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Eventos Junho 2024

  • 9.º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    9.º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    2 de Junho, 2024

    Ano B

    9.º Domingo do Tempo Comum

     

    Tema do 9.º Domingo Comum

    A liturgia do 9.º Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir sobre a celebração do Dia do Senhor, sábado para os judeus, domingo para os cristãos, fazendo memória da ação criadora e redentora de Deus para com o seu Povo.

    A primeira leitura recorda-nos o preceito do terceiro mandamento, de guardar o sábado para o santificar, sugerindo que seja um dia que exprime a unidade do Povo que celebra a ação libertadora de Deus, sem qualquer tipo de desigualdades.

    O Evangelho, retomando a mesma temática, mostra que, quando se faz uma interpretação demasiado rigorista dos preceitos da Lei, esta deixa de cumprir a sua missão de estar ao serviço do homem de cada tempo. Jesus convida-nos, por isso, a posicionar-nos a favor dos necessitados, tendo em conta que o Dia do Senhor foi feito para o homem, não para fazer do homem um escravo. É um convite a vivermos não do preceito, mas da Lei que assumimos no nosso coração.

    A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de ardor apostólico de São Paulo, para quem ser evangelizador equivale a ser prolongamento da vida de Cristo que deve ser visível naqueles que a anunciam. Apesar das fragilidades humanas, a mensagem evangélica não fica comprometida, porque é um tesouro precioso, sinal de que a obra evangelizadora é obra do poder de Deus.

     

    LEITURA I – Deuteronómio 5,12-15

    Eis o que diz o Senhor:
    «Guarda o dia de sábado, para o santificares,
    como te mandou o Senhor, teu Deus.
    Trabalharás durante seis dias
    e neles farás todas as tuas obras.
    O sétimo, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus.
    Não farás nele qualquer trabalho,
    nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha,
    nem o teu escravo, nem a tua escrava,
    nem o teu boi, nem o teu jumento,
    nem nenhum dos teus animais,
    nem o estrangeiro que mora contigo.
    Assim, o teu escravo e a tua escrava
    poderão descansar como tu.
    Recorda-te que foste escravo na terra do Egipto
    e que o Senhor, teu Deus, te fez sair de lá
    com mão forte e braço estendido.
    Por isso, o Senhor, teu Deus,
    te mandou guardar o dia de sábado».

     

    CONTEXTO

    O livro do Deuteronómio, mesmo que de redação posterior ao tempo da narração (que seria o tempo do caminho pelo deserto, sob a guia de Moisés) e com notórias influências de textos extra-bíblicos de culturas vizinhas do Povo de Israel (nomeadamente dos tratados de vassalagem neo-assírios), é importante para as reformas de Ezequias (725-697 a.C.; cf. 2Rs 18,4.22) e sobretudo de Josias (640-609 a.C.; cf. 2Rs 23,4-20), uma vez que as centra no evento fundador de Israel como Povo, com a celebração da Aliança no Sinai-Horeb. Os elementos fundamentais que dão corpo às reformas são: o monoteísmo (um só Deus), a centralidade do curso num só lugar (Jerusalém), a Aliança de Deus-Javé [YHWH] com o povo, que faz do Povo propriedade de Deus-Javé e, portanto, a unidade do povo, demostrando a insensatez da constituição de dois reinos no período pós-salomónico e afirmando o ideal de regressar à unidade política das 12 tribos de Israel.

    O livro do Deuteronómio é tradicionalmente dividido em três grandes secções, que corresponderiam a três grandes discursos de Moisés. O nosso texto situa-se no início do segundo discurso (cf. Dt 4,44 – 26,19), depois de uma breve introdução histórica que o situa no contexto da teofania do Sinai-Horeb (Dt 4,44 – 5,5), correspondendo à parte da versão deuteronómica do decálogo (Dt 5,6-21). Quanto à sua forma literária, sendo parte do decálogo (dez mandamentos), é um texto de carácter legislativo, sem perder, porém, a sua componente didática, como se vê pelo início do discurso de Moisés.

     

    MENSAGEM

    Não é difícil perceber qual a temática que está em foco no texto de Dt 5,12-15: trata-se do mandamento referente ao sábado, como se percebe até pela repetição desta palavra por três vezes. Praticamente é a enunciação do mandamento, uma explicação didática de como deve ser praticado e uma fundamentação teológica para essa mesma prática.

    Quanto à enunciação, há que notar que, a par do mandamento de honrar pai e mãe (cf. Dt 5,16), este é o único que não exprime uma proibição, mas uma ordem positiva: «Guarda o dia de sábado, para o santificares» (v. 12). Este enunciado positivo desdobra-se depois em duas explicações, uma positiva (v.13-14a) e outra em chave de proibição (v.14b): a positiva basicamente estabelece que o trabalho seja limitado aos primeiros seis dias da semana, de modo a reservar o sábado para o Senhor-Javé, mostrando que o «sábado» é um dia que lhe pertence; já a explicação em chave de proibição centra-se na celebração do sábado, que exclui qualquer possibilidade de trabalho. Esta explicação negativa, porém, transporta consigo um ideal de justiça para a sociedade, que se baseia na solidariedade, uma vez que é uma espécie de crítica direta a um sistema social baseado numa lógica de mercado, uma vez que todos, também os escravos e os estrangeiros, são chamados a guardar o dia de sábado, com igualdade de direitos em relação às classes médias-altas que teriam a possibilidade de guardar o sábado, valendo-se precisamente dos serviços de escravos e estrangeiros.

    A terceira parte do texto, o fundamento teológico, é típica do Deuteronómio, uma vez que, ao contrário do decálogo do livro do Êxodo, que fundamenta o sábado com o repouso de Deus na obra da criação (cf. Ex 20,8-11), o Deuteronómio relaciona a obrigação do repouso sabático com o evento de libertação do Egito (Dt 5,15); de facto, este último livro do Pentateuco insiste fortemente sobre a importância da memória da escravatura de Israel no Egito e sobre a libertação que lhe pôs termo (cf. Dt 4,23; 7,19; 11,2; 26,8).

    Uma releitura do texto do decálogo na versão do Deuteronómio (5,6-21) permite notar que o mandamento referente ao sábado é central a vários títulos, no contexto do mesmo decálogo e, portanto, de importância cabal para a identidade hebraica: numa divisão tripartida do decálogo deuteronómico (vv. 6-11; vv. 12-15; vv. 16-21), o sábado ocupa a posição central; além disso, no contexto do decálogo, menciona-se o evento libertador do Egito por duas vezes, a primeira no título que encabeça todo o decálogo (Dt 5,6) e a segunda no mandamento do sábado (Dt 5,15). Centrado assim na experiência libertadora do Êxodo, que é constitutiva para Israel, este mandamento funciona como um símbolo dos deveres para com o Senhor-Javé, Deus libertador (Dt 5,6.15) e para com o próximo, que também fez a experiência da libertação (Dt 5,14.21).

     

    INTERPELAÇÕES

    • Uma compreensão anárquica da realidade poderia relativizar os preceitos do Decálogo do Deuteronómio e, mais concretamente, de «guardar o dia de sábado para o santificar». Há que ter em conta que a Lei é sobretudo instrução paternal de Deus, uma oferta para o seu Povo, para regular as relações em sociedade. O texto da primeira leitura convida-nos a regressar aos fundamentos da celebração do Dia do Senhor. Que valor assume na minha vida cristã o verbo «santificar»? O Dia do Senhor é verdadeiramente um dia santificado para mim?
    • Destacámos para o sábado, e podemos fazê-lo também para o domingo cristão, as duas fundamentações teológicas expressas no livro do Êxodo e do Deuteronómio, respetivamente, fazendo memória do repouso do Senhor, depois da obra da criação, e da sua obra de libertação da escravidão do Egito. A celebração do Dia do Senhor com fundamento nestes acontecimentos salvíficos é memorial da libertação do Pecado na Páscoa de Cristo, que atualiza a obra libertadora de Deus da escravidão do Egito. De que modo este fundamento histórico e teológico pode enriquecer a minha vivência cristã do Dia do Senhor?
    • Notámos que a celebração do Dia do Senhor – sábado para os judeus e domingo para os cristãos – tem uma grande dimensão social, sendo dia de descanso para todos, garantindo esse direito sobretudo aos pobres que se veem assim protegidos pela Lei divina. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica: «O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus “descansou” no sétimo dia, o homem deve também “descansar” e deixar que os outros, sobretudo os pobres, “tomem fôlego”. O sábado faz cessar os trabalhos quotidianos e concede uma folga. É um dia de protesto contra as servidões do trabalho e o culto do dinheiro» (n. 2172). Que relação existe entre a minha vivência do domingo e a ação social cristã que a minha comunidade desenvolve?
    • O texto do Deuteronómio socorre-se de uma tradição antiga, que está na origem de Israel como Povo, para redefinir a própria identidade em tempo de crise, concretamente no tempo do exílio e pós-exílio. A celebração do Dia do Senhor pode ser um bom recurso para recuperar a identidade cristã. De facto, se no passado irmãos nossos deram a vida para defender o domingo («Não podemos passar sem o domingo», diziam diante do cônsul que os condenaria à morte, como quem diz, «sem nos reunirmos em assembleia ao domingo para celebrar a Eucaristia não podemos viver»). Como ensinou Bento XVI, a experiência dos mártires de Abitene pode ser paradigmática para nós cristãos do séc. XXI: «Precisamos do pão da vida para enfrentar as fadigas e o cansaço da viagem. O Domingo, Dia do Senhor, é a ocasião propícia para haurir a força d’Ele, que é o Senhor da vida. Por conseguinte, o preceito festivo não é um dever imposto pelo exterior, um peso sobre os nossos ombros. Ao contrário, participar na Celebração dominical, alimentar-se do Pão eucarístico e experimentar a comunhão dos irmãos e irmãs em Cristo é uma necessidade para o cristão, é uma alegria, e assim pode encontrar a energia necessária para o caminho que devemos percorrer todas as semanas. Um caminho, aliás, não arbitrário: a via que Deus nos indica na sua Palavra vai na direção inscrita na própria essência do homem, a Palavra de Deus e a razão caminham juntas. Seguir a Palavra de Deus e caminhar com Cristo significa para o homem realizar-se a si mesmo; perdê-la equivale a perder-se a si próprio». Nós, os cristãos de hoje, sentimos ainda esta necessidade do domingo, Dia do Senhor?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 80 (81)

    Refrão 1: Exultai em Deus, que é o nosso auxílio.

    Refrão 2: Aclamai a Deus, nossa força.

    Aclamai a Deus, nossa força,
    aplaudi ao Deus de Jacob.
    Fazei ressoar a trombeta na lua nova
    e na lua cheia, dia da nossa festa.

    É uma obrigação para Israel,
    é um preceito do Deus de Jacob,
    lei que Ele impôs a José,
    quando saiu da terra do Egipto.

    Ouço uma língua desconhecida:
    «Aliviei os teus ombros do fardo
    e soltei as tuas mãos dos cestos;
    gritaste na angústia e Eu te libertei.

    Não terás contigo um deus alheio,
    nem adorarás divindades estranhas.
    Eu, o Senhor, sou o teu Deus,
    que te fiz sair da terra do Egipto».

     

    LEITURA II – 2 Coríntios 4,6-11

    Irmãos:
    Deus, que disse: «Das trevas brilhará a luz»
    fez brilhar a luz em nossos corações,
    para que se conheça em todo o seu esplendor
    a glória de Deus, que se reflete no rosto de Cristo.
    Nós trazemos em vasos de barro o tesouro do nosso ministério,
    para que se reconheça que um poder tão sublime
    vem de Deus e não de nós.
    Em tudo somos oprimidos, mas não esmagados;
    andamos perplexos, mas não desesperados;
    perseguidos, mas não abandonados;
    abatidos, mas não aniquilados.
    Levamos sempre e em toda a parte no nosso corpo
    os sofrimentos da morte de Jesus,
    a fim de que se manifeste também no nosso corpo
    a vida de Jesus.
    Porque, estando ainda vivos,
    somos constantemente entregues à morte por causa de Jesus,
    para que se manifeste também na nossa carne mortal
    a vida de Jesus.

     

    CONTEXTO

    A relação de Paulo com as comunidades cristãs por ele fundadas ou pelo menos solidificadas é semelhante à de um pai que se ocupa da educação dos filhos: ao verificar comportamentos pouco condizentes com a fé cristã, Paulo intervém indicando o caminho a seguir. Esta atitude não será certamente estranha a quem conhece a Primeira Carta aos Coríntios, em que o apóstolo das gentes identifica vários comportamentos reprováveis e mostra o caminho a seguir, tendo normalmente por base um fundamento teológico.

    A Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios insere-se nestas relações paternas de Paulo com aquela comunidade, que se fazem através de visitas presenciais e de correspondência epistolar. Uma vez que o seu ministério apostólico é posto em causa, muito provavelmente pelo grupo dos “Homens Espirituais” a que se refere a Primeira Carta aos Coríntios (cf. 2,6-16; 4,8-10) e nem sequer os seus cristãos vêm em sua defesa, Paulo faz a sua apologia, uma espécie de defesa do seu ministério apostólico, mostrando que nele se verificam os critérios que permitem identificar um verdadeiro apóstolo.

    É neste contexto que se insere este texto proposto pela liturgia, que se esforça por demonstrar que o ministério apostólico de Paulo é condizente com o mistério de Cristo e, sobretudo, não o ofusca com pretensões de protagonismo, uma vez que é o conteúdo da mensagem transmitida por Paulo que assume o verdadeiro papel de protagonista na sua missão apostólica.

     

    MENSAGEM

    No centro do nosso texto, temos uma descrição autobiográfica de situações limite (vv. 8-9) vividas pelo apóstolo Paulo e possivelmente pelos seus companheiros que, porém, não põem termo à sua vida, mas demonstram como a vida humana do apóstolo é frágil, não imortal. Estes factos autobiográficos são conjugados com a imagem simbólica dos «vasos de barro» – a fragilidade e a limitação humana – que transportam o «tesouro do ministério» apostólico, ou seja, o Evangelho, enquanto conteúdo da mensagem que o apóstolo anuncia (v. 7). Há, portanto, uma desproporção de valor entre os «vasos de barro» e o «tesouro» que eles transportam e isso será visível no contraste que se estabelece entre as situações de fragilidade descritas nos vv. 8-9 e a mensagem que essas situações podem transmitir (v. 10), isto é, que a vida e a morte de Cristo estão presentes nas várias situações existenciais, mesmo nas tribulações do apóstolo. Este é um ponto assente na teologia e na vivência de fé de Paulo, como se pode verificar ao comparar 2Cor 4,8-10 com Gl 2,19-20 («Estou crucificado com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim»); e ainda na Carta aos Gálatas, o apóstolo quisera demonstrar que o Evangelho por ele pregado não tinha origem na vontade humana, mas é fruto da revelação divina (cf. Gl 1,11-12: «O Evangelho por mim anunciado, não o conheci à maneira humana; pois eu não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por uma revelação de Jesus Cristo»).

    Não podemos esquecer que este texto se situa num ambiente apologético, de defesa do apóstolo diante de quem denigre o seu ministério. De facto, a grande mensagem do nosso texto está nas frases de abertura e de conclusão que servem de moldura a esta descrição autobiográfica de Paulo: ele não se anuncia a si mesmo (v. 5), mas anuncia «a glória de Deus, que se reflete no rosto de Cristo» (v. 6), e que Deus, autor da luz na criação do mundo, fez brilhar como luz no seu coração, talvez numa alusão, também autobiográfica, ao episódio da estrada de Damasco, do encontro com Cristo, quando «uma grande luz o envolveu» (At 9,4). O objetivo de Paulo é demonstrar que Cristo está vivo no seu ministério apostólico, mesmo a partir da fragilidade que se manifesta na forma como é perseguido e entregue à morte em nome de Cristo (v. 11).

     

    INTERPELAÇÕES

    • São Paulo é um exemplar servidor do Evangelho para todos os que, na Igreja, se posicionam ao serviço humilde do Povo de Deus. Dele aprendemos que a grande característica do apostolado, mais que as ações pastorais inovadoras ou não, é a relação com Cristo, a ponto de trazer na própria vida as marcas dessa união, seja nas tribulações que se sofre por causa de Cristo e do Evangelho, seja porque se incarna na própria vida aquilo que se ensina. Quais as caraterísticas da minha relação pessoal com Cristo que estão presentes no meu apostolado?
    • Para se exercer um serviço na Igreja, mais concretamente de anúncio e de evangelização, sem excluir nenhum dos outros ministérios, é necessário pôr de parte todo e qualquer desejo de ser protagonista, para dar protagonismo ao Evangelho, verdadeiro «tesouro» que transportamos «em vasos de barro», frágeis, da nossa fragilidade humana. Mesmo quando o Senhor fortalece a nossa fragilidade, é importante que seja claro para nós, como era para Paulo, que o verdadeiro tesouro é o Evangelho que não depende de nós, mas de Deus que no-lo deu a conhecer na pessoa de Jesus Cristo. Como é que Deus é protagonista da minha ação evangelizadora?
    • A vida do evangelizador deve conformar-se cada vez mais à vida de Cristo, a ponto de se tornar um espelho de Cristo, um livro aberto do Evangelho, onde se pode ler os sinais da vida oferecida de Jesus. Só uma grande intimidade com Jesus Cristo, como a que teve Paulo, poderá dar-nos a possibilidade de sermos pessoas identificadas com o Evangelho que anunciamos. Como é a minha vida espiritual? Como descrevo a minha intimidade com Jesus?

     

    ALELUIA – cf. João 17,17b.a

    Aleluia. Aleluia.

    A vossa palavra, Senhor, é a verdade;
    santificai-nos na verdade.

     

    EVANGELHO – Marcos 2,23–3,6

    Passava Jesus através das searas, num dia de sábado,
    e os discípulos, enquanto caminhavam,
    começaram a apanhar espigas.
    Disseram-Lhe então os fariseus:
    «Vê como eles fazem ao sábado o que não é permitido».
    Respondeu-lhes Jesus:
    «Nunca lestes o que fez David,
    quando ele e os seus companheiros
    tiveram necessidade e sentiram fome?
    Entrou na casa de Deus,
    no tempo do sumo sacerdote Abiatar,
    e comeu dos pães da proposição,
    que só os sacerdotes podiam comer,
    e os deu também aos companheiros».
    E acrescentou:
    «O sábado foi feito para o homem
    e não o homem para o sábado.
    Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado».
    Jesus entrou de novo na sinagoga,
    onde estava um homem com uma das mãos atrofiada.
    Os fariseus observavam Jesus,
    para verem se Ele ia curá-lo ao sábado
    e poderem assim acusá-l’O.
    Jesus disse ao homem que tinha a mão atrofiada:
    «Levanta-te e vem aqui para o meio».
    Depois perguntou-lhes:
    «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal,
    salvar a vida ou tirá-la?».
    Mas eles ficaram calados.
    Então, olhando-os com indignação
    e entristecido com a dureza dos seus corações,
    disse ao homem:
    «Estende a mão».
    Ele estendeu-a e a mão ficou curada.
    Os fariseus, porém, logo que saíram dali,
    reuniram-se com os herodianos
    para deliberarem como haviam de acabar com Ele.

     

    CONTEXTO

    O texto evangélico deste domingo conclui a primeira secção do Evangelho de Marcos, que descreve a fase inicial do ministério de Jesus (cf. 1,14-3,6), e é a última das controvérsias de Jesus com os seus opositores acerca de algumas práticas rituais judaicas, neste caso, sobre o sábado judaico. É de notar que estes dois textos que formam a secção de Mc 1,23 – 3,6 são os únicos dois textos de Marcos em que Jesus se contrapõe ao sábado; no resto do Evangelho, tanto Jesus como quem está com Ele observam as práticas judaicas a respeito do mandamento de guardar o sábado. Recapitulando, Jesus tinha-se já confrontado com os escribas a respeito do perdão dos pecados ao paralítico (cf. 2,1-13), do estar à mesa com os publicamos e pecadores (cf. 2,14-17); depois, com os discípulos de João Batista e os fariseus, sobre as práticas do jejum não observado pelos discípulos de Jesus (cf. 2,18-22); confronta-se agora com os fariseus, sobre o respeito pelo dia de sábado em dois episódios (2,23-28; 3,1-6), sendo que, neste último episódio, pela primeira vez os seus opositores se reuniam com os herodianos para encontrar maneira de condenar Jesus à morte (3,6), funcionando esta decisão como conclusão de todos os confrontos.

    Nesta primeira secção, Marcos pretende mostrar a novidade trazida pelo movimento de Jesus, bem diferente do ambiente judaico e rabínico, mostrando o amor de Deus pelos que estavam marginalizados (os publicamos e pecadores), uma mensagem que toma corpo no perdão dos pecados (na cura do paralítico) e a total rejeição de leituras rigoristas da Lei de Moisés, demonstrando que o formalismo pode aniquilar a experiência de fé, que deve estar sempre orientada para o bem do outro. Como se verá o critério que Jesus deixa para interpretar o sábado judaico, mas também outros preceitos é o amor ao outro.

     

    MENSAGEM

    O nosso texto é composto por dois episódios que colocam Jesus em confronto com a instituição do sábado judaico: os discípulos a colher espigas para comer e um homem com uma mão atrofiada que nos coloca, com Jesus e os seus interlocutores, diante do dilema de curar ou não esse homem; ambos os episódios em dia de sábado. No que ao primeiro episódio diz respeito, em questão está a colheita das espigas, entendida como trabalho servil.

    De qualquer forma, Marcos convida-nos a centrar-nos nas palavras de Jesus que ajudam a interpretar a sua liberdade diante da instituição do sábado judaico: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado» (Mc 2,27-28); «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?» (Mc 3,4). Estas palavras de Jesus dão a interpretação dos episódios, bem como da forma como Jesus se posiciona diante da instituição de sábado em geral.

    Já na controvérsia de Mc 2,1-12 sobre o perdão dos pecados, a questão prende-se com o «poder» ou «autoridade» para o fazer. Da mesma forma, agora apenas nas palavras de Jesus, a relação de Jesus com o sábado exprime-se em chave de poder e autoridade, uma vez que Ele, «o Filho do homem, é também Senhor do sábado» (Mc 2,28).

    A segunda linha de argumentação é a da total precedência das necessidades humanas, mesmo em relação ao sagrado: isto vale para a fome dos discípulos diante do sábado que é sagrado, como valeu para a fome de David e dos seus homens diante dos pães sagrados da proposição (pelo menos na forma como Mc 2,25-26 nos conta o episódio com algumas nuances em relação a 1Sm 21,1-7) e valerá também para a cura do homem com a mão atrofiada diante da instituição de sábado. Diante do poder de Jesus e das necessidades humanas, as coisas sagradas não têm um valor próprio (nem o pão do santuário, no caso de David, nem o sábado, no caso dos discípulos de Jesus ou do homem com a mão atrofiada), mas existem para o bem da humanidade (os pães da proposição para alimentar David e os seus homens, o sábado para o homem e para Jesus); na interpretação de Jesus, é fundamental que o sagrado esteja ao serviço do homem. A par deste critério, se partirmos da formulação da pergunta retórica de Mc 3,4 («Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?»), na perspetiva de Jesus não há um agir neutro e ainda menos decisivas são as instituições: a lei é a da atenção ao outro, a quem sou chamado a fazer bem, salvando-lhe a vida, ou então posiciono-me diante dele para lhe fazer mal, causando-lhe a morte. Em ambos os momentos, Jesus escolheu fazer o bem e colocar-se ao serviço das necessidades humanas, satisfazendo-as, mesmo se isso lhe acarreta a decisão do conluio das autoridades políticas e religiosas contra Ele, para o condenarem à morte.

    É importante ter em conta que Jesus não retira qualquer importância ao sábado, enquanto dia consagrado a Deus, mas redireciona-o de modo a voltar à intuição inicial da Lei de Moisés, uma vez que «o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» (2,27). Não está em causa uma interpretação libertina ou relativista do sábado, mas fazer dele o dia da relação com Deus que vem em auxílio de quem está em necessidade. Uma boa interpretação lê todos estes aforismos de Jesus em relação entre eles, de modo que o sábado esteja sempre ao serviço do homem, para fazer bem e salvar a vida; se, de facto, Jesus é o Senhor do sábado, é para o recolocar ao serviço do homem e da salvação da vida.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus ensina-nos a posicionar-nos com verdadeira liberdade diante da Lei de Moisés, ou melhor, diante da Lei de Deus, que nos chegou por Moisés, sem perder nunca de vista o seu objetivo de regular a nossa vida em sociedade e em Igreja, protegendo os mais frágeis e evitando toda e qualquer opressão por parte de quem exerce o poder. Interpretações rigoristas da Lei – como são as dos fariseus no nosso texto – cegam e não deixam ver as necessidades humanas que, na perspetiva de Jesus, são o verdadeiro critério para manter uma atitude livre diante da Lei. Como me posiciono diante da Lei? A exemplo de Jesus, sou capaz de a interpretar para assegurar a proteção dos mais frágeis?
    • O nosso texto não coloca em causa a celebração do culto no dia de sábado, mas reposiciona-a de modo que possa coabitar com o serviço dos necessitados, na pessoa dos discípulos com fome e de uma pessoa com uma mão atrofiada. A celebração do Dia do Senhor, ao domingo, pode ser cada vez mais expressão desta dupla faceta do sábado reinterpretado com Jesus que, em dia de sábado entra na sinagoga, lugar onde se realiza o culto, mas não pactua com a necessidade de quem sofre, indo em seu auxílio, dando conforto e, no caso, mesmo a cura. Se o cristão se prolonga na existência a vida de Cristo, é importante que no dia maior, a Ele consagrado, não se perca de vista aqueles que foram os seus prediletos. De que forma, a celebração do culto, ao domingo, fortalece o meu serviço social cristão?
    • A regra hermenêutica que Jesus dá para saber o que se pode fazer ou não ao domingo pode ser transposta para outros campos da nossa vida: é importante saber que queremos estar ao serviço do bem e da salvação da vida humana, em linha com o desejo de Deus, tal como se manifesta na vida e mensagem de Jesus. A par disso, sabemos que as instituições, sejam elas religiosas ou civis, devem estar ao serviço da vida humana, para que possam realizar a missão para a qual nasceram. Posso dizer que a minha vida e as minhas opções estão ao serviço da vida?

     

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 10.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • Solenidade do Sagrado Coração de Jesus - Ano B

    Solenidade do Sagrado Coração de Jesus - Ano B

    Dia todo
    7 de Junho, 2024

    ANO B
    SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

    LEITURA I - Os 11, 1.3-4.8c-9

    De Deus só sabemos falar à maneira humana, e Ele mesmo, quando quis entrar em diálogo connosco, falou-nos em linguagem de homem, que outra não sabemos entender. É nesta linguagem que o profeta nos anuncia, de maneira veemente, o amor de Deus por nós.

    Leitura da Profecia de Oseias
    Eis o que diz o Senhor: «Quando Israel era ainda criança, já Eu o amava; do Egipto chamei o meu filho. Eu ensinava Efraim a andar e trazia-o nos braços; mas não compreenderam que era Eu quem cuidava deles. Atraía-os com laços humanos, com vínculos de amor. Tratava-os como quem pega um menino ao colo, inclinava-Me para lhes dar de comer. O meu coração agita-se dentro de Mim, estremece de compaixão. Não cederei ao ardor da minha ira, nem voltarei a destruir Efraim. Porque Eu sou Deus e não homem, sou o Santo no meio de ti e não venho para destruir».

    SALMO RESPONSORIAL - Is 12, 2-3.4bcd.5-6

    Refrão: Ireis com alegria às fontes da salvação.
    Ou: Bebereis com alegria das fontes da salvação.

    Deus é o meu Salvador,
    tenho confiança e nada temo.
    O Senhor é a minha força e o meu louvor,
    Ele é a minha salvação.

    Tirareis água, com alegria,
    das fontes da salvação.
    Agradecei ao Senhor,
    bendizei o seu nome.

    Anunciai aos povos a grandeza das suas obras,
    proclamai a todos que o seu nome é santo.
    Cantai ao Senhor, porque Ele fez maravilhas,
    anunciai-as em toda a terra.

    Entoai cânticos de alegria e exultai,
    habitantes de Sião:
    porque é grande no meio de vós
    o Santo de Israel.

    LEITURA II - Ef 3, 8-12.14-19

    O amor de Deus conhece-se pela manifestação que d’Ele nos é feita em seu Filho. É por Ele que nos é dado conhecer o desígnio do Pai, o qual não é outro senão o de chamar todos os homens para formarem um só corpo em Cristo Jesus, corpo este de que a Igreja é sinal.

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
    Irmãos: A mim, o último de todos os cristãos, foi concedida a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo e de manifestar a todos como se realiza o mistério escondido, desde toda a eternidade, em Deus, criador de todas as coisas. E agora é por meio da Igreja, que se dá a conhecer aos principados e potestades celestes a multiforme sabedoria de Deus, realizada, conforme o seu eterno desígnio, em Jesus Cristo, Nosso Senhor. Assim, é pela fé em Cristo que podemos aproximar-nos de Deus com toda a confiança. Por isso, dobro os joelhos diante do Pai, de quem recebe o nome toda a paternidade nos céus e na terra, para que Se digne, segundo as riquezas da sua glória, armar-vos poderosamente pelo seu Espírito, para que se fortifique em vós o homem interior e Cristo habite pela fé em vossos corações. Assim, profundamente enraizados na caridade, podereis compreender, com todos os cristãos, a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento, e assim sejais totalmente saciados na plenitude de Deus.

    ALELUIA - Mt 11, 29ab

    Aleluia. Aleluia.

    Tomai o meu jugo sobre vós, diz o Senhor, e aprendei de Mim,
    que sou manso e humilde de coração.

    Ou: 1 Jo 4, 10b
    Deus amou-nos e enviou o seu Filho,
    como vítima de expiação pelos nossos pecados.

    EVANGELHO - Jo 19, 31-37

    A melhor representação do Coração de Jesus é o Senhor crucificado, deixando sair do seu lado, aberto pela lança, o sangue e a água, figura dos sacramentos da Igreja, aí, nesse momento, nascida como Eva nascera do lado de Adão adormecido.

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
    Por ser a Preparação da Páscoa, e para que os corpos não ficassem na cruz durante o sábado - era um grande dia aquele sábado - os judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Os soldados vieram e quebraram as pernas ao primeiro, depois ao outro que tinha sido crucificado com ele. Ao chegarem a Jesus, vendo-O já morto, não Lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados trespassou-Lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. Aquele que viu é que dá testemunho e o seu testemunho é verdadeiro. Ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis. Assim aconteceu para se cumprir a Escritura, que diz: «Nenhum osso lhe será quebrado». Diz ainda outra passagem da Escritura: «Hão de olhar para Aquele que trespassaram».

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS

    Não sendo possível apresentar em tempo útil comentários à liturgia da Palavra da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, colocamos breves introduções tiradas da página do Secretariado Nacional da Liturgia.
    Sendo igualmente o Dia Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes, transcrevemos a mensagem que a Congregação do Clero nos ofereceu para este dia.
    Colocamos também a homilia do Papa Francisco de 2015 a partir da primeira leitura de Oseias e algumas interpelações para promover a cultura do coração iluminada pelo Coração de Jesus.

     

    1. HOMILIA DO PAPA FRANCISCO A PARTIR DA PRIMEIRA LEITURA DE OSEIAS
    [12 de junho se 2015, no Retiro Mundial dos Sacerdotes]

    Na primeira Leitura penetramos na ternura de Deus: Ele narra ao seu povo quanto o ama, quanto se ocupa dele. Aquilo que Deus diz ao seu povo nesta Leitura tirada do capítulo 11 do profeta Oseias, di-lo a cada um de nós. E será bom pegar neste texto, num momento de solidão, para nos pormos na presença de Deus e ouvir: «Amei-te quando ainda eras uma criança; amei-te na tua infância; salvei-te; tirei-te da terra do Egipto, livrei-te da escravidão», da escravidão do pecado, da escravidão da autodestruição e de todas as formas de escravidão que cada um conhece, que teve e que ainda tem dentro de si. «Salvei-te! Ensinei-te a caminhar». Como é bom ouvir que Deus me ensina a caminhar! O Todo-Poderoso abaixa-se e ensina-me a caminhar. Recordo esta frase do Deuteronómio, quando Moisés diz ao seu povo: «Ouvi, vós - eles têm a cabeça tão dura! - quando vistes um deus tão perto do seu povo, como Deus está próximo de nós?». E a proximidade de Deus é esta ternura: ensinou-me a caminhar! Sem Ele eu não saberia caminhar no Espírito. «Eu segurava-te pela mão. Mas não compreendeste que Eu te guiava; pensavas que te deixaria sozinho». Esta é a história de cada um de nós. «Eu atava-te com vínculos humanos, não com leis punitivas». Com vínculos de amor, laços de amor. O amor liga, mas liga na liberdade; vincula dando-te espaço a fim de que tu respondas com amor. «Eu era para ti como aquele que aproxima uma criança do seu rosto e a beija. Eu inclinava-me e dava-te de comer». Esta é a nossa história, pelo menos é a minha história. Cada um de nós pode ler aqui a sua própria história. «Diz-me, como te posso abandonar agora? Como te posso entregar ao inimigo?». Nos momentos em que temos medo, na hora em que nos sentimos inseguros, Ele diz-nos: «Se Eu fiz tudo isto por ti, como podes pensar que te deixo sozinho, que te possa abandonar?».
    No litoral da Líbia, os vinte e três mártires coptas estavam convictos de que Deus não os teria abandonado. E deixaram-se decapitar, pronunciando o nome de Jesus! Sabiam que, enquanto lhes cortavam a cabeça, Deus não os teria abandonado.
    «Como te posso tratar como inimigo? O meu coração comove-se dentro de mim e inflama-se toda a minha ternura». Inflama-se a ternura de Deus, esta ternura ardente: Ele é o Único capaz de ter uma ternura ardorosa. Não darei vazão à ira pelos pecados existentes, por todas estas incompreensões, porque eles adoram ídolos. Pois Eu sou Deus, sou o Santo no meio de vós. Trata-se de uma declaração de amor de um pai ao seu filho. E a cada um de nós.
    Quantas vezes penso que temos medo da ternura de Deus, e dado que tememos a ternura de Deus, impedimos a sua experiência em nós mesmos. E por isso, muitas vezes somos duros, severos, castigadores... Somos pastores sem ternura!
    O que nos diz Jesus, no capítulo 15 de Lucas? Sobre aquele pastor que se deu conta de que tinha noventa e nove ovelhas e que lhe faltava uma. Deixou-as bem protegidas, fechou-as à chave e foi à procura daquela, que estava presa no meio dos arbustos... E não a espancou, nem a repreendeu: pegou nela ao colo, abraçou-a e curou-a, porque estava ferida. Quanto a vós, fazeis o mesmo com os vossos fiéis, quando vos dais conta de que falta um deles no rebanho? Ou estamos habituados a ser uma Igreja com uma única ovelha na grei, deixando que as outras noventa e nove se percam nos montes? Comove-te toda esta ternura? És um pastor de ovelhas ou tornaste-te um pastor que permanece a «pentear» a única ovelha que não se afastou? Porque só procuras a ti mesmo, esquecendo-te da ternura que te concedeu o teu Pai, como no-lo narra aqui, no capítulo 11 de Oseias. E esqueceste o modo como se concede a ternura. O Coração de Cristo é a ternura de Deus. «Como posso deixar que esmoreças? Como posso abandonar-te? Quando estás sozinho, desnorteado, perdido, vem ter comigo e Eu salvar-te-ei, consolar-te-ei!».
    Hoje, peço-vos que sejais pastores com a ternura de Deus, que deixeis o «chicote» pendurado na sacristia e que sejais pastores com ternura, inclusive para com aqueles que vos criam problemas. É uma graça! É uma graça divina! Não cremos num Deus etéreo, mas num Deus que se fez carne, que tem um Coração e que este Coração nos fala assim: «Vinde a mim, se estiverdes cansados e oprimidos, e Eu aliviar-vos-ei. Mas tratai os mais pequeninos com ternura, com a mesma ternura com a qual Eu os trato!». É isto que nos diz hoje o Coração de Jesus Cristo, e é isto que peço nesta Missa, tanto para vós como para mim mesmo.

     

    2. MENSAGEM PARA O DIA MUNDIAL DE ORAÇÂO PELA SANTIFICAÇÃO DOS SACERDOTES
    [Congregação para o Clero]

    Caros sacerdotes,
    O Dia Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes, celebrado na Solenidade do Coração de Jesus, dá-nos o ensejo de nos colocar na presença do Senhor para renovar a memória do nosso encontro com Ele, dando assim um novo vigor à nossa missão de servir o Povo de Deus. Não devemos, de facto, esquecer que o fascínio da vocação que nos atraiu e o entusiasmo com que escolhemos o caminho da especial consagração ao Senhor, bem como os prodígios a que assistimos na nossa vida presbiteral, têm a sua origem na troca de olhar que se deu entre Deus e cada um de nós.
    Todos nós, de facto, "tivemos na nossa vida algum encontro com Ele" e, cada um de nós pode fazer a sua memória espiritual e voltar à alegria desse momento, "em que senti que Jesus olhava para mim" (Papa Francisco, Homilia em Santa Marta, 24 de abril de 2015).
    Também os primeiros discípulos viveram a alegria da amizade com Jesus, que mudou para sempre a sua vida. Mas, depois do anúncio da Paixão, um véu de obscuridade cobriu o seu coração, escurecendo-lhes o caminho. O ardor do seguimento, o sonho do Reino de Deus inaugurado pelo Mestre e os primeiros frutos da missão vieram então a confrontar-se com uma realidade dura e incompreensível, que faz vacilar a esperança, alimenta as dúvidas e ameaça apagar a alegria do anúncio do Evangelho.
    É o que sempre pode acontecer, também na vida de um sacerdote. A grata memória do encontro inicial, a alegria do seguimento e o zelo do mistério apostólico, talvez vividos ao longo de anos e em situações nem sempre fáceis, podem dar lugar ao cansaço e ao desânimo, abrindo espaço ao deserto interior da aridez e envolvendo a nossa vida sacerdotal na sombra da tristeza.
    Mas, precisamente nesses momentos, o Senhor, que nunca esquece a vida dos seus filhos, convida-nos a subir com Ele ao Monte, como fez com Pedro, Tiago e João, transfigurando-Se diante deles. Levando-os "ao alto" e "apartando-os", Jesus leva-os a empreender a maravilhosa viagem da transformação: do deserto ao Tabor e da escuridão à luz.
    Caros sacerdotes, sentimos cada dia a necessidade de ser transfigurados por um encontro sempre novo com o Senhor que nos chamou. Deixar-se "conduzir para o alto" e permanecer "retirados" com Ele não é uma exigência do ofício, uma prática exterior ou um inútil tirar tempo às tarefas do ministério, mas é a fonte que jorra e corre em nós para impedir que o nosso "eis-me aqui" seque e se torne árido.
    Na contemplação da cena evangélica da Transfiguração do Senhor, podemos, então, colher três pequenos passos, que nos ajudarão a confirmar a nossa adesão ao Senhor e a renovar a nossa vida sacerdotal: subir ao alto, deixar-se transformar, ser luz para o mundo.

    1. Subir ao alto, porque, se ficarmos sempre concentrados no que se tem a fazer, corremos o risco de ficar prisioneiros do presente, de ser absorvidos pelas tarefas quotidianas, de ficar excessivamente concentrados em nós próprios e de, assim, acumular canseiras e frustrações que poderão ser mortíferas. Por outro lado, "subir ao alto" é o remédio para as tentações da "mundanidade espiritual", que, mesmo sob das aparências religiosas, nos afastam de Deus e dos irmãos e nos levam a pôr a segurança nas coisas do mundo. Ao contrário, o que nos faz falta é mergulhar cada dia no amor de Deus, sobretudo através da oração. Subir ao monte faz-nos lembrar que a nossa vida é um constante erguer-se para a luz que vem do alto, uma caminhada para o Tabor da presença de Deus que abre horizontes novos e surpreendentes. É uma realidade que não pretende levar-nos a fugir dos nossos empenhos pastorais e dos desafios quotidianos que nos perseguem, mas que procura lembrar-nos que Jesus é o centro do ministério sacerdotal, e que tudo podemos só n’Aquele que nos dá força (Fil 4, 13). Por isso, "a subida dos discípulos ao monte Tabor leva-nos a refletir sobre a importância de nos desapegarmos das coisas mundanas, a fim de fazer um caminho rumo ao alto e contemplar Jesus. Trata-se de nos pormos à escuta atenta e orante de Cristo, o Filho amado do Pai, procurando momentos de oração que permitem o acolhimento dócil e jubiloso da Palavra de Deus" (Papa Francisco, Angelus, 6 de agosto de 2017).

    2. Deixar-se transformar, porque a vida sacerdotal não é um programa onde tudo já está programado com antecedência ou um cargo burocrático a desempenhar segundo um esquema preestabelecido; ao contrário, é a experiência viva de uma relação quotidiana com o Senhor, que faz com que sejamos sinal do seu amor junto do Povo de Deus. Por isso, "não poderemos viver o ministério com alegria sem viver momentos de oração pessoal, cara a cara com o Senhor, falando, conversando com Ele" (Papa Francisco, Encontro com os párocos de Roma, 15 de fevereiro de 2018). Nesta experiência, somos iluminados pelo Rosto do Senhor e transformados pela sua presença. Também a vida sacerdotal é um "deixar-se transformar" pela graça de Deus, para que o nosso coração se torne misericordioso, inclusivo e compassivo como o de Cristo. Trata-se simplesmente de ser - como recentemente recordou o Santo Padre - "sacerdotes normais, simples, mansos, equilibrados, mas capazes de se deixar regenerar constantemente pelo Espírito" (Papa Francisco, Homilia na Concelebração Eucarística com os Missionários da Misericórdia, 10 de abril de 2018). Uma tal regeneração faz-se, antes de mais, através da oração, que muda o coração e transforma a vida: cada um de nós "torna-se" Aquele que reza. É bom recordar, neste Dia Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes, que "a santidade é feita de abertura habitual à transcendência, que se expressa na oração e na adoração. O santo é uma pessoa com espírito orante, que tem necessidade de comunicar com Deus" (Papa Francisco, Gaudete et exsultate, n. 147). Subindo ao Monte, seremos iluminados pela luz de Cristo e poderemos descer à planície e levar a todos a alegria do Evangelho.

    3. Ser luz para o mundo, porque a experiência do encontro com o Senhor põe-nos na estrada do serviço aos irmãos; a sua Palavra não deixa que nos fechemos no privado da devoção pessoal e no perímetro do templo; e, sobretudo, a vida sacerdotal é um chamamento missionário, que exige a coragem e o entusiasmo de sair de nós próprios para anunciar ao mundo inteiro o que ouvimos, vimos e tocámos na nossa experiência pessoal (cf. 1 Jo 1, 1-3). Dar a conhecer aos outros a ternura e o amor de Jesus, para que cada um possa usufruir da sua presença que livra do mal e transforma a existência, é a primeira tarefa da Igreja e, portanto, o primeiro grande empenho apostólico dos presbíteros. Se há um desejo que temos de cultivar é o de "ser sacerdotes capazes de ‘elevar’ o sinal da salvação no ‘deserto’ do mundo, isto é, a Cruz de Cristo, como fonte de conversão e de renovação para toda a humanidade e para o próprio mundo" (Papa Francisco, Homilia na Concelebração Eucarística com os Missionários da Misericórdia, 10 de abril de 2018). O fascínio do encontro com o Senhor deve encarnar-se num compromisso de vida ao serviço do Povo de Deus, que, caminhando muitas vezes no vale obscuro das canseiras, do sofrimento e do pecado, precisa de Pastores luminosos e radiantes como Moisés. De facto, "no final da admirável experiência da Transfiguração, os discípulos desceram do monte (cf. v. 9). É o percurso que podemos realizar também nós. A redescoberta cada vez mais viva de Jesus não constitui um fim em si, mas induz-nos a ‘descer do monte’… Transformados pela presença de Cristo e pelo fervor da sua Palavra, seremos sinal concreto do amor vivificador de Deus por todos os nossos irmãos, sobretudo por quem sofre, por quantos se encontram na solidão e no abandono, pelos doentes e pela multidão de homens e mulheres que, em diversas partes do mundo, são humilhados pela injustiça, pela prepotência e pela violência" (Papa Francisco, Angelus, 6 de agosto de 2017).
    Caros sacerdotes, que a beleza deste dia, consagrado ao Coração de Jesus, possa fazer crescer em nós o desejo da santidade. A Igreja e o mundo precisam de sacerdotes santos! O Papa Francisco, na nova Exortação Apostólica sobre a santidade, Gaudete et exsultate, aludiu aos sacerdotes apaixonados pela comunicação e anúncio do Evangelho, afirmando que "a Igreja não precisa de muitos burocratas e funcionários, mas de missionários apaixonados, devorados pelo entusiasmo de comunicar a verdadeira vida. Os santos surpreendem, desinstalam, porque a sua vida nos chama a sair da mediocridade tranquila e anestesiadora" (Papa Francisco, Gaudete et exsultate, n. 138). Haverá que realizar, sobretudo interiormente, este caminho de transfiguração: subir ao Monte, deixar-se transformar pelo Senhor, para, em seguida, tornar-se luz para o mundo e para as pessoas que nos são confiadas. Que Maria Santíssima, Mulher luminosa e Mãe dos Sacerdotes, vos acompanhe e guarde sempre.

     

    3. PROMOVER A CULTURA DO CORAÇÃO [Manuel Barbosa]

    Promover uma autêntica cultura do coração, sempre a partir do amor de Deus e na contemplação do Coração de Cristo e de Maria.
    1. Ser e viver segundo o Coração de Jesus pelo Coração de Maria, como missão de quem adere a Jesus como seus discípulos missionários.
    2. Viver em cordialidade, feita de acolhimento e hospitalidade, proximidade e acompanhamento, como resposta às necessidades e expectativas do mundo, vendo a realidade existente com olhos novos da fé, afinal o olhar do coração.
    3. Agir como pessoas com coração novo em Cristo, ter amor extraordinário pela Palavra, pela Eucaristia, pela Reconciliação, em estilo de fecundas vidas plenas de misericórdia.
    4. Ter paixão por Cristo e paixão pela Humanidade, assumindo atitudes de espírito comprometido em abertura amorosa, como profetas do coração, da graça e da misericórdia.
    5. Acolher os perdidos e os excluídos, os ignorados e os afastados, os sozinhos e os abandonados, os descartados e marginalizados, sempre inspirados pelo hospitaleiro Coração do Bom Pastor.
    6. Contemplar os rostos próximos com olhar gratuito de coração, com humilde, sincera e sentida abertura ao outro e ao mistério da sua presença, cultivando uma cultura de vida e de amor, toda contrária à violência e à guerra, ao conflito e à intolerância, à indiferença e à cultura de morte, ao aborto e à eutanásia; uma cultura do coração que contraria tudo o que atenta à vida no seu todo.
    7. Semear e construir misericórdia, convivendo com o mundo, na constante procura do fraterno diálogo, tornando-se instrumentos de perdão e de reconciliação, fomentando a harmonia e a paz.
    8. Globalizar o amor como alma das famílias, das comunidades, da sociedade, abrindo o coração a todos sem aceção nem exclusão, fazendo do Coração de Cristo o centro a que importa sempre regressar.
    9. Abraçar a sério a Cruz de Cristo na Luz da Páscoa, peregrinando em testemunho de serviço e amor, com ternura, mansidão e bondade, sempre na misericórdia de Deus.
    10. Ser anunciador do coração, do Coração de Cristo que transforma o coração do homem sob a ação do seu Espírito.
    Num mundo sem coração, a marca do Coração de Cristo, plena expressão do Amor de Deus derramado em nós no seu Espírito, não será a mais apropriada?
    Como tudo seria diferente se houvesse na Igreja e no mundo uma autêntica cultura do coração, a sugerir no húmus do nosso coração atitudes de vida consoantes à Vida no Coração de Deus!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Ricardo Freire, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

     

  • 10º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    10º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    9 de Junho, 2024

    Ano B

    10.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 10.º Domingo do Tempo Comum

    O tema deste 10.º Domingo do Tempo Comum gravita à volta da identidade de Jesus e da comunhão que Ele deseja estabelecer com aqueles que se colocam na disposição de O seguir: fica claro que Jesus não tem qualquer aliança com o Demónio e com o poder do mal e que quer definir-Se pela sua relação de obediência com Deus Pai, à qual convida todos aqueles que se querem sentir parte da sua família.

    No Evangelho, Jesus demonstra que, na sua atividade de libertação do poder do mal, não pode estar a pactuar com o Demónio, mas vem para libertar os homens e as mulheres de todos os tempos. Também nisso está a fazer a vontade de Deus e convida todos a fazer comunidade centrada na sua pessoa e decidida a construir um mundo que se baseie neste desejo de fazer a vontade de Deus.

    A primeira leitura traz-nos o diálogo de Deus com as figuras poéticas do primeiro homem e da primeira mulher, depois da queda. Este texto procura chamar-nos ao sentido da existência, deixando claro que todos somos chamados a não pactuar com o mal e a estar de sobreaviso diante das tentações do Maligno.

    Na segunda leitura, São Paulo mostra como as tribulações que sofre não abrandam o seu ardor missionário, que se caracteriza pela grande confiança em Deus e na vida eterna que há de conceder; duas grandes atitudes qualificam o ministério de Paulo: a esperança de estar unido com Jesus na ressurreição tal como o está na tribulação terrena e o desejo íntimo de estar em comunhão com os cristãos a quem anuncia o Evangelho de Jesus Cristo.

     

    LEITURA I – Génesis 3,9-15

    Depois de Adão ter comido da árvore,
    o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe:
    «Onde estás?»
    Ele respondeu:
    «Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim
    e, como estava nu, tive medo e escondi-me».
    Disse Deus:
    «Quem te deu a conhecer que estavas nu?
    Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?»
    Adão respondeu:
    «A mulher que me destes por companheira
    deu-me do fruto da árvore e eu comi».
    O Senhor Deus perguntou à mulher:
    «Que fizeste?»
    E a mulher respondeu:
    «A serpente enganou-me e eu comi».
    Disse então o Senhor Deus à serpente:
    «Por teres feito semelhante coisa,
    maldita sejas entre todos os animais domésticos
    e todos os animais selvagens.
    Hás de rastejar e comer do pó da terra
    todos os dias da tua vida.
    Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher,
    entre a tua descendência e a descendência dela.
    Ela há de atingir-te na cabeça
    e tu a atingirás no calcanhar».

     

    CONTEXTO

    Como indica a palavra Génesis (que significa «origem»), que intitula o primeiro livro da Sagrada Escritura, este é o livro das origens, não apenas porque narra o início da criação e do mundo (cf. Gn 1,1: «No princípio, Deus criou…»), mas porque vem ao encontro das perguntas existenciais de todos os homens e mulheres: «Quem sou eu? Donde venho? Para onde vou?». Assim, mesmo na divisão clássica em duas partes, o primeiro livro da Bíblia responde à pergunta sobre as origens: primeiro, as origens da criação e do ser humano (cf. Gn 1,1–11,26); depois, as origens de Israel, com os chamados ciclos dos patriarcas (cf. Gn 11,27–50,26).

    Sobretudo no que diz respeito à primeira parte, não se deve procurar uma história factual (cada vez mais, as traduções da Bíblia traduzem «’adam» como «homem», em vez de «Adão», mostrando como, naquele primeiro homem, está presente o drama de cada ser humano); deve ler-se aí uma história poético-simbólica, em que a poesia e o símbolo abraçam a realidade, mas ultrapassam-na. O autor sagrado condensa, com certeza, várias tradições que foram sendo transmitidas oralmente e que respondem à pergunta sobre as origens da criação, do ser humano na sua diferenciação e complementaridade homem-mulher, do mal, das várias línguas, etc.

    Esta primeira leitura faz parte do segundo relato da criação (cf. Gn 2,4b–3,24), o único a narrar a transgressão, não como um facto histórico, mas como um modo de perceber as origens do mal – que, como veremos, não se encontra em Deus, nem no ser humano, mas é externa – e da luta intrínseca dos homens e mulheres contra o autor do mal. Leva-nos até ao relato do encontro de Deus com o homem e a mulher, depois de estes terem comido do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (cf. Gn 3,1-7), transgredindo a ordem que lhes tinha sido expressamente dada, de não comer de duas árvores, da árvore do conhecimento do bem e do mal e da árvore da vida (cf. Gn 2,16-17).

     

    MENSAGEM

    Para compreender a mensagem do nosso texto, é necessário ter presente o seu contexto, que já descrevemos. O facto de o homem e a mulher terem comido do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, contrariando uma ordem do Senhor Deus em Gn 2,16-17, quebra a harmonia existente entre o Ser Humano e Deus, e mesmo com a criação. Mesmo assim, não quebra a relação de Deus com o homem e a mulher, uma vez que todo o texto se desenrola num diálogo, feito de perguntas de Deus e de respostas do homem e da mulher.

    A primeira pergunta do Senhor Deus é fundamental: «Onde estás?» (v. 9). Esta, que é a primeira questão de toda a Bíblia, não se limita a indagar sobre o lugar onde se situa o homem; assume uma dimensão claramente existencial. Através da desobediência, homem e mulher tinham perdido a sua colocação espacial original, perdendo-se na inconsistência de pretender ser como Deus (cf. Gn 2,5.22). Ao interrogá-los, o Senhor Deus conhece bem a dimensão da transgressão como o denota a terceira pergunta (v. 11: «Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?»). As perguntas do Senhor Deus servem muito mais ao homem e à mulher que são interrogados, para se encontrarem consigo mesmos depois de se terem perdido e para refazerem o caminho que os levou a transgredir a ordem estabelecida pelo Senhor Deus.

    As respostas do homem e da mulher (vv. 12-13) refletem a tendência humana de se desculpabilizar, desresponsabilizar e autojustificar, de encontrar a culpa fora de si; por outro lado, e numa leitura teológica, pode ser a forma encontrada pelo autor sagrado para mostrar que o mal não tem origem em Deus, que criou tudo bem e bom, nem no ser humano, ou seja, que o mal tem origem fora do ser humano. O homem e a mulher fizeram mal, mas foram a isso levados pela serpente que é, de facto, a única a receber a condenação mais dura (vv. 14-15), se tivermos em conta que Gn 2,16-19 é uma explicação da situação atual e real da mulher e do homem.

    Ficamo-nos, por último, na sentença divina em relação à serpente. É verdade que esta sentença dura pode espelhar a situação atual deste animal, considerado maldito: os humanos em luta contra as serpentes; a declaração de impureza da serpente, o que a faz ser rejeitada nas prescrições alimentares de Israel (cf. Lv 11,41-44; 20,25). No entanto, já no judaísmo tardio, a serpente começa a ser lida como um símbolo do diabo, que será derrotado pelo Rei-Messias (interpretação que ganhará força no Novo Testamento, concretamente na releitura de Rm 16,20 ou de Ap 12,9; 20,2). Numa releitura cristã, portanto, esta sentença divina em relação à serpente apresenta-se como profecia da luta de Jesus Cristo, descendente da mulher, contra o mal e contra o seu autor, descendente da antiga serpente simbólica deste relato.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O estilo do texto da primeira leitura, de diálogo entre Deus e os personagens deste relato, ajuda a colocar-se na narrativa, escutando as perguntas de Deus ao homem: «Onde estás?» (v. 9), «Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?» (v. 11), e à mulher: «Que fizeste?» (v. 13). Uma vez que todas estas questões têm um sentido existencial, poderá ser bom voltar às origens, poder localizar-nos no espaço de Deus, responder pelas nossas ações e verificar se as nossas respostas diferem das dos personagens deste relato.
    • Diz-se que é comum a tendência para desculpabilizar, desresponsabilizar e autojustificar-se. Também neste relato se vê um contínuo passar da culpa para os outros personagens. Retomando as questões anteriores, poderá ser hora de assumir as nossas responsabilidades diante de Deus, sabendo que, como dirá o Salmo 129 (130), «no Senhor está a misericórdia e a abundante redenção». A autojustificação não é caminho; o caminho passa pela justificação trazida por Cristo na sua morte de cruz, para nos reconciliar com o Pai. Como lido com a culpa? Sou capaz de assumir a minha culpa diante de Deus, confiando na sua misericórdia?
    • A origem última de toda a complicação remonta ao facto de se ter dado ouvidos à serpente: «A serpente enganou-me e eu comi» (v. 13). Se este réptil é uma imagem do diabo e do poder do mal, é importante estar de sobreaviso diante da tentação do maligno. Como várias vezes tem ensinado o Papa Francisco: «Não se dialoga com o demónio». É ainda o Pontífice a dizer: «A vida cristã é uma luta permanente. Requer-se força e coragem para resistir às tentações do demónio e anunciar o Evangelho. […] Não pensemos que é um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia. Este engano leva-nos a diminuir a vigilância, a descuidar-nos e a ficar mais expostos. O demónio não precisa de nos possuir. Envenena-nos com o ódio, a tristeza, a inveja, os vícios. E assim, enquanto abrandamos a vigilância, ele aproveita para destruir a nossa vida, as nossas famílias e as nossas comunidades, porque, “como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar” (1Pd 5,8)» (Gaudete et Exsultate161). Como vivo a renúncia ao demónio e às suas seduções, prometida no ato do meu Batismo?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 129 (130)

    Refrão:  No Senhor está a misericórdia e abundante redenção.

    Ou:  No Senhor está a misericórdia,
    no Senhor está a plenitude da redenção.

    Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor,
    Senhor, escutai a minha voz.
    Estejam os vossos ouvidos atentos
    à voz da minha súplica.

    Se tiverdes em conta os nossos pecados,
    Senhor, quem poderá salvar-se?
    Mas em Vós está o perdão
    para Vos servirmos com reverência.

    Eu confio no Senhor,
    a minha alma confia na sua palavra.
    A minha alma espera pelo Senhor
    mais do que as sentinelas pela aurora.

    Porque no Senhor está a misericórdia
    e com Ele abundante redenção.
    Ele há de libertar Israel
    de todas as suas faltas.

     

    LEITURA II – 2 Coríntios 4,13–5,1

    Irmãos:
    Diz a Escritura: «Acreditei, por isso falei».
    Com este mesmo espírito de fé,
    também nós acreditamos, e por isso falamos,
    sabendo que Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus
    também nos há de ressuscitar com Jesus
    e nos levará convosco para junto d’Ele.
    Tudo isto é por vossa causa,
    para que uma graça mais abundante
    multiplique as ações de graças de um maior número de cristãos
    para glória de Deus.
    Por isso, não desanimamos.
    Ainda que em nós o homem exterior se vá arruinando,
    o homem interior vai-se renovando de dia para dia.
    Porque a ligeira aflição dum momento
    prepara-nos, para além de toda e qualquer medida,
    um peso eterno de glória.
    Não olhamos para as coisas visíveis,
    olhamos para as invisíveis:
    as coisas visíveis são passageiras,
    ao passo que as invisíveis são eternas.
    Bem sabemos que,
    se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita,
    recebemos nos Céus uma habitação eterna,
    que é obra de Deus
    e não é feita pela mão dos homens.

     

    CONTEXTO

    A Segunda Carta aos Coríntios é, em grande parte, uma apologia do Apóstolo Paulo em favor do seu ministério apostólico, diante de quem não o reconhece. Numa primeira apologia, em 2Cor 2,14–4,6, Paulo tinha-se baseado muito na autoridade do Antigo Testamento, para provar a verdade da sua atividade apostólica, tão gloriosa a ponto de ofuscar o ministério de Moisés. O nosso texto situa-se na segunda apologia de Paulo (2Cor 4,7–5,10), desta feita baseada não tanto sobre os textos sagrados do Antigo Testamento, mas sobre uma antropologia em perspetiva escatológica, que será bem visível no nosso texto. Esta segunda apologia responde a algumas questões que os seus adversários poderiam colocar-se: uma delas é perceber como é que o ministério apostólico, por ele defendido na primeira apologia, pode ser tão provado e atribulado (cf. 2Cor 4,8-9.17). A resposta apologética de Paulo pautar-se-á por uma estratégia muito particular de ler toda a situação presente, claramente marcada pelas tribulações, à luz do futuro, do mundo que há de vir, das coisas últimas (escatologia). Nesta releitura, Paulo acentuará a comunhão: a comunhão que o une a Jesus Ressuscitado e a comunhão com os crentes, incluídos muito provavelmente também os destinatários desta Carta.

     

    MENSAGEM

    Este trecho da Segunda Carta aos Coríntios, sendo parte da apologia de Paulo, mostra a disposição com que o apóstolo das gentes encara o seu ministério que fica marcado, basicamente, por duas grandes atitudes: a fé-confiança que lhe dá força apesar das tribulações; a comunhão a dois níveis, ou seja, com Cristo e com os destinatários da sua pregação apostólica, entre os quais os destinatários desta carta.

    A referência de Paulo à atitude de fé (v. 13: «o mesmo espírito de fé») baseia-se na citação da tradução grega do Sl 115: «Acreditei, por isso falei». Assim, o conteúdo da sua pregação não depende das suas ideias, mas do conteúdo da fé na ressurreição de Jesus Cristo. Além disso, trata-se da fé como atitude de confiança de quem sabe que não está só, mas está unido à morte de Cristo e de quem espera a Ele estar unido também na ressurreição (cf. v. 14).

    Esta apologia é de conteúdo mais antropológico e, por isso, Paulo dá nota de como se deixa mover pela fé, ao estabelecer um contraste muito nítido entre a realidade presente, que para ele é aparente, e a realidade definitiva, que é a vida do mundo que há de vir: a progressiva ruína do «homem exterior» em contraste com a progressiva renovação do «homem interior» (4,16); «a ligeira aflição dum momento» em contraste com «um peso eterno de glória» que se está a preparar (4,17); «as coisas visíveis» e «passageiras» em contraste com «as invisíveis», que são «eternas» (4,18); «esta tenda, que é a nossa morada terrestre», passível de ser destruída, a contrastar com «uma habitação eterna, que é obra de Deus» (5,1). É tudo isto a motivar a ação apostólica de Paulo, acentuando claramente que a tribulação do momento presente não é a palavra definitiva. Nas cartas de Paulo encontramos várias vezes este desprezo em relação à realidade presente e a total confiança e esperança na eternidade em comunhão com Deus (cf. Rm 8,31-39; Fl 3,7-14).

    A segunda atitude que enunciámos é de comunhão, a dois níveis: do espírito de união com Cristo e da comunhão com os cristãos a quem dirige a sua pregação. Antes, Paulo já tinha deixado claro que as suas tribulações, no desempenho do ministério apostólico, eram sinal de estar visivelmente unido à morte de Jesus (cf. 2Cor 4,8-12). Agora, manifesta a esperança de se unir a ele também na glória da ressurreição (v. 14: «sabendo que Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há de ressuscitar com Jesus e nos levará convosco para junto d’Ele»). A união existencial a Jesus é, portanto, essencial na vida do apóstolo. No entanto, essa comunhão visível com Jesus abre-se à comunhão com os que creem em Cristo: de facto, Paulo espera estar unido a Jesus com os destinatários da carta (v. 14: «convosco»). Se Paulo sofre tribulações, fá-lo em favor dos cristãos, para suscitar «as ações de graças de um maior número de cristãos para glória de Deus» (v. 15).

     

    INTERPELAÇÕES

    • A atitude de Paulo diante das tribulações serve de modelo para os cristãos de todos os tempos, como atitude a conservar diante das provas e tribulações, quer derivem do exercício dos diversos ministérios na comunidade eclesial, quer se refiram a tantas outras situações que derivam do próprio “ser cristãos” no mundo contemporâneo. É antes de mais uma atitude de fé e de confiança que tem a eternidade como fim bem visível. A ressurreição de Cristo abriu caminho, para mostrar que a vida humana não se confina à vida terrena, mas é chamada à vida de comunhão com Jesus ressuscitado, sentado à direita do Pai. A fé na vida eterna deve continuar a iluminar o momento presente dos cristãos. Que influência tem a fé na forma como olho o mundo?
    • A comunhão eclesial é certamente uma das marcas distintivas do que significa ser cristãos. Jesus dá forma a essa comunhão através do mandamento novo do amor e reza para que esta comunhão se mantenha e seja imagem da sua comunhão com o Pai. Paulo dá mostras de a viver, porque espera continuar unido aos cristãos, a quem se dirige, também na vida eterna. Além disso, todo o seu ministério apostólico se destina a gerar novos cristãos. Paulo é exemplo do desempenho do ministério como serviço à Igreja, não para a sua glória pessoal, não para se servir a si mesmo, mas estar verdadeiramente ao serviço dos outros. Que peso tem a comunhão eclesial na minha existência crente?

     

    ALELUIA – João 12,31b-32

    Aleluia. Aleluia.

    Chegou a hora em que vai ser expulso
    o príncipe deste mundo, diz o Senhor;
    e quando Eu for levantado da terra,
    atrairei todos a Mim.

     

    EVANGELHO – Marcos 3,20-35

    Naquele tempo,
    Jesus chegou a casa com os seus discípulos.
    E de novo acorreu tanta gente,
    de modo que nem sequer podiam comer.
    Ao saberem disto, os parentes de Jesus
    puseram-se a caminho para O deter,
    pois diziam: «está fora de Si».
    Os escribas que tinham descido de Jerusalém diziam:
    «Está possesso de Belzebu,
    e ainda:
    «É pelo chefe dos demónios que Ele expulsa os demónios».
    Mas Jesus chamou-os e começou a falar-lhes em parábolas:
    «Como pode Satanás expulsar Satanás?»
    Se um reino estiver dividido contra si mesmo,
    tal reino não pode aguentar-se.
    E se uma casa estiver dividida contra si mesma,
    essa casa não pode aguentar-se.
    Portanto, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide,
    não pode subsistir: está perdido.
    Ninguém pode entrar em casa de um homem forte
    e roubar-lhe os bens, sem primeiro o amarrar:
    só então poderá saquear a casa.
    Em verdade vos digo:
    Tudo será perdoado aos filhos dos homens:
    os pecados e blasfémias que tiverem proferido;
    mas quem blasfemar contra o Espírito Santo
    nunca terá perdão: será réu de pecado eterno».
    Referia-Se aos que diziam:
    «Está possesso dum espírito impuro».
    Entretanto, chegaram sua Mãe e seus irmãos,
    que, ficando fora, mandaram-n’O chamar.
    A multidão estava sentada em volta d’Ele,
    quando Lhe disseram:
    «Tua Mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura».
    Mas Jesus respondeu-lhes:
    «Quem é minha Mãe e meus irmãos?»
    E, olhando para aqueles que estavam à sua volta, disse:
    «Eis minha Mãe e meus irmãos.
    Quem fizer a vontade de Deus
    esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe».

     

    CONTEXTO

    Em Mc 3,6, tinha terminado a secção das várias controvérsias de Jesus com diversas instituições do mundo judaico. Não quer dizer que tenha terminado o confronto com essas instituições; o nosso texto será uma boa prova desse confronto. Dentro da grande secção de Mc 3,7–8,26, a perícope de Mc 3,7–6,6 em que se encontra o nosso texto será dominada pelo contraste entre a rejeição e a aceitação de Jesus como mestre e agente de ações miraculosas: por um lado, o grupo dos doze apóstolos (cf. 3,13-19) e todos os que aceitam e fazem a vontade do Pai (3,33-35); por outro, a dificuldade da família de Jesus (cf. 3,21), dos escribas (cf. 3,22) e dos habitantes de Nazaré (cf. 6,1-6) em aceitar o ministério de Jesus.

     

    MENSAGEM

    Através da técnica literária da “narrativa em sanduiche”, o Evangelho de Marcos encara a difícil temática da identidade e origem de Jesus. Apesar de ser apenas uma técnica literária, vale a pena explicar o que significa a “narrativa em sanduiche”, para perceber o conteúdo da mensagem deste texto de Mc 3,20-35. O início e o fim do texto (v. 21) apresentam-nos a atitude da família de Jesus, de ir ao seu encontro por ter ouvido dizer que Ele «está fora de si»; a família volta à cena apenas no v. 31, com a sucessiva conclusão de Jesus a revelar quem é a sua família. Pelo meio, dentro da “sanduiche”, encontramos uma controvérsia com os escribas (vv. 22-30) sobre a origem do poder de Jesus para expulsar os demónios: se, por um lado, os escribas tentam fazer passar a ideia de uma familiaridade de Jesus com o príncipe dos demónios, Belzebu (v. 22), o Mestre demonstrará, por meio da parábola do reino dividido (vv. 23-25), que não pode pertencer nem ter qualquer familiaridade com o reino de Belzebu-Satanás, porque um reino dividido não pode levar a melhor contra o inimigo (vv. 26-27).

    A verdadeira questão deste texto é sobre a identidade de Jesus, a vários níveis, que passamos a explicitar. Antes de mais, a controvérsia com os escribas termina com uma afirmação solene dos vv. 28-29, contextualizada pelo v. 30. Diante de quem diz que Ele «está possesso de um espírito impuro» (v. 30), Jesus declara que todos «os pecados e blasfémias» serão perdoados (v. 28), mas «quem blasfemar contra o Espírito» não obterá perdão (v. 29). Dá assim a entender que a blasfémia contra o Espírito Santo seria negar a verdadeira identidade divina de Jesus, ficando associada aos demónios. Isto está em linha com a pregação apostólica, por exemplo de Paulo, em 1Cor 12,3: «Pela ação do Espírito Santo, ninguém pode dizer: “Jesus é anátema”; ninguém pode dizer: “Jesus é Senhor”, a não ser pela ação do Espírito Santo».

    Além disso, o texto termina com a afirmação de Jesus a mostrar quem é a sua família, refundando os laços familiares. Ele não está irmanado por laços de sangue, mas pela atitude diante da «vontade de Deus»: «Eis minha Mãe e meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe» (v. 35). A atitude fundamental de Jesus é a obediência à vontade de Deus, seu Pai: é isso que define a sua identidade. Para fazer parte da família de Jesus, é essencial ter a mesma atitude que Ele tem diante da vontade de Deus.

    A mensagem do nosso texto revela, portanto, a identidade de Jesus a dois níveis: por um lado, Jesus define-se pela total ligação a Deus e à sua vontade, a ponto de considerar sua família quem estiver nessa mesma atitude; por outro lado, define-se ainda pela total separação e diferenciação do Demónio-Satanás. Aliás a sua missão é, nos termos da parábola (cf. v. 27), entrar em casa do «homem forte» que é o demónio, «amarrá-lo», impedindo-o de continuar a sua ação, e «roubar-lhe os bens», ou seja, retirar do seu poder todos os que eram sua propriedade.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O tema principal do texto do Evangelho deste domingo – sobre a identidade de Jesus – mostra que desde os inícios do cristianismo os cristãos sentiram necessidade de responder à pergunta: “Quem é Jesus?”. Ainda hoje, na ação pastoral da Igreja, sobretudo nas catequeses, é importante que todos os cristãos conheçam a identidade de Jesus, até mesmo para poderem estabelecer com ele uma relação personalizada. Que importância tem o conhecimento de Jesus na minha vida espiritual?
    • Fazer parte da família de Jesus é a vocação fundamental dos cristãos de todos os tempos. Por isso, são chamados a formar comunidade, que está centrada na pessoa de Jesus e que tem como única missão fazer a vontade de Deus em todas as circunstâncias da vida. É a isso que chama o Evangelho quando Jesus apresenta a sua verdadeira família: é quem faz a vontade de Deus e toma lugar ao redor de Jesus. Sinto que vivo em comunhão com Jesus? Quais os sinais dessa familiaridade?
    • O método para estabelecer uma relação de familiaridade com Jesus passa necessariamente por seguir o seu exemplo: é Ele o primeiro a fazer a vontade de Deus, mesmo quando isso acarreta incompreensão e rejeição do seu ministério. O cristão continua no mundo a missão de Jesus e tem como único horizonte fazer a vontade de Deus; esta é uma das petições do Pai Nosso, a oração que Jesus ensina a rezar: «Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu». De que modo deixo que a minha vida seja modelada pelo cumprimento da vontade de Deus?
    • Quando o cristão se decide a seguir Jesus, isso implica necessariamente que renuncie ao mal e ao demónio. Tal como Jesus estabelece uma clara separação entre o seu serviço e o poder de Satanás, desde o primeiro momento da vida cristã, os cristãos são chamados a renunciar a Satanás e a fazer a sua profissão de fé em Deus. Na vida ordinária, isso implica que se tenha claro que algumas práticas de bruxaria, feitiçaria e cartomancia não são práticas próprias de um cristão, mas aprisionam; Jesus vem libertar-nos desse aprisionamento de Satanás e é necessário deixar-se libertar. Na minha vida cristã há lugar para estas práticas dúbias?

     

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 10.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 11º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    11º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    16 de Junho, 2024

    ANO B

    11.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

     

    Tema do 11.º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 11.º Domingo do Tempo Comum fala-nos de esperança. Lembra-nos que Deus é o Senhor da História e garante-nos que Ele nunca deixará de acompanhar os seus filhos na sua peregrinação pela terra. Ele só tem um objetivo: conduzir-nos ao encontro da Vida plena e definitiva, da felicidade sem fim.

    Na primeira leitura, o profeta Ezequiel assegura ao Povo de Deus, exilado na Babilónia, que Deus não esqueceu a Aliança, nem as promessas que fez no passado. Apesar das vicissitudes, dos desastres e das crises que as voltas da História comportam, Israel deve confiar nesse Deus que é fiel e que nunca desistirá de oferecer ao seu Povo um futuro de tranquilidade, de justiça e de paz sem fim.

    No Evangelho, Jesus compara o Reino de Deus com uma pequena semente, de aparência insignificante, mas capaz de mudar a paisagem do mundo. Ela cresce sem se fazer notada, sem dar nas vistas, sem publicidade, mas tem em si o dinamismo de Deus, um dinamismo capaz de fazer nascer um mundo novo. Esse Reino que Jesus, por mandato do Pai nos veio propor, é um presente de Deus para os seus filhos.

    A segunda leitura recorda-nos que a vida nesta terra, marcada pela finitude e pela transitoriedade, deve ser vivida como uma peregrinação ao encontro de Deus, da Vida definitiva. O cristão deve estar consciente de que o Reino de Deus (de que fala o Evangelho de hoje), embora já presente na nossa atual caminhada pela História, só atingirá a sua plena maturação no final dos tempos, quando todos os homens e mulheres se sentarem à mesa de Deus e receberem de Deus a vida que não acaba. É para aí que devemos tender, é essa a visão que deve animar a nossa caminhada.

     

    LEITURA I – Ezequiel 17, 22-24

    Eis o que diz o Senhor Deus:
    «Do cimo do cedro frondoso, dos seus ramos mais altos,
    Eu próprio arrancarei um ramo novo
    e vou plantá-lo num monte muito alto.
    Na excelsa montanha de Israel o plantarei
    e ele lançará ramos e dará frutos
    e tornar-se-á um cedro majestoso.
    Nele farão ninho todas as aves,
    toda a espécie de pássaros habitará à sombra dos seus ramos.
    E todas as árvores do campo hão de saber
    que Eu sou o Senhor;
    humilho a árvore elevada e elevo a árvore modesta,
    faço secar a árvore verde e reverdeço a árvore seca.
    Eu, o Senhor, digo e faço».

     

    CONTEXTO

    No ano de 609 a. C., o faraó Necao derrotou o rei Josias e colocou no trono de Judá Joaquim, que durante algum tempo foi vassalo do Egipto. Contudo, em 605 a.C., Nabucodonosor derrotou as tropas assírias e egípcias em Carquemish, prosseguiu a sua campanha em direção ao Egipto e assumiu o controlo da Síria e da Palestina. Joaquim ficou a pagar tributo aos babilónios. Quando, em 601, Nabucodonosor não conseguiu conquistar o Egipto, Joaquim julgou chegada a hora de se libertar do domínio babilónico. Contudo, Nabucodonosor reagiu sitiando Jerusalém, em 598 a. C., e Joaquim morreu durante o cerco, ou foi deportado para a Babilónia. Sucedeu-lhe Jeconias que, ao fim de três meses de resistência, se rendeu aos babilónios (597 a.C.).

    Nabucodonosor instalou, então, no trono de Judá um tal Sedecias. Durante algum tempo, Judá manteve-se tranquilo, pagando pontualmente os tributos devidos aos babilónios; mas, ao fim de algum tempo, aproveitando a conjuntura política favorável, Sedecias aliou-se com os egípcios e deixou de pagar o tributo. Nabucodonosor enviou imediatamente um exército que cercou Jerusalém. Apesar do socorro de um exército egípcio, Jerusalém teve de se render aos babilónios (586 a.C.). Sedecias tentou fugir da cidade; mas foi feito prisioneiro, viu os seus filhos serem assassinados e ele próprio foi levado prisioneiro para a Babilónia, onde acabou os seus dias.

    Ezequiel, o “profeta da esperança”, exerceu o seu ministério na Babilónia no meio dos exilados judeus. O profeta fez parte do primeiro grupo de exilados que, em 597 a.C., foram levados para Babilónia, após a derrota de Jeconias.

    A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em que Jerusalém foi conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor). Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das infidelidades a Javé por parte desses membros do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.

    É precisamente neste contexto que Ezequiel propõe uma parábola, que nos é apresentada ao longo do capítulo 17 do seu livro. Fala de uma “águia” (provavelmente o rei Nabucodonosor), que “veio do Líbano comer a ponta do cedro (a “casa de David”). Apanhou o ramo mais elevado” (o rei Jeconias) e levou-o “para o país dos comerciantes” (a Babilónia). Em seu lugar, plantou outra árvore (provavelmente Sedecias). Esta árvore, uma “videira”, não irá, contudo, prosperar, apesar das tentativas de aliança com o Egipto. Essa “videira” será, por sua vez, levada para a Babilónia, para o Exílio, e aí morrerá (Ez 17,16).

    A parábola é dirigida aos exilados da primeira leva que, na Babilónia, se entusiasmam com as alianças políticas entre Sedecias e os egípcios. Convencidos de que os babilónios irão ser derrotados, eles esperam poder voltar muito em breve à sua terra. Ezequiel, que vê as coisas com mais realismo, convida-os a não terem ilusões: as jogadas políticas de Sedecias não significarão a liberdade dos exilados, mas, pelo contrário, conduzirão a uma nova deportação e à destruição de Jerusalém.

    Estará então tudo terminado? Já não há esperança? Deus abandonou definitivamente o seu Povo e esqueceu as suas promessas de salvação?

    É precisamente aqui que, subitamente, Ezequiel encaixa o oráculo de salvação que a primeira leitura deste domingo nos apresenta: não, apesar das dramáticas circunstâncias do tempo presente, Deus não abandonou o seu Povo; mas irá construir com ele uma história nova, de salvação e de graça.

     

    MENSAGEM

    Deus, por intermédio de Ezequiel, garante aos exilados que não esqueceu a promessa que tinha feito a David de que a sua descendência e o seu trono subsistiriam para sempre (cf. 2 Sm 7,16). É verdade que Jeconias, o rei de Judá que descendia David (o “ramo mais elevado” do “cedro” – Ez 17,3-4) foi derrotado pela águia babilónica; mas o próprio Deus vai tomar um “ramo novo”, plantá-lo na “excelsa montanha de Israel” (Jerusalém), fazê-lo dar frutos e torná-lo uma árvore resistente e de grande porte (Ez 17,22-23). A restauração da dinastia davídica em Jerusalém assegurará a Judá um futuro de Vida, de felicidade e de paz sem fim.

    Neste oráculo Ezequiel deixa aos exilados uma forte mensagem de esperança. Começa por lhes lembrar a omnipotência e a majestade de Deus, o seu poder mil vezes demonstrado e que tantas vezes salvou o Povo. Quem preside à História dos homens não é Nabucodonosor, mas sim Javé. Ele tem um projeto de salvação e conduzirá sempre a caminhada dos homens de acordo com esse projeto. O poder orgulhoso dos impérios humanos nada pode contra Javé, o Senhor da História.

    Depois, Ezequiel recorda aos exilados que Javé sempre foi e sempre será fiel às suas promessas. Deus não falha, não esquece os seus compromissos, não abandona esse Povo com o qual se comprometeu. Mesmo afogado na angústia e no sofrimento, mesmo mergulhado num horizonte de desespero, Judá tem de aprender a confiar em Deus. Os líderes políticos podem falhar e levar o Povo por caminhos de desgraça e morte; mas Deus será sempre o rochedo firme a que o Povo se pode agarrar.

    É verdade que Nabucodonosor continua a ser o senhor do mundo, detendo um poder que parece inquebrável e que Judá está vencido e indefeso numa terra estrangeira. Mas isso nunca será obstáculo para Deus: como Israel experimentou tantas vezes, Deus toma aquilo que é insignificante aos olhos dos homens e, através dele, vence o orgulho, a prepotência, a soberba e a arrogância dos poderosos. Deus prefere os pequenos, os débeis, os pobres (aqueles que na sua humildade e simplicidade estão sempre disponíveis para acolher os desafios e os dons de Deus); e é através deles que concretiza os seus projetos de salvação e de graça.

    A promessa aqui feita do surgimento de “um ramo novo” que irá ser plantado por Deus em Jerusalém e que se tornará uma árvore vigorosa onde as aves do céu poderão construir os seus ninhos (cf. Ez 17,22) irá, durante algum tempo, alimentar nos exilados a esperança de um regresso a Jerusalém e da restauração da dinastia davídica; mas, com o passar do tempo, esta promessa foi adquirindo cada vez mais uma dimensão messiânica. Passou a ser, na catequese de Israel, uma referência ao “ungido de Deus” (o Messias) que havia de vir para concretizar plenamente as promessas de Deus e para restaurar o reino de seu pai David.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Ezequiel, nas condições terríveis do Exílio, transmite ao seu Povo uma mensagem de esperança. Ele garante aos exilados que Deus não os abandonou nem esqueceu. Deus é o Senhor do Universo, que conduz a História humana de acordo com o seu projeto de salvação; Ele é o Deus fiel em quem podemos sempre colocar a nossa confiança, com a certeza de que não ficaremos desiludidos. Esta mensagem também é para nós, homens e mulheres do séc. XXI, que viajamos pela História sob a ameaça de guerras, de conflitos, de injustiças, de maldades, de egoísmos que ferem a nossa dignidade e a dignidade de tantos dos nossos companheiros de caminho… Não estamos abandonados à nossa sorte; Deus não desistiu desta humanidade que Ele ama e continua a querer salvar. A última palavra – uma palavra que não pode deixar de ser de salvação e de graça – será sempre de Deus. Ancorados nessa certeza, temos de vencer o medo e o pessimismo que, por vezes, nos paralisam e dar aos homens nossos irmãos um testemunho de esperança, de serena confiança. Confiamos em Deus, o Senhor da História, que tem um desígnio de salvação e de graça para todos os seus filhos e filhas? Cientes do amor e da fidelidade de Deus, somos testemunhas e arautos da esperança no meio dos irmãos que caminham ao nosso lado?
    • Ezequiel também lembra aos exilados que os modelos de intervenção de Deus na História não são exatamente coincidentes com os modelos e esquemas dos homens. Enquanto os homens apostam em intervenções “musculadas” e poderosas para levar em frente os seus planos, Deus serve-se do que é débil e frágil para concretizar os seus projetos de salvação. A lógica de Deus convida-nos a repensar a nossa forma de ver, de julgar, de atuar; convida-nos a mudar os nossos critérios de avaliação e a nossa atitude face ao mundo e face aos que nos rodeiam. Por um lado, ensina-nos a valorizar aquilo e aquelas pessoas simples e humildes que o mundo, por vezes, marginaliza ou despreza; ensina-nos, por outro lado, que as grandes realizações de Deus não estão dependentes das grandes capacidades dos homens, mas antes da vontade amorosa de Deus; ensina-nos ainda que o fundamental, para sermos agentes de Deus, não é possuir brilhantes qualidades humanas, mas uma atitude de disponibilidade humilde que nos leve a acolher os apelos e desafios de Deus. A nossa forma de “abordar” o mundo e a vida tem em conta essa “lógica de Deus”? Somos capazes de “ler” os sinais de Deus na simplicidade, na humildade, na pequenez que se faz dom a todos?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 91 (92)

    Refrão: É bom louvar-Vos, Senhor.

    É bom louvar o Senhor
    e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo,
    proclamar pela manhã a vossa bondade
    e durante a noite a vossa fidelidade.

    O justo florescerá como a palmeira,
    crescerá como o cedro do Líbano;
    plantado na casa do Senhor,
    florescerá nos átrios do nosso Deus.

    Mesmo na velhice dará o seu fruto,
    cheio de seiva e de vigor,
    para proclamar que o Senhor é justo:
    n’Ele, que é o meu refúgio, não há iniquidade.

     

    LEITURA II – 2 Coríntios 5, 6-10

    Irmãos:
    Nós estamos sempre cheios de confiança,
    sabendo que, enquanto habitarmos neste corpo,
    vivemos como exilados, longe do Senhor,
    pois caminhamos à luz da fé e não da visão clara.
    E com esta confiança, preferíamos exilar-nos do corpo,
    para irmos habitar junto do Senhor.
    Por isso nos empenhamos em ser-Lhe agradáveis,
    quer continuemos a habitar no corpo,
    quer tenhamos de sair dele.
    Todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo,
    para que receba cada qual o que tiver merecido,
    enquanto esteve no corpo,
    quer o bem, quer o mal.

     

    CONTEXTO

    Por volta de 56/57, chegam a Corinto missionários itinerantes que se apresentam como apóstolos e criticam Paulo, lançando a confusão na comunidade. Trata-se, provavelmente, de “judaizantes” que queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei de Moisés; ou então de cristãos que condenam a severidade de Paulo e que apoiam o laxismo da vida dos coríntios. Em qualquer caso, trata-se de gente que põe em causa a validade do ministério de Paulo. O apóstolo, informado do que estava a acontecer, dirige-se a toda a pressa para Corinto, disposto a enfrentar o problema. O confronto é violento e Paulo é gravemente injuriado por um membro da comunidade (cf. 2 Cor 2,5-11; 7,11). Na sequência, Paulo abandona Corinto e parte para Éfeso. Passado algum tempo, Paulo envia Tito a Corinto, a fim de tentar a reconciliação. Quando Tito regressa, traz notícias animadoras: o diferendo foi ultrapassado e os coríntios estão, outra vez, em comunhão com Paulo. É nessa altura que Paulo, aliviado e com o coração em paz, escreve esta Carta aos Coríntios, explicando os princípios que norteiam o seu trabalho apostólico.

    O texto que nos é proposto está incluído na primeira parte da Carta (2 Cor 1,3-7,16), onde Paulo reflete sobre a grandeza e as dificuldades, os riscos e as compensações do ministério apostólico.

    O trabalho pastoral é extremamente exigente e está marcado por grandes tribulações (cf. 2 Cor 4,7-12). Paulo está cansado; mas, como homem de fé, “acredita e por isso fala” (cf. 2 Cor 14,13-15). Considera que, apesar de tudo, vale a pena acolher os desafios de Deus: no final do caminho percorrido nesta terra, espera-nos uma vida nova, uma Vida plena e eterna. Para pintar o contraste entre a vida nesta terra e a Vida futura, Paulo utiliza (cf. 2 Cor 5,1-4) a imagem da tenda que se monta e desmonta (que representa a vida transitória e corruptível desta terra) e da casa solidamente construída (que representa a vida plena e eterna).

     

    MENSAGEM

    A vida terrena, passageira e mortal é, para Paulo, um exílio “longe do Senhor” (vers. 6). Esse tempo de exílio neste mundo caracteriza-se por um conhecimento de Deus parcial: é o tempo da fé. Paulo – como todos os verdadeiros crentes – anseia pelo tempo “da visão” – isto é, pelo tempo do encontro face a face com Deus. Então, a vida caduca e transitória dará lugar a uma vida gloriosa e indestrutível.

    Uma leitura simplista destes versículos poderia transmitir a ideia de que Paulo negligencia a vida terrena; contudo, essa ideia não é exata… Para Paulo, a perspetiva dessa outra vida nova, plena e eterna, não significa um alhear-se das responsabilidades que temos, como crentes, enquanto caminhamos neste mundo finito e transitório. Aos crentes compete, enquanto “habitam este corpo” mortal, viver de acordo com as exigências de Deus, caminhar à luz da fé, assumir as suas responsabilidades enquanto discípulos comprometidos com Cristo e com o seu Reino. A perspetiva dessa Vida plena que nos espera para além desta terra deve estar permanentemente no horizonte do crente que caminha pela História, fundamentar e iluminar o seu compromisso e a sua fidelidade a Jesus Cristo e ao Evangelho.

    A preocupação de Paulo, neste trecho, não é apresentar uma doutrina escatológica perfeitamente definida; mas é, sobretudo, lembrar aos cristãos a sua condição de peregrinos, que “não têm morada permanente” nesta terra: o destino final de cada homem ou mulher é o encontro com o Senhor, a Vida plena e definitiva.

     

    INTERPELAÇÕES

    • O quadro civilizacional em que nos inserimos está fortemente marcado por uma cultura do provisório, que dá prioridade ao que é efémero sobre as realidades perenes com a marca da eternidade. Tendemos a viver ao sabor do imediato e do momento, subalternizando as opções definitivas e os valores duradouros. É também uma cultura do bem-estar material: ao seduzir os homens com o brilho dos bens perecíveis, ao potenciar o reinado do “ter” sobre o “ser”, escraviza o homem e relativiza a sua busca de eternidade. É ainda uma cultura da facilidade, que ensina a evitar tudo o que exige esforço, sofrimento e compromisso: produz pessoas incapazes de lutar por objetivos exigentes e por realizar projetos que exijam esforço, fidelidade, compromisso, sacrifício. Neste contexto, a palavra de Paulo aos cristãos de Corinto soa a desafio profético: é necessário que tenhamos sempre diante dos olhos a nossa condição de “peregrinos” nesta terra e que aprendamos a dar valor àquilo que tem a marca da eternidade. É nos valores duradouros – e não nos valores efémeros e passageiros – que encontramos a Vida plena. O fim último da nossa existência não está nesta terra; o nosso horizonte e as nossas apostas devem apontar sempre para o mais além, para a Vida plena e definitiva. Como é que nos situamos perante a vida: como alguém que se limita a “aproveitar o momento”, ou como alguém que caminha de olhos postos na eternidade? Quais são as nossas prioridades?
    • No entanto, o facto de vivermos a olhar para o mais além não pode levar-nos a ignorar as realidades terrenas e os compromissos com a construção da cidade dos homens. O Reino de Deus – que atingirá a sua plena maturação quando tivermos ultrapassado o transitório e o efémero da vida presente – começa a ser construído nesta terra e exige o nosso compromisso pleno com a construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais verdadeiro, mais humano. Não há comunhão com Cristo se nos demitimos das nossas responsabilidades em testemunhar os gestos e os valores de Cristo. Sentimo-nos plenamente envolvidos na construção da “cidade” dos homens? As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, como diz a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, do Concílio Vaticano II?

     

    ALELUIA

    Aleluia. Aleluia.

    A semente é a palavra de Deus e o semeador é Cristo:
    quem O encontrar permanecerá para sempre.

     

    EVANGELHO – Marcos 4, 26-34

    Naquele tempo,
    disse Jesus à multidão:
    «O reino de Deus é como um homem
    que lançou a semente à terra.
    Dorme e levanta-se, noite e dia,
    enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como.
    A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga,
    por fim o trigo maduro na espiga.
    E quando o trigo o permite, logo mete a foice,
    porque já chegou o tempo da colheita».
    Jesus dizia ainda:
    «A que havemos de comparar o reino de Deus?
    Em que parábola o havemos de apresentar?
    É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra,
    é a menor de todas as sementes que há sobre a terra;
    mas, depois de semeado, começa a crescer,
    e torna-se a maior de todas as plantas da horta,
    estendendo de tal forma os seus ramos
    que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra».
    Jesus pregava-lhes a palavra de Deus
    com muitas parábolas como estas,
    conforme eram capazes de entender.
    E não lhes falava senão em parábolas;
    mas, em particular, tudo explicava aos seus discípulos.

     

    CONTEXTO

    Estamos na Galileia, nas margens do lago de Tiberíades, certamente junto da cidade de Cafarnaum. Uma grande multidão está com Jesus, interessada em escutar os seus ensinamentos (cf. Mc 3,7.20.32; 4,1). Então, Jesus “sobe para um barco e senta-se nele”, ficando a multidão na margem, a escutá-l’O (Mc 4,1-2). Para que o anúncio do Reino de Deus chegue ao coração dos que O seguem, Jesus usa uma linguagem acessível, viva, interpeladora, concreta, pedagógica… As suas histórias curtas, incisivas, recamadas de imagens, podem ser catalogadas na categoria das “parábolas”.

    As “parábolas” são uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio Oriente: o génio oriental gosta mais de falar e instruir através de imagens, de comparações, de alegorias, do que através de um discurso mais lógico, mais frio, mais racional. De resto, a linguagem parabólica tem várias vantagens em relação a um discurso mais racional e expositivo. Que vantagens?

    Em primeiro lugar, é uma excelente arma de controvérsia. A linguagem figurada permite levar o interlocutor a admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. A parábola é, pois, um bom instrumento de diálogo, sobretudo em contextos polémicos (como era, quase sempre, o contexto em que Jesus pregava).

    Em segundo lugar, a imagem ou comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito mais rica em força de comunicação e em poder de evocação, do que a simples exposição teórica. Talvez seja uma linguagem mais vaga e imprecisa, do ponto de vista racional; mas é mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, “mexe” mais com os ouvintes.

    Em terceiro lugar, porque a linguagem parabólica – muito mais do que outro tipo de linguagem – espicaça a curiosidade e incita à busca. Na sua simplicidade, torna-se um verdadeiro método pedagógico, que leva as pessoas a pensar por si, a medir os prós e os contras, a tirar conclusões, a interiorizar soluções e a integrá-las na própria vida. É uma linguagem que, mais do que injetar nas pessoas soluções feitas, as leva a refletir e a tirar daí as devidas consequências. Trata-se, pois, de linguagem altamente subversiva: ensina o povo a pensar, a ser crítico, a descobrir onde está a verdade. Ora, isso é altamente incómodo para os defensores do mundo velho e da ordem estabelecida.

    Uma linguagem tão sugestiva não podia ser ignorada por Jesus no seu anúncio do reino de Deus. O evangelho deste décimo primeiro domingo do tempo comum apresenta-nos precisamente duas das mais conhecidas parábolas de Jesus.

     

    MENSAGEM

    A primeira parábola (vers. 26-29) é a do grão que germina e cresce por si só. A parábola refere a intervenção do agricultor apenas no ato de semear e no ato de ceifar. Cala, de propósito, qualquer menção às demais ações do agricultor: arar a terra, regar a semente, tirar as ervas que a impedem de crescer… Ao narrador interessa apenas que, entre a sementeira e a colheita, a semente vá crescendo e amadurecendo, sem que o homem intervenha para impedir ou acelerar o processo. A questão essencial não é o que o agricultor faz, mas o dinamismo vital da semente. O resultado final não depende dos esforços e da habilidade do homem, mas sim do dinamismo da semente que foi lançada à terra. Desta forma, o narrador ensina que o Reino de Deus (a semente) é uma iniciativa divina: é Deus quem atua no silêncio da noite, no tumulto do dia ou na turbulência da História para que o Reino aconteça; e nenhum obstáculo poderá frustrar o seu plano. Provavelmente, a parábola é dirigida contra todas as posturas que pretendiam forçar a vinda do Reino – a dos zelotas que queriam instaurar o Reino através da violência das armas, a dos fariseus que pretendiam forçar o aparecimento do Reino com a obediência a uma disciplina legal, a dos apocalípticos que faziam cálculos precisos sobre a data da irrupção do Reino. Não adianta forçar o tempo ou os resultados: é Deus que dirige a marcha da História e que fará com que o Reino aconteça, de acordo com o seu tempo e o seu projeto. Desta forma, a parábola convida à serenidade e à confiança nesse Deus que não dorme nem se demite e que não deixará de realizar, a seu tempo e de acordo com a sua lógica, o seu plano para os homens e para o mundo.

    A segunda parábola (vers. 30-32) é a do grão de mostarda. O narrador pretende, fundamentalmente, pôr em relevo o contraste entre a pequenez da semente (a semente da mostarda negra tem um diâmetro aproximado de 1,6 milímetros e era a semente mais pequena, no entendimento popular; a tradição judaica celebrava com provérbios a sua pequenez) e a grandeza da árvore (nas margens do lago da Galileia alcançava uma altura de 2 a 4 metros). A comparação serve para dizer que a semente do Reino lançada pelo anúncio de Jesus pode parecer uma realidade pequena e insignificante, mas está destinada a atingir todos os cantos do mundo, encarnando em cada pessoa, em cada povo, em cada sociedade, em cada cultura. O Reino de Deus, ainda que tenha inícios modestos ou que se apresente com sinais de debilidade e pequenez aos olhos do mundo, tem uma força irresistível, pois encerra em si o dinamismo de Deus. Além disso, a parábola retoma um tema que já havíamos encontrado na primeira leitura: Deus serve-Se de algo que é pequeno e insignificante aos olhos do mundo para concretizar os seus projetos de salvação e de graça em favor dos homens.

    A parábola é um convite à esperança, à confiança e à paciência. Nos factos aparentemente irrelevantes, na simplicidade e normalidade de cada dia, na insignificância dos meios, esconde-se o dinamismo de Deus que atua na História e que oferece aos homens caminhos de salvação e de Vida plena.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A cada instante os meios de comunicação social colocam à nossa disposição um volume considerável de informação. É uma boa coisa estarmos informados sobre o que acontece à nossa volta; mas, muitas vezes, aquilo que ouvimos e lemos traz-nos preocupação e angústia. Todos os dias somos submergidos por uma avalanche de histórias de violência, de injustiça, de exploração dos mais fracos, de ganância, de orgulho, de ambição, de egoísmo. Perguntamo-nos, diante do quadro com que nos deparamos, se Deus perdeu o controle da História e se desistiu de nós… Ficamos com a impressão de que o nosso mundo é um barco desgovernado que caminha para um desastre anunciado. Jesus não tinha essa perspetiva das coisas. Ele achava que Deus semeou no mundo uma semente boa – a semente do Reino de Deus – e que essa semente está todos os dias a germinar, a crescer, a desenvolver-se, a dar fruto. E é verdade: os gestos de amor, de partilha, de serviço, de perdão que acontecem no nosso mundo são mil vezes mais do que os gestos de maldade, os gestos que causam sofrimento e dor. Como é que “lemos” aquilo que vemos acontecer à nossa volta? Como uma história de fracasso, ou como uma história de salvação onde Deus, sem dar nas vistas, está a atuar? Somos capazes de ver os sinais do Reino de Deus na vida e na história do nosso tempo?
    • Jesus veio lançar nos corações a semente do Reino de Deus. Fê-lo, com palavras e gestos, por toda a Galileia e Judeia, até dar a vida na cruz. Depois, quando voltou para o Pai, deixou aos seus discípulos a missão de continuarem a sementeira do Reino. Talvez não nos sejam pedidas coisas grandes capazes de transformar, de um instante para o outro a face do mundo; mas é-nos pedido que espalhemos à nossa volta pequenas sementes de Evangelho, que depois crescem e mudam o mundo e as vidas: um gesto amistoso dirigido a alguém que vive desorientado, um sorriso acolhedor oferecido a alguém que se sente abandonado, um sinal de proximidade acenado a alguém que está desesperado… Somos, de facto, “semeadores do Reino? As nossas palavras e os nossos gestos dão testemunho desse mundo novo que Jesus veio propor?
    • Os que, continuando a missão de Jesus, anunciam a Palavra (que lançam a semente) não devem preocupar-se com a forma como ela cresce e se desenvolve. Devem, apenas, confiar na eficácia da Palavra anunciada, conformar-se com o tempo e o ritmo de Deus, confiar na ação de Deus e no dinamismo intrínseco da Palavra semeada. Isso equivale a respeitar o crescimento de cada pessoa, o seu processo de maturação, a sua busca de caminhos de Vida e de plenitude. Não nos compete exigir que os outros caminhem ao nosso ritmo, que pensem como nós, que passem pelas mesmas experiências e exigências que para nós são válidas. Preocupamo-nos em respeitar a consciência e o ritmo de caminhada de cada homem ou mulher, como Deus sempre faz?
    • A referência à pequenez da semente (segunda parábola) convida-nos – como já o havia feito a primeira leitura deste domingo – a rever os nossos critérios de atuação e a nossa forma de olhar o mundo e os nossos irmãos. Os exemplos que a história da salvação nos revela não deixam margem para qualquer dúvida: é naquilo que é pequeno, débil e aparentemente insignificante que Deus Se revela. Deus está nos pequenos, nos humildes, nos pobres, nos que renunciaram a esquemas de triunfalismo e de ostentação; e é através deles que Deus transforma o mundo e faz acontecer a salvação. Sempre que nos deixamos levar por tentações de grandeza, de orgulho, de prepotência, de vaidade, estamos a ir em sentido contrário ao do Reino de Deus e estamos a frustrar o projeto de Deus. Temos consciência disto?

     

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 11.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 12º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    12º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    23 de Junho, 2024

    ANO B

    12.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

     Tema do 12.º Domingo do Tempo Comum

    A vida pode ter momentos assustadores, momentos de inquietação e de crise em que perdemos o pé e sentimos que nos afundamos. Onde está Deus, nesses momentos? Ele “importa-se” connosco? A liturgia deste 12.º domingo comum garante-nos: Deus não abandona nem ignora os filhos e filhas que criou; Ele ampara-os com amor fiel, vigilante e criador. Ele vai sempre ao nosso lado, cuidando de nós, em cada passo da viagem da vida.

    Na primeira leitura Deus revela-se a um crente chamado Job como o Senhor que domina o mar e conhece os segredos do universo e da vida. Nada na criação lhe é indiferente: Ele cuida de todos os seres criados com amor de pai e de mãe. Ao homem resta entregar-se nas mãos desse Deus omnipotente e cheio de amor, com humildade e com total confiança.

    No Evangelho, Marcos propõe-nos uma catequese sobre a presença tranquilizadora e pacificadora de Jesus na viagem que a Igreja e os discípulos vão fazendo pela história. Com Jesus no barco, os discípulos estarão sempre aptos a enfrentar todo o tipo de tempestades; com Jesus no comando, eles sabem que a meta final da viagem não pode deixar de ser o porto seguro onde os espera a Vida verdadeira.

    A segunda leitura Paulo convida-nos a olhar para a cruz e a contemplar o amor de Jesus expresso na entrega total da sua vida ao projeto do Pai em favor dos homens. Deus enviou o seu Filho para caminhar connosco e nos ensinar a viver no amor. É precisamente isso que move Paulo no seu apostolado: ele considera que a sua missão é dar testemunho desse amor, a fim de que todos os que escutam a Boa nova de Jesus possam viver como pessoas novas, libertas do egoísmo que escraviza e mata.

     

    LEITURA I – Job 38,1.8-11

    O Senhor respondeu a Job do meio da tempestade, dizendo:
    «Quem encerrou o mar entre dois batentes,
    quando ele irrompeu do seio do abismo,
    quando Eu o revesti de neblina
    e o envolvi com uma nuvem sombria,
    quando lhe fixei limites e lhe tranquei portas e ferrolhos?
    E disse-lhe:
    ‘Chegarás até aqui e não irás mais além,
    aqui se quebrará a altivez das tuas vagas’».

     

    CONTEXTO

    O Livro de Job é um clássico da literatura universal, não só pela sua extraordinária beleza literária, mas também pelas questões que aborda e que tocam o âmago da existência humana. A história de Job serve de pretexto para refletir sobre alguns dos grandes desafios que se colocam aos homens de todas as épocas, nomeadamente a questão do sofrimento do justo inocente, a situação do homem diante de Deus e a atitude de Deus face ao homem.

    Apresenta-nos a história de um homem bom e justo (Job), repentinamente atingido por um vendaval de desgraças que lhe rouba a riqueza, a família e a própria saúde. No corpo central do livro (cf. Job 3,1-37,24), Job interroga-se acerca da origem do sofrimento que o atingiu e do papel de Deus no seu drama pessoal. Alguns dos amigos de Job procuram responder às suas questões, apresentando as explicações dadas pela teologia oficial: o sofrimento é sempre o resultado do pecado do homem; assim, se Job está a sofrer, é porque pecou… Com a veemência que vem de uma consciência em paz, Job recusa conclusões tão simplistas e demonstra a falência da doutrina oficial para explicar o seu drama pessoal. Com um apurado sentido crítico, Job vai desmontando os dogmas fundamentais da fé de Israel e recusando esse Deus “contabilista” que Se limita a registar as ações boas e más do homem para lhe pagar em conformidade. Deus não pode ser isso; e o caso concreto de Job prova-o.

    Rejeitada a explicação tradicional para o drama do sofrimento, Job dirige-se diretamente àquele que lhe pode fornecer as respostas: o próprio Deus. No seu discurso, muito crítico, cruzam-se a animosidade, a violência, as queixas, o inconformismo, a dúvida, a revolta, com a esperança, a fé e a confiança em Deus. Quando, finalmente, Deus enfrenta Job, recorda-lhe o seu lugar de criatura, limitada e finita; mostra-lhe como só Ele conhece as leis que regem o universo e a vida, mostra-lhe a sua preocupação e o seu amor com cada ser criado; convida-o a não se pôr em bicos de pés, a ocupar o seu lugar de criatura e a não pôr em causa os desígnios de Deus para o mundo, já que esses desígnios ultrapassam infinitamente a capacidade de compreensão e de entendimento de qualquer criatura. Deus tem uma lógica, um plano, um projeto que ultrapassa infinitamente aquilo que cada homem (também Job) poderá entender.

    A história termina com Job a perceber o seu lugar, a reconhecer a transcendência de Deus e a incompreensibilidade dos seus projetos, a entregar-se nas mãos de Deus com humildade e confiança.

    O texto que nos é proposto faz parte do discurso com que Deus responde a Job (cf. Job 38,1-40,2). Nesse discurso, Deus coloca a Job uma série de questões sobre a terra, o mar, os grandes mistérios da natureza e da vida; a finalidade não é obter respostas de Job, mas levá-lo a perceber os seus limites, a sua ignorância, a sua incapacidade para entender o mistério insondável de Deus e os projetos que Deus tem para o mundo e para os homens.

     

    MENSAGEM

    O nosso texto começa por apresentar Javé a responder a Job “do meio da tempestade” (vers. 1). É o quadro habitual das teofanias (cf. Ex 19,16). Serve para emoldurar a manifestação aos homens do Deus todo-poderoso, o soberano de toda a terra. É esse o ponto de partida: Job deve estar ciente de que Aquele que lhe vai falar é o Deus omnipotente, o Senhor do universo e da História, cuja grandeza e mistério ultrapassa infinitamente a capacidade de compreensão do homem.

    Portanto, Deus manifesta-se a Job e fala com ele. O objetivo dessa manifestação, mais do que responder às questões de Job, é fazê-lo perceber a insensatez das suas críticas. Depois de se apresentar como o grande arquiteto que construiu a terra (cf. Job 38,4-7), Javé descreve aquilo que fez em relação ao mar.

    As antigas lendas mesopotâmicas sobre a criação apresentavam as “águas salgadas” (representadas pela deusa Tiamat) como um monstro criador do caos e da desordem; na sua luta para organizar o cosmos, Marduk, o deus mesopotâmico da ordem, lutou contra o mar e, com muito esforço, venceu-o e pôs-lhe limites.

    O Povo bíblico foi, naturalmente, influenciado pelos mitos de criação mesopotâmicos; por isso, sempre viu no mar uma realidade assustadora, indomável, orgulhosa, desordenada, onde residiam os poderes caóticos que o homem não conseguia controlar… Mas aqui Deus descreve, de forma muito pacífica e muito bela, a forma como lidou com essa força ameaçadora que Marduk teve tanta dificuldade em controlar: logo que o mar saiu “do seio materno” (“irrompeu do seio do abismo” – vers. 8), Deus tratou-o como um recém-nascido, com cuidados e carícias, vestindo-o de neblina e colocando-lhe uma faixa de nuvens (vers. 9); depois, para que ele ao crescer não se tornasse força indomável, “encerrou-o entre dois batentes” (vers. 8) e “fixou-lhe os limites” (vers. 10). O mar, controlado e tratado com amor, é um testemunho do poder supremo de Deus; mostra o domínio perfeito de Deus sobre toda a criação.

    Ao recordar a Job a sua ação criadora sobre o mar, Javé apresenta-Se, antes de mais, intocável na sua transcendência e majestade; e mostra, depois, que tem para a criação um plano estável, amadurecido, consolidado, irrevogável… Quem é Job para pôr em causa os desígnios desse Deus criador que, com a sua Palavra, controlou o mar? Job é convidado a aceitar que um Deus de quem depende toda a criação, que até submete o mar, que cuida da criação com cuidados de mãe, sabe o que está a fazer e tem uma solução para os problemas e dramas do homem… O homem, na sua situação de criatura finita e limitada, é que nem sempre consegue ver e perceber o alcance e o sentido último do projeto de Deus.

    Só Deus tem todas as respostas, só Deus conhece os segredos do universo e da vida. Ao homem, finito e limitado, resta entregar-se nas mãos desse Deus omnipotente e cheio de amor, adorá-l’O e louvá-l’O, confiar na sua sabedoria, ver n’Ele a sua esperança e a sua salvação.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Convivemos diariamente com realidades que são, para nós, fonte de inquietação: o terrorismo e a violência mergulham-nos num clima de ansiedade e de medo; as doenças, novas e velhas, geram angústia e sofrimento; as catástrofes naturais obrigam-nos a tomar consciência da nossa fragilidade e impotência diante das forças da natureza; as injustiças e arbitrariedades provocam revolta e descontentamento social; o desmoronamento de velhas estruturas políticas e sociais trazem insegurança e anarquia… E nós, movendo-nos neste cenário, sentimo-nos confusos e desorientados. Porque não existe ordem e harmonia no nosso mundo? Então, viramo-nos para Deus e atiramos-Lhe as nossas perguntas ou lançamos-Lhe à cara as nossas certezas. Por vezes, criticamos a sua indiferença face aos dramas do mundo; outras vezes, sentimos a tentação de Lhe mostrar, de forma clara e lógica, como é que Ele devia atuar para que o mundo fosse mais ordenado e harmonioso… Pomo-nos em bicos de pés, como se nos quiséssemos colocar no lugar de Deus e dar-Lhe lições. Estamos conscientes da omnipotência de Deus e dos nossos limites, enquanto seres humanos frágeis e limitados? Assumimos com humildade o nosso lugar de criaturas que não conseguem abarcar a grandeza e o sentido pleno dos projetos que Deus tem para o mundo e para os homens?
    • Na verdade, o Deus que criou tudo o que existe, que estabeleceu as leis que regem o universo, que conhece os segredos de cada uma das suas criaturas, que cuida de cada ser com cuidados de pai e de mãe, que mil vezes manifestou na história o seu amor e a sua bondade, não pode ignorar os problemas do homem, ou deixar que a humanidade chegue a um beco sem saída. Ele tem um projeto coerente, maduro, estável, irrevogável para o mundo e para os homens; Ele conduz-nos, através das armadilhas da história, ao encontro da realização plena, da Vida definitiva. Esta certeza deve colorir o nosso caminho de todos os dias com as cores da esperança. Somos homens e mulheres de esperança?
    • Mergulhados no mistério insondável desse Deus omnipotente, por vezes desconcertante e incompreensível, resta-nos entregarmo-nos nas suas mãos com humildade e confiança. Há desafios que Deus nos coloca e que parecem não fazer sentido à luz de uma lógica puramente humana; há caminhos que Deus nos aponta que subvertem absolutamente as nossas certezas e os nossos projetos pessoais ou comunitários; há situações da nossa vida para as quais não encontramos respostas nem sentido… Atrevemo-nos a saltar confiadamente para os braços de Deus, acreditando que Ele não nos deixa cair? É assim a nossa fé?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 106 (107)

    Refrão 1: Dai graças ao Senhor,
    porque é eterna a sua misericórdia.

    Refrão 2: Cantai ao Senhor, porque é eterno o seu amor.

    Os que se fizeram ao mar em seus navios,
    a fim de labutar na imensidão das águas,
    esses viram os prodígios do Senhor
    e as suas maravilhas no alto mar.

    À sua palavra, soprou um vento de tempestade,
    que fez encapelar as ondas:
    subiam até aos céus, desciam até ao abismo,
    lutavam entre a vida e a morte.

    Na sua angústia invocaram o Senhor
    e Ele salvou-os da aflição.
    Transformou o temporal em brisa suave
    e as ondas do mar amainaram.

    Alegraram-se ao vê-las acalmadas,
    e Ele conduziu-os ao porto desejado.
    Graças ao Senhor pela sua misericórdia,
    pelos seus prodígios em favor dos homens.

     

    LEITURA II – 2 Coríntios 5,14-17

    Irmãos:
    O amor de Cristo nos impele,
    ao pensarmos que um só morreu por todos
    e que todos, portanto, morreram.
    Cristo morreu por todos,
    para que os vivos deixem de viver para si próprios,
    mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles.
    Assim, daqui em diante,
    já não conhecemos ninguém segundo a carne.
    Ainda que tenhamos conhecido a Cristo segundo a carne,
    agora já não O conhecemos assim.
    Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
    As coisas antigas passaram: tudo foi renovado.

     

    CONTEXTO

    Na Primeira Carta aos Coríntios, Paulo tinha criticado alguns membros da comunidade por viverem de forma pouco condizente com os valores cristãos. Ora, a crítica de Paulo provocara uma reação extremada de algumas pessoas da comunidade e uma campanha organizada no sentido de desacreditar o apóstolo. É provável que essa campanha tenha sido instigada por missionários itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de Paulo (afirmavam, inclusive, que Paulo era inferior aos outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus enquanto Ele andou pela Palestina com os seus discípulos). Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detratores. Depois, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar compor as coisas.

    Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.

    Reconfortado, Paulo escreveu novamente aos coríntios, fazendo uma tranquila apologia do seu apostolado e apresentando os princípios que sempre nortearam o seu ministério apostólico. Juntou ainda, nesse escrito, um apelo a que os coríntios colaborassem numa coleta em favor dos pobres da Igreja de Jerusalém, que por essa altura viviam com bastante dificuldade. Além da ajuda económica, esse gesto solidário pretendia fomentar a unidade e a comunhão entre as Igrejas. Esse escrito é a nossa Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.

    O texto que nos é proposto como segunda leitura neste décimo segundo domingo comum integra a primeira parte da Carta (cf. 2 Cor 1,3-7,16), onde Paulo analisa as suas relações com a comunidade de Corinto e explica os valores que ele sempre procurou seguir enquanto missionário e testemunha de Jesus.

     

    MENSAGEM

    O que é que realmente “move” Paulo? Qual a razão do seu ministério? Porque é que Paulo – que até nem conheceu o Jesus histórico, como os Doze – insiste em anunciá-lo? Paulo não estará a extravasar as suas funções?

    Paulo fez a experiência do amor de Cristo e deixou-se tocar por esse amor. Descobriu que “Cristo morreu por todos”, fazendo da sua vida um dom de amor. Cristo não viveu para si próprio, nunca pôs os seus interesses pessoais acima do plano salvador que o Pai lhe tinha confiado; mas deu a sua vida, até às últimas consequências, para mudar as nossas vidas e para nos oferecer a salvação de Deus. A sua entrega na cruz é a expressão mais alta de um amor total e incondicional.

    Quem olha para a cruz não pode deixar de sentir-se interpelado pelo exemplo de amor que Cristo deixou; e, contemplando o exemplo de Jesus, aprende a não viver fechado em si mesmo, de forma egocêntrica, mas a viver com o coração aberto a Deus e aos irmãos (vers. 15). É esta “boa nova” que absorve Paulo completamente e que ele sente que deve testemunhar a todos os seus irmãos.

    Com franqueza, Paulo admite que, no passado, entendeu Cristo “à maneira humana” e não percebeu que a sua doação até à morte era expressão de um amor ilimitado; mas, depois de se ter encontrado com Cristo ressuscitado na estrada de Damasco, Paulo passou a entender Cristo e a ver as coisas de forma diferente (vers. 16). Desde esse momento, nunca deixou de dar testemunho do amor de Jesus.

    Paulo quer anunciar – por mandato de Cristo – que a adesão a Cristo faz desaparecer o homem velho do egoísmo e do pecado e faz surgir uma nova criatura (vers. 17). A palavra grega aqui utilizada por Paulo (“ktisis”) pode significar “criação”, “criatura” ou “humanidade”. O cristão, que aderiu a Cristo, é uma nova criatura, o membro de uma nova humanidade. Identificado com Cristo, torna-se um Homem novo, um Homem que vive por amor e que caminha ao encontro da Vida plena e verdadeira, da salvação definitiva.

    Paulo conheceu o amor de Cristo e tornou-se uma nova criatura; e não deixará nunca de dar testemunho disto diante do mundo inteiro.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Paulo convida-nos a olhar para a cruz e a contemplar o amor de Jesus. A cruz não pode apenas ser um enfeite de ouro que trazemos ao pescoço; mas tem de ser um programa de vida, um programa que o próprio Jesus nos deixou. Aquele Homem que está na cruz, que ama sem medida e que se dá completamente – até à última gota de sangue – para mudar as nossas vidas convida-nos a repensar o nosso estilo de vida, os nossos modelos de construção do mundo, os nossos valores… O “amor até ao extremo” que Jesus mostra na cruz é uma violenta denúncia da nossa indiferença diante dos desprezados, dos marginalizados, dos que não têm condições para viver com dignidade; o despojamento total de Jesus na cruz, por amor, questiona a nossa apatia diante de tantos nossos irmãos que não têm pão, nem casa, nem acesso à instrução ou à saúde; a entrega de Jesus “por todos” põe em causa o nosso egoísmo diante de tantos e tantos irmãos que olhamos sem ver e que todos os dias deixamos abandonados e perdidos nas estradas da vida… Quando contemplamos a cruz de Jesus, o que é que vemos? O que é que sentimos? O amor de Jesus de que a cruz fala tão eloquentemente, inspira-nos a amar, a cuidar, a salvar os nossos irmãos?
    • O objetivo de Deus é fazer aparecer o Homem Novo e a Nova Humanidade. Aos homens, é pedido que aceitem a proposta de Deus, que aceitem renunciar à vida velha do egoísmo e da escravidão e que aceitem nascer, livres e transformados, para o amor que nos torna livres. Como é que acolhemos esta proposta de Deus? Ela conta alguma coisa para nós?
    • Paulo, depois de ter encontrado Jesus, de ter aderido à sua proposta e de ter feito a experiência da liberdade e da Vida nova, tornou-se testemunha, diante dos homens, do projeto salvador e libertador de Deus para os homens. Cada homem e cada mulher que se encontra com Jesus e que faz a mesma experiência de Paulo, tem de tornar-se arauto das propostas de Deus e de anunciar aos seus irmãos, com gestos concretos, essa oferta de Vida nova e verdadeira que Deus nos faz. Nós, os que somos “de Jesus”, somos testemunhas, com palavras e gestos concretos, da Vida nova e da salvação de Deus?

     

    ALELUIA – Lucas 7,16

    Aleluia. Aleluia.

    Apareceu entre nós um grande profeta:
    Deus visitou o seu povo.

     

    EVANGELHO – Marcos 4,35-41

    Naquele dia, ao cair da tarde,
    Jesus disse aos seus discípulos:
    «Passemos à outra margem do lago».
    Eles deixaram a multidão
    e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado.
    Iam com Ele outras embarcações.
    Levantou-se então uma grande tormenta
    e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água.
    Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada.
    Eles acordaram-n’O e disseram:
    «Mestre, não Te importas que pereçamos?»
    Jesus levantou-Se,
    falou ao vento imperiosamente e disse ao mar:
    «Cala-te e está quieto».
    O vento cessou e fez-se grande bonança.
    Depois disse aos discípulos:
    «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»
    Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros:
    «Quem é este homem,
    que até o vento e o mar Lhe obedecem?»

     

    CONTEXTO

    Jesus está junto do Mar da Galileia (cf. Mc 4,1), talvez ao lado da cidade de Cafarnaum. Acabou de apresentar à multidão que o rodeia o seu anúncio, em parábolas, sobre o Reino de Deus (cf. Mc 4,2-34). Com o dia a terminar (“ao entardecer”), Jesus decidiu passar “à outra margem”. Do ponto de vista geográfico, a “outra margem” do Mar da Galileia é o território pagão da “Decápole”: era o nome dado a uma região situada na Palestina oriental, que se estendia desde Damasco, ao norte, até Filadélfia, ao sul. As “dez cidades” (“Decápole”) situadas nesse território (Damasco, Filadélfia, Rafana, Beth Shean, Gadara, Hipos, Diom, Pela, Gerasa e Canata) formavam uma confederação, constituída após a conquista da Palestina pelos romanos, no ano 63 a.C.. Eram cidades de cultura grega, não sujeitas às leis judaicas. Estavam sob a administração direta do legado romano da Síria. Os judeus consideravam os habitantes da “Decápole” como pagãos, que viviam completamente à margem dos caminhos da salvação.

    O episódio que Marcos nos narra, no Evangelho deste domingo, passa-se durante a travessia do “Mar da Galileia”. Na realidade, o designado “Mar da Galileia” não é um “mar”, mas antes um lago de água doce, alimentado sobretudo pelas águas do rio Jordão, com cerca de 12 quilómetros de largura e 21 quilómetros de comprimento. As tempestades que se levantavam neste “mar”, causadas pelo cruzamento dos ventos que vêm do Mar Mediterrâneo com os ventos que vêm do deserto, podiam aparecer subitamente e ser especialmente violentas.

    Para entendermos melhor o que está em causa no episódio que hoje Marcos nos propõe, convém ter presente o que dissemos na primeira leitura a propósito do que o “mar” significava para a mentalidade judaica: era uma realidade assustadora, indomável, orgulhosa, desordenada, onde residiam os poderes caóticos que o homem não conseguia controlar e onde estavam os poderes maléficos que queriam destruir os homens… Só Deus, com o seu poder e majestade, podia pôr limites ao mar, dar-lhe ordens e libertar os homens dessas forças descontroladas do caos que o mar encerrava.

    Mais do que uma crónica fiel de uma viagem de Jesus com os discípulos através do Mar da Galileia, a narração que Marcos nos apresenta deve ser vista como uma página de catequese. Usando elementos com uma forte carga simbólica (o mar, o barco, a tempestade, a noite, o sono de Jesus), Marcos apresenta-nos uma reflexão sobre a comunidade dos discípulos em marcha pela história. Marcos escreve numa época em que a Igreja de Jesus enfrenta sérias “tempestades” (perseguição de Nero, problemas internos causados pela diferença de perspetivas entre judeo-cristãos e pagano-cristãos, dificuldades sentidas pelas comunidades em encontrar o caminho para o futuro…); e propõe-se, com a sua narrativa, apresentar aos crentes indicações sobre a forma de viverem a sua fé e o seu compromisso com Jesus.

     

    MENSAGEM

    Reparemos, em primeiro lugar, no cenário em que Marcos nos situa: no mar, ao anoitecer (vers. 35). Situar o barco com Jesus e os discípulos “no mar”, é colocá-los num ambiente hostil, adverso, perigoso, caótico, rodeados pelas forças que lutam contra Deus e contra a felicidade do homem. Por outro lado, a “noite” é o tempo das trevas, da falta de luz; aparece como elemento ligado com o medo, com o desânimo, com a falta de perspetivas. O “mar” e a “noite” definem uma realidade de dificuldade, de hostilidade, de incompreensão, de “sombras”. Muitas vezes é esse o “cenário” das nossas “viagens”.

    No “barco” vão Jesus e os discípulos (vers. 36). O “barco” é, na catequese cristã, o símbolo da comunidade de Jesus (a Igreja) que navega pela história. Jesus está no “barco”, mas são os discípulos que se encarregam da navegação, pois é a eles que é confiada a tarefa de conduzir a comunidade pelo mar da vida.

    O “barco” dirige-se “para a outra margem” (vers. 35b), ao encontro das terras dos pagãos. Marcos alude aqui, muito provavelmente, à missão da comunidade cristã, convidada por Jesus a ir ao encontro dos homens e mulheres de todas as raças e culturas para lhes levar Jesus e a sua proposta libertadora.

    Durante a travessia, Jesus “dorme” (vers. 38). O sono tranquilo de Jesus pode significar a paz e a serenidade que Ele pretende transmitir aos seus discípulos ao longo da “viagem” que faz com eles. Mas também pode querer dizer que os discípulos, ao longo da “viagem”, têm por vezes a sensação de que estão sós, abandonados à sua sorte e que Jesus não está com eles ou não se importa com eles. A “ausência” de Jesus nunca será realidade: Ele próprio garantiu aos discípulos que estaria sempre com eles “até ao fim dos tempos” (cf. Mt 28,20). Talvez seja o ativismo frenético dos discípulos que não lhes dá espaço para repararem em Jesus, que vai à popa, no lugar de comando do barco.

    A “tempestade” (vers. 37) significa as dificuldades que o mundo opõe à missão dos discípulos. É provável que Marcos estivesse a pensar numa “tempestade” concreta, talvez a perseguição de Nero aos cristãos de Roma, durante a qual foram mortos Pedro e Paulo, bem como muitos outros cristãos (anos 64-68); mas a “tempestade” refere-se também a todos os momentos de crise, de perseguição, de hostilidade que os discípulos terão de enfrentar ao longo do seu caminho histórico, até ao fim dos tempos.

    Jesus, respondendo ao apelo dos discípulos, acalma a fúria do mar e do vento, com a sua Palavra imperiosa e dominadora (vers. 39). Já dissemos atrás que, na teologia judaica, só Deus era capaz de dominar o mar e as forças hostis que se albergavam no mar. Jesus aparece assim, como o Deus que acompanha a difícil caminhada dos discípulos pelo mundo e que cuida deles no meio das dificuldades e da hostilidade do mundo.

    Depois de acalmar o mar e o vento, Jesus dirige-Se aos discípulos e repreende-os pela sua falta de fé (vers. 40: “porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?”). Os discípulos, depois do caminho feita com Jesus, já deviam saber que Ele nunca está ausente, nem alheado da vida da sua comunidade. Eles não podem esquecer que, sejam quais forem as circunstâncias, Jesus vai com eles no mesmo “barco” e que, por isso, nada têm a temer. A comunidade de Jesus tem de estar consciente de que Jesus está sempre presente e que, portanto, as tempestades da história não poderão impedi-la de concretizar no mundo a missão que lhe foi confiada.

    O nosso texto termina com o “temor” dos discípulos e a pergunta que eles fazem uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” (vers. 41). O “temor” define o estado de espírito do homem diante da divindade. No universo bíblico, este “temor” não apresenta carácter de pânico ou de medo servil, mas encerra um misterioso poder de atração que se traduz em obediência, entrega, confiança, entusiasmo. Tal atitude positiva deriva da experiência que o crente israelita tem de Deus: Javé é um Deus presente, que guia o seu Povo com uma solicitude paternal e maternal. Por isso, o crente, se por um lado tem consciência da omnipotência de Deus, por outro lado sabe que pode confiar incondicionalmente n’Ele e entregar-se nas suas mãos. A resposta à questão (“quem é este?”) já está, portanto, dada: o “temor” dos discípulos significa que eles reconhecem que Jesus é o Deus presente no meio dos homens, e a quem os homens são convidados a aderir, a confiar, a obedecer com total entrega.

    É com esse Jesus – o Deus que está ao nosso lado em cada metro do caminho e que nos ajuda a enfrentar todas as tempestades, todas as crises, todos os medos – que viajamos. Ele vai à popa do nosso barco, ao comando. Com Ele viajamos tranquilos, ainda que o barco não pare de balouçar nas ondas da vida.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A imagem de um barco onde os discípulos viajam, na companhia de Jesus, é uma bela e feliz imagem da Igreja. Há vinte e um séculos que a comunidade de Jesus viaja pela história; ao longo desta longa e atribulada viagem tem-se confrontado, permanentemente, com impérios hostis, com projetos contrários, com ideologias desafiantes, com a incompreensão do mundo… De vez em quando, ou por imperícia dos marinheiros, ou por falhas na navegação, ou porque as borrascas são especialmente violentas, parece que o barco de Jesus perdeu o rumo e vai naufragar… Mas Jesus vai nele, cuidando de tudo, presidindo a tudo e transmitindo aos discípulos que o acompanham a sua serenidade e a sua paz. Confiamos em Jesus e sentimos que Ele é mais forte do que todos os ventos e marés que temos de enfrentar? Viajamos tranquilos, com a certeza de que o barco de Jesus chegará a bom porto? Vemos e entendemos a Igreja como uma comunidade fraterna que avança na história conduzida por Jesus?
    • Esta imagem de uma viagem onde Jesus também vai poderá servir-nos para ler, ainda, as nossas “viagens” pessoais, durante as quais temos de enfrentar medos, conflitos, perseguições, incompreensões e vicissitudes de todo o tipo. Em certos momentos da “viagem” podemos enfrentar uma tremenda solidão, um medo paralisante, um desânimo angustiante, e perder a noção da presença de Jesus ao nosso lado. Perguntamo-nos, então, se Deus nos abandonou e se Jesus, o nosso companheiro de viagem, adormeceu e nos deixou entregues à nossa sorte… Ora, o Evangelho deste domingo garante-nos que Jesus nunca abandona os seus. O que talvez necessitemos é de tomar verdadeira consciência da presença d’Ele ao nosso lado. Na “viagem” da nossa vida encontramos tempo, espaço e disponibilidade para nos sentarmos ao lado de Jesus, para falarmos com Ele, para escutarmos as suas palavras, para acolhermos a paz que Ele nos oferece, ou só temos olhos e ouvidos para a voz do vento, o rugido do mar, a fúria da tempestade, o tumulto ensurdecedor de um mundo que nos rouba a paz?
    • Jesus convida os discípulos convida os discípulos a entrarem no barco com Ele e a irem até “à outra margem”, ao território dos pagãos que ainda não escutaram a Boa notícia da salvação de Deus. A comunidade que nasce de Jesus é uma comunidade missionária, cuja tarefa é ir ao encontro dos homens e mulheres prisioneiros do egoísmo e do pecado para lhes apresentar a Boa Nova da salvação. A “outra margem” de que Marcos fala no seu Evangelho é hoje qualquer lugar onde haja homens e mulheres abandonados, feridos, injustiçados, que necessitam de se encontrar com a proposta libertadora de Jesus; a “outra margem” é qualquer lugar onde haja pessoas que são violentadas nos seus direitos e na sua dignidade e que precisam que lhes seja aberta a porta da esperança; a outra margem é esse mundo indiferente e hostil que olha com desconfiança o testemunho que damos sobre Jesus, mas que necessita de se encontrar com a proposta de salvação de Deus. Estamos conscientes de que fazemos parte de uma Igreja “missionária”, que não se limita a celebrar liturgias solenes dentro de igrejas ou catedrais imponentes, mas que é enviada por Jesus às periferias da vida para aí testemunhar a salvação de Deus?
    • “Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?” – pergunta Jesus aos discípulos… Não, se eles estão com medo, é porque não confiam incondicionalmente em Jesus. Além disso, eles ainda estão na fase em que, diante das dificuldades, acham que a solução é pedir a Deus que faça uma intervenção milagrosa para os livrar dos perigos. Ainda não chegaram àquele “estado” (que é o da verdadeira fé), que os leva a dizer: “Senhor, entregamo-nos nas tuas mãos de Pai; que a tua vontade se realize, pois estamos disponíveis para a aceitar, seja ela qual for. Faça-se a tua vontade, cumpra-se o teu projeto”. Como é e como se expressa a nossa fé? Enfrentamos as crises da vida com total confiança no amor de Deus, dispostos a acolher com o coração em paz a vontade de Deus?
    • A intervenção de Jesus provoca o “temor” dos discípulos. No contexto do relato evangélico que escutamos neste domingo, o “temor” não significa o medo que paralisa, mas significa o reconhecimento de que Jesus é o Deus presente no meio dos homens e a quem os homens são convidados a aderir, a confiar, a obedecer com total entrega. Este “temor” é um “temor” bom, que é caminho para a fé. Também nós, como os discípulos que iam naquele barco, temos o coração tomado por esse santo “temor” que nos leva confiar totalmente em Jesus e a segui-l’O no caminho do amor até ao extremo, no caminho do dom da vida?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 12.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 12.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. BILHETE DE EVANGELHO.

    Seria para repousar? Seria para propor aos seus Apóstolos uma forma de retiro? O facto é que Jesus convida os seus discípulos a passar para a outra margem. A travessia do lago não é de repouso, levanta-se uma tempestade violenta e os Apóstolos estão aterrorizados. Sabem que não estão sozinhos no barco. Eles, os especialistas do lago, admiram-se com o sono de Jesus. Estão perdidos, então despertam Jesus, Ele que veio salvar os que estavam perdidos. Ele vai manifestar, então, que tem autoridade sobre todas as forças da morte, dá uma ordem: “Silêncio! Cala-te!” E fez-se uma grande calmaria. Os Apóstolos, naquele dia, não passaram apenas para a outra margem… Passaram do medo à confiança, graças ao “Passador” que tinha embarcado com eles. Nunca esqueçamos de fazer subir Cristo para o nosso barco, para passarmos com Ele…

     

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.

    Jesus no barco da nossa vida. “Ao cair da tarde…” Toda a cena da tempestade acalmada desenrola-se durante a noite. É o momento em que todas as forças do mal podem agir com toda a impunidade. O barco está “no mar”, o lugar onde residem as forças demoníacas. Enfim, a palavra de Jesus ao vento e ao mar – “acalma-te!” – significa também “exorcizar”. Dito de outro modo, Marcos quer fazer-nos compreender que, para além da brusca tempestade, os discípulos – e todos os homens – são confrontados a um combate bem mais profundo e dramático: o combate contra o mal, não somente o mal “natural”, mas sobretudo o mal que habita e trabalha no coração dos homens. Os apóstolos, ultrapassados pela violência da tempestade, simbolizam os homens ultrapassados pelo poder do mal, que parece vencer, ainda e sempre. Para vencer o mal, é preciso recorrer a um poder maior. Felizmente que Jesus está lá! Ele dispõe do poder divino! Sim, mas Ele dorme tão profundamente que as enormes vagas não o fazem despertar. O seu sono torna-se, pois, a imagem da sua morte. Tudo parece perdido: “Mestre, estamos perdidos!” Jesus acaba por “despertar”. Ora, a palavra é a mesma que Marcos empregará para dizer a Ressurreição de Jesus: “Ele despertou de entre os mortos”. Podemos, pois, compreender o sentido mais profundo deste milagre da tempestade acalmada. Jesus veio ao coração da nossa história, desceu até ao fundo do mistério do mal que se desencadeia, ainda e sempre, foi até entrar no sono da morte violenta, que os homens esvaziaram de toda a traça de amor, onde parece que não se ouve mais nada, onde o próprio Deus parece dormir, indiferente aos males dos homens: “Mestre, isto não Te diz nada?” Mas Deus, em Jesus, respeitando infinitamente a nossa liberdade, só podia fazer uma coisa: juntar-se às nossas vidas, esconder-se nas nossas tempestades e nas nossas mortes, para aí colocar a sua presença, mais forte que todas as trevas. Só após a vitória aparente da morte é que Ele manifestará o poder da sua Ressurreição. O que Ele nos pede hoje é de crer, de Lhe dar a nossa confiança: “Porque ter medo?” Com Ele na nossa vida, as forças do mal não terão a última palavra.

     

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    As palavras da nossa fé. No domingo, é importante professar a nossa fé com o Credo da Igreja, para marcar a nossa pertença ao Povo de Deus que nos transmitiu estas palavras. Mas, nesta semana, se pudermos viver uma partilha à volta da questão “quem é Jesus para nós?”, poderemos tentar compor uma profissão de fé que retome o essencial desta partilha.

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

  • 13º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]

    13º Domingo do Tempo Comum - Ano B [atualizado]


    30 de Junho, 2024

    ANO B

    13.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 13.º Domingo do Tempo Comum

    Nascemos para viver, ou para morrer? Será a morte o objetivo ou a intenção última do projeto de Deus sobre o homem? A liturgia do 13.º Domingo comum procura responder a estas questões. Convida-nos a olhar para lá do nosso horizonte de criaturas finitas e a descobrir a Vida verdadeira e eterna que Deus quer oferecer a todos os seus filhos e filhas.

    Na primeira leitura, um “sábio” de Israel ensina que Deus criou-nos para sermos eternos. É verdade que todas as criaturas passam pela morte biológica; mas essa morte não impede que cheguemos à Vida eterna. Só escolhas de egoísmo e de autossuficiência podem impedir-nos de encontrar essa Vida eterna que está no plano que Deus tem para nós.

    O Evangelho mostra como Jesus cumpriu a missão que o Pai lhe confiou: dar-nos Vida. Ao curar uma mulher de uma hemorragia que a mantinha presa a uma vida sem horizontes, ou ao pegar pela mão uma jovem para a resgatar da morte, Jesus está a concretizar o plano de Deus e a salvar da morte os filhos e filhas que Deus tanto ama. Abraçamos essa Vida quando confiamos em Jesus, acolhemos as suas indicações, seguimo-l’O no caminho que Ele nos aponta.

    Na segunda leitura Paulo de Tarso, a propósito de uma questão concreta (o apoio a uma Igreja que passa por dificuldades materiais), convida-nos a encarar a vida a partir de um dinamismo de amor. Esse amor, é expressão da Vida de Deus; mas também é gerador de Vida, de Vida verdadeira.

     

    LEITURA I – Sabedoria 1, 13-15; 2,23-24

    Não foi Deus quem fez a morte,
    nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos.
    Pela criação deu o ser a todas as coisas,
    e o que nasce no mundo destina-se ao bem.
    Em nada existe o veneno que mata,
    nem o poder da morte reina sobre a terra,
    porque a justiça é imortal.
    Deus criou o homem para ser incorruptível
    e fê-lo à imagem da sua própria natureza.
    Foi pela inveja do demónio que a morte entrou no mundo,
    e experimentam-na aqueles que lhe pertencem.

     

    CONTEXTO

    O “Livro da Sabedoria” é o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento. Foi escrito na primeira metade do séc. I a. C., muito provavelmente. O seu autor terá sido um judeu piedoso, de língua grega, nascido e educado na Diáspora (fala-se, em concreto, de Alexandria como o “berço” deste escrito). Ele conhece bem a história e a fé de Israel; mas, por outro lado, também conhece as correntes filosóficas gregas e sabe a atração que elas exercem sobre os seus irmãos na fé. Inquieta-o a tentação da idolatria que ameaça os judeus das comunidades da Diáspora, seduzidos pelo brilho da cultura helénica. Pondo em diálogo a fé tradicional de Israel com a cultura grega, o autor deste escrito pretende mostrar a superioridade da sabedoria de Israel, que brota da fé ancestral do seu povo, em relação à sabedoria que inspira a cultura e o estilo de vida gregos.

    Exprimindo-se em termos e conceções do mundo helénico, o autor faz o elogio da "sabedoria" israelita, traça o quadro da sorte que espera o justo e o ímpio no mais-além e descreve, com exemplos tirados da história do Êxodo, as sortes diversas que tiveram os pagãos (idólatras) e os hebreus (fiéis a Javé). Aos seus compatriotas judeus, mergulhados no paganismo, na idolatria, na imoralidade, o autor convida a redescobrirem a fé dos pais e os valores judaicos; aos pagãos, convida, por outro lado, a constatar o absurdo da idolatria e a aderir a Javé, o verdadeiro e único Deus... Judeus e pagãos devem estar cientes de que só Javé garante a verdadeira "sabedoria" e a verdadeira felicidade.

    O texto que nos é proposto como primeira leitura neste 13º domingo do tempo comum pertence à primeira parte do livro (cf. Sb 1-5). Aí, o autor do livro propõe uma reflexão sobre o destino do ímpio e o destino do justo. A sua finalidade é consolidar a fé dos judeus perseguidos, ensinando-lhes que as provas suportadas no tempo presente hão de conduzir, necessariamente, à imortalidade na vida que há de vir. Os versículos que compõem a nossa leitura não são contínuos… Mas, quer a primeira parte (Sb 1,13-15), quer a segunda parte (Sb 2,23-24) supõem a catequese exposta nos primeiros três capítulos do livro do Génesis: constituem um comentário e uma atualização do relato da criação e da queda do homem e da mulher.

     

    MENSAGEM

    De onde vem a morte, que ensombra o horizonte em que o homem e a mulher vivem e se movem?

    O autor do livro da Sabedoria propõe-se refletir sobre esta temática. Partindo da catequese tradicional de Israel, bem expressa nas primeiras páginas do livro do Génesis (cf. Gn 1-3), ele considera que a morte não pode vir de Deus. Deus criou tudo “bom”, o que Ele fez “destina-se ao bem”. Portanto, Deus não criou os seres humanos para a morte, mas sim para a vida; criou-os sem lhes inocular o veneno da morte; criou-os para serem incorruptíveis, para serem à imagem da própria natureza de Deus (“Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus” – Gn 1,27), que é eterna.

    No entanto, a nossa experiência de todos os dias confirma que a morte está sempre no horizonte de todas as criaturas, inclusive dos seres humanos. Porquê? Sempre à sombra da doutrina tradicional de Israel, o “sábio” declara que a morte entrou no mundo e atingiu o homem “pela inveja do diabo”. De acordo com a reflexão do “sábio”, foi o diabo que convenceu o homem a recusar as indicações do Criador e a escolher caminhos de autossuficiência, à margem de Deus. Foi o pecado, a opção do homem pela autossuficiência, que trouxe a morte. Isso significa que, se o homem não tivesse pecado não conheceria a morte?

    O “sábio” não estará aqui, provavelmente, a referir-se à morte biológica. A morte biológica resulta da nossa finitude, da fragilidade do “barro” de que somos feitos. Todos os seres criados por Deus têm o seu ciclo de vida, desgastam-se, enfraquecem e caem. Mas essa morte não é a verdadeira “morte”. A morte biológica não afasta os homens da Vida. Aliás, depois dessa morte física, os seres humanos encontram-se com a Vida de Deus.

    A verdadeira “morte” é aquela morte que resulta do egoísmo e da autossuficiência e que lança o homem por caminhos de violência, de injustiça, de orgulho, de corrupção, de ganância. Daí vem o mal que afoga o mundo e que traz sofrimento e infelicidade aos seres humanos. Quem opta pela maldade, está morto; quem opta pela maldade, recusa a Vida, a Vida verdadeira. Esta é a morte “dos que pertencem ao demónio”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Apesar das incríveis conquistas da ciência e da técnica, os seres humanos continuam presos à sua debilidade e finitude. Vimos do nada, mas criamos raízes nesta terra e apaixonamo-nos pela vida que conhecemos e construímos, montamos a nossa tenda precária com a ilusão de que ela é duradoura; sonhamos com eternidade, mas somos confrontados a cada instante com a realidade da nossa finitude e perguntamo-nos pelo sentido de uma vida sobre a qual paira sempre a sombra da morte… A morte parece-nos uma força cruel e maliciosa que põe fim aos nossos melhores sonhos e projetos. Quem a inventou? Quem lhe deu poder sobre nós? O “sábio” que redigiu o “Livro da Sabedoria” diz-nos que a morte não vem de Deus. Deus não nos criou para a morte, mas sim para a Vida. Deus, na sua imensa bondade e misericórdia, não quer os seus queridos filhos condenados à morte, mas sim a partilhar com Ele a Vida eterna, a felicidade sem fim. Deus, ao fazer-nos semelhantes a Ele, imprimiu em nós a marca da eternidade. Estamos destinados a viver para sempre com Deus. Acreditamos nisto? É com esta certeza que caminhamos? Esta certeza ilumina o nosso caminho de todos os dias com as cores da esperança?
    • No entanto, é certo que o nosso tempo nesta terra é um tempo limitado. Não somos daqui. O nosso corpo tem o seu ciclo de vida, desgasta-se com o tempo, o cansaço, a doença, e a certa altura termina o seu caminho. É a morte biológica que todos os seres criados, incluindo o homem, conhecerão. Contudo, a morte biológica não é a morte verdadeira, a morte que conta. Precisamos de passar por ela, precisamos de deixar este mundo imperfeito, limitado e precário para entrar na realidade de Deus, na Vida eterna. Custa-nos, naturalmente, despedir-nos daqueles que amamos e que terminam o seu caminho na terra; custa-nos, também, despedir-nos dos nossos projetos, das nossas conquistas, até mesmo das coisas materiais que juntamos… Mas a morte biológica é o passo imprescindível para aceder à Vida eterna, à Vida plena. Como lidamos com a morte biológica, a nossa ou a das pessoas que amamos? Somos capazes de encará-la como um nascimento para a Vida eterna?
    • O “sábio” que redigiu o “Livro da Sabedoria” diz que “foi pela inveja do demónio que a morte entrou no mundo, e experimentam-na aqueles que lhe pertencem”. É uma forma de dizer algo muito sério e muito verdadeiro: sempre que prescindimos de Deus e das suas indicações, sempre que escolhemos caminhos de autossuficiência e que ignoramos Deus, estamos a introduzir no mundo e nas nossas vidas mecanismos de morte. A verdadeira morte não é a morte biológica; é a “morte” de quem escolhe a violência, a injustiça, a exploração dos mais fracos, a ganância que priva de recursos os outros irmãos, a indiferença de quem escolhe ignorar os sofrimentos dos outros homens e mulheres. Quem vive assim, está “morto”. A sua vida deixou de fazer sentido; e o seu egoísmo gera morte e sofrimento à sua volta. Essa é a verdadeira morte, a morte que nunca abrirá as portas de Vida plena, da Vida eterna. Ora, no nosso mundo são muitos os mecanismos que geram morte e sofrimento. Conseguimos identificá-los? Seremos nós próprios, em alguma circunstância, promotores de morte? Que fazemos para combater os mecanismos de morte que desfeiam o mundo e que destroem a vida de tantos dos nossos irmãos e irmãs?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 29 (30)

    Refrão: Eu Vos louvarei, Senhor, porque me salvastes.

    Eu Vos glorifico, Senhor, porque me salvastes
    e não deixastes que de mim se regozijassem os inimigos.
    Tirastes a minha alma da mansão dos mortos,
    vivificastes-me para não descer ao túmulo.

    Cantai salmos ao Senhor, vós os seus fiéis,
    e dai graças ao seu nome santo.
    A sua ira dura apenas um momento
    e a sua benevolência a vida inteira.
    Ao cair da noite vêm as lágrimas
    e ao amanhecer volta a alegria.

    Ouvi, Senhor, e tende compaixão de mim,
    Senhor, sede Vós o meu auxílio.
    Vós convertestes em júbilo o meu pranto:
    Senhor meu Deus, eu Vos louvarei eternamente.

     

    LEITURA II – 2 Coríntios 8, 7.9.13-15

    Irmãos:
    Já que sobressaís em tudo
    – na fé, na eloquência, na ciência,
    em toda a espécie de atenções
    e na caridade que vos ensinámos –
    deveis também sobressair nesta obra de generosidade.
    Conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo:
    Ele, que era rico, fez-Se pobre por vossa causa,
    para vos enriquecer pela sua pobreza.
    Não se trata de vos sobrecarregar para aliviar os outros,
    mas sim de procurar a igualdade.
    Nas circunstâncias presentes,
    aliviai com a vossa abundância a sua indigência
    para que um dia
    eles aliviem a vossa indigência com a sua abundância.
    E assim haverá igualdade, como está escrito:
    «A quem tinha colhido muito não sobrou
    e a quem tinha colhido pouco não faltou».

     

    CONTEXTO

    As críticas deixadas por Paulo, na sua primeira carta aos coríntios, a alguns cristãos da cidade pela sua conduta pouco coerente com os valores do Evangelho, tinha criado um conflito grave entre o apóstolo e a comunidade. Na sequência, alguns pregadores cristãos de tendência judaizante, entretanto chegados a Corinto, aproveitaram a “onda” para ajustar contas com Paulo: acusaram-no de cuidar apenas dos seus próprios interesses e de pregar uma doutrina que não estava em consonância com o Evangelho anunciado pelos outros apóstolos. Ao saber disto, Paulo dirigiu-se a Corinto para enfrentar o problema; mas foi mal recebido e retirou-se da cidade bastante incomodado. No entanto, a relação entre Paulo e a comunidade de Corinto não podia terminar dessa forma. Por isso, Paulo enviou a Corinto o seu colaborador Tito, com a missão de acalmar os ânimos e de tentar a reconciliação. Quando Tito se reuniu novamente a Paulo, trazia notícias animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os Coríntios estavam, outra vez, em comunhão com o apóstolo.

    Foi então que Paulo dirigiu uma nova carta aos cristãos de Corinto. Nessa carta, Paulo faz uma serena apologia do seu apostolado, apresentando aos seus amigos de Corinto as razões que o movem no seu testemunho e na sua entrega ao serviço do Evangelho (cf. 2 Cor 1,12-71,16). Também responde dos seus detratores, por vezes em tom polémico e mordaz, defendendo a autenticidade e a verdade do seu ministério (cf. 2 Cor 10,1-13,13). Há, ainda, na segunda carta de Paulo aos coríntios uma parte que é eminentemente prática e que se refere a uma questão bastante material e concreta: a uma coleta em favor dos cristãos de Jerusalém, e para a qual Paulo pede a atenção e a generosidade dos cristãos de Corinto (2 Cor 8,1-9,15). Há quem pense que este tema da coleta não fazia parte da segunda carta aos coríntios original, mas sim de uma carta autónoma, cujo texto foi mais tarde “colado” na segunda carta aos coríntios. Pode ser; mas a questão não parece relevante. Seja como for, a segunda leitura que a liturgia deste décimo terceiro domingo comum apresenta-nos palavras de Paulo sobre a coleta em benefício da igreja de Jerusalém.

    A comunidade cristã de Jerusalém, hostilizada pelos judeus, não tinha uma vida fácil, inclusive em termos económicos. Além disso, a fome crónica sentida em vários pontos do império romano no tempo do imperador Cláudio, afetou especialmente a Judeia (cf. At 11,28-29) entre os anos 45 e 48, e deixou os cristãos dessa região em situação de grande carência. Paulo encarregou-se de promover uma coleta nas igrejas da Ásia Menor, da Macedónia e da Acaia para ajudar os “pobres” de Jerusalém. Essa campanha não tinha apenas o objetivo de mostrar solidariedade para com uma Igreja em situação económica débil; pretendia também fomentar nas novas Igrejas que estavam a surgir a comunhão com a Igreja-mãe de Jerusalém e criar um sentido de universalidade entre todas as comunidades nascidas de Jesus.

     

    MENSAGEM

    Os coríntios foram dos primeiros a interessar-se num gesto solidário para com a comunidade cristã de Jerusalém (cf. 2 Cor 8,10). No entanto, o tempo foi passando e o entusiasmo inicial que tinham manifestado arrefeceu. Agora, é preciso reavivá-lo. Os coríntios fazem questão de sobressair em tudo: na fé, no dom da palavra, na ciência, no zelo; mas é preciso que também sobressaiam na caridade.

    Para convencer os coríntios, Paulo apresenta-lhes dois argumentos “irrecusáveis”. O primeiro (vers. 9) é o exemplo de Jesus: Ele, que era rico, fez-Se pobre para nos enriquecer pela sua pobreza. Sendo Deus, aceitou vir ao encontro dos homens e partilhar a fragilidade dos seres humanos. Esse movimento generoso, não só não diminuiu a riqueza divina de Jesus, mas enriqueceu-nos e promoveu-nos à dignidade de filhos de Deus. Aquilo que damos nunca nos empobrece. O segundo argumento (vers. 13-15) refere o ideal da igualdade, que os gregos consideravam bastante. Aquilo que produz desigualdade cria injustiça. Não se trata oferecer o que se tem e de ficar reduzido à mais extrema miséria; trata-se de partilhar com os outros os bens que Deus pôs à nossa disposição, a fim de que eles não nos sirvam só a nós, mas sejam postos ao serviço de todos. O açambarcamento egoísta não é caminho quando, ao nosso lado, há quem não tenha o mínimo para viver dignamente. Os discípulos de Jesus são chamados a dar testemunho no mundo da generosidade e do amor de Deus.

    Esta partilha generosa não é algo que se pode fazer ou não fazer, mas é algo intrínseco à experiência cristã. Por isso, é designada por Paulo como “graça que Deus concede” (2 Cor 8,1), “serviço” em favor dos irmãos (2 Cor 8,4), “obra da caridade” (2 Cor 8,7). Quem frequentou a escola de Jesus, não pode encarar a vida senão a partir de um dinamismo de amor. A partilha de bens insere-se nesse dinamismo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Os números da fome no mundo são avassaladores: cerca de 800 milhões de pessoas não têm comida ou não a têm em quantidade suficiente, com incidência especial em certas zonas do nosso planeta, afetadas pela pobreza extrema ou por períodos de colheitas deficientes. Em contrapartida, nas “sociedades do bem-estar”, comemos demasiado, esbanjamos alimentos, destruímos colheitas para manter os preços, potenciamos o consumismo para estimular a economia… Criamos um mundo desigual e desumano, onde o egoísmo se sobrepõe ao amor e à solidariedade. Este não é o “mundo bom” que Deus sonhou para os seus filhos e filhas. Os recursos que Deus colocou à nossa disposição não pertencem a alguns, mas devem chegar a todos. Estamos conscientes de que há muitos irmãos nossos que não têm o necessário para viver? Sentimos que isso nos diz respeito ou, ao contrário, que é algo que não nos tira o sono? Estamos disponíveis para um estilo de vida mais sóbrio, mais simples, menos consumista, menos frívolo, a fim de que os bens que Deus colocou à nossa disposição possam chegar a todos os nossos irmãos?
    • Percebe-se que a preocupação de Paulo, ao propor a coleta em favor da Igreja de Jerusalém, não se esgota numa ajuda material que permita minorar circunstancialmente a carência dos cristãos dessa comunidade. Paulo pretende, principalmente, que os discípulos de Jesus aprendam a viver de acordo com um dinamismo fraterno de partilha e de comunhão, que enriquece quem dá e quem recebe e que é pressuposto de uma nova ordem, de um novo relacionamento entre os homens. Os seguidores de Jesus aprenderam com o seu Mestre a partilha, a solidariedade, a fraternidade, a comunhão; aprenderam com Jesus que “os outros” não são concorrentes ou adversários, mas sim irmãos. Por isso, os seguidores de Jesus são, no mundo, arautos e testemunhas de uma nova ordem, da revolução do amor. Vemos os homens e mulheres que caminham ao nosso lado como irmãos por quem somos responsáveis? Sentimo-nos implicados na procura de soluções para que todos os nossos irmãos tenham uma vida digna? Fazemos o que está ao nosso alcance para criar uma nova ordem, um relacionamento mais fraterno e mais humano entre todos aqueles que partilham connosco esta “casa” que é o nosso mundo?
    • Paulo refere o exemplo de Cristo que, sendo rico se fez pobre, a fim de nos enriquecer pela sua pobreza. É uma expressão muito bela, que nos convida a olhar para o essencial. Cristo chegou até nós feito criança indefesa, sem manias de grandeza ou de importância; cresceu como menino pobre de uma aldeia desconhecida das montanhas da Galileia; fez-se profeta do reino de Deus, mas nem tinha sequer uma pedra onde reclinar a cabeça. Nunca comprou a nossa atenção distribuindo bens materiais; mas fez-se, nosso companheiro de caminho, solidarizou-se com as nossas dores e dificuldades, mostrou-nos em gestos simples e fraternos o amor de Deus Pai. Tornou-nos ricos com a sua pobreza. É possível que nós também não tenhamos bens materiais para partilhar. Mas, como Jesus, podemos fazer-nos companheiros de caminho dos nossos irmãos e irmãs, partilhar as suas dores e as suas alegrias, servir humildemente aqueles que necessitam do nosso cuidado e do nosso amor. Estamos dispostos, como Jesus, a enriquecer os outros com a nossa pobreza?

     

    ALELUIA – cf. 2 Timóteo 1, 10

    Aleluia. Aleluia.

    Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte
    e fez brilhar a vida por meio do Evangelho.

     

    EVANGELHO – Marcos 5, 21-43

    Naquele tempo,
    depois de Jesus ter atravessado de barco
    para a outra margem do lago,
    reuniu-se grande multidão à sua volta,
    e Ele deteve-Se à beira-mar.
    Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo.
    Ao ver Jesus, caiu a seus pés
    e suplicou-Lhe com insistência:
    «A minha filha está a morrer.
    Vem impor-lhe as mãos,
    para que se salve e viva».
    Jesus foi com ele,
    seguido por grande multidão,
    que O apertava de todos os lados.
    Ora, certa mulher
    que tinha um fluxo de sangue havia doze anos,
    que sofrera muito nas mãos de vários médicos
    e gastara todos os seus bens,
    sem ter obtido qualquer resultado,
    antes piorava cada vez mais,
    tendo ouvido falar de Jesus,
    veio por entre a multidão
    e tocou-Lhe por detrás no manto,
    dizendo consigo:
    «Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada».
    No mesmo instante estancou o fluxo de sangue
    e sentiu no seu corpo que estava curada da doença.
    Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo.
    Voltou-Se para a multidão e perguntou:
    «Quem tocou nas minhas vestes?»
    Os discípulos responderam-Lhe:
    «Vês a multidão que Te aperta
    e perguntas: ‘Quem Me tocou?’»
    Mas Jesus olhou em volta,
    para ver quem O tinha tocado.
    A mulher, assustada e a tremer,
    por saber o que lhe tinha acontecido,
    veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade.
    Jesus respondeu-lhe:
    «Minha filha, a tua fé te salvou».
    Ainda Ele falava,
    quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga:
    «A tua filha morreu.
    Porque estás ainda a importunar o Mestre?»
    Mas Jesus, ouvindo estas palavras,
    disse ao chefe da sinagoga:
    «Não temas; basta que tenhas fé».
    E não deixou que ninguém O acompanhasse,
    a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago.
    Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga,
    Jesus encontrou grande alvoroço,
    com gente que chorava e gritava.
    Ao entrar, perguntou-lhes:
    «Porquê todo este alarido e tantas lamentações?
    A menina não morreu; está a dormir».
    Riram-se d’Ele.
    Jesus, depois de os ter mandado sair a todos,
    levando consigo apenas o pai da menina
    e os que vinham com Ele,
    entrou no local onde jazia a menina,
    pegou-lhe na mão e disse:
    «Talitha Kum»,
    que significa: «Menina, Eu te ordeno: levanta-te».
    Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar,
    pois já tinha doze anos.
    Ficaram todos muito maravilhados.
    Jesus recomendou-lhes insistentemente
    que ninguém soubesse do caso
    e mandou dar de comer à menina.

     

    CONTEXTO

    Depois da sua incursão no território pagão da Decápole (cf. Mc 5,1), Jesus atravessou de barco “para a outra margem”, o que significa que veio novamente para território judeu, na margem ocidental do Mar da Galileia. Marcos não identifica o local onde Jesus está (ele diz, apenas, que Jesus se encontrava “à beira-mar”); mas o mais provável é que se trate da cidade de Cafarnaum.

    Na narrativa de Marcos, são referidos dois encontros com Jesus, entrelaçados um no outro. Num deles conta-se como um tal Jairo, “um chefe da sinagoga”, que vem ao encontro de Jesus para Lhe pedir ajuda para a sua filha, que está muito doente. Em Israel havia um chefe à frente de cada sinagoga. O titular do cargo era eleito entre os homens mais respeitados da comunidade. Estava encarregue de dirigir o serviço religioso sinagogal, escolher os que deviam recitar as orações e ler as escrituras, procurar pregadores adequados, cuidar de que tudo decorresse de acordo com o que estava definido, encarregar-se da manutenção do edifício sinagogal e da sua ornamentação. Era, portanto, um lugar de destaque na comunidade judaica local.

    No outro relato, é uma mulher anónima que vem sozinha ao encontro de Jesus e que espera receber d’Ele a cura para o seu mal. Ora, o “mal” que a afligia, não era um “mal menor”: ela sofria de uma hemorragia incurável que, além de lhe causar um incómodo físico, a impedia de ter uma vida normal, quer em termos familiares, quer em termos sociais, quer em termos religiosos. Marcos guarda um silêncio discreto sobre a origem dessa hemorragia; mas essa discrição indica, provavelmente, que se trata de um qualquer transtorno menstrual. De acordo com a legislação levítica (cf. Lv 15,19-33), essa situação colocava a mulher num estado de “impureza” que a impedia de se aproximar de Deus e de manter contactos com as outras pessoas. Aquela mulher estava impedida pela Lei de ter vida. Sofre muito, física e moralmente.

     

    MENSAGEM

    Olhemos primeiro para a narração do encontro de Jesus com a mulher que sofria de uma hemorragia incurável (vers. 25-34). A narração começa com uma referência à gravidade do problema: há doze anos que aquela mulher tinha um fluxo de sangue que a incomodava; tinha procurado a ajuda de diversos médicos e tinha gasto todos os seus bens em consultas e tratamentos; mas, não só não melhorava, como até piorava sempre mais. Ora, segundo a Lei, enquanto durasse a hemorragia, a mulher estava num estado de impureza. Essa impureza também atingiria qualquer pessoa que lhe tocasse ou em quem ela tocasse; e atingiria até quem tocasse no leito onde ela se deitasse ou na cadeira onde ela tivesse estado sentada. Além do incómodo físico, a doença colocava a mulher numa situação insustentável de marginalização e de isolamento, impedindo-a de ter uma vida familiar normal, de ir à sinagoga ou de participar em qualquer assembleia religiosa.

    Cansada de uma vida de sofrimento e de segregação, a mulher decidiu ir ao encontro de Jesus. É ela que toma a iniciativa. Confiava em Jesus e achava que Ele poderia libertá-la: “se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada”. No entanto, não era fácil levar avante o seu desejo… Em primeiro lugar porque Jesus estava sempre rodeado de pessoas e era difícil chegar junto d’Ele e falar com Ele; em segundo lugar porque uma mulher impura não podia, segundo a Lei, tocar fosse em quem fosse. Mas a mulher, com a ousadia da fé, estava determinada a vencer todos os obstáculos para “tocar” em Jesus: nada a impediria de se encontrar com a salvação que Jesus tinha para oferecer. Chegada diante de Jesus, a mulher não quis olhar Jesus nos olhos. Sentia-se indigna e impura. Assim, aproximou-se por detrás de Jesus e, sem ninguém notar, tocou-lhe no manto. No mesmo instante, sentiu-se curada. A sua confiança em Jesus não foi defraudada. Ao tocar em Jesus, ela encontrou a Vida que esperava.

    A história podia ficar por aqui. Não ficou porque Jesus achou que a grandeza da fé daquela mulher era digna de ser conhecida de todos os que ali estavam. Começou, então, por perguntar quem Lhe tinha tocado. Quando a mulher, assustada e a tremer, confessou toda a verdade, Jesus não a recriminou, nem a acusou de violar a Lei; mas confirmou que a fé é fonte de Vida: “minha filha, a tua fé te salvou; vai em paz e sê curada do teu mal”. Ao chamar-lhe “filha”, estava a dizer que ela tinha passado a integrar a família do Reino, a família dos que acreditam em Jesus e na sua proposta de salvação.

    Aquela mulher, que estava plenamente disposta a procurar e a acolher a salvação que Jesus oferecia, é um extraordinário modelo para os discípulos de Jesus. Com ela, eles poderão aprender a procurar Jesus com fé, a “tocar-lhe” para receber d’Ele Vida, a começar a partir d’Ele uma vida nova.

    Temos depois o outro relato, o da ressurreição da filha de Jairo (vers. 22-24.35-43). Jairo, o chefe da sinagoga, tinha vindo ao encontro de Jesus para lhe implorar (“caiu a seus pés e suplicou-Lhe com insistência” – vers. 22-23) que fosse a sua casa impor as mãos sobre a sua filha doente, para a abençoar e curar. Jairo afirmava assim a sua certeza absoluta de que Jesus era capaz de dar Vida. Jesus, reconhecendo a fé que animava aquele homem, dispôs-se a acompanhá-lo a casa. Mas, enquanto caminhavam, chegou a notícia da morte da menina. Foi o mais rude dos golpes para aquele pai que tinha esperado de Jesus a salvação da sua filha. Parecia, depois disso, não haver mais nada a esperar (“A tua filha morreu. Porque estás ainda a importunar o Mestre?” – vers. 35). Jesus poderia fazer mais alguma coisa? Seria Ele capaz de vencer a morte? Ao pai desolado, Jesus pediu apenas que continuasse a confiar, como já antes confiava (“não temas; basta que tenhas fé” – vers. 36).

    Chegaram finalmente a casa de Jairo. Os familiares e vizinhos da menina abandonavam-se ao choro e às lamentações. A morte tinha chegado primeiro do que Jesus. Parecia que nada mais havia a fazer; mas Jesus garantiu aos presentes que a morte não teria a última palavra (“porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu; está a dormir” – vers. 39). A última palavra será sempre de Jesus; e a palavra de Jesus é uma palavra de salvação e de Vida.

    Alguns dos presentes não acreditavam. Riam-se de Jesus. Para eles, era incontestável que a morte tinha vencido. Mas Jesus entrou na casa, dirigiu-se à menina, pegou-lhe na mão e disse-lhe, em aramaico: “Talitha, kûm” (“menina, filha, irmã, levanta-te!” – vers. 41). O gesto de pegar na mão da menina diz a determinação de Jesus em subtraí-la ao poder da morte; a palavra que Ele dirige à menina é uma palavra poderosa, que resgata do poder da morte e que devolve à Vida. De facto, a menina levantou-se do seu leito de morte e começou a andar. Também aquela menina, é “filha” e “irmã” de Jesus (como a mulher curada da hemorragia); liberta da morte, fica a pertencer à família de Jesus. A fé em Jesus pode vencer a própria morte.

    A história da mulher curada de uma hemorragia e a história da menina, filha de Jairo, que Jesus libertou das garras da morte são muito belas e vestem o nosso coração de esperança. Mostram-nos o Senhor Jesus a passar pelas nossas vidas, a deixar-se tocar pelas nossas dores, a acompanhar-nos no caminho, a entrar na nossa casa, a curar-nos de tudo aquilo que nos faz sofrer, a levantar-nos, a oferecer-nos a Vida, a integrar-nos na sua família.

    A Jesus e à sua oferta de salvação, respondemos pela fé. A fé é a aceitação incondicional de que Jesus é o Salvador e traz Vida, Vida que vence o sofrimento e que vence mesmo a morte. A fé traduz-se numa adesão incondicional a Jesus e vive-se seguindo-O no caminho que Ele aponta. Ter fé é, assim, aderir a Jesus e tornar-se discípulo. Quem o faz, encontra Vida.

     

    INTERPELAÇÕES

    • A nossa precariedade manifesta-se a cada instante. As doenças físicas, a impotência que sentimos diante da violência e da maldade, os medos que nos paralisam, o cansaço que nos afoga, a debilidade que vem com o avançar da idade, a morte daqueles que amamos, fazem-nos sentir vulneráveis e frágeis. A par disso, subsiste em nós o desejo de Vida que não seja precária, de Vida verdadeira e eterna, de Vida que não seja derrotada pela morte. O Evangelho deste domingo garante-nos que o projeto que Deus tem para nós é um projeto de Vida. Foi para nos dar Vida que Deus nos enviou Jesus. Ele veio até nós para nos oferecer a salvação de Deus. Com palavras e com gestos concretos, Jesus mostrou-nos o caminho que vence a morte e que leva à Vida eterna. Estamos cientes de que esse é o projeto de Deus para nós? Vemos em Jesus “o Salvador”, aquele que veio de Deus para nos dar Vida?
    • As histórias da mulher curada de uma hemorragia e da ressurreição da filha de Jairo mostram a importância da fé nesse processo de aceder à Vida que Jesus oferece. É a fé que nos faz procurá-lo, é a fé que nos faz tocá-l’O, é a fé que nos faz ir atrás d’Ele, é a fé que nos faz aderir ao seu projeto, é a fé que nos faz segui-l’O no caminho do amor e da entrega da vida, é a fé que nos permite aderir incondicionalmente às suas propostas e adotar o seu estilo de vida. Sem essa fé, podemos andar à volta d’Ele, frequentar a igreja, ter responsabilidades na comunidade cristã, rezar, receber os sacramentos, mas nunca nos deixaremos transformar por Ele; e, se assim for, nunca haverá lugar no nosso coração para a Vida que Jesus pretende dar-nos. Como é e como vivemos a nossa fé? A nossa fé em Jesus traduz-se numa adesão incondicional à sua pessoa, às suas palavras, aos seus gestos? Estamos verdadeiramente dispostos a segui-l’O no caminho que Ele nos aponta?
    • A mulher que sofria de uma hemorragia fez a experiência dramática de se sentir rejeitada e ostracizada por causa do seu problema de saúde. Sentia-se impura, ignorada, sozinha, perdida, sem poder confiar a alguém aquilo que tanto a fazia sofrer; procurava compreensão, paz, consolação sem saber onde os encontrar; sentia-se suja e não conseguia encontrar maneira de viver uma vida nova e limpa. Não é uma experiência incomum. Há muitos homens e mulheres que, por vezes por razões pouco consistentes, se sentem indignos, impuros, malditos, pecadores, condenados por Deus, e vivem a sua vida num pesadelo de angústia e de culpa, sem saberem como romper a cadeia que as faz escravas. E nem sempre essas pessoas encontram na comunidade cristã, compreensão, acolhimento, testemunho do amor e da ternura de Deus. Alguma vez contribuímos, com a forma como falamos de Deus e da sua justiça, para manter alguém preso a essa cadeia de culpa e de angústia? Somos testemunhas do amor misericordioso de Deus junto dos nossos irmãos, nomeadamente junto daqueles que se sentem pecadores e malditos?
    • No Evangelho deste domingo Jesus ajuda e dá Vida a duas mulheres que sofrem. Ao contrário do que acontecia na sociedade palestina do seu tempo, quer a nível de legislação quer a nível de prática, Jesus não as discrimina nem as ignora; acolhe-as, valoriza-as, compreende-as, respeita-as na sua dignidade, coloca-as ao nível de filhas muito amadas de Deus. Na Igreja de Jesus, já aprendemos isto? Valorizamos suficientemente tudo aquilo que as mulheres fazem no sentido de construir a comunidade de Jesus?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 13.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 13.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

     

    2. BILHETE DE EVANGELHO

    A transformação pela fé. Um chefe de sinagoga cai de joelhos e suplica a Jesus para curar a sua filha… Uma mulher atingida por hemorragias não diz nada, mas contenta-se em tocar as vestes de Jesus, sem dúvida porque se considera impura. Isto basta Àquele que veio para levantar, curar, salvar a humanidade ferida. As reações dos que acompanham Jesus são diversas. Riem-se d’Ele. Só a fé solicita um sinal de Jesus, a fé de Jairo, a fé da mulher, a fé de Pedro, Tiago e João… E esta fé faz Jesus agir e transforma os beneficiários: a mulher é curada, a jovem levanta-se, as testemunhas ficam abaladas. Decididamente, Jesus não é um taumaturgo: é reconhecido por aqueles que acreditam, recomenda insistentemente que ninguém saiba, com receio, sem dúvida, que se valorize os seus sinais sem os ver com os olhos da fé.

     

    3. NA ESCUTA DA PALAVRA…

    Eis Jesus mergulhado no barulho e nos apertos da multidão. Para mais, circula o rumor: Jesus vai fazer um milagre, curar a jovem filha de Jairo! A multidão esmaga Jesus. E eis que uma mulher quer aproximar-se de Jesus, a todo o custo, para tocar ao menos as suas vestes. Ela quer ser também beneficiária do poder do homem de Deus, ser, enfim, curada da sua doença que dura há doze anos. Ela chega por detrás, toca as suas vestes. Conhecemos o diálogo que se segue… O mesmo acontece com Jairo que se aproxima… No meio da multidão, Jesus está atento a estas pessoas concretas, manifesta uma disponibilidade extraordinária, está extremamente atento à sua presença. No meio da multidão, Jesus está atento a cada um. Ninguém fica anónimo aos olhos de Jesus. Está habitado pelo amor de Deus para com os seus filhos. No Coração do Pai, Jesus é capaz de uma atenção extrema a cada angústia do ser humano. Não interessa quem possa vir junto d’Ele, não interessa qual é a situação: ele será sempre acolhido, Jesus dará sempre a sua atenção como se cada um estivesse sozinho no mundo com Ele. Isto continua a ser verdadeiro, agora que Jesus está na plenitude da glória do seu Pai. Se eu também começasse a fazer silêncio em mim para melhor escutar Jesus, através da sua Palavra, se eu tivesse tempo para a oração interior, para aprofundar o meu silêncio interior… certamente ficaria mais disponível, mais atento aos outros. Senhor Jesus, dá-me a graça do silêncio interior que escuta e que ama.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Viva a vida! A palavra de ordem deste domingo é uma espécie de grito do coração: Deus ama a vida, viva a vida! Aí estamos de acordo… É certo que não há vida sem morte e esta faz sofrer quando acontece perto de nós. Mas hoje somos convidados a nos alegrarmos na vida e a acreditar que Deus nos destina à verdadeira Vida! A estação do ano presta-se a isso: alegria do sol e das férias, encontro com a natureza, reencontros familiares… Não faltarão ocasiões para admirar a vida… Não nos esqueçamos de dar graças… No início destas férias, as crianças podem fazer um pequeno caderno, com uma capa bonita e um título do género: “Festa para Deus” ou “Obrigado, Senhor”. Ao longo dos passeios de verão, podem colar fotos, postais, flores secas… Podem desenhar o que vão vendo como sinais de vida. Os adultos pensarão noutros sinais de vida que podem dar ao longo do verão: visita a uma pessoa que vive sozinha, envio de um postal, um telefonema… Ou ajudar as pessoas isoladas a sair, acompanhá-las num dia de excursão, ajudar algumas crianças de famílias desfavorecidas a passar um dia de férias, etc. Será uma maneira de lhes oferecer um pouco de vida… E nunca esquecer que a oração, particularmente o Pai Nosso, deve ser a expressão constante para dar graças a Deus Pai e Criador, para Lhe expressarmos o obrigado pela vida, a felicidade de viver e de O louvar!

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

     

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