Textos do Padre Dehon sobre o martírio

Texto I
(Oeuvres Spirituelles 3, p. 419s.)

Os frutos maravilhosos do reino da caridade. – «O meu Pai e eu, diz o Senhor, somos assim glorificados». É, de facto, o amor divino pelos homens que é imitado e continuado. A nossa união fraterna faz a alegria de Deus nosso Pai. Ela faz também a nossa força e a nossa consolação. As obras da caridade fraterna são também um poderoso meio de apostolado e o instrumento da conversão dos povos. O mundo vê que nos amamos e fica emocionado.
Esta caridade tem tido os seus inumeráveis mártires, que têm fecundado a Igreja e enchido o céu. Todos aqueles que sacrificaram a sua vida nos trabalhos e nos perigos do apostolado sob todas as suas formas são mártires da caridade. Enfrentaram as fadigas, as doenças, as dificuldades do clima, a hostilidade dos infiéis para irem em socorro dos que sofrem ou que estão nas trevas da idolatria. Era o espírito da caridade que os conduzia.
Dando-nos o seu preceito novo, Nosso Senhor dá-nos, no Espírito Santo, a graça de o cumprirmos.
Se correspondermos a este espírito de caridade, havemos de praticar entre nós a doçura, a paciência, a benevolência. As obras de misericórdia ser-nos-ão caras e fáceis. Teremos gosto em tomar conta dos pequenos, dos pobres, dos ignorantes, daqueles que sofrem. Havemos de nos recordar da palavra do bom Mestre: «O que fazeis aos pequenos e aos deserdados, tenho como feito por mim». Se tivermos uma caridade ardente e abundante, levá-la-emos até ao sacrifício. Despojar-nos-emos, afadigar-nos-emos para socorrer o nosso próximo, e, se for preciso, daremos a nossa vida por ele como Nosso Senhor a deu por nós.


Texto II

(Oeuvres Spirituelles 3, p. 566)

Os mártires detêm o primeiro lugar entre os heróis do cristianismo, porque a força manifesta-se melhor no sofrimento do que na acção.
A acção desenvolve e eleva a natureza, o sofrimento é-lhe totalmente contrário.
O belo espectáculo da força dos mártires conquistou para a Igreja toda a terra.


Texto III

(Oeuvres Spirituelles 2, p. 223s.)

As primícias dos mártires
O reino dos céus é semelhante a um campo onde o mestre lança uma semente fecunda. Toda a vida terrestre de Jesus foi um tempo de sementeira, como Ele mesmo nos disse na sua parábola. Ele semeava os seus méritos, semeava as suas orações, os seus labores, as suas lágrimas, os seus suores e o seu sangue, semeava todas as graças; e o campo da Igreja tem diante dele todos os séculos da cristandade, até ao fim dos tempos, para ver desabrochar e crescer as searas.
Jesus semeava a graça do martírio todos os dias da sua vida, em todos os seus labores e em todas as suas provações, mas Ele quis colher logo um ramo de flores destes mártires, e este ramo, é o grupo destas crianças que são a alegria do Cordeiro divino no céu atirando-se aos pés do seu altar glorioso.
A liturgia, inspirando-se no Apocalipse e no profeta Jeremias, colocou a bela festa dos santos Inocentes logo muito próxima da do Natal.
Estes pequenos mártires são também as primícias das vítimas do Sagrado Coração. Foram vítimas inocentes. O espírito de vítima de Jesus transbordava sobre as suas jovens almas e revestia-as com a graça do martírio. Jesus há-de ajudar-nos também, mas Ele pede a nossa cooperação. Correspondamos à graça de vítimas do Sagrado Coração que Ele nos quer dar.


Texto IV

(Notes sur l’histoire de ma vie III, p. 212)

A nossa cara padroeira, Germana, mereceria também um canto lírico. Mas os anjos cantam-lhe no céu.
Voltando ao meu panegírico, esforcei-me por aumentar no coração dos meus conterrâneos a confiança e o afecto para com a nossa querida padroeira.
Dizia-lhes eu: “Em toda a parte e sempre, o sangue dos mártires foi semente fecunda de cristãos. Entrava nos planos de Deus preparar a conversão dos povos pela expiação e pelo sangue dos mártires
(1). Vede Roma; Cristo levou três séculos para conquistá-la e cada passo que nela fez foi realizado com efusão de sangue. Roma devia ser o centro da Igreja e por este motivo, participar mais nas graças de Deus; era preciso que ela fosse teatro dos mais abundantes méritos… A nossa bela França que devia ser a filha primogénita da Igreja, devia ter, depois de Roma, a parte mais larga da cruz, para merecer a sua larga parte de coroas. Os mártires foram, nela, inumeráveis; e Lião, a grande cidade cristã, conta-os aos milhares.
Na nossa terra, Santa Germana veio com a efusão do seu sangue destruir o culto de Odino, num dos seus últimos refúgios… Foi mesmo aqui que ela ofereceu a Deus, sob o olhar dos anjos, seus irmãos, o seu grande sacrifício de propiciação. Pensou ela: “Meu Deus, aceitai a minha vida com a do Vosso Filho, aceitai a minha vida em expiação das minhas faltas, se cometi alguma, e das do meu povo. Aceitai a minha vida pela salvação do meu pai e dos meus. Perdoai aos meus algozes. Aceitai a minha vida pela salvação dos povos desta região que ainda não vos conhecem!…”
É dever nosso, agora, imitar a sua coragem. O martírio é de todos os dias da vida cristã. Cada dia, emissários do demónio ou do mundo vêm pedir-nos para renunciar a Deus, e prometem-nos em troco as alegrias da terra. Eles vêm pedir-nos para desprezar as leis de Deus e da Igreja para consagrar toda a nossa vida aos interesses materiais… Ah! venham pedir a uma rapariga lições de força, de coragem e de honra, para resistir a todas estas solicitações enganadoras… Finalmente, devemos rezar à nossa querida padroeira. Voltemos a pôr em honra o seu culto. -Outrora, ó ilustre mártir, pela vossa intercessão, os cegos viam, os coxos andavam, os surdos ouviam. Se a nossa fé já não é tão viva que mereça obter esses favores estrepitosos, concedei-nos pelo menos, os vossos favores, espirituais que são ainda mais preciosos, e
mbora menos admirados pelos homens. Curai a cegueira do nosso espírito, fazei que nós ouçamos a voz de Deus e que caminhemos com firmeza no caminho da virtude…”
Enquanto eu faltava, o meu bom anjo fez-me compreender que eu devia a santa Germana a coragem de ter quebrado a resistência do meu pai à minha vocação. Eu falara com emoção na firmeza da santa, frente às insistências paternas. Os meus ouvintes tiveram sem dúvida a mesma intuição, e a emoção era geral. A querida santa ganhou afeição e estima; era tudo o que eu podia desejar.


(1)
O texto original dos “Sermons” é diferente: “Deus, antes de conceder as suas graças a um povo, quer que a expiação da cruz seja nele renovada e pregada pelo exemplo. Na sua infinita sabedoria, Ele fixou a medida desta expiação e parece que Ele quis que ela fosse mais longa e mais abundante lá onde queria derramar mais largamente as suas graças.”
Há também outros passos que não correspondem ao original, pelo que constituem como que uma nova redacção.

plugins premium WordPress