Reedificar a confiança

Um dos alicerces para a construção de uma sociedade mais fraterna é, sem dúvida, a confiança. Sem a confiança como fundamento social, nunca seremos capazes de nos aproximar uns dos outros, acreditar nos seus esforços genuínos e construir um mundo diferente daquele que temos agora.

A confiança é o cimento em qualquer relação e, quando ela falta, esta rompe-se. Sabemos por experiência como a confiança precisa de tempo – às vezes, muito tempo – para se erguer, mas a desconfiança pode irromper num ápice e derrubar o trabalho de muitos anos. Conheci alguém que dizia que preferia ser enganado, confiando nas pessoas, que andar permanentemente a desconfiar de tudo e todos, com o medo de poder ser ludibriado nalguma ocasião. A confiança é uma das faces do amor; a confiança é o amor em sociedade.

Por conseguinte, é preciso dizer que um dos sinais mais evidentes da falta de fraternidade é precisamente «a mentalidade de medo e desconfiança» (FT 26) que hoje vigora. No mundo actual, chegamos a um ponto tal que «a melhor maneira de dominar e avançar sem entraves é semear o desânimo e despertar uma desconfiança constante, mesmo disfarçada por detrás da defesa de alguns valores» (FT 15). Aliás, não será por acaso que o Covid-19 já foi considerado como a epidemia da desconfiança, porque nos tem feito duvidar de tudo, desde a ciência à política, passando pela tecnologia e pela saúde. Os outros estão a tornar-se potenciais agentes de contaminação e, portanto, o melhor mesmo é estar alerta e manter-se bem longe de toda a gente. Talvez a consequência mais grave dos vários «confinamentos» seja mesmo o reforço da mentalidade acima referida…

Crescemos a crer que «confiar é bom, mas desconfiar é melhor», o que acabou por gerar uma desconfiança doentia e permanente, que tem contribuído para uma maior solidão e tristeza no coração de cada um. Precisamos, portanto, de nos questionar se «é sustentável um equilíbrio baseado no medo, quando de facto ele tende a aumentar o temor e a ameaçar as relações de confiança entre os povos» (FT 262). É importante não esquecer que uma das frases mais repetidas por Jesus nos Evangelhos é precisamente a de «não tenhais medo» (Mt 10, 28; Mc 4,40; 5,36; Lc 5,10; Jo 14,27).

Por isso, «como cristãos, não podemos esconder que, se a música do Evangelho parar de vibrar nas nossas entranhas, perderemos a alegria que brota da compaixão, a ternura que nasce da confiança, a capacidade da reconciliação que encontra a sua fonte no facto de nos sabermos sempre perdoados-enviados» (FT 277). Os cristãos sabemos melhor que ninguém que «se Deus pôde criar o universo a partir do nada, também pode intervir neste mundo e vencer qualquer forma de mal. Por isso, a injustiça não é invencível» (LS 74).

José Domingos Ferreira, scj

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