RE-SOLIDARIZAR

A pandemia que se abateu sobre nós fez despertar uma forte onda de solidariedade. A cada dia que passa, tomamos conhecimento de novos e redobrados actos de generosidade, que se expressam em ofertas de ventiladores e material médico para os nossos hospitais.

São também frequentes os relatos de pessoas que se disponibilizam para ajudar outras, das mais diversas formas possíveis: ir às compras, conversas telefónicas… O cume da solidariedade – escrevo-o com um respeito profundo por quem o fez – estará naqueles que verdadeiramente doentes tomam a decisão de abdicar do seu ventilador para que ele possa salvar os mais jovens.

É muito bonito e esperançador que isto esteja a acontecer nos nossos dias! É sinal que o nosso coração – outrora endurecido ou atafulhado de quinquilharia – se mantém vivo e atento, capaz de atender e cuidar. É sinal que o nosso coração consegue compadecer-se perante o sofrimento dos outros e não se cala perante a dor e a angústia que muitos arrastam consigo. De facto, como fomos criados para amar, no meio dos nossos limites «germinam inevitavelmente gestos de generosidade, solidariedade e desvelo» (LS 58). Precisamente porque fomos criados para amar, é quando amamos que nos realizamos mais completamente e somos verdadeiramente felizes…

Penso, por isso, que temos diante de nós uma decisão a tomar, com grandes repercussões na nossa vida futura: queremos que a solidariedade se acenda apenas em momentos de emergência ou de tragédia ou queremos construir uma sociedade fundada na solidariedade? Queremos uma solidariedade intermitente ou antes permanente? Queremos continuar a ser competidores, adversários ou rivais ou estamos finalmente preparados para sermos colaboradores, cooperadores e sócios?

As palavras do papa Francisco são claras: «precisamos de nova solidariedade universal. Como disseram os bispos da África do Sul, “são necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus”. Todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades» (LS 14).

Esta é uma boa hora para olharmos para o nosso coração e discernirmos como nos sentimos melhor e de que modo queremos viver o tempo que se seguirá. A memória joga aqui um papel de fundamental importância, pois podemos tornar-nos conscientes de como vivíamos antes, de como vivemos agora e como queremos viver no futuro. Penso que, por detrás desta asfixia ansiosa em que agora nos encontramos, se esconde uma nova capacidade de respirar a plenos pulmões, a qual nos permite constatar que era antes, quando achávamos que estávamos à vontade, que nos encontrávamos permanentemente ofegantes e com falta de ar…

José Domingos Ferreira, scj

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