Perscrutar o futuro

Esta pandemia do Covid-19 tem-nos ajudado a compreender mais cabalmente um desajuste, que há muito estava presente na sociedade e que, mais dia menos dia, acabaria por provocar um conflito: refiro-me à tensão entre economia e vida humana.

Hoje, mais do que nunca, apercebemo-nos que «precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana» (LS 189). A economia não pode ser o mais importante, nem se pode sobrepor à vida de tantos homens e mulheres, que habitam o nosso planeta. Os seres humanos não podem ser reduzidos a números ou a meros consumidores, muito menos a simples força de trabalho.

Recordando essa já longínqua e apressadamente esquecida crise de 2007 e 2008, o papa Francisco escreveu que «a salvação dos bancos a todo o custo, fazendo pagar o preço à população, sem a firme decisão de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma longa, custosa e aparente cura. A crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da actividade financeira especulativa e da riqueza virtual. Mas não houve uma reacção que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo» (LS 189).

Estas palavras ganham hoje uma nova e fresca actualidade e, como dizemos na nossa língua, se à primeira todos caem, à segunda já só cai quem quer. Não podemos continuar a enterrar a cabeça na areia e ficar à espera que alguém resolva o problema em nosso lugar. Não podemos andar de crise em crise, sem nunca solucionar aquilo que está errado. Esta é a hora para exigirmos e operarmos profundas transformações na nossa sociedade! Afinal de contas, conseguimos reduzir a poluição: basta querermos! Conseguimos consumir menos: basta querermos! Conseguimos ser mais solidários: basta querermos!

Neste sentido, «muitas coisas devem reajustar o próprio rumo, mas antes de tudo é a humanidade que precisa de mudar. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida. Surge, assim, um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração» (LS 202).

Por isso, é muito importante que comecemos desde já a olhar o futuro, a perscrutá-lo e a frequentá-lo. Só assim poderemos começar a construir hoje aquilo que queremos que se torne realidade amanhã. Talvez daqui a uns anos possamos olhar para trás e ser capazes de reconhecer a mão de Deus a actuar por trás deste vírus. Não desperdicemos mais oportunidades!!!…

José Domingos Ferreira, scj

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