QUARTA-FEIRA
23ª Semana do Tempo comum
Lectio
Primeira leitura: Colossenses 3, 1-11
Irmãos: já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. 2Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra. 3Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. 4Quando Cristo, a vossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com Ele em glória. 5Crucificai os vossos membros no que toca à prática de coisas da terra: fornicação, impureza, paixão, mau desejo e a ganância, que é uma idolatria. 6Estas coisas provocam a ira de Deus sobre os que lhe resistem. 7Entre eles também vós caminhastes outrora, quando vivíeis nessas coisas. 8Mas agora rejeitai também vós tudo isso: ira, raiva, maldade, injúria, palavras grosseiras saídas da vossa boca. 9Não mintais uns aos outros, já que vos despistes do homem velho, com as suas acções, 10e vos revestistes do homem novo, aquele que, para chegar ao conhecimento, não cessa de ser renovado à imagem do seu Criador. 11Aí não há grego nem judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo, que é tudo e está em todos.
Depois da tese do morrer e ressuscitar com Cristo, Paulo passa para o campo da moral cristã, que daí decorre. É curioso notar que o Apóstolo não apresenta um código moral muito diferente do que havia de melhor na cultura helenista. A lista dos vícios e das virtudes é semelhante à dos estóicos. Mas há uma diferença fundamental: a dimensão cristológica. O crente forma uma realidade nova em Cristo, participa das vicissitudes de Cristo e, portanto, reveste-se do homem novo, «que não cessa de ser renovado à imagem do seu Criador» (cf. v. 10). A transformação interior exige uma transformação exterior. A novidade de vida indica o «homem novo», em construção.
A renovação pessoal de cada homem leva à renovação da realidade social. Por isso é que, em Cristo, não existem as habituais discriminações de sexo, de raça, de família, «mas Cristo, que é tudo e está em todos» (v. 11). A transformação interior de cada homem leva à transformação das relações sociais.
Evangelho: Lucas 6, 20-26
Naquele tempo, Jesus 20erguendo os olhos para os discípulos, pôs-se a dizer:«Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus. 21Felizes vós, os que agora tendes fome, porque sereis saciados. Felizes vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. 22Felizes sereis, quando os homens vos odiarem, quando vos expulsarem, vos insultarem e rejeitarem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem. 23Alegrai-vos e exultai nesse dia, pois a vossa recompensa será grande no Céu. Era precisamente assim que os pais deles tratavam os profetas». 24«Mas ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação! 25Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter fome! Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis! 26 Ai de vós, quando todos disserem bem de vós! Era precisamente assim que os pais deles tratavam os falsos profetas».
Lucas reduz as bem-aventuranças a quatro, acrescentando os quatro «ai de vós». Segundo os exegetas, o texto de Lucas seria mais próximo da verdade histórica das palavras de Jesus, o que lhe daria especial relevo. Mas convém recordar que as mediações dos vários evangelistas, ao referirem os ensinamentos de Jesus, não atraiçoam a verdade da mensagem. Pelo contrário, focalizam-no e relêem-na para bem das suas comunidades.
Tanto as oito bem-aventuranças de Mateus, como as quatro de Lucas, podem reduzir-se a uma só: a bem-aventurança de quem acolhe a palavra de Deus na pregação de Jesus e procura adequar a vida a essa palavra. O verdadeiro discípulo de Jesus é, ao mesmo tempo, pobre, manso, misericordioso, fazedor de paz, puro de coração, etc. Pelo contrário, quem não acolhe a novidade do Evangelho merece todas as ameaças que, na boca de Jesus, correspondem a profecias de tristeza e de infelicidade. O texto de Lucas caracteriza-se pela contraposição ente o «já» e o «ainda não», entre o presente histórico e o futuro escatológico. Obviamente a comunidade para a qual Lucas escrevia precisava de ser alertada para a necessidade de traduzir a sua fé em gestos de caridade evangélica, mas também para a de manter viva a esperança, pela total adesão à doutrina, ainda que radical, das bem-aventuranças evangélicas.
Meditatio
Depois de nos ter convidado a dar abundantes graças a Deus pelos seus dons, – «transbordem em acção de graças» (Cl 6, 7) -, Paulo retira algumas conclusões para a nossa vida de cristãos: «Já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto… Aspirai às coisas do alto» (cf. vv. 1-2). Há, pois, que pensar na felicidade que Deus nos promete no céu. Essa esperança enche-nos de ânimo para vivermos a nossa fé no meio de tantas tribulações. Mas não nos pode fazer esquecer os compromissos terrenos. «As coisas do alto» não são apenas a felicidade futura no paraíso. São, sobretudo, as coisas espirituais de agora, aquilo a que Paulo chama «o fruto do Espírito»: «amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, auto-domínio» (Gl 5, 22s.). Para o cristão, a vida eterna já começou. A vida com Cristo ressuscitado começa na terra, quando recebemos o baptismo. É por isso que Paulo exorta os Colossenses: «Já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto», procurai, na vida concreta, os verdadeiros valores. Não o dinheiro, o poder, o prazer… Buscai o progresso na comunhão entre todos, o progresso no amor. Procurai a paz. A mansidão vence a violência.
Cada dia havemos de morrer e ressuscitar, viver o mistério pascal com Cristo. Uma parte de nós tem de permanecer na morte, enquanto outra deve desenvolver-se: «Crucificai os vossos membros no que toca à prática de coisas da terra» (v. 5). Entre estas coisas, Paulo refere, em primeiro lugar, a imoralidade na vida sexual. Depois aponta os vícios relacionados com a busca do dinheiro. Finalmente refere tudo o que atenta contra a comunhão fraterna: «contendas, ciúmes, fúrias, ambições, discórdias, partidarismos, invejas» (Gl 5, 20s.). «Não mintais uns aos outros», recomenda (v. 9), porque sois membros do Corpo de Cristo e «vos despistes do homem velho, com as suas acções, e vos revestistes do homem novo, aquele que… não cessa de ser renovado à imagem do seu Criador» (v. 9s.).
O cristão não foge do mundo, mas procura transformá-lo positivamente, inserindo nele os valores verdadeiros. Pode fazê-lo, graças &agrav
e; força extraordinária que se desprende a ressurreição de Cristo. Paulo não encontra expressões suficientemente fortes para dizer esta força, esta potência divina de que dispomos. Cristo põe-na à nossa disposição, para que possamos vencer o mal e a morte, para que possamos renovar o mundo no amor. O Senhor só nos pede aquilo que Ele próprio nos capacita a fazer. Estejamos sempre abertos para acolher esta força transformadora, recreadora.
Oratio
Senhor Jesus, faz-me compreender que a renovação do mundo começa em mim, porque só pessoas novas podem contribuir para fazer o homem novo, num mundo novo. Transforma-me, Senhor! Transforma o meu coração! Afasta dele os «maus desejos». Faz-me mergulhar no teu mistério pascal, para dele retirar o poder superior do teu Espírito. Tudo isto é óbvio, eu sei. Mas também sei que tantas vezes tenho andado esquecido destas simples convicções, e, comigo, tantos meus irmãos. Salva-nos, Senhor, da cegueira. Ajuda-nos a mergulhar no teu mistério de morte e de vida, para que possamos mudar algo em nós e à nossa volta, algo que possa “habitar” Contigo, onde Te encontras, sentado à direita do Pai. Amen.
Contemplatio
A vida espiritual é enxertada em nós pelo baptismo. Todo o nosso ser é informado pela graça. Como a nossa alma informa e vivifica o nosso corpo, assim a graça informa e vivifica todo o nosso ser. É uma vida nova, um fermento que muda toda a massa (1 Cor 5,7); é uma seiva nova: o cristão é enxertado, incorporado em Cristo, como o ramo que não pode viver nem frutificar senão se estiver unido ao cepo (Jo 15, 1). O ramo dá frutos de santidade se a sua raiz for santa (cf. Rm 11,16). Todos nós recebemos da plenitude de Jesus, na vida cristã: é nele que somos cumulados (Jo 1,16). É o seu divino Coração que é a fonte de toda a vida espiritual. A forma desta vida é a graça. Os seus alimentos são tudo o que nos vem de Jesus e tudo o que nos traz a graça de Jesus: o estudo e a contemplação de Jesus, a fé em Jesus, a palavra de Jesus, a união com o Coração de Jesus e a sua Eucaristia. O Sagrado Coração de Jesus é o abismo das graças divinas. Sob os seus diversos aspectos, Jesus é o pão da vida, o pão vivo descido do céu e que dá a vida ao mundo (Jo 6). Nós vivemos por Jesus como Ele mesmo vive pelo seu Pai (Jo 6, 58). Quanto mais nos alimentamos de Jesus, mais a graça santificante ou a vida de Jesus se torna abundante em nós (Jo 10, 10). Praticamente, portanto, vivemos de Jesus, da sua recordação, da sua palavra, da sua eucaristia. «Quer comais, quer bebais, quer vigieis, quer repouseis, fazei tudo no nome de Jesus, vivei sempre com Jesus» (1Tes). «Segue-me – Vinde comigo». – Sigamos Jesus, vamos atrás dele, contemplando-o, imitando-o, inspirando-nos sem cessar nos sentimentos do seu Coração: «Tende em vós os mesmos sentimentos que estavam em Cristo Jesus» (Fl 2,5). – Se o procurarmos, se o servirmos, se o amarmos, não será insensível. Virá mais intimamente a nós, em nós fará a sua morada e tomará tudo nas suas mãos. Viverá em nós (Gl 2, 20). (Leão Dehon, OSP 4, pp. 182s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto» (Cl 3, 1).