Na semana que passou, pudemos ouvir algumas notícias que são, no mínimo, muito preocupantes e aterradoras. Ficámos a saber que, a cada quatro segundos, morre uma pessoa de fome no mundo. Ficámos a saber que, em 2021, havia 50 milhões de pessoas a viver em escravidão, ou seja, uma em cada 150. Note-se que, em 2016, eram “apenas” 40 milhões nessa situação. Por último, já no nosso país, ouvimos falar de um sem-abrigo que foi queimado vivo e ainda vimos imagens horripilantes de uma senhora idosa cheia de formigas. Tudo isto nos diz que há muitos Lázaros neste nosso mundo…
Um dos vírus mais perigosos na nossa vida é o vírus da habituação. Porque entra de mansinho e sem fazer grande alarido, não nos chegamos a aperceber que fomos infectados. Pouco a pouco, vai-nos transformando completamente: começamos a habituar-nos às situações mais tristes e dolorosas, achando que são normais; perdemos a nossa capacidade de empatia com os outros; e até a nossa sensibilidade se vai debilitando. E tudo isto pode acontecer sem nos darmos conta que há algo errado connosco…
Quando somos contaminados com este vírus, deixamos de nos importar com as dificuldades e o sofrimento dos outros: se há gente a morrer à fome, é um problema deles; se há gente em guerra, sempre foi assim; se há gente que vive em situação de escravatura, os governos que resolvam. “Eu já tenho problemas que cheguem para agora andar a preocupar-me com os problemas dos outros”: todos conheceremos alguém – talvez até nós próprios já as tenhamos proferido – que já pronunciou estas palavras…
O vírus da habituação seca completamente a nossa capacidade de indignação perante o mal. É ele o grande responsável de os bons se calarem e permitirem que um punhado de gente faça o mal, sem quaisquer entraves nem restrições. É ele que nos faz acreditar, com muita ingenuidade e alguma estupidez, que poderemos ser felizes, mesmo se aqueles que estão à nossa volta sofrem dolorosamente a pouca sorte que tiveram na vida.
O vírus da habituação congela o coração dos cristãos. É preciso, portanto, uma grande vigilância sobre si próprio para conseguirmos reconhecer e detectar este vírus e assim impedi-lo de entrar na nossa vida ou, se for caso disso, expulsá-lo do nosso coração. Para manter este vírus afastado da nossa vida, é preciso muito mais do que um punhado de máscaras e gel para as mãos.
O homem e a mulher que verdadeiramente se sentem chamados por Deus, não se resignam nem se acomodam à realidade tal como ela é. Não só não se identificam com ela, como estão dispostos a deitar as mãos à obra, para que o mundo seja um lugar melhor…
José Domingos Ferreira, scj