo. Além do mais, o que se faz de bem ao próximo, é a Jesus que se faz, tal como o que não se faz de bem ao próximo é a Jesus que não se faz. Não se fazem distinções sobre a identidade ou a condição de quem faz o bem ou dos necessitados a quem é feito. As obras feitas por amor, praticadas por quem quer que seja, ao próximo necessitado, seja ele quem for, honram a Jesus e são premiadas.
Meditatio
"O que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes" (v. 40). Jesus dirige-se a todos, sem qualquer distinção. Isto significa que, também fora do âmbito visível dos seus discípulos, da sua Igreja, pode haver autêntico reino e verdadeiro "cristianismo". Esta universalidade estende-se também àqueles a quem fazemos os bem: a única condição é que sejam necessitados. Quando fazemos o bem a um necessitado, é a Cristo que o fazemos. Quem faz o bem, por amor, é sempre um sinal, consciente ou inconsciente, e mais ou menos claro, da misericórdia de Deus.
S. João de Deus foi para os seus contemporâneos, especialmente para os doentes, um rosto da misericórdia de Deus. Ardendo na caridade divina, só podia manifestá-la aos outros. Para salvar os doentes do seu hospital em chamas, não exitou em correr para o meio do fogo: "Ensinando a caridade, demonstrou que o fogo exterior tinha menor força do fogo que o queimava interiormente", - comentava outrora a liturgia da sua festa. Numa das suas cartas, o santo escreve: "Vêm aqui tantos pobres, que até eu me espanto como é possível sustentar a todos; mas Jesus Cristo a tudo provê e a todos alimenta. Vêm muitos pobres à casa de Deus, porque a cidade de Granada é muito fria, e mais agora que estamos no Inverno. Entre todos - doentes e sãos, gente de serviço e peregrinos - há aqui mais de cento e dez pessoas. Como esta casa é geral, recebe gente de todos os géneros e condições: tolhidos, mancos, leprosos, mudos, dementes, paralíticos, tinhosos, alguns já muito velhos e outros muito crianças ainda, e por cima disto muitos peregrinos e viajantes, que cá chegam e aqui encontram lume, água, sal e vasilhas para cozinhar os alimentos. E para tudo isto não se recebe renda especial, mas Cristo a tudo provê". Noutra carta dizia: "Não tenho sequer o espaço de um "creio em Deus Pai" para poder respirar." O seu amor, a sua dedicação e generosidade para com os pobres granjearam-lhe a admiração de Granada inteira. Quando faleceu, a cidade desfilou diante daquele homem-prodígio de humildade e de caridade. Como dizia João Paulo II de S. Camilo de Lellis, também o testemunho de S. João de Deus "constitui, ainda hoje, um forte apelo a amar a Cristo, presente nos irmãos que carregam sobre si mesmos o fardo da doença".
A nossa união com Cristo, no seu amor pelo Pai e pelos homens manifesta-se também na disponibilidade e no amor para com todos. A escuta da Palavra, e sobretudo a eucaristia que celebramos são um convite diário para nós, dehonianos, a que sejamos pão bom, partido pelos irmãos, de modo especial para os mais fracos e carenciados: "os pequenos e os que sofrem" (cf. Cst 18). As palavras de Cristo, na instituição da eucaristia, "Fazei isto em memória de Mim" (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 24-25), não se referem apenas à Eucaristia como memorial, mas são um convite a todo o discípulo de Jesus para que seja "pão partido" e "sangue derramado" por todos. Tal como Cristo, também nós...
Oratio
Senhor, entre os caminhos que me apontas para me encontrar contigo e unir-me a ti, há o do amor aos irmãos que passam pela difícil fase do sofrimento. Foi esse o caminho percorrido por Jesus, teu Filho divino, o verdadeiro bom samaritano da humanidade. Torna-me cada vez mais consciente de que o serviço aos pequenos e aos que sofrem podem conduzir-me à contemplação do teu rosto, e libertar o amor que derramaste no meu coração para me tornar sinal da tua misericórdia para com todos os homens, particularmente os mais necessitados. Ámen.
Contemplatio
(A caridade para com o próximo) é o segundo mandamento e é semelhante ao primeiro. Mas Nosso Senhor fez dele o seu mandamento preferido, porque o outro era evidente. «Este é o meu mandamento, diz, que vos ameis como eu vos amei» (Jo 15, 12). Fez deste mandamento a característica da lei nova e o traço principal dos seus verdadeiros discípulos. «É assim, diz, que reconhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35)... Que Deus vos faça a graça, dizia S. Paulo, de estardes sempre unidos pelos sentimentos e pelo afeto uns para com os outros, segundo o espírito de Jesus Cristo, e conforme ao seu exemplo. Estai unidos no culto e no amor de Deus, e para permanecerdes unidos suportai-vos uns aos outros: o forte ajudará o fraco, o sábio ajudará o ignorante, o judeu e o gentio serão caridosos entre si. Nosso Senhor não nos suportou? Não nos tomou ele consigo e não nos uniu ao seu corpo místico para nos apresentar ao seu Pai? A caridade para com o próximo é necessária a quem quer amar a Deus. - O amor de Deus e o amor do próximo fazem um só. Pode amar-se a Deus e não amar os homens seus filhos? Estes dois amores não faziam senão um só no coração de Nosso Senhor. Quando pronuncia o Ecce venio ao entrar na sua vida mortal, vinha ao mesmo tempo por amor de seu Pai e por amor dos seus irmãos... O amor do próximo está inscrito em cada página do Evangelho. Nosso Senhor podia fazer mais para o recomendar do que nos dizer que teria como feito a si mesmo o que fizéssemos pelo mais pequeno de entre os seus? Não é sobre esta caridade que consistirá sobretudo o juízo? «Tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber...». (Pe. Dehon, OSP 3, p. 201s.).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"O que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos,
a mim mesmo o fizestes" (Mt 25, 40).
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S. João de Deus, Religioso (08 Março)
8 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Isaías 55, 10-11
Assim fala o Senhor: 10Assim como a chuva e a neve descem do céu, e não voltam mais para lá, senão depois de empapar a terra, de a fecundar e fazer germinar, para que dê semente ao semeador e pão para comer, 11 o mesmo sucede à palavra que sai da minha boca não voltará para mim vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem cumprir a sua missão.
A secção do Deutero-Isaías, conclui (Is 55) com o retomar de temas como o perdão, o regresso à pátria, a participação na natureza divina, o poder da palavra de Deus. A palavra é a mediação através da qual o homem sente a Deus como próximo e, ao mesmo tempo, como ausente, uma vez que «os seus caminhos não são os nossos cemmhos- (v. 9).
A Palavra é uma realidade viva, enviada do céu para realizar a salvação. É «etiau», pois é capaz de realizar o seu objectivo, tal como a chuva e a neve, que fecundam a terra e lhe dão capacidade de produzir frutos.
Esta imagem enchia certamente de consolação o povo cativo em Babilónia, cuja esperança de regressar à terra encontrava seguro apoio na Palavra de Deus.
A mesma Palavra nos enche de consolação e esperança, pois Cristo é a Palavra omnipotente feita carne, enviada do céu para que a nossa terra dê o seu fruto. Ele, que por nós morreu e ressuscitou, abriu-nos um caminho inesperado para a casa de Deus.
Evangelho: Mateus 6, 7-15
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7*Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. 8Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» 9*«Rezai, pois, assim: 'Pai nosso, que estás no Céu, santificado seja o teu nome, 10*venha o teu Reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no Céu. 11*Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia, 12*perdoa-nos as nossas ofensas, como nós perdoamos aos que nos ofenderam 13*e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. ' 14Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. 15Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.»
Mateus introduz o «Pai-nosso» no «Sermão da Montanha», precedido por alguns ensinamentos de Jesus sobre o modo de rezar: não rezar como os pagãos, que julgam dever usar muitas palavras para atrair a atenção ou a benevolência das suas divindades (v. 7); Deus, nosso Pai, está sempre atento a cada um de nós e conhece aquilo de que precisamos (v. 8). Mais do que falar muito, há que ter, diante d ' Ele, uma atitude de filhos. Jesus ensina-nos a chamá-Lo abbá, isto é, papá, paizinho, introduzindo-nos na intimidade da comunhão que existe entre Ele e o Pai.
«Santificado seja o vosso nome-. Não se trata de nós santificarmos a Deus, que é O Santo, mas de que, pelas nossas palavras e pela nossa vida, todos os homens e mulheres do mundo O louvem, O adorem, O reconheçam como Senhor e se tornem e vivam como seus filhos.
«Venha a nós o vosso reino». O reino já está no meio de nós. Mas é preciso reconhecê-lo e acolhê-lo, aceitando a senhoria de Deus.
«Seja feita a vossa vontade», A vontade de Deus cumpre-se no céu e na terra.
Mas é preciso que se cumpra em cada um de nós. Por isso, quer que a acolhamos e adiramos a ela com amor, como Jesus.
«O pão nosso ... ». Este pão é tudo aquilo que o homem precisa para viver dignamente como criatura e filho de Deus, desde o alimento, à casa, às condições de vida, até ao Pão, que é o próprio Jesus (cf. Jo 6).
«Perdoai-nos ... ». Precisamos do perdão de Deus para entrarmos no Reino; mas não podemos pedir para nós o que recusamos aos outros ...
«Não nos deixeis cair em tentação ... ». Pedimos que, diante das provações da vida, jamais deixemos de acreditar na bondade de Deus, nosso Pai, e jamais reneguemos a fé em Jesus Cristo, cedendo ao Maligno.
«Livrai-nos do ma!...». É um pedido que reforça o anterior, pois o Maligno é o instigador do mal, o tentador.
Meditatio
A palavra realmente eficaz sobre o nosso coração, e sobre o coração de Deus, é aquela que, como a chuva e como a neve, vem do céu, é aquela que sai da boca do próprio Deus. Por isso, Jesus nos oferece um enorme dom, quando partilha connosco a sua oração, e nos ensina a rezar. Na primitiva igreja, o «Pai nosso» fazia parte das coisas secretas da fé cristã, protegidas pela lei do arcano. Os catecúmenos recebiam-no na vigília do baptismo, quando também lhes era apresentada a Eucaristia. Quem recebiam o «Pai nosso» guardavam-no como uma relíquia, e esperavam ansiosamente pelo momento em que, saindo da fonte baptismal, rodeados pelos irmãos e apresentados pela Mãe Igreja, diziam, pela primeira vez, «Pai», dando-se a conhecer como filhos de Deus.
É bom recordarmos estas coisas, que nos são referidas, entre outros, por Tertuliano, porque talvez tenhamos banalizado a «oração do Senhor», dizendo-a sem pensar, ou dizendo-a como se diz qualquer outra oração em momento de necessidade ou de medo. Deixámos talvez perder o sentido tremendo que se esconde naquelas palavras saídas da boca de Deus e dirigidas aos ouvidos do mesmo Deus! Precisamos de recuperar o «Pai nosso» da rotina que o cobre como um qualquer material isolante, ou como uma camada de pó que o não deixa brilhar dentro de nós, que nos impede de nos emocionarmos quando escutamos as suas primeiras palavras: «Pai nosso». Há que voltar a recebê-lo do Coração de Jesus, tal como o receberam os Apóstolos no dia em que disseram: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1-4) e o ouviram pela primeira vez.
Peçamos a Cristo que nos ensina a repetir o «Pai nosso» com o seu próprio Coração, para que cresça em nós, dia após dia, o amor filial e confiante para com o nosso Pai celeste e, com a oração, cresça em nós a caridade, que se torne perdão para todos os irmãos. Então, a nossa terra será fecunda, dará novos frutos, dará o pão da misericórdia para saciar a fome de todos os homens. Com Cristo, a nossa invocação sobe até Deus e torna-se a Sua própria invocação: "Abbá, Pai!' (cf. Mc 14, 36; Rom 8, 15; Gal 4, 6). Esta oração ao Pai é fortalecida pelo Espírito (cf. Gal 4, 6; Rom 8, 26- 27), que nos anima a rezar: «seja feita a vossa vontade», É a nossa reparação, o nosso "sim" de amor à vontade do Pai, unido ao Sim filial de Cristo (cf. Jo 4, 34; Lc 22, 42).
Oratio
Ó Jesus, Tu és a Palavra feita carne, a palavra eficaz, enviada pelo Pai à terra e que a Ele voltas depois de teres realizado o seu projecto de amor e salvação em favor da humanidade. Por isso, as tuas palavras estão carregadas de extraordinário poder.
Tu ensinas-nos a dizer: «Psi-nosso». Infunde em nós o teu Espírito Santo, para que o digamos com os sentimentos e as disposições que tinhas no teu próprio Coração. Aumenta em nós o amor filial e confiante no Pai, e o amor generoso e cheio de compreensão e misericórdia para com os irmãos.
Que a tua palavra fecunde o nosso árido coração e o faça produzir frutos de vida nova, e pão de amor, compaixão e perdão que sacie todos quantos encontrarmos nos caminhos da vida. Amen.
Contemplatio
o amor do Coração de Jesus por nós não se extinguiu com a sua vida mortal.
As necessidades não terminaram, a sua oração devia, portanto, continuar a subir até ao trono de Deus. Jesus-Eucaristia presta ao seu Pai as mesmas homenagens que lhe prestava na terra. Dirige-lhe as mesmas orações por nós: «Semper vivens ad interpellandum pro nobis» (Heb 7) ( «Vivo a interceder por nós»),
Está sobre o altar em estado de suplicante. O seu coração sente intensamente todas as nossas necessidades, a sua boca é o intérprete de todos os homens, os seus suspiros falam por todas as nossas misérias.
No meio de nós, como outrora junto dos seus apóstolos, dirige ainda ao seu Pai esta bela oração: «Pai-nosso que estais nos céus ... »
Algumas almas rezam com Ele, mas quantas são tíbias, indiferentes ou mudas!
Somente Ele é que não tem necessidade de rezar, e somente Ele é que não se cansa de rezar. Reza na Eucaristia e reza ainda no céu: «Nós temos, diz S. João, um advogado junto de Deus Pai» (Jo 2).
Ah! Rezemos com Jesus, levemos uma vida de oração, para louvar a Deus e para solicitar a nossa salvação e a dos nossos irmãos (Leão Dehon, OSP 3, p.12).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Pai nosso» (Mt 6, 9).
https://youtu.be/mKZxBe2A1NY
9 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Jonas 3, 1-10
lA palavra do SENHOR foi dirigida pela segunda vez a Jonas, nestes termos: 2«Levanta-te e vai a Nínive, à grande cidade e apregoa nela o que Eu te ordenar.» 3*Jonas levantou-se e foi a Nínive, segundo a ordem do SENHOR. Nínive era uma cidade imensamente grande, e eram precisos três dias para a percorrer. 4Jonas entrou na cidade e andou um dia inteiro a apregoar: «Dentro de quarenta dias Nínive será destruída.» 5*Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, ordenaram um jejum e vestiram-se de saco desde o maior ao menor. 6*A notícia chegou ao conhecimento do rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou o seu manto, cobriu-se de saco e sentou-se sobre a cinza. 7*Em seguida, foi publicado na cidade, por ordem do rei e dos príncipes, este decreto: «Os homens e os animais, os bois e as ovelhas não comam nada, não sejam levados a pastar nem bebam água. 80s homens e animais cubram-se de roupas grosseiras, e clamem a Deus com força; converta-se cada um do seu mau caminho e da violência que há nas suas mãos. 9Quem sabe se Deus não se arrependerá, e acalmará o ardor da sua ira, de sorte que não pereçamos?» 10*Deus viu as suas obras, como se convertiam do seu mau caminho, e, arrependendo-se do mal que tinha resolvido fazer-lhes, não lho fez
o livro de Jonas ensina-nos que a misericórdia de Deus não se limita ao povo eleito, mas atinge todos os homens. O profeta é, pela segunda vez, enviado a Nínive, capital da Assíria. Vai anunciar a destruição dessa enorme cidade, destruição motivada pela maldade dos seus habitantes. Na primeira vez, Jonas tentou esquivar-se à missão, demasiado grande para alguém tão pequeno e frágil. Como poderia anunciar a destruição de uma superpotência, no seu próprio território? Mas Deus não o deixou escapar. Agora, obediente, vai cumprir a missão que lhe foi confiada.
Em nome de Deus, dirige aos ninivitas palavras de ameaça de repreensão. A sua pregação toca os corações, incluindo o do rei: «acreditaram em Deus», diz o texto, usando o mesmo verbo com que Gen 15, 6 fala da fé de Abraão. Todos, na cidade, fizeram penitência, com oração, em atitude de verdadeira conversão.
Os versículos 9ss. São muito importantes: a mudança de vida é apoiada pela esperança de que os decretos de Deus não sejam irrevogáveis, de que Deus não deixará de perdoar a quem se mostra arrependido. Os ninivitas, pagãos, revelam conhecer o verdadeiro rosto do Deus de Israel, lento para a ira e rico de misericórdia.
Evangelho: Lucas 11, 29-32
29*Naquele tempo, aglomerava-se uma grande multidão à volta de Jesus e Ele começou a dizer: «Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não lhe será dado sinal algum, a não ser o de Jonas. 30*Pois, assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, assim o será também o Filho do Homem para esta geração. 31 *A rainha do Sul há-de levantar-se, na altura do juízo, contra os homens desta geração e há-de condená-los, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão; ora, aqui está quem é maior do que Salomão! 320s ninivitas hão-de levantar-se, na altura do juízo, contra esta geração e hão-de condená-la, porque fizeram penitência ao ouvir a pregação de Jonas; ora, aqui está quem é maior do que Jonas.»
Jesus recusa um sinal que satisfaça a curiosidade e a sede do maravilhoso e, na sua resposta, deixa intuir a sua verdadeira identidade: «aqui está quem é maior do que Jonas» (v. 32). É ele o Sinal que Deus lhes envia. É Ele o Messias desejado, mas não reconhecido, porque se apresenta de modo diferente àquele que Israel esperava.
«Para esta çereção. (v. 31), o Filho do homem é um apelo à conversão, tal como Jonas o foi para os ninivitas. Como o profeta, Jesus não oferece sinais espectaculares, mas simplesmente a Palavra e a misericórdia de Deus. A referência a Nínive a à rainha de Sabá sublinha a universalidade do chamamento à salvação. Mas, enquanto alguns povos pagãos souberam escutar os enviados de Deus, e se converteram, a geração a quem Jesus se dirige, não O escuta, permanece na cegueira e na dureza de coração. Há-de ser condenada pelos ninivitas e pela rainha de Sabá, no dia do juízo (w. 31ss), porque não soube reconhecer a Cristo, nas humildes aparências de Jesus de Nazaré.
Meditatio
Os apelos à conversão repetem-se durante este tempo da Quaresma. Há que escutá-los e acolhê-los deixando-nos tocar e iluminar pela Palavra. Jonas dirigiu esse apelo aos ninivitas. A nós é o próprio Jesus, bem «maior do que Jonas» que o dirige. Por isso, devemos perguntar-nos se já começámos a converter-nos, a lutar decididamente contra o mal que está em nós e fora de nós, no nosso mundo, com as armas da oração e do sacrifício. Não podemos estar à espera de uma graça «barata» e «e de efeito fácil», ou estar à espera de confirmações extraordinárias, de milagres ou de sinais convincentes.
O grande sinal que o Pai nos envia é Jesus, que carrega sobre si as nossas culpas, para nos salvar. Sinal do céu é o Crucificado. Voltar-nos para Ele e contempláLo, contemplar as suas chagas e, particularmente, o seu Lado aberto e o seu Coração trespassado é o início e o caminho da conversão. Diante d ' Ele, ninguém pode ficar indiferente, nem os pagãos, como os ninivitas, nem os crentes, como os contemporâneos de Jesus. Muitos virão de longe - do pecado, de mentalidades e culturas remotas - para tomar consciência da sabedoria do Crucificado. Muitos hão-de converter-se, acreditando no Profeta feito Servo sofredor por amor. E nós? Rezemos mais. Será a oração a dar-nos maior disponibilidade para acolher o dom da misericórdia, que o Pai nos faz em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, a dar-nos maior disponibilidade para nos tornarmos, nós mesmos, dom para Deus e dom para os irmãos.
As nossas Constituições recomendam-nos "o encontro frequente com o Senhor na oração» em ordem à «conversão permanente ao Evangelho» e à «disponibilidade de coração e de atitudes, para acolher o Hoje de Deus» (Cst 144). Esta recomendação vale para todos os tempos, pois, tal como a Igreja, também cada um de nós, e a Congregação, precisa de uma "contínua reforma" (UR 6), purificação, conversão. Precisamos de uma "conversão permanente ao Evangelho" (Cst 144).
Oratio
Pai santo, justo e misericordioso, que nunca Te cansas de me chamar à conversão, para que possa experimentar a alegria da comunhão Contigo, perdoa-me se teimo em não me abrir ao teu apelo. Perdoa-me se hesito em abandonar-me a Ti, pedindo sinais extraordinários e garantias seguras, a Ti que, para me salvar, perdeste tudo na cruz.
Purifica-me, purifica o meu medo, a minha mesquinhez, a dureza do meu coração. Infunde em mim o teu Espírito, que me faça ver a medida infinita da tua misericórdia, a profundidade insondável da tua sabedoria. Então, alegre e sereno, caminharei mais expeditamente ao teu encontro, na caridade. Amen.
Contemplatio
Para nos convertermos, façamos duas curtas estações: uma junto ao inferno, a outra no Calvário.
Detenhamo-nos um instante junto ao inferno. Eis estes abismos terríveis criados para receberem os demónios e todos os condenados, lugares de sofrimentos onde seviciam o fogo e o desespero.
Vejamos lá almas que seguiram o caminho que nós seguimos hoje, com os nossos defeitos, com a nossa moleza, com a nossa tibiez. Eis onde elas acabaram. Pensemos nisto alguns instantes. Pesemos todos os nossos lados fracos ...
Vamos depois ao Calvário. Eis as consequências dos nossos pecados: a longa agonia do Salvador, as suas humilhações, os seus sofrimentos, a flagelação, a coroa de espinhos, as dilacerações do seu Coração, os cravos, a cruz, a morte.
Contemos as suas chagas, as das suas mãos e dos seus pés, as da flagelação sobre os seus ombros e sobre todo o seu corpo, as que os seus espinhos fizeram à sua cabeça, à sua nobre fronte, aos seus olhos. Contemos as suas lágrimas. Vejamos sair do seu lado a última gota do seu sangue.
Seremos nós insensíveis como pedras? Perdemos todo o sentimento? Lancemo-nos aos pés de Jesus como Madalena.
Permaneçamos lá um bom momento.
Recebamos sobre a nossa cabeça as últimas gotas do sangue do seu Coração. Choremos e peçamos o nosso perdão (Leão Dehon, OSP 3, p. 114s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15b).
https://youtu.be/hIL1PJOaI4Q
10 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Ester 4, 17 n.p-r.aa-bb.gg-hh
Naqueles dias, a rainha Ester, tomada de angústia mortal, procurou refúgio no Senhor e fez esta súplica ao Senhor, Deus de Israel: «Meu Deus, meu único rei, assiste-me no meu desamparo, pois não tenho outro socorro senão a ti, 15porque vou pôr a minha vida em risco. 16*No seio da família, ouvi desde criança, Senhor, que escolheste Israel entre todos os povos, e os nossos pais entre todos os seus antepassados, para fazer deles a tua herança perpétua, e que cumpriste todas as promessas. 23Lembra-te de nós, Senhor. Manifesta-te no dia da nossa tribulação e dáme coragem, Senhor, rei dos deuses, dominador de todos os poderes! 24Coloca nos meus lábios, quando estiver na presença do leão, palavras apropriadas e muda o seu coração em ódio contra aquele que nos é hostil, a fim de que pereça com todos os seus partidários. 25Livra-nos com a tua mão e assiste-me no meu abandono, a mim, que não tenho senão a ti, Senhor.
A jovem esposa do rei da Pérsia, Ester, toma conhecimento de que, devido a intrigas palacianas, fora decretado o extermínio dos hebreus deportados no reino. A rainha, na tentativa de salvar o povo a que pertencia, decide expor-se ao perigo, intercedendo por ele junto do marido. Mas, antes de se apresentar ao rei, apresenta-se ao Senhor, numa atitude de penitência e de oração.
Assim reconhece que o verdadeiro rei é Deus e professa que Ele é o Único. Só Ele pode salvar o seu povo.
Apresenta-se diante de Deus na sua pequenez e fragilidade e fala-lhe da sua solidão. E Deus escuta a sua súplica angustiada: o Só é o único auxílio daquela que está só. O «Só», a «só». A distância torna-se proximidade. Ester lembra a Deus as suas promessas em favor de Israel (v. 17) e, por outro lado, confessa o pecado do seu povo. As promessas de Deus, e o arrependimento do seu povo, levam-na a pedir ao Senhor a salvação da sua gente e a pedir, para si mesma, a coragem, a sabedoria e a ajuda necessárias para cumprir com êxito a sua missão de intercessora.
Evangelho: Mateus 7, 7-12
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7«Pedi, e ser-vos-é dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. 8Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir. 9Qual de vós, se o seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? 100u, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente? 110ra bem, se vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está no Céu dará coisas boas àqueles que lhas pedirem.» 12*«Portanto, o que quiseraes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas.»
Jesus ensina, de modo semelhante aos rabinos, a necessidade da oração de súplica e que a mesma é seguramente escutada. Haverá contradição com o que ensinou pouco antes (cf. Mt 6, 7s.)? Não, certamente, porque na oração não é preciso desperdiçar muitas palavras. O Pai «sabe», mas é preciso assumir a atitude do mendigo, isto é, reconhecer a própria condição de fraqueza e dependência de Deus.
E Deus dá a quem pede e abre a quem bate: «Será dedos, «será sberto-, por Deus, entenda-se! Se um pai dá pão ao filho que lhe pede pão, e não outra coisa parecida, também Deus dará «coisas boes- a quem Lhas pedir. O Pai escuta sempre os pedidos dos filhos e dá-lhes o que é melhor para eles.
O modo de agir de Deus, leva-nos a agir de modo semelhante com os irmãos. É preciso estar atentos às suas necessidades. O verdadeiro discípulo põe no centro o Pai e os outros, e não a si mesmo: «O que qútserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Protetes» (v. 12).
Meditatio
A palavra de Deus leva-nos, hoje, a meditar sobre a oração. A primeira leitura apresenta-nos a oração de Ester, numa situação de extrema angústia, não por causa dela própria, mas por causa do seu povo ameaçado de morte. A rainha, de raça judaica, apresenta-se só diante de Deus para Lhe recordar a vocação do seu povo e a história passada semeada de benefícios divinos. Ester não confia em si mesma, nos seus méritos, mas na bondade e na misericórdia de Deus tantas vezes demonstrada. E alcança o que pede.
Jesus ensina-nos a rezar de modo confiante e perseverante, porque Deus é nosso Pai e nos ama com um amor eterno, de que não se arrepende. Ouvimos tantas vezes estas afirmações que talvez já não nos impressionem. Mas são a pura verdade, que nos hão-de encher de confiança, e mesmo de atrevimento, na nossa oração.
A comunhão com Deus, a que Jesus nos convida, é uma experiência que nos renova interiormente: «Pedi, e ser-vos-e dado; procurai, e encontrareis; batei, e hãode abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hãode abrir» (vv. 7-8). A oração confiante e perseverante não desilude, porque Deus só pode dar coisas boas a quem lhas pede. Ele sabe do que precisamos. Na oração, mais do que apresentar os nossos desejos, há que abandonar-nos aos que Ele tem sobre nós.
A nossa oração há-de começar, pois, com um acto de contemplação gratuita, fixando o nosso olhar no rosto do Pai misericordioso. Então deixaremos cair os nossos muitos pedidos, deixando crescer em nós um só pedido: que se cumpra em nós a sua vontade. É que, contemplando o rosto de Deus, experimentamos a certeza de que somos seus filhos muito amados e que, portanto, nada nos faltará daquilo que realmente precisamos.
Se precisamos de rezar demorada mente, não é para convencer a Deus das nossas necessidades, mas para transformarmos os nossos desejos e fazê-los coincidir com a vontade divina que quer o nosso bem.
Ser "féis à oraçãd' (Act 2, 42) é ser fiéis ao "nosso carisma profético" (Cst 27), é realizar a primeira união da nossa "vida religiosa e apostólica à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst 6). Só realizando com a ajuda do Espírito, dos seus dons, dos seus frutos, dos seus carismas, o nosso carisma de oblação, damos um conteúdo de vida, de realismo à "fidelidade" que nos recomenda o n. 76 das nossas Constituições.
É pouco ser fiéis às certamente necessárias práticas de piedade pessoais e comunitárias. As orações devem levar-nos à oração e ajudar-nos a descobrir o seu núcleo vital: rezar é amar. A caridade é a oração que dá valor a todas as orações e práticas de piedade e torna fecundo o "nosso apostolado".
Cristo convida-nos, como Seus discípulos e, sobretudo, como Seus "amigos" à "assid
uidade" na oração-caridade, e "nós queremos corresponder a esse convite": é preciso "rezar incessantemente ... " (1 Tes 5, 17; cf. Ef 5, 20).
Oratio
Senhor, hoje, quero aprender a apresentar-Te os meus pedidos sem condicionar as tuas respostas, porque sei que só dás coisas boas a quem Te pede. Tu não és um distribuidor automático, que dás necessariamente aquilo que Te é pedido, nem a oração é magia para obter um qualquer efeito pretendido. Quero pedir-Te confiadamente e com perseverança aquilo que julgo importante pata mim, para a Igreja, para o mundo. Mas deixo-te o cuidado de encontrar a melhor solução, de escolheres o dom que me queres fazer. E estou certo que sempre o farás com uma criatividade que em muito ultrapassará os meus pedidos. E, quando me deres o que Te peço, aproveitarei essa graça para crescer na união Contigo, transformando o teu dom em instrumento de progresso espiritual, abrindo-me ao teu amor e ao amor dos irmãos. Amen.
Contemplatio
«Até aqui, diz-nos Nosso Senhor, não pedistes nada ao meu Pai em meu nome com uma fé viva; pedi e recebereis, e a vossa alegria será ptens».
«Pedi em meu nome, e não tenho necessidade de vos dizer que rezarei a meu Pai por vós e que serei o vosso poderoso intercessor, podeis pensá-lo. Aliás, o meu Pai ama-vos ternamente e está todo pronto para vos atender, porque me amastes, a mim seu Filho, porque me seguistes. Prendestes-vos a mim, acreditastes na minha divindade, pedi a meu Pai e recebereis».
Nosso Senhor teve de acrescentar, todavia, que estas promessas consoladoras não se realizariam senão depois da grande prova da sua morte. «Antes destes belos dias, acrescentou, em que a vossa oração será todo-poderosa, sereis desencorajados e dispersos, mas preveni-vos a fim de que a vossa fé seja fortalecida para a perseguição».
Para nós, a ressurreição do Salvador e as maravilhas da acção do Espírito Santo são factos adquiridos, tenhamos, portanto, uma confiança invencível na bondade de Deus e no valor dos méritos de Nosso Senhor, tenhamos confiança no Coração de Jesus o qual nos foi aberto simbolicamente pela lança do centurião (Leão Dehon, OSP 3, p. 467s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Pedi, e ser-vos-é dado» (Mt 7, 7).
https://youtu.be/lgmNT1qHbyk
11 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Ezequiel 18, 21-28
Assim fala o Senhor. 21 *«Se o pecador renuncia a todos os pecados que cometeu, se observa todas as minhas leis e pratica o direito e a justiça, ele deve viver, não morrerá. 22Não serão lembradas as faltas que cometeu, viverá por causa da justiça que praticou. 23Porventura me hei-de comprazer com a morte do pecador õráculo do Senhor DEUS- e não com o facto de ele se converter e viver? 24Mas se o justo se desvia da sua justiça e pratica o mal, imitando os crimes abomináveis a que se entrega o pecador, porventura viverá? A justiça que praticou não será recordada; por causa da infidelidade a que se entregou e do pecado que cometeu, morrerá. 25Porém, vós dizeis: 'O modo de proceder do Senhor não é justo. ' Escutai, pois, casa de Israel:
Então é o meu modo de agir que não é justo? Ou é o vosso que o não é ? 26Se o justo se afasta da sua justiça para praticar o mal e morre por causa disto, é por causa do mal que praticou que ele morrerá. 27Se o pecador se afasta do pecado que cometeu para praticar o direito e a justiça, ele merece viver. 28Se ele se afasta dos pecados que cometeu, viverá certamente, não morrerá.
o capítulo 18 de Ezequiel assinala um notável progresso da revelação. Israel já compreendera que a sua dignidade derivava da sua eleição, de ser «povo eteni». Também já tinha tomado consciência da responsabilidade colectiva do pecado (cf. Dt 5, 9s.). Mas Jeremias alertara também para o «pecado pessoa!», isto é, para o facto de que cada um é o primeiro responsável pelas suas acções (cf. Jer 31, 29ss). Ezequiel retoma estas afirmações e vai mais longe.
Os exilados estavam convencidos de que sofriam pelos pecados dos pais.
Ezequiel diz-lhes que é cada um que decide o seu destino, com o seu modo de agir, e acrescenta que, também o destino pessoal, não é imutável. Deus é Deus de vida e não encontra felicidade na morte do pecador. Espera e suscita a conversão de cada um, para que viva.
Por isso, a vida nova é uma possibilidade ao alcance do pecador, que pode converter-se. Mas também o justo deve continuar atento e perseverante no cumprimento da vontade de Deus. Ninguém é justo de uma vez por todas. Mas é aderindo a Deus e à sua vontade, cada dia, que vivemos na justiça.
Evangelho: Mateus 5, 20-26
20Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.» 21 *«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. 22*Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar 'imbecil' será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar 'louco' será réu da Geena do fogo. 23Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. 25*Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. 26Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.»
Jesus exige aos seus discípulos, para entrarem no reino dos céus, uma justiça superabundante, em comparação com a dos escribas e fariseus. Mas pede ainda mais, porque dá aquilo que pede. E é esta a grande novidade que tudo muda. Não se trata apenas de observar as prescrições e proibições da Lei. É preciso partir do coração, donde brotam as motivações profundas do nosso agir.
A partir do v. 21, o texto que escutámos, oferece várias explicitações sobre essa justiça superior, introduzidas por: «foi dito», expressão no chamado passivo divino que, portanto, significa: «Deus disse». O homicídio, que é um crime que é levado a juízo, começa no coração de quem o comete. Por isso, quem se ira contra o irmão merece igual castigo. Uma injúria exige maior pena: o juízo do sinédrio. Um insulto ofensivo merece a condenação pelo supremo Juiz, com o fogo eterno (v. 22). Também o culto, mais do que uma purificação exterior, exige um coração pacificado e construtor de paz. Por isso, não tolera divisões entre os irmãos, e sabe dar o primeiro passo em ordem à reconciliação, condição essencial para ter comunhão com o Senhor (vv. 23ss.).
O v. 25 sublinha a urgência da reconciliação em perspectiva escatológica: o outro já não é o irmão, mas o adversário, o acusador. É preciso reconciliar-se também com ele, porque no fim do caminho está à nossa espera o justo Juiz. É preciso estar preparado para enfrentar o seu juízo.
Meditatio
A conversão do pecador, enquanto vive neste mundo, é possível. Deus promete a vida a quem se converter: «não morrerá. .. viverá por causa da justiça que prsticoo» (cf. vv. 21.22). É um recurso da misericórdia divina para nos motivar à conversão.
No evangelho, Jesus aconselha a pôr-nos de acordo com o nosso adversário, enquanto vamos a caminho. Esse adversário, em certo sentido, pode ser o próprio Deus, quando estamos em pecado. Mas, como nos diz a primeira leitura, também podemos pôr-nos de acordo com Ele: «Se o pecador renuncia a todos os pecados ... se observa todas as minhas leis e pratica o direito e a justiça, ele deve viver, não morrerá. Não serão lembradas as faltas que cometeu ... viverá. .. » (vv. 21-22). O maior pecado consiste em desesperar da salvação. Pensar que é impossível mudar, é uma terrível tentação, que pode encerrar-nos definitivamente nos nossos defeitos e pecados. Deus, pela boca do profeta, diz-nos que é possível mudar e incita-nos à mudança, porque prefere dar-nos a vida do que o castigo eterno: «Porventura me heide comprazer com a morte do pecador õráculo do Senhor DEUS - e não com o facto de ele se converter e viver?» (v. 23). Tal como o pai do filho pródigo, o que Deus mais quer é ver-nos voltar para Ele.
A atitude de Deus, deve iluminar a nossa relação com todos os irmãos, também com aqueles que julgamos pecadores ou cheios de defeitos. Quem somos nós para julgar o nosso próximo. Há mesmo que evitar classificá-los em compartimentos estanques de bons e de maus. Com efeito, se o bom se pode tornar mau, o mau também se pode tornar bom, pode converter-se, mudar de vida. A caridade sabe esperar a hora da mudança, a conversão, a melhoria de vida e de atitudes dos outros. As nossas Constituições lembram-nos: «A caridade deve ser uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno» (Cst 64).
Mais do que classificar os irmãos, há que ajudá-los a mudar, a converter-se. Mas será bom lembrar todo o n. 64 das Constituições: «Certamente imperfeitos, como todo o cristão, queremos, no entanto, criar um ambiente que promova o progresso espiritual de cada um. Como consegui-lo, a não ser aprofundando no Senhor as nossas relações, mesmo as mais normais, com cada um dos nossos irmãos? A caridade deve ser uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno. O sinal da sua autenticidade será a simplicidade com que todos se esforçam por compreender o que cada um tem a peito (cf. ET 39)>>.
Quando se aproximavam de Jesus, os pecadores tornavam-se mais justos do que os fariseus. Estes limitavam a sua justiça ao conhecimento da Lei e à prática escrupulosa dos preceitos. O pecador que é tocado pelo amor de Jesus muda interiormente, ao nível do próprio ser.
Na relação com o Senhor, e aprofundando n ' Ele as nossas relações fraternas, podemos mudar para melhor e ajudar os outros a melhor também.
A caridade é também "uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno. O sinal da sua autenticidade será a simplicidade com que todos se esforçam por compreender aquilo que cada um tem a peito (cf. ET 39" (n. 64). Cada um tem a peito a sua dignidade e liberdade, porque, sem estes valores, não são criaturas humanas, nem filhos de Deus, nem religiosos.
Oratio
Jesus misericordioso, faz-me compreender que posso mudar para melhor, que posso converter-me e que estás disposto a ajudar-me a transformar-me com a tua graça. Afasta de mim a tentação do desespero ou da acomodação nos meus defeitos. Aproximando-me de Ti, posso converter-me, transformar-me interiormente, conformando-me cada vez mais à tua imagem e semelhança.
Faz-me acreditar que também os meus irmãos podem mudar e tornar-se, cada vez mais, tua imagem e semelhança, também com a minha ajuda.
Eis-me aqui, Senhor: converte-me e converter-me-ei! Uma vez convertido, faz de mim instrumento e servidor da reconciliação dos homens Contigo e entre si. Para que tenha a vida, e a tenham em abundância! Amen.
Contemplatio
Esta parábola (do filho pródigo) é fecunda em ensinamentos. Os publica nos e os pecadores vinham ter com Nosso Senhor. Ele recebia-os com bondade. Os fariseus e os escribas estavam escandalizados. Com esta parábola Nosso Senhor encoraja os pecadores arrependidos e generosos, mostra-lhes a sua ternura com a qual acolhe as ovelhas desgarradas. E assim, responde indirectamente aos fariseus.
Quando uma alma se separa de Nosso Senhor para se entregar às suas paixões, Ele não faz um milagre para a reter contra a sua vontade. Lamenta que façamos um mau uso dos seus dons, mas não atenta contra a nossa liberdade, não pode. Deplora o mau uso que fazemos de um privilégio que deu aos homens para lhes permitir darem ao seu Pai e a Ele um amor livre, e de servirem a Deus não como escravos, mas como servos afeiçoados, voluntária e livremente agarrados ao seu mestre. Como o pai desta parábola, deixa o pobre coração abusar em todo a liberdade dos dons que recebeu.
Deixa o pecador esgotar o primeiro furor da paixão; depois quando vem o período da fadiga e do tédio, vem com as suas primeiras inspirações salutares (Leão Dehon, OSP 4, p. 123).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Se o pecador renuncia aos seus pecados ... viverá» (cf. Ez 18, 21-22)
https://youtu.be/jw7Ou8N5sDg
12 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Deuteronómio 26, 16-19
Moisés falou ao seu povo dizendo: 16«Hoje, o SENHOR, teu Deus, ordena-te que cumpras estas leis e preceitos. Observa-os e cumpre-os com todo o teu coração e com toda a tua alma. 17Hoje, declaraste ao SENHOR que Ele seria o teu Deus e que andarias nos seus caminhos, observando as suas leis, os seus preceitos e os seus mandamentos. 18Por sua vez, o SENHOR declarou-te hoje que serias o seu povo particular, como te tinha dito, e que deverias observar todos os seus mandamentos; 19que te tornaria superior em honra, fama e esplendor a todos os povos que Ele tinha criado; que serias um povo consagrado ao SENHOR, teu Deus, como Ele tinha dito»
Este texto tem a forma de um tratado de aliança, e está colocado entre o corpo legislativo do Deuteronómio (capítulos 11-26) e as bênçãos e maldições que decorrem da observância ou da transgressão dos decretos do Senhor. Juridicamente, em Israel, o pacto representa a forma mais radical para construir a comunhão entre pessoas. Cria-se uma situação em que os contraentes trocam entre si o que têm de mais pessoal. Na presença de testemunhas, e com um documento público, cada uma das partes propõe e aceita um duplo compromisso recíproco.
Mas a liturgia de hoje apresenta-nos um tipo de «pacto» muito especial: não é um pacto entre dois homens, mas entre Deus e um povo, entre Deus fiel e Israel. É um pacto teológico, onde os dois contraentes não se colocam no mesmo nível.
A perícopa tem um claro significado didáctico e manifesta a experiência que Israel fez de Deus. Deus não é um ser longínquo, inacessível; Deus é comunhão, é vontade de salvação para o povo escolhido. É Ele que elege, por amor e gratuitamente o povo (cf Dt 4, 3-7). É Ele que dá a Israel leis e mandamentos, que são um caminho de vida e um modelo de sabedoria (cf. Bar 4, 1-4). Israel é chamado a corresponder a essa graça pela obediência e pela fidelidade a Deus.
Evangelho: Mateus 5, 43-48
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 43*«Ouvistes o que foi dito:
Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. 45*Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. 46Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? 47E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? 48Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.»
Mateus oferece-nos, neste texto, a última antítese com que Jesus revela o cumprimento dos ensinamentos da Lei. O Levítico ordenara o amor ao próximo e proibira a vingança e o rancor «contra os filhos do teu POV(]» (Lev 19, 18). Mas o ensino rabínico e outros contemporâneos de Jesus, como os essénios e os zelotas, admitiam o acrescento, que não é bíblico: «odiarás o teu inimigo». Jesus vai mais além: exige uma caridade sem limites, e que chegue mesmo aos inimigos. Porquê? Porque é assim que o Pai nos ama, e nos quer parecidos com Ele. A universalidade do amor cristão idealista. É concreta: propõe o amor a todos, também a quem não nos ama, não nos cumprimenta ... É esse amor que distingue os discípulos de Cristo dos pagãos e dos pecadores. É, pois um amor que ultrapassa o simplesmente humano e natural, e nos projecta para o horizonte infinitamente perfeito do Pai. A gratuidade do amor torna-se lei que regula a relação com Deus e com os homens. É essa a justiça superior que Jesus exige para se entrar no Reino.
Meditatio
A Aliança de que nos fala o Deuteronómio era um pacto de mútua fidelidade entre Deus e o Povo de Israel: «Hoje, o SENHOR, teu Deus, ordena-te que cumpras estas leis e preceitos ... o SENHOR declarou-te hoje que serias o seu povo particular. .. ». Jesus revela-nos que a obediência às leis e preceitos tinha como objectivo fazer dos membros do povo de Deus filhos do mesmo Deus, semelhantes ao Pai, perfeitos como Ele é perfeito, e que essa perfeição havia de se manifestar na misericórdia, na gratuidade, na bondade para com todos, e para além de qualquer medida. Buscar a perfeição consistirá em procurar uma cada vez maior conformidade com o coração de Deus, com o coração do seu Filho feito homem.
A aliança com Deus deve transformar toda a nossa vida, em profundidade, e não apenas no que se refere à observância exterior das leis e preceitos do Senhor. Jesus vai até mais longe falando, não de aliança, mas de filiação: «Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no CéLP> (vv. 44-45). O nosso comportamento deve ser inspirado pelo desejo de nos tornarmos cada vez mais semelhantes ao nosso Pai do céu. É nisto que consiste o amor perfeito. Trata-se de oferecer o dom maior, o perdão. Foi desse modo que Cristo nos amou na cruz, deixando-nos o exemplo e a graça necessária para nos conformarmos a Ele. Amando os inimigos, rezando por quem nos quer mal, tornamo-nos filhos de Deus. Já o somos pelo baptismo. Mas tornamo-nos cada vez mais filhos do Pai misericordioso que está no céu. E a nossa maior recompensa será o amor do Pai derramado nos nossos corações.
Para viver a fraternidade na comunidade pomos em prática os ensinamentos de Jesus: "Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e ser-vos-é perdoado; dai e ser-vos-é dado; uma boa medida ... , porque a medida que empregardes com os outros será usada convosco' (Lc 6, 36-38). Não leiamos superficialmente estas palavras de Jesus. Reflictamos bem sobre elas. Se as pusermos em prática, com a ajuda do Espírito Santo, experimentaremos uma profunda serenidade interior, seremos criaturas de paz, de alegria, de bondade e de mansidão.
"Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst 65). O condicional é utilizado muito oportunamente, porque a construção de uma comunidade fraterna, da comunhão, não é fácil. Infelizmente na comunidade religiosa, como na comunidade cristã, também nascem inimizades, pequenas, mesquinhas, porque causadas, geralmente, por corações tacanhos, feridos pelo ciúme e pela inveja. São, porém, inimizades que provocam muito sofrimento em quem deles é objecto, sem culpa. Valem, então, as palavras de Jesus: "Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam (ou que, sem um verdadeiro ódio, são invejosos, ciumentos), bendizei aqueles que vos amaldiçoam (no sentido de que falam mal de vós), rezai por aqueles que vos maltratam (não fisicamente, mas moralmente) (Lc 6, 27-28). "Para que sejais filhos do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol para os bons e para os maus, e manda a chuva para os justos e os injustos ... Sede, portanto, perfeitos como é perfeito o Pai celeste' (Mt 5, 45-46).
Oratio
Senhor Jesus, que no teu rosto humano nos revelaste o rosto do Pai, faz que, olhando para Ti, que não Te envergonhaste de ser nosso irmão, aprendamos a viver como filhos obedientes à vontade de Deus. Ele derramou o seu amor gratuito e generoso nos nossos corações, renovando-os, fazendo de nós seus filhos e teus irmãos. Infunde, agora, em nossos corações, o teu Espírito Santo, que faça crescer em nós o homem interior, à tua imagem e semelhança, para vivermos, cada vez mais, como verdadeiros filhos do Pai e como bons irmãos de todos os homens, também daqueles de quem não gostamos, ou que nos fazem sofrer. Acolhendo a graça divina, que repara em nós a imagem do Pai, e a aperfeiçoa, seremos servidores da paz e da reconciliação na Igreja e no mundo. Amen.
Contemplatio
Sede misericordiosos, diz-nos Nosso Senhor, como o vosso Pai é misericordioso (Lc 6, 36). Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5, 48). E S. Paulo acrescentou: «Sede os imitadores de Deus, como seus filhos bem amados, e caminhai no amor, assim como Jesus Cristo nos amou, e se entregou a si mesmo por nós oferecendo-se a Deus como vítima de agradável dom (Ef 5, 1).
Caminhemos no amor, na caridade fraterna, como convém a filhos de Deus. - Sois todos irmãos, dír-nos-á muitas vezes Nosso Senhor. Omnes enim fratres estis (Mt 23).
Éramos irmãos pela criação, tornámo-nos irmãos pela graça e pela adopção divina. O Evangelho acentuou e enobreceu a fraternidade. Assim os nossos sentimentos devem ser inspirados por esta fraternidade delicada. Haveis de evitar, diz Nosso Senhor, irritar-vos contra os vossos irmãos. - Haveis de procurar o seu bem como o vosso próprio bem. - Mesmo se são vossos inimigos, permanecem vossos irmãos e não os haveis de odiar. - Haveis de rezar por eles, haveis de vos consumir pela sua salvação. - Não os julgareis nos vossos corações, não tendes missão para isso, seria uma falta (Lc 6, 37) (leão Dehon, OSP 4, p. 66).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai» (Lc 6,36).
https://youtu.be/p262yjE67qo
13 Março 2022
ANO C
2º DOMINGO DA QUARESMA
Tema do 2º Domingo da Quaresma
As leituras deste domingo convidam-nos a reflectir sobre a nossa “transfiguração”, a nossa conversão à vida nova de Deus; nesse sentido, são-nos apresentadas algumas pistas.
A primeira leitura apresenta-nos Abraão, o modelo do crente. Com Abraão, somos convidados a “acreditar”, isto é, a uma atitude de confiança total, de aceitação radical, de entrega plena aos desígnios desse Deus que não falha e é sempre fiel às promessas.
A segunda leitura convida-nos a renunciar a essa atitude de orgulho, de auto-suficiência e de triunfalismo, resultantes do cumprimento de ritos externos; a nossa transfiguração resulta de uma verdadeira conversão do coração, construída dia a dia sob o signo da cruz, isto é, do amor e da entrega da vida.
O Evangelho apresenta-nos Jesus, o Filho amado do Pai, cujo êxodo (a morte na cruz) concretiza a nossa libertação. O projecto libertador de Deus em Jesus não se realiza através de esquemas de poder e de triunfo, mas através da entrega da vida e do amor que se dá até à morte. É esse o caminho que nos conduz, a nós também, à transfiguração em Homens Novos.
LEITURA I – Gen 15,5-12.17-18
Leitura do Livro do Génesis
Naqueles dias,
Deus levou Abrão para fora de casa e disse-lhe:
«Olha para o céu e conta as estrelas, se as puderes contar».
E acrescentou:
«Assim será a tua descendência».
Abrão acreditou no Senhor,
o que lhe foi atribuído em conta de justiça.
Disse-lhe Deus:
«Eu sou o Senhor
que te mandou sair de Ur dos caldeus,
para te dar a posse desta terra».
Abrão perguntou:
«Senhor, meu Deus,
como saberei que a vou possuir?»
O Senhor respondeu-lhe:
«Toma uma vitela de três anos,
uma cabra de três anos e um carneiro de três anos,
uma rola e um pombinho».
Abrão foi buscar todos esses animais,
cortou-os ao meio
e pôs cada metade em frente da outra metade;
mas não cortou as aves.
Os abutres desceram sobre os cadáveres,
mas Abrão pô-los em fuga.
Ao pôr do sol,
apoderou-se de Abrão um sono profundo,
enquanto o assaltava um grande e escuro terror.
Quando o sol desapareceu e caíram as trevas,
um brasido fumegante e um archote de fogo
passaram entre os animais cortados.
Nesse dia, o Senhor estabeleceu com Abrão uma aliança,
dizendo:
«Aos teus descendentes darei esta terra,
desde o rio do Egipto até ao grande rio Eufrates».
AMBIENTE
A primeira leitura de hoje faz parte das chamadas “tradições patriarcais” (Gn 12-36). São “tradições” que misturam “mitos de origem” (descreviam a “tomada de posse” de um lugar pelo patriarca do clã), “lendas cultuais” (narravam como um deus tinha aparecido nesse lugar ao patriarca do clã), indicações mais ou menos concretas sobre a vida dos clãs nómadas que circularam pela Palestina e reflexões teológicas posteriores destinadas a apresentar aos crentes israelitas modelos de vida e de fé.
Os clãs referenciados nas “tradições patriarcais” – nomeadamente os de Abraão, Isaac e Jacob – tinham os seus sonhos e esperanças. O denominador comum desses sonhos era a esperança de encontrar uma terra fértil e bem irrigada, bem como possuir uma família forte e numerosa que perpetuasse a “memória” da tribo e se impusesse aos inimigos. O deus aceite pelo grupo era o potencial concretizador desse ideal.
É neste “ambiente” que este texto nos coloca. Diante de Deus, Abraão lamenta-se (cf. Gn 15,2-3) porque a sua vida está a chegar ao fim e o seu herdeiro será um servo – Eliezer (conhecemos contratos do séc. XV a. C. onde se estipula, em caso de falta de filhos, a adopção de escravos que, por sua vez, se comprometiam a dar ao seu senhor uma sepultura conveniente. Parece ser a esse costume que o texto alude). Qual será a resposta de Deus ao lamento de Abraão?
MENSAGEM
A primeira parte deste texto começa com Deus a responder a Abraão e a garantir-lhe uma descendência numerosa “como as estrelas do céu” (vers. 5). Na sequência, o narrador deixa Abraão a contemplar em silêncio o céu estrelado e volta-se para o leitor, comunicando-lhe os seus próprios juízos teológicos (vers. 6): Abraão acreditou em Jahwéh e, por isso, o Senhor considerou-o como justo. A fé (usa-se o verbo “’aman”, que significa “estar firme”, “ser leal”, “acreditar plenamente”) de que aqui se fala traduz uma atitude de confiança total, de aceitação radical, de entrega plena aos desígnios de Deus; a justiça é um conceito relacional, que exprime um comportamento correcto no que diz respeito a uma relação comunitária existente: aqui, significa o reconhecimento de que Abraão teve um comportamento correcto na sua relação com Jahwéh, ao confiar totalmente em Deus e ao aceitar os seus planos sem qualquer dúvida ou discussão.
Há ainda o complemento habitual da promessa: a garantia de uma terra (vers. 7). Os dois temas – descendência e posse da terra – andam associados, nestes casos.
A segunda parte do texto apresenta Deus a fazer os preparativos de um misterioso cerimonial. Trata-se de um rito de conclusão de uma aliança, conhecido sob esta ou outra forma semelhante em numerosos povos antigos: cortavam-se os animais em dois e colocavam-se as duas metades frente a frente; quem subscrevia a aliança passava entre as duas metades de animais e pronunciava contra si próprio uma espécie de maldição, para o caso de ser responsável pela quebra do pacto.
Seguindo o modo como entre os homens se garantia a máxima firmeza contratual, o catequista bíblico acentua a ideia de um compromisso solene e irrevogável que Deus assume com Abraão. A promessa de Deus fica assim totalmente garantida.
Repare-se, ainda, num outro pormenor: Deus não exigiu nada a Abraão, em troca, nem Abraão teve que passar no meio dos animais mortos (só Deus passou, no “fogo ardente”). A promessa de Deus a Abraão é, pois, totalmente gratuita e incondicional.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, para reflexão, os seguintes elementos:
• Apesar da contínua reafirmação das promessas, Abraão está velho, sem filhos, sem a terra sonhada e a sua vida parece condenada ao fracasso. Seria natural que Abraão manifestasse o seu desapontamento e a sua frustração diante de Deus; no entanto, a resposta de Abraão é confiar totalmente em Deus, aceitar os seus projectos e pôr-se ao serviço dos desígnios de Jahwéh. É esta mesma confiança total que marca a minha relação com Deus? Estou sempre disposto – mesmo em situações que eu não compre
endo – a entregar-me nas mãos de Deus e a confiar nos seus desígnios?
• O Deus que se revela a Abraão é um Deus que se compromete com o homem e cujas promessas são garantidas, gratuitas e incondicionais. Diante disto, somos convidados a construir a nossa existência com serenidade e confiança, sabendo que no meio das tempestades que agitam a nossa vida Ele está lá, acompanhando-nos, amando-nos e sendo a rocha segura a que nos podemos agarrar quando tudo o resto falhou.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 26 (27)
Refrão: O Senhor é a minha luz e a minha salvação.
O Senhor é minha luz e salvação:
a quem hei-de temer?
O Senhor é protector da minha vida:
de quem hei-de ter medo?
Ouvi, Senhor, a voz da minha súplica,
tende compaixão de mim e atendei-me.
Diz-me o coração: «Procurai a sua face».
A vossa face, Senhor, eu procuro.
Não escondais de mim o vosso rosto,
nem afasteis com ira o vosso servo.
Não me rejeiteis nem abandoneis,
meu Deus e meu Salvador.
Espero vir a contemplar a bondade do Senhor
na terra dos vivos.
Confia no Senhor, sê forte.
Tem coragem e confia no Senhor.
LEITURA II – Filip 3,17-4,1
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Filipenses
Irmãos:
Sede meus imitadores
e ponde os olhos naqueles
que procedem segundo o modelo que tendes em nós.
Porque há muitos,
de quem tenho falado várias vezes
e agora falo a chorar,
que procedem como inimigos da cruz de Cristo.
O fim deles é a perdição:
têm por deus o ventre,
orgulham-se da sua vergonha
e só apreciam as coisas terrenas.
Mas a nossa pátria está nos Céus,
donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo,
que transformará o nosso corpo miserável,
para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso,
pelo poder que Ele tem
de sujeitar a Si todo o universo.
Portanto, meus amados e queridos irmãos,
minha alegria e minha coroa,
permanecei firmes no Senhor.
AMBIENTE
Na prisão (em Éfeso?), Paulo agradece aos Filipenses a preocupação manifestada (eles até enviaram dinheiro e um membro da comunidade para ajudar Paulo no cativeiro), dá notícias, exorta-os à fidelidade e põe-nos de sobreaviso em relação aos falsos pregadores do Evangelho de Jesus. Estamos no ano 56/57, provavelmente.
O texto que nos é proposto como segunda leitura faz parte de um longo desenvolvimento (cf. Flp 3,1-4,1), no qual Paulo avisa os Filipenses para que tenham cuidado com “os cães”, os “maus obreiros”, os “falsos circuncidados” (cf. Flp 3,2). Quem são estes, a quem Paulo se refere de uma forma tão pouco delicada? Muito provavelmente, são esses cristãos de origem judaica (“judaizantes”) que se consideravam os únicos perfeitos e detentores da verdade, que exigiam aos cristãos o cumprimento da Lei de Moisés e que, dessa forma, lançavam a confusão nas comunidades cristãs do mundo helénico. As duras palavras de Paulo resultam da sua revolta diante daqueles que, com a sua intolerância, com o seu orgulho e auto-suficiência, confundiam os cristãos e punham em causa o essencial da fé (o Evangelho não é o cumprimento de ritos externos, mas a adesão à proposta gratuita de salvação que Deus nos faz em Jesus).
MENSAGEM
Os Filipenses têm diante de si dois possíveis e muito diferentes exemplos a seguir. Um é o de Paulo, que se considera um atleta de fundo, que já começou a sua corrida, mas tem consciência de que ainda não atingiu a meta; outro é o desses pregadores “judaizantes” que alardeiam participar já, de forma plena e definitiva, no triunfo de Cristo. Paulo recusa este triunfalismo e não duvida em pedir aos Filipenses que não imitem o exemplo de orgulho desses pregadores, mas o exemplo do próprio Paulo. Aos Filipenses e a todos os cristãos, Paulo avisa que em nenhum caso devem considerar-se como atletas já vitoriosos e coroados de glória, mas como atletas em plena competição, esperando alcançar a meta e a vitória. A salvação não está consumada; encontra-se ainda em processo de gestação. É um processo em que o cristão vai amadurecendo progressivamente, sob o signo da cruz de Cristo.
Quanto a esses, “cujo deus é o ventre” (Paulo visa aqui, com alguma ironia, as observâncias alimentares dos “judaizantes”), que põem o “orgulho na sua vergonha” (sem dúvida, a circuncisão, sinal da pertença ao “povo eleito”) e “colocam o seu coração nas coisas terrenas” (alguns pensam que Paulo se refere, aqui, a certas práticas libertinas), esses esqueceram o essencial e estão condenados à perdição (vers. 19).
O nosso destino definitivo, segundo Paulo, não é um corpo corruptível e mortal, mas um corpo transfigurado pela ressurreição. Como garantia de que será assim, temos Jesus Cristo, Senhor e Salvador.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão deste texto, ter em conta as seguintes linhas:
• Neste tempo de transformação e renovação, somos convidados pela Palavra de Deus a ter consciência de que a nossa caminhada em direcção ao Homem Novo não está concluída; trata-se de um processo construído dia a dia sob o signo da cruz, isto é, numa entrega total por amor que subverte os nossos esquemas egoístas e comodistas.
• Considerar-se (como os “judaizantes” de que Paulo fala) como alguém que já atingiu a meta da perfeição pela prática de alguns ritos externos (as normas alimentares e a circuncisão, para os “judaizantes”, ou as práticas de jejum e abstinência, para os cristãos) é orgulho e auto-suficiência: significa que ainda não percebemos onde está o essencial – na mudança do coração. Só a transformação radical do coração nos conduzirá a essa vida nova, transfigurada pela ressurreição.
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.
No meio da nuvem luminosa, ouviu-se a voz do Pai:
«Este é o meu Filho muito amado: escutai-O».
EVANGELHO – Lc 9,28b-36
Evangelho de Nosso senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago
e subiu ao monte, para orar.
Enquanto orava,
alterou-se o aspecto do seu rosto
e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente.
Dois homens falavam com Ele:
eram Moisés e Elias,
que, tendo aparecido em glória,
falavam da morte de Jesus,
que ia consumar-se em Jerusalém.
Pedro e os companheiros estavam a cair de sono;
mas, despertando, viram a glória de Jesus
e os dois homens que estavam com Ele.
Quando estes se iam afastando,
Pedro disse a Jesus:
«Mestre, como é bom estarmos aqui!
Façamos três tendas:
uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Não sabia o que estava a dizer.
Enquanto assim falava,
veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra;
e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem.
Da nuvem saiu uma voz, que dizia:
«Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O».
Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho.
Os discípulos guardaram silêncio
e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.
AMBIENTE
Estamos no final da “etapa da Galileia”; durante essa etapa, Jesus anunciou a salvação aos pobres, proclamou a libertação aos cativos, fez os cegos recobrar a vista, mandou em liberdade os oprimidos, proclamou o tempo da graça do Senhor (cf. Lc 4,16-30). À volta de Jesus já se formou esse grupo dos que acolheram a oferta da salvação (os discípulos). Testemunhas das palavras e dos gestos libertadores de Jesus, eles já descobriram que Jesus é o Messias de Deus (cf. Lc 9,18-20). Também já ouviram dizer que o messianismo de Jesus passa pela cruz (cf. Lc 9,21-22) e que os discípulos de Jesus devem seguir o mesmo caminho de amor e de entrega da vida (cf. Lc 9,23-26); mas, antes de subirem a Jerusalém para testemunhar a erupção total da salvação, recebem a revelação do Pai que, no alto de um monte, atesta que Jesus é o Filho bem amado. Os acontecimentos que se aproximam ganham, assim, novo sentido.
Para o homem bíblico, o “monte” era o lugar sagrado por excelência: a meio caminho entre a terra e o céu, era o lugar ideal para o encontro do homem com o mundo divino. É, portanto, no monte que Deus Se revela ao homem e lhe apresenta os seus projectos.
MENSAGEM
O relato da transfiguração de Jesus, mais do que uma crónica fotográfica de acontecimentos, é uma página de teologia; aí, apresenta-se uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que através da cruz concretiza um projecto de vida.
O episódio está cheio de referências ao Antigo Testamento. O “monte” situa-nos num contexto de revelação (é “no monte” que Deus Se revela e que faz aliança com o seu Povo); a “mudança” do rosto e as vestes de brancura resplandecente recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai (cf. Ex 34,29); a nuvem indica a presença de Deus conduzindo o seu Povo através do deserto (cf. Ex 40,35; Nm 9,18.22;10,34).
Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus); além disso, são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (cf. Dt 18,15-18; Mal 3,22-23). Eles falam com Jesus sobre a sua “morte” (“exodon” – “partida”) que ia dar-se em Jerusalém. A palavra usada por Lucas situa-nos no contexto do “êxodo”: a morte próxima de Jesus é, pois, vista por Lucas como uma morte libertadora, que trará o Povo de Deus da terra da escravidão para a terra da liberdade.
A mensagem fundamental é, portanto, esta: Jesus é o Filho amado de Deus, através de quem o Pai oferece aos homens uma proposta de aliança e de libertação. O Antigo Testamento (Lei e Profetas) e as figuras de Moisés e Elias apontam para Jesus e anunciam a salvação definitiva que, n’Ele, irá acontecer. Essa libertação definitiva dar-se-á na cruz, quando Jesus cumprir integralmente o seu destino de entrega, de dom, de amor total. É esse o “novo êxodo”, o dia da libertação definitiva do Povo de Deus.
E o “sono” dos discípulos e as “tendas”? O “sono” é simbólico: os discípulos “dormem” porque não querem entender que a “glória” do Messias tenha de passar pela experiência da cruz e da entrega da vida; a construção das “tendas” (alusão à “festa das tendas”, em que se celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em “tendas, no deserto?) parece significar que os discípulos queriam deter-se nesse momento de revelação gloriosa, de festa, ignorando o destino de sofrimento de Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
Reflectir a partir das seguintes linhas:
• O facto fundamental deste episódio reside na revelação de Jesus como o Filho amado de Deus, que vai concretizar o plano salvador e libertador do Pai em favor dos homens através do dom da vida, da entrega total de Si próprio por amor. É dessa forma que se realiza a nossa passagem da escravidão do egoísmo para a liberdade do amor. A “transfiguração” anuncia a vida nova que daí nasce, a ressurreição.
• Os três discípulos que partilham a experiência da transfiguração recusam-se a aceitar que o triunfo do projecto libertador do Pai passe pelo sofrimento e pela cruz. Eles só concebem um Deus que Se manifesta no poder, nas honras, nos triunfos; e não entendem um Deus que Se manifesta no serviço, no amor que se dá. Qual é o caminho da Igreja de Jesus (e de cada um de nós, em particular): um caminho de busca de honras, de busca de influências, de promiscuidade com o poder, ou um caminho de serviço aos mais pobres, de luta pela justiça e pela verdade, de amor que se faz dom? É no amor e no dom da vida que buscamos a vida nova aqui anunciada?
• Os discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem também não ter muita vontade de “descer à terra” e enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Representam todos aqueles que vivem de olhos postos no céu, mas alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, a experiência de Jesus obriga a continuar a obra que Ele começou e a “regressar ao mundo” para fazer da vida um dom e uma entrega aos homens nossos irmãos. A religião não é um “ópio” que nos adormece, mas um compromisso com Deus que Se faz compromisso de amor com o mundo e com os homens.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO DA QUARESMA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 2º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo,
a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. ARRANJAR UM TEMPO DE CONTEMPLAÇÃO.
Ao longo da celebração, arranjar um verdadeiro tempo de contemplação silenciosa (seja depois da homilia, seja depois da comunhão), um tempo que será introduzido de maneira a ser um “coração a coração” com Cristo transfigurado, “que transformará o nosso corpo miserável, para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso” (segunda leitura).
3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
“Deus de Abraão, Deus de nossos pais na fé, nós Te reconhecemos como o Pai do Povo inumerável dos crentes, que Tu multiplicaste como as estrelas do céu e a areia do deserto. Nós Te bendizemos.
Nós Te pedimos por todos os crentes que se reconhecem filhos de Abraão em diferentes confissões. Que o teu Espírito nos guie para a unidade”.
No final da segunda leitura:
“Pai, nós Te damos graças, porque nos nomeaste cidadãos dos céus e nos deste os modelos de Jesus e dos Apóstolos para nos guiar.
Que o teu Espírito, pelo seu poder, transforme os nossos pobres corpos à imagem do corpo glorioso de teu Filho, que esperamos como Salvador. Confirma a nossa esperança”.
No final do Evangelho:
“Deus de luz, bendito sejas por estes momentos de oração em cada domingo. Tu nos transportas sobre a montanha, com Jesus e os discípulos. É bom estarmos aqui, na tua presença.
Nós Te pedimos: abre o coração e o espírito de todos os fiéis cristãos à Palavra viva do teu Filho bem-amado, para que o escutemos”.
4. BILHETE DE EVANGELHO.
Quando Jesus está em oração, não está só, Deus seu Pai está com Ele. O monte é o lugar da revelação de Deus e a nuvem é símbolo da sua presença. É, pois, no momento em que Jesus rezava que Deus Se manifesta, não somente a seu Filho, mas também aos seus discípulos, e a presença de Moisés e de Elias recorda a antiga aliança àqueles que vão beneficiar da nova aliança. Ao mesmo tempo que, no monte Sinai, Deus tinha revelado o seu Nome a Moisés para fazer sair do Egipto o seu povo escolhido, também na montanha da Transfiguração Deus dá a identidade de Jesus: “Este é o meu Filho, o meu Eleito”. E aos três apóstolos, embaixadores de todos aqueles que reconhecerão em Jesus o Filho bem-amado, Deus pede para O escutar. É antes de ver a nuvem e de ouvir a voz do Pai que Pedro propõe para erguer três tendas para Jesus, Moisés e Elias, porque pensa que são apenas três. Será necessário que Deus Se manifeste para que Pedro, um pouco como Jacob, diga talvez: “Deus estava no monte e eu não sabia!” Será preciso chegar à manhã de Páscoa, e o dom do Espírito no Pentecostes, para que ele proclame a sua fé n’Aquele que Deus fez “Senhor e Messias, este Jesus que crucificaram”.
5. À ESCUTA DA PALAVRA.
“Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O”. A voz vinda da nuvem pede-nos para escutar Jesus. Prestar atenção ao que o outro diz… Isso nem sempre é fácil, é necessário estar interiormente disponível ao outro, fazer um tempo de paragem interior, um tempo de silêncio para poder dar ao outro espaço para que se possa exprimir. É preciso acolher o que o outro quer dizer-nos, sem quaisquer preconceitos ou filtros… Todo o diálogo verdadeiro implica tal escuta, exige uma lenta e paciente aprendizagem do silêncio exterior, mas sobretudo, o que é ainda mais difícil, do silêncio interior. Hoje, trata-se se escutar o Filho que Deus escolheu. Ora, Jesus nada diz aos três discípulos. Entretém-se com Moisés e Elias, que simbolizam a Lei e os Profetas, isto é, toda a Escritura, toda a Palavra que Deus dirigiu ao seu Povo. A sua única presença torna-se, de facto, uma palavra em acto. Eles manifestam que toda a Revelação tem o seu cumprimento em Jesus. É preciso, pois, “escutar o Filho” porque n’Ele encontramos tudo o que Jesus quer dizer-nos, hoje. Não precisamos de procurar novas luzes noutros lugares, nas visões ou revelações de várias espécies… Tudo nos é dado em Jesus. Eis porque colocarmo-nos na escuta da Palavra que é Jesus é de uma importância capital, se queremos ser verdadeiramente discípulos de Cristo. É uma das grandes graças do Concílio Vaticano II haver dado todo o seu lugar à Palavra de Deus, na liturgia e na vida dos cristãos, uma Palavra a receber pessoalmente e a escutar em Igreja. O tempo da Quaresma é-nos oferecido, precisamente, como uma ocasião para nos colocarmos mais na escuta da Palavra de Deus que Se fez carne. Oxalá possamos aproveitar para aprofundar o nosso silêncio interior, tornando-nos mais atentos ao que Jesus nos quer dizer, a cada um e a cada uma de entre nós e à nossa comunidade.
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
A Oração Eucarística III adapta-se bem à liturgia deste domingo.
7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
«Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O»… O catecismo de muitos de entre nós está bem distante, a nossa bagagem religiosa talvez esteja leve: eis a Quaresma, a ocasião para recuperar energias. Como? Trata-se de ir às fontes, às raízes, aos fundamentos! Esta fonte é Jesus Cristo. “Escutai-O”, diz a voz que se faz ouvir das nuvens: vinde beber a sua Palavra! Abrimos o Livro onde corre esta fonte de água viva? Será que ao lermos os Evangelhos – este ano o Evangelho de Lucas – abrimos os ouvidos e deixamo-nos pôr em questão pelo Mestre?
https://youtu.be/g9DI9yskn1I
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org
14 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Daniel 9, 4b-10
Senhor, Deus grande e temível, que és fiel à Aliança e que manténs o teu favor para com os que te amam e guardam os teus mandamentos. 5*Todos nós pecámos, prevaricámos, praticámos a iniquidade, fomos revoltosos, afastámo-nos dos teus mandamentos e das tuas leis. 6*Não escutámos os teus servos, os profetas, que falaram em teu nome aos nossos reis, aos nossos chefes, aos nossos pais e a todo o povo da nação. 7*Para ti, Senhor, a justiça; para nós, a infâmia, como é hoje para as gentes de Judá, para os habitantes de Jerusalém e para todo o Israel, para aqueles que estão perto e aqueles que estão longe, em todos os países por onde os espalhaste, em consequência das iniquidades que cometeram contra ti. 8Sim, ó SENHOR, para nós a vergonha, para os nossos reis, para os nossos chefes, para os nossos pais, porque pecámos contra ti. 9No Senhor, nosso Deus, a misericórdia e o perdão, pois nos revoltámos contra Ele. 10Recusámos escutar a voz do SENHOR, nosso Deus; não seguimos as leis que nos propunha pela boca dos seus servos, os profetas.
A oração de Daniel, colocada no capítulo 9, explica um oráculo de Jeremias sobre a duração do exílio em Babilónia e sobre a restauração de Jerusalém (cf. Jer 25, 11ss; 29, 10). De acordo com alguns exegetas, os 70 anos preditos por Jeremias devem interpretar-se como 70 semanas de anos, isto é, 490 anos. Trata-se de uma longa Quaresma entre o começo do exílio e a restauração e consagração do templo, em Jerusalém (164 a.c.),
Daniel volta-se para Deus relendo a história à luz da tradição deuteronomista: à infidelidade do povo segue o castigo. Mas, até quando terá Deus que castigar o seu povo? Só Ele sabe. Por isso é que o profeta faz a pergunta a Deus (v. 3). Por seu lado, Daniel limita-se a reconhecer que o castigo é merecido.
Mas a confissão e o arrependimento do profeta não o levam ao desesperar, mas a esperar confiadamente o perdão divino (v. 9). Com efeito, o Deus de Israel é fiel e benevolente, lento para a ira e rico de misericórdia.
Evangelho: Lucas 6, 36-38
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 36*Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso. 37*Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. 38Dai e ser-vos-é dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.»
Lucas, depois de anotar a proclamação das Bem-aventuranças, anota o mandamento do amor universal e da misericórdia. Redige como que um pequeno poema didáctico com três estrofes. Enunciação do mandamento (vv. 27-31), as suas motivações (vv. 32-35) e a sua prática (vv. 36-38). Verificamos uma clara analogia com o «Sermão da Montanha» de Mateus. Mas Lucas tem uma particularidade. Fala da imitação do Pai em termos de "misericórdia", enquanto Mateus fala de "perfeição".
Como praticar esta misericórdia. É o que nos indicam os versículos que hoje escutamos.
Cinco verbos passivos revelam que o sujeito é o Pai: « ... Não sereis julgados; não sereis condenados; ... sereis perdoados. 38 ... ser-vos-é dado: uma boa medida...será lançada no vosso regaço,
Quando nos arrependemos dos nossos pecados, nos dispomos a arrepiar caminho, e nos abrimos ao amor misericordioso do Pai, o seu perdão é mesmo "perdão:", um dom superabundante: «uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço (Lc 6, 38). Por isso, também nos convém ser generosos no perdão aos nossos irmãos.
Meditatio
Depois da enorme catástrofe que culminou no exílio em Babilónia, o povo de Israel caiu em si e deu-se conta do seu pecado. Então, dirigiu-se ao Senhor, confessando, confuso e humilhado, as suas culpas e implorando misericórdia: «Sim, Ó SENHOR, para nós a vergonha, ... porque pecámos contra ti. No Senhor, nosso Deus, a misericórdia e o perdão, pois nos revoltámos contra Ele (!» (cf. vv. 8-9).
A humildade e a confiança em Deus permitem-nos receber a sua graça e compreender a imensidão do seu amor por nós. Foi essa humildade e confiança que levou S. Paulo a exclamar: «Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós (Rm 5,8). O perdão recebido centuplica o amor, como vemos em Santo Agostinho e em tantos outros santos. A experiência do amor misericordioso de Deus suscita um forte desejo de correspondência.
Quantas vezes também nós caímos na conta de termos pecado e ofendido a Deus! Quantas vezes experimentamos as situações de morte e de ódio, que dominam o nosso mundo! Corremos o risco de perder a confiança e a esperança. Por isso, precisamos de purificar o nosso olhar com o arrependimento sincero e a oração. Então, dar-nos-ernos conta da misteriosa e paradoxal transcendência de Deus, tão grande e tão próximo de nós, sempre benévolo e paciente. Mas também nos daremos conta da verdade acerca de nós mesmos e dos outros, e os nossos juízos de condenação transformar-se-ão em pedidos de perdão para todos, porque todos somos corresponsáveis pelo mal que nos rodeia. Veremos a nossa vida e a vida do mundo com outros olhos. Dar-nos-emos conta dos sinais da presença de Deus, das sementes de bem, escondidas mas reais. Na fé e na paciência, aguardaremos que cresçam e dêem frutos.
«Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós (Rm 5, 8). Este pensamento leva-nos a aceitar-nos a nós mesmos e a nossa história, qualquer que tenha sido. Sentimo-nos felizes por sermos quem somos, pela nossa história pessoal. Deus amou-nos quando "éramos (Seus) inimigos!' (Rm 5, 10). Quanta gratidão havemos de sentir por Deus-Pai e por Cristo! Como, Paulo, podemos exclamar: "Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores e eu sou o primeird' (Tm 1, 15).
Aceitar-nos a nós mesmos, e à nossa história, é caminho para também aceitarmos os outros, com a sua história. Já S. Tomás de Aquino escrevia que não podemos entrar em relação de amizade com os outros, se não estivermos em relação de amizade connosco mesmos. Não podemos aceitar os outros se não nos aceitamos a nós mesmos. Se estamos descontentes e em conflito connosco mesmos, tristes e desanimados, também o estaremos com os outros. Cada um dá o que tem. Damos amor, paz e alegria, se tivermos amor, paz e alegria. Damos amargura e conflito, se estivermos na amargura e em conflito.
A alegria de ser amados é o fundamento da nossa dignidade de pessoas humanas, de filhos de Deus, é fonte da aceitação e da confiança em nós mesmos. É a libertaç&
atilde;o de toda a tristeza e medo. Faz-nos aceitar os outros com uma justa confiança neles.
Oratio
Senhor, quão grande é o amor com que misericordiosamente nos reconcilias Contigo, nos transformas e nos dás uma vida nova, uma vida de humildade, de compreensão, de generosidade para com todos! Dá-nos a graça de permanecermos no teu amor, abrindo-nos à misericórdia para com os outros. Tendo sido gratuitamente perdoados por Ti, queremos ser instrumentos humildes da tua misericórdia para com os outros.
Nós Te agradecemos a confiança que Jesus, teu Filho, demonstra para connosco, ao afirmar: «A medida que usardes com os outros será usada convosa». Com a tua graça queremos ser largamente generosos uns com os outros, aguardando confiadamente a tua transbordante recompensa. Amen.
Contemplatio
Nosso Senhor amou-nos com um amor eterno e pede o amor em troca. - Era assim que Nosso Senhor dispunha os seus discípulos para receberem o seu espírito de amor. Para nos dispormos nós mesmos, recordemo-nos do seu amor por nós. É semelhante àquele que o uniu ao seu Pai: Sicut di/exit me Pater, et ego di/exi vos. Amou-nos desde toda a eternidade, não teve em vista senão a nossa felicidade. O seu amor por nós foi desinteressado até ao sacrifício absoluto de si mesmo. Consagrou a sua vida inteira à nossa salvação. Morreu por nós sobre a cruz: Majorem hac di/ectionem nemo habet
O que nos pede é um amor recíproco pelo seu Pai e por ele, que foram os primeiros a nos amar e que querem chamar-nos seus amigos: Vos autem dixi amicos.
O nosso amor deve modelar-se sobre o seu. O seu foi obediente à vontade do seu Pai, o nosso deve manifestar-se por uma obediência inteira, absoluta, filial à lei divina. Amou-nos até morrer por nós, devemos amá-lo até morrer, se for preciso, por ele ou pelos nossos irmãos que são os seus. O nosso amor deve ser infatigável, dedicado e pronto a todos os sacrifícios.
O espírito de amor que nos dá hoje deve estabelecer-nos numa intimidade plena de confiança com ele, e numa união poderosa e fecunda. Nada nos escondeu do que o seu Pai lhe confiou. Iniciou-nos no conhecimento dos seus desígnios que têm todos por fim a felicidade dos homens (leão Dehon, OSP 3, p. 589s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36).
15 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Isaías 1, 10.16-20
10*Ouvi a palavra do Senhor, ó príncipes de Sodoma; escuta a lição do nosso Deus, povo de Gomorra: 16 Lavai-vos, purificai-vos, tirai da frente dos meus olhos a malícia das vossas acções. Cessai de fazer o mal, 17*aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo, socorrei os oprimidos, fazei justiça aos órfãos, defendei as viúvas. 18 Vinde agora, entendamo-nos -diz o Senhor. Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tomer-se-ão brancos como a neve. Mesmo que sejam vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a lã. 19Se fordes dóceis e obedientes, comereis os bens da terra; 20 se recusardes, se vos revoltardes, sereis devorados pela espada. É o Senhor quem o declara.»
o capítulo primeiro de Isaías anuncia, de certo modo, a temática que irá ser desenvolvida nos seguintes capítulos: o amor fiel de Deus a que o povo responde com a infidelidade (w. 2-9); essa infidelidade atrai o castigo divino; mas não há culpa que a misericórdia de Deus não possa perdoar; um pequeno "resto" será salvo, e será raiz de vida nova.
Hoje escutamos um ensinamento profético contra o ritualismo, no quadro de uma demanda judicial (w. 10.19s.). A referência a Sodoma e Gomorra estabelece a ligação ao oráculo sobre a infidelidade dos chefes de Judá e de Jerusalém (w. 4-9), e de todo o povo de Israel, que atrai um castigo semelhante ao das duas cidades tristemente célebres (cf. Gen 19; Dt 29, 22; 32,32).
Sem fidelidade à Lei divina, a oração é ineficaz e o culto é inútil, e mesmo perverso. Mas, apesar da sua infidelidade, Israel continua a ser o destinatário da Palavra de vida, e dons de Deus são irrevogáveis. Por isso, o profeta insiste na necessidade de mudança, para acolher o perdão oferecido por Deus. Ainda é possível escolher entre a bênção e a maldição (w. 19.20).
Evangelho: Mateus 23, 1-12
Naquele tempo, 1Jesus falou assim à multidão e aos seus discípulos: 2*«Os doutores da Lei e os fariseus instalaram-se na cátedra de Moisés. 3Fazei, pois, e observai tudo o que eles disserem, mas não imiteis as suas obras, pois eles dizem e não fazem. 4*Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar. 5*Tudo o que fazem é com o fim de se tornarem notados pelos homens. Por isso, alargam as filactérias e alongam as orlas dos seus mantos. 6Gostam de ocupar o primeiro lugar nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. 7Gostam das saudações nas praças públicas e de serem chamados 'Mestres' pelos homens. 8*Quanto a vós, não vos deixeis tratar por 'Mestres; pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis 'Pai; porque um só é o vosso 'Pai; aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por 'doutores; porque um só é o vosso 'Doutor; Cristo. 11 *0 maior de entre vós será o vosso servo. 12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.
Jesus, depois dos debates no templo, dirige-se à multidão e aos discípulos para continuar a diatribe com os escribas e fariseus. Desmascara-lhes a incoerência (vv. 2- 4), a ostentação e vanglória (vv. 5-7), e dirige-lhes os sete «Ai de vós» (vv. 13-36) que desembocarão no sentido lamento sobre Jerusalém (vv. 37-39). Por outro lado, põe de sobreaviso os discípulos contra o vício da ambição (vv. 8-10), gangrena da comunidade já nos tempos em que foram redigidos os evangelhos. O formalismo, a busca de prestígio pessoal, profanam a religião e tornam-na idolátrica.
A conclusão não pode ser deixar de escutar a Palavra proclamada por chefes incoerentes, mas usar o discernimento para fazer o que eles dizem, e não fazer o que fazem. Acima de tudo, há que ter o olhar bem fixo em Jesus, o verdadeiro Mestre, o fiel intérprete do Pai.
Meditatio
A Igreja faz-nos escutar, hoje, palavras fortes e reconfortantes: «Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tomar-se-ão brancos como a neve. (Is 1, 18). Estas palavras caiem como bálsamo sobre a nossa ingratidão, superficialidade e malícia. Deus, na sua paciente misericórdia continua disposto a perdoar-nos.
Disse que estas palavras caiem como bálsamo sobre o nosso coração ferido pelo pecado. A palavra de Deus fala-nos de neve. Como se torna bela uma paisagem coberta de neve! Mas a palavra de Deus vai mais longe. Os nossos pecados não são apenas cobertos, do modo que a neve cobre a terra. A sua misericórdia transforma-os em ocasião de graça, em fonte de amor. Isaías diz-nos que os nossos pecados, ainda que sejam escarlate, tornar-se-ão brancos como a neve. É essa a extraordinária maravilha que Deus quer operar em nós, apagando todas as nossas manchas, mesmo as mais horríveis, com um «detergente» muito especial, o sangue de Cristo, como nos diz o Apocalipse: «lavaram as suas vestes no sangue do comem» (7, 14).
O sangue de Cristo, derramado por nosso amor, é a nossa única garantia de purificação e de salvação. Não é a simples observância exterior dos preceitos, com que, por vezes, nos gloriamos, em vez de darmos glória ao Senhor. A nossa vida, o nosso culto, como nos recomenda Isaías, hão-de ser expressão de que conhecemos o amor de Deus e queremos corresponder de modo generoso e total à sua fidelidade para connosco. Os sacrifícios e as ofertas nada valem, se o ouvido e o coração, seduzidos pelo pecado, estão endurecidos e não reconhecem o amor misericordioso e fiel de Deus para connosco. Só a Palavra de Deus, escutada pelo ouvido, descida ao coração, guardada com amor, e praticada com simplicidade, nos torna sensíveis ao amor de Deus e nos leva a corresponder-lhe com sinceridade de coração.
"De acordo com o apelo premente do Senhor à conversão, procuramos discernir atentamente o pecado nas nossas vidas; teremos a peito celebrar frequentemente o seu perdão no sacramento da reconciliação" (Cst. 79). O sacramento da Reconciliação permite-nos um muito particular acesso ao precioso sangue de Cristo, que nos lava de todo o pecado, nos renova interiormente e nos torna capazes de corresponder adequadamente ao amor fiel e misericordioso do nosso Deus.
Oratio
Senhor Jesus, Cordeiro imolado, eis-nos aqui, manchados pelas nossas culpas.
Derrama sobre nós o teu sangue imaculado, para que nos purifique, renove e torne capazes de correspondermos ao teu amor fiel e misericordioso. Tu que amas a santidade e queres realizá-Ia em nós, lava-nos no teu sangue precioso e transformanos interiormente. Faz-nos mais brancos do que a neve. Então, tendo experimentado o teu amor, havemos de corresponder-lhe com uma vida de oblação generosa e total, no louvor, na acção de graças, no testemunho, para que todos possam escutar as maravilhas da tua misericórdia e dispor-se a acolhê-Ias, para também serem transformados. Amen.
Contemplatio
Já no Antigo Testamento, Deus pedia ao seu povo a prática das obras de misericórdia, como condição do perdão e da salvação. «Corrigi-vos, dizia em Isaías, purificai os vossos pensamentos e os vossos corações, deixai de me ofender, mas também aprendei a fazer o bem, sede justos, socorrei os oprimidos, fazei justiça às viúvas e aos órfãos, e então podeis vir interpelar-me e reclamar de mim o vosso perdão, e então, mesmo que as vossas almas fossem amarelas como o açafrão, tornarse-iam brancas como a neve; e se fossem vermelhas como a púrpura, tornar-se-iam brancas como a lã do cordeiro» (Is 1, 17).
Em que ponto me encontro nesta virtude fecunda e redentora? Quais são os meus sentimentos a respeito daqueles que me ofendem ou me ferem, daqueles que me criticam ou me fazem sofrer? Que piedade tenho no coração por aqueles que penam e que sofrem? - Quero fazer para mim uma lei da clemência e da misericórdia. A beneficência é o sinal da aliança com Deus: Elemosyna viri quasi signaculum cum ipso (Eccli. 17,18).
Ajuda os pequenos e os pobres, diz o sábio, e a tua esmola rezará por ti diante de Deus e afastará de ti todos os perigos (Eccli 29, 15). /47
Foi com um Coração enternecido de misericórdia que o Salvador nos visitou: Per viscera misericordiae in qulbus visitavit nos oriens ex alto (Lc 1, 77). Sejamos bons para com todos, como Ele foi bom para connosco.
Resoluções. - Senhor, quero ser bom e benevolente, e perdoar a todos para que também vós me perdoeis: em que ponto me encontro neste caminho?
Quero revestir-me de misericórdia a vosso exemplo como S. Paulo me convida (Col 3, 12). Misericórdia divina, incarnada no Sagrado Coração de Jesus, cobri o mundo, expandi-vos sobre nós e fazei reinar a misericórdia no meu coração (leão Dehon, OSP 4, p. 66s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Os vossos pecados tomer-se-ão brancos como a neve» (Is 1, 18).
https://youtu.be/wS1D8-EbCBM
16 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Jeremias 18, 18-20
18*Eles disseram: «Vinde e tramemos uma conspiração conta Jeremias, porque não nos faltará a lei se faltar um sacerdote, nem o conselho se faltar um sábio, nem a palavra divina por falta de um profeta! Vinde, vamos difamá-lo, e não prestemos atenção às suas palavras!» 19SENHOR, ouve-me! Escuta o que dizem os meus adversários. 20É assim que se paga o bem com o mal? Abriram uma cova para me tirarem a vida. Lembra-te de que me apresentei diante de ti, a fim de interceder por eles e afastar deles a tua cólera.
o versículo 18 situa o texto que hoje escutamos. Jeremias está novamente sob ameaça de morte (cf. Jer 11, 18s.). Agora são os próprios chefes de Israel que tentam reduzi-lo ao silêncio. Daí a dureza da invocação de vingança que, de acordo com a lei vetero-testamentária de Talião, sai da boca do profeta. Mas o nosso texto omite esses versículos, orientando-nos, sim, para a escuta do evangelho.
Jeremias é tipo do Servo sofredor (cf. Is 53, 8-10) e é perseguido por causa da fidelidade à sua vocação e do seu amor ao povo. Jeremias abandona-se confiadamente a Deus, de quem espera a salvação.
Tudo aquilo que o profeta faz por amor do seu povo, e diz na sua oração, irá realizar-se de modo perfeito no verdadeiro Servo sofredor, Jesus. Ele será morto pelos chefes do povo. Mas não pedirá vingança a Deus; pedirá perdão para os seus inimigos, e oferecerá livremente a vida em favor daqueles que O crucificam.
Evangelho: Mateus 20, 17-28
Naquele tempo, 17*ao subir a Jerusalém, pelo caminho, Jesus chamou à parte os Doze e disse-lhes: 18«Vamos subir a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos-sacerdotes e aos doutores da Lei, que o vão condenar à morte. 19Hão-de entregá-lo aos pagãos, que o vão escarnecer, açoitar e crucificar. Mas Ele ressuscitará ao terceiro dia.»
20Aproximou-se então de Jesus a mãe dos filhos de Zebedeu, com os seus filhos, e prostrou-se diante dele para lhe fazer um pedido. 21 *«Que queres?» perguntou-lhe Ele. Ela respondeu: «Ordena que estes meus dois filhos se sentem um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino.» 22*Jesus retorquiu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu estou para beber?» Eles responderam: «Podemos.» 23Jesus replicou-lhes: «Na verdade, bebereis o meu cálice; mas, o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence a mim concedê-lo: é para quem meu Pai o tem reservado.»
240uvindo isto, os outros dez ficaram indignados com os dois irmãos. 25*Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. 26Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e 27quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. 28Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão.»
Jesus sobe a Jerusalém consciente daquilo que lá O espera. Pela terceira, vez fala aos discípulos da sua paixão. Fala claramente. Para espanto e confusão dos seus contemporâneos, identifica-se com o Filho do homem, figura celeste e gloriosa esperada para instaurar o reino escatológico de Deus, mas também se identifica com outra figura, de sinal aparentemente oposto, a do Servo sofredor. Os discípulos não conseguem compreender e aceitar tais perspectivas e preferem cultivar as de sucesso e poder (vv. 20-23). Jesus explica-lhes, mais uma vez, o sentido da sua missão e o sentido do seguimento que lhes propõe: Ele veio para «beber o cálice» (v. 22), termo que, na linguagem dos profetas, indica a punição divina a reservada aos pecadores. Quem aspira aos lugares mais elevados no Reino, terá que, como Ele, estar pronto a expiar o pecado do mundo. É mesmo o único privilégio que pode oferecer, porque não Lhe compete distribuir lugares no Reino. Ele é o Filho de Deus, mas não veio para dominar. Veio para servir como o Servo de Javé, oferecendo a sua vida em resgate para que os homens, escravos do pecado e sujeitos à morte, sejam libertados.
Meditatio
À mãe dos filhos de Zebedeu, que pensava que a vida vale pelos lugares que se ocupam na sociedade, pelo poder de que se dispõe, o profeta Jeremias e, sobretudo, Jesus oferecem o exemplo de uma vida gasta no serviço, por amor. Não é fácil compreender uma tal perspectiva. Jesus vê-se na necessidade de, por três vezes, preparar e anunciar aos discípulos a sua paixão, dizendo-lhes que será preso, condenado, escarnecido, crucificado. Mas eles continuam a procurar satisfazer as suas ambições. Hoje, são os filhos de Zebedeu que, por meio da mãe, tentam a sua sorte. Jesus tinha falado de humilhações. Eles pedem honras, lugares de privilégio: sentar-se «um à tua direita e o outro à tua esquerda, no teu Reino. (v. 21).
Isto mostra-nos a necessidade da paixão. Só ela poderia mudar o coração do homem. Não eram suficientes palavras, mesmo que fossem as de Jesus. A paixão de Jesus revela-nos onde se encontra a verdadeira alegria, a verdadeira glória, a verdadeira vida: servir, amar como Ele, até ao sacrifício da própria vida pelos outros vistos como mais importantes do que nós mesmos. Isto pressupõe a humildade, virtude que torna verdadeiro todo o gesto de amor e o liberta de equívocos, da busca dos interesses. Foi o caminho do profeta Jeremias. Só depois de o percorrer, descobriu o seu verdadeiro significado. Por isso, gritava a Deus: «É assim que se paga o bem com o met;» (v. 20).
Também no caminho espiritual de cada um de nós, a provação é importante para nos transformar interiormente. Depois, dela já não ambicionamos a satisfação terrena que antes procurávamos. E, se a vivemos unidos a Cristo, d ' Ele recebemos a força para realizar o bem incondicionalmente, sabendo que não se perderá, mas que, a seu tempo, dará fruto: depois da paixão e da morte, vem a ressurreição (cf. Mt 20, 18ss.). O serviço humilde, até ao fim, motivado pelo amor, conduz à vida, a glória eterna.
O Espírito faz-nos superar o nosso egoísmo ou amor de exigência e impele-nos para o amor oblativo; faz-nos ultrapassar a busca dos interesses e comodidades pessoais, para actuar conforme a justiça em relação a cada uma das pessoas e em relação à comunidade, para não violarmos os seus direitos. O Espírito impele-nos a dar-nos aos outros, especialmente aos mais pobres e marginalizados, não só com aquilo que temos, mas também com aquilo que somos: tempo, capacidades, cultura, etc. O Espírito leva-nos à vida de amor e serviço desinteressado, mas também universal, porque deita por terra todas as barreiras de raça, de cultura, de sexo:
"Todos os que fostes baptizados em Cristo, vos revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego; não há servo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo' (Gal 3, 27-28).
Oratio
Obrigado Senhor Jesus, porque, com doçura e firmeza nos conduziste pelo caminho da cruz. Quando nos apontas o Calvário, talvez nos escandalizemos como Pedro, talvez discutamos entre nós sobre quem é o maior, talvez Te apresentemos pedidos de privilégio e de poder. Tem paciência connosco, diz-nos e repete-nos que a verdadeira grandeza está em servir e em dar a vida pelos amigos e inimigos. Como bom pedagogo, conduz-nos pela mão pelas várias etapas, rumo à vida, à alegria eterna. Contigo saberemos passar pelas provações, beber o cálice e aguardar a recompensa que só o Pai nos destina e quer dar. O importante é aprendermos Contigo a amar e a servir até dar a vida para que todos experimentem a graça da para redenção. Amen.
Contemplatio
Tiago e João, filhos de Zebedeu e de Salomé, eram de Betsaida, como S. Pedro, e pescadores como ele. João tinha conhecido o Salvador junto de João Baptista no Jordão. Tinha conversado com Ele, tinha comunicado a Tiago, seu irmão. E alguns dias depois, quando estavam ocupados a consertar as suas redes, Jesus chamou um e outro, dizendo-lhes: «Vinde comigo, farei de vós pescadores de homens». Nosso Senhor já tinha chamado Pedro e André. Estes quatro ficaram os seus preferidos, os seus privilegiados.
Tiago e João tinham um ardor exuberante. Nosso Senhor formou-os. Para os advertir dos seus defeitos, tratava-os como Boanerges, filhos do trovão. Um dia propõem a Jesus que faça cair um raio sobre toda uma cidade de Samaritanos que não tinha querido receber o Salvador e os seus. «Não sabeis de que espírito sois, diz Nosso Senhor; Deus é paciente, espera os pecadores e trata-os com misericórdia». Noutro dia os dois irmãos vêm com sua mãe pedir a Nosso Senhor o primeiro lugar no reino de Deus. «Estas honras, diz Nosso Senhor, dependem dos desígnios da Providência; mas em todo o caso, para ter um bom lugar no reino de Deus é preciso beber o cálice do sacrifício».
Deixemo-nos formar por Nosso Senhor, como Tiago e João, os seus discípulos bem amados (Leão Dehon, OSP 3, p. 90).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«O Filho do homem veio para servir e dar a vide» (cf. Mt 20, 28).
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https://youtu.be/E34VCSkW0Lg
17 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Jeremias 17, 5-10
5Isto diz o SENHOR: Maldito aquele que confia no homem e conta somente com a força humana, afastando o seu coração do SENHOR. 6Assemelha-se ao cardo do deserto; mesmo que lhe venha algum bem, não o sente, pois habita na secura do deserto, numa terra salobra, onde ninguém mora. 7Bendito o homem que confia no SENHOR, que tem no SENHOR a sua esperança. BÉ como a árvore plantada perto da água, a qual estende as raízes para a corrente; não teme quando vem o calor, e a sua folhagem fica sempre verdejante. Não a inquieta a seca de um ano e não deixará de dar fruto. 9Nada mais enganador que o coração, tantas vezes perverso: quem o pode conhecer? 10 Eu, o SENHOR, penetro os corações e sondo as entranhas, a fim de recompensar cada um pela sua conduta e pelos frutos das suas acções.
Jeremias oferece-nos duas sentenças sapienciais. Servindo-se da contraposição, aponta claramente onde está, para o homem, a maldição cujo resultado é a morte (w. 5- 8), e onde está a bênção cujo resultado é a vida. O ímpio é aquele que, ainda antes de praticar o mal, apenas confia no que é humano e se afasta interiormente do Senhor. O resultado só pode ser a prática do mal. Aquilo em que o homem põe a sua confiança é como o terreno donde uma árvore retira o alimento. Por isso, o ímpio é comparado a um cardo do deserto que não pode dar fruto nem durar muito (v. 6). O homem piedoso também se caracteriza, em primeiro lugar, pela sua atitude de confiança diante de Deus. Por isso, é comparado a uma árvore plantada junto de um rio: não há-de morrer de sede, nem será estéril (w. 9ss.).
Na segunda sentença, o profeta insiste na importância do «coração», centro das decisões e da afectividade do homem. Só Deus experimenta e avalia com justiça os comportamentos e os frutos de cada um dos homens, porque, só Ele conhece de verdade o coração do homem e o pode curar.
Evangelho: Lucas 16,19-31
19*«Havia um homem rico que se vestia de púrpura e linho fino e fazia todos os dias esplêndidos banquetes. 2D*Um pobre, chamado Lázaro, jazia ao seu portão, coberto de chagas. 21Bem desejava ele saciar-se com o que caía da mesa do rico; mas eram os cães que vinham lamber-lhe as chagas. 22*Ora, o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. 23*Na morada dos mortos, achando-se em tormentos, ergueu os olhos e viu, de longe, Abraão e também Lázaro no seu seio. 24Então, ergueu a voz e disse: 'Pai Abraão, tem misericórdia de mim e envia Lázaro para molhar em água a ponta de um dedo e refrescar-me a língua, porque estou atormentado nestas chamas. ' 25Abraão respondeu-lhe: 'Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em vida, enquanto Lázaro recebeu somente males. Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado. 26Além disso, entre nós e vós há um grande abismo, de modo que, se alguém pretendesse passar daqui para junto de vós, não poderia fazê-lo, nem tão-pouco vir daí para junto de nós.' 270 rico insistiu: 'Peço-te, pai, que envies Lázaro à casa do meu pai, pois tenho cinco irmãos; 28que os previna, a fim de que não venham tembém para este lugar de tormento. ' 29Disse-Ihe Abraão: 'Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!' 30Replicou-Ihe ele: 'Não, pai Abraão; se algum dos mortos for ter com eles, hão-de arrepender-se. ' 31 *Abraão respondeu-lhe: 'Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos.
S. Lucas recolhe, no capítulo 16 do seu evangelho, os ensinamentos de Jesus sobre as riquezas. A parábola, que hoje escutamos, ensina-nos a considerar a nossa condição actual à luz da condição eterna. A sorte pode inverter-se. E seguem algumas aplicações práticas (v. 25). Jesus fala-nos de um homem rico que «fazia todos os dias esplêndidos benquete» e de um pobre significativamente chamado Lázaro (termo que significa Deus ajuda). Atormentado pela fome e pela doença, permanece à porta do rico, à espera de alguma migalha. Os cães comovem-se com Lázaro; mas o rico permanece indiferente.
Chega porém o dia da morte, a que ninguém escapa. E inverte-se a situação.
Jesus levanta um pouco o véu do tempo para nos fazer entrever o banquete eterno, anunciado pelos profetas. Lázaro é conduzido pelos anjos a um lugar de honra, nesse banquete, enquanto o rico é sepultado no inferno. Do lugar dos tormentos, o rico vê Lázaro e atreve-se a pedir, por meio dele, um mínimo gesto de conforto (v. 24). Mas as opções desta vida tornam definitiva e imutável a condição eterna (v. 26). Nem o milagre da ressurreição de um morto, diz Jesus, aludindo a Si mesmo, podem sacudir um coração endurecido que se recusa a escutar o que o Senhor permanentemente ensina por meio das Escrituras (w. 27-31).
Meditatio
Hoje, tanto a primeira leitura como o evangelho, com imagens muito simples mas pintadas a cores fortes, nos colocam perante o facto de que é nesta vida que decidimos o nosso destino eterno, a vida ou a morte, sem outras possibilidades. Aquele que, nesta vida, põe a sua confiança nos meios humanos e nas coisas materiais e, sobretudo, aquele que se afasta do Senhor, e organiza a própria existência independentemente de Deus, é «metdlti». O apego a uma felicidade egoísta leva à cegueira, que não permite ver para além do imediato, do material. Não permite ver a Deus, nem a caducidade da nossa actual condição, como não permite ver as necessidades dos pobres que jazem à nossa porta. Aquele que confia no Senhor, reconhecendo a sua condição de criatura, dependente e amada por Ele, é «bendito», Leva no coração uma semente de eternidade que florescerá em felicidade e paz eternas. Por outro lado, a verdadeira confiança em Deus é sempre acompanhada pela solidariedade com os pobres, com pobres que o são materialmente, com os que o são espiritualmente, mas também com os doentes, com vítimas de contrariedades e opressões de qualquer espécie. Tanto Jeremias como Jesus nos ensinam tudo isto, não de modo abstracto, mas com imagens expressivas como a da árvore plantada no deserto ou junto de um rio ou como o pobre Lázaro.
O pobre Lázaro caracteriza-se pelo silêncio, tanto diante das provações da vida como diante da falta de atenção daqueles de quem esperava ajuda. Não grita contra Deus nem contra os homens. Permanece silencioso e paciente no seu sofrimento físico, psicológico e espiritual, confiando em Deus. Finalmente surge a morte e tudo se transforma. Levado pelos anjos para o seio de Abraão, continua em silêncio. No seu rosto, primeiro sereno e confiante, e agora glorioso, transparece outro Rosto, o de Jesus, que se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza. Sendo de condição divina, por nosso amor, assumiu a condição humana, para que pudéssemos participar da sua condição divina. Sendo rico fez-Se pobre, homem pobre, para que todos pudéssemos participar da sua riqueza.
A nossa confiança em Deus leva-nos a solidarizar-nos com o amor de Jesus por todos os homens, um "amor que salva". Como Ele, queremos estar presentes e actuantes junto de todos os lázaros desta humanidade de que somos parte. Queremos viver e actuar unidos "no seu amor pelo Pai e pelos homens" (Cst 17), especialmente pelos "pequenos" e pelos "pobres" (Cst 28), porque "Cristo se identificou" com eles (Cst 28; cf. Mt 25, 40). Esta é a primeira, boa nova (cf. lc 4, 19) porque os quer libertar da sua opressão, sofrimento, pobreza. Porque os quer felizes, é para eles a primeira bem-aventurança: "Bem-aventurados os pobres, porque deles é o Reino de Deus' (Lc 6, 20) e o Reino de Deus é, antes de mais, Jesus pequeno e pobre, que quer elevar todos "os pequenos ... os pobres" (Cst. 28) a "pobres em espírito' (Mt 5, 3), onde a pobreza nem sequer já é uma desgraça, onde, mais do que a carência de bens materiais, é realçada a mansidão e a humildade de coração, a confiança, o abandono à vontade de Deus, dando espaço a Jesus, para que viva a Sua pobreza na nossa pobreza.
Oratio
Senhor Jesus, que sendo rico Te fizeste pobre por nosso amor, para nos tornar participantes da tua riqueza, dá-nos um coração de pobre que confie apenas em Ti e saiba ser solidário com todos os lázaros desta pobre humanidade. Que jamais caiamos na tentação de cortar relações com eles nesta vida terrena, para que possamos tê-Ias, com eles e Contigo, na vida eterna.
Durante esta Quaresma, queremos colocar-nos entre os pobres e pecadores, não para sermos coniventes e cúmplices no pecado, mas para sentirmos verdadeira necessidade da tua graça, e caminharmos para Ti certos de que seremos libertados das nossas culpas. Confiamos em Ti, Senhor, jamais seremos confundidos. Amen.
Contemplatio
Quem vem? É o rico herdeiro de seu Pai, que vem despojar-se para nos enriquecer. - «Vós sabeis, diz S. Paulo, qual é a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que sendo rico, se fez pobre por amor de nós, para que nos tornássemos ricos pela sua pobreza» (2Cor 8).
Senhor, sou um pobre mendigo todo coberto de úlceras, como este Lázaro que descrevestes no Evangelho (Lc 16). Esperava à porta do mau rico e teria sido feliz por receber os restos ou as migalhas do festim.
Mas eu sou mais feliz do que Lázaro, porque me dirijo a um bom rico, a um rico, cujo Coração está repleto de misericórdia e de generosidade. Vós sois este rico. Diante do tabernáculo, estou à vossa porta. Não são apenas as migalhas que me dareis. Ofereceis-me todo o tesouro dos vossos méritos. Despojastes-vos para me enriquecerdes, tudo sacrificastes por mim. Desposastes a pobreza, a humildade, os desprezos, os sofrimentos, para pagardes todas as minhas dívidas e para me enriquecerdes com os vossos sacrifícios.
Que vos darei, Senhor, por esta infinita bondade do vosso Coração? Irei ter convosco com toda a confiança, é o que pedis de mim. Esperais-me para me cumulardes com os vossos benefícios (leão Dehon, OSP 3, p. 647).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Bendito o homem que confia no SENHOR,
que tem no SENHOR a sua esperança (Jer 17, 7).
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18 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Génesis 37, 3-4.12-13a.17b-28
3 Ora Israel preferia José aos seus outros filhos, porque era o filho da sua velhice, e mandara-lhe fazer uma túnica comprida.
40S irmãos, vendo que o pai o amava mais do que a todos eles, ganharam-lhe ódio e não podiam falar-lhe amigavelmente. 12 Um dia, os irmãos de José conduziram os rebanhos de seu pai para Siquém. 13 E Israel disse a José: «Os teus irmãos apascentam os rebanhos em Siquém. José seguiu os passos dos irmãos e encontrou-os em Dotain. 18 Eles viram-no de longe e, antes que se aproximasse, fizeram planos para o matar.
19 Disseram uns aos outros: «Eis que se aproxima o homem dos sonhos. 20Vamos, matemo-lo, atiremo-lo a qualquer cisterna e depois diremos que um animal feroz o devorou. Veremos, então, como se realizarão os seus sonhos.» 21Rúben ouviu-os e quis salvá-lo das suas mãos. Então disse: «Não atentemos contra a sua vida» 22 Rúben disse ainda: «Não derrameis sangue! Atirai-o à cisterna que está no deserto, mas não levanteis a mão contra ele.»
O seu intento era livrá-lo das suas mãos para o fazer regressar ao seu pai.
23Quando José chegou junto dos irmãos, estes despojaram-no da túnica comprida que usava 24 e, agarrando-o, lançaram-no à cisterna. Esta estava vazia e sem água. 25 Depois, sentaram-se para comer. Erguendo, porém, os olhos, viram uma caravana de ismaelitas que vinha de Guilead. Os camelos estavam carregados de aroma, de bálsamo e láudano, que levavam para o Egipto. 26 Judá disse aos irmãos: «Que vantagem tiramos da morte de nosso irmão, ocultando o seu sangue?» 27Vinde, vendamo-lo aos ismaelitas e que a nossa mão não caia sobre ele, porque é nosso irmão e da nossa família.» E os irmãos consentiram. 28Passaram por ali alguns negociantes madianitas, que conseguiram tirar José da cisterna; e eles venderam-no aos ismaelitas por vinte moedas de prata. Estes levaram José para o Egipto.
A história de José é mais um exemplo de como Deus escolhe os «pequenos» (v. 3) para realizar os seus projectos de salvação. Essas escolhas de Deus suscitam, muitas vezes, o ódio e a inveja (v. 4) que levam ao afastamento, se não mesmo à eliminação, do predilecto (w. 20.28).
A história tem evidentes objectivos didácticos. A sua composição, a partir de legendas com origem em diferentes tradições literárias da Bíblia, javista, eloista, sacerdotal, explica algumas divergências como a iniciativa de salvar José ora atribuída a Ruben (v. 21), ora atribuída a Judá (w. 26s.). Há, em toda a história, um horizonte de optimismo e universalidade (v. 28): dentro das intrigas e contendas tribais, actua a invisível providência de Deus (cf. 45, 7; 50, 20), que conduz o seu eleito por aparentes caminhos de morte, mas que acaba por ser salvo e salvar a todos. José é um homem permanentemente atento aos sinais da vontade de Deus, mesmo durante os sonhos, que aprende a interpretar (cf. v. 19). A túnica de príncipe separa-o dos irmãos, cavando uma profunda incomunicabilidade entre eles (v. 4).
José é figura de Cristo: a sua perseguição e o seu sangue são o preço que o pai tem de pagar para abraçar, num só amplexo, todos os filhos, já não unidos pela corresponsabilidade no mal (v. 25), mas pelo beijo de paz que, com o perdão (cf. 45, 15), lhes é oferecido pelo irmão inocente.
Evangelho: Mateus 21, 33-43.45-46
Naquele tempo, Jesus disse aos príncipes dos sacerdotes e aos ansiãos do povo: 33 «Escutai outra parábola:
Um chefe de família plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar, construiu uma torre, arrendou-a a uns vinhateiros e ausentou-se para longe. 34Quando chegou a época das vindimas, enviou os seus servos aos vinhateiros, para receberem os frutos que lhe pertenciam. 35 Os vinhateiros, porém, apoderaram-se dos servos, bateram num, mataram outro e apedrejaram o terceiro. 36Tornou a mandar outros servos, mais numerosos do que os primeiros, e trataram-nos da mesma forma. 37 Finalmente, enviou-lhes o seu próprio filho, dizendo: 'Hão-de respeitar o meu filho. ' 38 Mas os vinhateiros, vendo o filho, disseram entre si: 'Este é o herdeiro. Matemo-lo e ficaremos com a sua herança.' 39 E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no. 400ra bem, quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?» 41 Eles responderam-lhe: «Dará morte afrontosa aos malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros que lhe entregarão os frutos na altura devida.» 42 Jesus disse-lhes: «Nunca lestes nas Escrituras que eram eles os visados. 46 Embora procurassem meio de o prender, temeram o povo, que o considerava profeta.
o v. 37, com o advérbio «ttnatmente. é a verdadeira pedra angular de todo o texto. Os judeus, a quem Jesus se dirige no átrio do templo, compreendem muito bem a parábola que lh:A pedra que os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular? Isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos?
43Por isso vos digo: O Reino de Deus ser-vos-é tirado e será confiado a um povo que produzirá os seus frutos. 45 Os sumos sacerdotes e os fariseus, ao ouvirem as suas parábolas, compreenderam es conta, inspirada na alegoria da vinha (cf. Is 5, 1-7).
Os príncipes dos sacerdotes e os anciãos são os vinhateiros que têm o privilégio de cultivar a vinha predilecta de Deus, o povo de Israel. No momento da colheita, em vez de apresentarem os frutos ao dono, que é Deus, querem apropriar-se deles e maltratam os profetas que lhes são enviados. «Finalmente, Deus envia-lhes o seu próprio Filho, que é Jesus que lhes está a falar. É a última oportunidade que Deus lhes oferece para que se tornem seus colaboradores na obra da salvação. Mas acontece exactamente o que a parábola dizia sobre os vinhateiros malvados: compreenderam que eram eles os visados e procuravam prendê-I 'O (cf. vv. 45-46). E, conduzidos habilmente por Jesus, são eles mesmos que tiram as consequências de um tal acto: o dono, que é Deus, «Dará morte afrontosa aos malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros que lhe entregarão os frutos na altura devida» (v. 41).
Quando Mateus escreve este evangelho, já se tinham verificado a alegoria de Isaías e a profecia de Jesus: os chefes do povo de Israel tinham efectivamente matado o Filho fora da vinha - fora dos muros de Jerusalém - e a cidade santa já tinha sido destruída por Tito, no ano 70, e caído em mãos estrangeiras, o império romano. Os novos vinhateiros, os pagãos convertidos, cultivavam a nova vinha, a Igreja, dando a Deus abundantes frutos, com adesões cada vez mais numerosas à fé cristã.
Meditatio
José, de quem nos fala a primeira leitura, é uma impressionante figura de Jesus, tal como o filho herdeiro de que nos fala o evangelho. Em ambas as leituras escutamos já o «Crucifica-Ol». «Eis que se aproxima o homem dos sonhos. Vamos matemo-lo», disseram os irmãos de José; «Este é o herdeiro. Matemo-lo», disseram os vinhateiros malvados. O único protagonista é, portanto, Jesus, escondido na figura de José e na figura do filho herdeiro da parábola. Estes textos fazem-nos pensar nos sofrimentos do Coração de Jesus, morto por inveja, como nos referem os relatos da paixão. Foi a inveja que mobilizou a má vontade dos irmãos contra José e a dos vinhateiros contra o filho herdeiro da parábola.
Mas também se fala de nós nas leituras que escutamos hoje. Jesus é o protagonista. Mas nós também entramos na sua história. Somos os irmãos, somos os vinhateiros malvados. Mas não devemos desesperar com os nossos pecados. Na história de José, a inveja foi maravilhosamente vencida: no Egipto, José não puniu os irmãos, mas salvou-os. Soube ler a história das suas tribulações, do seu exílio, como preparação, querida por Deus, para poder salvar os seus irmãos e todo o seu povo no tempo da carestia. Jesus também venceu a inveja aceitando tornar-se o último de todos. Quando O contemplamos na cruz, não podemos dizer que cause inveja a alguém! Pondo-se no último lugar, Jesus revelou o seu poder. O domínio que o Pai lhe prometeu é um domínio de amor, no serviço de todos.
Ao escutarmos as leituras de hoje, não devemos, portanto, sentir-nos condenados, mas devemos erguer os olhos mais alto, para o coração do Pai. Jesus veio revelá-I' O. É Ele, o Pai, que, por amor, envia Jesus, como fora enviado José, a «procurar os irmãos» (cf. Gn 37, 16). A predilecção de Israel por José, ou do Pai por Jesus, não é mais do que uma particular participação no amor paterno. É esse amor, que tem origem no coração do Pai, que os torna diferentes e capazes de vencer a inveja, o ódio e a rivalidade, com o perdão.
Este mesmo amor do Pai foi derramado nos nossos corações. Tornando-nos diferentes, tornando-nos participantes da natureza divina, fez-nos capazes de amar ao jeito de Deus, de vencer a inveja, o ódio, com o perdão. Mas, provavelmente, como José, e como Jesus, Filho de Deus, teremos também nós que passar por algumas tribulações. Assim poderemos tornar-nos colaboradores de Deus na obra da reconciliação que está a realizar no coração do mundo. "A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo" (Cst. 24). "Para Glória e Alegria de Deus" (Cst. 25).
Oratio
Senhor Jesus, quanto me impressionam a história de José e a parábola dos vinhateiros malvados! Em José, e no filho herdeiro, vejo-Te a Ti mesmo, enviado pelo Pai, a reunir os seus filhos dispersos, a procurar os teus irmãos. Eu também sou um desses filhos, um dos teus irmãos. Contemplo-Te, vítima da inveja e do ódio, e penso nos sofrimentos do teu Coração sensível e inocente. Contemplo o amor obediente com que realizaste o projecto do Pai e nos alcançaste o perdão e a graça de uma vida nova. Um amor verdadeiramente vencedor! Por isso, Te peço: purifica o meu coração de todo o sentimento de inveja e de ciúme, e enche-me de mansidão e humildade para, Contigo, estar ao serviço de todos os irmãos. Amen.
Contemplatio
Quem vem? O irmão ao seu irmão culpado, para o reconduzir e lhe perdoar. - Sim, embora Deus, não se envergonhe de nos chamar seus irmãos: non confunditur fratres eos vocare. S. Paulo exprime abundantemente a sua admiração sobre este assunto, nos primeiros capítulos da sua carta aos Hebreus. «Outrora, diz, Deus falou aos nossos pais pelos profetas, mas nos nossos dias foi pelo seu próprio Filho, que criou o mundo com ele e que o fez herdeiro de todas as coisas. Ele é o esplendor da sua glória e imagem da sua substância; tudo sustém pelo poder da sua palavra, e depois de nos ter purificado dos nossos pecados, sentou-se no mais alto dos céus, à direita da Majestade divina, sendo também elevado acima dos anjos que o seu nome comporta, porque quem é o anjo ao qual Deus tenha alguma vez dito: Vós sois meu Filho, hoje vos gerei, e ainda: serei o seu Pai e ele será meu Filho? ... A Escritura diz dos anjos que Deus os fez seus ministros, mas diz ao Filho de Deus: o vosso trono, ó Deus, será um trono eterno ... E, noutro lugar, reconhecendo-o como Criador de todas as coisas, ela diz-lhe: Senhor, criastes a terra desde o começo do mundo ... Também, quem é o anjo ao qual o Senhor tenha dito: Sentai-vos à minha direita até que eu tenha reduzido os vossos inimigos a servir de escabelo? ...
«Entretanto o seu Filho adorável, Deus tornou-o por um pouco de tempo inferior aos anjos, tornando-o passível e mortal, mas em seguida coroou-o de glória e de honra.
Era digno de Deus que, para conduzir à glória os seus filhos, consumisse pelos sofrimentos aquele de entre eles que devia ser o autor da sua salvação. Porque o Salvador e os resgatados são da mesma raça humana e não se envergonha de os chamar seus irmãos ... ».
Tal é o magnífico ensino de S. Paulo. O hóspede do sacrário é nosso irmão, um irmão amoroso, que se sacrificou por nós, como haveríamos de hesitar em ir dizer-lhe o nosso amor? (Leão Dehon, OSP 3, p. 652s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«A pedra que os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular» (cf. Mt 21, 42).
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19 Março 2022
O culto litúrgico a S. José celebra-se, pelo menos, desde o século IV, quando Santa Helena lhe dedicou uma igreja. No Oriente, celebrava-se, a partir do século IX, uma festa em sua honra. No Ocidente o culto é mais tardio. No século XII, é celebrado entre os Beneditinos. No século XII, é celebrado entre os Carmelitas, que o propagam na Europa. No século XV, João Gerson e S. Bernardino de Sena são os seus fervorosos propagandistas. Santa Teresa de Jesus era uma devota fervorosa de S. José e muito promoveu o seu culto.
S. José, descendente de David, era provavelmente de Belém. Por motivos familiares ou de trabalho, transferiu-se para Nazaré e tornou-se esposo de Maria. O anjo de Deus comunicou-lhe o mistério da incarnação do Messias no seio de Maria, e José, homem justo, aceitou-o apesar da dura crise por que passou. Indo a Belém para o recenseamento, lá nasceu o Menino Jesus. Pouco depois, teve de fugir com ele para o Egipto, donde regressou a Nazaré. Quando Jesus tinha doze anos, vemos José e Maria em Jerusalém, onde perdem o filho e acabam por o reencontrar entre os doutores do templo. A partir deste episódio, os evangelhos nada mais dizem sobre José. É possível que tenha morrido antes de Jesus iniciar a sua vida pública.
S. José é padroeiro da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.
Lectio
Primeira leitura: 2 Samuel 7, 4-5a.12-14a.16
Naqueles dias, a palavra do Senhor foi dirigida ao profeta Natã, dizendo-lhe: 5«Vai dizer ao meu servo David: Diz o Senhor: 12Quando chegar o fim dos teus dias e repousares com teus pais, manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino. 13Ele construirá um templo ao meu nome, e Eu firmarei para sempre o seu trono régio. 14Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. 16A tua casa e o teu reino permanecerão para sempre diante de mim, e o teu trono estará firme para sempre".»
A profecia de Natã acena a Salomão, filho de David e construtor do templo. Mas as palavras: "manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino" (v. 12), indicam uma longa descendência no trono de Judá. Esta descendência teve um fim histórico, recebendo força profética na alusão velada ao Messias, descendente de David. Ele reinará para sempre. Mas o seu reino não será deste mundo. Será um reino espiritual para salvação da humanidade. A tradição cristã sempre aplicou este texto a Jesus, Messias descendente de David, e indiretamente também a José, o último elo da genealogia davídica.
Segunda leitura: Romanos 4, 13.16-18.22
Irmãos: Não foi em virtude da Lei, mas da justiça obtida pela fé que a Abraão, ou à sua descendência, foi feita a promessa de que havia de receber o mundo em herança. 16Por isso, é da fé que depende a herança. Só assim é que esta é gratuita, de tal modo que a promessa se mantém válida para todos os descendentes: não apenas para aqueles que o são em virtude da Lei, mas também para os que o são em virtude da fé de Abraão, pai de todos nós, 17conforme o que está escrito: Fiz de ti o pai de muitos povos. Pai diante daquele em quem acreditou, o Deus que dá vida aos mortos e chama à existência o que não existe. 18Foi com uma esperança, para além do que se podia esperar, que ele acreditou e assim se tornou pai de muitos povos, conforme o que tinha sido dito: Assim será a tua descendência. 22Esta foi exactamente a razão pela qual isso lhe foi atribuído à conta de justiça.
Paulo evoca a figura de Abraão, pai dos crentes, que reconheceu a sua indigência e se apoiou, isto é, "acreditou" em Deus recebendo o "juízo de salvação", a "justificação". A sua indigência foi superada e pôde realizar a sua "tarefa existencial", a sua "obra", que naquelas circunstâncias consistia na sua paternidade para com Isaac. A liturgia aplica a S. José o elogio de Paulo a Abraão. A fé do esposo de Maria, submetida a duras provas, manteve-se firme, fazendo dele "homem justo", e pai adoptivo de Jesus. A sua resposta de fé manteve-se durante toda a sua vida. Por isso, colaborou com disponibilidade e generosidade no projeto de salvação a que Deus o associou. Se Abraão é "tipo" do cristão, José também o é. Abraão sabia-se condenado à morte, pois não teria descendência. Mas acreditou e recebeu uma grande descendência da mão de Deus. José aceitou ser "pai" de Quem não era seu filho, mas Filho de Deus e de Maria, e colaborou na geração da humanidade nova, nascida da morte e da ressurreição de Cristo.
Evangelho: Lucas 2, 41-51a
Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa. 42Quando Ele chegou aos doze anos, subiram até lá, segundo o costume da festa. 43Terminados esses dias, regressaram a casa e o menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o soubessem. 44Pensando que Ele se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. 45Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, à sua procura. 46Três dias depois, encontraram-no no templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. 47Todos quantos o ouviam, estavam estupefactos com a sua inteligência e as suas respostas. 48Ao vê-lo, ficaram assombrados e sua mãe disse-lhe: «Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!» 49Ele respondeu-lhes: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» 50Mas eles não compreenderam as palavras que lhes disse. 51Depois desceu com eles, voltou para Nazaré.
A lei judaica mandava que os primogénitos, sendo sagrados, deviam ser entregues a Deus ou sacrificados. Como o sacrifício humano era proibido, a lei obrigava a fazer uma espécie de troca, de maneira que em vez do menino, era oferecido um animal puro (cordeiros, pombas) (cf. Ex 13 e Lv 12). Lucas parece ter presente que Jesus, primogénito de Maria, era primogénito de Deus. Por isso, com a substituição do sacrifício - oferecem-s duas pombas - é evidenciado o fato de Jesus ser "apresentado ao Senhor", isto é, solenemente oferecido ao Pai. O sentido deste oferecimento só se compreende à luz da cena do calvário, onde Jesus já não pode ser substituído e morrerá como autêntico primogénito, que se entrega ao Pai pela salvação dos homens.
Como pai adoptivo, José preocupa-se por tudo uanto diz respeito a Jesus. Embora não lhe seja dado penetrar completamente no mistério das relações de Jesus com o Pai, e também não compreendendo tudo quanto Jesus faz e diz, deixa-se no entanto, conduzir por Deus, com uma fé dócil e silenciosa. A sua máxima, à semelhança da de Jesus e da de Maria, poderia ser: "Ecce servus tuus", eis o teu servo.
Meditatio
A Igreja convida-nos, hoje, a voltar-nos para S. José, a alegrar-nos e a bendizermos a Deus pelas graças com que o cumulou. S. José é o "homem justo" (Mt 1, 19). A sua justiça vem-lhe do acolhimento do dom da fé, da retidão interior e do respeito para com Deus e para com os homens, para com a lei e para com os acontecimentos. É o que nos sugere a segunda leitura. Não foi fácil para José aceitar uma paternidade que não era dele e, depois, a responsabilidade de ser o mestre e guia d´Aquele que, um dia, havia de ser o pastor de Israel. Respeito, obediência e humildade estão na base da "justiça" de José. Foi esta atitude interior, no desempenho da sua missão única, que guindaram José ao cume da santidade cristã, junto de Maria, a sua esposa.
As atitudes de José são características dos grandes homens, de que nos fala a Bíblia, escolhidos e chamados por Deus para missões importantes. Embora se considerassem pequenos, fracos e indignos, aceitavam e realizavam a missão, confiando n´Aquele que lhes dizia: "Eu estarei contigo".
José não procurou os seus interesses e satisfações, mas colocou-se inteiramente aos serviços dos que amava. O seu amor pela esposa, Maria, visava unicamente servir a vocação a ela que fora chamada. Deste modo, o casal chegou a uma união espiritual admirável, donde brotava uma enorme e puríssima alegria. Era a perfeição do amor. O amor de José por Jesus apenas visava servir a vocação de Jesus, a missão de Jesus. Para José, o filho não era uma espécie de propriedade a quem impunha uma autoridade e afeto tirânico, como, por vezes, acontece com alguns pais. José sabia que Jesus não era dele, e nada mais desejava do que prepará-lo, conforme as suas capacidades, para a missão de Salvador, como lhe fora dito pelo Anjo.
Por intercessão do nosso santo, peçamos a Deus a fé, a confiança, a docilidade, a generosidade e a pureza do amor para nós mesmos e para quantos têm responsabilidades na Igreja, para que as maravilhas de Deus se realizem também nos nossos dias.
Oratio
Ó S. José, eu admiro e louvo a vossa perfeição e a vossa santidade. Que exemplos e que méritos! A vossa intercessão no céu é sempre escutada. O Coração de Jesus não pode ficar insensível à vossa oração. Pedi hoje a minha conversão, a minha santificação. Pedi o perdão de todas as minhas faltas e a graça de corresponder ao que Nosso Senhor espera de mim. Fiat! Fiat! (Leão Dehon, OSP 3, p. 309).
Contemplatio
José, o justo, o santo, entra simplesmente nos desígnios do céu sobre ele e torna-se esposo de Maria por um casamento virginal; esposo de uma Virgem, de uma Rainha, esposo da Mãe de Deus e da Esposa do Espírito Santo! Mas o seu coração é digno dela. Na sua alma reúnem-se a fé viva dos patriarcas, as nobres aspirações dos profetas, as esperanças das gerações passadas. O seu coração é o mais puro, o mais amável, o mais celeste de todos, depois do Coração de Jesus e do Coração imaculado de Maria. José é o esposo da Virgem Maria, com que respeito a envolve! Que delicadeza, que discrição nas suas relações com ela! Aprendeu de cor a sua sublime missão de castidade e de amor. E quando foi advertido pelo anjo a respeito dos grandes desígnios de Deus sobre o filho de Maria, associou-se de coração à missão de vítima do seu filho adotivo e aceitou sem reserva todos os sofrimentos que daí resultariam para ele. Esposo de Maria! Que conjunto de graças este título supõe. José esteve unido mais do que ninguém neste mundo à Mãe de Deus. Tiveram todos as mesmas vistas, todos as mesmas orações e os mesmos sofrimentos. Os méritos de S. José aproximam-se dos de Maria. Que grandeza e que dignidade! José é o pai nutritivo de Jesus, pai legal e pai putativo. Tem tudo o que pode pertencer à paternidade sem ferir a virgindade. Tem todos os direitos e toda a autoridade de um pai. É o chefe da Sagrada Família. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 308).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
"Ecce servus tuus! Eis o teu servo!"
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S. José, Esposo da Virgem S. Maria (19 Março)
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19 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Miqueias 7, 14-15.18-20
14Apascenta com o cajado o teu povo, o rebanho da tua herança, os que habitam isolados nas florestas no meio dos prados. Sejam eles apascentados em Basan e Guilead, como nos dias antigos. 15 Mostra-nos os teus prodígios, como nos dias em que nos tiraste do Egipto. 18Qual é o Deus que, como Tu, apaga a iniquidade e perdoa o pecado do resto da sua herança? Não se obstina na sua cólera, porque prefere a bondade. 19 Uma vez mais, terá compaixão de nós, apagará as nossas iniquidades e lançará os nossos pecados ao fundo do mar. 20 Mostrarás a tua fidelidade a Jacob, e a tua bondade a Abraão, como juraste a nossos pais, desde os tempos antigos.
Regressado do exílio em Babilónia, o povo de Israel confrontou-se com grandes dificuldades e teve saudades da fartura das terras da Transjordânia, tal como, ao regressar do Egipto, perante as dificuldades do deserto, teve saudades do peixe, dos pepinos, dos melões, dos alhos porros, das cebolas e dos alhos que comia no Egipto (cf. Nm 11, 6). Nesta situação, Miqueias ergue um lamento, quase que uma elegia fúnebre (v. 14): «Mostra-nos os teus prodígios, como nos dias em que nos tiraste do Egipt(J» (v. 15). E entra em cena Aquele que é o protagonista dos grandes eventos salvíficos: Deus preparou um lugar deserto onde, Ele mesmo, apascenta o seu rebanho disperso, que só n ' Ele encontra segurança e só n ' Ele confia. Então, o profeta entoa um hino cheio de emoção a Deus que perdoa (w. 18-20). Deus é como um pai que se comove diante do sofrimento dos filhos que erraram e sofrem as consequências dos seus erros (v. 19). Como nos tempos do êxodo, levado por um instinto quase materno, Deus usa de compaixão para com o seu povo, apaga as suas culpas e lança-as ao mar, do mesmo modo que nele afogou o faraó e os seus exércitos (cf. Ex 15). A sua fidelidade manifesta-se na gratuidade do perdão, para que o «resto» do seu povo possa manter-se fiel à Aliança (v. 20).
Evangelho: Lucas 15, 1-3.11-32
1 Aproximavam-se dele todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. 2 Mas os fariseus e os doutores da Lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles.» 3Jesus propôs-lhes, então, esta parábola: 11 Disse ainda: «Um homem tinha dois filhos. 120 mais novo disse ao pai: 'Pai, dá-me a parte dos bens que me corresponde. ' E o pai repartiu os bens entre os dois. 13 Poucos dias depois, o filho mais novo, juntando tudo, partiu para uma terra longínqua e por lá esbanjou tudo quanto possuía, numa vida desregrada. 14 Depois de gastar tudo, houve grande fome nesse país e ele começou a passar privações. 15 Então, foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra, o qual o mandou para os seus campos guardar porcos. 16 Bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. 17 E, caindo em si, disse: 'Quantos jornaleiros de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! 18 Levsntsr-me-el. irei ter com meu pai e vou dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; 19já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros.' 20 E, levantando-se, foi ter com o pai. Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendose de compaixão, correu a tençsr-se-Ihe ao pescoço e cobriu-o de beijos.
210 filho disse-lhe: 'Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. ,22 Mas o pai disse aos seus servos: 'Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha; dai-lhe um anel para o dedo e sandálias para os pés. 23 Trazei o vitelo gordo e matai-o; vamos fazer um banquete e alegrar-nos, 24porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.' E a festa principiou. 250ra, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa ouviu a música e as danças. 26Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. 27 Disse-lhe ele: 'O teu irmão voltou e o teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo. ,28 Encolerizado, não queria entrar; mas o seu pai, saindo, suplicava-lhe que entrasse. 29 Respondendo ao pai, disse-lhe: 'Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos; 30 e agora, ao chegar esse teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo.' 31 O pai respondeu-lhe: 'Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32 Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado. »
As parábolas da misericórdia (Lc 15) revelam-nos o rosto do Pai bom, disposto a perdoar, a acolher e a fazer festa com os filhos que reconhecem o seu pecado. Hoje, escutamos a parábola do filho pródigo. Este decide organizar a sua vida segundo os seus projectos, rejeitando os do pai. Por isso, exige ao pai a sua herança. Este termo equivale a vida (v. 12) ou a património. Obtido o que pede, parte e esbanja «tudo quanto possuía (a sua riqueza), numa vida desreçrsde-. Este filho perde os bens, mas perde, sobretudo, a si mesmo. A experiência da miséria (v. 17) fá-lo cair em si e dar-se conta da desgraça a que o levara a sua vida de estroina. Decide, então, regressar a casa e recomeçar uma vida nova. O pai esperava-o (v. 20), porque nunca tinha deixado o seu coração afastar-se daquele filho. Recebe-o comovido e de braços abertos, restituindo-lhe a dignidade perdida (w. 22-24).
Com esta parábola, Jesus revela o modo de agir do Pai, e o seu, em relação aos pecadores que se aproximam e dão um sinal de arrependimento. Mas os fariseus e os escribas, recusam-se a participar na festa do perdão, como o filho mais velho (v. 29), sempre bem comportado e que, por isso, até se julga credor do pai. O pai não desiste, nem diante deste filho malévolo. Por isso, sai de casa, revelando a todos o amor que sabe esperar, procurar, exortar, porque todos quer abraçar e reunir na sua morada.
Meditatio
Esta parábola é claramente dirigida aos fariseus e escribas que criticavam Jesus pelo modo como lidava e tratava com os pecadores (cf. w 1-3). A intenção principal de Jesus vê-se no fim da narração, na reacção do filho mais velho e nas palavras do Pai, que são a chave de interpretação de toda a parábola. Todos podemos ver-nos num ou noutro filho, no pecador assumido ou no justo presumido. O pai sai sempre ao encontro de um e de outro, quer venha da dispersão, como o filho pródigo, quer venha das regiões de uma falsa justiça ou de uma falsa fidelidade, como o filho mais velho. O importante, para nós, quer venhamos de uma ou de outra situação, é que nos deixemos acolher e abraçar pelo Pai bom, que quer a felicidade de todos os seus filhos.
Talvez seja relativamente fácil ver-nos no filho pródigo. Pode ser mais difícil dar-nos conta de que pensamos e reagimos como o filho mais velho, que contabiliza o que dá ao Pai e o que não recebe d ' Ele, tal como contabiliza o que irmão mais novo recebeu, sem dar nada em troca, e até ofendendo o Pai. E clamamos pela injustiça. Pode-se
julgar anormal manifestar tanta bondade a quem cometeu o mal. Mas o Senhor quer fazer-nos compreender que, para quem é fiel a Deus, está reservada uma recompensa ainda maior: não a alegria de receber, mas a alegria de dar. «A felicidade está mais em dar do que em receber» (Act 20, 35).
Esta é, por excelência, a parábola da misericórdia. Mais que «parábola do filho pródigo», deve ser chamada «parábola do Pai misericordioso», do Pai pródigo em misericórdia. Como Ele, havemos de aprender a abrir o coração a todos os irmãos, a estarmos com Ele para acolher os pródigos ou os pretensos justos, a vermos a todos do seu ponto de vista, que não é a justiça fria e cega.
Todo o evangelho de Jesus é uma mensagem de alegria, sobretudo para os pobres, para os infelizes, para os pecadores. A alegria por causa de um pecador que se arrepende é alegria de Deus. "As parábolas de Lc 15 são uma trilogia do perdão e da misericórdia divina e mostram-nos a estreita ligação que há entre o perdão e a alegria, entre a conversão e a festa. Tal como a ovelha tresmalhada ou a dracma perdida são causa de alegria para quem as encontra, assim também exulta de alegria o coração de Deus, quando um dos Seus filhos regressa a Ele. Mais ainda, todo o céu faz festa por um pecador que se converte, porque se trata de um irmão que estava morto e volta à vida, estava perdido e foi encontrado".
Oratio
Pai misericordioso, que estás sempre à nossa espera, para nos acolher, nos abraçar, nos perdoar e nos restituir a dignidade de filhos, acende em nós a saudade de Ti, do teu amor. Faz-nos voltar à tua intimidade, quer sejamos pródigos dispersos, quer sejamos justos presumidos. Queremos fazer festa Contigo e com todos os teus filhos, nossos irmãos. Queremos aprender que há maior alegria em dar do que em receber. Queremos aprender a ser pródigos em misericórdia para com todos os nossos irmãos, para não termos inveja dos dons que lhes fazes, para sabermos desculpar e perdoar as suas faltas, para sabermos alegrar-nos com eles e Contigo, quando manifestarem algum sinal de arrependimento, alguma vontade de regressarem à casa que, connosco e com eles, queres partilhar. Amen.
Contemplatio
Quem vem? O Pai de misericórdia que nos ama ternamente. - Chama-nos seus filhinhos: filioli. Descreveu-se com complacência na parábola do filho pródigo.
Eu sou este filho pródigo, que viveu, se não na luxúria, pelo menos na vaidade e na inutilidade.
Volto para o meu Pai, hesitante, tímido, temeroso, mas ele está lá, que me acolhe com amor. O seu coração bate fortemente no seu peito. Deseja-me com ardor, observa, procura. E se regresso, atira-se ao meu pescoço e aperta-me contra si, coração contra coração.
E chama os seus servos, os seus anjos, para me darem tudo o que perdi. Nada falta: o manto de outrora, o anel de nobreza, os sapatos, e o vitelo gordo para a festa.
o Coração de Jesus está emocionado; os seus olhos choram de ternura, mas sorriem de alegria: «Alegremo-nos, diz o bom Mestre, este filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado» (Leão Dehon, 05P 3, p. 653).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Converteste o meu pranto em festa» (5130, 12).
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20 Março 2022
ANO C
3º DOMINGO DA QUARESMA
Tema do 3º Domingo da Quaresma
Nesta terceira etapa da caminhada para a Páscoa somos chamados, mais uma vez, a repensar a nossa existência. O tema fundamental da liturgia de hoje é a “conversão”. Com este tema enlaça-se o da “libertação”: o Deus libertador propõe-nos a transformação em homens novos, livres da escravidão do egoísmo e do pecado, para que em nós se manifeste a vida em plenitude, a vida de Deus.
O Evangelho contém um convite a uma transformação radical da existência, a uma mudança de mentalidade, a um recentrar a vida de forma que Deus e os seus valores passem a ser a nossa prioridade fundamental. Se isso não acontecer, diz Jesus, a nossa vida será cada vez mais controlada pelo egoísmo que leva à morte.
A segunda leitura avisa-nos que o cumprimento de ritos externos e vazios não é importante; o que é importante é a adesão verdadeira a Deus, a vontade de aceitar a sua proposta de salvação e de viver com Ele numa comunhão íntima.
A primeira leitura fala-nos do Deus que não suporta as injustiças e as arbitrariedades e que está sempre presente naqueles que lutam pela libertação. É esse Deus libertador que exige de nós uma luta permanente contra tudo aquilo que nos escraviza e que impede a manifestação da vida plena.
LEITURA I – Ex 3,1-8a.13-15
Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias,
Moisés apascentava o rebanho de Jetro,
seu sogro, sacerdote de Madiã.
Ao levar o rebanho para além do deserto,
chegou ao monte de Deus, o Horeb.
Apareceu-lhe então o Anjo do Senhor
numa chama ardente, do meio de uma sarça.
Moisés olhou para a sarça, que estava a arder,
e viu que a sarça não se consumia.
Então disse Moisés: «Vou aproximar-me,
para ver tão assombroso espectáculo:
por que motivo não se consome a sarça?»
O Senhor viu que ele se aproximava para ver.
Então Deus chamou-o do meio da sarça:
«Moisés! Moisés!»
Ele respondeu: «Aqui estou!»
Continuou o Senhor:
«Não te aproximes daqui.
Tira as sandálias dos pés,
porque o lugar que pisas é terra sagrada».
E acrescentou: «Eu sou o Deus de teu pai,
Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob».
Então Moisés cobriu o rosto,
com receio de olhar para Deus.
Disse-lhe o Senhor:
«Eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto;
escutei o seu clamor provocado pelos opressores.
Conheço, pois, as suas angústias.
Desci para o libertar das mãos dos egípcios
e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa,
onde corre leite e mel».
Moisés disse a Deus:
«Vou procurar os filhos de Israel e dizer-lhes:
‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’.
Mas se me perguntarem qual é o seu nome,
que hei-de responder-lhes?»
Disse Deus a Moisés:
«Eu sou ‘Aquele que sou’».
E prosseguiu:
«Assim falarás aos filhos de Israel:
O que Se chama ‘Eu sou’ enviou-me a vós».
Deus disse ainda a Moisés:
«Assim falarás aos filhos de Israel:
‘O Senhor, Deus de vossos pais,
Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob,
enviou-me a vós.
Este é o meu nome para sempre,
assim Me invocareis de geração em geração’».
AMBIENTE
A primeira parte do livro do Êxodo (Ex 1-18) apresenta-nos um conjunto de “tradições” sobre a libertação do Egipto: narra-se a iniciativa de Jahwéh, que escutou os gemidos dos escravos hebreus e teve compaixão deles (cf. Ex 2,23-24).
O texto que nos é proposto como primeira leitura apresenta-nos o chamamento de Moisés, convidado a ser o rosto visível da libertação que Jahwéh vai levar a cabo. Algum tempo antes, Moisés deixara o Egipto e encontrara abrigo no deserto do Sinai, depois de ter morto um egípcio que maltratava um hebreu (o caminho do deserto era o caminho normal dos opositores à política do faraó, como o demonstram outras histórias da época que chegaram até nós); acolhido por uma tribo de beduínos, Moisés casou e refez a sua vida, numa experiência de calma e de tranquilidade bem merecidas, após o incidente que lhe arruinara os sonhos de uma carreira no aparelho administrativo egípcio (cf. Ex 2,11-22). Ora, é precisamente nesse oásis de paz que Jahwéh Se revela, desinquieta Moisés e envia-o em missão ao Egipto.
MENSAGEM
A afirmação “Jahwéh tirou Israel do Egipto” será a primitiva profissão de fé de Israel. É o facto fundamental da fé israelita. Ora, é essa descoberta que está no centro desta leitura.
O texto que nos é proposto divide-se em duas partes. Na primeira (vers. 1-8), temos o relato da vocação de Moisés. O contexto é o das teofanias (manifestações de Deus): o “anjo do Senhor”, o fogo (vers. 2-3), a omnipotência, a santidade e a majestade de Deus (vers. 4-5), a apresentação de Deus, o sentimento de “temor” que o homem experimenta diante do divino (vers. 6); e Deus manifesta-Se para “comprometer” Moisés, enviando-o em missão (vers. 7-8) e fazendo dele o instrumento da libertação. Fica claro que o chamamento de Moisés é uma iniciativa do Deus libertador, apostado em salvar o seu Povo. Deus age na história humana através de homens de coração generoso e disponível, que aceitam os seus desafios.
Na segunda parte (vers. 13-15), apresenta-se a revelação do nome de Deus (uma espécie de “sinal” que confirma que Moisés foi chamado por Deus e enviado por Ele em missão): “Eu sou (ou serei) ‘aquele que sou’ (ou que serei)”. Este nome acentua a presença contínua de Deus na vida do seu Povo, uma presença viva, activa e dinâmica, no presente e no futuro, como libertação e salvação.
Os israelitas descobriram, desta forma, que Jahwéh esteve no meio daquela tentativa humana de libertação e conduziu o processo, de forma a que um povo vítima da opressão passasse a ser livre e feliz. Para a fé de Israel, Jahwéh não ficou de braços cruzados diante da opressão; mas iniciou um longo processo de intervenção na história que se traduziu em libertação e vida para um povo antes condenado à morte.
Para Israel, o Êxodo tornar-se-á, assim, o modelo e paradigma de todas as libertações. A partir desta experiência, Israel descobriu a pedagogia do Deus libertador e soube que Jahwéh está vivo e actuante na história humana, agindo no coração e na vida de todos os que lutam para tornar este mundo melhor. Israel descobriu – e procurou dizer-nos isso
também a nós – que, no plano de Deus, aquilo que oprime e destrói os homens não tem lugar; e que sempre que alguém luta para ser livre e feliz, Deus está com essa pessoa e age nela. Na libertação do Egipto, os israelitas – e, através deles, toda a humanidade – descobriram a realidade do Deus salvador e libertador.
ACTUALIZAÇÃO
Reflectir nos seguintes dados:
• A humanidade geme, hoje, num violento esforço de libertação política, cultural e económica: os povos lutam para se libertarem do colonialismo, do imperialismo, das ditaduras; os pobres lutam para se libertarem da miséria, da ignorância, da doença, das estruturas injustas; os marginalizados lutam pelo direito à integração plena na sociedade; os operários lutam pela defesa dos seus direitos e do seu trabalho; as mulheres lutam pela defesa da sua dignidade; os estudantes lutam por um sistema de ensino que os prepare para desempenhar um papel válido na sociedade… Convém termos consciência que, lá onde alguém está a lutar por um mundo mais justo e mais fraterno, aí está Deus – esse Deus que vive com paixão o sofrimento dos explorados e que não fica de braços cruzados diante das injustiças.
• Deus age na nossa vida e na nossa história através de homens de boa vontade, que se deixam desafiar por Deus e que aceitam ser seus instrumentos na libertação do mundo. Diante dos sofrimentos dos irmãos e dos desafios de Deus, como respondo: com o comodismo de quem não está para se chatear com os problemas dos outros? Com o egoísmo de quem acha que não é nada consigo? Com a passividade de quem acha que já fez alguma coisa e que agora é a vez dos outros? Ou com uma atitude de profeta, que se deixa interpelar por Deus e aceita colaborar com Ele na construção de um mundo mais justo e mais fraterno?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)
Refrão: O Senhor é clemente e cheio de compaixão.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e não esqueças nenhum dos seus benefícios.
Ele perdoa todos os teus pecados
e cura as tuas enfermidades;
salva da morte a tua vida
e coroa-te de graça e misericórdia.
O Senhor faz justiça
e defende o direito de todos os oprimidos.
Revelou a Moisés os seus caminhos
e aos filhos de Israel os seus prodígios.
O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
Como a distância da terra aos céus,
assim é grande a sua misericórdia para os que O temem.
LEITURA II – 1 Cor 10,1-6.10-12
Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Não quero que ignoreis
que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem,
passaram todos através do mar
e na nuvem e no mar,
receberam todos o baptismo de Moisés.
Todos comeram o mesmo alimento espiritual
e todos beberam a mesma bebida espiritual.
Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava:
esse rochedo era Cristo.
Mas a maioria deles não agradou a Deus,
pois caíram mortos no deserto.
Esses factos aconteceram para nos servir de exemplo,
a fim de não cobiçarmos o mal,
como eles cobiçaram.
Não murmureis, como alguns deles murmuraram,
tendo perecido às mãos do Anjo exterminador.
Tudo isto lhes sucedia para servir de exemplo
e foi escrito para nos advertir,
a nós que chegámos ao fim dos tempos.
Portanto, quem julga estar de pé
tome cuidado para não cair.
AMBIENTE
No mundo grego, os templos eram os principais matadouros de gado. Os animais eram oferecidos aos deuses e imolados nos templos. Uma parte do animal era queimada e outra parte pertencia aos sacerdotes. No entanto, havia sempre sobras, que o pessoal do templo comercializava. Essas sobras encontravam-se à venda nas bancas dos mercados, eram compradas pela população e entravam na cadeia alimentar. No entanto, tal situação não deixava de suscitar algumas questões aos cristãos: comprar essas carnes e comê-las – como toda a gente fazia – era, de alguma forma, comprometer-se com os cultos idolátricos. Isso era lícito? É essa questão que inquieta os cristãos de Corinto.
A esta questão, Paulo responde em 1 Cor 8-10. Concretamente, a resposta aparece em vinte versículos (cf. 1 Cor 8,1-13 e 10,22-29): dado que os ídolos não são nada, comer dessa carne é indiferente. Contudo, deve-se evitar escandalizar os mais débeis: se houver esse perigo, evite-se comer dessa carne.
Paulo aproveita este ponto de partida para um desenvolvimento que vai muito além da questão inicial: comer ou não comer carne imolada aos ídolos não é importante; o importante é não voltar a cair na idolatria e nos vícios anteriores; o importante é esforçar-se seriamente por viver em comunhão com Deus.
MENSAGEM
A título de exemplo, Paulo apresenta a história do Povo de Deus do Antigo Testamento. Os israelitas foram todos conduzidos por Deus (a nuvem), passaram todos pela água libertadora do Mar Vermelho, alimentaram-se todos do mesmo maná e da mesma água do rochedo “que era Cristo” (Paulo inspira-se numa antiga tradição rabínica segundo a qual o rochedo de Nm 20,8 seguia Israel na sua caminhada pelo deserto; e, para Paulo, este rochedo é o símbolo de Cristo, pré-existente, já presente na caminhada para a liberdade dos hebreus do Antigo Testamento); mas isso não evitou que a maior parte deles ficasse prostrada no deserto, pois o seu coração não estava verdadeiramente com Deus e cederam à tentação dos ídolos.
Assim também os coríntios, embora tenham recebido o Baptismo e participado da Eucaristia, não têm a salvação garantida: não bastam os ritos, não basta a letra. Apesar do cumprimento das regras, os sacramentos não são mágicos: não significam nada e não realizam nada se não houver uma adesão verdadeira à vontade de Deus. Aos “fortes” e “auto-suficientes” de Corinto, Paulo recorda: o fundamental, na vivência da fé, não é comer ou não carne imolada aos ídolos; mas é levar uma vida coerente com as exigências de Deus e viver em verdadeira comunhão com Deus.
ACTUALIZAÇÃO
Ter em conta, para a reflexão, as seguintes questões:
• O que é essencial na nossa vivência cristã? O cumprimento de ritos externos que nos marcam como cristãos aos olhos do mundo (ou dos nossos superiores)? Ou é uma vida de comunhão com Deus, vivida com coerência e verdade, que depois se transforma em gestos de amor e de partilha com os nossos irmãos? O que é que condiciona as minhas atitudes: o “parecer bem” ou o “ser” de verdade?
• Os sacramentos não são ritos mágicos que transformam o homem em pessoa nova, quer ele queira quer não. Eles
são a manifestação dessa vida de Deus que nos é gratuitamente oferecida, que nós acolhemos como um dom, que nos transforma e que nos torna “filhos de Deus”. É nessa perspectiva que encaramos os momentos sacramentais em que participamos? É isto que procuramos transmitir quando orientamos encontros de preparação para os sacramentos?
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mt 4,17
Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Arrependei-vos, diz o Senhor;
está próximo o reino dos Céus.
EVANGELHO – Lc 13,1-9
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
vieram contar a Jesus
que Pilatos mandara derramar o sangue de certos galileus,
juntamente com o das vítimas que imolavam.
Jesus respondeu-lhes:
«Julgais que, por terem sofrido tal castigo,
esses galileus eram mais pecadores
do que todos os outros galileus?
Eu digo-vos que não.
E se não vos arrependerdes,
morrereis todos do mesmo modo.
E aqueles dezoito homens,
que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou?
Julgais que eram mais culpados
do que todos os outros habitantes de Jerusalém?
Eu digo-vos que não.
E se não vos arrependerdes,
morrereis todos de modo semelhante.
Jesus disse então a seguinte parábola:
«Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha.
Foi procurar os frutos que nela houvesse,
mas não os encontrou.
Disse então ao vinhateiro:
‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira
e não os encontro.
Deves cortá-la.
Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’
Mas o vinhateiro respondeu-lhe:
‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano,
que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo.
Talvez venha a dar frutos.
Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
AMBIENTE
O Evangelho de hoje situa-nos, já, no contexto da “viagem” de Jesus para Jerusalém (cf. Lc 9,51-19,28). Mais do que um caminho geográfico, é um caminho espiritual, que Jesus percorre rodeado pelos discípulos. Durante esse percurso, Jesus prepara-os para que entendam e assumam os valores do Reino (mesmo quando as palavras de Jesus se dirigem às multidões, como é o caso do episódio de hoje, são os discípulos que rodeiam Jesus os primeiros destinatários da mensagem). Pretende-se que, terminada esta caminhada, os discípulos estejam preparados para continuar a obra de Jesus e para levar a sua proposta libertadora a toda a terra.
O texto que hoje nos é proposto apresenta um convite veemente à conversão ao Reino. Destina-se à multidão, em geral, e aos discípulos que rodeiam Jesus, em particular.
MENSAGEM
O texto apresenta duas partes distintas, embora unidas pelo tema da conversão. Na primeira parte (cf. Lc 13,1-5), Jesus cita dois exemplos históricos que, no entanto, não conhecemos com exactidão (assassínio de alguns patriotas judeus por Pilatos e a queda de uma torre perto da piscina de Siloé). Flávio Josefo, o grande historiador judeu do séc. I, narra como Pilatos matou alguns judeus que se haviam revoltado em Jerusalém. Trata-se do exemplo citado por Jesus? Não sabemos. Também não sabemos nada sobre a queda da torre de Siloé que, segundo Jesus, matou dezoito pessoas… Apesar disso, a conclusão que Jesus tira destes dois casos é bastante clara: aqueles que morreram nestes desastres não eram piores do que os que sobreviveram. Refuta, desta forma, a doutrina judaica da retribuição segundo a qual o que era atingido por alguma desgraça era culpado por algum grave pecado. No caso presente, esta doutrina levava à seguinte conclusão: “nós somos justos, porque nos livramos da morte nas circunstâncias nomeadas”. Em contrapartida, Jesus pensa que, diante de Deus, todos os homens precisam de se converter. A última frase do vers. 5 (“se não vos arrependerdes perecereis todos do mesmo modo”) deve ser entendida como um convite à mudança de vida; se ela não ocorrer, quem vencerá é o egoísmo que conduz à morte.
Na segunda parte (cf. Lc 13,6-9), temos a parábola da figueira. Serve para ilustrar as oportunidades que Deus concede para a conversão. O Antigo Testamento tinha utilizado a figueira como símbolo de Israel (cf. Os 9,10), inclusive como símbolo da sua falta de resposta à aliança (cf. Jer 8,13) (uma ideia semelhante aparece na alegoria da vinha de Is 5,1-7). Deus espera, portanto, que Israel (a figueira) dê frutos, isto é, aceite converter-se à proposta de salvação que lhe é feita em Jesus; dá-lhe, até, algum tempo (e outra oportunidade), para que essa transformação ocorra. Deus revela, portanto, a sua bondade e a sua paciência; no entanto, não está disposto a esperar indefinidamente, pactuando com a recusa do seu Povo em acolher a salvação. Apesar do tom ameaçador, há no cenário de fundo desta parábola uma nota de esperança: Jesus confia em que a resposta final de Israel à sua missão seja positiva.
ACTUALIZAÇÃO
Para reflectir e actualizar a Palavra, considerar as seguintes notas:
• A proposta principal que Jesus apresenta neste episódio chama-se “conversão” (“metanoia”). Não se trata de penitência externa, ou de um simples arrependimento dos pecados; trata-se de um convite à mudança radical, à reformulação total da vida, da mentalidade, das atitudes, de forma que Deus e os seus valores passem a estar em primeiro lugar. É este caminho a que somos chamados a percorrer neste tempo, a fim de renascermos, com Jesus, para a vida nova do Homem Novo. Concretamente, em que é que a minha mentalidade deve mudar? Quais são os valores a que eu dou prioridade e que me afastam de Deus e das suas propostas?
• Essa transformação da nossa existência não pode ser adiada indefinidamente. Temos à nossa disposição um tempo relativamente curto: é necessário aproveitá-lo e deixar que em nós cresça, o mais cedo possível, o Homem Novo. Está em jogo a nossa felicidade, a vida em plenitude… Porquê adiar a sua concretização?
• Uma outra proposta convida-nos a cortar definitivamente da nossa mentalidade a ligação directa entre pecado e castigo. Dizer que as coisas boas que nos acontecem são a recompensa de Deus para o nosso bom comportamento e que as coisas más são o castigo para o nosso pecado, equivale a acreditarmos num deus mercantilista e chantagista que, evidentemente, não tem n
ada a ver com o nosso Deus.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3º DOMINGO DA QUARESMA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 3º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. FORMULAÇÃO DAS ORAÇÕES PENITENCIAIS.
«E se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo…» O Evangelho deste domingo põe a questão do pecado e da responsabilidade do homem. Como são formuladas as nossas orações penitenciais? Por vezes ficamos pelo modelo: “Nós fazemos demasiado isto, não fazemos demasiado aquilo… Senhor, tende piedade de nós…”. Parece que estamos na origem de toda a miséria do mundo… Se lermos com atenção as fórmulas do Missal, veremos que se trata, no início da Eucaristia, de confessar, não propriamente as nossas faltas, mas a paciência do Deus de misericórdia.
3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, de Moisés e do Povo no qual nos acolheste, nós Te damos graças e bendizemos o teu Nome que nos revelaste: “Eu sou”. Tu és o Deus vivo, por todos os séculos.
Nós Te confiamos a nossa solidariedade para com todos os povos oprimidos, como outrora a descendência de Abraão no Egipto. Nós sentimo-nos muitas vezes tão impotentes diante da sua infelicidade. Ilumina-nos.
No final da segunda leitura:
Pai, nós Te damos graças pelo teu Filho Jesus. Ele revelou-Se como o novo Moisés, que fez brotar a fonte de água viva do baptismo para nos vivificar, comunicando-nos a tua própria vida.
Nós Te confiamos as pessoas que se afastaram de Ti. Não sabemos como as reconduzir para Ti. Ilumina-nos com o teu Espírito.
No final do Evangelho:
Deus paciente, bendito sejas pelos sinais dos tempos através dos quais nos advertes sem cessar e nos chamas a voltarmo-nos para Ti. Nós Te damos graças, porque nos deixas o tempo da conversão.
Nós Te pedimos pelas nossas comunidades e pelas nossas famílias; que o teu Espírito guie os nossos pensamentos, as nossas palavras e os nossos actos, que Ele produza em nós os frutos que Tu esperas.
4. BILHETE DE EVANGELHO.
Na mentalidade judaica, todas as doenças e enfermidades eram consequências de um pecado. O Evangelho de hoje confirma esta mentalidade… A morte dos Galileus, diz Jesus, massacrados por ordem de Pilatos, não significa que eles tenham merecido tal destino em razão dos seus pecados. Esta infelicidade tem a ver com a responsabilidade dos homens que são capazes de se matarem. A actualidade apresenta-nos todos os dias situações de vítimas inocentes de atentados e violências, por causa do ódio dos homens. Mas há outras causas dos acidentes, dos sofrimentos de todas as espécies. Não há ligação entre a morte das vítimas e a sua vida moral, diz Jesus no Evangelho. Mas Jesus aproveita para lançar um apelo à conversão. Diante de tantas situações dramáticas que atingem o ser humano, somos convidados a uma maior vigilância sobre nós mesmos. Devem ser uma ocasião para pensarmos na nossa condição humana que terminará, naturalmente, na morte. Recordar a nossa fragilidade deve levar-nos a voltar o nosso ser para Aquele que pode dar verdadeiro sentido à nossa vida. Não se trata de procurar culpabilidades, mas de abrir o nosso coração à vinda do Senhor. Não nos devemos desencorajar diante das nossas esterilidades (figueira estéril…), pois Deus é infinitamente paciente para connosco. Ele sabe da nossa fragilidade, conhece os nossos pecados, mas nunca deixa de ter confiança em nós, até ao fim do nosso caminho. Ele não quer punir-nos, quer fazer-nos viver!
5. À ESCUTA DA PALAVRA.
Desde o início da sua pregação, Jesus apela à conversão, o que faz igualmente João Baptista. É mesmo para Jesus uma questão de vida ou de morte. A conversão não é mortífera, ela é fonte de vida, pois faz o homem voltar-se para Deus, que quer que ele viva. O homem é como a figueira plantada no meio de uma vinha: pode ser que, durante anos, não dê frutos… mas Deus, como o vinhateiro, tem paciência e continua a esperar nele. Deus vai mesmo mais longe, dá ao homem os meios para se converter. Jesus não apela somente à conversão, mas propõe ao homem o caminho a empreender para amar Deus e amar os seus irmãos. A paciência de Deus não é uma atitude passiva, mas uma solicitude para que o homem viva. Paciência e confiança estão ligadas: Deus crê no homem, crê que ele pode mudar a sua conduta passada, para se voltar para Aquele de quem se afastou.
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
A Oração Eucarística IV recapitula bem a história da salvação que é evocada na primeira leitura e que leva à Páscoa de Cristo.
7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
“Convertei-vos!” Sim, mas eu não roubei, nem matei, levo uma vida honesta… Porque deveria eu converter-me? Precisamente, Cristo quer que sejamos diferentes das pessoas que não têm nada a apontar… Um monge do Oriente compara o crente a uma casa. Se sou um baptizado, não somente generoso mas sem compromisso, então dou a Cristo a chave da porta das traseiras e ele entra na minha casa como íntimo, como Ele quer. Se eu O deixar entrar pela porta da frente, quando outros estão na casa, então ficaremos pelos gestos de delicadeza e pelas conversas de rotina. As questões mais directas tornar-se-ão impossíveis. É à porta das traseiras que Cristo vem bater. Sobretudo durante os quarenta dias da Quaresma…
https://youtu.be/uUHXo3yVgSc
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org
21 Março 2022
Segunda-feira – 3ª Semana da Quaresma
Lectio
LEITURA I 2 Reis 5, 1-15ª
Naqueles dias, Naamã, general dos exércitos do rei da Síria, era tido em grande consideração e estima pelo seu soberano, porque, por seu intermédio, o Senhor tinha dado a vitória à Síria. Mas este homem, valente guerreiro, estava leproso. Ora, numa incursão, os sírios tinham levado uma menina da terra de Israel, que ficou ao serviço da mulher de Naamã. Ela disse à sua senhora: «Se o meu senhor fosse ter com o profeta que vive na Samaria, ele decerto o livraria da lepra». Naamã foi contar ao soberano o que dissera a jovem da terra de Israel. O rei da Síria respondeu-lhe: «Vai, que eu escreverei uma carta ao rei de Israel». Naamã pôs-se a caminho, levando consigo dez talentos de prata, seis mil siclos de ouro e dez mudas de roupa; e entregou ao rei de Israel a carta, que dizia: «Logo que esta carta te chegar às mãos, ficarás a saber que te envio o meu servo Naamã, para que o livres da sua lepra». Depois de ter lido a carta, o rei de Israel rasgou as vestes, exclamando: «Serei eu um deus que possa dar a morte e a vida, para este me mandar dizer que livre um homem da sua lepra? Reparai e vede como ele procura um pretexto contra mim». Quando Eliseu, o homem de Deus, soube que o rei de Israel tinha rasgado as vestes, mandou-lhe dizer: «Por que motivo rasgaste as tuas vestes? Esse homem venha ter comigo e saberá que existe um profeta em Israel». Naamã seguiu com os seus cavalos e o seu carro e parou à porta de Eliseu. Eliseu mandou-lhe dizer por um mensageiro: «Vai banhar-te sete vezes no Jordão e o teu corpo ficará limpo». Naamã irritou-se e decidiu ir-se embora, dizendo: «Eu pensava que ele mesmo viria ao meu encontro, invocaria o nome do Senhor, seu Deus, colocaria a mão sobre a parte doente e me livraria da lepra. Não valem os rios de Damasco, o Abana e o Farfar, mais do que todas as águas de Israel? Não poderia eu banhar-me neles para ficar limpo?» Deu meia volta e partiu indignado. Mas os servos aproximaram-se dele e disseram: «Meu pai, se o profeta te tivesse mandado uma coisa difícil, não a terias feito? Quanto mais, se ele te diz apenas: ‘Vai banhar-te e ficarás limpo’?» Naamão desceu e mergulhou sete vezes no Jordão, como lhe ordenara o homem de Deus. A sua carne tornou-se como a de uma criança e ficou limpo. Voltou de novo, com todo o seu séquito, à casa do homem de Deus, entrou e apresentou-se, dizendo: «Agora sei que não há Deus em toda a terra, senão em Israel».
Naaman, homem valente e conceituado, general dos exércitos do rei da Síria, tinha ficado leproso. A lepra, vista como castigo divino, implicava separação, impureza, solidão. Era uma situação humanamente insolúvel, sem esperança. Mas Naaman acolhe a proposta de uma jovem prisioneira israelita, e vai ao encontro do profeta que está na Samaria. O rei da Síria apoia benevolentemente a ideia, que todavia provoca suspeitas no rei de Israel. A tensão entre os dois países é atenuada pela intervenção do profeta Eliseu. Seguindo as suas orientações, tão simples que parecem banais, Naaman recupera a saúde e dispõe-se a uma profissão de fé no Deus de Israel. Ao lado dos protagonistas do episódio, Naaman, Eliseu e os dois reis, vemos a jovem escrava, o mensageiro e os servos, mediações de que Deus se serve para orientar o curso dos acontecimentos.
O texto apresenta referências à simbologia baptismal, tais como a imersão nas águas, a eficácia da palavra do Deus de Israel, o carácter universal da salvação.
Evangelho: Lucas 4, 24-30
Naquele tempo, Jesus veio a Nazaré e falou ao povo na sinagoga, dizendo: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra. Digo-vos a verdade: Havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia. Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu; contudo, nenhum deles foi curado, mas apenas o sírio Naamã». Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos na sinagoga. Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade e levaram-n’O até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, a fim de O precipitarem dali abaixo. Mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho.
Ainda no começo da sua missão, Jesus regressa à sua terra, vai à sinagoga e lê um texto de Isaías. Conclui afirmando que esse texto se realiza na sua pessoa.
A recusa dos habitantes de Nazaré em recebê-lo tem o seu melhor comentário na frase de João: «Veio ao que era seu, mas os seus não O receberem- (Jo 1, 11). A revelação do «Verbo feito cerne», o filho de José, vai-se transformando, de admiração e espanto, em incredulidade hostil e mesmo em ódio homicida: «levaram-no ao cimo do monte a fim de o precipitarem dali abaixo. ». É o destino de todos os profetas: «Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria», afirma Jesus. Os preconceitos, religiosos, culturais, nacionalistas, impedem ou dificultam o acolhimento humilde da revelação de Deus, tal como ela é feita, muitas vezes de modo que não esperamos. Mas a viúva de Sarepta e Naaman, estrangeiros e pagãos, acolhem a salvação, que os seus primeiros destinatários recusam. Estão abertos às iniciativas surpreendentes de Deus.
Meditatio
As leituras de hoje mostram-nos que havemos de estar dispostos a acolher o modo escolhido por Deus para Se revelar, para realizar as suas intervenções salvíficas. Não faz sentido pôr condições e, menos ainda, arrogar-se direitos. A única atitude correcta é a disponibilidade para acolher as iniciativas tantas vezes surpreendentes de Deus. Foi o que sucedeu em Nazaré. O filho de Maria e de José era certamente admirado por todos. Mas quando se revela como profeta, como instrumento de Deus, as opiniões mudam. Afinal, que tinha feito de extraordinário para justificar as suas pretensões? Mas é esta atitude dos seus conterrâneos que os impede de receber os dons de Deus, porque a graça divina é gratuita, é livre no modo de corresponder às expectativas humanas.
Naaman, pelo contrário, aceita pôr de parte os seus preconceitos. Como pagão, não pretende ter direitos sobre o Deus de Israel. Apenas aceita os bons serviços diplomáticos do rei e se preocupa em captar a boa vontade do rei de Israel, com ricos presentes. O rei de Israel não corresponde às suas expectativas. Intervém o profeta Eliseu, sem qualquer espécie de diplomacia: não sai ao seu encontro para o saudar, acolher convenientemente e proceder aos devidos rituais de cura. Pelo contrário, manda um criado para lhe dizer que vá lavar-se sete vezes no rio Jordão. Uma verdadeira decepção! O poderoso homem da Síria mostra a sua indignação, tal como os nazarenos a mostraram em relação a Jesu
s! O rei de Israel tinha dito: «Sou eu, porventura, um deus que possa dar a morte ou a vida?». Naaman teve realmente que morrer aos seus preconceitos, às suas certezas e seguranças, para aceitar a iniciativa divina, marcada pela simplicidade. E foi curado: «a sua carne tornou-se como a de uma criança e ficou limpo-,
É com esta simplicidade, de palavras e gestos, que, no baptismo, somos purificados do nosso pecado e revestidos de graça, revestidos de Cristo, tornando-nos homens novos, filhos de Deus.
Também os gestos simples da nossa vida se podem tornar instrumentos da graça de Deus, quando realizados por amor. Pensemos em tantos santos e santas que se dedicaram à realização das obras de misericórdia, gestos simples do dia a dia como dar de comer, dar de beber, visitar doentes e presos, agasalhar quem precisava, etc., tornando-se instrumentos da graça para aqueles que beneficiavam e para tantos que testemunhavam esses actos de amor.
A disponibilidade para acolher as iniciativas de Deus, leva à disponibilidade para com os irmãos. Esta disponibilidade não pode limitar-se a nobres e belos sentimentos, à compaixão. Devem levar ao compromisso pessoal, à acção, à "disponibilidade" para com os irmãos em necessidade, com simplicidade e amor. Só assim poderemos reviver a experiência do Pe. Dehon "sensível ao pecado que enfraquece a Igreja", aos "males da sociedade", de que "descobre a causa mais profunda … na recusa do amor de Cristo". É essa a verdadeira lepra da humanidade. "Possuído por este amor que não é acolhido" corresponde-lhe "com uma união íntima ao Coração de Cristo e com a instauração do seu Reino nas almas e nas sociedades" (Cst. 4). Trata-se de uma "solidariedade" afectiva e efectiva com Cristo. Daí o seu apostolado, caracterizado por uma extrema atenção aos homens, especialmente aos mais desprotegidos e pela solicitude em remediar activamente as insuficiências pastorais da Igreja do seu tempo" (n. 5).
Oratio
Senhor, eis-me aqui! Tu és a minha esperança. Tu conheces-me. Coloco diante de Ti a minha miséria e o meu profundo desejo de cura. Tu podes curar-me. Tu tens palavras de vida eterna. Espero em Ti, espero na tua palavra, porque é grande a tua misericórdia. Não Te peço acções espectaculares. Peço um coração simples, humilde, dócil para acolher as tuas iniciativas sempre cheias de originalidade, sempre surpreendentes. Dá-me a simplicidade de uma criança, para me espantar diante da grandeza do teu amor escondido na fragilidade dos sinais sacramentais e na voz e no rosto de cada irmão. Dá-me a simplicidade de Naaman, da viúva de Sarepta. Dá-me a simplicidade de Maria de Nazaré. Dá-me a tua simplicidade de Filho muito amado do Pai, feito homem entre os homens. Amen.
Contemplatio
Quem vem? É o celeste médico que tomou sobre si as nossas enfermidades, para nos curar. – O profeta Isaías descreve longamente esta substituição (c. 53). Nós é que estamos moralmente doentes. Afastámo-nos como ovelhas errantes, desviámo-nos da via do Senhor. Éramos como leprosos pelos nossos pecados, merecíamos ser abandonados ao sofrimento e à morte; mas o celeste médico tomou tudo sobre si. Ergue-se diante do Senhor como um arbusto ressequido, está coberto de chagas e cheio de desprezos. Já não tem beleza. Vai para a morte como um cordeiro que se deixa levar. É que ele tomou sobre si todas as nossas responsabilidades e todos os nossos sofrimentos redentores que nós mesmos deveríamos ter sofrido.
Fez mais do que o bom samaritano, não apenas pensou as nossas feridas, tomou-as sobre si.
Nada se aproxima desta generosidade. O Coração do celeste médico ultrapassa todos os corações pela sua bondade, pelo seu desinteresse (Leão Dehon, 05P 3, p. 627).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «O Senhor faz maravilhas» (SI 4, 4).
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22 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Daniel 3, 25.34-43
Naqueles dias, 25 Azarias, de pé no meio das chamas, fez esta prece: 34 Pelo teu nome, não nos abandones para sempre, não anules a aliança. 35 Não nos retires a tua misericórdia, em atenção a Abraão, teu amigo, a Isaac, teu servo, 36 aos quais prometeste multiplicar a sua descendência como as estrelas do céu, e como a areia das praias do mar. 37 Senhor, estamos reduzidos a nada diante das nações, estamos hoje humilhados em face de toda a terra, por causa dos nossos pecados. 38 Agora não há nem príncipe, nem profeta, nem chefe, nem holocausto, nem sacrifício, nem oblação, nem incenso, nem um local para te oferecer as primícias e encontrar misericórdia. 39 Que pela contrição de coração e humilhação de espírito, sejamos acolhidos, como se trouxéssemos holocaustos de carneiros e de touros e de milhares de cordeiros gordos. 40 Que este seja hoje diante de ti o nosso sacrifício; possa ele reconciliar-nos contigo, pois não têm que envergonhar-se aqueles que em ti confiam. 41 É de todo o coração que agora te seguimos, te veneramos e procuramos a tua face; não nos confundas. 42Trata-nos com a tua doçura habitual e com todas as riquezas da tua misericórdia. 43 Livra-nos pelos teus prodígios e cobre de glória o teu nome, Senhor.
A oração de Azarias começa com um pedido que nos faz lembrar o «Pai nosso»: «Cobre de glória o teu nome, Senhor (v. 43; cf. Mt 6, 9). No cadinho do sofrimento, Azarias apenas teme que o nome de Deus não seja glorificado. Ainda que o sofrimento seja enorme, que o povo esteja reduzido a um «resto», e seja humilhado, Deus deve continuar a ser glorificado. Nem a profanação do templo, nem a helenização com a destituição dos chefes religiosos e do culto oficial hão-de impedir a fidelidade a Deus e a consequente glorificação do seu nome. O profeta lê todos esses acontecimentos como purificação providencial. Na provação, o povo reencontra o coração contrito e humilhado que agrada ao Senhor como um verdadeiro sacrifício (vv. 40s.) que dá glória a Deus. E, então, renasce a esperança (vv. 42s.). Deus é fiel às promessas feitas aos patriarcas (vv. 35s.). A grandeza da sua misericórdia pode ainda transbordar em benevolência e bênçãos para o povo da Aliança (v. 42). Por isso, de salmo penitencial, a súplica de Azarias transforma-se em hino de louvor cantado em coro pelos três jovens da fornalha ardente (vv. 52-90). E Deus é glorificado pelos seus fiéis e por aqueles que se dão conta do seu poder (v. 95).
Evangelho: Mateus 18, 21-35
Naquele tempo, 21 Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» 22 Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 Por isso, o Reino do Céu é comparável a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. 24 Logo ao princípio, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. 25 Não tendo com que pagar, o senhor ordenou que fosse vendido com a mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de pagar a dívida. 260 servo lançou-se, então, aos seus pés, dizendo: 'Concede-me um prazo e tudo te pagarei. ,27 Levado pela compaixão, o senhor daquele servo mandou-o em liberdade e perdoou-lhe a dívida. 28 Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o, dizendo: 'Paga o que me deves!' 290 seu companheiro caiu a seus pés, suplicando: 'Concede-me um prazo que eu te pagarei. ' 30 Mas ele não concordou e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto lhe devia. 31 Ao verem o que tinha acontecido, os outros companheiros, contristados, foram contá-lo ao seu senhor. 320 senhor mandou-o, então, chamar e disse-lhe: 'Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque assim mo suplicaste; 33 não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?' 34 E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia. 35 Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.»
A segunda parte do discurso eclesial (Mt 18), é particularmente dedicada ao perdão das ofensas pessoais. Pedro, sempre impulsivo, julga escapar à rede da vingança ilimitada (cf. vingança de Lamec, Gn 4, 23s.), dizendo-se disposto a perdoar «até sete vezes» (v. 21). Mas Jesus aponta para um horizonte mais amplo, ilimitado, afirmando que é preciso perdoar «até setenta vezes sete» (v. 22), sempre. O cristão é chamado a assumir uma mentalidade completamente nova.
Jesus ilustra o seu ensinamento com uma parábola em três actos contrastantes mas complementares: encontro do servo devedor com o senhor, encontro do servo libertado com outro servo que lhe é devedor, e novo encontro entre o servo e o senhor. Desta parábola, os discípulos hão aprender o que significa ser imitadores do Pai celeste (v. 35). A dívida do servo é enorme, mas o senhor tem compaixão por ele e perdoa-o de modo completamente gratuito. O servo insolvente, mas perdoado, encontra outro que lhe deve uma quantia irrisória, e não lhe perdoa (vv. 28-30). A graça recebida não lhe transformou o coração. Por isso, atraiu sobre si o inevitável juízo e o castigo divino. O perdão ao irmão condiciona o perdão do Pai que está no céu: «Perdoai-nos as nossas ofensas, como nós perdoamos ... ).
Meditatio
Azarias dá-nos exemplo de como se reza na desolação. Tudo fora perdido, e Deus parecia distante e inacessível. O risco do desespero, da perda da fé, ou da queda na blasfémia, espreita. Mas Azarias resiste, pede perdão para o seu povo e pede que o nome de Deus continue a ser glorificado, usando mais uma vez de doçura e misericórdia para com o seu povo: «Cobre de glória o teu nome, Senhor». E Deus escuta a oração do seu servo.
A misericórdia de Deus para connosco há-de modelar o nosso de agir em relação aos outros, deve fazer de nós portadores da misericórdia divina. O nosso Deus tem um coração de Pai cheio de bondade e de misericórdia, lento para a ira e grande no amor. Santo Ambrósio escreveu que Deus criou o homem para ter alguém a quem perdoar. Por vezes, somos muito rudes e mesquinhos diante de tanta magnanimidade.
É o que nos revela a parábola que hoje escutamos. Deus ama-nos e está sempre disponível para nos perdoar, ainda que sejam grandes os nossos pecados. Nós, muitas vezes, não sabemos perdoar coisas quase insignificantes. Assim somos causa de escândalo para os nossos irmãos. Experimentámos a misericórdia de Deus, mas não a deixamos transparecer na relação com os outros. Mas, desse modo, não reconhecemos a grandeza do nosso pecado, nem mostramos gratidão para com Deus, que nos perdoou. Assim, impedimos que cresça em nós a imagem e semelhança com Deus, «lento para a ira e cheio de bondade. (Nm 14, 18).
Diante de Deus, somos todos devedores insolventes. Ele perdoa-nos gratuitamente. E é também assim que havemos de comportar-nos com todos quanto tem alguma dívida para connosco, perdoando para além de qualquer limite: «setenta vezes sete». Mais uma vez, Deus quer dar-nos, para além de tudo, a felicidade de darmos sem nada querermos receber, a felicidade de participarmos na festa da reconciliação, na glória dos filhos de Deus comprados com o sangue do Filho, derramado para remissão dos pecados.
Como" Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus" (Cst. 6) somos chamados, não a pegar em armas como Camilo Torres e outros irmãos, que só o Pai julgará, mas a ser concretamente "profetas do amor e ... servidores da reconciliação", não violentos (Cst. 7); "Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco, quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo, e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65).
Oratio
Pai santo, rico em misericordioso, lento para a ira e grande no amor. Diante da bondade do teu coração, sentimo-nos pequenos e mesquínhos. Quantas vezes tens usado de paciência e compaixão connosco! Hoje, queremos comprometer-nos a tornar-nos participantes da tua misericórdia e do teu amor. Depois de os termos recebido tão generosamente, queremos transmiti-los, difundi-los, oferecendo-os a quantos nos têm ofendido. Como Tu nos perdoaste, assim queremos também perdoar aos nossos irmãos, para continuarmos a merecer o teu amor e a tua misericórdia. Amen.
Contemplatio
Nosso Senhor já tinha dado a S. Pedro o supremo poder de ligar e de desligar.
Era a recompensa da sua fé admirável: «Tu és Pedro, tinha-lhe dito, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e der-te-e as chaves do Reino dos céus, e tudo o que ligares sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligares sobre a terra será desligado no céu». Era confiar-lhe ao mesmo tempo a suprema autoridade do legislador e a suprema jurisdição do tribunal da misericórdia (Mt 16).
Mais tarde Nosso Senhor indica aos seus apóstolos que este poder passará de S. Pedro a todos eles: «Digo-vos na verdade, tudo o que ligardes sobre a terra será ligado também no céu; e tudo o que desligardes sobre a terra será desligado também no céu». Pedro permanece o canal único e sagrado, por onde desce do céu e se multiplica na Igreja, o poder de ligar e desligar.
Prometendo assim o perdão aos pecadores, Nosso Senhor está todo emocionado de misericórdia, ratifica já no seu Coração os milhões e milhões de absolvições que os seus ministros pronunciarão ao longo dos séculos. Sobre que é que poderia conversar com os seus discípulos neste momento, senão acerca do perdão das injúrias? O seu Coração transborda deste espírito de perdão, e está cheio dele como de um abismo. Fala sobre este tema, escutemo-lo.
«Senhor, diz Pedro aproximando-se de Jesus, se o meu irmão pecar contra mim, quantas vezes lhe perdoarei? Será até sete vezes! (S. Pedro julgava ser muito generoso). - Não digo até sete vezes, respondeu-lhe Jesus, mas até setenta vezes sete (Isto é ao infinito). - Depois o bom Mestre expõe a parábola do perdão das dívidas: «Um rei quis regular as contas com os seus servos. Apresentaram-lhe um que lhe devia dez mil talentos (vários milhões de francos). Este homem não tendo com que lhe pagar, o rei ordenou que fosse vendido, ele, a sua mulher, os seus filhos e tudo o que tinha para pagar as suas dívidas. O infeliz pediu graça, o rei teve piedade dele, mandou-o embora livre e perdoou-lhe a dívida.
«Mas eis que este se mostra intratável a seguir para com um amigo que lhe devia uma pequena soma de cem dinheiros. O rei manda-o chamar e diz-lhe: «Servo mau, a teu pedido, perdoei-te toda a tua dívida, não deverias tu ser indulgente também para com o teu companheiro?». E condenou-o.
Ó Jesus, eu vos devo dez mil talentos e mais, perdoai-me esta dívida, porque sois um bom Mestre (Leão Dehon, OSP 3, p. 221s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Não sete, mas até setenta vezes sete»(Mt 18, 21).
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23 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Deuteronómio 4, 1.5-9
Moisés falou ao povo, dizendo: «Agora, Israel, escuta os preceitos que vos dou a conhecer e põe-nos em prática, para que vivais e entreis na posse da terra que vos dá o Senhor, Deus dos vossos pais. Ensinei-vos estas leis e preceitos, conforme o Senhor, meu Deus, me ordenara, a fim de os praticardes na terra de que ides tomar posse. Observai-os e ponde-os em prática, porque eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência aos olhos dos povos, que, ao ouvirem falar de todas estas leis, dirão: ‘Que povo tão sábio e prudente é esta grande nação!’. Qual é, na verdade, a grande nação que tem a divindade tão perto de si como está perto de nós o Senhor, nosso Deus, sempre que O invocamos? E qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos como esta lei que hoje vos apresento? Mas tende cuidado; prestai atenção para não esquecer tudo quanto viram os vossos olhos, nem o deixeis fugir do pensamento em nenhum dia da vossa vida. Ensinai-o aos vossos filhos e aos filhos dos vossos filhos».
Depois de ter evocado a história, para recordar ao povo a fidelidade de Deus (Dt 1 a 3), Moisés tira algumas consequências, nomeadamente a necessidade de corresponder com a observância fiel das leis e preceitos. Esta observância, mais do que uma condição para entrar na terra prometida (v. 1), é uma vocação a realizar (v. 5b). Com efeito, a vida segundo as leis e preceitos do Senhor fará de Israel um povo admirado pelos outros povos, que apreciarão a sua sabedoria e a proximidade do seu Deus. Israel será, desse modo, testemunha do Deus vivo e verdadeiro, diante dos outros povos. O cumprimento dos mandamentos será, assim, uma resposta de amor a Deus libertador. Por isso, é conveniente recordar a história da salvação e as maravilhas operadas por Deus ao longo dela. Isso ajudará o povo a crescer na gratidão para com Deus e na observância das suas leis, de geração em geração.
Evangelho: Mateus, 5, 17-19
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar. Em verdade vos digo: Antes que passem o céu e a terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra. Portanto, se alguém transgredir um só destes mandamentos, por mais pequenos que sejam, e ensinar assim aos homens, será o menor no reino dos Céus. Mas aquele que os praticar e ensinar será grande no reino dos Céus».
Os ensinamentos de Jesus são uma novidade radical que desconcerta os seus ouvintes. O texto que hoje escutamos faz-nos entrever as interrogações que suscitava, e a delicada posição dos primeiros cristãos diante do judaísmo.
Mateus, que escreve para uma comunidade judeo-cristã, apresenta Jesus como um novo Moisés que promulga a nova lei, as Bem-aventuranças. Mas isso não significa que a Lei e os Profetas são abolidos. Pelo contrário, atingem, em Cristo, o pleno cumprimento. Durante séculos, ajudaram Israel a preparar-se para a comunhão com Deus. Agora, essa comunhão é oferecida, por graça e em plenitude, porque, em Jesus, Deus se faz Emanuel, Deus-connosco. Mas os velhos preceitos permanecerão como norma perene. É o que Jesus afirma, com autoridade, com a expressão «em verdede-, Amen, no texto grego (v. 18). Nem os mais pequenos sinais da Lei serão invalidados. Pelo contrário, da sua observância ou não observância dependerá a sorte definitiva de cada um. De facto, na lógica oriental, ser considerado mínimo significa ser excluído.
Meditatio
o homem é o eterno peregrino da liberdade e da felicidade. Para isso foi criado. Mas pode entender mal a liberdade e a felicidade e, em vez delas, encontrar a escravidão e a infelicidade. Por isso, Jesus deu uma preciosa orientação aos seus discípulos: «Se permanecerdes fiéis à minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres» (Jo 8, 31-32). Portanto, o ponto de partida e o caminho para a liberdade e felicidade é a escuta da Palavra e o cumprimento humilde e obediente dela. O encontro com a Palavra e a obediência à mesma levam-nos à verdade do amor, à liberdade, à felicidade. De facto, o encontro com a Palavra é encontro com Jesus, que é o Caminho, a Verdade e a Vida, a suprema Felicidade. Não se trata, pois, de cumprir muitas leis e preceitos, mas de seguir Jesus. Com Jesus, e como Ele, aprendemos o amor oblativo, o amor que sempre procura e encontra novas formas para se dar. É esta atitude que nos revela como homens novos, em Cristo. Jesus está connosco e, n ' Ele, encontramos a plena liberdade e felicidade, na obediência aos preceitos antigos e novos, que se resumem no amor a Deus e ao próximo, um amor que se faz dom gratuito e livre, em todas as circunstâncias.
A espiritualidade do amor oblativo, que herdámos do Pe. Dehon, coloca-nos "no coração do Evangelho" especialmente no centro de Cristo sacerdote e vítima (cf. Heb 5, 7-10; 10, 5-7.14) e impele-nos a inserir-nos "no coração do mundo" sedento de amor, de paz, de alegria, de fraternidade, que só a descoberta de Cristo pode satisfazer plenamente: "Ele é o homem perfeito ... Pela Sua Encarnação ... o próprio Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos de homem, pensou com mente de homem, actuou com vontade de homem, amou com coração de homem ... Ele é o Redentor do homem!" (Redemptor Hominis, n. 8).
Dando Cristo ao mundo, somos "profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens ... em Cristo" (Cst. 7).
Oratio
Senhor Jesus, ensina-me, mais uma vez, que a liberdade verdadeira, e a felicidade duradoira, consistem na vivência do amor, que se faz dom generoso e incondicional, que se faz obediência humilde e alegre. Infunde em mim a tua força, o teu santo Espírito, para que cumpra a Lei Antiga e Nova, não em atitude de escravo, mas de filho, em atitude de homem verdadeiramente livre. Assim, a vontade do Pai tornar-se-á para mim, como foi para Ti, alimento saboroso que me fará progredir na liberdade e na felicidade. Ajuda-me a ser livre e fazer livremente aquilo para que me criaste, para que jamais volte a cair na escravidão e na infelicidade. Não se faça o que eu quero, mas o que o Pai quer de mim. Amen.
Contemplatio
Há aqui em baixo uma satisfação para as almas justas. Elas gozam uma intimidade particular com Nosso Senhor. Não é sem uma doçura, às vezes inebriante, que bebem nas fontes do Salvador; mas é sobretudo no céu que serão saciadas da abundância dos bens que estão na casa de Deus: serão inebriadas na torrente das volúpias puras onde o Senhor mata a sede dos seus eleitos. - O Mestre dlr-Ihes-á: «Vinde, meus bem amados, comei, inebriai-vos (Cant 5, 1) enquanto tiverdes sede; é gratuitamente, é para sempre que dou àqueles que têm sede, sede de Deus, sede do meu amor (Ap 21
, 6).
Esta será a recompensa infinita da alma que, desde aqui em baixo faminta de justiça e de amor, suspirou com o grande coro de Agostinho: «Te voto, te qasero. te spert»: sois a vós quero, Senhor, só a vós procuro e só em vós espero! Quero ser daqueles, Senhor, tenho fome e sede de justiça, para mim, é toda a minha regra, é a união convosco, é a união com o vosso divino Coração, cujos batimentos devem dirigir os meus.
Tenho bebido até agora em fontes envenenadas e lodosas, deixai-me beber nas fontes límpidas e vivificantes do vosso divino Coração, nelas encontrarei a beatitude e a alegria da graça esperando a beatitude do céu (Leão Dehon, OSP 4, p. 43s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Senhor, cumprirei os teus preceitos e espero na tua palavra» (cf. SI 119, 145-147).
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24 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Jeremias 7,23-28
Assim fala o Senhor: 23 A única ordem que lhes dei foi esta: 'Ouvi a minha voz e Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo; segui sempre a senda que vos indicar, a fim de que sejais felizes. ,24 Eles, porém, não me ouviram, não prestaram atenção, seguiram os maus conselhos dos seus corações empedernidos; viraram-me as costas em vez de se voltarem para mim. 25 Desde o dia em que os vossos pais deixaram o Egipto até hoje, Eu vos enviei todos os meus servos, os profetas, dia após dia. 26E1es, porém, não me ouviram, não me prestaram atenção; endureceram a sua cerviz e agiram pior que os seus pais. 27Tudo isto lhes transmitirás, mas não te escutarão. Chamá-los-ás e não te responderão. 28 Então dir-Ihes-ás: 'Esta é a nação que não ouviu a voz do Senhor, seu Deus, não aceitou as suas advertências. A sua lealdade desapareceu, foi banida da sua boca. '
Ao condenar o formalismo do culto, o profeta condena, sobretudo, a surdez de Israel à voz de Deus (v. 23), escutada no momento da Aliança, no monte Sinai (cf. Ex 20, 1-21). Só na escuta o povo de Israel pode conhecer o seu Deus, diferente de todas as outras divindades. Por isso, o primeiro mandamento é: «escuta, Israel». Os verdadeiros profetas apelam continuamente a essa escuta. Os falsos profetas fazem outros apelos. A opção por ouvir uns ou ouvir outros determina, para cada um, a vida ou a morte.
O texto está dividido em três partes. As duas primeiras têm uma estrutura idêntica: ao «ouv» (v. 23), e ao «envie» (v. 26) correspondem dois «eles não ouviram» (vv. 24.26). Não há sinal de arrependimento, de conversão. Na terceira parte, enquanto o povo recai na idolatria e volta a ser espiritualmente escravo no Egipto, o profeta permanece fiel à sua vocação. Enquanto denuncia esta situação, partilha com Deus o sofrimento de ser recusado, de ser ele mesmo acusado de impostor pelos mentirosos.
Evangelho: Lucas 11,14-23
Naquele tempo, 14Jesus estava a expulsar um demónio mudo. Quando o demónio saiu, o mudo falou e a multidão ficou admirada. 15 Mas alguns dentre eles disseram: «É por Belzebu, chefe dos demónios, que Ele expulsa os demónios.» 16 Outros, para o experimentarem, reclamavam um sinal do Céu. 17 Mas Jesus, que conhecia os seus pensamentos, disse-Ihes:«Todo o reino, dividido contra si mesmo, será devastado e cairá casa sobre casa.
18 Se Satanás também está dividido contra si mesmo, como há-de manter-se o seu reino? Pois vós dizeis que é por Belzebu que Eu expulso os demónios. 19Se é por Belzebu que Eu expulso os demónios, por quem os expulsam os vossos discípulos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. 20 Mas se Eu expulso os demónios pela mão de Deus, então o Reino de Deus já chegou até vós. 21Quando um homem forte e bem armado guarda a sua casa, os seus bens estão em segurança; 22 mas se aparece um mais forte e o vence, tira-lhe as armas em que confiava e distribui os seus despojos. 23Quem não está comigo está contra mim, e quem não junta comigo, dispersa.»
Jesus tinha acabado de ensinar aos seus discípulos o «Pai nosso», a oração modelo de toda a oração crista, a oração que abre o coração ao Espírito Santo (v. 13). O Reino é já uma realidade presente na terra. E acontece uma cura. O povo simples enche-se de admiração. Mas há quem pense de modo diferente (v. 14s.).
Temos assim, como na primeira leitura, duas atitudes contrastantes: uns ficam admirados porque intuem uma extraordinária presença de Deus no mundo; outros acusam Jesus de blasfémia e de aliado do diabo. Jesus responde de modo incisivo, deixando os ouvintes concluírem que Satanás não combate contra si mesmo. Sendo assim, a conclusão só pode ser a dos simples: está aí o dedo de Deus. Esta expressão lembra os prodígios realizados pela mão de Moisés, no tempo do êxodo. Para que não restem dúvidas, o próprio Jesus conclui: «o Reino de Deus já chegou até vós» (v. 20). A expulsão dos demónios prova essa presença do Reino, prova o começo de uma nova época de liberdade para quem acolher a alegre notícia trazida por Jesus (v. 23).
Meditatio
«Ouvi a minha voz», diz-nos o Senhor. A Palavra do Senhor é caminho de intimidade com Ele: «Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo». A Palavra do Senhor é caminho de felicidade: «Segui sempre a senda que vos indicar, a fim de que sejais felizes». Mas, desde sempre, os homens procuraram pretextos para não escutarem a Palavra de Deus: «Eles não me ouviram, não prestaram atenção, seguiram os maus conselhos dos seus corações empedernidos». Mesmo quando a Palavra se fez carne e habitou entre nós. Para não ouvirem Jesus, alguns deformaram a realidade e acusaram-no de expulsar demónios com o poder do demónio. O «pai da mentira» sugere pensamentos errados, insinua dúvidas e suspeitas. Sem acolher a Palavra de Deus, o homem não dispõe da luz necessária para não se perder e seguir com segurança a senda da felicidade. Sem a Palavra de Deus, o homem não dispõe da força necessária para vencer o homem armado que guarda a porta da sua casa, seguro de o ter vencido e encaminhado definitivamente para a perdição, o demónio. A Palavra de Deus, em última análise, é Jesus, o vencedor do demónio. Por isso, pode afirmar: «Quem não está comigo está contra mim, e quem não junta comigo, dispersa» (v. 23).
Escutemos, pois, a Palavra do Senhor, e punhamos nela a nossa esperança, nos combates da nossa vida. Se escutarmos o Senhor, recolheremos com Ele.
Conforta-nos saber que Jesus é mais forte que o demónio, mais forte que o mundo, mais forte do que qualquer tentação. Com Ele, a vitória é certa, apesar da dureza das batalhas. Afinal: só Ele é o Senhor!
Como homens, somos criaturas frágeis, cansadas, fatigadas. Cansadas pela luta contra o mal ou porque somos vítimas do mal. Fatigadas por causa do peso da nossa carne débil, das culpas. Cristo, que vem a nós na sua Palavra e na Eucaristia, é o homem forte, com quem podemos vencer. Na sua misericordiosa bondade, convidamos, por fracos e pecadores que sejamos, convida todos os homens, também os que O não conhecem, os que são indiferentes, e mesmo os que O odeiam: "Vinde a Mim, todos vó~ que vos estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei... Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração e achareis alívio para as vossas almas, pois o Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve' (Mt 11, 28-30). Vamos, pois, ao Senhor, acolhamos a sua Palavra, acolhamo-I' O a Ele, que é o mais forte!
Oratio
Senhor Jesus, enche-nos de consolação sabermos que és o mais forte, e que, Contigo, não há dificuldade ou provação que não possamos vencer. Diante de Ti, o Demónio não passa de ' um pobre diabo', e o mundo é vencido, porque Tu o venceste. Vem a nós na tua palavra poderosa; vem a nós na Eucaristia, pão dos fortes. Faz em nós a tua morada e fica connosco, Senhor. Que jamais nos separemos de Ti! E a vitória é certa. Amen.
Contemplatio
Quando não há nada num coração, que não pertença totalmente a Nosso Senhor, porque este coração mesmo se deu com os seus afectos e os seus desejos, Nosso Senhor mesmo é o Forte armado, que guarda o seu bem com um cuidado ciumento.
Em resumo, é preciso ver neste Evangelho um convite a velar pelos interesses da nossa alma. É preciso fazê-lo com solicitude, armando-nos com armas tão poderosas que nenhuma outra possa sobre ela triunfar. Não é preciso, portanto, colocar a própria confiança na própria virtude passada, na própria energia. A concupiscência e o demónio têm facilmente razão sobre estas armas que derivam da confiança em si mesmo e do orgulho. A graça é a muralha inexpugnável entre todas e não se entra na praça-forte senão pelas intenções sobrenaturais e a vida em Nosso Senhor, na submissão aos nossos superiores, às nossas regras, a toda a vontade divina. A união a Nosso Senhor é acrescida pelo laço da afeição. Quando uma alma se deu sem reservas ao Coração de Jesus, a sua causa torna-se a de Nosso Senhor. Quanto mais o dom de si mesmo for completo e generoso, mais assegura este socorro poderoso contra o qual vêm quebrar-se as paixões e os embustes do inimigo.
«Quem não está comigo é contra mim e quem não recolhe comigo atsperses (Leão Dehon, OSP 3, p.279).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Quem não junta comigo, disperse» (Mt 11, 23b).
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25 Março 2022
A solenidade da Anunciação do Senhor é a celebração do grande mistério cristão da Encarnação do Verbo de Deus. A data de 25 de Março está em função do Nascimento de Jesus, que é celebração exatamente nove meses depois. A catequese sempre fez coincidir a Anunciação e a Encarnação. Estes mistérios começaram a ser celebrados liturgicamente provavelmente depois da edificação da basílica constantiniana sobre a casa de Maria, em Nazaré, no século IV. A celebração no Oriente e no Ocidente data do século VII. Durante séculos, esta solenidade teve sobretudo carácter mariano. Mas Paulo VI devolveu-lhe o título de "Anunciação do Senhor", repondo o seu carácter predominantemente cristológico. Em síntese, trata-se de uma "celebração (que) era e é festa de Cristo e da Virgem: do Verbo que se torna filho de Maria e da Virgem que se torna Mãe de Deus" (Marialis cultus 6).
Lectio
Primeira leitura: Isaías 7, 10-14; 8, 10
Naqueles dias, o Senhor mandou dizer de novo a Acaz: 11«Pede ao Senhor teu Deus um sinal, quer no fundo dos abismos, quer lá no alto dos céus.» 12Acaz respondeu: «Não pedirei tal coisa, não tentarei o Senhor.» 13Isaías respondeu: «Escuta, pois, casa de David: Não vos basta já ser molestos para os homens, senão que também ousais sê-lo para o meu Deus? 14Por isso, o Senhor, por sua conta e risco, vos dará um sinal. Olhai: a jovem está grávida e vai dar à luz um filho, e há-de pôr-lhe o nome de Emanuel. 10Traçai planos, que serão frustrados; ordenai ameaças, que não serão executadas, pois temos o Emanuel: «Deus-connosco.»
Acaz, rei de Jerusalém, vê vacilar o seu trono devido à aproximação de exércitos inimigos. A sua primeira reação é entrar numa política de alianças humanas. Isaías, pelo contrário, propõe a resolução do problema pela confiança em Deus. Convida o rei a pedir um «sinal» (v. 11) que seja confirmação da assistência divina. Acaz recusa a proposta: «não tentarei o Senhor» (v. 12). Fá-lo por hipocrisia, e não por verdadeiro sentido religioso. Isaías insiste que, apesar da recusa do rei, Deus lhe dará um sinal: «a jovem está grávida e vai dar à luz um filho, e há-de pôr-lhe o nome de Emanuel: «Deus-connosco». O sentido imediato destas palavras refere-se a Ezequias, filho de Acaz, que a rainha está para dar à luz. O seu nascimento, nesse momento histórico, é interpretado como sinal da presença salvadora de Deus em favor do seu povo aflito. Mais profundamente, as palavras de Isaías são profecia de um futuro rei Salvador. A tradição cristã sempre viu neste oráculo o anúncio profético do nascimento de Jesus, filho de Maria Virgem.
Segunda leitura: Hebreus 10, 4-10
Irmãos, é impossível que o sangue dos touros e dos bodes apague os pecados. 5Por isso, ao entrar no mundo, Cristo diz: «Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas reparaste-me um corpo. 6Não te agradaram holocaustos nem sacrifícios pelos pecados. 7Então, Eu disse: Eis que venho - como está escrito no livro a meu respeito -para fazer, ó Deus, a tua vontade. 8Disse primeiro: Não quiseste nem te agradaram sacrifícios, oferendas e holocaustos pelos pecados - e, no entanto, eram oferecidos segundo a Lei. 9Disse em seguida: Eis que venho para fazer a tua vontade. Suprime, assim, o primeiro culto, para instaurar o segundo. 10E foi por essa vontade que nós fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre.
Este texto, retirado do seu contexto, procura demonstrar que o sacrifício de Cristo é superior aos sacrifícios do Antigo Testamento. O autor da Carta aos Hebreus relê o Salmo 39 - utilizado pela liturgia desta solenidade como Salmo Responsorial - como se fosse uma declaração de intenções do próprio Cristo ao entrar no mundo, no momento da Incarnação. Esta é também a atitude obediencial do povo da antiga aliança e de todo o piedoso cantor do salmo: «: Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade.». A Incarnação como atitude obediencial acontece no dia da Anunciação do Senhor a Maria. Esse dia inaugura a peregrinação messiânica que conduzirá à doação do corpo de Cristo no sacrifício salvífico, novo e inovador, único e indispensável, que se completa no sacrifício da cruz.
Evangelho: Lucas 1, 26-38
Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, 27a uma virgem desposada com um homem chamado José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. 28Ao entrar em casa dela, o anjo disse-lhe: «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» 29Ao ouvir estas palavras, ela perturbou-se e inquiria de si própria o que significava tal saudação. 30Disse-lhe o anjo: «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. 31Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. 32Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, 33reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» 34Maria disse ao anjo: «Como será isso, se eu não conheço homem?» 35O anjo respondeu-lhe: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus. 36Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice e já está no sexto mês, ela, a quem chamavam estéril, 37porque nada é impossível a Deus.» 38Maria disse, então: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» E o anjo retirou-se de junto dela.
Uma possível chave de leitura deste texto é ver nele um relato biográfico feito por Lucas que terá ouvido atentamente as confidências de Maria. No diálogo entre Deus e a menina de Nazaré - pela mediação do anjo Gabriel - revela-nos uma relação viva entre o divino e o humano, em que a proposta do alto vai sendo progressivamente esclarecida. O mensageiro respeita a condição humana de uma rapariga virgem que recebe uma proposta inesperada: ser mãe do Messias. Maria, a virgem prometida como esposa a José, aproxima-se progressivamente do mistério, deixando-se conscientemente envolver por ele, disponibilizando-se e adequando à proposta de Deus o seu próprio projeto. E termina pronunciando o seu «Eis-me aqui!» (cf. v. 38).
Meditatio
O mistério celebrado hoje é a conceição do Filho de Deus no seio da Virgem Maria. Na basílica nazaretana da Anunciação, diante do altar, há uma placa de mármore que os peregrinos beijam com emoção e onde está escrito: "Aqui de Maria Virgem fez-se carne o Verbo".
No texto da Carta aos Hebreus, o hagiógrafo refere ou interpreta a anunciação de Cristo; no texto de Lucas, o evangelista narra a anunciação a Maria. Cristo toma a iniciativa de declarar aquilo que Ele mesmo compreende; Maria recebe uma palavra que vem de fora de si mesma, uma palavra cheia de propostas de um Outro. O paralelismo transforma-se em coincidência na explicitação da disponibilidade de ambos para fazerem a vontade divina; é uma disponibilidade separada por qualidade e quantidade de consciência, mas que converge na finalidade de obediência total ao projeto de Deus: Ecce venio, ecce ancilla, eis-me aqui! Eis a serva!
A atitude de obediência irá aproximar a mãe e o filho, Maria "anunciada" e Jesus Cristo "anunciado". Ambos pronunciam o seu «Eis-me aqui!». Ambos se exprimem com voz quase idêntica: «faça-se em mim segundo a tua palavra», «Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade». Ambos entram na fisionomia de «serva» e de «servo» do Senhor. Esta sintonia encoraja os discípulos à disponibilidade para servir a palavra de Deus, porque o próprio Filho de Deus é servo e porque a Mãe de Deus é serva; ambos são servos de uma palavra que salva quem a serve e que traz salvação.
Os Sacerdotes do Coração de Jesus são chamados a viver a espiritualidade oblativa, a fazerem da sua vida e obras uma oferta de amor que se concretiza, em primeiro lugar, na disponibilidade para cumprir a vontade de Deus, mesmo quando ela exige renúncia, sacrifício. Unem-se à oblação perfeita de Cristo ao Pai com o sacrifício das suas vidas, "como oblação viva, santa e agradável a Deus" (cf. Rom 12, 1), a realizar-se na contemplação e no apostolado (cf. Cst nn. 24 e 58).
Esta espiritualidade oblativa é bem expressa, segundo o P. Dehon, pelo "Ecce venio" (Eis-me aqui!) (Heb 10, 7): "Nestas palavras: Ecce venio,.. Ecce ancilla..., encerram-se toda a nossa vocação, a nossa finalidade, o nosso dever, as nossas promessas" (Dir. Esp. I. 3)." (Cst. n. 6; cf. Cst nn. 53.58.85).
Oratio
Salve Santa Maria, serva humilde do Senhor, mãe gloriosa de Cristo! Salve, Virgem fiel! Ensina-nos a ser dóceis ao Espírito. Ensina-nos a viver em atitude de escuta da Palavra, atentos às suas inspirações e às suas manifestações na vida dos irmãos, nos acontecimentos da história, no gemido e no júbilo da criação. Virgem da escuta, virgem orante, acolhe as súplicas dos teus servos. Ajuda-nos a abandonar-nos ao Senhor, a unir-nos ao Ecce venio de Jesus e ao teu Ecce ancilla. Ajuda-nos a compreender que já não podemos ter outra vontade que não a do Pai, outra regra que o seu beneplácito. Que, em cada instante, procuremos a vontade de Deus e nos conformemos a ela (cf. Leão Dehon, OSP 3, p. 329).
Contemplatio
Ecce venio, regra de vida de Jesus. - Foi neste dia que Nosso Senhor disse o seu Ece venio e que Maria disse o seu Ecce ancilla. O apóstolo S. Paulo regista-o, foi ao entrar neste mundo pela Incarnação que Nosso Senhor formulou o seu abandono ao beneplácito do Pai e a regra de toda a sua vida: Eis que venho, meu Pai, para fazer a vossa vontade (Heb 10,5). Tinha dito por David que tal seria a lei do seu Coração (Sl 39). Colocou esta lei do abandono, da obediência, da conformidade à vontade do seu Pai, no fundo do seu Coração para a consultar sem cessar, para a seguir sempre, para dela fazer a rega de toda a sua vida. E do seu Coração ela subia sem cessar aos seus lábios, como o Evangelho mesmo o indica: «Meu Pai, que a vossa vontade seja feita. - Meu Pai, que assim seja, pois que vós o quereis. - Meu Pai, não a minha vontade, mas a vossa». Estas indicações do Evangelho bastam para mostrar que aí estava para Nosso Senhor uma regra de vida e um pensamento habitual do seu Coração. O que Ele procura sempre, não é nem o interesse nem o prazer, mas a vontade do seu Pai. A única questão que se coloca antes de agir é sempre esta: «Meu Pai, que quereis que Eu faça?» (Leão Dehon, OSP 3, p. 328).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 2, 38).
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Anunciação do Senhor (25 Março)
25 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Oseias, 14, 2-10
Assim fala o Senhor: 2Volta, Israel, ao Senhor teu Deus, porque caíste por causa dos teus pecados. "tome! convosco palavras de arrependimento. E voltai ao Senhor, dizendo-lhe: «Perdoa todos os nossos pecados, e acolhe favoravelmente o sacrifício que oferecemos, a homenagem dos nossos lábios. 4 A Assíria não nos salvará; não montaremos a cavalo, e nunca mais chamaremos nosso Deus a uma obra das nossas mãos, pois só junto de ti o órfão encontra compaixão.» "Corare! a sua infidelidade, emâ-Ios-ei de todo o coração, porque a minha cólera se afastou deles. 6Serei para Israel como o orvalho: florescerá como um lírio e deitará raízes como um cedro do Líbano. 70s seus ramos estender-se-ão ao longe, a sua opulência será como a da oliveira, o seu perfume como o odor do Líbano. 8 Regressarão os que habitavam à sua sombra; renascerão como o trigo, darão rebentos como a videira e a sua fama será como a do vinho do Líbano. 9 Efraim, que tenho Eu ainda a ver com os ídolos? Sou Eu quem responde e olha por ele. Eu sou como um cipreste sempre verdejante; é de mim que procede o teu fruto. lOQuem é sábio para compreender estas coisas, inteligente para as conhecer? Porque os caminhos do Senhor são rectos, os justos andarão por eles, mas os pecadores tropeçarão neles.
Oseias convida o povo a «voltar», isto é, a converter-se a Deus, reconhecendo o seu pecado, causa das actuais desgraças. O profeta sugere uma confissão lúcida e sincera das próprias culpas, porque agrada mais a Deus uma vida purificada e unida à oferta de louvor (v. 3) do que os sacrifícios de vítimas. Há que libertar-se de compromissos humanos pecaminosos, e particularmente do recurso aos ídolos. O povo pode sentir-se pobre e desprotegido. Mas é então que Deus assume cuidar dele (v. 4).
Uma vez convertido o povo, o próprio Deus Se «converte» renunciando à sua justa ira. Mais ainda: o seu amor fiel curará Israel e perdoará as suas infidelidades. O texto detém-se a descrever os efeitos do amor divino com termos e expressões de rara beleza, lembrando o Cântico dos Cânticos. Quem caminha na rectidão compreenderá esse amor e fruirá dos seus benefícios: «Os caminhos do Senhor são rectos, os justos andarão por eles, mas os pecadores tropeçarão neles» (v. 10).
Evangelho: Marcos 12, 28-34
Naquele tempo, 28 Aproximou-se dele um escriba que os tinha ouvido discutir e, vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» 29 Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; 30 amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. 310 segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» 320 escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; 33 e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» 34 Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.
o texto evangélico de hoje reflecte uma discussão viva entre as escolas rabínicas do tempo de Jesus. Qual é o primeiro mandamento entre os 248 apresentados pela Lei, acrescidos de 365 proibições? Provavelmente a pergunta não era de todo inocente, mas escondia uma insídia contra o jovem rabi. Mas Jesus soube encontrar uma saída airosa, indo logo ao fundo da questão, ao citar o Deuteronómio: «Escuta, Israel/» (Dt 6, 4s), texto repetido três vezes ao dia nas orações dos piedosos israelitas. A este mandamento, Jesus acrescenta outro, tirado do Levítico: «Amarás o teu próximo como a ti mesmos (Lv 19, 18). A originalidade desta resposta de Jesus está na união destes dois mandamentos. O escriba reconheceu nela uma verdadeira síntese da Lei e do culto. Jesus elogia-o e acrescenta outra novidade: a proximidade do reino de Deus, cuja lei fundamental é o amor.
Meditatio
Qualquer que tenha sido a intenção do escriba ao interrogar Jesus sobre qual é o primeiro de todos os mandamentos, devemos estar-lhe gratos. De facto, deu ao Senhor a oportunidade de dar uma resposta que nos interessa, que interessa a todos quantos desejam compreender bem a vontade do Senhor, para a cumprirem fielmente. A resposta de Jesus foi muito simples: o maior dos mandamentos é o amor. Deus é amor, e pede-nos amor: «amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças ... Amarás o teu próximo como a ti mesmo-, Amando como Ele nos ama, amando com o amor com que nos ama, participamos da sua vida. É a vocação de todo o homem. É a sua felicidade: amar o Deus-Amor como único Senhor, sabendo que jamais O amaremos como merece e tem direito, e que, por isso, havemos de progredir no amor, desenvolvendo todas as nossas capacidades de amar. Amar o próximo com Ele e como Ele, por causa d ' Ele, com o amor com que somos amados, é uma verdadeira alegria, é a suprema realização.
Mas, quantas vezes, amámos outros deuses, adorando as obras das nossas mãos, a nossa realização pessoal, os nossos interesses mesquinhos ... O resultado foi cairmos na escravidão, ver os outros como rivais, perder a nossa liberdade, a nossa alegria, a nossa felicidade. Por isso, rezamos com o profeta: «Perdoa todos os nossos pecados, e acolhe favoravelmente o sacrifício que oferecemos, a homenagem dos nossos lábios»' Que o Senhor nos responda: «Curarei a sua infidelidade, sme-tos-ei de todo o coração-. Amados pelo Senhor, seremos capazes de amar.
Depois da vinda de Cristo, todo o crente pode repetir estas palavras de João:
"Nisto consiste o Seu amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele, que nos amou ... Amou-nos por primeiro ... " (1 Jo 4, 19). Porque nos amou, podemos amá-I '0. Porque nos amou, podemos amar a todos os nossos irmãos, sem fazermos acepção de pessoas. De facto, Deus ama-nos a todos. Chamou-nos à vida porque nos amou pessoalmente: "Chamei-te pelo nome ... " (Is 43, 1). É esse o fundamento da dignidade da pessoa humana. Cada um de nós é um pensamento amoroso de Deus, criado à sua imagem e semelhança: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança ... Deus criou o homem à Sua imagem, à imagem de Deus os criou, homem e mulher os aiod'
(Gn 1, 26-27). Criado à imagem do Deus-Amor, todo o homem merece ser amado com o amor típico de Deus: o amor oblativo!
Oratio
Pai santo, obrigado por todos os teus dons maravilhosos, especialmente pelo dom de um coração novo, no teu Filho Jesus. Palpitando em nós o coração de Jesus, teu Filho muito amado, podemos viver o primeiro dos mandamentos e todos os outros. Podemos amar-Te com todo o nosso coração, com toda a nossa inteligência e com todas as nossas forças. E podemos amar o próximo em Ti!
Obrigado, Pai santo, porque nos amaste por primeiro, nos criaste por amor, nos criaste à tua imagem e semelhança, nos redimiste gratuitamente e nos deste a possibilidade de corresponder ao teu amor infinito, infundindo em nós o Espírito Santo, criando em nós um coração novo, o coração do teu Filho Jesus. Amen.
Contemplatio
Santa Catarina de Sena é da família espiritual das Gertrudes e das Margaridas Maria. Tinha apenas seis anos quando Jesus lhe mostrou o seu coração, como fonte de toda a santificação. Ia rezando para a Igreja de S. Domingos. Uma aparição manifestou-se-Ihe na Igreja.
Viu Jesus mostrando-lhe o seu coração com uma mão e abençoando-a com a outra. À sua direita as duas colunas da Igreja, S. Pedro e S. Paulo; à esquerda, o apóstolo bem-amado, S. João, o discípulo do Sagrado Coração, inclinando a sua cabeça sobre o peito do Mestre. A criança era investida pelo Sagrado Coração com a augusta missão de reconduzir a paz na Igreja perturbada, e de se tornar a Joana d' Arc do papado, missão que ela cumpriu mais tarde no meio de um profundo e universal entusiasmo por ela. Desde então, imitou S. João e viveu em união com o Sagrado Coração.
Recebeu uma graça mística maior ainda. Um dia em que meditava neste versículo: «Criai em mim um coração novo», viu Nosso Senhor aproximar-se e tocá-Ia no lado onde ela sentiu uma dor indizível, como se lhe tivessem arrancado o seu coração. Depois Nosso Senhor apareceu-lhe de novo tendo na mão um coração luminoso, que lhe pôs no peito dizendo-lhe: «Minha filha, tirei-te o teu coração, dou-te o meu, para que vivas para sempre em mim». A partir daquele dia, teve no lado esquerdo uma cicatriz que reconheceram depois da sua morte, e sentiu no coração um fogo sagrado com um ímpeto de generosidade e de amor por Deus e pela Igreja que espantou o seu século (Leão Dehon, OSP 3, p. 493).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Cria em mim, ó Deus, um coração puro;
renova e dá firmeza ao meu espírito. (SI 50, 12).
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26 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Oseias 6, 1-6
1 «Vinde, voltemos para o Senhor; Ele feriu-nos, Ele nos curará; Ele fez a ferida, Ele dará o penso. 2 Der-nos-e de novo a vida em dois dias, ao terceiro dia nos levantará, e viveremos na sua presença. 3 Conheçamos, esforcemo-nos por conhecer o Senhor; iminente, como a aurora, está a sua vinda; Ele virá para nós como a chuva, como a chuva da Primavera que irriga a terra.» 4Que posso fazer por ti, ó Efraim? Que posso fazer por ti, ó Judá? O vosso amor é como a nuvem da manhã, como o orvalho matutino que logo se dissipa. 5 Por isso os castiguei duramente pelos profetas, e os matei pelas palavras da minha boca, e o meu julgamento resplandece como a luz
6 Porque Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios, o conhecimento de Deus mais que os holocaustos.
São muitas as desgraças que afectam o povo de Deus. Israel e Judá estão em guerra. A aliança com a Assíria levou à perda das regiões setentrionais de Israel, no ano 732 a. C. No contexto de um acto litúrgico penitencial, o profeta avisa o povo: tudo isto se deve ao afastamento de Deus, a um culto meramente formal e vazio de amor. E clama: há que estar alerta, há que converter-se, pois já se divisa no horizonte o dia do castigo messiânico (Os 5, 9).
Com uma imagem frequente na Sagrada Escritura, o povo reconhece estar doente (Os 5, 13) e invoca a Deus como único médico capaz de curar a ferida que Ele mesmo provocou em vista da correcção (v. 1). Deus é o Senhor da história. Sabe que o arrependimento do povo é interessado (v. 3) e efémero (v. 4). Mas não se cansa de chamar à conversão. A sua palavra é uma espada que fere para curar. Pede amor e não holocaustos (v. 6), confiança e não simples actos de culto, ainda por cima praticados com hipocrisia.
Evangelho: Lucas 18, 9-14
Naquele tempo, Jesus9Disse também a seguinte parábola, a respeito de alguns que confiavam muito em si mesmos, tendo-se por justos e desprezando os demais: 10 «Dois homens subiram ao templo para orar: um era fariseu e o outro, cobrador de impostos. 110 fariseu, de pé, fazia interiormente esta oração: 'á Deus, dou-te graças por não ser como o resto dos homens, que são ladrões, injustos, adúlteros; nem como este cobrador de impostos. 12 Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo quanto possuo.' 130 cobrador de impostos, mantendo-se à distância, nem sequer ousava levantar os olhos ao céu; mas batia no peito, dizendo: 'á Deus, tem piedade de mim, que sou pecador.' 14Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado. »
No contexto da subida a Jerusalém, Jesus vai apresentando as exigências para a entrada no Reino. A página que hoje escutamos apresenta-nos duas personagens em oração. O seu modo de rezar revela o seu modo de viver e de se relacionar com Deus e com os outros. O fariseu realça os seus méritos e julga-se credor diante de Deus. No fundo, não precisa d ' Ele, ainda que formalmente lhe agradeça tê-lo feito tão perfeito. Mais ainda: a sua justiça leva-o a julgar impiedosamente os outros. O excesso de autoestima e de autoconfiança levam-no a desprezar os outros (v. 11). O publicano, pelo contrário, consciente dos seus pecados, tudo espera da misericórdia de Deus. Vergado pelos seus pecados, está lançado para o céu. Batendo com a mão no peito, bate à porta do Reino, que lhe é aberta.
Meditatio
A parábola que o evangelho hoje nos apresenta é um verdadeiro dom de Deus, particularmente no tempo da Quaresma que estamos a viver. Com efeito, pode assaltar-nos a tentação de pensarmos que, com as práticas penitenciais que nos propusemos, e vamos praticando, somos melhores que os outros. Ceder a esta tentação, seria arruinar todo o bem que, com a graça do Senhor (é bom sempre lembrá-lo!), temos praticado.
«Quero a misericórdia e não os sacrifícios, o conhecimento de Deus mais que os holocaustos», diz-nos o Senhor pela boca de Oseias. Conhecer a Deus, e conhecermos a nós mesmos em Deus, é o caminho da sabedoria e da vida. Foi o caminho que os santos de todos os tempos percorreram: «Que Te conheça, que eu me conheça», pedia Santo Agostinho. Quem somos nós, sem Deus? Somos certamente pecadores, cheios de orgulho e cheios de desprezo pelos outros; somos prisioneiros do nosso egoísmo e do nosso pecado. Quem somos nós com Deus? Somos ainda pecadores, mas pecadores que sabem que a experiência de pecado pode tornar-se o lugar em que Deus, o Misericordioso, nos revela o seu rosto.
Um excelente exercício para a nossa Quaresma consistirá em unir-nos à misericórdia de Deus, revelada em Jesus Cristo, que aceitou ser contado entre os pecadores, que carregou sobre Si as culpas de todos, e aceitou morrer para nossa salvação. Por isso, não só não se separou dos pecadores, mas aceitou conviver com eles, para a todos revelar o amor misericordioso do Pai. Cada cristão há-de continuar a ser sinal desse amor misericordioso junto dos irmãos, particularmente daqueles que nos parecem maiores pecadores. Tudo o mais que fizermos, jejuns, orações, esmolas, ou outras penitências, deve ser oferecido pelos nossos próprios pecados. Se nos julgamos mais perto de Deus, devemos prová-lo a nós mesmos com uma proximidade maior junto dos outros, uma proximidade permeada de misericórdia e de amor fraterno, de amor oblativo.
Jesus aproxima-Se das pessoas com muita compreensão, com doçura e humildade. Ama as pessoas, como nos demonstra também na parábola do pai bom e do filho pródigo. As palavras do pai não são um sermão, não avançam queixas e muito menos acusações. Não é um debate e, muito menos, uma polémica. À humilde confissão do filho: "Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho" (Lc 15, 21), o pai responde beijando-o e abraçando-o; apenas fala com o seu amor: "Depressa, trazei o vestido mais belo e vesti-lho, ponde-lhe o anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo, matai-o, comamo-lo e façamos festa ... " (Lc 15, 22-23).
É este o modo como também havemos de actuar com os nossos irmãos, mesmo com aqueles de quem tenhamos alguma queixa.
Oratio
Senhor, ajuda-me a libertar-me das máscaras com que tento esconder a pobreza do meu ser, a mesquinhez do meu coração, a dureza dos meus preconceitos. Sinto-me realmente doente, carecido de salvação. Sinto-me, também eu, fariseu. Mas não consigo esconder-Te a minha verdade: tu sabes que o meu coração não é puro, que a minha vida não é santa, que, muitas vezes, julgo, desprezo e condeno os outros, tentando justificar-me com obras que são só aparência. A tua graça faz-me, hoje, tomar consciência de tudo isso, e faz-me experimentar um enorme vazio dentro de mim. Como o publicano da parábola, dobro-me a teus pés e digo: «tem piedade de mim, que sou pecador». Sei que, também a mim, queres dar a graça de reconhecer a minha humildade, e de experimentar a tua misericórdia imensamente maior que os meus preconceitos e os meus pecados. Por isso, Te digo: Senhor, se quiseres, podes curar-me. Amen.
Contemplatio
Mesererel... Não sentimos a necessidade de implorar a misericórdia divina, quando pensamos nas nossas faltas e em toda a indiferença e ingratidão que mostrámos ... para com o Sagrado Coração de Jesus?
Se a nossa vida foi daquelas que se dizem piedosas, acautelemo-nos para não nos envaidecermos como o Fariseu, imitemos antes a humildade do Publicano, porque, se fizemos pouco mal, acaso fizemos todo o bem que Nosso Senhor esperava de nós?
Não temos de tremer ao examinarmos a proporção entre as graças recebidas e o pouco fruto que delas tirámos?
O livro da Imitação pede-nos a extirpação de um defeito por ano, chegámos aí? Pensemos também na tibieza de tantas almas que provocam os vómitos de Nosso Senhor; pensemos nos pecados que mais ferem o seu Coração, os do povo escolhido, os dos culpados que escandalizam as crianças. O nosso acto de desagravo hoje deve ser incessante por todos estes pecados ... (Leão Dehon, OSP 4, p.603).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Tem piedade de mim, que sou pecador» (Lc 18, 13).
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27 Março 2022
ANO C
4º DOMINGO DA QUARESMA
Tema do 4º Domingo da Quaresma
A liturgia de hoje convida-nos à descoberta do Deus do amor, empenhado em conduzir-nos a uma vida de comunhão com Ele.
O Evangelho apresenta-nos o Deus/Pai que ama de forma gratuita, com um amor fiel e eterno, apesar das escolhas erradas e da irresponsabilidade do filho rebelde. E esse amor lá está, sempre à espera, sem condições, para acolher e abraçar o filho que decide voltar. É um amor entendido na linha da misericórdia e não na linha da justiça dos homens.
A segunda leitura convida-nos a acolher a oferta de amor que Deus nos faz através de Jesus. Só reconciliados com Deus e com os irmãos podemos ser criaturas novas, em quem se manifesta o homem Novo.
A primeira leitura, a propósito da circuncisão dos israelitas, convida-nos à conversão, princípio de vida nova na terra da felicidade, da liberdade e da paz. Essa vida nova do homem renovado é um dom do Deus que nos ama e que nos convoca para a felicidade.
LEITURA I – Jos 5,9a.10-12
Leitura do Livro de Josué
Naqueles dias,
disse o Senhor a Josué:
«Hoje tirei de vós o opróbrio do Egipto».
Os filhos de Israel acamparam em Gálgala
e celebraram a Páscoa,
no dia catorze do mês, à tarde,
na planície de Jericó.
No dia seguinte à Páscoa,
comeram dos frutos da terra:
pães ázimos e espigas assadas nesse mesmo dia.
Quando começaram a comer dos frutos da terra,
no dia seguinte à Páscoa,
cessou o maná.
Os filhos de Israel não voltaram a ter o maná,
mas, naquele ano,
já se alimentaram dos frutos da terra de Canaã.
AMBIENTE
O livro de Josué narra a entrada e a instalação do Povo de Deus na Terra Prometida. Recorrendo ao género épico (relatos enfáticos, exagerados, maravilhosos) e apresentando idealmente a tomada de posse da Terra como um passeio triunfal do Povo com Deus à frente, os autores deuteronomistas vão sublinhar a acção maravilhosa de Jahwéh que, através do seu poder, cumpre as promessas feitas aos antepassados e entrega a Terra Prometida ao seu Povo. Não é um livro muito preciso do ponto de vista histórico; mas é uma extraordinária catequese sobre o amor de Deus ao seu Povo.
No texto que a liturgia de hoje nos propõe, os israelitas, vindos do deserto, acabaram de atravessar o rio Jordão. Estão em Guilgal, um lugar que não foi ainda localizado, mas que devia situar-se não longe do Jordão, a nordeste de Jericó. Aproxima-se a celebração da primeira Páscoa na Terra Prometida e só os circuncidados podem celebrar a Páscoa (cf. Ex 12,44.48); por isso, Josué faz o Povo passar pelo rito da circuncisão, sinal da aliança de Deus com Abraão e, portanto, sinal de pertença ao Povo eleito de Jahwéh (cf. Gn 17,10-11). É neste contexto que aparecem as palavras de Deus a Josué referidas na primeira leitura.
MENSAGEM
O rito da circuncisão, destinado a todos “os que nasceram no deserto, durante a viagem, depois do êxodo” (Jos 5,5), terminou e todos fazem, agora, parte do Povo de Deus. É um Povo renovado, que dessa forma reafirmou a sua ligação ao Deus da aliança. O rito levado a cabo por Josué faz-nos pensar numa espécie de “conversão” colectiva, que põe um ponto final no “opróbrio do Egipto” e assinala um “tempo novo” para o Povo de Deus.
A questão central deste texto gira à volta da vida nova que começa para o Povo de Deus. A Páscoa, celebrada nessa terra livre, marca o início dessa nova etapa. Israel é, agora, um Povo novo, o Povo eleito, comprometido com Jahwéh, definitivamente livre da escravidão, que inicia uma vida nova nessa Terra de Deus onde “corre o leite e o mel”.
ACTUALIZAÇÃO
Reflectir a partir das seguintes questões:
• Somos convidados, neste tempo de Quaresma, a uma experiência semelhante à que fez o Povo de Deus de que fala a primeira leitura: é preciso pôr fim à etapa da escravidão e do deserto, a fim de passar, decisivamente, à vida nova, à vida da liberdade e da paz. E a circuncisão? A circuncisão física é um rito externo, que nada significa… O que é preciso é aquilo a que os profetas chamaram a “circuncisão do coração” (Dt 10,16; Jr 4,4; cf. Jr 9,25): trata-se da adesão plena da pessoa a Deus e às suas propostas; trata-se de uma verdadeira transformação interior que se chama “conversão”. O que é que é preciso “cortar” na minha vida ou na vida da minha comunidade cristã (ou religiosa) para que se dê início a essa nova etapa? O que é que ainda nos impede de celebrar um verdadeiro compromisso com o nosso Deus?
• A partir dessa “circuncisão do coração”, podemos celebrar com verdade a vida nova, a ressurreição. A celebração da Páscoa será, dessa forma, o anúncio e a preparação dessa Páscoa definitiva (a Páscoa escatológica), que nos trará a vida plena.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Enaltecei comigo ao Senhor
e exaltemos juntos o seu nome.
Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
libertou-me de toda a ansiedade.
Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
salvou-o de todas as angústias.
LEITURA II – 2 Cor 5,17-21
Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
As coisas antigas passaram; tudo foi renovado.
Tudo isto vem de Deus,
que por Cristo nos reconciliou consigo
e nos confiou o ministério da reconciliação.
Na verdade, é Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo,
não levando em conta as faltas dos homens
e confiando-nos a palavra da reconciliação.
Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo;
é Deus quem vos exorta por nosso intermédio.
Nós vos pedimos em nome de Cristo:
reconciliai-vos com Deus.
A Cristo, que não conhecera o pecado,
Deus identificou-O com o pecado por causa de nós,
para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus.
AMBIENTE
Por volta de 56/57, chegam a Corinto missionários itinerantes que se apresentam como apóstolos e criticam Paulo, lançando a confusão. Provavelmente, trata-se ainda desses “judaizantes” que queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei de Moisés (embora também possam ser cristãos que condenam a severidade de Paulo e que apoiam o laxismo da vida
dos coríntios). De qualquer forma, Paulo é informado de que a validade do seu ministério está a ser desafiada e dirige-se a toda a pressa para Corinto, disposto a enfrentar o problema. O confronto é violento e Paulo é gravemente injuriado por um membro da comunidade (cf. 2 Cor 2,5-11;7,11). Na sequência, Paulo abandona Corinto e parte para Éfeso. Passado algum tempo, Paulo envia Tito a Corinto, a fim de tentar a reconciliação. Quando Tito regressa, traz notícias animadoras: o diferendo foi ultrapassado e os coríntios estão, outra vez, em comunhão com Paulo. É nessa altura que Paulo, aliviado e com o coração em paz, escreve esta Carta aos Coríntios, fazendo uma tranquila apologia do seu apostolado.
O texto que nos é proposto está incluído na primeira parte da carta (2 Cor 1,3-7,16), onde Paulo analisa as suas relações com os cristãos de Corinto. Neste texto em concreto, transparece essa necessidade premente de reconciliação que vai no coração de Paulo.
MENSAGEM
A palavra-chave desta leitura é “reconciliação” (das dez vezes que Paulo utiliza o verbo “reconciliar” e o substantivo “reconciliação”, cinco correspondem a esta passagem). Transparece, portanto, aqui, a angústia de Paulo pelo “distanciamento” dos seus queridos filhos de Corinto e a sua vontade de refazer a comunhão com eles.
Mas, para além da reconciliação entre os coríntios e Paulo, é necessária a reconciliação entre os coríntios e Deus. Daí a ardente chamada do apóstolo a que os coríntios se deixem reconciliar com Deus. “Em Cristo”, Deus ofereceu aos homens a reconciliação; aderir à proposta de Cristo é acolher a oferta de reconciliação que Deus fez. Ser cristão implica, portanto, estar reconciliado com Deus (isto é, aceitar viver com Ele uma relação autêntica de comunhão, de intimidade, de amor) e com os outros homens. Isto significa, na prática, ser uma criatura nova, um homem renovado.
É desta reconciliação que Paulo se fez “embaixador” e arauto; o ministério de Paulo passa por pedir aos coríntios que se reconciliem com Deus e que nasçam, assim, para a vida nova de Deus. É evidente que esta chamada não é só válida para os cristãos de Corinto, mas serve para os cristãos de todos os tempos: os homens têm necessidade de viver em paz uns com os outros; mas dificilmente o conseguirão, se não viverem em paz com Deus.
O texto termina (vers. 21) com uma referência à eficácia reconciliadora da morte de Cristo: pela cruz, Deus arrancou-nos do domínio do pecado e transformou-nos em homens novos. Que quer isto dizer? Ao ser morto na cruz pela Lei, Cristo mostrou como a Lei só produz morte, desqualificou-a e afastou-nos dela, permitindo-nos o verdadeiro encontro com Deus; e pela cruz, Jesus ensinou-nos o amor total, o amor que se dá, libertando-nos do egoísmo que impede a reconciliação com Deus e com os irmãos.
ACTUALIZAÇÃO
Para reflectir e actualizar a Palavra, considerar as seguintes questões:
• Ser cristão é, antes de mais, aceitar essa proposta de reconciliação que Deus nos faz em Jesus. Significa que Deus, apesar das nossas infidelidades, continua a propor-nos um projecto de comunhão e de amor. Como é que eu respondo a essa oferta de Deus: com uma vida de obediência aos seus projectos e de entrega confiada nas suas mãos, ou com egoísmo, auto-suficiência e fechamento ao Deus da comunhão?
• É “em Cristo” – e, de forma privilegiada, na cruz de Cristo – que somos reconciliados com Deus. Na cruz, Cristo ensinou-nos a obediência total ao Pai, a entrega confiada aos projectos do Pai e o amor total aos homens nossos irmãos. Dessa lição decisiva deve nascer o Homem Novo, o homem que vive na obediência aos projectos de Deus e no amor aos outros. É desta forma que eu procuro viver?
• A comunhão com Deus exige a reconciliação com os outros meus irmãos. Não é uma conclusão a que Paulo dê um relevo explícito neste texto, mas é uma perspectiva que está implícita em todo o discurso. Como me situo face a esta obrigatoriedade (para o cristão) de me reconciliar com os que me rodeiam?
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Lc 15,18
Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.
Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.
Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Vou partir, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
EVANGELHO – Lc 15,1-3.11-32
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
os publicanos e os pecadores
aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem.
Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo:
«Este homem acolhe os pecadores e come com eles».
Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:
«Um homem tinha dois filhos.
O mais novo disse ao pai:
‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’.
O pai repartiu os bens pelos filhos.
Alguns dias depois, o filho mais novo,
juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante
e por lá esbanjou quanto possuía,
numa vida dissoluta.
Tendo gasto tudo,
houve uma grande fome naquela região
e ele começou a passar privações.
Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra,
que o mandou para os seus campos guardar porcos.
Bem desejava ele matar a fome
com as alfarrobas que os porcos comiam,
mas ninguém lhas dava.
Então, caindo em si, disse:
‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância,
e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho,
mas trata-me como um dos teus trabalhadores’.
Pôs-se a caminho e foi ter com o pai.
Ainda ele estava longe, quando o pai o viu:
encheu-se de compaixão
e correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
Disse-lhe o filho:
‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos servos:
‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha.
Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o.
Comamos e festejemos,
porque este meu filho estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’.
E começou a festa.
Ora o filho mais velho estava no campo.
Quando regressou,
ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
O servo respondeu-lhe:
‘O teu irmão voltou
e teu pai mandou matar o vitelo gordo,
porque ele chegou são e salvo’.
Ele ficou ressentido e não queria entrar.
Então o pai veio cá fora instar com ele.
Mas ele respondeu ao pai:
‘Há tantos anos que eu te sirvo,
sem nunca transgredir uma ordem tua,
e nunca me deste um cabrito
para fazer uma festa com os meus amigos.
E agora, quando chegou esse teu filho,
que consumiu os teus bens com mulheres de má vida,
mataste-lhe o vitelo gordo’.
Disse-lhe o pai:
‘Filho, tu estás sempre comigo
e tudo o que é meu é teu.
Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’».
AMBIENTE
Continuamos no “caminho de Jerusalém”, esse caminho espiritual que Jesus percorre com os discípulos, preparando-os para serem as testemunhas do Reino diante de todos os homens.
Todo o capítulo 15 é dedicado ao ensinamento sobre a misericórdia: em três parábolas, Lucas apresenta uma catequese sobre a bondade e o amor de um Deus que quer estender a mão a todos os que a teologia oficial excluía e marginalizava. O ponto de partida é a murmuração dos fariseus e dos escribas que, diante da avalanche de publicanos e pecadores que escutam Jesus, comentam: “este homem acolhe os pecadores e come com eles”. Acolher os publicanos e pecadores é algo de escandaloso, na perspectiva dos fariseus; no entanto, comer com eles, estabelecer laços de familiaridade e de irmandade com eles à volta da mesa, é algo de inaudito… A conclusão dos fariseus é óbvia: Jesus não pode vir de Deus pois, na perspectiva da doutrina tradicional, os pecadores não podem aproximar-se de Deus.
É neste contexto que Jesus apresenta a “parábola do filho pródigo”, uma parábola que é exclusiva de Lucas (nem Marcos, nem Mateus, nem João a referem).
MENSAGEM
A parábola apresenta-nos três personagens de referência: o pai, o filho mais novo e o filho mais velho. Detenhamo-nos um pouco nestas figuras.
A personagem central é o pai. Trata-se de uma figura excepcional, que conjuga o respeito pelas decisões e pela liberdade dos filhos, com um amor gratuito e sem limites. Esse amor manifesta-se na emoção com que abraça o filho que volta, mesmo sem saber se esse filho mudou a sua atitude de orgulho e de auto-suficiência em relação ao pai e à casa. Trata-se de um amor que permaneceu inalterado, apesar da rebeldia do filho; trata-se de um pai que continuou a amar, apesar da ausência e da infidelidade do filho. A consequência do amor do pai simboliza-se no “anel” que é símbolo da autoridade (cf. Gn 41,42; Est 3,10; 8,2) e nas sandálias, que é o calçado do homem livre.
Depois, vem o filho mais novo. É um filho ingrato, insolente e obstinado, que exige do pai muito mais do que aquilo a que tem direito (a lei judaica previa que o filho mais novo recebesse apenas um terço da fortuna do pai – cf. Dt 21,15-17; mas, ainda que a divisão das propriedades pudesse fazer-se em vida do pai, os filhos não acediam à sua posse senão depois da morte deste – cf. Sir 33,20-24). Além disso, abandona a casa e o amor do pai e dissipa os bens que o pai colocou à sua disposição. É uma imagem de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de frivolidade, de total irresponsabilidade. Acaba, no entanto, por perceber o vazio, o sem sentido, o desespero dessa vida de egoísmo e de auto-suficiência e por ter a coragem de voltar ao encontro do amor do pai.
Finalmente, temos o filho mais velho. É o filho “certinho”, que sempre fez o que o pai mandou, que cumpriu todas as regras e que nunca pensou em deixar esse espaço cómodo e acolhedor que é a casa do pai. No entanto, a sua lógica é a lógica da “justiça” e não a lógica da “misericórdia”. Ele acha que tem créditos superiores aos do irmão e não compreende nem aceita que o pai queira exercer o seu direito à misericórdia e acolha, feliz, o filho rebelde. É a imagem desses fariseus e escribas que interpelaram Jesus: porque cumpriam à risca as exigências da Lei, desprezavam os pecadores e achavam que essa devia ser também a lógica de Deus.
A “parábola do pai bondoso e misericordioso” pretende apresentar-nos a lógica de Deus. Deus é o Pai bondoso, que respeita absolutamente a liberdade e as decisões dos seus filhos, mesmo que eles usem essa liberdade para procurar a felicidade em caminhos errados; e, aconteça o que acontecer, continua a amar e a esperar ansiosamente o regresso dos filhos rebeldes. Quando os reencontra, acolhe-os com amor e reintegra-os na sua família. Essa é a alegria de Deus. É esse Deus de amor, de bondade, de misericórdia, que se alegra quando o filho regressa que nós, às vezes filhos rebeldes, temos a certeza de encontrar quando voltamos.
A parábola pretende ser também um convite a deixarmo-nos arrastar por esta dinâmica de amor no julgamento que fazemos dos nossos irmãos. Mais do que pela “justiça”, que nos deixemos guiar pela misericórdia, na linha de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
Ter em conta os seguintes elementos, para reflexão:
• A primeira chamada de atenção vai para o amor do Pai: um amor que respeita absolutamente as decisões – mesmo absurdas – desse filho que abandona a casa paterna; um amor que está sempre lá, fiel e inquebrável, preparado para abraçar o filho que volta. Repare-se: mesmo antes de o filho falar e mostrar o seu arrependimento, o Pai manifesta-lhe o seu amor; é um amor que precede a conversão e que se manifesta antes da conversão. É num Deus que nos ama desta forma que somos chamados a confiar neste tempo de “metanoia”.
• Esta parábola alerta-nos também para o sem sentido e a frustração de uma vida vivida longe do amor do “Pai”, no egoísmo, no materialismo, na auto-suficiência. Convida-nos a reconhecer que não é nos bens deste mundo, mas é na comunhão com o “Pai” que encontramos a felicidade, a serenidade e a paz.
• Esta parábola convida-nos, finalmente, a não nos deixarmos dominar pela lógica do que é “justo” aos olhos do mundo, mas pela “justiça de Deus”, que é misericórdia, compreensão, tolerância, amor. Com que critérios julgamos os nossos irmãos: com os critérios da justiça do mundo, ou com os critérios da misericórdia de Deus? A nossa comunidade é, verdadeiramente, o espaço onde se manifesta a misericórdia de Deus?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4º DOMINGO DA QUARESMA
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 4º Domingo da Quaresma, procu
rar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. UMA LADAINHA PENITENCIAL.
Estamos a caminhar para o fim da Quaresma. Pode ser sugestivo, no momento penitencial, evocar as leituras da Quaresma deste ano C em forma de ladainha. Como exemplo:
– Jesus, atormentado pela tentação…
– Jesus, transfigurado sobre a montanha…
– Jesus, testemunha do Deus de paciência…
– Jesus, testemunha do Deus de misericórdia…
– Jesus, testemunha do Deus do perdão…
3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.
No final da primeira leitura:
Deus fiel, nós Te damos graças pela terra prometida na qual nos acolheste desde o nosso baptismo; é o teu Povo, o Corpo eclesial de teu Filho, que Tu alimentas com o sopro do teu Espírito Santo.
Nesta Quaresma, tempo de partilha, nós Te confiamos as nossas acções em favor do desenvolvimento e de uma mais justa repartição dos bens da terra. Que o teu Espírito nos guie e nos inspire.
No final da segunda leitura:
Pai misericordioso e paciente, nós Te damos graças pela reconciliação que nos concedeste por Cristo e pela missão de perdão e de reconciliação que nos confias.
Nós Te pedimos: pelo teu Espírito Santo, ilumina os nossos pensamentos, muda os nossos corações, inspira-nos as iniciativas de perdão e de paz que se impõem para o bem das nossas famílias e dos que estão ao nosso lado.
No final do Evangelho:
Pai misericordioso, nós Te damos graças pela grande festa dos reencontros de cada domingo. Preparas-nos a mesa para nos acolher, remindo os nossos pecados e enchendo-nos com o teu Espírito.
Com o filho perdido e reencontrado nós Te pedimos: Pai, pecámos contra ti, cura os nossos espíritos e os nossos corações, dá-nos o teu Espírito Santo.
4. BILHETE DE EVANGELHO.
Tal é a questão dos fariseus e dos escribas. Tal foi a questão do filho mais velho da parábola, ao descobrir a festa organizada para o regresso de seu irmão. Com efeito, Jesus aproximava-Se dos publicanos e dos pecadores, chegando mesmo a fazer-Se convidar por eles, o que O tornava impuro aos olhos daqueles que se julgavam puros. O Pai do pródigo vai atirar-se ao pescoço do filho que julgava perdido e cobre-o de beijos. Porquê? Porque se encheu de compaixão. Assim, este pai também se torna impuro tocando o filho que regressa, depois de uma vida de desordem, de um país estrangeiro onde tinha guardado porcos, tantas situações que o declaravam impuro… Como os fariseus e os escribas, o filho mais velho recusa entrar em casa, julga-se puro. A um como a outro, o pai continua a dizer “meu filho”. A cada um de lhe responder “meu pai”. Este pai tinha feito a partilha dos seus bens, respeitando a liberdade do filho que decide partir… Este mesmo pai suplica ao filho mais velho para se juntar à festa, respeitando a sua liberdade… Um dia, talvez, alegrar-se-á também com o seu regresso…
5. À ESCUTA DA PALAVRA.
Péguy dizia da parábola do filho pródigo: “Aquele que a ouve pela centésima vez, é como se a ouvisse pela primeira vez”. Conhecemo-la de cor… É preciso parar longamente, saboreá-la ainda e sempre. Podemos hoje pensar na seguinte frase: “Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava”. Parece que não diz nada de importante. Mas pode ser a frase-chave da parábola. A verdadeira miséria do filho mais novo é de não ter ninguém que esteja atento a ele, que o olhe. Para os seres humanos, o olhar é vital. Quando o olhar não é transparente, acontecem desvios, recusa do amor, os seres humanos torna-se inimigos em vez de serem irmãos e irmãs, acontece desconfiança, inveja, indiferença. O filho mais novo morre da falta de um olhar de amor, sente fome de amor. Jesus quer mudar esta situação, renovando relações em que o amor possa circular de novo. Jesus lança o seu olhar de amor sobre nós, sobre cada um de nós. Um olhar que é fonte de vida! Um olhar do qual não podemos fugir!
6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Sugere-se a Oração Eucarística II para a Reconciliação.
7. PALAVRA PARA O CAMINHO…
A segunda parte da parábola deste domingo é uma crítica à conduta do filho mais velho… uma crítica da nossa própria conduta, nós que estamos ao serviço de Deus nem nunca ter desobedecido gravemente às suas leis. Somos observantes, fazemos o que devemos fazer, mas depressa podemos mostrar-nos duros e com desprezo: quando fechamos a porta ao nosso filho que…, quando cortamos as pontes com um parente…, quando olhamos de lado a divorciada… E, entretanto, Deus não nos julga! Ele é paciente, suplica-nos para compreender: “Tu, meu filho, estás sempre comigo…”
https://youtu.be/T-sp0GoTEog
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org
28 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Isaías 65, 17-21
Assim fala o Senhor: 17 Olhai, Eu vou criar um novo céu e uma nova terra; o passado não será mais lembrado e não voltará mais à memória. 18 Alegrem-se e rejubilem para sempre por aquilo que vou criar. Olhai, vou criar uma Jerusalém cheia de alegria e um povo cheio de entusiasmo. 19 Eu mesmo me alegrarei com esta Jerusalém e me entusiasmarei com o meu povo. Doravante não se ouvirão nela choros nem lamentos. 20 Não haverá ali criança que morra de tenra idade, nem adulto que não chegue à velhice, pois será ainda novo aquele que morrer aos cem anos, e quem não chegar aos cem anos será como um amaldiçoado. 21 Construirão casas e habitarão nelas, plantarão vinhas e comerão o seu fruto.
Regressado do exílio, o povo continua a resistir à voz do Senhor, a descuidar-se na invocação do seu nome (vv. 1-7) e a cair na idolatria, provocando a sua justa ira. O profeta intervém e lembra que será diferente a sorte dos que praticam a justiça, reconhecendo a Deus o lugar que Lhe pertence e prestando-Lhe o devido culto, e a dos rebeldes (vv. 8-16a). O texto que hoje escutamos abre perspectivas de um futuro feliz, revelando a grandeza do projecto de Deus, que não envolve apenas cada um, mas atinge todo o universo. Os sofrimentos passados vão ser esquecidos, porque Deus vai realizar uma nova criação. Nos versículos que escutamos, parece misturar-se o cântico do coração de Deus e o da humanidade: ao júbilo divino pela sua cidade santa, pelo seu povo renovado, corresponde a alegria do mesmo povo perante a maravilhosa re-criação operada por Deus. Na nova Jerusalém cessará toda a tristeza, a elevada mortalidade infantil. Será grande a longevidade. A liberdade e a estabilidade política garantirão a prosperidade e a paz. Esta promessa realízar-se-á definitivamente em Jesus Cristo que, pela sua obra salvífica, transformará o mundo.
Evangelho: João 4, 43-54
Naquele tempo, 43 Jesus partiu da Samaria e foi para a Galileia. 44 Ele mesmo tinha declarado que um profeta não é estimado na sua própria terra. 45 No entanto, quando chegou à Galileia, os galileus receberam-no bem, por terem visto o que fizera em Jerusalém durante a festa; pois eles também tinham ido à festa. 46 Veio, pois, novamente a Caná da Galileia, onde tinha convertido a água em vinho. Ora havia em Cafarnaúm um funcionário real que tinha o filho doente. 47 Quando ouviu dizer que Jesus vinha da Judeia para a Galileia, foi ter com Ele e pediu-lhe que descesse até lá para lhe curar o filho, que estava a morrer. 48 Então Jesus disse-lhe: «Se não virdes sinais extraordinários e prodígios, não acreditais.» 49 Respondeu-lhe o funcionário real: «Senhor, desce até lá, antes que o meu filho morra.» 50Disse-Ihe Jesus: «Vai, que o teu filho está salvo.» O homem acreditou nas palavras que Jesus lhe disse e pôs-se a caminho. 51 Enquanto ia descendo, os criados vieram ao seu encontro, dizendo: «O teu filho está salvo.» 52perguntou-Ihes, então, a que horas ele se tinha sentido melhor. Responderam: «A febre deixou-o há pouco, depois do meio-dia» 530 pai viu, então, que tinha sido exactamente àquela hora que Jesus lhe dissera: «O teu filho está salvo». E acreditou ele e todos os da sua casa. 54Jesus realizou este segundo sinal miraculoso ao ir da Judeia para a Galileia.
S. João, ao narrar a cura, à distância, do filho do funcionário real, quer apresentar-nos Jesus como Palavra de vida. O Senhor regressava à Galileia. A fama do que fizera em Jerusalém, durante a festa, tinha-O precedido. Desta vez, os galileus receberam-no bem. Mas Jesus decide ir a Caná, onde fizera o seu primeiro milagre. Surge, então, o funcionário real que Lhe pede para descer a Cafarnaúm para curar o seu filho doente. O verbo «descer», em que João insiste, justifica-se pela posição geográfica de Cafarnaúm, mas também pela intenção do evangelista em nos apresentar Aquele que, «por nós homens e pela nossa salvação, desceu do céu». Jesus reprova a fé imperfeita do funcionário de Herodes. Mas ele não desiste. Jesus cura-lhe o filho, símbolo da humanidade doente e moribunda. Oferece-lhe uma palavra de vida. Mas exige a fé.
O sinal extraordinário, o prodígio de Jesus é a Palavra. Quem acredita nela e lhe obedece, experimenta milagres. O funcionário acolheu a palavra: «Vai, que o teu filho está sstvo (v. 50). Acreditou, obedeceu, partiu para sua casa. E vieram-lhe ao encontro os servos que lhe dizem: «O teu filho está sstvo. (v. 53). A fé, que caminhou na obscuridade (v. 52ss.) cresceu: «Acreditou ele e todos os da sua casa» (v. 53).
Meditatio
A Palavra de Jesus é o sinal extraordinário e o prodígio que nos oferece. Quem acolhe a Palavra e acredita nela, vê rasgaram-se horizontes inesperados, experimenta milagres. Permanecer na Palavra, guardando-a no coração, e cumprindo-a, mesmo que seja preciso caminhar na escuridão, apenas iluminado por ela, significa participar na obra divina da nova criação, santificação e transfiguração do universo.
Jesus pediu ao funcionário real a fé na sua palavra: «Vai, que o teu filho está sstvt». O homem acreditou e o seu filho ficou curado. Acreditou na palavra de Jesus. Acreditou em Jesus, porque Jesus é a Palavra de Deus feita carne. Acreditou e partiu, obediente e confiante. E alcançou a vida para o seu filho. Acreditar e obedecer, acolher a palavra e pô-Ia em prática é uma questão de vida ou de morte. O homem aflito teve a força de crer na palavra de Jesus, que nada fez de especial, apenas falou. Não insistiu para que Jesus mudasse os seus planos e fizesse o que lhe pedia. Acreditou e partiu confiando na verdade da palavra de Jesus.
Quantas vezes, também nós, nos vemos na situação de ter que acreditar na Palavra, sem vermos ou antes de vermos qualquer sinal. Rezamos, somos iluminados, mas tudo parece permanecer imutável. .. É o momento de progredirmos na fé, que não é simples verificação, mas acreditar na palavra e n ' Aquele que a pronuncia. Se soubermos caminhar na fé, mesmo na noite escura do sofrimento e da provação, a Palavra será como uma lâmpada para os nossos passos. E, quando o Senhor quiser, encontraremos a confirmação luminosa do seu poder que faz maravilhas. Então, a nossa fé tornar-se-é exultação e júbilo. Será aquela fé firme e segura, que transforma a alma e a faz caminhar em novidade de vida, em plenitude cristã.
A confiança do funcionário real na palavra de Jesus, o seu abandono à palavra de Jesus, o seu caminhar na fé por um caminho obscuro, tornou eficaz a sua intercessão pelo filho que estava doente em Cafarnaúm. O jovem foi curado, foi salvo.
As nossas Constituições lembram-nos que a nossa cooperação na obra da redenção, passa pelo "apostolado". Mas, mais cedo ou mais tarde, pode
também passar pela simples confiança e abandono à palavra de Jesus, em situações de grande "sofrimento", de solidão, de noite escura, de imolação, de cruz, de morte ... ", onde apenas a Palavra nos ilumina e dá conforto (cf. Cst 24).
Então, a nossa vida será reparadora na oferta, na paciência, no abandono, quer dizer, na disponibilidade da "vítima" para a imolação, em comunhão com a paixão e a morte redentora do Senhor ... , e, confiados na Palavra, entregaremos voluntariamente a nossa vida em favor dos irmãos, olhando para Cristo trespassado, que nos precedeu neste amor redentor (cf. 1 Jo 3, 16).
Oratio
Senhor Jesus, Tu és a palavra viva e vivificadora do Pai. Quero escutar-Te cada dia, quero encontrar-me Contigo, cada vez que acolho a tua Palavra. Como Maria, tua e minha mãe, quero guardá-Ia no coração, meditá-Ia, rezá-Ia, para me entregar a ela com uma fé simples, que rasga novos horizontes e faz ver as tuas obras prodigiosas e colaborar nelas.
Obrigado, Senhor, pela tua Palavra. Que ela seja sempre a luz dos meus passos, a garantia da minha esperança, a motivação suprema da minha confiança e da minha entrega sem reservas ao teu serviço e ao serviço dos irmãos. Que a tua Palavra floresça no meu coração e dê frutos de bem para este mundo e para o reino dos céus. Amen.
Contemplatio
E qual é então, Senhor, o caminho da paz? - É a fé viva e confiante. Credes no meu Pai, crede também em mim. Tendes confiança no meu Pai, tende também confiança em mim.
É a fé que pacifica, são as vistas, as esperanças sobrenaturais, que sustêm e que consolam.
A fé faz-me ver Deus, a sua vontade, o seu amor, mesmo naquilo que me perturba. Devo crer sem hesitar e sem raciocinar, crer com o meu coração que Nosso Senhor me vê sofrer e penar, mas também que se compraz em me ver ter paciência com ele e por ele. Escuta os meus suspiros, as minhas orações; conta, recolhe as minhas lágrimas; abençoa os meus esforços, aprecia os meus sacrifícios; prepara-me dias de graças e de consolações; prepara a minha coroa, a minha morada, na casa da sua eternidade.
Ah! A fé prática, que fonte de graça, de paz e de consolação! Se tivesse um pouco de fé, como um grão de mostarda! Se acreditasse praticamente no Evangelho! Se me recordasse com fé que Nosso Senhor passou curando todas as enfermidades; que perdoou a Madalena, à mulher adúltera, à samaritana; que ressuscitou Lázaro; que sofreu por mim todas as dores da sua agonia e da sua paixão; que deu a sua vida para me salvar!
Se me recordasse que é bom, como o bom samaritano, como o bom Pastor, como o pai do filho pródigo! Se tivesse uma fé mais viva, e mais prática na Eucaristia! Se acreditasse mais firmemente que Nosso Senhor foi para o céu para me preparar um lugar, estaria ainda triste, angustiado e perturbado?
Oh! Como esta palavra de Nosso Senhor tem um sentido profundo: «Que o vosso coração não se perturbe! Crede em mim como credes em meu Pai!» (Leão Dehon, OSP 3, p. 427s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«Deus, vinde em nosso auxílio; Senhor, socorrei-nos e salvai-nos» (SI 69, 2).
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29 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Ezequiel 47, 1-9.12
Naqueles dias, o Anjo reconduziu-me à entrada do templo. Debaixo do limiar da porta saía água, em direcção ao Oriente, pois a fachada do templo estava voltada para o Oriente. As águas corriam da parte inferior, do lado direito do templo, ao sul do altar. O Anjo fez-me sair pela porta setentrional e contornar o templo por fora, até à porta exterior, que está voltada para o Oriente. As águas corriam do lado direito. Depois saiu na direcção do Oriente com uma corda na mão; mediu mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me aos tornozelos. Mediu outros mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me aos joelhos. Mediu ainda mil côvados e mandou-me atravessar: a água chegava-me à cintura. Por fim, mediu mais mil côvados: era uma torrente que eu não podia atravessar. As águas tinham aumentado até se perder o pé, formando um rio impossível de transpor. Disse-me então o Anjo: «Viste, filho do homem?» E fez-me voltar para a margem da torrente. Quando cheguei, vi nas margens da torrente uma grande quantidade de árvores, de um e outro lado. O Anjo disse-me: «Esta água corre para a região oriental, desce até Arabá e entra no mar, para que as suas águas se tornem salubres. Em toda a parte aonde chegar esta torrente, todo o ser vivo que nela se move terá novo alento e o peixe será muito abundante. Porque aonde esta água chegar, tornar-se-ão sãs as outras águas e haverá vida por toda a parte aonde chegar esta torrente. À beira da torrente, nas duas margens, crescerá toda a espécie de árvores de fruto: a sua folhagem não murchará, nem acabarão os seus frutos. Todos os meses darão frutos novos, porque as águas vêm do santuário. Os frutos servirão de alimento e as folhas de remédio».
Numa terra árida, como a Palestina, uma nascente era vista como verdadeira bênção de Deus e símbolo do seu poder. Por isso, muitas vezes, construía-se junto dela um templo. O profeta Ezequiel contempla uma fonte que brota dos fundamentos do próprio templo e corre para Oriente, por onde entrara a Glória do Senhor para morar no meio do povo regressado do exílio. A nascente deu origem, primeiro a uma pequena corrente de água, nada comparável aos grandes rios da Mesopotâmia, que os exilados tinham contemplado. Mas, pouco a pouco, a corrente engrossa até se tornar um rio navegável. Ezequiel é convidado a experimentar no seu corpo a grandeza e a força da torrente, bem como a sua fecundidade e eficácia: ela torna verdejante o deserto e salubre o Mar Morto que se enchem de vida. E surge uma época de prosperidade.
Esta visão profética realiza-se em Jesus, verdadeiro templo, de cujo Lado aberto jorra a água viva do Espírito (cf. Jo 7, 38; 19, 34).
Evangelho: João 5, 1-3a.5-16
Naquele tempo, por ocasião de uma festa dos judeus, Jesus subiu a Jerusalém. Existe em Jerusalém, junto à porta das ovelhas, uma piscina, chamada, em hebraico, Betsatá, que tem cinco pórticos. Ali jazia um grande número de enfermos, cegos, coxos e paralíticos. Estava ali também um homem, enfermo havia trinta e oito anos. Ao vê-lo deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, Jesus perguntou-lhe: «Queres ser curado?» O enfermo respondeu-Lhe: «Senhor, não tenho ninguém que me introduza na piscina, quando a água é agitada; enquanto eu vou, outro desce antes de mim». Disse-lhe Jesus: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». No mesmo instante o homem ficou são, tomou a sua enxerga e começou a caminhar. Ora aquele dia era sábado. Diziam os judeus àquele que tinha sido curado: «Hoje é sábado: não podes levar a tua enxerga». Mas ele respondeu-lhes: «Aquele que me curou disse-me: ‘Toma a tua enxerga e anda’». Perguntaram-lhe então: «Quem é que te disse: ‘Toma a tua enxerga e anda’». Mas o homem que tinha sido curado não sabia quem era, porque Jesus tinha-Se afastado da multidão que estava naquele local. Mais tarde, Jesus encontrou-o no templo e disse-lhe: «Agora estás são. Não voltes a pecar, para que não te suceda coisa pior». O homem foi então dizer aos judeus que era Jesus quem o tinha curado. Desde então os judeus começaram a perseguir Jesus, por fazer isto num dia de sábado.
Jesus, salvação de Deus, passa por entre os doentes e deficientes que se acumulam à volta da piscina, junto à Porta da Ovelhas, em Jerusalém. Dá especial atenção a um homem que ali jaz paralítico há 38 anos e faz-lhe uma pergunta aparentemente óbvia: «Queres ficar são;», Mas a pergunta, e a ordem que se segue, são suficientes para que este homem, que talvez já nada esperava da vida, se reanime, se erga, volte a agarrar na vida com coragem e até dê testemunho de Cristo àqueles que teimavam em permanecer paralisados na interpretação literal da Lei. Enquanto o paralítico quis ser curado, os adversários de Jesus não quiseram deixar-se curar da sua cegueira e rigidez, passando a uma aberta hostilidade.
Ao encontrar, mais tarde, no templo, o doente curado, Jesus dirige-lhes palavras de grande exigência, dando-lhe a entender que o pecado e as suas consequências são algo de pior que 38 anos de paralisia. Há que deixar-se curar completamente dos males do corpo, mas também do mal da alma. É uma opção a fazer livremente cada dia: deixar-se curar e não pecar.
Meditatio
As leituras de hoje falam-nos ambas de água que cura. O Evangelho diz-nos que Jesus é o verdadeiro médico e o verdadeiro remédio para os nossos males. A água é apenas símbolo da sua graça.
Os Padres da Igreja reconheceram no templo, de que nos fala a visão de Ezequiel, o verdadeiro Templo que é Jesus de Lado aberto e Coração trespassado na cruz, donde jorram sangue e água, símbolos do Espírito que dá a vida. Ezequiel contempla o templo, de cujo lado direito, brota a água prodigiosa que leva a vida e a fecundidade ao deserto e ao próprio Mar Morto. Este mar tem água. Mas é uma água que não permite a vida, porque saturada de sal. Pelo contrário, a água que vem do Templo, é viva e gera vida, porque é pura.
É a transformação que o Espírito de Deus realiza em nós e nas nossas comunidades, quando O acolhemos e nos abrimos à sua acção. Em cada um de nós, e nas nossas comunidades, há um «Mar Morto», um espaço de amargura, de preconceitos, de egoísmo que tornam difíceis as nossas relações e estéril o nosso apostolado. Só o Espírito Santo nos pode transformar. No baptismo recebemos o Espírito Santo, como uma pequena fonte, que há-de ir crescendo, à medida que nos abrimos a Ele e colaboramos na sua acção, até se tornar em nós uma torrente capaz de transformar a nossa vida e de tornar fecundo o nosso apostolado.
o Evangelho fala-nos do paralítico que, havia 38 anos, esperava junto à piscina uma oportunidade para entrar nela e ser curado. Como ele, muitos dos nossos irmãos jazem impotentes nas margens da esperança, desiludidos de tudo, talvez até da religião e, por isso, incapazes de mergulharem na vida. São estes homens e mulheres do nosso tempo que Cristo vem procurar, onde quer que estejam, paralisados pelo sofrimento, pelo pecado e pelas circunstâncias da vida. Também a eles, Jesus pergunta: «Queres ficar são;». Parece uma pergunta desnecessária. Mas Jesus sabe que é a resposta pessoal que renova e faz sentir a cada um a sua dignidade humana, a sua liberdade e responsabilidade. Perante a resposta do paralítico, Jesus diz-lhe simplesmente: «Levanta-te, toma a tua enxerga e anda». O poder da Palavra de Deus dispensa os ritualismos ou o uso de águas medicinais. A Palavra de Deus cura, rompe cadeias, liberta. Liberta o corpo e liberta o espírito, porque há paralisias bem piores do que as corporais, que tolhem o coração no pecado. A Igreja, por vontade de Cristo, dispõe da Palavra e da graça que brotaram do seu Lado aberto na cruz, para as distribuir aos homens, sobretudo no Baptismo, na Eucaristia e nos outros sacramentos.
Abramo-nos ao dom do Espírito Santo, invoquemo-I' O e demos-Lhe lugar nos nossos diálogos comunitários. Experimentemos os seus saborosos frutos: a caridade, a paz, a alegria, a bondade, a benevolência, a mansidão, etc. Não só pessoalmente, mas também comunitariamente.
Estamos convencidos de que a realidade escatológica dos "novos céus' e da "nova terra", onde "habita a justiça" (2 Pe 3, 13), obra do Espírito que tudo renova, pode ser uma realidade actual, antecipada, a nível pessoal, mas também a nível comunitário.
Tudo depende se damos ou não a Deus a possibilidade de realizar em nós a profecia de Ezequiel: "Dar-vos-ei um coração novo' (36, 26); Jesus manso e humilde de coração, dá-me o Teu coração (cf. n. 3)! "Infundirei em vós um espírito novo' (36, 26): "Vem, Espírito Santo ... " (cf. nn. 3.11.23.42.57).
Oratio
Vem, Senhor Jesus! Vem procurar o homem que jaz deprimido e doente, desesperado pelo pecado, que o domina e que lhe tolhe todo o movimento. Vem também procurar-me a mim. Aproxima-te de todos e de cada um de nós, para que possamos ouvir a tua pergunta: «Queres ficar são;». Vem mergulhar-nos no profundo abismo do teu amor misericordioso, capaz de tudo renovar, recriar e tornar fecundo. Renova em cada um de nós a graça do baptismo, para que a viva fielmente, em conformidade com os dons recebidos. Dá a água das lágrimas da penitência para que seja purificado. Então, liberto do pecado que me paralisa, poderei caminhar na tua presença e correr ao encontro dos meus irmãos para lhes anunciar o teu amor que redime e salva. Amen.
Contemplatio
E saiu sangue e água, diz S. João. O ferro ao retirar-se deixou jorrar uma dupla fonte de sangue e de água, na qual os Padres da Igreja viram o símbolo desta outra maravilha de amor, os sacramentos, canais preciosos da graça da salvação. - Rio de água que, no santo baptismo e no banho da penitência, lava a alma da mácula original; rio de sangue que cai todas as manhãs nos cálices dos altares, para se expandir pelo mundo fora, consolar a Igreja sofredora do Purgatório e reanimar a Igreja que combate sobre a terra; rio refrescante, onde o coração, ressequído pelos trabalhos e pelas tentações, vai saciar-se de piedade, de caridade e de santa alegria.
Senhor, concedei-me beber desta água e deste sangue, para não mais tenha esta sede doentia das coisas do mundo que me tortura, e que eu seja inebriado pelo vosso amor (Leão Dehon, OSP 3, p. 367s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Dá-me, Senhor, a alegria da salvação. (SI 50, 14a):
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30 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Isaías 49, 8-15
8 Eis o que diz o Senhor: «Eu respondi-te no tempo da graça, e socorri-te no dia da salvação. Defendi-te e designei-te como aliança do povo, para restaurares o país e repartires as heranças devastadas, "per» dizeres aos prisioneiros: 'Saí da prisão!' E aos que estão nas trevas: 'Vinde à luz!' .Ao longo dos caminhos encontrarão que comer, e em todas as dunas arranjarão alimento. 10 Não padecerão fome nem sede, e não os molestará o vento quente nem o sol, porque o que tem compaixão deles os guiará, e os conduzirá em direcção às fontes. 11 Transformarei os meus montes em caminhos planos, e as minhas estradas serão alteadas. 12Vede como eles chegam de longe! Uns vêm do Norte e do Poente, e outros, da terra de Siene.» 13Cantai, Ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Prorrompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo, e se compadece dos desamparados. 14 Sião dizia: «O Senhor abandonou-me, o meu dono esqueceu-se de mim.» 15Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria.
Deus dá nova coragem ao seu Servo experimentado pelo sofrimento e dilata os confins da sua missão a toda a terra. A sua primeira acção consistirá na libertação dos Israelitas do Egipto, porque chegou o tempo da misericórdia, o dia da salvação (v. 8). Deus entra no curso da história humana para a transformar. O Servo é como Moisés: mediador da Aliança. Como Josué, restaurará e redistribuirá a terra. Será o arauto de um novo êxodo, que será çulado pelo próprio Senhor. Os exilados enchem-se de esperança.
A partir do v. 12, o profeta contempla de Jerusalém o povo que regressa à pátria, vindo de Babilónia e de outras paragens onde andava disperso. O próprio universo exulta e entoa hinos ao Senhor que «se compadece dos desamparados». O seu amor é semelhante ao de uma mãe pelos seus filhos: um amor cheio de ternura e profundidade, um amor visceral. O nosso Deus não é um deus longínquo, um juiz implacável. É um Deus próximo e solícito.
Evangelho: João 5, 17-30
17 Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: «O meu Pai continua a realizar obras até agora, e Eu também cominuo!» 18 Perante isto, mais vontade tinham os judeus de o matar, pois não só anulava o Sábado, mas até chamava a Deus seu próprio Pai, fazendo-se assim igual a Deus. 19 Jesus tomou, pois, a palavra e começou a dizer-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pai, pois aquilo que este faz também o faz igualmente o Filho. 20 De facto, o Pai ama o Filho e mostra-lhe tudo o que Ele mesmo faz; e há-de mostrar-lhe obras maiores do que estas, de modo que ficareis assombrados. 21 Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho faz viver aqueles que quer. 220 Pai, aliás, não julga ninguém, mas entregou ao Filho todo o julgamento, 23para que todos honrem - o Filho como honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou. 24 Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não é sujeito a julgamento, mas passou da morte para a vida. 25 Em verdade, em verdade vos digo: chega a hora - e é já - em que os mortos hão-de ouvir a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão, 26 pois, assim como o Pai tem a vida em si mesmo, também deu ao Filho o poder de ter a vida em si mesmo; 27 e deu-lhe o poder de fazer o julgamento, porque Ele é Filho do Homem. 28 Não vos assombreis com isto: é chegada a hora em que todos os que estão nos túmulos hão-de ouvir a sua V04 29 e sairão: os que tiverem praticado o bem, para uma ressurreição de vida; e os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de condenação. 30 Por mim mesmo, Eu não posso fazer nada: conforme ouço, assim é que julgo; e o meu julgamento é justo, porque não busco a minha vontade, mas a daquele que me enviou.»
Aos judeus, que O perseguem por curar em dia de sábado, Jesus revela a sua identidade de Filho de Deus, e coloca-se acima da Lei. Segundo especulações judaicas, de que encontramos vestígios no v. 17, o repouso sabático dizia respeito à obra criadora de Deus, mas não à permanente actividade pela qual incessantemente dá a vida e julga. Nos vv. 19-30, Jesus mostra que se conforma em tudo ao agir de Deus: «o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pap> (v. 19). Esta afirmação surge novamente no v. 30, revelando o sentido de todo o texto. A total unidade de acção entre o Pai e o Filho resulta da total obediência do Filho, que ama o Pai e partilha do seu amor pelos homens pecadores. O Pai doa ao Filho o que só a Ele pertence, o poder sobre a vida e a autoridade no juízo (vv. 21 s.). Esta íntima relação entre o Pai e o Filho pode alargar-se aos homens pela escuta obediente da palavra de Jesus.
Meditatio
Deus fez do seu Servo, que é Jesus Cristo, sinal e instrumento de aliança com o seu povo: «designei-te como aliança do povo». Esta afirmação permite-nos penetrar mais profundamente no mistério de Cristo. Em primeiro lugar, leva-nos a contemplar a sua união com o Pai. Jesus é o Filho muito amado, que contempla tudo quanto o Pai faz, para também Ele o fazer: «o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pai, pois aquilo que este faz também o faz igualmente o Filh(J». O Filho de Deus veio ao mundo, não para fazer a sua vontade, mas a vontade do Pai: «porque não busco a minha vontade, mas a daquele que me enviou». Por isso, Jesus é imagem viva, activa, do Pai: «O meu Pai continua a realizar obras até agora, e Eu também continuo», Porque está perfeitamente unido ao Pai, Jesus Cristo pode ser aliança para o povo. Como Filho muito amado do Pai, vem convidar todos os homens para a festa da vida. A ninguém é negado esse convite. O único abandonado é precisamente o Filho muito amado, que um Amor maior entrega à morte para a todos dar a vida.
Intimamente unido ao Pai, o Filho fez-Se solidário connosco e veio revelar-nos o amor misericordioso de Deus. Jesus Cristo é aliança de Deus connosco para nos dar a vida. Transmite-nos a palavra de Deus para nos transmitir a vida de Deus: «assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho faz viver aqueles que quer», Os mortos são os que vivem em pecado, porque, desligados de Deus, não têm em si a vida divina e não podem amar a Deus nem aos irmãos. Só a Palavra de Deus, que revela o amor o seu amor misericordioso, comunica a vida e dá capacidade para amar.
O evangelho de hoje revela-nos que, para estarmos unidos a Deus, precisamos de estar unidos a Cristo. É permitindo e realizando essa união com o Pai que Cristo se revel
a aliança de Deus para nós.
O Pe. Dehon vivia uma profunda união com Deus, através da união a Cristo, já desde os primeiros anos de seminário, em Roma. "Bem depressa Nosso Senhor tomou conta da minha alma. Colocou as disposições que deviam ser a nota dominante da minha vida, apesar das mil e uma faltas: devoção ao Seu Divino Coração, humildade, conformidade com a sua vontade, união a Ele, vida de amor. Este devia ser o meu ideal e a minha vida para sempre. Nosso Senhor mostrava-mo, reconduzia-me sem descanso e assim me preparava para a missão que me destinava para a obra do seu Coração"( NHV IV, p. 183). Esta profunda união com Deus, por Cristo, levou-o a uma grande solidariedade com os irmãos, especialmente com os que viviam em maiores dificuldades. É o que nos pedem também as nossas Constituições: "A nossa união com Cristo" (Cst. 18), "no seu amor pelo Pai e pelos homens" (Cst. 17) manifesta-se, não só "na escuta da Palavra e na partilha do Pão" (Cst. 17), mas também "na disponibilidade e no amor para com todos" (Cst. 18).
Oratio
Senhor Jesus, Tu és verdadeiramente Aquele em Quem encontramos o Pai. Mas és também Aquele em Quem encontramos os irmãos e as irmãs. Só em Ti os podemos amar de verdade. Por isso, queremos permanecer em Ti, especialmente neste tempo da Quaresma, quando já se aproxima a celebração do teu mistério pascal. Várias vezes, durante o dia, queremos penetrar no teu Coração para nele bebermos o amor ao Pai e o amor aos irmãos. Tu és a nossa aliança, a nova e eterna aliança que o Pai nos oferece. Queremos viver em Ti. Amen.
Contemplatio
É nas meditações dos sofrimentos de Nosso Senhor que havemos de retirar as forças necessárias para seguirmos os exemplos de abandono que Ele deu na sua vida de menino. O desejo de nos unirmos aos seus sofrimentos adoça as penas que podemos encontrar na imolação de nós mesmos. Estas penas, unimo-Ias à sua imolação do Calvário e são um meio de nos associarmos à sua dolorosa Paixão. Esta união de intenção é-lhe muito agradável. O amor com o qual a fazemos aumenta o seu valor aos seus olhos.
O seu amor é assim um meio de suportar todas as provações pelas quais devemos passar, de aligeirar e mesmo de transformar em alegrias tudo o que sem isto seria mágoa ou amargura.
Somos flagelados com ele, quando lhe oferecemos amorosamente as mortificações da carne e as humilhações do orgulho. Somos coroados de espinhos, quando unimos amorosamente aos seus sofrimentos todas as contrariedades que provamos. Caminhamos com Ele na via dolorosa do Calvário, quando seguimos, unidos a Ele pelo amor, as vias onde lhe apraz fazer-nos passar. Somos pregados à cruz com Ele quando unimos à sua crucifixão as situações penosas ou dolorosas nas quais lhe apraz colocar os seus amigos. Agonizamos com Ele sobre a cruz, quando unimos às suas penas as angústias de uma situação na qual quer que nos encontremos.
Quem quer que ama passa por provações. É preciso sofrer estas provações com Ele, em união com os sofrimentos da sua Paixão. A união de amor identifica de algum modo os nossos sofrimentos com os de Jesus. Mas não é necessário para isso que experimentemos dores semelhantes às suas. São-lhe sempre semelhantes quando são generosamente aceites e oferecidas em união com as suas.
Mas esta união pede o recolhimento habitual, a recordação constante das bondades de Nosso Senhor e do seu amor e uma doce intimidade habitual com Ele.
Nosso Senhor fala desta união que lhe é cara quando diz: Aquele que faz (por amor para com o meu Pai e por mim) a vontade do meu Pai celeste (e a minha) esse é meu irmão, e minha irmã e minha mãe (Leão Dehon, OSP 3, p. 254s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Lembrai-vos, Senhor, do vosso amor» (SI 24, 6a).
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31 Março 2022
Lectio
Primeira leitura: Êxodo 32,7-14
7 O Senhor disse a Moisés: «Vai, desce, porque o teu povo, aquele que tiraste do Egipto, está pervertido. 8 Desviaram-se bem depressa do caminho que lhes prescrevi. Fizeram um bezerro de metal fundido, prostraram-se diante dele, ofereceram-lhe sacrifícios e disseram: «Israel, aqui tens o teu deus, aquele que te fez sair do Egipto.» 90 Senhor prosseguiu: «Vejo bem que este povo é um povo de cerviz dura. 10 Agora, deixa-me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruí-Ios-ei. Mas farei de ti uma grande nação.» 11 Moisés implorou ao Senhor, seu Deus, dizendo-lhe: «Porquê, Senhor, a tua cólera se inflamará contra o teu povo, que fizeste sair do Egipto com tão grande poder e com mão tão poderosa? 12Não é conveniente que se possa dizer no Egipto: 'Foi com má intenção que Ele os fez sair, foi para os matar nas montanhas e suprimi-los da face da Terra!' Não te deixes dominar pela cólera e abandona a decisão de fazer mal a este povo. 13 Recorda-te de Abraão, de Isaac e de Israel, teus servos, aos quais juraste por ti mesmo: tornarei a vossa descendência tão numerosa como as estrelas do céu e concederei à vossa posteridade esta terra de que falei, e eles hão-de recebê-Ia como herança eterna.» 14 E o Senhor arrependeu-se das ameaças que proferira contra o seu povo.
Havia pouco que Deus estabelecera aliança com Israel, e a confirmara com uma solene promessa (cf. Ex 24, 3). Moisés ainda estava no monte Sinai, onde recebia das mãos de Deus às tábuas da Lei, documento base dessa aliança. Entretanto, o povo caía na idolatria, adorando o bezerro de ouro, obra das suas mãos, como se fosse o Deus que o tirara Egipto (v. 8). Deus, acende-se em ira e informa Moisés do sucedido (v. 7): a aliança fora quebrada. Deus quer repudiar Israel, apanhado em flagrante adultério, e começar uma nova história cheia de esperanças (v. 10) com Moisés, que permanecera fiel. Mas Moisés, que recebera a missão de guiar Israel à terra prometida, não abandona o seu povo, não cede à tentação de pensar apenas em si mesmo. Como Abraão, diante da cidade pecadora (cf. Gn 18), Moisés intercede pelo povo pecador. Procura «acalmar» a justa ira de Deus, fazendo uma certa «chantagem» (cf. v. 12) e recordando-Lhe as promessas feitas aos antigos patriarcas. A sua oração toca o coração de Deus. As características antropomórficas, com que Deus é descrito neste episódio, atestam a antiguidade deste texto.
Evangelho: João 5, 31-47
Naquele tempo, disse Jesus aos judeus . .31 «Se Eu testemunhasse a favor de mim próprio, o meu testemunho não teria valor, 2 há outro que testemunha em favor de mim, e Eu sei que o seu testemunho, favorável a mim, é verdadeiro.33Vós enviastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. 34 Não é porém, de um homem que Eu recebo testemunho, mas digo-vos isto para vos salvardes.35João era uma lâmpada ardente e luminosa, e vós, por um instante, quisestes alegrar-vos com a sua luz. 36 Mas tenho a meu favor um testemunho maior que o de João, pois as obras que o Pai me confiou para levar a cabo, essas mesmas obras que Eu faço, dão testemunho de que o Pai me enviou. 37 E o Pai que me enviou mantém o seu testemunho a meu favor. Nunca ouvistes a sua VO-4 nem vistes o seu rosto, 38 nem a sua palavra permanece em vó~ visto não crerdes neste que Ele enviou. 39 Investigai as Escrituras, dado que julgais ter nelas a vida eterna: são elas que dão testemunho a meu favor. 40 Vós, porém, não quereis vir a mim, para terdes a vtdet" Eu não ando à procura de receber glória dos nomens:". a vós já vos conheço, e sei que não há em vós o amor de Deus. 43 Eu vim em nome de meu Pai, e vós não me recebeis; se outro viesse em seu próprio nome, a esse já o receberíeis. 44Como vos é possível acreditar, se andais à procura da glória uns dos outros. e não procurais a glória que vem do Deus único?5Não penseis que Eu vos vou acusar diante do Pai; há quem vos acuse: é Moisés, em quem continuais a pôr a vossa esperança. 46 De facto, se acreditásseis em Moisés talvez acreditásseis em mim, porque ele escreveu a meu respeito. 47 Mes, se vós não acreditais nos seus escritos, como haveis de acreditar nas minhas palavras?»
Jesus continua a responder aos Judeus. O discurso apologético vai endurecendo. Aumenta gradualmente a separação entre o «eu» de Jesus e o «vós» dos adversários. O texto marca o culminar do processo intentado por Deus contra o seu povo predilecto, mas obstinadamente rebelde, cego e surdo.
Jesus apresenta quatro testemunhos que deveriam levar os seus ouvintes a reconhecê-lo como Messias, enviado pelo Pai, como Filho de Deus: as palavras de João Baptista, homem enviado por Deus; as obras que ele mesmo realizou por mandado de Deus; a voz do Pai; e, finalmente, as Escrituras. Estes testemunhos, na sua diversidade, têm duas características que os unem: por um lado, em resposta à acusação de blasfémia dirigida contra Jesus pelos Judeus, remetem para o agir salvífico de Deus; por outro lado, elas não dizem nada de realmente novo.
Os Judeus estão sob processo porque não procuram a «a glória que vem do Deus úma» (v. 44), mas tomam a glória uns dos outros. Caíram, assim, numa cegueira radical, interior. Agarrados à Lei, recusam o Espirito. Jesus revela-lhes o risco que correm e avisa-os: pensam alcançar a vida eterna perscrutando os escritos de Moisés, mas são esses mesmos escritos que os acusam. O intercessor deverá tornar-se seu acusador? O texto termina convidando cada um a examinar a autenticidade e a verdade da própria fé.
Meditatio
O povo de Israel, revela uma memória curta. Foi libertado por Deus, no meio de prodígios e celebrou livremente a aliança com o Senhor. Mas, logo que sobrevieram novas dificuldades, esqueceu-se de tudo e caiu na idolatria. Assim pode acontecer também connosco. Mas o verdadeiro crente não abandona a Deus, quando surgem dificuldades, como se fosse Ele a causá-Ias. Pelo contrário, continua a sentir-se dependente de Deus, ligado a Ele e, como Moisés, não desiste de orar por si e de interceder pelos irmãos. A oração de intercessão revela maturidade na fé. O crente adulto na fé vê as provações dos irmãos como suas. Por isso reza por eles, faz-se intercessor universal, disposto a carregar sobre si as fraquezas dos outros, e a sofrer para que possam ser aliviados. Foi a atitude de Moisés; será a atitude de Jesus.
Ao reagir contra o pecado do povo, Deus diz a Moisés: «a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destru-tos-ei Mas farei de ti uma grande nação. (v. 10). O povo pecou e merecia ser destruído. Mas os desígnios de Deus deviam cumprir. Por isso, propõe a Moisés tornar-se pai de um novo povo. Moisés recusa a proposta de Deus e implora:
«Não te deixes dominar pela cólera e abandona a decisão de fazer mal a este pOV(J» (v. 12). Mais adiante faz ele uma proposta a Deus: «perdoa-lhes este pecado, ou então apaga-me do livro que escreveste (Ex 32, 32), isto é, destrói-me também a mim. Moisés solidarizou-se completamente com o seu povo, para alcançar de Deus a salvação do seu povo.
Tudo isto se realiza de modo completamente inesperado no mistério de Cristo.
Na morte de Cristo, Deus destrói o povo. A morte de Cristo é destruição do mundo antigo, do homem velho, como escreve S. Paulo. Mas não é apenas destruição, porque a morte do Senhor leva à ressurreição. Jesus é, pois, o novo Moisés que aceita morrer com o povo e pelo povo, mas é também o novo Moisés, pai de uma nova grande nação. A palavra de Deus, «farei de ti uma grande nsçãt», realiza-se na ressurreição de Cristo. De modo imprevisível, as Escrituras dão testemunho da ressurreição de Cristo.
Lemos nas Constituições: «Unidos à acção de graças e à intercessão de Cristo, somos chamados a colocar toda a nossa vida ao serviço da Aliança de Deus com o seu Povo» (n. 84). A nossa vida oferecida a Deus, para sua glória, e para o serviço dos irmãos, e uma atitude de perdão e de súplica pelos pecadores, são um óptimo testemunho de Deus-Amor, que não se demonstra com teorias, mas que transparece na vida daqueles em cujos corações habita.
Oratio
Senhor Jesus, que Te manifestas como Filho de Deus, realizando as suas obras, tem piedade de nós. Acolhe-nos no teu Coração misericordioso e dá-nos a vida. Tu, que és a testemunha fiel e verdadeira do Pai, faz-nos ouvir a sua voz. Filho obediente do Pai, faz-nos recordar a paixão eu sofreste por nós, e a descobri-Ia naqueles que continuam a vivê-Ia no corpo e na alma. Filho inocente do Pai, intercede por nós pecadores e permite-nos solidarizar-nos Contigo nessa intercessão. Queremos ir a Ti para termos a vida, a Ti que és a presença incarnada de Deus-misericórdia. Amen.
Contemplatio
«Nada resistirá às vossas orações, diz-nos Nosso Senhor, porque vou para o meu Pai, para ser vosso protector, vosso intercessor e vosso advogado, e tudo o que pedirdes ao meu Pai em meu nome, fá-lo-eí, ve-lo hei-de conceder, para que o meu Pai seja glorificado no seu Filho; e o que lhe pedirdes em meu nome, fá-lo-eí».
As minhas orações serão, portanto, atendidas, se forem feitas no nome de Jesus, com uma intenção pura e uma vontade conforme aos seus desígnios.
Tenho muito que rezar, pelo Igreja, pela minha pátria, pela minha família, pelas alas, por todos os interesses da glória de Deus, e rezo, mas quão fracamente! Não sei fazer valer os méritos de Nosso Senhor. A minha fé é demasiado superficial, não sei mergulhar nos tesouros do Coração de Jesus, para comprar as graças de que tenho necessidade.
Tenho feito valer bem nas minhas orações, o sangue de Jesus, as suas lágrimas, as suas chagas, as orações das suas vigílias e da sua agonia?
Não estou suficientemente penetrado do valor destes tesouros, porque as minhas orações e meditações são frias e distraídas.
«O que pedirdes na oração, com fé, diz Nosso Senhor, haveis de obter». É a vida de oração, é a união ao Coração de Jesus, é o amor ardente por Nosso Senhor e a justa apreciação dos seus méritos, que hão fecundar as minhas orações (Leão Dehon, OSP 3, p. 450s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Eu vim em nome de meu Pai» (Jo 5, 43a).
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