Perdas

O Covid aparece aos nossos olhos e ouvidos como uma grande tragédia. Para os mais novos será talvez a maior tragédia que alguma vez experimentaram e sentiram na pele. Um acontecimento que afectou duramente não só a sua vida pessoal, mas também a vida de todos os outros. Quem nasceu nas últimas duas décadas do século XX não conheceu o drama de uma guerra ou de uma doença pandémica.

Por conseguinte, falar em tragédia não é um exagero. Esta pandemia tem sido extremamente fértil em perdas: perdas de ganhos e de receitas, perdas de sonhos e de projectos a realizar, perdas de negócios e de emprego, perda de saúde e de esperança, perda de familiares e amigos e perda até da própria vida… A perda traz consigo a tristeza, a dor e, frequentemente, o ressentimento. Por isso, tantas perdas acumuladas em tão pouco tempo constituem uma grave tragédia, cujos efeitos secundários ainda não podemos vislumbrar em toda a sua dimensão.

Em concreto, estas perdas são responsabilidade de um vírus, mas não nos podemos esquecer que a nossa vida conhece uma longa série de perdas, que começa logo desde cedo. O que acontece é que, na maior parte dos casos, não nos damos conta delas, enquanto noutras situações tornamo-nos especialistas em acumular perdas. Por exemplo, quando nascemos, perdemos a segurança, o conforto e a intimidade do útero materno, mas não o sentimos como uma perda. Bem diferente é a perda de um amigo, porque deixamos que essa amizade se contaminasse pela discórdia, pela inveja ou pelo ressentimento.

Quando escreve a Fratelli Tutti, o papa Francisco quer alertar-nos para algumas perdas, que são da nossa inteira responsabilidade e que não podemos considerar como inevitáveis ou – pior ainda – como sinal de progresso. Ele fala de uma «perda do sentido social» (FT 11), mas também «uma perda do sentido da história» (FT 13), que contribui para uma maior desagregação da sociedade. Fala de uma «perda daquele sentido de responsabilidade fraterna, sobre o qual assenta toda a sociedade civil» (FT 40), mas também de uma «perda progressiva de contacto com a realidade concreta» (FT 43), o que dificulta o desenvolvimento de relações autênticas entre as pessoas. Assim, se há perdas que são parte da vida normal, há outras perdas que contribuem para a degradação da vida em sociedade. Há perdas que são dolorosas e inevitáveis e perante as quais não nos resta outra resposta senão chorar e fazer o respectivo luto. Mas há outras perdas que não são irreversíveis e que está nas nossas mãos decidir novamente reencontrar aquilo que estava perdido.

O pós-Covid poderá ser o tempo para recuperar novamente algumas destas dimensões que andam perdidas, aprendendo a dar-lhes o devido valor e reconhecimento. Talvez esta crise possa ser esse tempo que fortalece aquilo que socialmente estava a sofrer uma forte erosão…

José Domingos Ferreira, scj

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