Samaritanizar-se…

A vida consagrada tem-se caracterizado, ao longo dos séculos, por assumir tenazmente a dimensão da solidariedade e do cuidado dos mais frágeis. As pessoas especialmente consagradas não foram apenas missionários e evangelizadores incansáveis, mas foram também cuidadores e promotores zelosos de melhores condições de vida. É fácil encontrar homens e mulheres consagrados nos lugares mais pobres do nosso mundo, naqueles lugares onde a vida está ameaçada, até mesmo naqueles lugares que parecem pertencer ao reino da morte.

Ao longo dos tempos, apareceram vários institutos religiosos dedicados ao ensino e à educação, à saúde e ao cuidado dos doentes… Tomo como exemplo todo o trabalho e a dedicação do padre Dehon às classes trabalhadoras na França da segunda metade do século XIX. Era gente que vivia sem as mínimas condições de vida, que era explorada e não tinha quaisquer direitos reconhecidos. Era verdadeiramente gente ferida, à beira do caminho, a suplicar ajuda a quem passava por ali.

Os consagrados não fogem do mundo, mas lançam-se nele para cuidar e acompanhar sobretudo os mais pobres e frágeis. Neste sentido, e à luz da última encíclica do papa Francisco, um consagrado é um samaritano que se faz próximo de quem está em sofrimento e abandonado nos caminhos deste mundo que exclui e discrimina. O Covid tem-nos ajudado a «reconhecer como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns que, sem dúvida, escreveram os acontecimentos decisivos da nossa história compartilhada: médicos, enfermeiros e enfermeiras, farmacêuticos, empregados dos supermercados, pessoal de limpeza, cuidadores, transportadores, homens e mulheres que trabalham para fornecer serviços essenciais e de segurança, voluntários, sacerdotes, religiosas… compreenderam que ninguém se salva sozinho» (FT 54).

Tal como o samaritano, os consagrados escolheram um caminho de vida que se caracteriza por um modo alargado de amar. Esta vocação coloca-os ao serviço da vida, particularmente daquela que está mais ameaçada. Como diz o dominicano Thimothy Radcliffe, «o nosso amor absolutamente aberto constitui o terreno em que estamos arraigados. Aprendemos a amar as pessoas que aparecem, quando menos nos apetece: os solitários, os carentes de qualquer atracção e até os membros das nossas comunidades a quem nunca teríamos escolhido e cujas opções teológicas, políticas e até culinárias já nos aborrecem».

Como seria estranho – e até um contra-testemunho! – se nos tivéssemos tornado sacerdotes ou levitas, que passam ao longe e não são capazes de se compadecer com o sofrimento do homem ferido! Talvez mais ninguém na Igreja esteja tão identificado com este samaritano do que os consagrados. E é muito importante não esquecer isto, porque esta solidariedade tem uma grande força de atracção…

José Domingos Ferreira, scj

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