Liturgia

Week of Mar 8th

  • 03º Domingo do Tempo da Quaresma - Ano B [atualizado]

    03º Domingo do Tempo da Quaresma - Ano B [atualizado]

    3 de Março, 2024

    ANO B

    3.º DOMINGO DA QUARESMA

    Tema do 3.º Domingo da Quaresma

    No 3.º Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus desenha-nos o mapa do caminho que conduz à Vida nova, à salvação. Recomenda-nos que, ao longo de todo o percurso, não percamos Jesus de vista: é Ele o guia que nos ajuda a interpretar o mapa e que nos leva ao encontro do Pai.

    Na primeira leitura, Deus oferece-nos um conjunto de indicações (“mandamentos”) que devem balizar o nosso itinerário de todos os dias. Com a sua iniciativa, Deus não quer limitar a nossa liberdade, mas sim ajudar-nos a chegar à Vida verdadeira.

    Na segunda leitura, o apóstolo Paulo sugere-nos uma conversão à “loucura de Deus”. Convida-nos a olhar para a cruz e a descobrir, na entrega do Crucificado, que só o amor dado até ao extremo gera Vida e salvação. Na cruz revela-se a paradoxal “sabedoria de Deus”, que Paulo nos convida a abraçar.

    No Evangelho, Jesus apresenta-Se como “o Templo Novo” onde Deus reside e onde marca encontro com os homens para lhes oferecer a sua Vida e a sua salvação. Quem quiser encontrar Deus deve aproximar-se de Jesus, tornar-se seu discípulo, abraçar o seu projeto, seguir os seus passos, viver animado pelo seu Espírito.

     

    LEITURA I – Êxodo 20,1-17

    Naqueles dias, Deus pronunciou todas estas palavras:
    «Eu sou o senhor teu Deus,
    que te tirei da terra do Egipto, dessa casa da escravidão.
    Não terás outros deuses perante Mim.
    Não farás para ti qualquer imagem esculpida,
    nem figura do que já existe lá no alto dos céus
    ou cá em baixo na terra ou nas águas debaixo da terra.
    Não adorarás outros deuses nem lhes prestarás culto.
    Eu, o senhor teu Deus, sou um Deus cioso:
    castigo a ofensa dos pais nos filhos
    até à terceira e quarta geração daqueles que Me ofendem;
    mas uso de misericórdia até à milésima geração
    para com aqueles que Me amam
    e guardam os meus mandamentos.
    Não invocarás em vão o nome do Senhor teu Deus,
    porque o Senhor não deixa sem castigo
    aquele que invoca o seu nome em vão.
    Lembrar-te-ás do dia de sábado, para o santificares.
    Durante seis dias trabalharás
    e levarás a cabo todas as tuas tarefas.
    Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus.
    Não farás nenhum trabalho,
    nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha,
    nem o teu servo nem a tua serva,
    nem os teus animais domésticos,
    nem o estrangeiro que vive na tua cidade.
    Porque em seis dias
    o Senhor fez o céu, a terra, o mar e tudo o que eles contêm;
    mas no sétimo dia descansou.
    Por isso, o Senhor abençoou e consagrou o dia de sábado.
    Honra pai e mãe,
    a fim de prolongares os teus dias
    na terra que o Senhor teu Deus te vai dar.
    Não matarás.
    Não cometerás adultério.
    Não furtarás.
    Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo.
    Não cobiçarás a casa do teu próximo;
    não desejarás a mulher do teu próximo,
    nem o seu servo nem a sua serva, o seu boi ou o seu jumento,
    nem coisa alguma que lhe pertença».

     

    CONTEXTO

    O texto que hoje nos é proposto como primeira leitura faz parte de um conjunto de tradições sobre uma Aliança entre Deus e os hebreus libertados da escravidão do Egito (cf. Ex 19-40). De acordo com o livro do Êxodo, essa Aliança teria sido celebrada num monte, algures no deserto do Sinai, o mesmo monte onde Javé se tinha revelado a Moisés.

    No texto bíblico não há indicações geográficas suficientes para conseguirmos identificar o “monte da Aliança”. Em si, o nome “Sinai” designa uma enorme península de forma triangular, com mais ou menos 420 quilómetros de extensão norte/sul, estendendo-se entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho. A norte, junto do Mediterrâneo, o Sinai apresenta uma faixa arenosa de cerca de 25 quilómetros de largura; mas à medida que se desce para sul, o território torna-se mais acidentado, com montanhas que chegam a atingir 2400 metros de altura. A península inteira é um deserto árido; não há, praticamente, vegetação (excepto em alguns pequenos oásis) e as comunicações são difíceis. Nesta enorme extensão de areia e rochas, é difícil situar o “monte da Aliança”. Contudo, uma tradição cristã tardia (séc. IV) identifica o “monte” com o Jebel Musa (o “monte de Moisés”), um monte com 2244 metros de altitude, situado a sul da península sinaítica. Embora a identificação do “monte da Aliança” com este lugar levante problemas, o Jebel Musa é, ainda hoje, um lugar de peregrinação para judeus e cristãos.

    A Aliança entre Javé e Israel, celebrada no Sinai, vai ser apresentada pelos catequistas de Israel através de uma estrutura literária que é muito semelhante aos formulários jurídicos conhecidos no mundo antigo para apresentar os acordos políticos entre duas partes, nomeadamente entre um “senhor” e o seu “vassalo”. Nesses formulários, depois de recordar ao “vassalo” a sua ação, a sua generosidade, os seus benefícios, o “senhor” apresentava as “cláusulas da Aliança” – isto é, a lista das obrigações que o “vassalo” assumia para com o seu “senhor” (obrigações que o “vassalo” devia cumprir fielmente).

    De entre as “cláusulas da Aliança” do Sinai, sobressai um bloco especial, onde são apresentadas as dez obrigações fundamentais que Israel vai assumir diante do seu Deus: os “dez mandamentos” ou as “dez palavras”. É esse texto que a primeira leitura deste domingo nos apresenta. Aí está, verdadeiramente, o coração da Aliança; aí se define o caminho que Israel deve percorrer para ser o Povo de Deus.

    A lista dos “dez mandamentos” é uma lista irregular, com mandamentos enunciados com brevidade e secura, sem nenhuma justificação (“não matarás”; não roubarás”) e outros mais desenvolvidos, contendo um comentário explicativo (cf. Ex 20,4.17), uma motivação (cf. Ex 20,7) ou uma promessa (cf. Ex 20,12). Por vezes Deus fala em primeira pessoa (cf. Ex 20,2.5-6); noutras, fala-se de Deus em terceira pessoa (cf. Ex 20,7.11.12). Dois mandamentos são formulados positivamente (cf. Ex 20,8: “lembra-te”; Ex 20,12: “honra”); todos os outros são formulados negativamente (“não matarás”; “não roubarás”). Estas irregularidades significam que o “decálogo” sofreu, através dos séculos, por motivos pastorais e catequéticos, retoques, acrescentos, comentários, modificações.

    É bastante provável que Moisés tenha uma certa relação com estas leis que estão no centro da Aliança entre Deus e o seu Povo; mas o texto, na sua forma atual, não vem de Moisés. É, certamente, um texto muito trabalhado, que sofreu muitas elaborações ao longo dos séculos. Ainda que esta lista de preceitos possa lembrar algumas listas de proibições encontradas na Babilónia e no Egipto, ocupa um lugar à parte no conjunto dos formulários legais dos povos do Crescente Fértil: é um núcleo legal sóbrio e equilibrado, despojado de tudo aquilo que nos outros povos é magia, superstição ou “tabu”.

     

    MENSAGEM

    O “decálogo” abarca os dois vetores fundamentais da existência humana: a relação da pessoa com Deus e a relação que cada pessoa estabelece com o seu próximo.

    Os primeiros quatro mandamentos dizem respeito à relação que Israel deve estabelecer com Deus (vers. 3-11). Dois, sobretudo, são de uma grande originalidade (o mandamento que obriga Israel a não ter outro Deus; e o mandamento que proíbe construir imagens de Deus), pois não encontram paralelo em nenhuma das religiões antigas que conhecemos.

    A questão essencial que sobressai, nestes quatro mandamentos, é esta: Javé deve ser a referência fundamental da vida do Povo, o centro à volta do qual se constrói toda a existência de Israel. Nada nem ninguém deve ocupar, no coração do Povo, o lugar que só a Deus pertence. É preciso que Israel reconheça que só em Javé está a vida e a salvação (vers. 3: “não terás nenhum deus além de mim”); é necessário que Israel reconheça a absoluta transcendência de Javé – que não pode ser reproduzida em qualquer criatura feita pelo homem – e não se prostre perante obras criadas pela mão do homem (vers. 4: “não farás para ti qualquer imagem esculpida… não hás de prostrar-te diante delas, nem prestar-lhes culto”); é preciso que Israel reconheça que não deve manipular Deus e usá-l’O em apoio de projetos e interesses puramente humanos (vers. 7: “não hás-de invocar o nome do Senhor teu Deus em apoio do que não tem fundamento”); é preciso que Israel reconheça que só o Senhor é o dono do tempo e que reserve espaço para o encontro e o louvor do Senhor (vers. 8: “hás de lembrar-te do dia de sábado, a fim de o santificares”).

    Os outros seis mandamentos dizem respeito às relações comunitárias (vers. 12-17). Procuram inculcar o respeito absoluto pelo próximo – a sua vida, os seus direitos na comunidade, os seus bens. São “a magna carta da liberdade, da justiça, do respeito pela pessoa e pela sua dignidade”. Recomendam que cada membro da comunidade reconheça a sua dependência dos outros e aceite a sua vinculação a uma família e a uma cultura (vers. 12: “honra teu pai e tua mãe”); pedem que cada membro do Povo de Deus respeite a vida do irmão (vers. 13: “não matarás”); recomendam que seja defendida a família e respeitadas as relações familiares (vers. 14: “não cometerás adultério”); exigem que se respeite absolutamente quer os bens, quer a própria liberdade dos outros membros da comunidade (vers. 15: “não tomarás para ti” – o que pode referir-se a pessoas ou a coisas. Pode traduzir-se por “não roubarás”, mas também por “não privarás de liberdade o teu irmão, não o reduzirás à escravidão”); pedem o respeito pelo bom nome e pela fama do irmão, nomeadamente dando sempre um testemunho verdadeiro diante do tribunal e garantindo a fiabilidade de uma justiça que é a base da correta ordem social (vers. 16: “não levantarás falso testemunho contra o teu próximo”); exigem o respeito pelos “bens básicos” que asseguram ao irmão a sua subsistência e procuram evitar que o coração dos membros da comunidade do Povo de Deus seja dominado pela cobiça e pelos instintos egoístas (vers. 17: “não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a mulher dele, nem o criado ou a criada, o boi ou o jumento, nem coisa alguma que lhe pertença”).

    Porque é que Deus apresentou estas propostas a Israel e lhe recomendou este caminho? Qual o interesse de Deus em que Israel viva de acordo com as regras aqui apresentadas? O que é que Deus “tem a ganhar” com a fidelidade do Povo a estas normas?

    A resposta está na primeira afirmação do Decálogo: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fiz sair da terra do Egipto, da casa da servidão” (vers. 2). Deus, contra todas as expetativas, amou Israel e elegeu-o como o seu Povo especial; por isso, ao vê-lo em grande sofrimento, libertou-o da opressão em que ele vivia no Egito. Mas o amor de Deus não se limitou a essa iniciativa libertadora, mas prolonga-se agora no tempo e na história: Deus quer continuar a ajudar o seu Povo a caminhar livre e feliz. Os “mandamentos” são, precisamente, um contributo de Deus nesse sentido. Pretendem ajudar Israel a não cultivar a escravidão do egoísmo, da autossuficiência, da injustiça, das paixões, da cobiça, da exploração, daquilo que destrói a coesão comunitária e gera opressão e morte; pretendem “dar pistas” para que a comunidade israelita seja uma comunidade fraterna, solidária, livre, onde os direitos e a dignidade de todos são respeitados; pretendem ajudar o Povo de Deus a viver como Povo “consagrado” ao Senhor, dando testemunho da santidade de Deus no mundo e na história.

    Israel responderá ao amor de Deus, assim manifestado, vivendo no respeito pelas indicações e mandamentos de Javé.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Os mandamentos do Decálogo que se referem à relação do homem com Deus sublinham a centralidade que Deus deve assumir no coração e na vida dos seus filhos. No entanto, nem sempre Deus tem lugar determinante na vida dos homens e mulheres do nosso tempo… Para muitos dos nossos contemporâneos, Deus é uma realidade que os deixa indiferentes. Não aquece nem arrefece; não conta para nada. O que os move é o dinheiro, o poder, os afetos humanos, a realização profissional, o reconhecimento social, os projetos pessoais, as ideologias, os valores da moda, as coisas materiais que tornam a vida mais cómoda e mais fácil. Esta opção, no entanto, mais cedo ou mais tarde, vai trazer vazio, insatisfação, frustração e desencanto. Não podemos sufocar indefinidamente essa sede de infinito que está viva no mais profundo do nosso ser. Por outro lado, quando optamos por prescindir de Deus e escolher caminhos de autossuficiência, acabamos facilmente por privilegiar soluções egoístas, que geram sofrimento e infelicidade para nós e para aqueles que caminham ao nosso lado… Neste tempo de Quaresma, interroguemo-nos: que lugar ocupa Deus na nossa vida? Há na nossa vida “deuses” que ocuparam o lugar de Deus e que condicionam as nossas tomadas de posição e as nossas opções?
    • Os mandamentos do Decálogo que se referem à forma de tratarmos os nossos irmãos convidam-nos a banir das nossas relações qualquer tipo de violência, de egoísmo, de agressividade, de cobiça, de intolerância, de escravidão, de indiferença. Dizem-nos que tudo aquilo que atenta contra a vida, a dignidade e os direitos daqueles que caminham ao nosso lado subverte o projeto de Deus para o mundo e para os homens. Contudo, todos os dias vemos multiplicarem-se no nosso mundo as situações de injustiça, de violência e de maldade que mergulham milhões de homens e mulheres numa noite sem saída e sem esperança. O que podemos fazer para que os valores de Deus prevaleçam sobre a maldade dos homens? O que é que, nos nossos gestos, nas nossas atitudes, nos nossos valores, é gerador de injustiça, de sofrimento, de exploração, de escravidão, de morte, para nós e para todos aqueles que nos rodeiam?
    • Há quem considere os “mandamentos” propostas de uma moral obsoleta e antiquada, fórmulas inventadas pela religião e destinadas a impor aos crentes comportamentos religiosamente corretos, ou até mesmo diretrizes para limitar a nossa liberdade e autonomia… No entanto, para aqueles que têm Deus como referência, os “mandamentos” são indicações de Deus para sermos mais felizes e para construirmos um mundo mais humano, mais fraterno, mais solidário. Não são uma prisão, mas uma porta para a verdadeira liberdade. Como é que eu vejo e acolho essas indicações de Deus? Levo-as a sério e aceito que elas definam as fronteiras do meu caminho?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 18 (19)

    Refrão: Senhor, Vós tendes palavras de vida eterna.

     

    A lei do Senhor é perfeita,
    ela reconforta a alma;
    as ordens do Senhor são firmes,
    dão sabedoria aos simples.

    Os preceitos do Senhor são retos
    e alegram o coração
    os mandamentos do Senhor são claros
    e iluminam os olhos.

    O temor do senhor é puro
    e permanece para sempre;
    os juízos do Senhor são verdadeiros,
    todos eles são retos.

    São mais preciosos que o ouro,
    o ouro mais fino;
    são mais doces que o mel,
    o puro mel dos favos.

     

    LEITURA II – 1 Coríntios 1,22-25

    Irmãos:
    Os judeus pedem milagres
    e os gregos procuram a sabedoria.
    Quanto a nós, pregamos Cristo crucificado,
    escândalo para os judeus e loucura para os gentios;
    mas para aqueles que são chamados,
    tanto judeus como gregos,
    Cristo é poder e sabedoria de Deus.
    Pois o que é loucura de Deus
    é mais sábio do que os homens
    e o que é fraqueza de Deus
    é mais forte do que os homens.

     

    CONTEXTO

    No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca de 18 meses (anos 50-52). Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. De uma forma geral, a comunidade era viva, fervorosa e empenhada; no entanto, não era imune aos valores da cultura ambiente, que nem sempre coincidiam com os valores de evangelho de Jesus.

    Em Corinto, cidade cosmopolita e com pretensões culturais, estavam representadas todas as escolas filosóficas da Grécia antiga. Cada uma delas contava com os seus mestres e os seus fiéis adeptos. As rivalidades entre mestres e escolas traduziam-se, frequentemente, em conflitos e divisões que, extravasando para as ruas da cidade, punham em causa a coesão e a paz social. Ora, os cristãos de Corinto transplantaram para a vida da comunidade cristã esses modelos. Viam determinadas figuras proeminentes do cristianismo como mestres de uma doutrina e aderiam a essas figuras, esperando encontrar nelas uma proposta filosófica credível, que os conduzisse à plenitude da sabedoria e da realização humana. É de crer que os adeptos desses vários mestres se confrontassem na comunidade, procurando demonstrar a excelência e a superior sabedoria da sua figura de referência. Paulo soube isto no decurso da sua terceira viagem missionária, quando estava em Éfeso (por volta do ano 56). Tomou então a decisão de escrever aos coríntios avisando-os de que isto era bastante grave, pois punha em causa a unidade da fé. A reflexão de Paulo sobre esta questão aparece em 1 Co 1,10-4,21.

    Na sua reflexão, Paulo vai demonstrar aos coríntios que entre os cristãos não há senão um mestre, que é Jesus Cristo; e a experiência cristã não é a busca de uma filosofia coerente, brilhante, elegante, que conduza à sabedoria, entendida à maneira dos gregos. Quem procura na mensagem cristã um sistema lógico, coerente, inquestionável à luz da lógica humana, é porque não percebeu nada do Evangelho e do dinamismo da salvação. O texto da segunda leitura deste terceiro domingo da Quaresma deve ser enquadrado neste cenário.

     

    MENSAGEM

    Paulo não foi enviado aos coríntios a propor uma sabedoria humana, exposta com o brilho das belas palavras ou com a coerência de um sistema filosófico bem elaborado. Paulo recebeu a missão de anunciar Cristo crucificado.

    Ora, esse anúncio é algo inaudito. Humanamente falando, não tem nada de belo e sedutor. A cruz era o instrumento de suplício para os últimos da sociedade, para os cidadãos sem direitos e sem dignidade. Causava horror e significava infâmia. Mas Paulo vê na cruz onde Cristo foi morto a manifestação, humanamente desconcertante, mas absoluta e categórica, da força salvadora de Deus.

    Tudo isto parece, efetivamente, um contrassenso. A notícia de um Messias crucificado é “escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (vers. 23). Os judeus esperavam que Deus manifestasse o seu poder salvador através de intervenções espetaculares, de gestos poderosos que deixassem toda a gente desconcertada; mas Deus apresentou-Se como um derrotado, como um condenado a uma morte aviltante. Os gregos, por sua vez, estariam disponíveis para aceitar um Deus que se impusesse pela sabedoria, pela sedução das belas palavras, pelo brilho de um sistema de pensamento que oferecesse resposta definitivas sobre o sentido da vida. Mas Deus falou-lhes com a linguagem ilógica e desconcertante da cruz.

    Paulo afirma, no entanto, que a “sabedoria do mundo” é vã, vazia, ineficaz e incapaz de oferecer ao homem a sua realização plena; e, em contrapartida, garante que a “sabedoria de Deus” é fonte de salvação e de Vida verdadeira. Na cruz manifestou-se a força de um Deus que salva pelo amor. O homem que olha para a cruz de Jesus percebe a lição do amor até ao extremo e dispõe-se a seguir o caminho de Jesus, encontra a verdadeira sabedoria, a sabedoria proposta por Deus.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Andamos há dois mil anos a olhar para a cruz e a meditar naquilo a que Paulo chamou “a loucura de Deus”. No entanto, ainda não interiorizamos plenamente a lógica de Deus. Ainda achamos que a nossa plena realização passa pela acumulação de bens materiais, pelos triunfos humanos, pelas conquistas da ciência ou da técnica, pela força das ideologias, pelas palavras sedutoras dos nossos líderes, pelos aplausos daqueles que viajam connosco… Usamos a cruz como enfeite ou como distintivo de um grupo religioso, mas esquecemo-nos do crucificado e de tudo aquilo que Ele nos disse ao entregar a vida até à morte, por amor. Talvez esta Quaresma seja uma oportunidade para nos aproximarmos de Jesus, para irmos com Ele, para aprendermos com Ele que só o amor salva; talvez este caminho de Quaresma que estamos a percorrer nos ajude a libertar do orgulho, da vaidade, da autossuficiência, dos valores estéreis, para acolhermos a sabedoria de Deus e para fazermos da nossa vida um dom de amor a Deus e aos nossos irmãos, particularmente aos mais frágeis e esquecidos… Estamos conscientes que é na sabedoria de Deus, expressa no amor e na entrega do Crucificado, que está a nossa realização plena, a nossa salvação?
    • Segundo Paulo, a força e a sabedoria de Deus manifestam-se na fragilidade, na pequenez, na pobreza, na humildade, na vida entregue por amor… Sendo assim, não nos parecem ridículas, descabidas e pretensiosas as nossas poses de importância, de autoridade, de protagonismo, de êxito humano, que tantas vezes magoam e humilham os irmãos e irmãs com quem nos cruzamos?
    • Paulo, enquanto testemunha de Jesus, recusa-se a “dourar a pílula” e a suavizar as exigências do Evangelho. Ele prega “Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios”. Nós, discípulos de Jesus, que temos a responsabilidade de anunciar o Evangelho, fazemo-lo com verdade e radicalidade, renunciando à tentação de suavizar a Palavra, de a tornar menos radical e interpelativa? Às vezes o invólucro “brilhante” com que envolvemos a Palavra pode torná-la mais atrativa, mas também menos questionante e, portanto, menos transformadora.

     

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Jo 3,16

    (escolher um dos 7 refrães)

    1. Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
    2. Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
    3. Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
    4. Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
    5. Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
    6. Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
    7. A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

     

    Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho Unigénito;
    quem acredita n’Ele tem a vida eterna.

     

    EVANGELHO – João 2, 13-25

    Estava próxima a Páscoa dos judeus
    e Jesus subiu a Jerusalém.
    Encontrou no templo
    os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas
    e os cambistas sentados às bancas.
    Fez então um chicote de cordas
    e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois;
    deitou por terra o dinheiro dos cambistas
    e derrubou-lhes as mesas;
    e disse aos que vendiam pombas:
    «Tirai tudo isto daqui;
    não façais da casa de meu Pai casa de comércio».
    Os discípulos recordaram-se do que estava escrito:
    «Devora-me o zelo pela tua casa».
    Então os judeus tomaram a palavra e perguntaram-Lhe:
    «Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?»
    Jesus respondeu-lhes:
    «Destruí este templo e em três dias o levantarei».
    Disseram os judeus:
    «Foram precisos quarenta e seis anos para se construir este templo
    e Tu vais levantá-lo em três dias?»
    Jesus, porém, falava do templo do seu corpo.
    Por isso, quando Ele ressuscitou dos mortos,
    os discípulos lembraram-se do que tinha dito
    e acreditaram na Escritura e nas palavras que Jesus dissera.
    Enquanto Jesus permaneceu em Jerusalém pela festa da Páscoa,
    muitos, ao verem os milagres que fazia,
    acreditaram no seu nome.
    Mas Jesus não se fiava deles, porque os conhecia a todos
    e não precisava de que Lhe dessem informações sobre ninguém:
    Ele bem sabia o que há no homem.

     

    CONTEXTO

    O evangelho deste terceiro domingo da Quaresma integra a secção introdutória do Evangelho de João (cf. Jo 1,19-3,36). É nessa secção que João nos apresenta Jesus e as grandes linhas programáticas do seu ministério.

    O episódio decorre no Templo de Jerusalém. Trata-se do majestoso Templo construído pelo rei Herodes para “comprar” a benevolência dos judeus. A construção do Templo herodiano iniciou-se em 19 a.C. e ficou essencialmente pronta no ano 9 d.C. (embora os trabalhos só tivessem sido concluídos em 63 d.C.). No ano 27 d.C., efetivamente, o Templo estava a ser construído há 46 anos e ainda não estava terminado, conforme a observação que os dirigentes judeus fizeram a Jesus (cf. Jo 2,20).

    João situa o episódio nos dias que antecedem a festa da Páscoa. Era a época em que as grandes multidões se concentravam em Jerusalém para celebrar a festa principal do calendário religioso judaico. Jerusalém, que normalmente teria à volta de 55.000 habitantes, chegava a albergar cerca de 125.000 peregrinos nesta altura. No Templo sacrificavam-se cerca de 18.000 cordeiros, destinados à celebração pascal.

    Neste ambiente, o comércio relacionado com o Templo sofria um enorme incremento. Três semanas antes da Páscoa, começava a emissão de licenças para a instalação dos postos comerciais à volta do Templo. O dinheiro arrecadado com a emissão dessas licenças revertia para o sumo-sacerdote. Havia tendas de venda que pertenciam, diretamente, à família do sumo-sacerdote. Vendiam-se os animais para os sacrifícios e vários outros produtos destinados à liturgia do Templo. Havia também as tendas dos cambistas que trocavam as moedas romanas correntes por moedas judaicas (os tributos dos fiéis para o Templo eram pagos em moeda judaica, pois não era permitido que moedas com a efígie de imperadores pagãos conspurcassem o tesouro do Templo). Este comércio constituía uma mais-valia para a cidade e sustentava a nobreza sacerdotal, o clero e os empregados do Templo.

    Vai ser neste contexto que Jesus vai realizar o seu gesto profético.

     

    MENSAGEM

    Os profetas de Israel tinham, em diversas situações, criticado o culto sacrificial que Israel oferecia a Deus, considerando-o como um conjunto de ritos estéreis, vazios e sem significado, uma vez que não eram expressão verdadeira de amor a Javé; tinham, inclusive, denunciado a relação do culto com a injustiça e a exploração dos pobres (cf. Am 4,4-5; 5,21-25; Os 5,6-7; 8,13; Is 1,11-17; Jr 7,21-26). As considerações proféticas tinham, de alguma forma, consolidado a ideia de que a chegada dos tempos messiânicos implicaria a purificação e a moralização do culto prestado a Javé no Templo. O profeta Zacarias liga explicitamente o “dia do Senhor” (o dia em que Deus vai intervir na história e construir um mundo novo, através do Messias) com a purificação do culto e a eliminação dos comerciantes que estão “no Templo do Senhor do universo” – Zac 14,21).

    O gesto que o Evangelho deste domingo nos relata deve entender-se neste enquadramento. Quando Jesus pega no chicote de cordas, expulsa do Templo os vendedores de ovelhas, de bois e de pombas, deita por terra os trocos dos banqueiros e derruba as mesas dos cambistas (vers. 14-16), está a revelar-Se como “o messias” e a anunciar que chegaram os novos tempos, os tempos messiânicos.

    No entanto, Jesus vai bem mais longe do que os profetas veterotestamentários. Ao expulsar do Templo também as ovelhas e os bois que serviam para os ritos sacrificiais que Israel oferecia a Javé (João é o único dos evangelistas a referir este pormenor), Jesus mostra que não propõe apenas uma reforma, mas a abolição do próprio culto. O culto prestado a Deus no Templo de Jerusalém era, antes de mais, algo sem sentido: ao transformar a casa de Deus num mercado, os líderes judaicos tinham suprimido a presença de Deus… Mas, além disso, o culto celebrado no Templo era algo de nefasto: em nome de Deus esse culto criava exploração, miséria, injustiça e, por isso, em lugar de potenciar a relação do homem com Deus, afastava o homem de Deus. Jesus, o Filho, com a autoridade que Lhe vem do Pai, diz um claro “basta” a uma mentira com a qual Deus não pode continuar a pactuar: “não façais da casa de meu Pai casa de comércio” (vers. 16).

    Os líderes judaicos ficam indignados. Quais são as credenciais de Jesus para assumir uma atitude tão radical e grave? Com que legitimidade é que Ele se arroga o direito de abolir o culto oficial prestado a Javé?

    A resposta de Jesus é, à primeira vista, estranha: “destruí este Templo e Eu o reconstruirei em três dias” (vers. 19). Recorrendo à figura literária do “mal-entendido” (propõe-se uma afirmação; os interlocutores entendem-na de forma errada; aparece, então, a explicação final, que dá o significado exato do que se quer afirmar), João deixa claro que Jesus não Se referia ao Templo de pedra onde Israel celebrava os seus ritos litúrgicos (vers. 20), mas a um outro “Templo” que é o próprio Jesus (“Jesus, porém, falava do Templo do seu corpo” – vers. 21). O que é que isto significa? Jesus desafia os líderes que O questionaram a suprimir o Templo que é Ele próprio, mas deixa claro que, três dias depois, esse Templo estará outra vez erigido no meio dos homens. Jesus alude, evidentemente, à sua ressurreição. A prova de que Jesus tem autoridade para “proceder deste modo” é que os líderes não conseguirão suprimi-l’O. A ressurreição garante que Jesus vem de Deus e que a sua atuação tem o selo de garantia de Deus.

    No entanto, o mais notável, aqui, é que Jesus Se apresenta como o “novo Templo”. O Templo representava, no universo religioso judaico, a residência de Deus, o lugar onde Deus Se revelava e onde Se tornava presente no meio do seu Povo. Jesus é, agora, o lugar onde Deus reside, onde Se encontra com os homens e onde Se manifesta ao mundo. É através de Jesus que o Pai oferece aos homens o seu amor e a sua vida. Aquilo que a antiga Lei já não conseguia fazer – estabelecer relação entre Deus e os homens – é Jesus que, a partir de agora, o faz.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Como é que podemos encontrar Deus e chegar até Ele? Como podemos perceber as propostas de Deus e descobrir os seus caminhos? O Evangelho deste domingo responde: é olhando para Jesus. Nas palavras e nos gestos de Jesus, Deus revela-Se aos homens e manifesta-lhes o seu amor, faz-Se companheiro de caminhada dos homens e aponta-lhes caminhos de salvação. Neste tempo de Quaresma – tempo de conversão, de renovação, de caminhada em direção ao Homem Novo – somos convidados a olhar para Jesus, a aproximar-nos dele, a ir atrás dele, a descobrir nas suas indicações, no seu anúncio, no seu “Evangelho” essa proposta de vida nova que Deus nos quer apresentar. É isso que acontece connosco?
    • Jesus é, agora, o Novo Templo onde Deus reside e onde os homens podem encontrar Deus e a sua proposta de salvação. E os cristãos, membros do Corpo de Cristo, são pedras vivas desse Templo. Esta realidade supõe, para os discípulos de Jesus, uma grande responsabilidade… Os homens do nosso tempo têm de ver no rosto dos cristãos o rosto bondoso e terno de Deus; têm de experimentar, nos gestos de partilha, de solidariedade, de serviço, de perdão dos cristãos, a vida nova de Deus; têm de encontrar, na preocupação dos cristãos com a justiça e com a paz, o anúncio desse mundo novo que Deus quer oferecer a todos os homens. Talvez o facto de Deus parecer tão ausente da vida, das preocupações e dos valores dos homens do nosso tempo tenha a ver com a tibieza do nosso testemunho. O nosso testemunho pessoal é um sinal de Deus para os irmãos que caminham ao nosso lado? A vida das nossas comunidades dá testemunho da Vida de Deus? A Igreja – comunidade dos discípulos de Jesus – é essa “casa de Deus” de portas sempre abertas onde qualquer pessoa, sem distinção de raça, de estatuto social, de estado civil, de opção sexual, pode encontrar a proposta de libertação e de salvação que Deus oferece a todos?
    • Qual é o verdadeiro culto que Deus espera? Evidentemente, não são os ritos solenes e pomposos, mas vazios, estéreis e balofos. O culto que Deus aprecia é uma vida vivida na escuta das suas propostas e traduzida em gestos concretos de doação, de entrega, de serviço simples e humilde aos irmãos. Quando somos capazes de sair do nosso comodismo e da nossa autossuficiência para ir ao encontro do pobre, do marginalizado, do estrangeiro, do doente, estamos a dar a resposta “litúrgica” adequada ao amor e à generosidade de Deus para connosco.
    • Ao gesto profético de Jesus, os líderes judaicos respondem com incompreensão e arrogância. Consideram-se os donos da verdade e os únicos intérpretes autênticos da vontade divina. Instalados nas suas certezas e preconceitos, nem sequer admitem que a denúncia que Jesus faz esteja correta. A sua autossuficiência impede-os de ver para além dos seus projetos pessoais e de descobrir os projetos de Deus. Trata-se de uma atitude que, mais uma vez, nos questiona… Estamos conscientes de que, quando nos barricamos atrás de certezas absolutas e de atitudes intransigentes, podemos estar a fechar o nosso coração aos desafios e à novidade de Deus?
    • Como aqueles vendedores e cambistas que transformaram o Templo de Deus numa casa de comércio, também nós podemos, quase sem nos darmos conta, estar a converter toda a nossa vida num negócio, onde tudo é pesado em favor do nosso interesse e do nosso ganho. Até a nossa relação com Deus pode tornar-se uma troca comercial, em que cumprimos os ritos para termos Deus a nosso favor, “pagamos missas” ou “promessas” para obter algum benefício, evitamos o pecado para que Deus não tenha razões para nos condenar… O gesto profético de Jesus no Templo de Jerusalém denuncia o sem sentido de uma vida vivida em registo de ganância e de lucro egoísta; lembra-nos que Deus é amor, amor que não se compra nem vende e que é puro dom; lembra-nos a importância dos gestos gratuitos de amor, da partilha solidária, da fraternidade desinteressada, do dom sem recompensa; lembra-nos que devemos dar testemunho, com a nossa vida, de um Deus que ama os seus filhos – todos – com um amor sem limites e “a fundo perdido”. Estou consciente de tudo isto?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 3.º DOMINGO DA QUARESMA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 3º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    Jesus vem mudar a maneira de encontrar Deus seu Pai. Até aqui bastava ir ao templo, doravante é preciso escutar a mensagem de amor do seu Enviado e beneficiar dos seus gestos de salvação, sinais da bondade de Jesus para com os homens. Mesmo que se procure destruir o verdadeiro templo de Deus entre os homens, o seu próprio Filho, Ele levantar-se-á. E quando tiver desaparecido aos olhos dos homens, é a sua Igreja que será o novo templo, porque Deus vem morar no meio dos homens. Se os seus discípulos se recordam das palavras e dos gestos de Jesus, é para fazer memória da fidelidade de Deus. É com os olhos da fé que reconheceram, nos sinais realizados por Jesus, a ação de Deus. E se hoje podemos fazer memória da morte e da ressurreição de Cristo, tal acontece graças a todos estes testemunhas que acreditaram e contaram o que tinham visto e ouvido.

    3. À ECUTA DA PALAVRA.

    Imensa vocação de todo o batizado… É no Templo de Jerusalém que Jesus tinha estabelecido a sua morada. É certo que os Judeus sabiam que não se pode encerrar Deus dentro de quatro muros. Mas era somente no Templo que era preciso oferecer os sacrifícios, o culto de adoração e de ação de graças. É preciso também dizer que os escribas e os doutores da Lei tinham bem fechado o acesso a Deus. Eis que com Jesus surge algo de inaudito: Deus salta o muro! E a cólera de Jesus é a manifestação disso. Doravante, Deus deixa-Se aproximar num homem que não é um especialista do Templo, um homem que encontra as prostitutas, os publicanos, que come com eles, sem nunca pedir a ninguém para ir primeiro purificar-se no Templo. Doravante, dirá São Paulo, “em Jesus temos livre acesso ao Pai”. Quando vamos comungar, é este homem, Jesus ressuscitado, que vem encher-nos com a sua Presença. E, de repente, tornamo-nos a Presença de Deus junto dos nossos irmãos e das nossas irmãs. Imensa vocação de todo o batizado! Estamos verdadeiramente conscientes disso?

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Reler e meditar os dez Mandamentos… Esta semana, somos convidados a retomar muitas vezes esta oração do Salmo 18, a cantar este louvor da lei do Senhor, que é um apoio para a nossa vida, que nos ajuda ao discernimento, que nos dá a sabedoria e vai guiar-nos na boa direção se nos deixarmos conduzir pelo Espírito do Senhor… Convite à disponibilidade, à confiança. De seguida, convite a reler e meditar estes “dez mandamentos” que pensamos conhecer: embora sendo da “antiga Aliança”, têm algo a dizer-nos e a revelar-nos de Deus, que só quer a nossa felicidade.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

  • Segunda-feira – 3ª Semana da Quaresma

    Segunda-feira – 3ª Semana da Quaresma

    4 de Março, 2024

    Segunda-feira – 3ª Semana da Quaresma

    Lectio

    LEITURA I 2 Reis 5, 1-15ª

    Naqueles dias, Naamã, general dos exércitos do rei da Síria, era tido em grande consideração e estima pelo seu soberano, porque, por seu intermédio, o Senhor tinha dado a vitória à Síria. Mas este homem, valente guerreiro, estava leproso. Ora, numa incursão, os sírios tinham levado uma menina da terra de Israel, que ficou ao serviço da mulher de Naamã. Ela disse à sua senhora: «Se o meu senhor fosse ter com o profeta que vive na Samaria, ele decerto o livraria da lepra». Naamã foi contar ao soberano o que dissera a jovem da terra de Israel. O rei da Síria respondeu-lhe: «Vai, que eu escreverei uma carta ao rei de Israel». Naamã pôs-se a caminho, levando consigo dez talentos de prata, seis mil siclos de ouro e dez mudas de roupa; e entregou ao rei de Israel a carta, que dizia: «Logo que esta carta te chegar às mãos, ficarás a saber que te envio o meu servo Naamã, para que o livres da sua lepra». Depois de ter lido a carta, o rei de Israel rasgou as vestes, exclamando: «Serei eu um deus que possa dar a morte e a vida, para este me mandar dizer que livre um homem da sua lepra? Reparai e vede como ele procura um pretexto contra mim». Quando Eliseu, o homem de Deus, soube que o rei de Israel tinha rasgado as vestes, mandou-lhe dizer: «Por que motivo rasgaste as tuas vestes? Esse homem venha ter comigo e saberá que existe um profeta em Israel». Naamã seguiu com os seus cavalos e o seu carro e parou à porta de Eliseu. Eliseu mandou-lhe dizer por um mensageiro: «Vai banhar-te sete vezes no Jordão e o teu corpo ficará limpo». Naamã irritou-se e decidiu ir-se embora, dizendo: «Eu pensava que ele mesmo viria ao meu encontro, invocaria o nome do Senhor, seu Deus, colocaria a mão sobre a parte doente e me livraria da lepra. Não valem os rios de Damasco, o Abana e o Farfar, mais do que todas as águas de Israel? Não poderia eu banhar-me neles para ficar limpo?» Deu meia volta e partiu indignado. Mas os servos aproximaram-se dele e disseram: «Meu pai, se o profeta te tivesse mandado uma coisa difícil, não a terias feito? Quanto mais, se ele te diz apenas: ‘Vai banhar-te e ficarás limpo’?» Naamão desceu e mergulhou sete vezes no Jordão, como lhe ordenara o homem de Deus. A sua carne tornou-se como a de uma criança e ficou limpo. Voltou de novo, com todo o seu séquito, à casa do homem de Deus, entrou e apresentou-se, dizendo: «Agora sei que não há Deus em toda a terra, senão em Israel».

    Naaman, homem valente e conceituado, general dos exércitos do rei da Síria, tinha ficado leproso. A lepra, vista como castigo divino, implicava separação, impureza, solidão. Era uma situação humanamente insolúvel, sem esperança. Mas Naaman acolhe a proposta de uma jovem prisioneira israelita, e vai ao encontro do profeta que está na Samaria. O rei da Síria apoia benevolentemente a ideia, que todavia provoca suspeitas no rei de Israel. A tensão entre os dois países é atenuada pela intervenção do profeta Eliseu. Seguindo as suas orientações, tão simples que parecem banais, Naaman recupera a saúde e dispõe-se a uma profissão de fé no Deus de Israel. Ao lado dos protagonistas do episódio, Naaman, Eliseu e os dois reis, vemos a jovem escrava, o mensageiro e os servos, mediações de que Deus se serve para orientar o curso dos acontecimentos.

    O texto apresenta referências à simbologia baptismal, tais como a imersão nas águas, a eficácia da palavra do Deus de Israel, o carácter universal da salvação.

    Evangelho: Lucas 4, 24-30

    Naquele tempo, Jesus veio a Nazaré e falou ao povo na sinagoga, dizendo: «Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra. Digo-vos a verdade: Havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias, quando o céu se fechou durante três anos e seis meses e houve uma grande fome em toda a terra; contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas, mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia. Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu; contudo, nenhum deles foi curado, mas apenas o sírio Naamã». Ao ouvirem estas palavras, todos ficaram furiosos na sinagoga. Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade e levaram-n’O até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, a fim de O precipitarem dali abaixo. Mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho.

    Ainda no começo da sua missão, Jesus regressa à sua terra, vai à sinagoga e lê um texto de Isaías. Conclui afirmando que esse texto se realiza na sua pessoa.

    A recusa dos habitantes de Nazaré em recebê-lo tem o seu melhor comentário na frase de João: «Veio ao que era seu, mas os seus não O receberem- (Jo 1, 11). A revelação do «Verbo feito cerne», o filho de José, vai-se transformando, de admiração e espanto, em incredulidade hostil e mesmo em ódio homicida: «levaram-no ao cimo do monte a fim de o precipitarem dali abaixo. ». É o destino de todos os profetas: «Nenhum profeta é bem recebido na sua pátria», afirma Jesus. Os preconceitos, religiosos, culturais, nacionalistas, impedem ou dificultam o acolhimento humilde da revelação de Deus, tal como ela é feita, muitas vezes de modo que não esperamos. Mas a viúva de Sarepta e Naaman, estrangeiros e pagãos, acolhem a salvação, que os seus primeiros destinatários recusam. Estão abertos às iniciativas surpreendentes de Deus.

    Meditatio

    As leituras de hoje mostram-nos que havemos de estar dispostos a acolher o modo escolhido por Deus para Se revelar, para realizar as suas intervenções salvíficas. Não faz sentido pôr condições e, menos ainda, arrogar-se direitos. A única atitude correcta é a disponibilidade para acolher as iniciativas tantas vezes surpreendentes de Deus. Foi o que sucedeu em Nazaré. O filho de Maria e de José era certamente admirado por todos. Mas quando se revela como profeta, como instrumento de Deus, as opiniões mudam. Afinal, que tinha feito de extraordinário para justificar as suas pretensões? Mas é esta atitude dos seus conterrâneos que os impede de receber os dons de Deus, porque a graça divina é gratuita, é livre no modo de corresponder às expectativas humanas.

    Naaman, pelo contrário, aceita pôr de parte os seus preconceitos. Como pagão, não pretende ter direitos sobre o Deus de Israel. Apenas aceita os bons serviços diplomáticos do rei e se preocupa em captar a boa vontade do rei de Israel, com ricos presentes. O rei de Israel não corresponde às suas expectativas. Intervém o profeta Eliseu, sem qualquer espécie de diplomacia: não sai ao seu encontro para o saudar, acolher convenientemente e proceder aos devidos rituais de cura. Pelo contrário, manda um criado para lhe dizer que vá lavar-se sete vezes no rio Jordão. Uma verdadeira decepção! O poderoso homem da Síria mostra a sua indignação, tal como os nazarenos a mostraram em relação a Jesu
    s! O rei de Israel tinha dito: «Sou eu, porventura, um deus que possa dar a morte ou a vida?». Naaman teve realmente que morrer aos seus preconceitos, às suas certezas e seguranças, para aceitar a iniciativa divina, marcada pela simplicidade. E foi curado: «a sua carne tornou-se como a de uma criança e ficou limpo-,

    É com esta simplicidade, de palavras e gestos, que, no baptismo, somos purificados do nosso pecado e revestidos de graça, revestidos de Cristo, tornando-nos homens novos, filhos de Deus.

    Também os gestos simples da nossa vida se podem tornar instrumentos da graça de Deus, quando realizados por amor. Pensemos em tantos santos e santas que se dedicaram à realização das obras de misericórdia, gestos simples do dia a dia como dar de comer, dar de beber, visitar doentes e presos, agasalhar quem precisava, etc., tornando-se instrumentos da graça para aqueles que beneficiavam e para tantos que testemunhavam esses actos de amor.

    A disponibilidade para acolher as iniciativas de Deus, leva à disponibilidade para com os irmãos. Esta disponibilidade não pode limitar-se a nobres e belos sentimentos, à compaixão. Devem levar ao compromisso pessoal, à acção, à "disponibilidade" para com os irmãos em necessidade, com simplicidade e amor. Só assim poderemos reviver a experiência do Pe. Dehon "sensível ao pecado que enfraquece a Igreja", aos "males da sociedade", de que "descobre a causa mais profunda … na recusa do amor de Cristo". É essa a verdadeira lepra da humanidade. "Possuído por este amor que não é acolhido" corresponde-lhe "com uma união íntima ao Coração de Cristo e com a instauração do seu Reino nas almas e nas sociedades" (Cst. 4). Trata-se de uma "solidariedade" afectiva e efectiva com Cristo. Daí o seu apostolado, caracterizado por uma extrema atenção aos homens, especialmente aos mais desprotegidos e pela solicitude em remediar activamente as insuficiências pastorais da Igreja do seu tempo" (n. 5).

    Oratio

    Senhor, eis-me aqui! Tu és a minha esperança. Tu conheces-me. Coloco diante de Ti a minha miséria e o meu profundo desejo de cura. Tu podes curar-me. Tu tens palavras de vida eterna. Espero em Ti, espero na tua palavra, porque é grande a tua misericórdia. Não Te peço acções espectaculares. Peço um coração simples, humilde, dócil para acolher as tuas iniciativas sempre cheias de originalidade, sempre surpreendentes. Dá-me a simplicidade de uma criança, para me espantar diante da grandeza do teu amor escondido na fragilidade dos sinais sacramentais e na voz e no rosto de cada irmão. Dá-me a simplicidade de Naaman, da viúva de Sarepta. Dá-me a simplicidade de Maria de Nazaré. Dá-me a tua simplicidade de Filho muito amado do Pai, feito homem entre os homens. Amen.

    Contemplatio

    Quem vem? É o celeste médico que tomou sobre si as nossas enfermidades, para nos curar. – O profeta Isaías descreve longamente esta substituição (c. 53). Nós é que estamos moralmente doentes. Afastámo-nos como ovelhas errantes, desviámo-nos da via do Senhor. Éramos como leprosos pelos nossos pecados, merecíamos ser abandonados ao sofrimento e à morte; mas o celeste médico tomou tudo sobre si. Ergue-se diante do Senhor como um arbusto ressequido, está coberto de chagas e cheio de desprezos. Já não tem beleza. Vai para a morte como um cordeiro que se deixa levar. É que ele tomou sobre si todas as nossas responsabilidades e todos os nossos sofrimentos redentores que nós mesmos deveríamos ter sofrido.

    Fez mais do que o bom samaritano, não apenas pensou as nossas feridas, tomou-as sobre si.

    Nada se aproxima desta generosidade. O Coração do celeste médico ultrapassa todos os corações pela sua bondade, pelo seu desinteresse (Leão Dehon, 05P 3, p. 627).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «O Senhor faz maravilhas» (SI 4, 4).

  • Terça-feira - 3ª Semana da Quaresma

    Terça-feira - 3ª Semana da Quaresma

    5 de Março, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Daniel 3, 25.34-43

    Naqueles dias, 25 Azarias, de pé no meio das chamas, fez esta prece: 34 Pelo teu nome, não nos abandones para sempre, não anules a aliança. 35 Não nos retires a tua misericórdia, em atenção a Abraão, teu amigo, a Isaac, teu servo, 36 aos quais prometeste multiplicar a sua descendência como as estrelas do céu, e como a areia das praias do mar. 37 Senhor, estamos reduzidos a nada diante das nações, estamos hoje humilhados em face de toda a terra, por causa dos nossos pecados. 38 Agora não há nem príncipe, nem profeta, nem chefe, nem holocausto, nem sacrifício, nem oblação, nem incenso, nem um local para te oferecer as primícias e encontrar misericórdia. 39 Que pela contrição de coração e humilhação de espírito, sejamos acolhidos, como se trouxéssemos holocaustos de carneiros e de touros e de milhares de cordeiros gordos. 40 Que este seja hoje diante de ti o nosso sacrifício; possa ele reconciliar-nos contigo, pois não têm que envergonhar-se aqueles que em ti confiam. 41 É de todo o coração que agora te seguimos, te veneramos e procuramos a tua face; não nos confundas. 42Trata-nos com a tua doçura habitual e com todas as riquezas da tua misericórdia. 43 Livra-nos pelos teus prodígios e cobre de glória o teu nome, Senhor.

    A oração de Azarias começa com um pedido que nos faz lembrar o «Pai nosso»: «Cobre de glória o teu nome, Senhor (v. 43; cf. Mt 6, 9). No cadinho do sofrimento, Azarias apenas teme que o nome de Deus não seja glorificado. Ainda que o sofrimento seja enorme, que o povo esteja reduzido a um «resto», e seja humilhado, Deus deve continuar a ser glorificado. Nem a profanação do templo, nem a helenização com a destituição dos chefes religiosos e do culto oficial hão-de impedir a fidelidade a Deus e a consequente glorificação do seu nome. O profeta lê todos esses acontecimentos como purificação providencial. Na provação, o povo reencontra o coração contrito e humilhado que agrada ao Senhor como um verdadeiro sacrifício (vv. 40s.) que dá glória a Deus. E, então, renasce a esperança (vv. 42s.). Deus é fiel às promessas feitas aos patriarcas (vv. 35s.). A grandeza da sua misericórdia pode ainda transbordar em benevolência e bênçãos para o povo da Aliança (v. 42). Por isso, de salmo penitencial, a súplica de Azarias transforma-se em hino de louvor cantado em coro pelos três jovens da fornalha ardente (vv. 52-90). E Deus é glorificado pelos seus fiéis e por aqueles que se dão conta do seu poder (v. 95).

    Evangelho: Mateus 18, 21-35

    Naquele tempo, 21 Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» 22 Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 Por isso, o Reino do Céu é comparável a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. 24 Logo ao princípio, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. 25 Não tendo com que pagar, o senhor ordenou que fosse vendido com a mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de pagar a dívida. 260 servo lançou-se, então, aos seus pés, dizendo: 'Concede-me um prazo e tudo te pagarei. ,27 Levado pela compaixão, o senhor daquele servo mandou-o em liberdade e perdoou-lhe a dívida. 28 Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o, dizendo: 'Paga o que me deves!' 290 seu companheiro caiu a seus pés, suplicando: 'Concede-me um prazo que eu te pagarei. ' 30 Mas ele não concordou e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto lhe devia. 31 Ao verem o que tinha acontecido, os outros companheiros, contristados, foram contá-lo ao seu senhor. 320 senhor mandou-o, então, chamar e disse-lhe: 'Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque assim mo suplicaste; 33 não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?' 34 E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia. 35 Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.»

    A segunda parte do discurso eclesial (Mt 18), é particularmente dedicada ao perdão das ofensas pessoais. Pedro, sempre impulsivo, julga escapar à rede da vingança ilimitada (cf. vingança de Lamec, Gn 4, 23s.), dizendo-se disposto a perdoar «até sete vezes» (v. 21). Mas Jesus aponta para um horizonte mais amplo, ilimitado, afirmando que é preciso perdoar «até setenta vezes sete» (v. 22), sempre. O cristão é chamado a assumir uma mentalidade completamente nova.

    Jesus ilustra o seu ensinamento com uma parábola em três actos contrastantes mas complementares: encontro do servo devedor com o senhor, encontro do servo libertado com outro servo que lhe é devedor, e novo encontro entre o servo e o senhor. Desta parábola, os discípulos hão aprender o que significa ser imitadores do Pai celeste (v. 35). A dívida do servo é enorme, mas o senhor tem compaixão por ele e perdoa-o de modo completamente gratuito. O servo insolvente, mas perdoado, encontra outro que lhe deve uma quantia irrisória, e não lhe perdoa (vv. 28-30). A graça recebida não lhe transformou o coração. Por isso, atraiu sobre si o inevitável juízo e o castigo divino. O perdão ao irmão condiciona o perdão do Pai que está no céu: «Perdoai-nos as nossas ofensas, como nós perdoamos ... ).

    Meditatio

    Azarias dá-nos exemplo de como se reza na desolação. Tudo fora perdido, e Deus parecia distante e inacessível. O risco do desespero, da perda da fé, ou da queda na blasfémia, espreita. Mas Azarias resiste, pede perdão para o seu povo e pede que o nome de Deus continue a ser glorificado, usando mais uma vez de doçura e misericórdia para com o seu povo: «Cobre de glória o teu nome, Senhor». E Deus escuta a oração do seu servo.

    A misericórdia de Deus para connosco há-de modelar o nosso de agir em relação aos outros, deve fazer de nós portadores da misericórdia divina. O nosso Deus tem um coração de Pai cheio de bondade e de misericórdia, lento para a ira e grande no amor. Santo Ambrósio escreveu que Deus criou o homem para ter alguém a quem perdoar. Por vezes, somos muito rudes e mesquinhos diante de tanta magnanimidade.

    É o que nos revela a parábola que hoje escutamos. Deus ama-nos e está sempre disponível para nos perdoar, ainda que sejam grandes os nossos pecados. Nós, muitas vezes, não sabemos perdoar coisas quase insignificantes. Assim somos causa de escândalo para os nossos irmãos. Experimentámos a misericórdia de Deus, mas não a deixamos transparecer na relação com os outros. Mas, desse modo, não reconhecemos a grandeza do nosso pecado, nem mostramos gratidão para com Deus, que nos perdoou. Assim, impedimos que cresça em nós a imagem e semelhança com Deus, «lento para a ira e cheio de bondade. (Nm 14, 18).

    Diante de Deus, somos todos devedores insolventes. Ele perdoa-nos gratuitamente. E é também assim que havemos de comportar-nos com todos quanto tem alguma dívida para connosco, perdoando para além de qualquer limite: «setenta vezes sete». Mais uma vez, Deus quer dar-nos, para além de tudo, a felicidade de darmos sem nada querermos receber, a felicidade de participarmos na festa da reconciliação, na glória dos filhos de Deus comprados com o sangue do Filho, derramado para remissão dos pecados.

    Como" Oblatos-Sacerdotes do Coração de Jesus" (Cst. 6) somos chamados, não a pegar em armas como Camilo Torres e outros irmãos, que só o Pai julgará, mas a ser concretamente "profetas do amor e ... servidores da reconciliação", não violentos (Cst. 7); "Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco, quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo, e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst. 65).

    Oratio

    Pai santo, rico em misericordioso, lento para a ira e grande no amor. Diante da bondade do teu coração, sentimo-nos pequenos e mesquínhos. Quantas vezes tens usado de paciência e compaixão connosco! Hoje, queremos comprometer-nos a tornar­-nos participantes da tua misericórdia e do teu amor. Depois de os termos recebido tão generosamente, queremos transmiti-los, difundi-los, oferecendo-os a quantos nos têm ofendido. Como Tu nos perdoaste, assim queremos também perdoar aos nossos irmãos, para continuarmos a merecer o teu amor e a tua misericórdia. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor já tinha dado a S. Pedro o supremo poder de ligar e de desligar.

    Era a recompensa da sua fé admirável: «Tu és Pedro, tinha-lhe dito, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e der-te-e as chaves do Reino dos céus, e tudo o que ligares sobre a terra será ligado no céu, e tudo o que desligares sobre a terra será desligado no céu». Era confiar-lhe ao mesmo tempo a suprema autoridade do legislador e a suprema jurisdição do tribunal da misericórdia (Mt 16).

    Mais tarde Nosso Senhor indica aos seus apóstolos que este poder passará de S. Pedro a todos eles: «Digo-vos na verdade, tudo o que ligardes sobre a terra será ligado também no céu; e tudo o que desligardes sobre a terra será desligado também no céu». Pedro permanece o canal único e sagrado, por onde desce do céu e se multiplica na Igreja, o poder de ligar e desligar.

    Prometendo assim o perdão aos pecadores, Nosso Senhor está todo emocionado de misericórdia, ratifica já no seu Coração os milhões e milhões de absolvições que os seus ministros pronunciarão ao longo dos séculos. Sobre que é que poderia conversar com os seus discípulos neste momento, senão acerca do perdão das injúrias? O seu Coração transborda deste espírito de perdão, e está cheio dele como de um abismo. Fala sobre este tema, escutemo-lo.

    «Senhor, diz Pedro aproximando-se de Jesus, se o meu irmão pecar contra mim, quantas vezes lhe perdoarei? Será até sete vezes! (S. Pedro julgava ser muito generoso). - Não digo até sete vezes, respondeu-lhe Jesus, mas até setenta vezes sete (Isto é ao infinito). - Depois o bom Mestre expõe a parábola do perdão das dívidas: «Um rei quis regular as contas com os seus servos. Apresentaram-lhe um que lhe devia dez mil talentos (vários milhões de francos). Este homem não tendo com que lhe pagar, o rei ordenou que fosse vendido, ele, a sua mulher, os seus filhos e tudo o que tinha para pagar as suas dívidas. O infeliz pediu graça, o rei teve piedade dele, mandou-o embora livre e perdoou-lhe a dívida.

    «Mas eis que este se mostra intratável a seguir para com um amigo que lhe devia uma pequena soma de cem dinheiros. O rei manda-o chamar e diz-lhe: «Servo mau, a teu pedido, perdoei-te toda a tua dívida, não deverias tu ser indulgente também para com o teu companheiro?». E condenou-o.

    Ó Jesus, eu vos devo dez mil talentos e mais, perdoai-me esta dívida, porque sois um bom Mestre (Leão Dehon, OSP 3, p. 221s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Não sete, mas até setenta vezes sete»(Mt 18, 21).

     

  • Quarta-feira - 3ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 3ª Semana da Quaresma

    6 de Março, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Deuteronómio 4, 1.5-9

    Moisés falou ao povo, dizendo: «Agora, Israel, escuta os preceitos que vos dou a conhecer e põe-nos em prática, para que vivais e entreis na posse da terra que vos dá o Senhor, Deus dos vossos pais. Ensinei-vos estas leis e preceitos, conforme o Senhor, meu Deus, me ordenara, a fim de os praticardes na terra de que ides tomar posse. Observai-os e ponde-os em prática, porque eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência aos olhos dos povos, que, ao ouvirem falar de todas estas leis, dirão: ‘Que povo tão sábio e prudente é esta grande nação!’. Qual é, na verdade, a grande nação que tem a divindade tão perto de si como está perto de nós o Senhor, nosso Deus, sempre que O invocamos? E qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos como esta lei que hoje vos apresento? Mas tende cuidado; prestai atenção para não esquecer tudo quanto viram os vossos olhos, nem o deixeis fugir do pensamento em nenhum dia da vossa vida. Ensinai-o aos vossos filhos e aos filhos dos vossos filhos».

    Depois de ter evocado a história, para recordar ao povo a fidelidade de Deus (Dt 1 a 3), Moisés tira algumas consequências, nomeadamente a necessidade de corresponder com a observância fiel das leis e preceitos. Esta observância, mais do que uma condição para entrar na terra prometida (v. 1), é uma vocação a realizar (v. 5b). Com efeito, a vida segundo as leis e preceitos do Senhor fará de Israel um povo admirado pelos outros povos, que apreciarão a sua sabedoria e a proximidade do seu Deus. Israel será, desse modo, testemunha do Deus vivo e verdadeiro, diante dos outros povos. O cumprimento dos mandamentos será, assim, uma resposta de amor a Deus libertador. Por isso, é conveniente recordar a história da salvação e as maravilhas operadas por Deus ao longo dela. Isso ajudará o povo a crescer na gratidão para com Deus e na observância das suas leis, de geração em geração.

    Evangelho: Mateus, 5, 17-19

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar. Em verdade vos digo: Antes que passem o céu e a terra, não passará da Lei a mais pequena letra ou o mais pequeno sinal, sem que tudo se cumpra. Portanto, se alguém transgredir um só destes mandamentos, por mais pequenos que sejam, e ensinar assim aos homens, será o menor no reino dos Céus. Mas aquele que os praticar e ensinar será grande no reino dos Céus».

    Os ensinamentos de Jesus são uma novidade radical que desconcerta os seus ouvintes. O texto que hoje escutamos faz-nos entrever as interrogações que suscitava, e a delicada posição dos primeiros cristãos diante do judaísmo.

    Mateus, que escreve para uma comunidade judeo-cristã, apresenta Jesus como um novo Moisés que promulga a nova lei, as Bem-aventuranças. Mas isso não significa que a Lei e os Profetas são abolidos. Pelo contrário, atingem, em Cristo, o pleno cumprimento. Durante séculos, ajudaram Israel a preparar-se para a comunhão com Deus. Agora, essa comunhão é oferecida, por graça e em plenitude, porque, em Jesus, Deus se faz Emanuel, Deus-connosco. Mas os velhos preceitos permanecerão como norma perene. É o que Jesus afirma, com autoridade, com a expressão «em verdede-, Amen, no texto grego (v. 18). Nem os mais pequenos sinais da Lei serão invalidados. Pelo contrário, da sua observância ou não observância dependerá a sorte definitiva de cada um. De facto, na lógica oriental, ser considerado mínimo significa ser excluído.

    Meditatio

    o homem é o eterno peregrino da liberdade e da felicidade. Para isso foi criado. Mas pode entender mal a liberdade e a felicidade e, em vez delas, encontrar a escravidão e a infelicidade. Por isso, Jesus deu uma preciosa orientação aos seus discípulos: «Se permanecerdes fiéis à minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres» (Jo 8, 31-32). Portanto, o ponto de partida e o caminho para a liberdade e felicidade é a escuta da Palavra e o cumprimento humilde e obediente dela. O encontro com a Palavra e a obediência à mesma levam-nos à verdade do amor, à liberdade, à felicidade. De facto, o encontro com a Palavra é encontro com Jesus, que é o Caminho, a Verdade e a Vida, a suprema Felicidade. Não se trata, pois, de cumprir muitas leis e preceitos, mas de seguir Jesus. Com Jesus, e como Ele, aprendemos o amor oblativo, o amor que sempre procura e encontra novas formas para se dar. É esta atitude que nos revela como homens novos, em Cristo. Jesus está connosco e, n ' Ele, encontramos a plena liberdade e felicidade, na obediência aos preceitos antigos e novos, que se resumem no amor a Deus e ao próximo, um amor que se faz dom gratuito e livre, em todas as circunstâncias.

    A espiritualidade do amor oblativo, que herdámos do Pe. Dehon, coloca-nos "no coração do Evangelho" especialmente no centro de Cristo sacerdote e vítima (cf. Heb 5, 7-10; 10, 5-7.14) e impele-nos a inserir-nos "no coração do mundo" sedento de amor, de paz, de alegria, de fraternidade, que só a descoberta de Cristo pode satisfazer plenamente: "Ele é o homem perfeito ... Pela Sua Encarnação ... o próprio Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos de homem, pensou com mente de homem, actuou com vontade de homem, amou com coração de homem ... Ele é o Redentor do homem!" (Redemptor Hominis, n. 8).

    Dando Cristo ao mundo, somos "profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens ... em Cristo" (Cst. 7).

    Oratio

    Senhor Jesus, ensina-me, mais uma vez, que a liberdade verdadeira, e a felicidade duradoira, consistem na vivência do amor, que se faz dom generoso e incondicional, que se faz obediência humilde e alegre. Infunde em mim a tua força, o teu santo Espírito, para que cumpra a Lei Antiga e Nova, não em atitude de escravo, mas de filho, em atitude de homem verdadeiramente livre. Assim, a vontade do Pai tornar-se-á para mim, como foi para Ti, alimento saboroso que me fará progredir na liberdade e na felicidade. Ajuda-me a ser livre e fazer livremente aquilo para que me criaste, para que jamais volte a cair na escravidão e na infelicidade. Não se faça o que eu quero, mas o que o Pai quer de mim. Amen.

    Contemplatio

    Há aqui em baixo uma satisfação para as almas justas. Elas gozam uma intimidade particular com Nosso Senhor. Não é sem uma doçura, às vezes inebriante, que bebem nas fontes do Salvador; mas é sobretudo no céu que serão saciadas da abundância dos bens que estão na casa de Deus: serão inebriadas na torrente das volúpias puras onde o Senhor mata a sede dos seus eleitos. - O Mestre dlr-Ihes-á: «Vinde, meus bem amados, comei, inebriai-vos (Cant 5, 1) enquanto tiverdes sede; é gratuitamente, é para sempre que dou àqueles que têm sede, sede de Deus, sede do meu amor (Ap 21
    , 6).

    Esta será a recompensa infinita da alma que, desde aqui em baixo faminta de justiça e de amor, suspirou com o grande coro de Agostinho: «Te voto, te qasero. te spert»: sois a vós quero, Senhor, só a vós procuro e só em vós espero! Quero ser daqueles, Senhor, tenho fome e sede de justiça, para mim, é toda a minha regra, é a união convosco, é a união com o vosso divino Coração, cujos batimentos devem dirigir os meus.

    Tenho bebido até agora em fontes envenenadas e lodosas, deixai-me beber nas fontes límpidas e vivificantes do vosso divino Coração, nelas encontrarei a beatitude e a alegria da graça esperando a beatitude do céu (Leão Dehon, OSP 4, p. 43s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Senhor, cumprirei os teus preceitos e espero na tua palavra» (cf. SI 119, 145-147).

    VIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Março, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    VIII Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pedro 1, 18-25

    Caríssimos: 18sabendo que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver herdada dos vossos pais, não a preço de bens corruptíveis, prata ou ouro, 19mas pelo sangue precioso de Cristo, qual cordeiro sem defeito nem mancha, 20predestinado já antes da criação do mundo e manifestado nos últimos tempos por causa de vós; 21vós, que por meio dele tendes a fé em Deus, que o ressuscitou dos mortos e o glorificou, a fim de que a vossa fé e a vossa esperança estejam postas em Deus.
    22Já que purificastes as vossas almas pela obediência à verdade que leva a um sincero amor fraterno, amai-vos intensamente uns aos outros do fundo do coração, 23como quem nasceu de novo, não de uma semente corruptível, mas de um germe incorruptível, a saber, por meio da palavra de Deus, viva e perene. 24De facto, todo o mortal é como a erva e toda a sua glória como a flor da erva. Seca-se a erva e cai a flor, 25mas a palavra do Senhor permanece para sempre. Esta é a palavra que vos foi anunciada como boa-nova.

    Pedro, falando do presente, do passado e do futuro, apresenta-nos algumas verdades sobre a relação de Jesus Cristo connosco e sobre a nossa relação com Ele. O Pai escolheu-O, ainda antes da criação do mundo, para libertar a humanidade da «vã maneira de viver herdada dos vossos pais» (v. 18). O presente cheio de esperança dos cristãos, radica no passado da acção de Deus em Cristo para nosso benefício. Deus escolheu a Cristo, «qual cordeiro sem defeito nem mancha» (v. 19) para, «pelo seu sangue precioso» (v. 19), nos resgatar. Pertencemos a Deus porque Ele nos resgatou, nos comprou, «não a preço de bens corruptíveis, prata ou ouro» (v. 18), mas «pelo sangue precioso de Cristo» (v. 19)». Acreditamos em Deus, acreditamos que Ele ressuscitou Jesus de entre os mortos, e temos a possibilidade de ancorar a nossa fé e a nossa esperança no Pai, por efeito da missão, da ressurreição e da glorificação de Jesus Cristo. O mistério pascal de Cristo garante-nos que Deus está do nosso lado, que é a nossa favor. O nosso presente encaminha-se para um futuro esperançoso. É possível viver a moral cristã e realizar a missão porque, a nossa relação com Jesus, e, por Ele, com o Pai, no Espírito, estrutura a nossa vida pessoal e comunitária, e dinamiza a missão.

    Evangelho: Marcos 10, 32-45

    Naquele tempo, 32Jesus e os discípulos iam a caminho, subindo para Jerusalém, e Jesus seguia à frente deles. Estavam espantados, e os que seguiam estavam cheios de medo.Tomando de novo os Doze consigo, começou a dizer-lhes o que lhe ia acontecer: 33«Eis que subimos a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei, e eles vão condená-lo à morte e entregá-lo aos gentios. 34E hão-de escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo. Mas, três dias depois, ressuscitará.» 35Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram: «Mestre, queremos que nos faças o que te pedimos.» 36Disse-lhes: «Que quereis que vos faça?» 37Eles disseram: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda.» 38Jesus respondeu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu bebo e receber o baptismo com que Eu sou baptizado?» 39Eles disseram: «Podemos, sim.» Jesus disse-lhes: «Bebereis o cálice que Eu bebo e sereis baptizados com o baptismo com que Eu sou baptizado; 40mas o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não pertence a mim concedê-lo: é daqueles para quem está reservado.» 41Os outros dez, tendo ouvido isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João. 42Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e como os grandes exercem o seu poder. 43Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo 44e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. 45Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos.»

    O texto evangélico que escutámos refere diversos episódios ocorridos durante a caminhada de Jesus para Jerusalém. Jesus avança rodeado de discípulos apavorados e de pessoas cheias de medo. Pela terceira vez, fala da paixão, que se aproxima. Fá-lo com muitos pormenores (vv. 33ss.). Mas os discípulos parecem nada compreender. Os filhos de Zebedeu continuam interessados em alcançar uma boa posição no Reino: um quer ficar à direita de Jesus e outro à esquerda (v. 37). Em Mateus, é a mãe que pede esses lugares para os filhos (cf. Mt 20, 20). Os outros discípulos estão preocupados com assuntos que nada têm a ver com os do Senhor. Mas Jesus revela aspectos centrais relativos ao discipulado: o essencial é a docilidade a Deus e ao seu projecto. Ele próprio decidirá a posição de cada um no Reino. Em Mateus será o Pai a tomar tal decisão (cf. Mt 20, 23).
    Ser discípulo de Jesus é ser, como Ele, dócil ao Pai, partilhar a missão que o Pai Lhe confiou: beber o mesmo cálice, mergulhar no mesmo baptismo. É seguir o caminho do servo sofredor (Is 52, 13-53, 12), servir a todos até ao dom da própria vida em resgate de muitos... O resgate (lýtron) é o preço a pagar por um prisioneiro de guerra, por um escravo. Este resgate é pago, não a Deus, mas ao príncipe deste mundo (Jo 12,31; 1 Jo 5, 19), ao deus deste mundo (2 Cor 4, 4), que mantém escrava a humanidade. E Jesus resgata a humanidade, não para se tornar Ele mesmo um «rei» opressor, mas paradoxalmente um «rei» servo. Também os cristãos não podem contrapor ao «poder demoníaco» um «poder cristão», mas colocar-se de modo amoroso e humilde ao serviço da humanidade.

    Meditatio

    A Palavra que hoje escutamos incita-nos à conversão, isto é, a seguir o exemplo de Jesus Cristo, que padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigamos os seus passos (cf. 1 Pe 2, 21). Jesus foi enviado pelo Pai para nos revelar a sua misericórdia. A Palavra de Jesus remete-nos para o mistério escondido do Pai. O Pai procura a humanidade, e põe-na à procura dele, por meio do exemplo de Cristo e daqueles que vivem nele. Jesus não actua pela força, mas pelo amor; não influe pelo poder, mas pelo serviço. Não se trata de um caminho fraco, mas cheio daquela força do amor que vence a morte. O reino do Pai é composto por pessoas cuja criatividade é inspirada na misericórdia que não se deixa vencer pelo mal, mas o vence na humildade e na docilidade, e que desmascara a ignorância dos estultos. A Igreja só ajuda a libertar a humanidade se tiver esta atitude de serva, e não se deixar apanhar pelo cancro do poder, nem eclesiás
    tico nem civil. Apenas como comunidade de servos, sem ambições políticas, poderá ajudar eficazmente a humanidade a libertar-se das forças que a oprimem.
    Para o dehoniano, a ajuda e o serviço aos irmãos, tal como o apostolado são actos de culto, são liturgia, na qual Cristo oferece os homens como vítimas ao Pai. Assim era para Paulo (cf. Rom 15, 16; Fil 2, 17). O exemplo de Paulo é muito significativo. Ele não punha em primeiro plano a organização da sua obra de evangelização, em Corinto, as suas fadigas, o ter-se «feito tudo para todos» (1 Cor 9, 23). A eficácia do seu apostolado vinha do seu assemelhar-se a Cristo, do reviver o Seu sacrifício, a sua fraqueza. Assim compreendemos como o Apóstolo, e, por conseguinte, todo o cristão, toda a Igreja, todo o dehoniano, só alcance eficácia para o seu trabalho apostólico na graça de Cristo, por meio do Espírito (cf. 2 Cor 12, 9-10; cf. Fil 2, 17). Quem salva o mundo não é o homem, pelas suas forças, mas é Deus, em Cristo Jesus, pobre e servo. É o escândalo da Cruz que salva o mundo (cf. 1 Cor 1, 22-23); o Reino de Deus constrói-se com meios humanos pobres: com a fraqueza do amor, com a fé, com a esperança, com a oblação, com a imolação, com a reparação. Os «pequenos» e os «pobres» têm a primazia, não só como destinatários da salvação, mas como protagonistas e colaboradores dela, da construção do Reino, unidos a Jesus Cristo.

    Oratio

    Senhor, às vezes, sinto-me indignado com Tiago e João. Tu revelavas-lhes o teu destino futuro, cheio de humilhações, e eles pediam-te privilégios. Mas reparo que, também eu, muitas vezes, caio no mesmo erro, que, também eu, me porto de modo inconsciente. Quando me explicas o teu mistério, digo logo que percebi. Mas, pouco depois, lá estou a pedir-te coisas completamente contrárias aos desígnios do Pai. Mais ainda: como os outros discípulos, fico indignado quando veja alguém cair no erro dos filhos de Zebedeu. E não é por virtude, mas porque, também eu, sou ambicioso e procuro lugares de honra, e temo que os dês a outros. Perdoa-me, Senhor. Ensina-me a humildade do serviço. Ensina-me a verdadeira grandeza que é sentir-me e actuar como último e como servo de todos. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor nada teve tanto a peito do que nos ensinar a humildade, que é a fonte de todas as graças, como o orgulho é a fonte de todos os pecados e da condenação. Fez-nos observar como a humildade era o cunho de toda a sua vida: «Aprendei de mim que sou doce e humilde de coração».
    S. Paulo resumiu assim toda a vida de Nosso Senhor na humildade: «Cristo humilhou-se fazendo-se obediente até à morte» (Fil 2, 8).
    Nosso Senhor recomendou a humildade nas suas parábolas: na dos fariseus e do publicano, na dos convidados para as bodas. Ensinou-a em toda a ocasião. Quando os apóstolos discutiam acerca do primado entre eles, disse-lhes: «Que o maior se faça o servo de todos. - Qui major est vestrum erit minister vester» (Mt 23, 11). Quando queriam afastar as crianças, disse-lhes: «Se não vos tornardes como criancinhas, não entrareis no reino dos céus».
    Também os livros sapienciais tinham recomendado tanto a humildade! Os provérbios dizem que ela é preferível à glória e à fortuna: Gloriam praecedit humilitas (Prov. 15, 33). Vale mais ser humilde com os que são doces do que partilhar o espólio com os orgulhosos (Prov. 16, 19).
    O Eclesiástico aconselha-a muito particularmente aos grandes e aos poderosos deste mundo: «Quanto maiores fordes, mais vos deveis humilhar e encontrareis graça diante de Deus. Só Deus é grande e a nossa humildade honra-o» (Eccli 3, 20) (Leão Dehon, OSP4, p. 556).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo» (Mc 10, 43).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • Quinta-feira - 3ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 3ª Semana da Quaresma

    7 de Março, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Jeremias 7,23-28

    Assim fala o Senhor: 23 A única ordem que lhes dei foi esta: 'Ouvi a minha voz e Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo; segui sempre a senda que vos indicar, a fim de que sejais felizes. ,24 Eles, porém, não me ouviram, não prestaram atenção, seguiram os maus conselhos dos seus corações empedernidos; viraram-me as costas em vez de se voltarem para mim. 25 Desde o dia em que os vossos pais deixaram o Egipto até hoje, Eu vos enviei todos os meus servos, os profetas, dia após dia. 26E1es, porém, não me ouviram, não me prestaram atenção; endureceram a sua cerviz e agiram pior que os seus pais. 27Tudo isto lhes transmitirás, mas não te escutarão. Chamá-los-ás e não te responderão. 28 Então dir-Ihes-ás: 'Esta é a nação que não ouviu a voz do Senhor, seu Deus, não aceitou as suas advertências. A sua lealdade desapareceu, foi banida da sua boca. '

    Ao condenar o formalismo do culto, o profeta condena, sobretudo, a surdez de Israel à voz de Deus (v. 23), escutada no momento da Aliança, no monte Sinai (cf. Ex 20, 1-21). Só na escuta o povo de Israel pode conhecer o seu Deus, diferente de todas as outras divindades. Por isso, o primeiro mandamento é: «escuta, Israel». Os verdadeiros profetas apelam continuamente a essa escuta. Os falsos profetas fazem outros apelos. A opção por ouvir uns ou ouvir outros determina, para cada um, a vida ou a morte.

    O texto está dividido em três partes. As duas primeiras têm uma estrutura idêntica: ao «ouv» (v. 23), e ao «envie» (v. 26) correspondem dois «eles não ouviram» (vv. 24.26). Não há sinal de arrependimento, de conversão. Na terceira parte, enquanto o povo recai na idolatria e volta a ser espiritualmente escravo no Egipto, o profeta permanece fiel à sua vocação. Enquanto denuncia esta situação, partilha com Deus o sofrimento de ser recusado, de ser ele mesmo acusado de impostor pelos mentirosos.

    Evangelho: Lucas 11,14-23

    Naquele tempo, 14Jesus estava a expulsar um demónio mudo. Quando o demónio saiu, o mudo falou e a multidão ficou admirada. 15 Mas alguns dentre eles disseram: «É por Belzebu, chefe dos demónios, que Ele expulsa os demónios.» 16 Outros, para o experimentarem, reclamavam um sinal do Céu. 17 Mas Jesus, que conhecia os seus pensamentos, disse-Ihes:«Todo o reino, dividido contra si mesmo, será devastado e cairá casa sobre casa.

    18 Se Satanás também está dividido contra si mesmo, como há-de manter-se o seu reino? Pois vós dizeis que é por Belzebu que Eu expulso os demónios. 19Se é por Belzebu que Eu expulso os demónios, por quem os expulsam os vossos discípulos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. 20 Mas se Eu expulso os demónios pela mão de Deus, então o Reino de Deus já chegou até vós. 21Quando um homem forte e bem armado guarda a sua casa, os seus bens estão em segurança; 22 mas se aparece um mais forte e o vence, tira-lhe as armas em que confiava e distribui os seus despojos. 23Quem não está comigo está contra mim, e quem não junta comigo, dispersa.»

    Jesus tinha acabado de ensinar aos seus discípulos o «Pai nosso», a oração modelo de toda a oração crista, a oração que abre o coração ao Espírito Santo (v. 13). O Reino é já uma realidade presente na terra. E acontece uma cura. O povo simples enche-se de admiração. Mas há quem pense de modo diferente (v. 14s.).

    Temos assim, como na primeira leitura, duas atitudes contrastantes: uns ficam admirados porque intuem uma extraordinária presença de Deus no mundo; outros acusam Jesus de blasfémia e de aliado do diabo. Jesus responde de modo incisivo, deixando os ouvintes concluírem que Satanás não combate contra si mesmo. Sendo assim, a conclusão só pode ser a dos simples: está aí o dedo de Deus. Esta expressão lembra os prodígios realizados pela mão de Moisés, no tempo do êxodo. Para que não restem dúvidas, o próprio Jesus conclui: «o Reino de Deus já chegou até vós» (v. 20). A expulsão dos demónios prova essa presença do Reino, prova o começo de uma nova época de liberdade para quem acolher a alegre notícia trazida por Jesus (v. 23).

    Meditatio

    «Ouvi a minha voz», diz-nos o Senhor. A Palavra do Senhor é caminho de intimidade com Ele: «Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo». A Palavra do Senhor é caminho de felicidade: «Segui sempre a senda que vos indicar, a fim de que sejais felizes». Mas, desde sempre, os homens procuraram pretextos para não escutarem a Palavra de Deus: «Eles não me ouviram, não prestaram atenção, seguiram os maus conselhos dos seus corações empedernidos». Mesmo quando a Palavra se fez carne e habitou entre nós. Para não ouvirem Jesus, alguns deformaram a realidade e acusaram-no de expulsar demónios com o poder do demónio. O «pai da mentira» sugere pensamentos errados, insinua dúvidas e suspeitas. Sem acolher a Palavra de Deus, o homem não dispõe da luz necessária para não se perder e seguir com segurança a senda da felicidade. Sem a Palavra de Deus, o homem não dispõe da força necessária para vencer o homem armado que guarda a porta da sua casa, seguro de o ter vencido e encaminhado definitivamente para a perdição, o demónio. A Palavra de Deus, em última análise, é Jesus, o vencedor do demónio. Por isso, pode afirmar: «Quem não está comigo está contra mim, e quem não junta comigo, dispersa» (v. 23).

    Escutemos, pois, a Palavra do Senhor, e punhamos nela a nossa esperança, nos combates da nossa vida. Se escutarmos o Senhor, recolheremos com Ele.

    Conforta-nos saber que Jesus é mais forte que o demónio, mais forte que o mundo, mais forte do que qualquer tentação. Com Ele, a vitória é certa, apesar da dureza das batalhas. Afinal: só Ele é o Senhor!

    Como homens, somos criaturas frágeis, cansadas, fatigadas. Cansadas pela luta contra o mal ou porque somos vítimas do mal. Fatigadas por causa do peso da nossa carne débil, das culpas. Cristo, que vem a nós na sua Palavra e na Eucaristia, é o homem forte, com quem podemos vencer. Na sua misericordiosa bondade, convida­mos, por fracos e pecadores que sejamos, convida todos os homens, também os que O não conhecem, os que são indiferentes, e mesmo os que O odeiam: "Vinde a Mim, todos vó~ que vos estais cansados e oprimidos, e aliviar-vos-ei... Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração e achareis alívio para as vossas almas, pois o Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve' (Mt 11, 28-30). Vamos, pois, ao Senhor, acolhamos a sua Palavra, acolhamo-I' O a Ele, que é o mais forte!

    Oratio

    Senhor Jesus, enche-nos de consolação sabermos que és o mais forte, e que, Contigo, não há dificuldade ou provação que não possamos vencer. Diante de Ti, o Demónio não passa de ' um pobre diabo', e o mundo é vencido, porque Tu o venceste. Vem a nós na tua palavra poderosa; vem a nós na Eucaristia, pão dos fortes. Faz em nós a tua morada e fica connosco, Senhor. Que jamais nos separemos de Ti! E a vitória é certa. Amen.

    Contemplatio

    Quando não há nada num coração, que não pertença totalmente a Nosso Senhor, porque este coração mesmo se deu com os seus afectos e os seus desejos, Nosso Senhor mesmo é o Forte armado, que guarda o seu bem com um cuidado ciumento.

    Em resumo, é preciso ver neste Evangelho um convite a velar pelos interesses da nossa alma. É preciso fazê-lo com solicitude, armando-nos com armas tão poderosas que nenhuma outra possa sobre ela triunfar. Não é preciso, portanto, colocar a própria confiança na própria virtude passada, na própria energia. A concupiscência e o demónio têm facilmente razão sobre estas armas que derivam da confiança em si mesmo e do orgulho. A graça é a muralha inexpugnável entre todas e não se entra na praça-forte senão pelas intenções sobrenaturais e a vida em Nosso Senhor, na submissão aos nossos superiores, às nossas regras, a toda a vontade divina. A união a Nosso Senhor é acrescida pelo laço da afeição. Quando uma alma se deu sem reservas ao Coração de Jesus, a sua causa torna-se a de Nosso Senhor. Quanto mais o dom de si mesmo for completo e generoso, mais assegura este socorro poderoso contra o qual vêm quebrar-se as paixões e os embustes do inimigo.

    «Quem não está comigo é contra mim e quem não recolhe comigo atsperses (Leão Dehon, OSP 3, p.279).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Quem não junta comigo, disperse» (Mt 11, 23b).

    VIII Semana – Quinta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    VIII Semana – Quinta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    7 de Março, 2024

    Tempo Comum – Anos Pares
    VIII Semana – Quinta-feira
    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pedro 2, 2-5.9-12

    Caríssimos, 2como crianças recém-nascidas, ansiai pelo leite espiritual, não adulterado, para que ele vos faça crescer para a salvação, 3se é que já saboreastes como o Senhor é bom. 4Aproximando-vos dele, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus, 5também vós – como pedras vivas – entrais na construção de um edifício espiritual, em função de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo. 9Vós, porém, sois linhagem escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido em propriedade, a fim de proclamardes as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável; 10a vós que outrora não éreis um povo, mas sois agora povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia. 11Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e peregrinos, vos abstenhais dos desejos carnais, que combatem contra a alma. 12Tende entre os gentios um comportamento exemplar, de modo que, ao acusarem-vos de malfeitores, vendo as vossas boas obras, acabem por dar glória a Deus no dia da sua visita.

    Pedro, para falar da nossa salvação, usou as categorias nascimento, regeneração, vida nova. Agora recorre a outra imagem cheia do sentido e da riqueza que lhe dava o ambiente cultural grego e judaico donde provinha: a criança cujo alimento é ainda o leite materno. Os que foram regenerados pela ressurreição (1, 3), pela Palavra viva e eterna do Evangelho (2, 23), são «como crianças recém-nascidas» (v. 2). A misericórdia do Pai regenera, não só no momento em que faz surgir em nós a vida de Cristo, mas durante todo o tempo que vivemos nele. O cristão é permanentemente regenerado em Cristo, Verbo do Pai, que, na vida trinitária, está sempre em geração. O baptismo faz-nos renascer em Cristo uma vez e para sempre. É o que Pedro afirma repetidas vezes nestas homilias baptismais.
    A mesma Palavra que nos regenera, também nos alimenta e faz crescer para a salvação. É um alimento semelhante ao leite genuíno e sadio. Jesus é Palavra viva; quando se saboreia a sua bondade, não se quer outro alimento. Jesus é a Pedra viva, escolhida e preciosa, posta pelo Pai como pedra angular da casa espiritual que constrói nele e por ele, para que se torne comunidade sacerdotal que lhe oferece sacrifícios agradáveis; quem a recusar, tropeça nela. Os baptizados caminham, avançam nele, quando se deixam constituir, construir, como pedras vivas, para a realização do desígnio do Pai em Jesus Cristo.

    Evangelho: Marcos 10, 46-52

    Naquele tempo, 46quando Jesus ia a sair de Jericó com os seus discípulos e uma grande multidão, um mendigo cego, Bartimeu, o filho de Timeu, estava sentado à beira do caminho. 47E ouvindo dizer que se tratava de Jesus de Nazaré, começou a gritar e a dizer: «Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim!» 48Muitos repreendiam-no para o fazer calar, mas ele gritava cada vez mais: «Filho de David, tem misericórdia de mim!» 49Jesus parou e disse: «Chamai-o.» Chamaram o cego, dizendo-lhe: «Coragem, levanta-te que Ele chama-te.» 50E ele, atirando fora a capa, deu um salto e veio ter com Jesus. 51Jesus perguntou-lhe: «Que queres que te faça?» «Mestre, que eu veja!» – respondeu o cego. 52Jesus disse-lhe: «Vai, a tua fé te salvou!» E logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.

    Quando Jesus passa por Jericó, um mendigo cego, chamado Bartimeu, procura ir ao encontro dele, apesar da oposição de muitos que rodeiam o Senhor. Mas Jesus apercebe-se da situação, manda chamá-lo e dialoga com ele. O cego dirige-se ao Senhor com a mesma palavra que Maria usou na manhã da páscoa: «Rabbuni», «Meu mestre» (v. 51; cf. Jo 20, 16). Esta expressão traduz estima, afecto.
    Jesus restitui a vista ao cego e atribui a cura à sua fé. De facto, o cego, uma vez curado, põe-se a seguir Jesus.
    Ao contar este episódio, pouco depois do terceiro anúncio da paixão, o evangelista quer esclarecer o que se entende por fé e o que implica seguir Jesus. Tal como aquele pobre homem, o discípulo deve ser um alguém que reza com perseverança, que invoca Jesus nas dificuldades, recebe encorajamento, vai ao seu encontro, deixa-se interrogar por Ele, deixa que lhe abra os olhos e O segue pelo caminho. Temos aqui um bom documento sobre a pedagogia da fé.

    Meditatio

    A nossa vida de cristãos há-de ser um perene louvor Àquele que nos chamou das trevas para a sua luz admirável, como nos recomenda Pedro. O evangelho ilustra o caso concreto de alguém que, pela misericórdia do Senhor, recuperou a vista. E Pedro acrescenta: «outrora não éreis um povo, mas sois agora povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia» (v. 10). O cego implorou com coragem e perseverança a misericórdia de Jesus: «Jesus, filho de David, tem misericórdia de mim!» (v. 47). E ninguém o conseguiu calar.
    Este episódio acontece em Jericó. Jesus está para chegar a Jerusalém e, em breve, começará a sua paixão, o caminho da cruz, que o conduzirá à ressurreição. O cego, uma vez curado, põe-se a segui-lo, no caminho da oblação, que irá consumar-se no Calvário. Pedro sugere-nos uma atitude semelhante: «Aproximando-vos dele, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus, também vós – como pedras vivas – entrais na construção de um edifício espiritual, em função de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo» (vv. 4-5).
    A cura do cego Bartimeu é toda uma cena em movimento, que vai da adoração, à cura, à oferta. É o movimento que encontramos na eucaristia. Começamos por implorar misericórdia: «Senhor, tende piedade de nós»; somos iluminados pela palavra; unimo-nos à oblação de Cristo. É também a dinâmica da vida cristã, dinâmica de oferta e de acção de graças em que a nossa vida, unida à de Cristo, se pode e deve tornar «eucaristia», uma eucaristia perene.
    Este texto petrino é central na doutrina do sacerdócio de toda a Igreja, o chamado sacerdócio comum dos fiéis. Sabemos a importância que estes textos têm na espiritualidade dehoniana. A experiência de vida teologal no Pe. Dehon, é descrita com duas expressões significativas: é «adesão a Cristo, nascida do mais íntimo do coração» (Cst. 5) (que) «se exprime e concentra no sacrifício eucarístico, transformando toda a sua vida numa missa permanente» (Cst. 5). O Pe. Dehon, iluminado por uma fé, que
    o leva a aderir cordialmente a Jesus, procura viver, em todos os momentos da sua vida, o acto mais sublime da oblação de Cristo ao Pai pelos homens, a missa, «o grande acto do dia, o holocausto do perfeito amor, o sacrifício reparador por excelência» (DSP, parte V, parágrafo 4).

    Oratio

    Senhor, que a minha vida se torne, cada vez mais, uma oferta de acção de graças ao Pai, uma eucaristia permanente. Para isso, abre-me os olhos da fé viva, para que saiba reconhecer os seus dons, as maravilhas que Ele realizou e continua a realizar. Muitas vezes, os meus olhos estão mais atentos para ver o que é obscuro do que para admirar a tua luz. «Abre os meus olhos, Senhor, às maravilhas do teu amor», para que a minha vida se torne oblação amorosa de tudo quanto me deste e vais dando cada dia. Que tudo quanto eu fizer, por palavras ou por obras, seja realizado em teu nome, dando graças, Contigo e por Ti, no Espírito Santo, a Deus Pai. Amen.

    Contemplatio

    O adorável sacrifício dos nossos altares é o dom por excelência do Coração de Jesus e do seu amor. É, no dizer de S. Francisco de Sales, o centro da religião, o coração da devoção, a alma da piedade, o mistério inefável que contém o abismo da caridade divina e pelo qual Deus nos comunica com suprema liberalidade as suas graças e benefícios.
    O Santo Sacrifício da Missa é, para todos os Sacerdotes do Coração de Jesus, o grande acto do dia, o holocausto de perfeito amor e o sacrifício reparador por excelência.
    Os Sacerdotes do Coração de Jesus, ao celebrar a Eucaristia, e os que não são padres, ao participar nela, compenetrar-se-ão com amor dos sentimentos e das intenções do Coração de Jesus. Unirão a oferta do seu coração à do Coração divino de Jesus para a maior glória de Deus e para a salvação das almas.
    Os Sacerdotes do Coração de Jesus terão gosto em celebrar Missas reparadoras. Procurarão também que os benfeitores as mandem celebrar, com fundações apropriadas. Celebrarão ao menos uma por mês em reparação de todas as Missas sacrílegas que entristecem profundamente o Coração do seu bom Mestre (DSP n. 128).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vós entrais na construção de um edifício espiritual,
    em função de um sacerdócio santo» (1 Pe 2, 5).

     

    | Fernando Fonseca, scj |

  • S. João de Deus, Religioso

    S. João de Deus, Religioso


    8 de Março, 2024

    S. João de Deus nasceu a 8 de Março de 1495, em Montemor-o-Novo. Aos 8 anos saiu de casa, dirigindo-se para Oropesa, Espanha, onde foi pastor e, mais tarde, soldado de Carlos V. Exerceu outras atividades até descobrir a vocação a que Deus o chamava. Em 1539, assistiu às exéquias da Imperatriz Isabel, mulher de Carlos V, e, à semelhança do Duque de Gandia, futuro S. Francisco de Borja, ficou profundamente impressionado. A pregação e a orientação de S. João de Ávila ajudaram João de Deus a encontrar o caminho a que Deus o chamava. Instalou, em Granada, um hospital para os pobres, aos quais se entregou generosamente, tornando-se para eles, e para todos, um sinal vivo da misericórdia de Deus. Começaram a juntar-lhe colaboradores que, mais tarde, se constituíram em instituto religioso, a "Ordem Hospitaleira dos Irmãos de S. João de Deus", aprovada por Sixto V, em 1583. S. João de Deus faleceu em Granada, a 8 de Março de 1550. É padroeiro dos hospitais católicos, bem como dos enfermeiros católicos e suas associações.
    Lectio
    Primeira leitura: Da féria (ou do Comum)
    Segunda leitura: Mateus 25, 31-40

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 34O Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.'

    Jesus, como filho do seu tempo e participante da mentalidade da sua época, tem presente as ideias comuns sobre os acontecimentos extraordinários do fim dos tempos e parte delas para inculcar nos homens a necessária preparação para superarem, com êxito, a provação final. Além disso, pretende afirmar que os homens serão julgados pela atitude que tiverem em relação a Ele.
    A reunião universal dos povos pressupõe a ressurreição dos mortos. Os bons serão colocados à direita, lugar de sorte, e os maus à esquerda, lugar de desgraça. Esta colocação pressupõe que o juízo já foi efetuado. Daí que, logo de seguida, seja proferida a sentença. O Filho do homem revela-se como rei, e convida os da sua direita a receberem o prémio, justificando essa decisão com as obras de caridade feitas por eles aos "irmãos pequeninos" de Jesus (v. 40). O serviço caritativo prestado ao próximo necessitado justifica o prémio, tal como a ausência desse serviço justifica o castigo. Além do mais, o que se faz de bem ao próximo, é a Jesus que se faz, tal como o que não se faz de bem ao próximo é a Jesus que não se faz. Não se fazem distinções sobre a identidade ou a condição de quem faz o bem ou dos necessitados a quem é feito. As obras feitas por amor, praticadas por quem quer que seja, ao próximo necessitado, seja ele quem for, honram a Jesus e são premiadas.
    Meditatio

    "O que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes" (v. 40). Jesus dirige-se a todos, sem qualquer distinção. Isto significa que, também fora do âmbito visível dos seus discípulos, da sua Igreja, pode haver autêntico reino e verdadeiro "cristianismo". Esta universalidade estende-se também àqueles a quem fazemos os bem: a única condição é que sejam necessitados. Quando fazemos o bem a um necessitado, é a Cristo que o fazemos. Quem faz o bem, por amor, é sempre um sinal, consciente ou inconsciente, e mais ou menos claro, da misericórdia de Deus.
    S. João de Deus foi para os seus contemporâneos, especialmente para os doentes, um rosto da misericórdia de Deus. Ardendo na caridade divina, só podia manifestá-la aos outros. Para salvar os doentes do seu hospital em chamas, não exitou em correr para o meio do fogo: "Ensinando a caridade, demonstrou que o fogo exterior tinha menor força do fogo que o queimava interiormente", - comentava outrora a liturgia da sua festa. Numa das suas cartas, o santo escreve: "Vêm aqui tantos pobres, que até eu me espanto como é possível sustentar a todos; mas Jesus Cristo a tudo provê e a todos alimenta. Vêm muitos pobres à casa de Deus, porque a cidade de Granada é muito fria, e mais agora que estamos no Inverno. Entre todos - doentes e sãos, gente de serviço e peregrinos - há aqui mais de cento e dez pessoas. Como esta casa é geral, recebe gente de todos os géneros e condições: tolhidos, mancos, leprosos, mudos, dementes, paralíticos, tinhosos, alguns já muito velhos e outros muito crianças ainda, e por cima disto muitos peregrinos e viajantes, que cá chegam e aqui encontram lume, água, sal e vasilhas para cozinhar os alimentos. E para tudo isto não se recebe renda especial, mas Cristo a tudo provê". Noutra carta dizia: "Não tenho sequer o espaço de um "creio em Deus Pai" para poder respirar." O seu amor, a sua dedicação e generosidade para com os pobres granjearam-lhe a admiração de Granada inteira. Quando faleceu, a cidade desfilou diante daquele homem-prodígio de humildade e de caridade. Como dizia João Paulo II de S. Camilo de Lellis, também o testemunho de S. João de Deus "constitui, ainda hoje, um forte apelo a amar a Cristo, presente nos irmãos que carregam sobre si mesmos o fardo da doença".
    A nossa união com Cristo, no seu amor pelo Pai e pelos homens manifesta-se também na disponibilidade e no amor para com todos. A escuta da Palavra, e sobretudo a eucaristia que celebramos são um convite diário para nós, dehonianos, a que sejamos pão bom, partido pelos irmãos, de modo especial para os mais fracos e carenciados: "os pequenos e os que sofrem" (cf. Cst 18). As palavras de Cristo, na instituição da eucaristia, "Fazei isto em memória de Mim" (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 24-25), não se referem apenas à Eucaristia como memorial, mas são um convite a todo o discípulo de Jesus para que seja "pão partido" e "sangue derramado" por todos. Tal como Cristo, também nós...
    Oratio

    Senhor, entre os caminhos que me apontas para me encontrar contigo e unir-me a ti, há o do amor aos irmãos que passam pela difícil fase do sofrimento. Foi esse o caminho percorrido por Jesus, teu Filho divino, o verdadeiro bom samaritano da humanidade. Torna-me cada vez mais consciente de que o serviço aos pequenos e aos que sofrem podem conduzir-me à contemplação do teu rosto, e libertar o amor que derramaste no meu coração para me tornar sinal da tua misericórdia para com todos os homens, particularmente os mais necessitados. Ámen.
    Contemplatio

    (A caridade para com o próximo) é o segundo mandamento e é semelhante ao primeiro. Mas Nosso Senhor fez dele o seu mandamento preferido, porque o outro era evidente. «Este é o meu mandamento, diz, que vos ameis como eu vos amei» (Jo 15, 12). Fez deste mandamento a característica da lei nova e o traço principal dos seus verdadeiros discípulos. «É assim, diz, que reconhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35)... Que Deus vos faça a graça, dizia S. Paulo, de estardes sempre unidos pelos sentimentos e pelo afeto uns para com os outros, segundo o espírito de Jesus Cristo, e conforme ao seu exemplo. Estai unidos no culto e no amor de Deus, e para permanecerdes unidos suportai-vos uns aos outros: o forte ajudará o fraco, o sábio ajudará o ignorante, o judeu e o gentio serão caridosos entre si. Nosso Senhor não nos suportou? Não nos tomou ele consigo e não nos uniu ao seu corpo místico para nos apresentar ao seu Pai? A caridade para com o próximo é necessária a quem quer amar a Deus. - O amor de Deus e o amor do próximo fazem um só. Pode amar-se a Deus e não amar os homens seus filhos? Estes dois amores não faziam senão um só no coração de Nosso Senhor. Quando pronuncia o Ecce venio ao entrar na sua vida mortal, vinha ao mesmo tempo por amor de seu Pai e por amor dos seus irmãos... O amor do próximo está inscrito em cada página do Evangelho. Nosso Senhor podia fazer mais para o recomendar do que nos dizer que teria como feito a si mesmo o que fizéssemos pelo mais pequeno de entre os seus? Não é sobre esta caridade que consistirá sobretudo o juízo? «Tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber...». (Pe. Dehon, OSP 3, p. 201s.).
    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos,
    a mim mesmo o fizestes" (Mt 25, 40).

     

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    S. João de Deus, Religioso (08 Março)

    Sexta-feira - 3ª Semana da Quaresma

    Sexta-feira - 3ª Semana da Quaresma

    8 de Março, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Oseias, 14, 2-10

    Assim fala o Senhor: 2Volta, Israel, ao Senhor teu Deus, porque caíste por causa dos teus pecados. "tome! convosco palavras de arrependimento. E voltai ao Senhor, dizendo-lhe: «Perdoa todos os nossos pecados, e acolhe favoravelmente o sacrifício que oferecemos, a homenagem dos nossos lábios. 4 A Assíria não nos salvará; não montaremos a cavalo, e nunca mais chamaremos nosso Deus a uma obra das nossas mãos, pois só junto de ti o órfão encontra compaixão.» "Corare! a sua infidelidade, emâ-Ios-ei de todo o coração, porque a minha cólera se afastou deles. 6Serei para Israel como o orvalho: florescerá como um lírio e deitará raízes como um cedro do Líbano. 70s seus ramos estender-se-ão ao longe, a sua opulência será como a da oliveira, o seu perfume como o odor do Líbano. 8 Regressarão os que habitavam à sua sombra; renascerão como o trigo, darão rebentos como a videira e a sua fama será como a do vinho do Líbano. 9 Efraim, que tenho Eu ainda a ver com os ídolos? Sou Eu quem responde e olha por ele. Eu sou como um cipreste sempre verdejante; é de mim que procede o teu fruto. lOQuem é sábio para compreender estas coisas, inteligente para as conhecer? Porque os caminhos do Senhor são rectos, os justos andarão por eles, mas os pecadores tropeçarão neles.

    Oseias convida o povo a «voltar», isto é, a converter-se a Deus, reconhecendo o seu pecado, causa das actuais desgraças. O profeta sugere uma confissão lúcida e sincera das próprias culpas, porque agrada mais a Deus uma vida purificada e unida à oferta de louvor (v. 3) do que os sacrifícios de vítimas. Há que libertar-se de compromissos humanos pecaminosos, e particularmente do recurso aos ídolos. O povo pode sentir-se pobre e desprotegido. Mas é então que Deus assume cuidar dele (v. 4).

    Uma vez convertido o povo, o próprio Deus Se «converte» renunciando à sua justa ira. Mais ainda: o seu amor fiel curará Israel e perdoará as suas infidelidades. O texto detém-se a descrever os efeitos do amor divino com termos e expressões de rara beleza, lembrando o Cântico dos Cânticos. Quem caminha na rectidão compreenderá esse amor e fruirá dos seus benefícios: «Os caminhos do Senhor são rectos, os justos andarão por eles, mas os pecadores tropeçarão neles» (v. 10).

    Evangelho: Marcos 12, 28-34

    Naquele tempo, 28 Aproximou-se dele um escriba que os tinha ouvido discutir e, vendo que Jesus lhes tinha respondido bem, perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» 29 Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; 30 amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. 310 segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» 320 escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; 33 e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» 34 Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.

    o texto evangélico de hoje reflecte uma discussão viva entre as escolas rabínicas do tempo de Jesus. Qual é o primeiro mandamento entre os 248 apresentados pela Lei, acrescidos de 365 proibições? Provavelmente a pergunta não era de todo inocente, mas escondia uma insídia contra o jovem rabi. Mas Jesus soube encontrar uma saída airosa, indo logo ao fundo da questão, ao citar o Deuteronómio: «Escuta, Israel/» (Dt 6, 4s), texto repetido três vezes ao dia nas orações dos piedosos israelitas. A este mandamento, Jesus acrescenta outro, tirado do Levítico: «Amarás o teu próximo como a ti mesmos (Lv 19, 18). A originalidade desta resposta de Jesus está na união destes dois mandamentos. O escriba reconheceu nela uma verdadeira síntese da Lei e do culto. Jesus elogia-o e acrescenta outra novidade: a proximidade do reino de Deus, cuja lei fundamental é o amor.

    Meditatio

    Qualquer que tenha sido a intenção do escriba ao interrogar Jesus sobre qual é o primeiro de todos os mandamentos, devemos estar-lhe gratos. De facto, deu ao Senhor a oportunidade de dar uma resposta que nos interessa, que interessa a todos quantos desejam compreender bem a vontade do Senhor, para a cumprirem fielmente. A resposta de Jesus foi muito simples: o maior dos mandamentos é o amor. Deus é amor, e pede-nos amor: «amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças ... Amarás o teu próximo como a ti mesmo-, Amando como Ele nos ama, amando com o amor com que nos ama, participamos da sua vida. É a vocação de todo o homem. É a sua felicidade: amar o Deus-Amor como único Senhor, sabendo que jamais O amaremos como merece e tem direito, e que, por isso, havemos de progredir no amor, desenvolvendo todas as nossas capacidades de amar. Amar o próximo com Ele e como Ele, por causa d ' Ele, com o amor com que somos amados, é uma verdadeira alegria, é a suprema realização.

    Mas, quantas vezes, amámos outros deuses, adorando as obras das nossas mãos, a nossa realização pessoal, os nossos interesses mesquinhos ... O resultado foi cairmos na escravidão, ver os outros como rivais, perder a nossa liberdade, a nossa alegria, a nossa felicidade. Por isso, rezamos com o profeta: «Perdoa todos os nossos pecados, e acolhe favoravelmente o sacrifício que oferecemos, a homenagem dos nossos lábios»' Que o Senhor nos responda: «Curarei a sua infidelidade, sme-tos-ei de todo o coração-. Amados pelo Senhor, seremos capazes de amar.

    Depois da vinda de Cristo, todo o crente pode repetir estas palavras de João:

    "Nisto consiste o Seu amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele, que nos amou ... Amou-nos por primeiro ... " (1 Jo 4, 19). Porque nos amou, podemos amá-I '0. Porque nos amou, podemos amar a todos os nossos irmãos, sem fazermos acepção de pessoas. De facto, Deus ama-nos a todos. Chamou-nos à vida porque nos amou pessoalmente: "Chamei-te pelo nome ... " (Is 43, 1). É esse o fundamento da dignidade da pessoa humana. Cada um de nós é um pensamento amoroso de Deus, criado à sua imagem e semelhança: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança ... Deus criou o homem à Sua imagem, à imagem de Deus os criou, homem e mulher os aiod'

    (Gn 1, 26-27). Criado à imagem do Deus-Amor, todo o homem merece ser amado com o amor típico de Deus: o amor oblativo!

    Oratio

    Pai santo, obrigado por todos os teus dons maravilhosos, especialmente pelo dom de um coração novo, no teu Filho Jesus. Palpitando em nós o coração de Jesus, teu Filho muito amado, podemos viver o primeiro dos mandamentos e todos os outros. Podemos amar-Te com todo o nosso coração, com toda a nossa inteligência e com todas as nossas forças. E podemos amar o próximo em Ti!

    Obrigado, Pai santo, porque nos amaste por primeiro, nos criaste por amor, nos criaste à tua imagem e semelhança, nos redimiste gratuitamente e nos deste a possibilidade de corresponder ao teu amor infinito, infundindo em nós o Espírito Santo, criando em nós um coração novo, o coração do teu Filho Jesus. Amen.

    Contemplatio

    Santa Catarina de Sena é da família espiritual das Gertrudes e das Margaridas Maria. Tinha apenas seis anos quando Jesus lhe mostrou o seu coração, como fonte de toda a santificação. Ia rezando para a Igreja de S. Domingos. Uma aparição manifestou-se-Ihe na Igreja.

    Viu Jesus mostrando-lhe o seu coração com uma mão e abençoando-a com a outra. À sua direita as duas colunas da Igreja, S. Pedro e S. Paulo; à esquerda, o apóstolo bem-amado, S. João, o discípulo do Sagrado Coração, inclinando a sua cabeça sobre o peito do Mestre. A criança era investida pelo Sagrado Coração com a augusta missão de reconduzir a paz na Igreja perturbada, e de se tornar a Joana d' Arc do papado, missão que ela cumpriu mais tarde no meio de um profundo e universal entusiasmo por ela. Desde então, imitou S. João e viveu em união com o Sagrado Coração.

    Recebeu uma graça mística maior ainda. Um dia em que meditava neste versículo: «Criai em mim um coração novo», viu Nosso Senhor aproximar-se e tocá-Ia no lado onde ela sentiu uma dor indizível, como se lhe tivessem arrancado o seu coração. Depois Nosso Senhor apareceu-lhe de novo tendo na mão um coração luminoso, que lhe pôs no peito dizendo-lhe: «Minha filha, tirei-te o teu coração, dou-te o meu, para que vivas para sempre em mim». A partir daquele dia, teve no lado esquerdo uma cicatriz que reconheceram depois da sua morte, e sentiu no coração um fogo sagrado com um ímpeto de generosidade e de amor por Deus e pela Igreja que espantou o seu século (Leão Dehon, OSP 3, p. 493).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Cria em mim, ó Deus, um coração puro;

    renova e dá firmeza ao meu espírito. (SI 50, 12).

    VIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Março, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    VIII Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Pe 4, 7-13

    Caríssimos, 7o fim de todas as coisas está próximo. Sede, portanto, sensatos e sóbrios para vos poderdes dedicar à oração. 8Acima de tudo, mantende entre vós uma intensa caridade, porque o amor cobre a multidão dos pecados. 9Exercei a hospitalidade uns com os outros, sem queixas. 10Como bons administradores das várias graças de Deus, cada um de vós ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu. 11Se alguém tomar a palavra, que seja para transmitir palavras de Deus; se alguém exerce um ministério, faça-o com a força que Deus lhe concede, para que em todas as coisas Deus seja glorificado por Jesus Cristo. A Ele a glória e o poder por todos os séculos dos séculos. Ámen.

    Dando um salto notável, chegamos à secção conclusiva da Primeira Carta de Pedro. Depois de nos assegurar da graça com que fomos salvos (cf. 5, 12), o Apóstolo pede-nos que permaneçamos em Cristo. A ressurreição de Jesus introduziu-nos na última e definitiva fase da história, e exige de nós uma nova forma de existir cujas características se pode resumir em três palavras: amor, hospitalidade, serviço. O facto de encontrarmos estas mesmas palavras nas Cartas de Paulo, significa que eram temas importantes na pregação, nos primeiros tempos da Igreja. O amor, a hospitalidade e o serviço, por sua vez, devem ser alimentados pela oração. Quanto ao serviço, Pedro menciona concretamente o da transmissão da Palavra de Deus e a defesa do Evangelho, bem como as diversas formas de participação nas responsabilidades comunitárias, tais como o serviço litúrgico e a ajuda aos pobres. A multiforme graça de Deus, o dom peculiar de cada um, não deve redundar em glória própria, mas na glória de Deus que, por Cristo, enriqueceu extraordinariamente a comunidade de Cristo: «A Ele a glória e o poder por todos os séculos dos séculos. Ámen.» (v. 11). Esta doxologia dirigida ao Pai por Cristo, e ao próprio Cristo, é caso único no Novo Testamento.

    Evangelho: Marcos 10, 1-12

    Naquele tempo, 11Jesus, depois de ser aclamado pela multidão, chegou a Jerusalém e entrou no templo. Depois de ter examinado tudo em seu redor, como a hora já ia adiantada, saiu para Betânia com os Doze. 12Na manhã seguinte, ao deixarem Betânia, Jesus sentiu fome. 13Vendo ao longe uma figueira com folhas, foi ver se nela encontraria alguma coisa; mas, ao chegar junto dela, não encontrou senão folhas, pois não era tempo de figos. 14Disse então: «Nunca mais ninguém coma fruto de ti.» E os discípulos ouviram isto. Chegaram a Jerusalém; e, entrando no templo, Jesus começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo; deitou por terra as mesas dos cambistas e os bancos dos vendedores de pombas, 16e não permitia que se transportasse qualquer objecto através do templo. 17E ensinava-os, dizendo: «Não está escrito: A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões.» 18Os sacerdotes e os doutores da Lei ouviram isto e procuravam maneira de o matar, mas temiam-no, pois toda a multidão estava maravilhada com o seu ensinamento. 19Quando se fez tarde, saíram para fora da cidade. 20Ao passarem na manhã seguinte, viram a figueira seca até às raízes. 21Pedro, recordando-se, disse a Jesus: «Olha, Mestre, a figueira que amaldiçoaste secou!» 22Jesus disse-lhes: «Tende fé em Deus. 23Em verdade vos digo, se alguém disser a este monte: 'Tira-te daí e lança-te ao mar', e não vacilar em seu coração, mas acreditar que o que diz se vai realizar, assim acontecerá. 24Por isso, vos digo: tudo quanto pedirdes na oração crede que já o recebestes e haveis de obtê-lo.Quando vos levantais para orar, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai-lhe primeiro, 25para que o vosso Pai que está no céu vos perdoe também as vossas ofensas. 26Porque, se não perdoardes, também o vosso Pai que está no Céu não perdoará as vossas ofensas.»

    Depois de uma longa viagem, durante a qual anunciou o Reino e realizou prodígios, que manifestavam a sua presença, Jesus chega a Jerusalém. Entra no templo, examina a situação, e retira-se para Betânia, onde pernoita.
    No dia seguinte dá-se o episódio da maldição da figueira, um evento que tem dado aso a muitas discussões e hipóteses entre os exegetas. Não vamos entrar nelas. Mas, encorajados pela liturgia que nos faz ler hoje três episódios do ministério de Jesus em Jerusalém, - a madição da figueira (vv. 12-14), a expulsão dos profanadores do tempo (vv. 15-19), a exortação à fé (vv. 22-25), - vamos procurar descobrir a ligação que há entre eles. Jesus tem fome, procura figos na figueira e não os encontra. Marcos informa que «não era tempo de figos» (v. 14). Este evento inquadra-se no contexto da revelação que Jesus está a completar. O tempo da fé é salvífico, e não cronológico. Jesus revela que o Pai, n´Ele, tem fome e tem sede, não de alimento ou de bebida, mas de amor, de justiça, de rectidão; tem fome e sede de respeito pela sua morada, e não da profanação do templo santo, que somos cada um de nós. Para saciar esta fome e esta sede, todo o tempo e todo o lugar são bons. Israel perdera a sua fecundidade religiosa porque, explorando o povo simples no próprio templo de Deus, não amava a humanidade e não podia, por conseguinte, correr o risco da maravilhosa aventura da oração e da fé.

    Meditatio

    Pedro exorta-nos a viver segundo o dom que recebemos, actuando como bons administradores da graça de Deus (cf. v. 10).
    A fé revela-nos a imensa riqueza de graças que recebemos. A vida, as qualidades físicas, morais e espirituais, são enormes dons divinos. Somos dom de Deus, um dom generoso, um dom gratuito. E é fazendo-nos dom, a Deus e aos outros, que crescemos e nos realizamos. Os dons de Deus são para o serviço da comunidade, de cada um dos irmãos que a compõem. Quanto mais formos dom para os outros, mais receberemos do amor divino.
    Pedro dá dois exemplos: a Palavra e o serviço. «Se alguém tomar a palavra, que seja para transmitir palavras de Deus; se alguém exerce um ministério, faça-o com a força que Deus lhe concede» (v. 11). Não se fale por falar, mas para transmitir as palavras de Deus. O serviço aos irmãos faz-se com a força que vem de Deus. A verdadeira caridade, aquela que cobre a multidão dos pecados (v. 8), não tem origem em nós, mas em Deus. Amamos com o amor que recebemos de Deus, com o amor com que fomos amados. Por isso, a Palavra e o serviço hão-de ser para glória de Deus: «para que em todas as coisas Deus seja glorificado por Jesus Cristo» (v. 11). Mas só os humildes, os agradecidos, os generosos podem viver tão belo ideal.
    O evangelho apresenta-nos importantes lições de Jesus, na sua última ida a Jerusalém: a figueira estéril, símbolo da incredulidade judaica, oferece-lhe o ensejo de insistir numa fé intensa; a Casa de Deus serve para a oração e não para comércio; Deus só perdoa a quem perdoar ao seu próximo. Fechar-nos no nosso orgulho e ambições é, como aconteceu a Israel, lançar-nos a um caminho que leva à esterilidade e à seca. Fazer dos nossos templos, dos nossos santuários, lugares de oração, mas também de comércio e exploração, não é amar e servir como Deus quer, acima de qualquer holocausto e sacrifício. Para que a nossa oração alcance os resultados surpreendentes da fé, é necessário que, antes, se perdoe aos inimigos.
    Como todos os cristãos, nós, os dehonianos, queremos viver para a glória de Deus, acolhendo o Espírito, e agindo sob o influxo dos Seus dons, pondo o carisma recebido ao serviço dos irmãos. Assim, permitimos ao mesmo Espírito produzir em nós os seus frutos, principalmente o da caridade, o do amor oblativo (cf. Gl 5, 22). Paulo define os sinais da caridade, do amor oblativo: a alegria, a paz: ser criaturas de alegria e de paz; as manifestações: a paciência, a bondade, a benevolência. Mas também lhe indica as condições: ser fiéis a Cristo, imitar a mansidão e a humildade do Seu Coração e deixar-se guiar, não pelo nosso egoísmo, mas pelo Espírito de Deus.
    Somos louvor da glória de Deus quando vivemos as bem-aventuranças, quando a liturgia do rito (eucaristia) se torna, para nós, liturgia da vida, da história e a nossa existência, como afirma o Pe. Dehon, é "uma missa permanente" (C. A., III, 199) (Cst 5).

    Oratio

    Senhor, parece-me que não tenho alternativa: ou sou templo de oração, ou me torno espelunca de ladrões. Se não uso os talentos que me deste, se não os ponho ao serviço dos irmãos, sendo acolhedor, compreensivo, misericordioso, corro o risco de os desperdiçar, ainda que seja a satisfazer as necessidades cultuais dos teus fiéis. Se não trabalho para que em tudo seja o Pai glorificado, corro o risco de buscar a minha própria glorificação. Vivendo Contigo, não posso escolher entre Ti e a humanidade, mas viver com ambos. Só alcançarei o meu próprio bem na medida em que me ocupar das coisas do Pai Contigo, na medida em que caminhar pelos teus caminhos.
    Ensina-me a falar comigo mesmo e com os outros da Palavra que nos deste e a realizar o serviço que me confias. E que, em tudo, sejas glorificado. Amen.

    Contemplatio

    Se a união não for assim tão estreita, é a indolência; se a separação for consumada, é a morte; assim o ramo separado do cepo seca e já não serve senão para o fogo (Jo 15, 4).
    Que exemplos assustadores nos ensinamentos de Jesus: a árvore que não dá frutos, cortada e lançada ao fogo; a figueira estéril; a figueira seca; a nação infiel; os servos que não fazem frutificar a mina ou o talento!
    Mas também que promessas encorajadoras para os que são generosos!
    Com a graça de Jesus somos todo-poderosos: Omnia possum in eo qui me confortat (Fil 4,13).
    Deus opera em nós o poder e o querer, se o deixarmos fazer; solicita e sustém cada um dos nossos actos, sobrenaturais, interiores ou exteriores (Fil 2, 13).
    A graça não cessa de bater à nossa porta (Jo 5, 40). Se a aceitarmos, torna-se em nós uma fonte que brota para a vida eterna. As ondas de graça do Coração de Jesus vêm aos nossos corações, se os soubermos abrir.
    A graça une-nos sempre mais a Deus na luz, isto é, na verdade, no amor e na santidade (Jo 1, 6). Transforma gradualmente as nossas almas até à semelhança divina (2Cor 3, 18).
    «É pela graça de Deus que sou o que sou, diz S. Paulo, e a sua graça não foi estéril em mim» (1Cor 15, 10) (Leão Dehon, OSP4, p. 183s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Em todas as coisas Deus seja glorificado por Jesus Cristo» (1 Pe 4, 11).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • Sábado - 3ª Semana da Quaresma

    Sábado - 3ª Semana da Quaresma

    9 de Março, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Oseias 6, 1-6

    1 «Vinde, voltemos para o Senhor; Ele feriu-nos, Ele nos curará; Ele fez a ferida, Ele dará o penso. 2 Der-nos-e de novo a vida em dois dias, ao terceiro dia nos levantará, e viveremos na sua presença. 3 Conheçamos, esforcemo-nos por conhecer o Senhor; iminente, como a aurora, está a sua vinda; Ele virá para nós como a chuva, como a chuva da Primavera que irriga a terra.» 4Que posso fazer por ti, ó Efraim? Que posso fazer por ti, ó Judá? O vosso amor é como a nuvem da manhã, como o orvalho matutino que logo se dissipa. 5 Por isso os castiguei duramente pelos profetas, e os matei pelas palavras da minha boca, e o meu julgamento resplandece como a luz

    6 Porque Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios, o conhecimento de Deus mais que os holocaustos.

    São muitas as desgraças que afectam o povo de Deus. Israel e Judá estão em guerra. A aliança com a Assíria levou à perda das regiões setentrionais de Israel, no ano 732 a. C. No contexto de um acto litúrgico penitencial, o profeta avisa o povo: tudo isto se deve ao afastamento de Deus, a um culto meramente formal e vazio de amor. E clama: há que estar alerta, há que converter-se, pois já se divisa no horizonte o dia do castigo messiânico (Os 5, 9).

    Com uma imagem frequente na Sagrada Escritura, o povo reconhece estar doente (Os 5, 13) e invoca a Deus como único médico capaz de curar a ferida que Ele mesmo provocou em vista da correcção (v. 1). Deus é o Senhor da história. Sabe que o arrependimento do povo é interessado (v. 3) e efémero (v. 4). Mas não se cansa de chamar à conversão. A sua palavra é uma espada que fere para curar. Pede amor e não holocaustos (v. 6), confiança e não simples actos de culto, ainda por cima praticados com hipocrisia.

    Evangelho: Lucas 18, 9-14

    Naquele tempo, Jesus9Disse também a seguinte parábola, a respeito de alguns que confiavam muito em si mesmos, tendo-se por justos e desprezando os demais: 10 «Dois homens subiram ao templo para orar: um era fariseu e o outro, cobrador de impostos. 110 fariseu, de pé, fazia interiormente esta oração: 'á Deus, dou-te graças por não ser como o resto dos homens, que são ladrões, injustos, adúlteros; nem como este cobrador de impostos. 12 Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo quanto possuo.' 130 cobrador de impostos, mantendo-se à distância, nem sequer ousava levantar os olhos ao céu; mas batia no peito, dizendo: 'á Deus, tem piedade de mim, que sou pecador.' 14Digo-vos: Este voltou justificado para sua casa, e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado. »

    No contexto da subida a Jerusalém, Jesus vai apresentando as exigências para a entrada no Reino. A página que hoje escutamos apresenta-nos duas personagens em oração. O seu modo de rezar revela o seu modo de viver e de se relacionar com Deus e com os outros. O fariseu realça os seus méritos e julga-se credor diante de Deus. No fundo, não precisa d ' Ele, ainda que formalmente lhe agradeça tê-lo feito tão perfeito. Mais ainda: a sua justiça leva-o a julgar impiedosamente os outros. O excesso de auto­estima e de autoconfiança levam-no a desprezar os outros (v. 11). O publicano, pelo contrário, consciente dos seus pecados, tudo espera da misericórdia de Deus. Vergado pelos seus pecados, está lançado para o céu. Batendo com a mão no peito, bate à porta do Reino, que lhe é aberta.

    Meditatio

    A parábola que o evangelho hoje nos apresenta é um verdadeiro dom de Deus, particularmente no tempo da Quaresma que estamos a viver. Com efeito, pode assaltar-nos a tentação de pensarmos que, com as práticas penitenciais que nos propusemos, e vamos praticando, somos melhores que os outros. Ceder a esta tentação, seria arruinar todo o bem que, com a graça do Senhor (é bom sempre lembrá-lo!), temos praticado.

    «Quero a misericórdia e não os sacrifícios, o conhecimento de Deus mais que os holocaustos», diz-nos o Senhor pela boca de Oseias. Conhecer a Deus, e conhecermos a nós mesmos em Deus, é o caminho da sabedoria e da vida. Foi o caminho que os santos de todos os tempos percorreram: «Que Te conheça, que eu me conheça», pedia Santo Agostinho. Quem somos nós, sem Deus? Somos certamente pecadores, cheios de orgulho e cheios de desprezo pelos outros; somos prisioneiros do nosso egoísmo e do nosso pecado. Quem somos nós com Deus? Somos ainda pecadores, mas pecadores que sabem que a experiência de pecado pode tornar-se o lugar em que Deus, o Misericordioso, nos revela o seu rosto.

    Um excelente exercício para a nossa Quaresma consistirá em unir-nos à misericórdia de Deus, revelada em Jesus Cristo, que aceitou ser contado entre os pecadores, que carregou sobre Si as culpas de todos, e aceitou morrer para nossa salvação. Por isso, não só não se separou dos pecadores, mas aceitou conviver com eles, para a todos revelar o amor misericordioso do Pai. Cada cristão há-de continuar a ser sinal desse amor misericordioso junto dos irmãos, particularmente daqueles que nos parecem maiores pecadores. Tudo o mais que fizermos, jejuns, orações, esmolas, ou outras penitências, deve ser oferecido pelos nossos próprios pecados. Se nos julgamos mais perto de Deus, devemos prová-lo a nós mesmos com uma proximidade maior junto dos outros, uma proximidade permeada de misericórdia e de amor fraterno, de amor oblativo.

    Jesus aproxima-Se das pessoas com muita compreensão, com doçura e humildade. Ama as pessoas, como nos demonstra também na parábola do pai bom e do filho pródigo. As palavras do pai não são um sermão, não avançam queixas e muito menos acusações. Não é um debate e, muito menos, uma polémica. À humilde confissão do filho: "Pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho" (Lc 15, 21), o pai responde beijando-o e abraçando-o; apenas fala com o seu amor: "Depressa, trazei o vestido mais belo e vesti-lho, ponde-lhe o anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo, matai-o, comamo-lo e façamos festa ... " (Lc 15, 22-23).

    É este o modo como também havemos de actuar com os nossos irmãos, mesmo com aqueles de quem tenhamos alguma queixa.

    Oratio

    Senhor, ajuda-me a libertar-me das máscaras com que tento esconder a pobreza do meu ser, a mesquinhez do meu coração, a dureza dos meus preconceitos. Sinto-me realmente doente, carecido de salvação. Sinto-me, também eu, fariseu. Mas não consigo esconder-Te a minha verdade: tu sabes que o meu coração não é puro, que a minha vida não é santa, que, muitas vezes, julgo, desprezo e condeno os outros, tentando justificar-me com obras que são só aparência. A tua graça faz-me, hoje, tomar consciência de tudo isso, e faz-me experimentar um enorme vazio dentro de mim. Como o publicano da parábola, dobro-me a teus pés e digo: «tem piedade de mim, que sou pecador». Sei que, também a mim, queres dar a graça de reconhecer a minha humildade, e de experimentar a tua misericórdia imensamente maior que os meus preconceitos e os meus pecados. Por isso, Te digo: Senhor, se quiseres, podes curar-me. Amen.

    Contemplatio

    Mesererel... Não sentimos a necessidade de implorar a misericórdia divina, quando pensamos nas nossas faltas e em toda a indiferença e ingratidão que mostrámos ... para com o Sagrado Coração de Jesus?

    Se a nossa vida foi daquelas que se dizem piedosas, acautelemo-nos para não nos envaidecermos como o Fariseu, imitemos antes a humildade do Publicano, porque, se fizemos pouco mal, acaso fizemos todo o bem que Nosso Senhor esperava de nós?

    Não temos de tremer ao examinarmos a proporção entre as graças recebidas e o pouco fruto que delas tirámos?

    O livro da Imitação pede-nos a extirpação de um defeito por ano, chegámos aí? Pensemos também na tibieza de tantas almas que provocam os vómitos de Nosso Senhor; pensemos nos pecados que mais ferem o seu Coração, os do povo escolhido, os dos culpados que escandalizam as crianças. O nosso acto de desagravo hoje deve ser incessante por todos estes pecados ... (Leão Dehon, OSP 4, p.603).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Tem piedade de mim, que sou pecador» (Lc 18, 13).

    VIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    9 de Março, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    VIII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Judas 17.20-25

    Caríssimos, 17quanto a vós, caríssimos, lembrai-vos das coisas preditas pelos Apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo, 20Edificando-vos uns aos outros sobre o fundamento da vossa santíssima fé e orando ao Espírito Santo, 21mantende-vos no amor de Deus, esperando que a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vos conceda a vida eterna. 22Tratai com misericórdia aqueles que vacilam; 23a uns, procurai salvá-los, arrancando-os do fogo; a outros, tratai-os com misericórdia, mas com cautela, detestando até a túnica contaminada pelo seu corpo. 24Àquele que é poderoso para vos livrar das quedas e vos apresentar diante da sua glória, imaculados e cheios de alegria, 25ao Deus único, nosso Salvador, por meio de Jesus Cristo, Senhor nosso, seja dada a glória, a majestade, a soberania e o poder, antes de todos os tempos, agora e por todos os séculos. Ámen.

    O autor deste escrito, de que hoje meditamos a conclusão, apresenta-se como Judas «servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago» (v. 1). Deseja paz aos eleitos que vivem no amor de Deus Pai e foram preservados por Jesus Cristo (vv. 1s.). Judas está preocupado em salvaguardar a integridade e a beleza da fé (v. 3) e recorda àqueles a quem se dirige, provavelmente cristãos provenientes do paganismo, «as coisas preditas pelos Apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 17), incita-os a edificar-se uns aos sobre sobre o fundamento da fé (cf. v. 20) e a manter-se no amor de Deus (cf. v.21). Judas tem presente os perigos do gnosticismo. Havia que apoiar os vacilantes e ser misericordiosos e firmes com os que corriam o risco de se deixar envolver pelos seus erros.
    O autor termina com uma solene doxologia, certamente de matriz litúrgica, para louvar a Deus, único salvador, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. E conclui afirmando que só Deus tem poder para preservar das quedas e fazer comparecer na sua presença sem defeitos e cheios de alegria.

    Evangelho: Marcos 11, 27-33

    Naquele tempo, 27Jesus e os discípulos regressaram a Jerusalém e, andando Jesus pelo templo, os sumos sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos aproximaram-se dele 28e perguntaram-lhe: «Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te deu autoridade para as fazeres?» 29Jesus respondeu: «Também Eu vos farei uma pergunta; respondei-me e dir-vos-ei, então, com que autoridade faço estas coisas: 30O baptismo de João era do Céu, ou dos homens? Respondei-me.» 31Começaram a discorrer entre si, dizendo: «Se dissermos 'do Céu', dirá: 'Então porque não acreditastes nele?' 32Se, porém, dissermos 'dos homens', tememos a multidão.» Porque todos consideravam João um verdadeiro profeta. 33Por fim, responderam a Jesus: «Não sabemos.»E Jesus disse-lhes: «Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas.»

    A atitude «subversiva» de Jesus no templo inquietou os chefes, que resolveram interrogá-lo. Dir-se-ia que se trata de um inquérito à margem do processo oficial. A resposta positiva de Jesus, à pergunta que lhe faziam, equivalia a declarar-se Messias, pois só Messias tem autoridade para tomar tais atitudes. E nada mais seria preciso para um processo oficial contra Ele. Com grande habilidade, Jesus responde com outra pergunta, que lança a confusão entre os seus adversários. Como não tiveram coragem para responder, e se escudaram num lacónico «não sabemos», Jesus despediu-os com uma expressão seca: «Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas» (v. 33).
    Talvez nos espante esta atitude de Jesus, tão atencioso e compassivo com Bartimeu. Mas o Senhor detesta a arrogância e a má vontade. É puro, mas não ingénuo. Além disso, a sua dureza podia levar os adversários a rever posições ou, pelo menos, a reconhecer que não procuravam a verdade, mas só desembaraçar-se dele.
    Jesus dá-nos exemplo de «ética profética». A sua autoridade está na linha da de João Baptista. Se os adversários de Jesus reconhecessem a autoridade de João, a sua resistência a Jesus seria menos grave. Mas não o fizeram. Acabaram por recusar Jesus, mas também por atraiçoar o Baptista, ignorando a confiança que o povo tinha nele, pois o considerava um verdadeiro profeta.

    Meditatio

    A Carta de Judas apresenta-nos uma preciosa exortação sobre dois pólos da vida recta: a santidade de vida e a solicitude pelas pessoas cuja fé corre perigo. A santidade cresce na relação com as Pessoas divinas cultivada na oração, na docilidade ao Espírito Santo, no amor a Deus Pai e na esperança na misericórdia de Jesus: «Edificando-vos uns aos outros sobre o fundamento da vossa santíssima fé e orando ao Espírito Santo, mantende-vos no amor de Deus, esperando que a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vos conceda a vida eterna» (vv. 20-21). Quanto à solicitude com os que correm perigo de vacilar na fé, há que ser misericordioso, mas também firme, sem descer a compromissos: «Tratai com misericórdia aqueles que vacilam; a uns, procurai salvá-los, arrancando-os do fogo; a outros, tratai-os com misericórdia, mas com cautela» (vv. 22-23).
    Judas apresenta, pois, um verdadeiro programa de vida, assente na rocha viva que é Jesus Cristo. Há que construir tudo sobre a fé, com simplicidade, correspondendo à graça de Deus, sem nos fiarmos no que é simplesmente humano, nem sequer em nós mesmos. O importante é praticar «a verdade na caridade» (Ef 4, 15).
    Os sumos-sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos de que nos fala o evangelho não agiam nem falavam com rectidão. É por isso que Jesus não responde à pergunta que Lhe fazem, mas, por sua vez, também os interroga acerca de João Baptista. A pergunta de Jesus visa fazê-los pensar e... converter-se. Mas, em vez de se deixarem tocar pela graça, entram em cálculos humanos: «Começaram a discorrer entre si, dizendo: «Se dissermos 'do Céu', dirá: 'Então porque não acreditastes nele?' Se, porém, dissermos 'dos homens', tememos a multidão» (vv. 31-32). Não lhes convinha dizer que o baptismo de João vinha «do céu»; mas também temeram dizer que vinha «dos homens». Escudaram-se no: «Não sabemos.». E assim se fecharam à fé.
    Também nós corremos o risco de dar respostas semelhantes quando resistimos às inspirações do Espírito Santo, ou deslizamos para soluções mais cómodas, menos empenhativas. Nos nossos exames de consciência havemos de nos interrogar: «Estes pensamentos, estes projectos, estas opções são motivadas pela minha fé, ou por outras razões mais ou menos conscientes?» Quais motivações me fazem falar, agir, caminhar? Certamente reconheceremos, com humildade e confiança, diante de Deus, que, nem sempre é por Ele que falamos, agi
    mos, optamos. Mas, reconhecê-lo, pedir perdão, e procurar emenda, é salvaguardar a nossa fé.

    Oratio

    Senhor, Jesus Cristo, não olhes para os nossos pecados, mas para a fé da tua Igreja. Dá-nos a graça de construirmos o nosso edifício espiritual sobre os fundamentos da fé e dos apóstolos. Perdoa as nossas hesitações e medos. Põe nos nossos caminhos pessoas compassivas, mas exigentes, que nos ajudem e superar as nossas misérias, mas não sejam coniventes com os nossos erros. Por vezes refilamos com as intervenções daqueles que, na tua Igreja, tem o serviço de vigiar pela integridade da fé e pela sã moral. A recordação de erros, ou de situações menos lineares e claras do passado, dão-nos ânimo para presumir respostas e rejeitar as intervenções e orientações dos nossos pastores.
    Dá-nos o teu Espírito Santo, Espírito de Conselho, para sabermos discernir as situações e ver quando é oportuno fazer-nos voz daqueles que não têm voz e quando, pelo contrário, as nossas recriminações são apenas fruto da nossa impiedade, e da dureza do nosso coração.
    Que sempre e em toda a parte, sejamos missionários misericordiosos da tua Verdade. Amen.

    Contemplatio

    S. Judas Tadeu era familiar de Nosso Senhor, um daqueles que chamavam seus irmãos, que o seguiam e o procuravam sempre. Era irmão de S. Tiago Menor, de S. Simão, bispo de Jerusalém, e de S. José, o justo, que foi proposto com S. Matias para substituir Judas, eram os filhos de Cléofas e de Maria, irmã da santa Virgem. Recebeu de sua mãe o amor de Jesus e de Maria e o espírito de reparação. Era do número dos discípulos mais amados de Jesus. Quando Jesus disse aos seus apóstolos: «Quem me ama e guarda os meus mandamentos será amado de meu Pai; eu o amarei também e me revelarei a ele», é S. Judas que toma a palavra e faz repetir a Nosso Senhor esta doce promessa! «Senhor, diz, de onde vem que vos revelareis a nós e não ao mundo?» Jesus respondeu-lhe: «É porque vós me amais e guardais a minha palavra, o meu Pai vos amará, e nós viremos a vós e faremos em vós a nossa morada» (Jo 14, 21). Ó bem-aventurado apóstolo, como invejo a vossa sorte! Mas não posso eu, se quiser, fazer-me amar também de Deus e de Nosso Senhor observando os mandamentos?
    S. Judas, na sua epístola, ensina o amor de Deus e do próximo: «Meus bem-amados, diz, tinha pressa em escrever-vos. Desejo-vos a misericórdia, a paz e a caridade divina... Mantende-vos fortemente agarrados a Jesus Cristo, e erguendo-vos a vós mesmos como um edifício espiritual sobre o fundamento da vossa santa fé, rezai por meio do Espírito Santo e conservai-vos no amor de Deus, aguardando a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo para obterdes a vida eterna» (Leão Dehon, OSP4, p. 401s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Mantende-vos no amor de Deus;
    tratai com misericórdia os que vacilam» (Jd vv. 21.22).

    | Fernando Fonseca, scj |

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