PERSPECTIVA

COLÉGIO MISSIONÁRIO – 75 anos ao serviço das Missões, da Igreja e da Sociedade

Dr. Grabriel de Jesus Pita, antigo seminarista *

Construído na década de 1950, a partir da aquisição da quinta Chácara Brasil, o Colégio Missionário Sagrado Coração, da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, é hoje uma referência arquitetónica imponente na paisagem do anfiteatro da cidade do Funchal. Mas, mais importante do que isso, foi o serviço religioso e social prestado por este seminário menor, ao longo dos seus 75 anos de existência, na sociedade madeirense, e a formação de padres e religiosos que exerceram e ainda exercem o seu múnus pastoral em terras de Missão, especificamente em Angola, Moçambique e Madagáscar. Por aqui passaram mais de 2.000 alunos. Nos primeiros 20 anos, entre 1947 e 1966, os Livros de Matrículas registam 795 inscritos, dos quais 100 são de origem açoriana, na maioria das ilhas de São Miguel e Santa Maria, que aqui entraram pela primeira vez no ano letivo de 1954/55. No que respeita à Madeira, o concelho donde vieram mais alunos foi o de Santa Cruz (122), seguindo-se o Funchal (106), Machico (96), Santana (95), Câmara de Lobos (58) e Ponta do Sol (53). Dos 87 Dehonianos que tem atualmente a Província Portuguesa, 34 são de origem madeirense e 16 estão na Madeira. Iniciaram a sua formação no Colégio Missionário, ao longo destes 75 anos, 44 Sacerdotes, 8 Irmãos e 3 Bispos, um dos quais recentemente falecido.

Seria, no entanto, redutor analisar a ação dos Dehonianos na Madeira apenas pelo número de religiosos que formaram e a assistência religiosa que prestaram. É preciso contabilizar também a instrução, valorização académica e formação humana que proporcionaram àqueles alunos que, por algum motivo, não seguiram a vida religiosa. A passagem pelo seminário Dehoniano possibilitou a esses alunos a continuação de estudos e/ou obtenção de empregos que de outro modo não conseguiriam, dado a sua origem de famílias pobres. Entre 1947 e 1966, dos 678 madeirenses que ingressaram no seminário dos pobres, como era designado nas primeiras décadas, 84,4% eram de origem rural e até 1974 as famílias que viviam fora do Funchal viviam na miséria ou com grandes dificuldades económicas.

Padre Colombo com benfeitores que visitam o Colégio Missionário Sagrado Coração

A fundação do Colégio Missionário insere-se num dos objetivos primordiais da Congregação que era formar missionários. A dignificação e santificação do clero, o empenho na propagação da doutrina social da Igreja e a devoção reparadora ao Coração de Jesus eram os outros desideratos do fundador, Padre Leão João Dehon (1843-1925). Terminada a II Guerra Mundial, a Província da Itália do Norte, criada em 1920, planeava, em consonância e com o aval da Santa Sé, expandir-se para terras de Missão. Por outro lado, o regime salazarista em Portugal, interessado em consolidar o seu império colonial e mostrar ao Mundo uma obra civilizadora, para justificar a sua manutenção, via com bons olhos e promovia a entrada de missionários nas colónias. Não havendo, porém, missionários portugueses em número desejável, como era a sua pretensão, de acordo com o carácter nacionalista e centralizador do regime, permitia a entrada de missionários estrangeiros com a condição de que o Superior das Missões fosse português e que essas congregações estrangeiras fundassem em Portugal casas de formação de futuros missionários. Em 1946, o Arcebispo de Lourenço Marques, actual Maputo, em Moçambique, o madeirense Teodósio Clemente de Gouveia (1889-1962), estava empenhado em recrutar missionários para a sua diocese e entrando em contacto com os Dehonianos italianos e com o bispo do Funchal, D. António Manuel Pereira Ribeiro (1879-1957), sugeriu a fundação dessa casa de formação na Madeira. É neste contexto que no final de Dezembro de 1946 saem da Itália os Padres Dehonianos Gastão Canova (1921-1985) e Ângelo Colombo (1913-1995), com destino ao Funchal, para fundarem essa casa de formação. Chegam no dia 17 de Janeiro de 1947. A 1 de Setembro desse ano é assinado um contrato de arrendamento da Chácara Brasil, pela quantia mensal de 2.000$00. Nesse mesmo mês partem para Moçambique os primeiros missionários italianos. A 17 de Outubro iniciam-se as aulas com o primeiro grupo de 12 alunos. O contrato de compra, com vista à construção dum edifício novo para Seminário Menor, é assinado a 13 de Maio de 1949, no valor de 968.000$00, a pagar em 14 anos. Em 1958, o edifício é inaugurado.

Mas, como foi possível construir um edifício daquela envergadura, com as parcas receitas de que dispunham os dois Padres italianos, que chegaram à Madeira com meia dúzia de escudos no bolso e sem saber falar português nem conhecer os costumes dos madeirenses? A mensalidade dos alunos, negociada com as famílias, pobres na maioria, não chegava nem para a manutenção do Seminário. O Governo, pelo Ministério das Obras Públicas, concedeu subsídios, ao longo da construção, no valor total de 410.000$00, a Junta Geral comparticipou com 30.000$00 e os benfeitores e a Providência de Deus assegurariam o resto, como afirmava o Padre Colombo, a 5 de Julho de 1950, em entrevista a O Jornal (Jornal da Madeira, a partir de Maio de 1952), perante a incredulidade do jornalista no que respeita à obtenção da verba orçamentada para a primeira fase da construção.

O apoio moral e de influência, desde a primeira hora, do então Bispo do Funchal D. António Manuel Pereira Ribeiro foi uma alavanca imprescindível para a concretização desta obra, convencendo as pessoas para fiadores das dívidas, publicando notas pastorais apelando à ajuda ao Seminário e promovendo a publicitação da causa no jornal da diocese. Os primeiros benfeitores foram algumas famílias italianas que residiam na Madeira; para além de Emanuel Valle, que o Padre Colombo conheceu já na primeira viagem da Itália para a Madeira, foram importantes os contributos das famílias Bianchi Vale Paraíso e Zino, entre outras, não só pelos donativos pessoais que propiciaram, como também pela dinamização na recolha de ofertas, através de eventos vários, como a realização dum Presépio gigante, em 1949 no antigo Paço Episcopal, hoje Museu de Arte Sacra, depois na Praça do Município, e as Festas anuais da Primavera e da Boa Vontade. Os cantores Max, em 1952 e Amália Rodrigues, em 1954, animaram estas festas. Neste aspecto há a assinalar também o contributo entusiástico de Estrela Henriques, esposa do Dr. Jacinto Henriques, o vendedor da Chácara Brasil. À Amélia Bianchi Zino, os padres Dehonianos designavam por “Mãe Milly”, “porque dava aos milhares”, como refere o Padre Giambattista Carrara (1922-2001) nas suas Memórias. As despesas com a construção do refeitório foram pagas por Julian Leacock. Muito importante também foi o apoio do povo anónimo, não só pela participação nas festas referidas como também pela oferta de alimentos, através de romagens e dos Grupos Missionários que se foram constituindo. Também importante foi o papel desempenhado pelo jornal da Diocese, O Jornal/Jornal da Madeira, na divulgação de notícias sobre o Colégio Missionário, realização de entrevistas e apelo à participação dos madeirenses naquelas festas. A justificação apresentada e salientada incidia sempre na componente missionária do novo Seminário, num misto de campanha religiosa e patriótica, ao encontro da vontade do Bispo e do regime colonialista e nacionalista do Estado Novo.

Falta, porém, realçar a ação dos dois padres iniciadores da obra e dos confrades que vieram a seguir. Só uma fé profunda, confiança na Providência de Deus, perante as muitas dificuldades encontradas ao longo do percurso, e uma entrega dinâmica à obra permitiram o êxito da construção e funcionamento do Colégio Missionário. Os padres Colombo e Carrara, desempenharam um papel primordial de relações públicas, conseguindo, com coragem, perseverança e simpatia, conquistar o coração de muitos benfeitores, alguns dos quais visitavam com regularidade. Para além do contacto pessoal, os padres Dehonianos trouxeram da Itália um método de recolha de dádivas, através do envio de cartas a pessoas desconhecidas, cujo endereço era copiado pelos seminaristas, a partir das listas telefónicas.

O ano letivo de 2018/2019 foi o último com alunos internos no Colégio Missionário. Os seminários menores estão hoje em extinção e os processos de recrutamento e acompanhamento de vocações são outros. O edifício, porém, ainda existe e poderá continuar a ter utilização, ao serviço da Igreja e da sociedade madeirense, como no passado. O futuro a Deus pertence.

* O Dr. Gabriel de Jesus Pita é antigo aluno do Colégio Missionário Sagrado Coração. Foi professor de História do Ensino Secundário de 1978 a 2011. Dedica-se à investigação na área da História Contemporânea. Tem vários livros e artigos publicados e colabora atualmente no Dicionário Enciclopédico da Madeira.

O SEMINÁRIO DOS POBRES

Conheci o Colégio Missionário no dia em que meu pai me levou para o mês de “experimentação”, no ano de 1956, provavelmente na última quinzena de Julho. Foi através de um rapaz da minha freguesia, Santo António do Funchal, seminarista do 5º Ano, que eu soube da sua existência: – “Não gostavas de ir para o Seminário e ser Padre?” Eu respondi-lhe que padre, até gostava de ser, mas não podia ir para o Seminário porque éramos pobres. Foi quando ele disse que era um seminário novo, dos Padres Missionários italianos, um seminário dos pobres. E, para me convencer, trouxe o argumento determinante: – “Sabes, lá joga-se à bola todos os dias!”

Cada aluno pagava uma mensalidade de acordo com a situação económica da sua família. Comigo ficou combinado ser 30$00. O resto era suportado pelos benfeitores e amigos do Colégio Missionário. Graças a esses benfeitores, muitos rapazes de famílias pobres como a minha, puderam frequentar o ensino e garantir um futuro risonho, mesmo que não tenham chegado à Vida Religiosa ou Sacerdotal. Ouvi alguém, dos Antigos Alunos, num dos Encontros Anuais a afirmá-lo com muita gratidão e emoção: “Se não fosse o Colégio Missionário, eu hoje seria talvez um venezuelano endinheirado, mas sem a cultura que hoje possuo e que me dá outras perspetivas de vida”.

Após o “estágio”, fiquei aprovado e dei entrada nesse mesmo ano, em Outubro, para o 1º Ano do ano letivo de 1956/57.

Éramos um grupo de 52 miúdos. Dividiram-nos em duas turmas. Era uma casa cheia com um total de 120 seminaristas, do 1º ao 5º Ano.

Reinava um bom espírito de convívio e de amizade entre Superiores e alunos, um verdadeiro ambiente de família: nos recreios a conversar connosco, a participar nos jogos; nos passeios regulares, grandes ou pequenos, em que nos contavam histórias das suas terras de Itália, do tempo da guerra, histórias que começavam, às vezes à saída do portão e acabavam à entrada de casa; nas várias atividades extra-escolares, grupo coral, aprendizagem de instrumentos musicais, teatros e festas…

Afinal não se jogava só à bola!… Por isso, hoje agradecido, elevo a minha oração ao Coração de Jesus por todas as pessoas que, ao longo destes 75 anos, deram vida àquela comunidade formadora, nomeadamente os Religiosos que por lá passaram e os Benfeitores que a sustentaram.

Pe. Agostinho Basílio
sacerdote dehoniano

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A minha filha e particularmente eu agradecemos muito a recepção que tivemos por ocasião da nossa deslocação ao Colégio Missionário em homenagem de gratidão  por tudo aquilo que recebi da Congregação SCJ, inclusive nos 6 anos da minha adolescência e juventude aí  passados. O que hoje sou devo em grande parte a esses fulcrais anos que passei no Colégio Missionário.

Indo diretamente de Torres Novas para as comemorações dos 75 anos do Colégio Missionário, foi uma lufada de ar fresco, uma grande alegria, rever locais, pessoas, formadores, dois padres que a 17 de Outubro de 1947 iniciaram a jornada e ainda aí se encontram. Gostei de voltar a estar com o formador que mais me marcou: o sr. Pe. Santos, sem desprimor para todos os outros, e foram muitos, ao longo dos 11 anos que estive na Congregação tendo passado por Coimbra, Aveiro e Alfragide. Senti também um grande contentamento e satisfação por me ter encontrado com o missionário Pe. Jorge Alves que, em Outubro de 1966, ingressou comigo no Colégio Missionário. Bem-haja no seu trabalho em Luena, Angola.

Muito obrigado. Boa sorte para a nova caminhada que se delineia para o Colégio Missionário e a Congregação.

Roque Antunes
Antigo seminarista

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