Ousar transcender-se

Quem lida habitualmente com adolescentes, poderá constatar como alguns deles vivem muito centrados em si próprios. Parece que se sentem o centro do mundo e têm opinião sobre qualquer assunto. Este parece ser um processo normal no desenvolvimento da vida humana e na consolidação da sua identidade pessoal. O problema talvez esteja quando a pessoa já tem muitos mais anos e continua a viver completamente centrada em si mesmo e nas suas coisas.

Só é possível pensar e gerar um mundo mais aberto, se estivermos dispostos a sair de nós próprios. Aquele que opta por curvar-se sobre si próprio construirá um mundo mais fechado e mirrado. «O ser humano está feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude a não ser no sincero dom de si mesmo aos outros» (FT 87). Em toda e qualquer pessoa habita «o apelo a transcender-se a si mesma no encontro com os outros» (FT 111). 

Este movimento de saída de si próprio em direcção aos outros não é uma proposta vagamente piedosa ou espiritualizante, mas possui, em primeiro lugar, um fundamento antropológico muito sólido. O amor, ao criar vínculos e ao ampliar a nossa existência, «arranca a pessoa de si mesma para o outro». Na verdade, porque estamos «feitos para o amor, existe em cada um de nós uma espécie de lei de “êxtase”: sair de si mesmo para encontrar nos outros um acrescentamento de ser. Por isso, o homem deve conseguir um dia partir de si mesmo, deixar de procurar apoio em si mesmo, deixar-se levar» (FT 88), ou seja, autotranscender-se, porque «ninguém amadurece nem alcança a sua plenitude, isolando-se» (FT 95).

Esta capacidade de se transcender a si mesmo não deve conhecer limites estreitos, pois aponta sempre para algo universal. Trata-se, no fundo, de moldar um coração capaz de acolher a todos, um coração com espaço para todos, um coração que não rejeite ninguém. Reconheço este coração no falecido D. António Francisco dos Santos, um homem que se relacionava com toda a gente e que era próximo das pessoas. Por isso, a sua morte prematura foi sentida com tristeza e um sentimento de orfandade. Como diz o Papa Francisco, «não posso reduzir a minha vida à relação com um pequeno grupo, nem mesmo à minha própria família, porque é impossível compreender-me a mim mesmo sem uma teia mais ampla de relações» (FT 89). 

Esta é uma forte tentação no mundo actual. Não queremos estar sozinhos e impressiona-nos muito a solidão, mas, em vez de alargarmos horizontes e sobretudo o nosso coração, preferimos constituir pequenos grupos ou guetos, onde nos sintamos protegidos, acolhidos e sem ninguém que nos ponha em causa. Esquecemo-nos que «os grupos fechados e os casais autorreferenciais, que se constituem como um “nós” contraposto ao mundo inteiro, habitualmente são formas idealizadas de egoísmo e mera autoproteção» (FT 89).

José Domingos Ferreira, scj

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