Tempo Comum – Anos Pares
X Semana – Quarta-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Reis 18, 20-29
Naqueles dias, 20o rei Acab mandou chamar todos os filhos de Israel e reuniu os profetas no monte Carmelo. 21Elias aproximou-se de todo o povo e disse: «Até quando andareis a coxear dos dois pés? Se o Senhor é Deus, segui-o; mas se Baal é que é Deus, então segui a Baal!» O povo não respondeu. 22Elias continuou: «Só eu fiquei, como único profeta do Senhor, enquanto que os profetas de Baal são quatrocentos e cinquenta. 23Dêem-nos, então, dois novilhos; eles escolherão um, hão-de esquartejá-lo e o colocarão sobre a lenha, sem lhe chegar fogo. Eu tomarei o outro novilho, colocá-lo-ei sobre a lenha, sem, igualmente, lhe chegar fogo. 24Em seguida invocareis o nome do vosso deus; eu invocarei o nome do Senhor. Aquele que responder, enviando o fogo, será reconhecido como verdadeiro Deus.» Todo o povo respondeu: «Estas palavras são correctas.» 25Então Elias disse para os profetas de Baal: «Escolhei vós primeiro um novilho e preparai-o, porque vós sois mais numerosos; invocai o vosso Deus, mas não chegueis fogo ao novilho.» 26Eles tomaram o novilho que lhes fora dado e esquartejaram-no. Depois puseram-se a invocar o nome de Baal, desde manhã até ao meio-dia, gritando: «Baal, escuta-nos!» Mas nenhuma voz se ouviu, nem houve quem respondesse. E dançavam à volta do altar que tinham levantado. 27Quando era já meio-dia, Elias começou a escarnecer deles, dizendo: «Gritai com mais força! Talvez esse deus esteja entretido com alguma conversa! Ou então estará ocupado, ou anda de viagem. Talvez esteja a dormir! É preciso acordá-lo!» 28Então eles gritavam em voz alta, feriam-se, segundo o seu costume, com espadas e lanças, até ficarem cobertos de sangue. 29Passado o meio-dia, continuaram enfurecidos, até à hora em que era habitual fazer-se a oblação. Mas não se ouviu resposta nem qualquer sinal de atenção. 30Foi então que Elias disse a todo o povo: «Aproximai-vos de mim.» E todo o povo se aproximou dele. Elias reconstruiu logo o altar do Senhor, que tinha sido demolido. 31Tomou doze pedras, segundo o número das tribos de Jacob, a quem o Senhor dissera: «Chamar-te-ás Israel.» 32Com essas pedras erigiu um altar ao nome do Senhor; em volta do altar cavou um sulco, com a capacidade de duas medidas de semente. 33Dispôs a lenha sobre a qual colocou o boi esquartejado 34e disse: «Enchei quatro talhas de água e derramai-a sobre o holocausto e sobre a lenha.» Depois acrescentou: «Tornai a fazer o mesmo.» Tendo eles repetido o gesto, acrescentou: «Fazei-o pela terceira vez.» Eles obedeceram. 35A água correu à volta do altar até o sulco ficar completamente cheio. 36À hora do sacrifício, o profeta Elias aproximou-se, dizendo: «Senhor, Deus de Abraão, de Isaac e de Israel, mostra hoje que és Tu o Deus em Israel, que eu sou o teu servo; às tuas ordens é que eu fiz tudo isto. 37Responde-me, Senhor, responde-me! Que este povo reconheça que Tu, Senhor, é que és Deus, aquele que lhes converte os corações.» 38De repente, o fogo do Senhor caiu do céu e consumiu o holocausto, a lenha, as pedras, a lama e até mesmo a própria água do sulco. 39Ao ver isto, o povo prostrou-se de rosto por terra, exclamando: «O Senhor é que é Deus! O Senhor é que é Deus!»
O desafio lançado por Elias aos seguidores de Baal atinge o momento culminante, cheio de dramatismo, no Monte Carmelo. Havia três anos que a seca perdurava (1 Rs 18, 1). Elias ainda estava escondido, para fugir ao extermínio dos profetas de Javé, promovido por Jezabel.
No Monte Carmelo, havia um altar sucessivamente dedicado a diferentes divindades. Depois de o conquistar, David ergueu aí um altar a Javé. O nosso texto refere que o dito altar fora demolido e que o culto a Baal fora restaurado nesse lugar. Acab reúne aí o povo para mais uma tentativa de o voltar para Baal. É então que surge Elias a desafiar o rei, com os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal, para se submeterem com ele, «único profeta do Senhor» (v. 22), ao juízo de Deus.
Os gritos dos que invocavam o deus de Tiro, e a excitação paroxística dos seus profetas, não conseguiram obter a descida do céu do «fogo do Senhor» (v. 38). Pelo contrário, a oferta serena do sacrifício vespertino, feita por Elias, obteve-o. Assim ficou a saber-se que o verdadeiro Deus é Javé, «o Deus de Abraão, de Isaac e de Israel» (v. 36). E seguiu-se a vingança sobre os falsos profetas, que o nosso texto omite.
Evangelho: Mateus 5, 17-19
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 17 «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição. 18Porque em verdade vos digo: Até que passem o céu e a terra, não passará um só jota ou um só ápice da Lei, sem que tudo se cumpra. 19Portanto, se alguém violar um destes preceitos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será o menor no Reino do Céu. Mas aquele que os praticar e ensinar, esse será grande no Reino do Céu.
Jesus, tendo concluído o seu próprio ensinamento, toma agora posição perante a doutrina tradicional, introduzindo, de modo autorizado e solene, o seu próprio ensinamento com o «Amen … vos digo», ou, como traduz o nosso texto, com o «em verdade vos digo». Esta expressão, recorrente no Sermão da Montanha, indica que aquilo que Jesus está para dizer é verdade, é digno de fé. Antes de sintetizar o ensinamento numa frase lapidar e programática (Mt 7, 12), Jesus esclarece a sua atitude e a dos seus discípulos perante a lei antiga. Não se trata de aboli-la, mas de aperfeiçoá-la, como várias vezes regista Mateus: 1, 22; 2, 15.17; 3, 15; 4, 14, etc.). Mas o carácter provocador das antíteses usadas por Jesus levará a que seja acusado de querer destruir a Lei e os Profetas.
Meditatio
O Livro dos Reis apresenta-nos hoje uma narrativa pitoresca e cheia de humor. O fugitivo Elias, vem corajosa e decididamente ao encontro do rei e dos 450 profetas de Baal. E desafia-os para o juízo de Deus. Dá prioridade e condições mais favoráveis aos profetas de Baal: podem escolher a vítima, preparar o altar e a lenha em horas de mais calor e, portanto, mais favoráveis. O sacrifício devia correr sem dificuldades. Mas nada acontece. Elias goza da situação: «começou a escarnecer deles: «Gritai com mais força! Talvez esse deus esteja entretido com alguma conversa! Ou então estará ocupado, ou anda de viagem. Talvez esteja a dormir! É preciso acordá-lo!» (v. 27). Mas os sacerdotes de Baal não desistiam: «gritavam em voz alta, feriam-se … até ficarem cobertos de sangue» (v. 29). Continuaram até à hora do sacrifício da tarde: «Mas não se ouviu resposta nem qualquer sinal de atenção» (v. 29). E chega a vez do profeta de Javé.
Elias, além das
condições menos favoráveis de que dispunha, manda encharcar repetidamente o altar, a lenha, a vítima, a ponto de o sacrifício parecer impossível. Mas «o fogo do Senhor caiu do céu e consumiu o holocausto, a lenha, as pedras, a lama e até mesmo a própria água do sulco» (v. 38). O fogo do Senhor desceu, não para destruir, mas para santificar a vítima, isto é, para realizar a união entre Deus e a vítima e, por meio dela, com aqueles que fizeram a oferta. É o «fogo do Senhor» que realiza o sacrifício, porque a vítima queimada sobe para Deus «em sacrifício de suave perfume» Ex 29, 18; 29, 41; Ef 5, 2).
O essencial do carisma dehoniano é a vivência da oblação reparadora da nossa vida religiosa e apostólica, em união com a oblação reparadora de Cristo ao Pai, pelos homens (cf. Cst 6). Animado pelo Espírito Santo, Cristo fez a sua oferta, a oblação sacerdotal e vitimal de Si mesmo ao Pai pelos homens (cf. Heb 9, 14). Nesta oblação, tal como a apresenta o autor da Carta aos Hebreus (cf. 5, 7-9; 9, 14), é realçado o sofrimento, mas sobretudo a oferta de amor. A oblação de Cristo é oblação de amor, mesmo quando é preciso sofrer e morrer.
Cristo na Cruz é consumido pelo fogo de amor do Espírito. Mas é também a partir da Cruz que nos dá o Espírito (cf. Jo 19, 34), que torna possível e eficaz a nossa própria oblação de baptizados e particularmente de dehonianos, chamados à comunhão na oblação reparadora de Cristo, para glória e alegria de Deus, e para cooperarmos na sua obra de redenção no coração do mundo cf. Cst 23). É o nosso «único necessário» (Cst 26), a nossa «graça especial» (Cst 26), “o nosso carisma profético” (Cst 27), para a realização da “nossa vocação reparadora” (Cst 23).
O fogo, que desceu no monte Carmelo, reparou a glória de Deus, posta em causa pelo culto de Baal: «Ao ver isto, o povo prostrou-se de rosto por terra, exclamando: «O Senhor é que é Deus! O Senhor é que é Deus!».
Pela fogo do Espírito, podemos também nós oferecer-nos em holocausto reparador, para que Jesus seja reconhecido e aceite «Senhor, Coração da humanidade e do mundo» (Cst 19), e «cooperar na sua obra no coração do mundo» (Cst 23), «para Glória e Alergia de Deus» (Cst 25).
Tendo em conta a antítese do evangelho, podemos dizer que oblação reparadora, unida à de Cristo, é o que dá sentido a toda a nossa vida, mesmo às coisas mais pequenas e aparentemente desprezíveis. Animados pelo Espírito derramado nos nossos corações, podemos e devemos transformá-las em oblação agradável a Deus.
Oratio
Senhor Jesus, no teu sacrifício, mais do que no de Elias, estavam reunidas todas as condições mais desfavoráveis. Foste injustamente condenado; foste barbaramente supliciado; na tua morte revelou-se toda a virulência do mal. Como era possível santificar tudo isso? Como era possível oferecer tudo ao Pai? Os sacrifícios do Antigo Testamento eram acções nobres; o teu sacrifício foi maldição. As vítimas antigas eram honradas, glorificadas pelo sacrifício, realizado segundo ritos previstos, em lugares previamente consagrados; Tu morreste fora da cidade, recusado pelos homens, aparentemente abandonado pelo Pai, num local considerado maldito. Foi o Espírito Santo que transformou a tua morte no mais perfeito sacrifício oferecido ao Pai.
Dá-nos também o teu Espírito para que, quando estivermos em situações, mesmo longinquamente análogas, transformemos a incompreensão, a recusa, a ingratidão, em oferenda agradável a Deus.
Faz-nos compreender um pouco do teu admirável sacrifício e abre o nosso coração à acção do teu Espírito, que tudo transforma. Amen.
Contemplatio
No seu discurso depois da Ceia, Nosso Senhor tinha anunciado suficientemente aos seus apóstolos a sua paixão e a sua ressurreição. Mas não o compreendiam. Explicou-lhes então longamente quais seriam os dons e os frutos do Espírito Santo que queria enviar-lhes e quais eram as condições para bem o receberem. Estes conselhos aplicam-se a nós hoje.
Unimo-nos a Nosso Senhor segundo os mistérios da liturgia. No Natal, nasceu em nós; no tempo da sua Paixão, incorporou-nos aos seus sofrimentos e às suas reparações. Na Páscoa, comunicou-nos a sua vida nova, desprendida da terra. Com a ascensão, formou-nos para a vida celeste. Até lá, forma-se em nós: donec formetur Christus in vobis (Gl 4, 19).
Agora, é o Espírito Santo, que virá a nós com a sua luz, a sua força e o seu fogo divino. O Espírito de verdade continuará e completará os ensinamentos de Nosso Senhor; – o Espírito de força e de consolação encorajar-nos-á e fortalecer-nos-á nas provações da vida; – o Espírito de amor unir-nos-á firmemente a Nosso Senhor e ao seu Pai. Mas pede-nos que nos preparemos e que correspondamos a estas grandes graças.
«Observai os meus mandamentos», diz. Isto é, afastemos o pecado, o apego ao pecado, mesmo venial; coloquemo-nos na disposição de observar todos os mandamentos. Afastemos tudo o que nos /587 arraste ao pecado: a procura de nós mesmos, das nossas comodidades, das nossas satisfações, da dissipação, a distracção.
O Espírito Santo virá às nossas almas para aí trazer e sustentar a vida, como a seiva vai do corpo da vinha aos seus ramos; mas é preciso que os ramos estejam agarrados à vinha e cuidadosamente podados para que dêem frutos (Leão Dehon, OSP3, p. 586s.).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
«O fogo do Senhor caiu do céu e consumiu o holocausto» (1 Rs 18, 38).
| Fernando Fonseca, scj |