Vigiai e orai…


A guerra na Ucrânia dura há demasiado tempo, mas nada nos indica que esteja para terminar em breve. Muito pelo contrário! A situação não só poderá arrastar-se no tempo, como poderemos assistir ainda a um recrudescer da violência, num aglomerado de atrocidades cada vez mais escabrosas.

O cenário de uma guerra de maiores proporções e com mais protagonistas está cada vez mais iminente. A hipótese de uma guerra nuclear, outrora uma possibilidade remota, apresenta-se agora com os contornos mais definidos e vincados duma inevitabilidade.

Este é, portanto, um momento adequado para nos recordarmos daquelas palavras que um clarividente Papa Francisco escreveu na Laudato si’: «nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que o utilizará bem, sobretudo se se considera a maneira como o está a fazer. Basta lembrar as bombas atómicas lançadas em pleno século XX, bem como a grande exibição de tecnologia ostentada pelo nazismo, o comunismo e outros regimes totalitários e que serviu para o extermínio de milhões de pessoas, sem esquecer que hoje a guerra dispõe de instrumentos cada vez mais mortíferos. Nas mãos de quem está e pode chegar a estar tanto poder? É tremendamente arriscado que resida numa pequena parte da humanidade» (LS 104).

A situação que se vive hoje, especialmente na Ucrânia, pode criar as condições mais favoráveis para lermos este pequeno texto com uma atenção mais aprofundada e consciente. Se noutros tempos poderíamos ter passado de raspão por este alerta, hoje não o podemos desprezar ou fechar os olhos. A realidade está a impor-se-nos de uma forma dramática. Com efeito, «o homem moderno não foi educado para o recto uso do poder, porque o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência. Cada época tende a desenvolver uma reduzida autoconsciência dos próprios limites. Por isso, é possível que hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe apresentam, e cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do seu poder quando não existem normas de liberdade, mas apenas pretensas necessidades de utilidade e segurança» (LS 105).

Uma guerra mundial nos dias de hoje será uma catástrofe de proporções apocalípticas, onde ninguém se poderá considerar a salvo. O nosso mundo nunca mais será o mesmo e morrerão muitos milhões de pessoas. Não há cinismo que possa proteger do horror e da destruição. Após um novo conflito à escala mundial, deixaremos de visitar Auschwitz, que nos parecerá uma sombra pálida e esbatida, quando comparada com as atrocidades cometidas no século XXI. Passaremos também a olhar para a Batalha de Aljubarrota como uma brincadeira de meninos, que não tinham nem televisão nem internet para se divertirem…

José Domingos Ferreira, scj