Peregrinação à Terra Santa

Carta aberta à Congregação

Caros confrades,

de 2 a 27 de julho de 2019, a nossa Congregação organizou um encontro de formação permanente sem precedentes, com a presença de 30 confrades de diferentes países: uma peregrinação à Terra Santa seguindo os passos do Fundador (8 a 24 de julho), precedida por um momento de preparação na Casa Geral (2 a 7 de julho) e concluída com a visita aos locais dehonianos em Roma (25 a 27 de julho). A ideia dessa peregrinação como um momento de formação permanente para um grupo de religiosos dehonianos nasceu no governo de D. Heiner Wilmer, ex-superior geral. O nosso grupo era formado principalmente por confrades que participaram do curso de formadores no último ano em Roma e por uma dúzia de outros confrades enviados pelas entidades da Congregação. Após o período de preparação, durante 17 dias viajámos por várias regiões da Terra Santa, começando pela experiência no deserto de Neguev, no qual Deus se revelou a Abraão e aos patriarcas, e prosseguindo com visita aos locais sagrados que acolheram a manifestação do Salvador: Belém, Nazaré, Tiberíades, Jerusalém e os vários sítios adjacentes. Nestes lugares contemplámos o mistério da encarnação, da vida apostólica, da paixão e ressurreição de Jesus Cristo. Andámos por muitos caminhos a pé, tocando com os nossos pés o solo pisado pelos pés do Senhor. Guiados por confrades P. José Zeferino Policarpo Ferreira (POR), P. Sergio Rottasperti (GER) e P. Ricardo Jorge Ribeiro Freire de Oliveira (POR), tivemos a oportunidade de aprofundar os escritos do nosso Fundador durante as suas duas viagens na Terra Santa. De fato, o tema da nossa peregrinação foi “no Coração de Jesus com o coração de Dehon” e ajudou-nos a viver uma profunda experiência de fé, demonstrando que o caminho de Jesus é o nosso caminho (cf. Cst. 12).

Contar o que foi vivido nesta peregrinação à Terra Santa é como escrever um pedaço do evangelho. Os lugares visitados e as experiências vividas com emoção e alegria levam-nos a acreditar que esses lugares são abençoados por Deus Pai. Jamais esqueceremos a jornada que começou de madrugada no deserto, a história da criação, a experiência da proximidade de Deus, a missa celebrada nas alturas, a fonte de Ein Avdat e a experiência de Agar que introduziu uma questão que conduziu todo o nosso percurso: “o que fazes aqui?”. Depois fomos a Belém, onde “o Verbo se fez carne” (Jo 1,14): a contemplação do mistério da encarnação e do lugar do nascimento, a missa celebrada na gruta de São Jerónimo, a adoração na capela das Irmãs Adoradoras e a visita à clínica pediátrica (Caritas Baby Hospital) onde, no rosto das crianças e dos seus pais, vimos a fragilidade de um Deus que se faz próximo aos sofrimentos. Nazaré chamou-nos ao Ecce ancilla, tão caro ao nosso Fundador: o Angelus celebrado junto com os Franciscanos na Basílica e a procissão luminosa (fiaccolata) vivida e animada por alguns de nós fortaleceram-nos. Nos dias passados na Galileia, subimos o Monte Tabor e o Monte das Bem-Aventuranças, vivemos um momento de oração silenciosa em Tabgha, o local da multiplicação dos pães e dos peixes. O Lago de Tiberíades naquela tarde dentro da barca  chamou-nos a lançar de novo as redes, a confiar em Jesus, a apegarmo-nos a Ele nos momentos de tempestade da nossa vida. O eremitério no Jardim das Oliveiras, um lugar maravilhoso de meditação, fez-nos redescobrir a oração: assim como Jesus ali no Getsêmani orou intensamente, também nós, no silêncio daquela tarde, abandonamo-nos a Ele. O Shabat  convidou-nos naquela noite de sexta-feira para entrar no bairro judeu e rezar diante do muro: vimos como os judeus rezam, os seus gestos, as suas orações e canções, a sua maneira de  vestir. No último dia, o encontro com o Ressuscitado em Emaús também aconteceu para nós, onde nos encontramos com a comunidade das bem-aventuranças.

O nosso percurso foi particularmente guiado e iluminado pelos textos do Padre Dehon, especialmente pelo que ele escreveu sobre as suas peregrinações à Terra Santa. Nós lemos os textos nos quais o Fundador se refere a todos os lugares para onde fomos. Procurámos apreender os seus sentimentos e impressões, como escrevera no seu diário sobre a viagem à Terra Santa, em 1865: “Nestes lugares recebi profundas impressões que sempre me ajudaram na contemplação” (NHV 4/1). Ficámos impressionados com a profundidade das suas meditações e do seu conhecimento histórico e arqueológico dos lugares, quase sempre com grande precisão. Do ponto de vista espiritual, os textos do Padre Dehon fizeram-nos sentir mais intensamente o amor do Coração de Jesus que culmina na cruz, quando nos encontrámos na Basílica do Santo Sepulcro, lugar predileto de muitos peregrinos de várias partes do mundo que ali buscam encontrar o núcleo da fé cristã. De fato, segundo o Padre Dehon, o edifício oferece a maior lembrança do amor do Senhor: “Será necessário voltar lá com frequência, rezar, refletir, receber a comunhão, participar do sacrifício para desfrutar das

graças deste santuário; toda a vida, a memória dos lugares santos ajudará a contemplar os mistérios da nossa salvação” (NHV 3/171). Seguindo o conselho do Fundador, nos cinco dias que passámos em Jerusalém, procurámos retornar muitas vezes à Basílica para reviver o que o Padre Dehon já havia provado, ou seja, as bênçãos que fluem do Sagrado Coração de Jesus. Desse modo, a disposição do coração do Fundador encorajou-nos a viver fisicamente e sobretudo espiritualmente a visita daqueles lugares.

Devemos dizer que a peregrinação à Terra Santa no seguimento de Cristo nos passos do Padre Dehon fez-nos redescobrir as raízes cristãs e o papel profético da Igreja neste ambiente israelo-palestiniano graças à notável contribuição dos frades franciscanos e de alguns religiosos que trabalham em colaboração com o bispo administrador apostólico de Jerusalém, Dom Pierbattista Pizzaballa, e também em espírito de diálogo ecumênico com as demais igrejas cristãs. O contato com essa realidade permitiu-nos entender como os cristãos tentam responder ao chamamento de Deus nestes lugares santos e como eles mantêm a chama da esperança  num ambiente muitas vezes hostil, essa “pequena esperança” que Charles Peguy falou tão bem e que lembra as palavras do Senhor: “não tenhas medo, eu estou contigo todos os dias até o fim do mundo”. Os encontros com o bispo de Jerusalém, com o frei Francesco Patton, guardião franciscano da Terra Santa, e com alguns religiosos que estão lá, como o frei Diego Della Gassa, superior da comunidade franciscana do eremitério do Jardim das Oliveiras, ajudaram-nos a descobrir como este povo vive as alegrias e as esperanças, as dores e as ansiedades, sempre em situação de conflito, como seguidores de Cristo. Encontrámos uma Igreja cuja esperança não é superficial ou utópica, mas realista. De fato, nas estatísticas, os cristãos na Terra Santa são uma minoria, pouco mais de 1% da população. Mas através das suas ações humanitárias, os cristãos respondem da melhor e mais visível maneira à interpelação do Papa Bento XVI, falando de uma “minoria criativa”; sob a ação do Espírito Santo e na sua vida de oração, eles buscam restaurar a confiança desse povo para ganhar a sua confiança; sendo poucos, eles vivem a sua fé de uma forma original através de uma coerência e de um testemunho de vida e através do dom de si por amor de Cristo. Consideramos que a presença cristã na Terra Santa  levou-nos a acreditar que o cristianismo ainda está vivo.

A nossa peregrinação à Terra Santa também nos colocou em contato com um contexto social e religioso que toca duas realidades: Israel e Palestina. É um contexto marcado por uma maioria de árabes muçulmanos (Palestina) ou de judeus (Israel) e uma minoria de cristãos, a grande maioria residente em territórios palestinianos. Vimos expressões de diferenças e expressões de colaboração neste contexto plural do ponto de vista social e religioso. As diferenças são sentidas na organização de bairros separados, nos diferentes horários e ritos de oração, no clima de uma tensão silenciosa devido à falta de confiança mútua. Apesar disso, essas diferenças permitiram-nos conhecer um universo cultural e religioso diverso e desafiaram-nos a uma compreensão mais ampla dessa realidade. Por outro lado, vimos a experiência de uma cooperação entre cristãos, muçulmanos e judeus, como no serviço do hospital infantil em Belém ou no ministério pastoral e educativo em Jericó, o que para nós aparece como sinal de um possível diálogo pela paz e pelo bem dos homens, não importa qual a denominação religiosa.

Mesmo a nível pessoal, fizemos experiência quer de indiferença e de quase desprezo nos lugares de oração de outras religiões e nos atalhos de Jerusalém, quer de acolhimento da parte daqueles que nos viam como turistas com os quais faziam negócio. Retomando as palavras de frei Mario Hadchity, guardião da comunidade franciscana de Jericó, podemos dizer que a desconfiança mútua leva à separação, mas as iniciativas de diálogo no campo social e pastoral inter-religioso surgem como um sinal de esperança e de futuro.

Certamente, desta peregrinação à Terra Santa, colhemos muitos frutos para a nossa vida pessoal e para a nossa experiência de fé. Alguém dizia que a Terra Santa é o quinto evangelho, é olhar com os olhos e tocar com as mãos os lugares onde os aconteceram eventos fundamentais da nossa fé cristã, o que nos permite reler nossa própria experiência com Cristo. No entanto, sendo uma peregrinação dehoniana, seguindo os passos do Padre Dehon, certamente há frutos dessa viagem a serem colhidos como Congregação. Muitos nos perguntamos sobre o papel da Terra Santa para o nosso Fundador, que sempre quis ali uma presença da Congregação, que frequentemente nos convidava a voltar a Nazaré ou a Betânia para aprender a ser a família de Jesus, os amigos de Jesus. Não será este o momento para aprofundar qual era a intenção do Padre Dehon? Não é necessário questionar-nos sobre a importância de propor essa experiência a outros religiosos dehonianos? Pelo que vivemos, parece-nos claro que a espiritualidade da “Recordatio mysteriorum”, da união com os mistérios da vida de Jesus, proposta pelo nosso Fundador, só pode ser plenamente vivida se tivermos a oportunidade de aprofundar o nosso encontro com o Coração de Jesus lá onde a Palavra de Deus montou a sua tenda, lá onde este Coração divino foi aberto pela lança, lá onde ele ressuscitou para nos dar vida em plenitude: na Terra Santa.

No final da nossa peregrinação, queremos agradecer à Congregação dos Sacerdotes do  Coração de Jesus que nos ofereceu este programa de formação permanente. Agradecemos aos superiores das nossas entidades que nos permitiram e nos encorajaram a viver esta experiência. Agradecemos aos organizadores e colaboradores que prepararam e conduziram tudo com zelo e solicitude. É verdade que já concluímos a nossa peregrinação à Terra Santa. Mas sentimos que a nossa verdadeira peregrinação ainda não foi concluída; na verdade, nós acabámos de começá-la: é na missão confiada a cada um de nós que queremos continuar a nossa peregrinação, “no Coração de Jesus com o coração de Dehon”, para prosseguir sempre no seu caminho que é também o nosso caminho.

Roma, 27 de julho de 2019

Grupo dos peregrinos dehonianos na Terra Santa

 

 

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