Uma mulher chamada Marta

Marta pode ajudar-nos a compreender melhor aquele fenómeno complexo a que o papa Francisco chama «rapidação». De um modo genérico, caracteriza-se por uma «contínua aceleração das mudanças na humanidade e no Planeta», pela «intensificação dos ritmos de vida e de trabalho» (LS 18) e pela velocidade imposta às acções humanas.

Efectivamente, o texto evangélico diz-nos que Marta «atarefava-se com muito serviço» (Lc 10,40), sentia-se incomodada por não ter a ajuda da sua irmã e, após queixar-se a Jesus, ainda ouve dele que «anda inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária» (Lc 10,41-42). Isto faz-nos pensar em algo de mais profundo que uma simples decisão do momento ou uma circunstância ocasional. Parece apontar-se aqui para um estilo de vida equivocado, sem se poder pôr em causa a bondade desta mulher generosa e acolhedora.

Este episódio pode iluminar quanto aos malefícios do paradigma tecnocrático, que nos tem tornado mais individualistas, mais consumistas e também mais ansiosos. Nestes nossos dias, é muito comum andarmos mais dispersos, numa correria distante, a queixarmo-nos que não temos tempo para nada. O passo seguinte é um azedume que se entranha e nos leva a barafustar contra tudo e todos, numa espécie de projecção da insatisfação que levamos dentro.

Queremos fazer tudo muito rápido, queremos fazer muitas coisas e acabámos por não nos dar conta que há uma lentidão que é necessária. Porque associamos velocidade e fecundidade, deixamos de ter tempo para escutar os outros e, pior ainda, deixamos de estar totalmente presentes diante deles. Não admira, por isso, que a atitude de alguém como Maria nos pareça um escândalo e uma perda de tempo: afinal de contas, ela não trabalha nem produz nada…

A verdade é que «a paz interior das pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum». Maria representa um «equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de admiração que leva à profundidade da vida. A natureza está cheia de palavras de amor; mas, como poderemos ouvi-las no meio do ruído constante, da distracção permanente e ansiosa, ou do culto da notoriedade? Muitas pessoas experimentam um desequilíbrio profundo, que as impele a fazer as coisas a toda a velocidade para se sentirem ocupadas, numa pressa constante que, por sua vez, as leva a atropelar tudo o que têm ao seu redor». Torna-se imprescindível dedicar «tempo para recuperar a harmonia serena com a criação, reflectir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais, contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos rodeia, e cuja presença não precisa de ser criada, mas descoberta, desvendada» (LS 225).

Maria, sentada aos pés de Jesus, a escutar a sua palavra, pode ajudar-nos a assumir uma atitude existencial mais reverente e contemplativa para com a natureza.

 

José Domingos Ferreira, scj

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