Um desejo que não se apaga…

A sociedade do espectáculo e da aparência não nos educou para a interioridade. Ao invés, privilegiou o caminho oposto, dando mais atenção à relação do sujeito com os vários objectos captados pelos sentidos. Ao desvalorizar aquelas dimensões que compõem o mundo dos nossos sentimentos, pensamentos e afectos, acabou por produzir uma superficialidade que chega a ser aterradora, bem como um grande desconhecimento de quem realmente somos.

Aprender a olhar para dentro de si é um passo essencial para a vida e felicidade de cada um. No fundo, trata-se de assumir aquela exortação milenar que diz «conhece-te a ti mesmo», o que obviamente não se refere ao nosso aspecto exterior, mas a essa ousadia e audácia de adentrar-se até ao mais fundo de nós mesmos, a esse santuário interior, onde S. Agostinho dizia ter-se encontrado com o Mistério de Deus.

À medida que descermos as escadas que conduzem ao coração, é possível que nos deparemos com a verdade sobre nós próprios, uma verdade que poderá ser agreste e difícil de compreender e aceitar. Quanto mais descermos, encontraremos aquilo que não queremos que os outros saibam, mas também aquilo que preferimos esconder ou ignorar de nós próprios. Quanto mais perto do nosso centro vital, mais facilmente nos poderemos confrontar com esse mundo dos nossos desejos e aspirações, mundo pouco conhecido e trabalhado e, por isso mesmo, um tanto em ebulição.

Na verdade, no mais fundo do nosso coração, podemos fazer essa experiência de que, «quando nos damos conta do reflexo de Deus em tudo o que existe, o coração experimenta o desejo de adorar o Senhor por todas as suas criaturas e juntamente com elas» (LS 87). De igual maneira, poderemos encontrar-nos também com esse «desejo desordenado de consumir mais do que realmente se tem necessidade» (LS 123).

Ao contrário do primeiro, este último desejo é insaciável e causador de dano. Ao consumir mais do que aquilo de que tem necessidade, a pessoa está a fazer mal a si própria, mas este mal alarga-se também ao planeta, que se vê sem os recursos para satisfazer o nosso apetite destemperado. Afinal de contas, o que é que nos leva a consumir mais do que aquilo de que precisamos? Por que é que não nos damos conta que este caminho é suicida?

O papa Francisco, a este propósito, fala de um «relativismo prático», na medida em que o ser humano, ao colocar-se no centro, «acaba por dar prioridade absoluta aos seus interesses contingentes, e tudo o mais se torna relativo». É um relativismo no qual «tudo o que não serve os próprios interesses imediatos se torna irrelevante» (LS 122).

O nosso mundo interior é, de facto, bastante rico e interessante, mas precisa de ser ordenado e evangelizado. É, sem dúvida, uma ocupação para toda a nossa vida, mas, sem este trabalho paciente e perseverante, não alcançaremos nunca aquela «conversão ecológica» (LS 5. 217. 218-220), que se tornou tão necessária.

José Domingos Ferreira, scj

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