Liturgia

Week of Fev 22nd

  • 01º Domingo do Tempo da Quaresma - Ano B [atualizado]

    01º Domingo do Tempo da Quaresma - Ano B [atualizado]

    18 de Fevereiro, 2024

    ANO B

    1.º DOMINGO DO TEMPO DA QUARESMA

    Tema do 1.º Domingo do Tempo da Quaresma

    No primeiro Domingo da Quaresma, a liturgia diz-nos que Deus nunca desiste de recriar o nosso mundo, tantas vezes ferido pelo egoísmo e pela maldade dos homens; e desafia-nos a colaborar com Deus na construção de um mundo novo, de harmonia e de paz, que é o projeto original do Criador.

    A primeira leitura é um extrato de uma velha lenda sobre um cataclismo que lavou o mundo do pecado. Ensina que Deus, depois de eliminar o mal, não está interessado em fazer guerra aos homens; por isso, depõe o seu “arco de guerra” e oferece aos homens uma Aliança incondicional de paz. Deus espera que, da sua iniciativa, nasça uma humanidade nova, capaz de concretizar o sonho de Deus para o mundo.

    O Evangelho mostra-nos Jesus a recusar o mal e a optar pelo caminho que lhe foi indicado pelo Pai. Essa opção está na origem de um mundo novo, ao qual Jesus chamava “o Reino de Deus”. Ele conta com os seus discípulos para serem, em todos os momentos da história humana, construtores e arautos do “Reino de Deus”.

    Na segunda leitura, o autor da primeira Carta de Pedro recorda que, pelo Batismo, os cristãos aderiram a Cristo e à salvação que Ele trouxe. Comprometeram-se, portanto, a seguir Jesus no caminho do amor, do serviço, do dom da vida. Envolvidos nesse dinamismo de vida e de salvação que brota de Jesus, os cristãos são semente de uma nova humanidade.

     

    LEITURA I – Génesis 9,8-15

    Deus disse a Noé e a seus filhos:
    «Estabelecerei a minha aliança convosco,
    com a vossa descendência
    e com todos os seres vivos que vos acompanham:
    as aves, os animais domésticos,
    os animais selvagens que estão convosco,
    todos quantos saíram da arca e agora vivem na terra.
    Estabelecerei convosco a minha aliança:
    de hoje em diante
    nenhuma criatura será exterminada pelas águas do dilúvio
    e nunca mais um dilúvio devastará a terra».
    Deus disse ainda:
    «Este é o sinal da aliança que estabeleço convosco
    e com todos os animais que vivem entre vós,
    por todas as gerações futuras:
    farei aparecer o meu arco sobre as nuvens
    e aparecer nas nuvens o arco,
    recordarei a minha aliança convosco
    e com todos os seres vivos
    e nunca mais as águas formarão um dilúvio
    para destruir todas as criaturas».

     

    CONTEXTO

    Os primeiros onze capítulos do Livro do Génesis apresentam um conjunto de tradições sobre as origens do mundo e dos homens. A intenção dos autores destes textos (os teólogos de Israel) nunca foi apresentar factos históricos concretos ocorridos na aurora da humanidade, mas sim expor as suas convicções e descobertas sobre Deus, sobre o mundo e sobre os seres humanos. Recorreram, para o efeito, a uma linguagem própria, comum aos povos da região do denominado “Crescente Fértil” (a zona geográfica que se estende desde a planície Mesopotâmia até ao Egipto, tornada fértil pelos rios Tigre e Eufrates a norte, e o Nilo a sul). É por isso que estes relatos bíblicos apresentam notáveis semelhanças literárias com certas lendas e mitos de outros povos da zona, nomeadamente os da Mesopotâmia.

    O texto que a liturgia deste domingo da Quaresma nos apresenta como primeira leitura faz parte de uma secção que abrange Gn 6,1-9,17. É a história de um cataclismo de águas, que teria eliminado toda a humanidade, exceto Noé e a sua família. Como terá aparecido esta história?

    Alguns estudiosos consideram que o dilúvio bíblico poderia estar relacionado com o fim da era glaciar, quando a fusão dos gelos provocou notáveis avalanchas de água que invadiram as terras habitadas e deixaram profundos sinais na memória coletiva dos povos. Mas o mais provável é que o dilúvio descrito no livro do Génesis (e que é contado em moldes semelhantes em certos textos mesopotâmicos) se refira a uma das inúmeras inundações dos rios Tigre e Eufrates… A arqueologia dá, aliás, conta de várias inundações especialmente catastróficas nessa parte do mundo entre 4000 e 2800 a.C.. É provável que o texto bíblico evoque essa realidade. Não se tratou, evidentemente, de um dilúvio que submergiu a terra inteira; mas a fantasia popular, a partir de uma das inúmeras inundações registadas na planície mesopotâmica, expandiu as dimensões do acontecimento e apresentou-o como um “castigo” que atingiu toda a humanidade.

    Os catequistas de Israel quiseram dizer ao seu Povo que Deus não fica de braços cruzados quando os homens se lançam por caminhos de corrupção e de pecado… Com esse propósito, lançaram mão da velha lenda mesopotâmica do dilúvio, apresentando essa catástrofe como um castigo enviado por Deus para punir o pecado dos homens… Mas, porque Deus não castiga às cegas bons e maus, justos e injustos, os autores vão propor a história do justo Noé e da sua família, salvos por Deus da catástrofe.

    O texto que hoje nos é proposto situa-nos na fase imediatamente posterior ao dilúvio, quando já tinha deixado de chover e quando Noé e a sua família já tinham desembarcado em terra seca. Os sobreviventes construíram um altar e ofereceram holocaustos sobre o altar. Por sua vez, Deus comprometeu-Se a não mais castigar os seres vivos de forma tão radical (cf. Gn 8,13-22), abençoou Noé e a sua família e entregou-lhes o cuidado da criação (cf. Gn 9,1-7). Noé e a sua família são a nova humanidade, nascida da água purificadora do dilúvio.

     

    MENSAGEM

    Javé, depois de declarar solenemente que não mais voltará a amaldiçoar a terra e a castigar os seres vivos (cf. 8,21-22), oferece a Noé, aos seus descendentes e a todos os seres vivos que saíram da Arca uma Aliança de paz. É a primeira Aliança entre Deus e os homens (a segunda será entre Deus e Abraão – cf. Gn 17,1-14; a terceira será a Aliança do Sinai, entre Deus e Israel – cf. Ex 19,3-25).

    No entanto, esta Aliança é completamente diferente das Alianças que, mais tarde, vão ser feitas com Abraão e com Israel. Nas Alianças posteriores, um indivíduo ou um Povo eram chamados a uma relação de comunhão com Deus e aceitavam ou não esse desafio; se o indivíduo ou o Povo em causa não aceitassem, não haveria relação e, portanto, não haveria Aliança… Ao contrário, a Aliança de Javé com Noé e seus descendentes não implica nenhuma adesão ou reconhecimento da parte do homem, nem implica qualquer promessa, por parte do homem, no sentido de não voltar a percorrer caminhos de corrupção e de pecado. Deus sabe que o homem é frágil e pecador; mas, exclusivamente por sua própria iniciativa e sem contrapartidas, decidiu que nunca mais voltará a entrar em guerra com os seres que criou. Esta Aliança é uma decisão unilateral de Deus que decide viver em paz com a sua criação.

    Porque é que Deus tomou esta decisão? Só se vislumbra uma resposta: porque o seu amor é infinitamente maior do que a sua vontade de castigar. Porque ama, Deus decidiu viver em paz com os homens; e garante isso através de um compromisso solene. Doravante, o ser humano não precisará de viver com medo de Deus.

    O sinal desta decisão de Deus será o arco-íris. Em hebraico, a mesma palavra (“qeshet”) designa o “arco-íris” e o “arco de guerra”. Jogando com esta duplicidade, o teólogo sacerdotal, autor deste texto, sugere que Javé pendurou na parede do horizonte o seu “arco de guerra”, a fim de demonstrar ao homem as suas intenções pacíficas. O “arco-íris”, sinal belo e misterioso que toca o céu e a terra, é o “arco” de Javé, através do qual o desígnio de paz de Deus abraça o mundo e os homens.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Todos os dias vemos a maldade que desfeia o mundo… E esta não é uma realidade só deste nosso tempo, mas é uma realidade de sempre. Deus fica indiferente diante do egoísmo, do ódio, da violência, da injustiça, do orgulho, da prepotência que destroem a vida dos seus filhos e que estragam esse mundo bom e belo que Ele nos encarregou de continuamente recriar? Deus finge que não vê tudo aquilo que atenta contra o seu projeto de um mundo onde os homens e as mulheres podem viver felizes e em paz? Há 2600 anos os catequistas de Israel, recorrendo a velhas mas expressivas linguagens, quiseram dizer que o pecado é algo incompatível com Deus e com os projetos de Deus para o mundo e para o homem. Fizeram-no através da história de um dilúvio purificador, que limpou o mundo de toda a maldade. Esta catequese recorda-nos, no início da nossa caminhada quaresmal, que o pecado não é uma realidade que possa coexistir com essa vida nova que Deus nos quer oferecer e que é a nossa vocação fundamental. O pecado, nas suas mil e uma formas, destrói a vida e arruína a felicidade do homem; por isso, tem de ser combatido em cada passo. Estamos disponíveis para lutar contra tudo aquilo que, dentro ou fora de nós, potencia o domínio do pecado?
    • Deus odeia o pecado, mas não odeia os seus filhos pecadores. Conscientes disso, os catequistas de Israel falaram-nos de um Deus que vem ao encontro dos homens, abençoa-os e abraça-os, mesmo quando eles, no seu egoísmo e autossuficiência, teimam em trilhar caminhos de pecado e de infidelidade. Nesta Quaresma, procuramos fazer esta experiência de um Deus que nos ama apesar das nossas infidelidades e deixar que o amor de Deus nos transforme e nos faça renascer para a vida nova?
    • A lógica do amor de Deus – amor incondicional, total, universal, que se derrama até sobre os que o não merecem – convida-nos a repensar a nossa forma de abordar a vida e de tratar os nossos irmãos. Podemos sentir-nos filhos deste Deus quando utilizamos uma lógica de vingança, de intolerância, de incompreensão perante as fragilidades e limitações dos irmãos? Podemos sentir-nos filhos deste Deus quando respondemos com uma violência maior àqueles que consideramos maus e violentos? Procuramos viver este tempo de Quaresma como tempo propício para repensarmos as nossas atitudes e para nos convertermos à lógica do amor incondicional, à lógica de Deus?

     

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 24 (25)

    Refrão:  Todos os vossos caminhos, Senhor, são amor e verdade
                  para os que são fiéis à vossa aliança.

    Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,
    ensinai-me as vossas veredas.
    Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,
    porque Vós sois Deus, meu Salvador.

    Lembrai-Vos, Senhor, das vossas misericórdias
    e das vossas graças que são eternas.
    Lembrai-Vos de mim segundo a vossa clemência,
    por causa da vossa bondade, Senhor.

    O Senhor é bom e reto,
    ensina o caminho aos pecadores.
    Orienta os humildes na justiça
    e dá-lhes a conhecer a sua aliança.

     

    LEITURA II – 1 Pedro 3,18-22

    Caríssimos:
    Cristo morreu uma só vez pelos pecados
    – o Justo pelos injustos –
    para vos conduzir a Deus.
    Morreu segundo a carne,
    mas voltou à vida pelo Espírito.
    Foi por este Espírito que Ele foi pregar
    aos espíritos que estavam na prisão da morte
    e tinham sido outrora rebeldes,
    quando, nos dias de Noé, Deus esperava com paciência,
    enquanto se construía a arca,
    na qual poucas pessoas, oito apenas,
    se salvaram através da água.
    Esta água é figura do Batismo que agora vos salva,
    que não é uma purificação da imundície corporal,
    mas o compromisso para com Deus de uma boa consciência;
    ele vos salva pela ressurreição de Jesus Cristo,
    que subiu ao céu e está à direita de Deus,
    tendo sob o seu domínio os Anjos,
    as Dominações e as Potestades.

     

    CONTEXTO

    A Primeira Carta de Pedro é uma carta dirigida aos cristãos de cinco províncias romanas da Ásia Menor (a carta cita explicitamente a Bitínia, o Ponto, a Galácia, a Ásia e a Capadócia – cf. 1 Pe 1,1). O seu autor apresenta-se com o nome do apóstolo Pedro; no entanto, a análise literária e teológica não confirma que Pedro seja o autor deste texto: em termos literários, a qualidade literária da carta não corresponde à maneira de escrever de um pescador pouco instruído, como seria o caso de Pedro; a teologia apresentada demonstra uma reflexão e uma catequese bem posteriores à época de Pedro; e o “ambiente” descrito na carta corresponde, claramente, à situação da comunidade cristã no final do séc. I, quando Pedro já tinha desaparecido (Pedro, muito provavelmente, foi morto em Roma durante a perseguição de Nero, por volta do ano 67). O autor da carta será, portanto, um cristão anónimo – provavelmente um responsável de alguma comunidade cristã –, culto e que conhece profundamente a situação das comunidades cristãs da Ásia Menor. Ele escreve em finais do séc. I (nunca antes dos anos 80), provavelmente a partir de uma comunidade cristã não identificada da Ásia Menor.

    As comunidades a que esta carta se destina são comunidades rurais que vivem à margem das grandes cidades. A maioria dos seus membros são pastores ou camponeses que trabalham propriedades que não lhes pertencem; mas também há entre eles alguns pequenos proprietários de terras. Trata-se, em geral, de gente economicamente débil, vulnerável a um ambiente que começa a manifestar uma crescente hostilidade para com o cristianismo.

    O autor da carta conhece as provações que estes cristãos sofrem todos os dias. Exorta-os, no entanto, a manterem-se fiéis à sua fé, apesar das dificuldades. Convida-os a olharem para Cristo, que passou pela experiência da paixão e da cruz, antes de chegar à ressurreição; e exorta-os a manterem a esperança, o amor, a solidariedade, vivendo com alegria, coerência e fidelidade a sua opção cristã.

    O texto que nos é proposto é a parte final de uma perícope (cf. 1 Pe 3,13-4,11) na qual o autor da carta explica qual deve ser a atitude dos crentes, confrontados com as provocações, as injustiças e a hostilidade do mundo. Depois de pedir aos crentes que mesmo no meio do sofrimento não se cansem de fazer o bem (cf. 1 Pe 3,13-17), o autor da carta apresenta a razão fundamental pela qual os crentes devem agir desta forma tão “ilógica”: esse foi o exemplo que Cristo deixou.

     

    MENSAGEM

    Cristo, que era justo e bom e não tinha feito nada de mal, aceitou morrer para conduzir todos os homens – mesmo os maus e os injustos – ao encontro da vida verdadeira, da felicidade plena. A sua morte não foi um fracasso, pois a sua existência não terminou no sepulcro; vivificado pelo Espírito, Ele alcançou de novo a Vida e a glória (vers. 18).

    Mais ainda: depois de ser vivificado pelo Espírito, Ele “foi pregar aos espíritos que estavam na prisão da morte e tinham sido outrora rebeldes” (vers. 19-20). O autor deste texto refere-se a quê? Provavelmente, refere-se à velha verdade proclamada no credo cristão de que Jesus ressuscitado teria descido “à mansão dos mortos” para libertar todos aqueles que eram prisioneiros da morte. A morte e a ressurreição de Cristo tiveram uma dimensão salvadora que atingiu toda a humanidade, inclusive essa humanidade pecadora que tinha perecido nas águas do dilúvio, no tempo de Noé.

    Na sequência, o autor deste texto aproveita a imagem do dilúvio para fazer avançar a sua reflexão… Com o dilúvio, Deus afogou o mal e fez surgir da água uma humanidade nova. A água purificadora do dilúvio pode ser, para os seguidores de Cristo, uma figura do Batismo. Ora, ao sermos batizados, aderimos a Cristo e participamos da salvação que Ele nos trouxe. Pelos méritos da entrega de Cristo, o nosso pecado ficou sepultado na água do Batismo; morremos para o pecado, ressuscitamos com Ele para uma Vida nova e fomos vivificados pelo Espírito. Animados agora pelo mesmo Espírito, comprometemo-nos a seguir Jesus nessa vida de dom, de entrega, de amor que Ele viveu; pelo batismo, nascemos para a vida do bem, da justiça, da verdade (cf. vers. 21); pelo Batismo tornamo-nos pessoas novas.

    Nós, batizados em Cristo, temos por missão dar testemunho dessa Vida nova que recebemos. Cristo é o nosso modelo de vida. Se vivermos de forma coerente com a nossa opção por Cristo, seremos a semente de um mundo novo.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, “o justo”, depois de uma vida cumprida em modo de dom e entrega ao Pai e aos homens, foi preso, julgado, torturado, condenado e morto na cruz. Talvez aqueles que o viram atravessar as ruas de Jerusalém com a cruz às costas a caminho do calvário, tenham pensado que Ele tinha fracassado e que toda a sua luta tinha sido em vão. No entanto, Deus ressuscitou-O; e, ao ressuscitá-l’O, deu-lhe razão. Ao ressuscitar Jesus, Deus garantiu-nos que uma vida feita dom e serviço, mesmo que termine numa morte injusta, não é uma vida fracassada ou sem sentido. Empenhamo-nos na luta pela justiça, pela verdade e pela paz, quando somos confrontados com a incompreensão, a maledicência, a crítica, a provocação, talvez até o ódio de alguns dos nossos irmãos?
    • Diante dos ataques – às vezes incoerentes e irracionais – daqueles que não se reveem nos valores de Jesus, como reagimos? Com a mesma agressividade com que nos tratam? Com a mesma intolerância dos nossos adversários? Fechando janelas de diálogo e de entendimento com o mundo que nos rodeia e ao qual devemos anunciar o Evangelho?
    • Quando fomos batizados, escolhemos Jesus e fomos vivificados pelo Espírito. Assumimos a responsabilidade de caminhar com Jesus e de sermos semente de uma humanidade nova. Temos vivido com coerência esse compromisso? As nossas palavras e os nossos gestos são anúncio e testemunho, ao vivo e a cores, daquilo que aprendemos com Jesus?

     

    ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Mateus 4,4b
    (escolher um dos 7 refrães)

    1. Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
    2. Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.
    3. Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.
    4. Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.
    5. Louvor a Vós, Jesus Cristo, Rei da eterna glória.
    6. Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.
    7. A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

    Nem só de pão vive o homem,
    mas de toda a palavra que sai da boca de Deus.

     

    EVANGELHO – Marcos 1,12-15

    Naquele tempo,
    o Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto.
    Jesus esteve no deserto quarenta dias
    e era tentado por Satanás.
    Vivia com os animais selvagens
    e os Anjos serviam-n’O.
    Depois de João ter sido preso,
    Jesus partiu para a Galileia
    e começou a pregar o Evangelho, dizendo:
    «Cumpriu-se o tempo
    e está próximo o reino de Deus.
    Arrependei-vos e acreditai no Evangelho».

     

    CONTEXTO

    O Evangelho de Marcos começa com uma introdução (cf. Mc 1,2-13) destinada a apresentar Jesus. Essa introdução aparece em forma de tríptico. No primeiro quadro (cf. Mc 1,2-8), João Batista, “a voz que clama no deserto”, testemunha que Jesus é Aquele que vem “batizar no Espírito Santo” (cf. Mc 1,2-8); no segundo quadro (cf. Mc 1,9-11), é Deus que apresenta Jesus como o Seu “Filho amado”, sobre quem repousa o Espírito; no terceiro quadro, é Marcos, o nosso catequista, que nos fala de Jesus como o Messias que enfrenta e vence o mal, criando as condições para o nascimento de um mundo novo (cf. Mc 1,12-13).

    A primeira parte do Evangelho deste primeiro domingo da Quaresma apresenta-nos, precisamente, o terceiro destes quadros. Situa-nos num “deserto” não identificado, mas não longe do lugar onde Jesus foi batizado por João Batista. É o momento em que Jesus faz a sua opção fundamental.

    Mas o texto evangélico deste dia tem uma segunda parte. Aí Marcos apresenta-nos um “sumário-anúncio” da pregação inaugural de Jesus sobre o “Reino” (cf. Mc 1,14-15). Agora já não estamos “no deserto”, mas sim na Galileia, região setentrional da Palestina, terra em permanente contato com o mundo pagão e, portanto, considerada à margem da história da salvação. Mas é precisamente aí que a proposta de Deus ecoa no mundo dos homens.

     

    MENSAGEM

    De acordo com a catequese de Marcos, o Espírito que ungiu Jesus, no momento do seu batismo no rio Jordão, impeliu-o logo depois para o deserto (vers. 13). A partir daqui – e não apenas neste quadro – Jesus é constantemente impelido pelo Espírito em ordem à concretização da missão que o Pai lhe confiou.

    Orientados por Marcos, acompanhamos Jesus ao “deserto”. O deserto é, na teologia de Israel, o lugar privilegiado do encontro com Deus: foi no deserto que o Povo experimentou o amor e a solicitude de Javé e foi no deserto que Javé propôs a Israel uma Aliança. Contudo, o deserto é também o lugar da “prova”, da “tentação”: foi no deserto que Israel foi confrontado com opções e foi no deserto, também, que Israel sentiu, várias vezes, a tentação de escolher caminhos contrários aos propostos por Deus… O “deserto” para onde Jesus “vai” é, portanto, o “lugar” do encontro com Deus e do discernimento dos seus projetos; e é o “lugar” da prova, onde se é confrontado com a tentação de abandonar Deus e de seguir outros caminhos.

    Nesse “deserto”, Jesus ficou “quarenta dias” (vers. 13a). O número “quarenta” é frequente no Antigo Testamento. Refere-se, numerosas vezes, ao tempo da caminhada do Povo de Israel pelo deserto, desde que deixou a terra da escravidão, até entrar na terra da liberdade (quarenta anos – cf. Ex 16,35; Dt 8,2-4); mas também é usado para definir o tempo que Moisés ficou no “monte”, junto de Deus (cf. Ex 34,28), e o tempo que demorou a caminhada de Elias em direção ao Horeb, o “monte de Deus” (cf. 1 Re 19,8). Evoca um tempo de prova que é, simultaneamente, um tempo em que se manifesta a ação salvífica de Deus.

    Durante esse tempo, Jesus foi “tentado por Satanás” (vers. 13b). A palavra “satanás” designava, originalmente, o adversário que, no contexto do julgamento, apresentava a acusação (cf. Sl 109,6). Mais tarde, a palavra vai passar a designar uma personagem que integrava a corte celeste e que acusava o homem diante de Deus (cf. Jb 1,6-12). Na época de Jesus, a figura de “satanás” tinha registado uma evolução e evocava um espírito mau, inimigo do homem, que procurava destruir o homem e frustrar os planos de Deus. É certamente neste sentido que ele aparece aqui… “Satanás” vai tentar levar Jesus a esquecer os planos de Deus e a fazer escolhas pessoais que estejam em contradição com os projetos do Pai.

    Marcos (ao contrário de Mateus e Lucas) não especifica as tentações que Jesus teve de enfrentar; mas é natural que estivesse a pensar, em concreto, em tentações de poder e de messianismo político. O deserto era, tradicionalmente, o lugar de refúgio dos agitadores e dos rebeldes com pretensões messiânicas. A tentação pretenderia, portanto, induzir Jesus a enveredar por um caminho de poder, de autoridade, de violência, de messianismo político, frustrando os projetos de Deus que passavam por um messianismo marcado pelo amor incondicional, pelo serviço simples e humilde, pelo dom da vida.

    A referência às “feras” que rodeavam Jesus e aos “anjos” que O serviam (vers. 13c) deve aludir a certas interpretações de Gn 2-3, muito em voga nos ambientes rabínicos, no século I. Alguns “mestres” de Israel ensinavam que Adão, o primeiro homem, vivia no paraíso em paz completa com todos os animais e que os anjos estavam à sua volta para o servir; mas, quando Adão escolheu o caminho da autossuficiência e se revoltou contra Deus, rompeu-se a harmonia original, os animais tornaram-se inimigos do homem e até os anjos deixaram de o servir. A catequese dos “rabis” adiantava ainda que, quando o Messias chegasse, nasceria um mundo harmonioso, sem violência e sem conflito, onde até os animais ferozes viveriam em paz com o homem. Seria o regresso à harmonia original, ao plano original de Deus para os homens e para o mundo. Muito provavelmente é isso que Marcos está aqui a sugerir: com Jesus, chegou esse tempo messiânico de paz sem fim, chegou o tempo de o mundo regressar a essa harmonia que era o plano inicial de Deus. Marcos terá, ainda, a intenção de estabelecer um paralelo entre Adão e Jesus: Adão cedeu à tentação de escolher caminhos contrários aos de Deus e criou inimizade, violência, conflito, escravidão, sofrimento; Jesus escolheu viver na mais completa fidelidade aos projetos de Deus e fez nascer um mundo novo, de harmonia, de paz, de amor, de felicidade sem fim.

    Na segunda parte do Evangelho deste domingo (vers. 14-15), Marcos convida-nos a acompanhar Jesus à Galileia e a testemunhar como Ele, sempre impelido pelo Espírito, começa a concretizar a missão que o Pai lhe confiou.

    Ora, as primeiras palavras de Jesus são, precisamente, para anunciar que “chegou o tempo”. Que “tempo” é esse? É o “tempo” do “Reino de Deus”. A expressão – tão frequente no Evangelho segundo Marcos – leva-nos a um dos grandes sonhos do Povo de Deus…

    A catequese de Israel referia-se, com frequência, a Javé como a um rei que governa o seu Povo. Mesmo quando Israel passou a ter reis terrenos, esses eram considerados, apenas, como “servos” de Deus, escolhidos e ungidos por Javé para governar o Povo, em lugar do verdadeiro rei que era Deus. O exemplo mais típico de um rei/servo, que governa Israel em nome de Javé, submetendo-se em tudo à vontade de Deus, foi David. A saudade deste rei ideal e do tempo ideal de paz e de felicidade em que Javé reinava (através de David) sobre o seu povo vai marcar toda a história futura de Israel. Nas épocas de crise e de frustração nacional, quando reis medíocres conduziam a nação por caminhos de morte e de desgraça, o Povo sonhava com o regresso aos tempos gloriosos de David. Os profetas, por sua vez, vão alimentar a esperança do Povo anunciando a chegada de um tempo, no futuro, em que Javé vai voltar a reinar sobre Israel e vai restabelecer a situação ideal da época de David. Essa tarefa, na perspetiva profética, será confiada a um “ungido” que Deus vai enviar ao seu Povo. Esse “ungido” (em hebraico “messias”, em grego “cristo”) estabelecerá, então, de forma definitiva, um reino de paz, de justiça, de abundância, de felicidade.

    O “Reino de Deus” é, portanto, uma noção que resume a esperança de Israel num mundo novo, preparado por Deus para o seu Povo. Esta esperança está bem viva no coração de Israel na época em que Jesus aparece a dizer: “cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus”. Certas afirmações de Jesus, registadas nos Evangelhos sinóticos, mostram que Ele tinha consciência de estar pessoalmente ligado ao Reino e de que a chegada do Reino dependia da sua ação.

    Jesus começa, precisamente, a construção desse “Reino” pedindo aos seus conterrâneos a conversão (“metanoia”) e o acolhimento da Boa Nova (“evangelho”). “Converter-se” significa transformar a mentalidade e os comportamentos, reformular os valores que orientam a própria vida; é reequacionar a vida, de modo que Deus passe a estar no centro da existência do homem e ocupe sempre o primeiro lugar. Na perspetiva de Jesus, não é possível que esse mundo novo de amor e de paz se torne uma realidade, sem que o homem renuncie ao egoísmo, ao orgulho, à autossuficiência e passe a escutar, de novo, Deus e as suas propostas. “Acreditar” é, sobretudo, aderir à pessoa de Jesus, escutar a sua proposta, acolhê-la no coração, fazer dela o guia da própria vida; é escutar essa “Boa Notícia” de salvação (“evangelho”) que Jesus propõe e fazer dela o centro à volta do qual se constrói toda a existência.

    “Conversão” e “adesão ao projeto de Jesus” são duas faces de uma mesma moeda: a construção de um Homem Novo, com uma nova mentalidade, com novos valores, com uma postura vital inteiramente nova. Então, sim teremos um mundo novo – o “Reino de Deus”.

     

    INTERPELAÇÕES

    • Jesus, ao longo do caminho que percorreu entre nós, foi confrontado com opções. Ele desceu ao terreno movediço onde a vida de cada dia acontece e teve de escolher entre viver na fidelidade aos projetos do Pai, ou frustrar os planos de Deus e enveredar por um caminho de egoísmo, de poder, de autossuficiência. Mas Jesus escolheu viver – de forma total, absoluta – na obediência às propostas do Pai. Nem o espectro da cruz lhe tirou o ânimo para percorrer o caminho que Deus lhe apontava. Nós, discípulos de Jesus, somos confrontados a todos os instantes com as mesmas opções. Qual tem sido a nossa resposta? Na hora crítica de optar, têm prevalecido os nossos interesses pessoais, o nosso desejo de uma vida cómoda e instalada, a nossa vontade de realização e de triunfos, os nossos medos paralisantes, ou a vontade de Deus a nosso respeito?
    • Ao dispor-se a cumprir integralmente o projeto de salvação que o Pai tinha para os homens, Jesus começou a construir um mundo novo, de harmonia, de justiça, de reconciliação, de amor e de paz. A esse mundo novo, Jesus chamava “Reino de Deus”. Nós aderimos a esse projeto e comprometemo-nos com ele no dia em que escolhemos ser seguidores de Jesus. O nosso empenho na construção do “Reino de Deus” tem sido coerente e consequente? Mesmo contra a corrente, temos procurado ser profetas do amor, testemunhas da justiça, servidores da reconciliação, construtores da paz?
    • Para que o “Reino de Deus” se torne uma realidade, o que é necessário fazer? Na perspetiva de Jesus, o “Reino de Deus” exige, antes de mais, a “conversão”. “Converter-se” é renunciar a caminhos de egoísmo e de autossuficiência e recentrar a própria vida em Deus, de forma a que Deus e os seus projetos sejam sempre a nossa prioridade máxima. Implica, naturalmente, modificar a nossa mentalidade, os nossos valores, as nossas atitudes, a nossa forma de encarar Deus, o mundo e os outros; exige que sejamos capazes de renunciar ao egoísmo, ao orgulho, à autossuficiência, ao comodismo e que voltemos a escutar Deus e as suas propostas. O que é que temos de “converter” – quer em termos pessoais, quer em termos institucionais – para que aconteça, realmente, esse mundo novo tão esperado?
    • A construção do “Reino de Deus” exige, também, o “acreditar” no Evangelho. “Acreditar” não é, na linguagem neotestamentária, a aceitação de certas verdades afirmadas pelo discurso teológico ou a concordância com um conjunto de definições a propósito de Deus, de Jesus ou da Igreja; mas é, sobretudo, uma adesão total à pessoa de Jesus e ao seu projeto de vida. Com a sua pessoa, com as suas palavras, com os seus gestos e atitudes, Jesus propôs aos homens – a todos os homens – uma vida de amor total, de doação incondicional, de serviço simples e humilde, de perdão sem limites. Nós “acreditamos” em Jesus, incondicionalmente, e estamos dispostos a ir atrás dele no “caminho do discípulo”?
    • O chamamento a integrar a comunidade do “Reino” não é algo reservado a uma elite privilegiada, a pessoas que têm uma missão especial no mundo e na Igreja; mas é algo que Deus dirige a cada homem e a cada mulher, sem exceção. Todos os batizados são chamados a ser discípulos de Jesus, a “converter-se”, a “acreditar no Evangelho”, a seguir Jesus nesse caminho de amor e de dom da vida. Aceitamos que o “Reino” se torne o valor fundamental, a grande prioridade, o principal objetivo da nossa vida?
    • O “Reino” é uma realidade que Jesus começou e que já está, decisivamente, implantada na nossa história. Não tem fronteiras materiais e definidas; mas está a acontecer e a concretizar-se através dos gestos de bondade, de serviço, de doação, de amor gratuito que acontecem à nossa volta (muitas vezes, até fora das fronteiras institucionais da “Igreja”) e que são um sinal visível do amor de Deus nas nossas vidas. Sabemos olhar para o mundo com olhos de ver e conseguimos reconhecer, nos gestos de bondade e de amor que não cessam de acontecer, os sinais da presença do “Reino” na vida e na história dos homens? A presença do “Reino” neste mundo onde a nossa vida se cumpre é para nós fonte de alegria e de esperança?

     

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 1.º DOMINGO DA QUARESMA
    (adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 1.º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PALAVRA DE VIDA.

    São Marcos inicia o seu Evangelho proclamando a encarnação do Filho de Deus. Jesus é plenamente homem, pois é tentado, e plenamente Deus, ao manifestar a vitória do Amor sobre o Mal, a vitória de Deus sobre o Maligno. Ele faz uma declaração: os tempos cumpriram-se. Dirige-Se a um povo à espera de um Messias que estabelecerá um Reino novo. Ora, este Reino está bem próximo, afirma Jesus, que vem precisamente trazer a esperança a todo o povo. Mas Deus não impõe a sua vinda, Ele faz-Se desejar. Então, duas atitudes do coração são necessárias: a conversão, mudando de vida e voltando a Deus; e a fé, aderindo plenamente com todo o ser à mensagem que Jesus vem anunciar. Se Jesus começa a sua pregação por estas duas recomendações, isso significa a sua urgência e a sua importância.

    3. À ECUTA DA PALAVRA.

    A verdadeira conversão… Quaresma, tempo de penitência, de sacrifícios de toda a espécie, de resistência às tentações, à imitação de Jesus no deserto… Tempo não muito entusiasmante! Porém, na breve passagem do Evangelho, S. Marcos fala duas vezes da Boa Nova. Uma Boa Nova dilata o coração, traz alegria. Então, porque não falar de alegria durante a Quaresma? Será que isso desvirtua o seu sentido? Trata-se de conversão. Mas isso não quer dizer, em primeiro lugar, como pensamos muitas vezes, parar de cometer pecados, voltar a uma vida moralmente pura e reta. A verdadeira conversão é, antes de mais, “acreditar na Boa Nova”. E esta Boa Nova é a manifestação do verdadeiro rosto de Deus em Jesus: um Pai no qual só há amor, porque Ele é Amor em estado puro, a fonte absoluta do Amor. Às vezes, a primeira tentação, a mais terrível, consiste em transpor para Deus as nossas maneiras de amar, de compreender a justiça, o poder. Ora, não é Deus que é à nossa imagem, nós é que somos à sua imagem. A verdadeira conversão consiste em mudar todas as nossas conceções de Deus para acolher um Pai que nunca pára de nos amar, que nunca nos rejeita. E quando recusamos o seu amor, Ele só tem um desejo: manifestar-nos ainda mais o seu amor, até nos dar o seu Filho, para que, enfim, nós nos deixemos amar. A Quaresma não é demasiado tempo para descobrir este Deus!

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…

    Rezar em cada manhã o Salmo 24… Ao longo da semana, rezar em cada manhã, lentamente, este Salmo 24. Pode ser meditado, “ruminado”. Esforçar-se também por memorizar um versículo para cada dia (“Tu és o Deus que me salva”; “lembra-te, Senhor, da tua ternura”); repeti-lo várias vezes ao longo do dia, como uma caminhada com o Senhor. Será uma maneira possível de viver a exortação à oração em segredo, a exortação que ouvimos na Quarta-feira de Cinzas. Procurar também recorrer a esta oração quando temos uma decisão a tomar, uma escolha a fazer, cada vez que um discernimento se nos impõe (“guiai-me na verdade”, “ensinai-me”…).

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    Proposta para Escutar, Partilhar, Viver e Anunciar a Palavra

    Grupo Dinamizador:
    José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    www.dehonianos.org

  • Segunda-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Segunda-feira - 1ª Semana da Quaresma

    19 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Levítico 19, 1-2.11-18

    o Senhor dirigiu-se a Moisés, dizendo: 2*«Fala a toda a comunidade dos filhos de Israel e diz-lhes: sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo.

    11Não furtareis, não mentireis, nem enganareis em detrimento de um compatriota. 12Não jurareis falso, em meu nome; desse modo profanareis o nome do vosso Deus. Eu sou o Senhor. 13Não roubarás nem furtarás nada ao teu próximo; o salário do jornaleiro não passará a noite em teu poder até à manhã seguinte. 14Não insultarás um surdo, não colocarás tropeços diante de um cego. Teme o teu Deus. Eu sou o Senhor: 15Não cometerás injustiças nos julgamentos. Não prejudicarás o pobre, nem serás complacente para com o poderoso. Julgarás o teu compatriota com imparcialidade. 16Não semearás o mal no meio do teu povo. Não peças o sangue do teu próximo. Eu sou o Senhor.17*Não odiarás o teu próximo no teu coração; mas repreende o teu compatriota para não caíres em pecado por causa dele. 18Não te vingarás nem guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor

    A primeira leitura, que pertence ao chamado «Código de Santidade» que encontramos no Levítico, apresenta a toda a comunidade de Israel o mandamento da santidade. Mandamento motivado pela santidade de Deus (v. 2). Deus é o Totalmente Outro, radicalmente diferente do que é o homem. Mas quere-o participante da sua santidade. Depois deste mandamento, seguem algumas normas de moral pessoal e social. O respeito pela santidade de Deus deve inspirar o respeito pelo próximo, particularmente pelos mais fracos e os deficientes (v. 14). Às exortações negativas: «Não fareis isto ou aquilo ... », seguem exortações prepositivas destinadas a construir uma sociedade humana mais fraterna: «amarás o teu próximo como a ti mesmos (v. 18b). O amor pelos outros, fundamentado em Deus, edifica a comunidade humana na santidade.

    Evangelho: Mateus 25, 31-46

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 31 *«Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. 32*Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33,,4 sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. 340 Rei dirá, então, aos da sua direita: 'Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.' 37Então, os justos vão responder-lhe: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?' 40*E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: 'Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.' 41Em seguida dirá aos da esquerda: 'Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! 42porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, 43era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.' 44Por sua ve-4 eles perguntarão: 'Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?' 45E1e responderá, então: 'Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.' 46*Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.»

    o texto de Mateus está na linha da tradição apocalíptica bíblica e judaica (cf. Daniel .. ). Trata-se de uma revelação relativa às coisas últimas, ao juízo universal. Nela aparece o Filho de homem, figura simultaneamente humana e celeste e que tem um papel fundamental na instauração do reino de Deus e na recondução dos eleitos para Deus. Jesus identifica-se com esta personagem gloriosa. Ele virá encerrar a história, e assumir a realeza que foi escondida no tempo.

    Tal como os pastores reuniam, ao cair da noite, o rebanho e separavam os animais segundo a espécie, assim fará o Rei-Pastor com a humanidade reunida à sua volta Esta separação inclui um juízo. O critério da divisão será a caridade. Jesus mostra como esta figura real quer identificar-se com cada um dos irmãos mais pequenos. É no encontro com cada um dos homens que se joga o nosso destino eterno: usámos ou não usámos de misericórdia com eles. Será essa a única matéria em exame no juízo final.

    Meditatio

    Ao pronunciar o discurso que escutámos no evangelho, Jesus não quer descrever os acontecimentos finais em si mesmos. Quer, sim realçar o significado central da sua pessoa. Os homens serão julgados pela sua atitude diante da pessoa de Jesus, que Se identifica com os carenciados: Mas essa atitude verifica-se pela atitude diante dos outros, especialmente dos mais carenciados: foi «a mim mesmo o fizestes» ou «foi a mim que o deixastes de fazer». Por isso, nos incita à misericórdia, à caridade, para com eles. Esta identificação surpreende-nos. Esperávamos, talvez, que Deus ordenasse a caridade fraterna em nome da sua vontade, que quer o bem e a felicidade de todos. Mas esse era o modo de falar do Antigo Testamento: «Eu sou o SENHOR. Não odiarás ... Não te vingarás nem guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHO/?» (Cf. Lev 19, 16-18). Apelando para a sua autoridade divina, manda afastar de nós todo o mal, manda praticar a justiça. É já caminho para a caridade. Trata-se de não fazer o mal a ninguém por respeito a Deus. No evangelho, Jesus já não fala da sua autoridade, mas da sua pessoa. Identifica-se com os pobres. Já não estamos diante da simples justiça. Estamos diante da caridade. Já não é suficiente não fazer o mal. É preciso fazer o bem, ir ao encontro dos carenciados. Os pecados de omissão também serão objecto de juízo.

    No n. 28 das nossas Constituições, lemos: «Sequiosos de intimidade com o Senhor, procuramos os sinais da sua presença na vida dos homens, onde actua o seu amor salvador. Partilhando as nossas alegrias e sofrimentos, Cristo identificou-Se com os pequenos e com os pobres, aos quais anuncia a Boa Nova». No mesmo número, as Constituições lembram as palavras do Senhor: "Em verdade vos digo: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a Mim que o fizestes" (Mt 25,40). "O Espírito do Senhor está sobre Mim ... enviou-Me para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação a
    os cativos, a vista aos cegos, a liberdade aos oprimidos, a proclamar um ano de graça do Senhor"(lc 4,18-19).

    Ao orientar-nos para o apostolado dos "pequenos" e dos "pobres", as Constituições começam com uma experiência contemplativa: "Sequiosos de intimidade com Senhor". Haurindo o amor oblativo na sua fonte, que é Cristo, por meio da "oração de intimidade", reconhecemos (isto é, fazemos experiência de vida) e cremos (isto é, aderimos com todo o nosso ser) "ao amor que Deus tem por nós" (1 Jo 4, 16) e, se a experiência contemplativa for autêntica, sentimos a necessidade de irradiar este amor entre os irmãos, isto é, de viver "a oração perene" (ou caridade perene), de acordo com a exortação de Jesus: é preciso "rezar(= amar) sempre, sem desfalecer" (Lc 18, 1). É a passagem espontânea da contemplação à acção e o regresso da acção à contemplação, naquele único amor oblativo, que anima tanto a acção como a contemplação. É, pois, um desejo espontâneo de amor, que procura "os sinais da presença" do Senhor "na vida dos homens, onde actua o seu amor" (Cst 28).

    Nas "alegrias" e nas "angústias" de cada homem, por bom ou mau que seja, voltamos a ouvir a pergunta de Jesus: "A quem procurais?' (Jo 1, 38); "Quem procurais?" (Jo 18, 4.7), "A quem procuras?' (Jo 21, 15). Consciente ou inconscientemente a resposta é: "Queremos ver Jesus' (Jo 12, 21), porque é Ele o nosso amor, a nossa alegria, a nossa paz e também porque todo o anseio de redenção, de libertação, de bondade, de misericórdia, de perdão, de ajuda ... , até mesmo de remorso, é um querer ver Jesus. É Ele a redenção, a libertação, a bondade, a misericórdia, o perdão personificados.

    Onde esta Jesus, onde actua o seu "amor que salva", também nós queremos estar presentes, unidos "no seu amor pelo Pai e pelos homens" (Cst 17), especialmente pelos "pequenos" e pelos "pobres" (Cst 28), porque "Cristo se identificou" com eles (Cst 28; Cf. Mt 25, 40).

    Oratio

    Senhor Jesus, dá-me a dimensão divina da tua caridade. Quero ajudar-Te, ajudando todos os irmãos carenciados de bens materiais, de atenção, de conforto e de compreensão. Tu disseste: «O que fizestes a um destes pequeninos, foi a Mim que o fizestes». No caminho de Damasco, disseste a Saulo que perseguia os cristãos; «Eu sou Jesus a quem tu persegues-. A Martinho, que dividiu o manto com um pobre, também disseste: «Hoje, Martinho catecúmeno revestiu-Me com o seu manto». Estes exemplos iluminam o evangelho e dão-me força para percorrer o mesmo caminho, certo de que, na atenção generosa para com todos os carenciados, começo desde já a viver a vida eterna, porque Te amo como a mim mesmo, irmão em Cristo, irmão­ Cristo. Amen.

    Contemplatio

    «O meu Pai e eu, diz o Senhor, somos assim glorificados». É, de facto, o amor divino pelos homens que é imitado e continuado. A nossa união fraterna faz a alegria de Deus nosso Pai. Ela faz também a nossa força e a nossa consolação. As obras da caridade fraterna são também um poderoso meio de apostolado e o instrumento da conversão dos povos. O mundo vê que nos amamos e fica emocionado.

    Esta caridade tem tido os seus inumeráveis mártires, que têm fecundado a Igreja e enchido o céu. Todos aqueles que sacrificaram a sua vida nos trabalhos e nos perigos do apostolado sob todas as suas formas são mártires da caridade. Enfrentaram as fadigas, as doenças, as dificuldades do clima, a hostilidade dos infiéis para irem em socorro dos que sofrem ou que estão nas trevas da idolatria. Era o espírito da caridade que os conduzia.

    Dando-nos o seu preceito novo, Nosso Senhor dá-nos, no Espírito Santo, a graça de o cumprirmos.

    Se correspondermos a este espírito de caridade, havemos de praticar entre nós a doçura, a paciência, a benevolência. As obras de misericórdia ser-nos-ão caras e fáceis. Teremos gosto em tomar conta dos pequenos, dos pobres, dos ignorantes, daqueles que sofrem. Havemos de nos recordar da palavra do bom Mestre: «O que fazeis aos pequenos e aos deserdados, tenho como feito por mim».

    Se tivermos uma caridade ardente e abundante, levá-la-emos até ao sacrifício. Despojar-nos-emos, afadigar-nos-emos para socorrer o nosso próximo, e, se for preciso, daremos a nossa vida por ele como Nosso Senhor a deu por nós (Leão Dehon, OSP 3, p. 419s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Foi a Mim que o fizestes» (Mt 25, 40).

     

    https://youtu.be/i6gINUmw4gw

  • Santos Francisco e Jacinta Marto

    Santos Francisco e Jacinta Marto


    20 de Fevereiro, 2024

    Francisco Marto nasceu em 11 de Junho de 1908, em Aljustrel, Fátima, vindo a falecer também aí, no dia 4 de Abril de 1919. Muito sensível e contemplativo, Francisco orientou toda a sua oração e penitência para "consolar a Nosso Senhor". Jacinta Marto nasceu em Aljustrel, no dia 11 de Março de 1910 e faleceu em 20 de Fevereiro de 1920, no Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa, depois de uma longa e dolorosa doença, oferecendo todos os seus sofrimentos pela conversão dos pecadores, pela paz no mundo e pelo Santo Padre. Os seus restos mortais de Francisco e Jacinta repousam atualmente na Basílica da Cova da Iria. O Santo Padre João Paulo II proclamou-os beatos, em Fátima, a 13 de Maio de 2000.

    Lectio

    Primeira Leitura: 1Samuel 3, 1.3-10

    Naqueles dias, o jovem Samuel servia o Senhor sob a direção do sumo sacerdote Heli. Samuel dormia no templo do Senhor, no lugar onde se encontrava a arca de Deus. O Senhor chamou Samuel e ele respondeu: «Aqui estou». E, correndo para junto de Heli, disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Mas Heli respondeu: «Eu não te chamei; torna a deitar-te». E ele foi deitar-se. O Senhor voltou a chamar Samuel. Samuel levantou-se, foi ter com Heli e disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Heli respondeu: «Não te chamei, meu filho; torna a deitar-te». Samuel ainda não conhecia o Senhor, porque, até então, nunca se lhe tinha manifestado a palavra do Senhor. O Senhor chamou Samuel pela terceira vez. Ele levantou-se, foi ter com Heli e disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Então Heli compreendeu que era o Senhor que chamava pelo jovem. Disse Heli a Samuel: «Vai deitar-te; e se te chamarem outra vez, responde: 'Falai, Senhor, que o vosso servo escuta'». Samuel voltou para o seu lugar e deitou-se. O Senhor veio, aproximou-Se e chamou como das outras vezes: «Samuel, Samuel!». E Samuel respondeu: «Falai, Senhor, que o vosso servo escuta».

    Samuel é uma figura singular e polifacetada do Antigo Testamento: sacerdote, profeta e juiz. Vive no momento da transição da federação de tribos ao regime monárquico. A vocação de Samuel está enquadrada num cenário de simplicidade e sublimidade, de serenidade e dramatismo, de silêncio e eloquência, de quietude e dinamismo. Essa vocação acontece de noite, hora propícia à revelação. O jovem é chamado três vezes, e ainda uma quarta. Samuel pensa tratar-se de Heli, o sacerdote. Este, fazendo um discernimento da situação, coloca Samuel na presença do Senhor. O seu chamamento de Samuel, o primeiro dos profetas, tem semelhanças ao de João Baptista, o último dos profetas: ambos têm a missão de anunciar uma nova etapa da História da salvação. Ambos tiveram que sofrer a dilaceração que implica romper com uma época que se ama e que vai desaparecer, mas também a dor que acarreta a aurora de uma nova etapa.

    Evangelho: Mateus 18, 1-5.10

    Naquele tempo, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-Lhe: «Quem é o maior no reino dos Céus?». Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse-lhes: «Em verdade vos digo: Se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, não entrareis no reino dos Céus. Quem for humilde como esta criança, esse será o maior no reino dos Céus. E quem acolher em meu nome uma criança como esta acolhe-Me a Mim. Vede bem. Não desprezeis um só destes pequeninos. Eu vos digo que os seus Anjos vêem continuamente o rosto de meu Pai que está nos Céus».

    O texto paralelo de Marcos (9, 33-34) faz-nos supor que o contexto imediato destes ensinamentos do Senhor é uma discussão dos discípulos sobre o lugar que cada um deveria ocupar no reino pregado por Jesus. Jesus Manda-lhes que se tornem como crianças, não tanto no que se refere à inocência, mas no que se refere à humildade: a criança não tem pretensões. A humildade cristã é fruto da alegria de ser filhos de Deus. A filiação divina requer conversão. Os discípulos, particularmente os que são chamados a ser dirigentes da comunidade cristã, devem ser humildes e comportar-se como tais. Essa atitude dá-lhes uma dignidade maior que a dos anjos, que estão ao seu serviço

    Meditatio

    "Eu te bendigo, ó Pai, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelastes aos pequeninos". Com estas palavras, Jesus louva os desígnios do Pai celeste: "Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do Teu agrado". Quiseste abrir o Reino aos pequeninos. Por desígnio divino, veio do céu a esta terra, à procura dos pequeninos privilegiados do Pai, uma mulher revestida com o Sol. Fala-lhes com voz e coração de Mãe: convida-os a oferecerem-se como vítimas de reparação, oferecendo-se ela para os conduzir, seguros, até Deus. Foi então que das suas mãos maternais saiu uma luz que os penetrou intimamente, sentindo-se imersos em Deus como quando uma pessoa - explicam eles - se contempla num espelho. Mais tarde, Francisco, um dos três privilegiados, exclamava: nós estávamos a arder naquela luz que é Deus e não nos queimávamos. Como é Deus? Não se pode dizer. Isto sim que a gente não pode dizer. Deus: uma luz que arde mas não queima. A mesma sensação teve Moisés quando viu Deus na sarça-ardente. Ao beato Francisco, o que mais o impressionava e absorvia era Deus naquela luz imensa que penetrara no íntimo dos três. Na sua vida, dá-se uma transformação que poderíamos chamar radical; uma transformação certamente não comum em crianças da sua idade. Entrega-se a uma vida espiritual intensa que se traduz em oração assídua e fervorosa, chegando a uma verdadeira forma de união mística com o Senhor. Isto mesmo leva-o a uma progressiva purificação do espírito através da renúncia aos seus gostos e até às brincadeiras inocentes de criança. Suportou os grandes sofrimentos da doença que o levou à morte, sem nunca se lamentar. Grande era no pequeno Francisco, o desejo de reparar as ofensas dos pecadores, esforçando-se por ser bom e oferecendo sacrifícios e oração. E Jacinta sua irmã, quase dois anos mais nova que ele, vivia animada pelos mesmos sentimentos. Na sua solicitude materna, a Santíssima Virgem veio a Fátima, pedir aos homens para não ofenderem mais a Deus Nosso Senhor, que já está muito ofendido. Dizia aos pastorinhos: Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver que se sacrifique e peça por elas. A pequena Jacinta sentiu e viveu como própria esta aflição de Nossa Senhora, oferecendo-se heroicamente como vítima pelos pecadores. Um dia - já ela e Francisco tinham contraído a doença que os obrigava a estarem de cama - a Virgem Maria veio visitá-los a casa, como conta a pequenita: Nossa Senhora veio-nos ver e diz que vem buscar o Francisco muito em breve para o céu. E a mim perguntou-me se queria ainda converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. E, ao aproximar-se o momento da partida do Francisco, Jacinta recomenda-lhe: Dá muitas saudades minhas a Nosso Senhor e a Nossa Senhora e diz-lhes que sofro tudo quanto Eles quiserem para converter os pecadores. Jacinta ficara tão impressionada com a visão do inferno, durante a aparição de treze de Julho, que nenhuma mortificação e penitência era demais para salvar os pecadores. (João Paulo II, Homilia da Missa da Beatificação de Francisco e Jacinta Marto no dia 13 de Maio 2000, em Fátima)

    Oratio

    Deus de infinita bondade, que amais a inocência e exaltais os humildes, concedei, pela intercessão da Imaculada Mãe do vosso Filho, que, à imitação dos bem-aventurados Francisco e Jacinta, Vos sirvamos na simplicidade de coração, para podermos entrar no reino dos Céus. Ámen. (Coleta da Missa).

    Contemplatio

    Jesus acolhia as crianças e abençoava-as... Os apóstolos querem afastar as crianças, mas Jesus não deixa. «Deixai-as vir a mim, diz. São semelhantes aos anjos do céu. A criança é dócil, simples, crente, obediente. Em lugar de afastardes as crianças, imitai as suas qualidades». Abraçava-as, impunha-lhes as mãos e abençoava-as. É uma curta lição de educação cristã. É preciso encorajar as crianças à piedade, abençoá-las e ensinar-lhes a rezar. Alguns dias antes, Jesus já tinha apresentado uma criança aos seus apóstolos como um modelo a imitar, porque a criança é simples, humilde, doce. «Se não tiverdes, dizia Jesus, estas disposições da infância espiritual, não entrareis no reino dos céus». E recomendava-lhes as crianças: «Quem as recebe em meu nome, recebe-me a mim, dizia. Tenho como feito a mim mesmo o que fizerem por elas. Ai daqueles que as escandalizam! Melhor seria que não tivessem nascido» (L. Dehon, OSP 4, p. 278s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "O Senhor exaltou os humildes" (Lc 1, 46).

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    Beatos Francisco e Jacinta Marto (20 Fevereiro)

    Terça-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Terça-feira - 1ª Semana da Quaresma

    20 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Isaías 55, 10-11

    Assim fala o Senhor: 10Assim como a chuva e a neve descem do céu, e não voltam mais para lá, senão depois de empapar a terra, de a fecundar e fazer germinar, para que dê semente ao semeador e pão para comer, 11 o mesmo sucede à palavra que sai da minha boca não voltará para mim vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem cumprir a sua missão.

    A secção do Deutero-Isaías, conclui (Is 55) com o retomar de temas como o perdão, o regresso à pátria, a participação na natureza divina, o poder da palavra de Deus. A palavra é a mediação através da qual o homem sente a Deus como próximo e, ao mesmo tempo, como ausente, uma vez que «os seus caminhos não são os nossos cemmhos- (v. 9).

    A Palavra é uma realidade viva, enviada do céu para realizar a salvação. É «etiau», pois é capaz de realizar o seu objectivo, tal como a chuva e a neve, que fecundam a terra e lhe dão capacidade de produzir frutos.

    Esta imagem enchia certamente de consolação o povo cativo em Babilónia, cuja esperança de regressar à terra encontrava seguro apoio na Palavra de Deus.

    A mesma Palavra nos enche de consolação e esperança, pois Cristo é a Palavra omnipotente feita carne, enviada do céu para que a nossa terra dê o seu fruto. Ele, que por nós morreu e ressuscitou, abriu-nos um caminho inesperado para a casa de Deus.

    Evangelho: Mateus 6, 7-15

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7*Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. 8Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» 9*«Rezai, pois, assim: 'Pai nosso, que estás no Céu, santificado seja o teu nome, 10*venha o teu Reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no Céu. 11*Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia, 12*perdoa-nos as nossas ofensas, como nós perdoamos aos que nos ofenderam 13*e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal. ' 14Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. 15Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.»

    Mateus introduz o «Pai-nosso» no «Sermão da Montanha», precedido por alguns ensinamentos de Jesus sobre o modo de rezar: não rezar como os pagãos, que julgam dever usar muitas palavras para atrair a atenção ou a benevolência das suas divindades (v. 7); Deus, nosso Pai, está sempre atento a cada um de nós e conhece aquilo de que precisamos (v. 8). Mais do que falar muito, há que ter, diante d ' Ele, uma atitude de filhos. Jesus ensina-nos a chamá-Lo abbá, isto é, papá, paizinho, introduzindo-nos na intimidade da comunhão que existe entre Ele e o Pai.

    «Santificado seja o vosso nome-. Não se trata de nós santificarmos a Deus, que é O Santo, mas de que, pelas nossas palavras e pela nossa vida, todos os homens e mulheres do mundo O louvem, O adorem, O reconheçam como Senhor e se tornem e vivam como seus filhos.

    «Venha a nós o vosso reino». O reino já está no meio de nós. Mas é preciso reconhecê-lo e acolhê-lo, aceitando a senhoria de Deus.

    «Seja feita a vossa vontade», A vontade de Deus cumpre-se no céu e na terra.

    Mas é preciso que se cumpra em cada um de nós. Por isso, quer que a acolhamos e adiramos a ela com amor, como Jesus.

    «O pão nosso ... ». Este pão é tudo aquilo que o homem precisa para viver dignamente como criatura e filho de Deus, desde o alimento, à casa, às condições de vida, até ao Pão, que é o próprio Jesus (cf. Jo 6).

    «Perdoai-nos ... ». Precisamos do perdão de Deus para entrarmos no Reino; mas não podemos pedir para nós o que recusamos aos outros ...

    «Não nos deixeis cair em tentação ... ». Pedimos que, diante das provações da vida, jamais deixemos de acreditar na bondade de Deus, nosso Pai, e jamais reneguemos a fé em Jesus Cristo, cedendo ao Maligno.

    «Livrai-nos do ma!...». É um pedido que reforça o anterior, pois o Maligno é o instigador do mal, o tentador.

    Meditatio

    A palavra realmente eficaz sobre o nosso coração, e sobre o coração de Deus, é aquela que, como a chuva e como a neve, vem do céu, é aquela que sai da boca do próprio Deus. Por isso, Jesus nos oferece um enorme dom, quando partilha connosco a sua oração, e nos ensina a rezar. Na primitiva igreja, o «Pai nosso» fazia parte das coisas secretas da fé cristã, protegidas pela lei do arcano. Os catecúmenos recebiam-­no na vigília do baptismo, quando também lhes era apresentada a Eucaristia. Quem recebiam o «Pai nosso» guardavam-no como uma relíquia, e esperavam ansiosamente pelo momento em que, saindo da fonte baptismal, rodeados pelos irmãos e apresentados pela Mãe Igreja, diziam, pela primeira vez, «Pai», dando-se a conhecer como filhos de Deus.

    É bom recordarmos estas coisas, que nos são referidas, entre outros, por Tertuliano, porque talvez tenhamos banalizado a «oração do Senhor», dizendo-a sem pensar, ou dizendo-a como se diz qualquer outra oração em momento de necessidade ou de medo. Deixámos talvez perder o sentido tremendo que se esconde naquelas palavras saídas da boca de Deus e dirigidas aos ouvidos do mesmo Deus! Precisamos de recuperar o «Pai nosso» da rotina que o cobre como um qualquer material isolante, ou como uma camada de pó que o não deixa brilhar dentro de nós, que nos impede de nos emocionarmos quando escutamos as suas primeiras palavras: «Pai nosso». Há que voltar a recebê-lo do Coração de Jesus, tal como o receberam os Apóstolos no dia em que disseram: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1-4) e o ouviram pela primeira vez.

    Peçamos a Cristo que nos ensina a repetir o «Pai nosso» com o seu próprio Coração, para que cresça em nós, dia após dia, o amor filial e confiante para com o nosso Pai celeste e, com a oração, cresça em nós a caridade, que se torne perdão para todos os irmãos. Então, a nossa terra será fecunda, dará novos frutos, dará o pão da misericórdia para saciar a fome de todos os homens. Com Cristo, a nossa invocação sobe até Deus e torna-se a Sua própria invocação: "Abbá, Pai!' (cf. Mc 14, 36; Rom 8, 15; Gal 4, 6). Esta oração ao Pai é fortalecida pelo Espírito (cf. Gal 4, 6; Rom 8, 26- 27), que nos anima a rezar: «seja feita a vossa vontade», É a nossa reparação, o nosso "sim" de amor à vontade do Pai, unido ao Sim filial de Cristo (cf. Jo 4, 34; Lc 22, 42).

    Oratio

    Ó Jesus, Tu és a Palavra feita carne, a palavra eficaz, enviada pelo Pai à terra e que a Ele voltas depois de teres realizado o seu projecto de amor e salvação em favor da humanidade. Por isso, as tuas palavras estão carregadas de extraordinário poder.

    Tu ensinas-nos a dizer: «Psi-nosso». Infunde em nós o teu Espírito Santo, para que o digamos com os sentimentos e as disposições que tinhas no teu próprio Coração. Aumenta em nós o amor filial e confiante no Pai, e o amor generoso e cheio de compreensão e misericórdia para com os irmãos.

    Que a tua palavra fecunde o nosso árido coração e o faça produzir frutos de vida nova, e pão de amor, compaixão e perdão que sacie todos quantos encontrarmos nos caminhos da vida. Amen.

    Contemplatio

    o amor do Coração de Jesus por nós não se extinguiu com a sua vida mortal.

    As necessidades não terminaram, a sua oração devia, portanto, continuar a subir até ao trono de Deus. Jesus-Eucaristia presta ao seu Pai as mesmas homenagens que lhe prestava na terra. Dirige-lhe as mesmas orações por nós: «Semper vivens ad interpellandum pro nobis» (Heb 7) ( «Vivo a interceder por nós»),

    Está sobre o altar em estado de suplicante. O seu coração sente intensamente todas as nossas necessidades, a sua boca é o intérprete de todos os homens, os seus suspiros falam por todas as nossas misérias.

    No meio de nós, como outrora junto dos seus apóstolos, dirige ainda ao seu Pai esta bela oração: «Pai-nosso que estais nos céus ... »

    Algumas almas rezam com Ele, mas quantas são tíbias, indiferentes ou mudas!

    Somente Ele é que não tem necessidade de rezar, e somente Ele é que não se cansa de rezar. Reza na Eucaristia e reza ainda no céu: «Nós temos, diz S. João, um advogado junto de Deus Pai» (Jo 2).

    Ah! Rezemos com Jesus, levemos uma vida de oração, para louvar a Deus e para solicitar a nossa salvação e a dos nossos irmãos (Leão Dehon, OSP 3, p.12).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Pai nosso» (Mt 6, 9).

    https://youtu.be/mKZxBe2A1NY

     

  • Quarta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Quarta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    21 de Fevereiro, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Jonas 3, 1-10

    lA palavra do SENHOR foi dirigida pela segunda vez a Jonas, nestes termos: 2«Levanta-te e vai a Nínive, à grande cidade e apregoa nela o que Eu te ordenar.» 3*Jonas levantou-se e foi a Nínive, segundo a ordem do SENHOR. Nínive era uma cidade imensamente grande, e eram precisos três dias para a percorrer. 4Jonas entrou na cidade e andou um dia inteiro a apregoar: «Dentro de quarenta dias Nínive será destruída.» 5*Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, ordenaram um jejum e vestiram-se de saco desde o maior ao menor. 6*A notícia chegou ao conhecimento do rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou o seu manto, cobriu-se de saco e sentou-se sobre a cinza. 7*Em seguida, foi publicado na cidade, por ordem do rei e dos príncipes, este decreto: «Os homens e os animais, os bois e as ovelhas não comam nada, não sejam levados a pastar nem bebam água. 80s homens e animais cubram-se de roupas grosseiras, e clamem a Deus com força; converta-se cada um do seu mau caminho e da violência que há nas suas mãos. 9Quem sabe se Deus não se arrependerá, e acalmará o ardor da sua ira, de sorte que não pereçamos?» 10*Deus viu as suas obras, como se convertiam do seu mau caminho, e, arrependendo-se do mal que tinha resolvido fazer-lhes, não lho fez

    o livro de Jonas ensina-nos que a misericórdia de Deus não se limita ao povo eleito, mas atinge todos os homens. O profeta é, pela segunda vez, enviado a Nínive, capital da Assíria. Vai anunciar a destruição dessa enorme cidade, destruição motivada pela maldade dos seus habitantes. Na primeira vez, Jonas tentou esquivar-se à missão, demasiado grande para alguém tão pequeno e frágil. Como poderia anunciar a destruição de uma superpotência, no seu próprio território? Mas Deus não o deixou escapar. Agora, obediente, vai cumprir a missão que lhe foi confiada.

    Em nome de Deus, dirige aos ninivitas palavras de ameaça de repreensão. A sua pregação toca os corações, incluindo o do rei: «acreditaram em Deus», diz o texto, usando o mesmo verbo com que Gen 15, 6 fala da fé de Abraão. Todos, na cidade, fizeram penitência, com oração, em atitude de verdadeira conversão.

    Os versículos 9ss. São muito importantes: a mudança de vida é apoiada pela esperança de que os decretos de Deus não sejam irrevogáveis, de que Deus não deixará de perdoar a quem se mostra arrependido. Os ninivitas, pagãos, revelam conhecer o verdadeiro rosto do Deus de Israel, lento para a ira e rico de misericórdia.

    Evangelho: Lucas 11, 29-32

    29*Naquele tempo, aglomerava-se uma grande multidão à volta de Jesus e Ele começou a dizer: «Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não lhe será dado sinal algum, a não ser o de Jonas. 30*Pois, assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, assim o será também o Filho do Homem para esta geração. 31 *A rainha do Sul há-de levantar-se, na altura do juízo, contra os homens desta geração e há-de condená-los, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão; ora, aqui está quem é maior do que Salomão! 320s ninivitas hão-de levantar-se, na altura do juízo, contra esta geração e hão-de condená-la, porque fizeram penitência ao ouvir a pregação de Jonas; ora, aqui está quem é maior do que Jonas.»

    Jesus recusa um sinal que satisfaça a curiosidade e a sede do maravilhoso e, na sua resposta, deixa intuir a sua verdadeira identidade: «aqui está quem é maior do que Jonas» (v. 32). É ele o Sinal que Deus lhes envia. É Ele o Messias desejado, mas não reconhecido, porque se apresenta de modo diferente àquele que Israel esperava.

    «Para esta çereção. (v. 31), o Filho do homem é um apelo à conversão, tal como Jonas o foi para os ninivitas. Como o profeta, Jesus não oferece sinais espectaculares, mas simplesmente a Palavra e a misericórdia de Deus. A referência a Nínive a à rainha de Sabá sublinha a universalidade do chamamento à salvação. Mas, enquanto alguns povos pagãos souberam escutar os enviados de Deus, e se converteram, a geração a quem Jesus se dirige, não O escuta, permanece na cegueira e na dureza de coração. Há-de ser condenada pelos ninivitas e pela rainha de Sabá, no dia do juízo (w. 31ss), porque não soube reconhecer a Cristo, nas humildes aparências de Jesus de Nazaré.

    Meditatio

    Os apelos à conversão repetem-se durante este tempo da Quaresma. Há que escutá-los e acolhê-los deixando-nos tocar e iluminar pela Palavra. Jonas dirigiu esse apelo aos ninivitas. A nós é o próprio Jesus, bem «maior do que Jonas» que o dirige. Por isso, devemos perguntar-nos se já começámos a converter-nos, a lutar decididamente contra o mal que está em nós e fora de nós, no nosso mundo, com as armas da oração e do sacrifício. Não podemos estar à espera de uma graça «barata» e «e de efeito fácil», ou estar à espera de confirmações extraordinárias, de milagres ou de sinais convincentes.

    O grande sinal que o Pai nos envia é Jesus, que carrega sobre si as nossas culpas, para nos salvar. Sinal do céu é o Crucificado. Voltar-nos para Ele e contemplá­Lo, contemplar as suas chagas e, particularmente, o seu Lado aberto e o seu Coração trespassado é o início e o caminho da conversão. Diante d ' Ele, ninguém pode ficar indiferente, nem os pagãos, como os ninivitas, nem os crentes, como os contemporâneos de Jesus. Muitos virão de longe - do pecado, de mentalidades e culturas remotas - para tomar consciência da sabedoria do Crucificado. Muitos hão-de converter-se, acreditando no Profeta feito Servo sofredor por amor. E nós? Rezemos mais. Será a oração a dar-nos maior disponibilidade para acolher o dom da misericórdia, que o Pai nos faz em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, a dar-nos maior disponibilidade para nos tornarmos, nós mesmos, dom para Deus e dom para os irmãos.

    As nossas Constituições recomendam-nos "o encontro frequente com o Senhor na oração» em ordem à «conversão permanente ao Evangelho» e à «disponibilidade de coração e de atitudes, para acolher o Hoje de Deus» (Cst 144). Esta recomendação vale para todos os tempos, pois, tal como a Igreja, também cada um de nós, e a Congregação, precisa de uma "contínua reforma" (UR 6), purificação, conversão. Precisamos de uma "conversão permanente ao Evangelho" (Cst 144).

    Oratio

    Pai santo, justo e misericordioso, que nunca Te cansas de me chamar à conversão, para que possa experimentar a alegria da comunhão Contigo, perdoa-me se teimo em não me abrir ao teu apelo. Perdoa-me se hesito em abandonar-me a Ti, pedindo sinais extraordinários e garantias seguras, a Ti que, para me salvar, perdeste tudo na cruz.

    Purifica-me, purifica o meu medo, a minha mesquinhez, a dureza do meu coração. Infunde em mim o teu Espírito, que me faça ver a medida infinita da tua misericórdia, a profundidade insondável da tua sabedoria. Então, alegre e sereno, caminharei mais expeditamente ao teu encontro, na caridade. Amen.

    Contemplatio

    Para nos convertermos, façamos duas curtas estações: uma junto ao inferno, a outra no Calvário.

    Detenhamo-nos um instante junto ao inferno. Eis estes abismos terríveis criados para receberem os demónios e todos os condenados, lugares de sofrimentos onde seviciam o fogo e o desespero.

    Vejamos lá almas que seguiram o caminho que nós seguimos hoje, com os nossos defeitos, com a nossa moleza, com a nossa tibiez. Eis onde elas acabaram. Pensemos nisto alguns instantes. Pesemos todos os nossos lados fracos ...

    Vamos depois ao Calvário. Eis as consequências dos nossos pecados: a longa agonia do Salvador, as suas humilhações, os seus sofrimentos, a flagelação, a coroa de espinhos, as dilacerações do seu Coração, os cravos, a cruz, a morte.

    Contemos as suas chagas, as das suas mãos e dos seus pés, as da flagelação sobre os seus ombros e sobre todo o seu corpo, as que os seus espinhos fizeram à sua cabeça, à sua nobre fronte, aos seus olhos. Contemos as suas lágrimas. Vejamos sair do seu lado a última gota do seu sangue.

    Seremos nós insensíveis como pedras? Perdemos todo o sentimento? Lancemo-nos aos pés de Jesus como Madalena.

    Permaneçamos lá um bom momento.

    Recebamos sobre a nossa cabeça as últimas gotas do sangue do seu Coração. Choremos e peçamos o nosso perdão (Leão Dehon, OSP 3, p. 114s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho» (Mc 1, 15b).

    https://youtu.be/hIL1PJOaI4Q

  • Cadeira de S. Pedro

    Cadeira de S. Pedro


    22 de Fevereiro, 2024

    A festa da Cadeira de S. Pedro, colocada no dia 22 de Fevereiro por um martiriológio muito antigo, é uma boa oportunidade para fazermos memória viva e atualizante do primeiro dos Apóstolos, Simão Pedro. Nascido em Cafarnaum, exercia a sua profissão de pescador quando se encontrou com Jesus de Nazaré. Deixou o trabalho, a casa e a família para seguir o Senhor. Os evangelhos deixam-nos entrever a sua personalidade simples, espontânea e simpática. Jesus escolheu-o como primeiro no grupo dos Doze. Com a festa que hoje celebramos, apoiando-nos no símbolo da cadeira, realçamos a missão de mestre e de pastor conferida a Pedro por Cristo. O Senhor fez assentar sobre ele, como sobre uma pedra, todo o edifício da Igreja.

    Primeira Leitura: 1 Pedro 5, 1-4

    Aos presbíteros que há entre vós, eu - presbítero como eles e que fui testemunha dos padecimentos de Cristo e também participante da glória que se há-de manifestar - dirijo-vos esta exortação: 2Apascentai o rebanho de Deus que vos foi confiado, governando-o não à força, mas de boa vontade, tal como Deus quer; não por um mesquinho espírito de lucro, mas com zelo; 3não com um poder autoritário sobre a herança do Senhor, mas como modelos do rebanho. 4E, quando o supremo Pastor se manifestar, então recebereis a coroa imperecível da glória.

    O texto começa com uma autoapresentação do Apóstolo Pedro, que nos permite colher a sua identidade. Seguem-se algumas recomedações aos ansiãos que, com Pedro, carregam a honra e o peso das responsabilidades que Jesus lhe pôs sobre as costas (vv. 2s.). O Apóstolo transmite, não algo de seu, mas a missão que lhe foi confiada para ser partilhada e participada. Os que, na Igreja, são chamados a exercer um ministério hão-de deixar mover, não por interesse, mas por amor. A sua espiritualidade tem como caraterísticas o total serviço, a plena dedicação, a incondicionada fidelidade. Os que permanecerem fiéis receberão "a coroa imperecível da glória" das mãos do supremo Pastor (cf. v. 4).

    Evangelho: Mateus 16, 13-19

    Ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» 14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.»15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» 16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.» 17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»

    No nosso texto, Jesus começa por interrogar os discípulos sobre o que se diz sobre Ele. As respostas que dão são parcialmente válidas, mas inexatas. É então que Jesus interroga os discípulos sobre o que pensam dele. Responde Pedro, em nome de todos: "Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo." (v. 16). Estas palavras são uma profissão de fé total, completa, que já tem o sabor da fé pascal. Estas palavras revelam também a identidade de Pedro como crente e representante de todos os crentes.
    Na segunda parte do texto, temos temos uma série de palavras com as quais Jesus define a sua relação com Pedro e o ministério do Apóstolo em relação à Igreja (vv. 17-19). Pedro é bem-aventurado porque falou sob inspiração divina. O nome novo que Jesus dá a Pedro indica a sua missão de "pedra" fundamental e sólida do edifício que é a Igreja, a comunidade dos salvos. A entrega das chaves simboliza que é com Pedro e por meio de Pedro que Cristo realiza a salvação de todos.

    Meditatio

    «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?»... «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Em nome dos Doze, Pedro responde à pergunta de Jesus, não segundo o ponto de vista dos homens, mas segundo o ponto de vista de Deus: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo». Por isso, Jesus replica, proclamando-o bem-aventurado: «És feliz, Simão, filho de Jonas». Mas essa resposta é fruto de uma iluminação especial de Deus: «não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu» - diz-lhe Jesus.

    Pedro personifica a Igreja. A sua resposta será a da Igreja iluminada pelo Espírito no Pentecostes. Simão Pedro recebeu essa luz antecipadamente, por causa da missão que Cristo lhe queria confiar: «Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja. Dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus, e tudo quanto ligares na terra ficará ligado nos Céus, e tudo quanto desligares na terra será desligado nos Céus" (Mt 16, 18-19).» Bento XVI comenta assim estas palavras do Senhor: «As três metáforas às quais Jesus recorre são muito claras: Pedro será o fundamento, a rocha sobre o qual se apoiará o edifício da Igreja; ele terá as chaves do reino dos céus, para abrir ou fechar a quem melhor julgar; por fim, poderá ligar ou desligar, no sentido em que poderá estabelecer ou proibir o que considerar necessário para a vida da Igreja, que é e permanece a Igreja de Cristo. [...]

    Esta posição de preeminência que Jesus decidiu conferir a Pedro verifica-se também depois da ressurreição (Mc 16, 7; Jo, 20, 2. 4-6). [...] Pedro será, entre os Apóstolos, a primeira testemunha de uma aparição do Ressuscitado (Lc 24, 34; 1 Cor 15, 5). Este seu papel, realçado com decisão (Jo 20, 3-10), marca a continuidade entre a preeminência obtida no grupo apostólico e a preeminência que continuará a ter na comunidade que nasceu depois dos acontecimentos pascais. [...] Vários textos-chave relativos a Pedro podem ser relacionados com o contexto da Última Ceia, no decurso da qual Cristo confere a Pedro o ministério de confirmar os seus irmãos (Lc 22, 31ss.). [...] Esta contextualização do primado de Pedro na Última Ceia, no momento da instituição da Eucaristia, Páscoa do Senhor, indica também o sentido último deste primado: Pedro deve ser, para todos os tempos, o guardião da comunhão com Cristo; deve conduzir à comunhão com Cristo; deve preocupar-se por que a rede não se rompa (Jo 21, 11), para que possa perdurar a comunhão universal. Só juntos, podemos estar com Cristo, que é o Senhor de todos. A responsabilidade de Pedro é, pois, a de garantir a comunhão com Cristo pela caridade de Cristo, conduzindo à realização desta caridade na vida de todos os dias».

    Oratio

    Senhor Jesus, quero hoje dar-te graças porque fundaste a Igreja sobre a pedra que é Pedro, para que seja na terra o sinal vivo da santidade do Pai, e anuncie a todos os povos o Evangelho do reino dos céus. Como Simão Pedro, quero dizer-te: afasta-te de mim que sou pecador, mas à tua palavra lançarei as redes; porque só és o Filho do Deus vivo, só tu tens palavras de vida eterna, só tu és a rocha segura, só tu és o Senhor e o Mestre. Sou fraco, muito fraco, mas com a tua graça darei a minha vida por ti, que sabes tudo, que sabes que te amo. Ámen.

    Contemplatio

    O dedo de Deus está bem marcado no estabelecimento da Religião cristã em Roma e na sua conservação há dezanove séculos. No seu estabelecimento, porque Deus se serviu de um pobre pescador galileu estranho às ciências profanas, sem recursos e sem apoios temporais para impor o jugo do Evangelho aos espíritos mais orgulhosos que jamais existiram, aos patrícios da velha Roma todos cheios de si mesmos, orgulhosos das suas riquezas e dados à sensualidade e ao prazer. Na sua conservação, porque nem as torrentes de sangue que os tiranos fizeram correr no circo e no coliseu, nem os assaltos da heresia tão frequentemente repetidos, nem o furor nem a corrupção dos homens nem as potências dos infernos conseguiram abalar esta pedra, centro e fundamento da Religião católica. Renovemos a nossa devoção e a nossa confiança para com a Igreja romana. Sejamos dóceis a todos os seus ensinamentos, a todas as suas direções. Amemo-la, veneremo-la tanto mais quanto mais ela for atacada e combatida. Rezemos pelo Soberano Pontífice e pela Igreja. (L. Dehon, OSP 3, p. 69s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16, 18).

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    Cadeira de S. Pedro (22 Fevereiro)

    Quinta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Quinta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    22 de Fevereiro, 2024

    Lectio
    Primeira leitura: Ester 4, 17 n.p-r.aa-bb.gg-hh

    Naqueles dias, a rainha Ester, tomada de angústia mortal, procurou refúgio no Senhor e fez esta súplica ao Senhor, Deus de Israel: «Meu Deus, meu único rei, assiste-me no meu desamparo, pois não tenho outro socorro senão a ti, 15porque vou pôr a minha vida em risco. 16*No seio da família, ouvi desde criança, Senhor, que escolheste Israel entre todos os povos, e os nossos pais entre todos os seus antepassados, para fazer deles a tua herança perpétua, e que cumpriste todas as promessas. 23Lembra-te de nós, Senhor. Manifesta-te no dia da nossa tribulação e dá­me coragem, Senhor, rei dos deuses, dominador de todos os poderes! 24Coloca nos meus lábios, quando estiver na presença do leão, palavras apropriadas e muda o seu coração em ódio contra aquele que nos é hostil, a fim de que pereça com todos os seus partidários. 25Livra-nos com a tua mão e assiste-me no meu abandono, a mim, que não tenho senão a ti, Senhor.

    A jovem esposa do rei da Pérsia, Ester, toma conhecimento de que, devido a intrigas palacianas, fora decretado o extermínio dos hebreus deportados no reino. A rainha, na tentativa de salvar o povo a que pertencia, decide expor-se ao perigo, intercedendo por ele junto do marido. Mas, antes de se apresentar ao rei, apresenta-se ao Senhor, numa atitude de penitência e de oração.

    Assim reconhece que o verdadeiro rei é Deus e professa que Ele é o Único. Só Ele pode salvar o seu povo.

    Apresenta-se diante de Deus na sua pequenez e fragilidade e fala-lhe da sua solidão. E Deus escuta a sua súplica angustiada: o Só é o único auxílio daquela que está só. O «Só», a «só». A distância torna-se proximidade. Ester lembra a Deus as suas promessas em favor de Israel (v. 17) e, por outro lado, confessa o pecado do seu povo. As promessas de Deus, e o arrependimento do seu povo, levam-na a pedir ao Senhor a salvação da sua gente e a pedir, para si mesma, a coragem, a sabedoria e a ajuda necessárias para cumprir com êxito a sua missão de intercessora.

    Evangelho: Mateus 7, 7-12

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7«Pedi, e ser-vos-é dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. 8Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir. 9Qual de vós, se o seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? 100u, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente? 110ra bem, se vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está no Céu dará coisas boas àqueles que lhas pedirem.» 12*«Portanto, o que quiseraes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas.»

    Jesus ensina, de modo semelhante aos rabinos, a necessidade da oração de súplica e que a mesma é seguramente escutada. Haverá contradição com o que ensinou pouco antes (cf. Mt 6, 7s.)? Não, certamente, porque na oração não é preciso desperdiçar muitas palavras. O Pai «sabe», mas é preciso assumir a atitude do mendigo, isto é, reconhecer a própria condição de fraqueza e dependência de Deus.

    E Deus dá a quem pede e abre a quem bate: «Será dedos, «será sberto-, por Deus, entenda-se! Se um pai dá pão ao filho que lhe pede pão, e não outra coisa parecida, também Deus dará «coisas boes- a quem Lhas pedir. O Pai escuta sempre os pedidos dos filhos e dá-lhes o que é melhor para eles.

    O modo de agir de Deus, leva-nos a agir de modo semelhante com os irmãos. É preciso estar atentos às suas necessidades. O verdadeiro discípulo põe no centro o Pai e os outros, e não a si mesmo: «O que qútserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Protetes» (v. 12).

    Meditatio

    A palavra de Deus leva-nos, hoje, a meditar sobre a oração. A primeira leitura apresenta-nos a oração de Ester, numa situação de extrema angústia, não por causa dela própria, mas por causa do seu povo ameaçado de morte. A rainha, de raça judaica, apresenta-se só diante de Deus para Lhe recordar a vocação do seu povo e a história passada semeada de benefícios divinos. Ester não confia em si mesma, nos seus méritos, mas na bondade e na misericórdia de Deus tantas vezes demonstrada. E alcança o que pede.

    Jesus ensina-nos a rezar de modo confiante e perseverante, porque Deus é nosso Pai e nos ama com um amor eterno, de que não se arrepende. Ouvimos tantas vezes estas afirmações que talvez já não nos impressionem. Mas são a pura verdade, que nos hão-de encher de confiança, e mesmo de atrevimento, na nossa oração.

    A comunhão com Deus, a que Jesus nos convida, é uma experiência que nos renova interiormente: «Pedi, e ser-vos-e dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão­de abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão­de abrir» (vv. 7-8). A oração confiante e perseverante não desilude, porque Deus só pode dar coisas boas a quem lhas pede. Ele sabe do que precisamos. Na oração, mais do que apresentar os nossos desejos, há que abandonar-nos aos que Ele tem sobre nós.

    A nossa oração há-de começar, pois, com um acto de contemplação gratuita, fixando o nosso olhar no rosto do Pai misericordioso. Então deixaremos cair os nossos muitos pedidos, deixando crescer em nós um só pedido: que se cumpra em nós a sua vontade. É que, contemplando o rosto de Deus, experimentamos a certeza de que somos seus filhos muito amados e que, portanto, nada nos faltará daquilo que realmente precisamos.

    Se precisamos de rezar demorada mente, não é para convencer a Deus das nossas necessidades, mas para transformarmos os nossos desejos e fazê-los coincidir com a vontade divina que quer o nosso bem.

    Ser "féis à oraçãd' (Act 2, 42) é ser fiéis ao "nosso carisma profético" (Cst 27), é realizar a primeira união da nossa "vida religiosa e apostólica à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens" (Cst 6). Só realizando com a ajuda do Espírito, dos seus dons, dos seus frutos, dos seus carismas, o nosso carisma de oblação, damos um conteúdo de vida, de realismo à "fidelidade" que nos recomenda o n. 76 das nossas Constituições.

    É pouco ser fiéis às certamente necessárias práticas de piedade pessoais e comunitárias. As orações devem levar-nos à oração e ajudar-nos a descobrir o seu núcleo vital: rezar é amar. A caridade é a oração que dá valor a todas as orações e práticas de piedade e torna fecundo o "nosso apostolado".

    Cristo convida-nos, como Seus discípulos e, sobretudo, como Seus "amigos" à "assid
    uidade" na oração-caridade, e "nós queremos corresponder a esse convite": é preciso "rezar incessantemente ... " (1 Tes 5, 17; cf. Ef 5, 20).

    Oratio

    Senhor, hoje, quero aprender a apresentar-Te os meus pedidos sem condicionar as tuas respostas, porque sei que só dás coisas boas a quem Te pede. Tu não és um distribuidor automático, que dás necessariamente aquilo que Te é pedido, nem a oração é magia para obter um qualquer efeito pretendido. Quero pedir-Te confiadamente e com perseverança aquilo que julgo importante pata mim, para a Igreja, para o mundo. Mas deixo-te o cuidado de encontrar a melhor solução, de escolheres o dom que me queres fazer. E estou certo que sempre o farás com uma criatividade que em muito ultrapassará os meus pedidos. E, quando me deres o que Te peço, aproveitarei essa graça para crescer na união Contigo, transformando o teu dom em instrumento de progresso espiritual, abrindo-me ao teu amor e ao amor dos irmãos. Amen.

    Contemplatio

    «Até aqui, diz-nos Nosso Senhor, não pedistes nada ao meu Pai em meu nome com uma fé viva; pedi e recebereis, e a vossa alegria será ptens».

    «Pedi em meu nome, e não tenho necessidade de vos dizer que rezarei a meu Pai por vós e que serei o vosso poderoso intercessor, podeis pensá-lo. Aliás, o meu Pai ama-vos ternamente e está todo pronto para vos atender, porque me amastes, a mim seu Filho, porque me seguistes. Prendestes-vos a mim, acreditastes na minha divindade, pedi a meu Pai e recebereis».

    Nosso Senhor teve de acrescentar, todavia, que estas promessas consoladoras não se realizariam senão depois da grande prova da sua morte. «Antes destes belos dias, acrescentou, em que a vossa oração será todo-poderosa, sereis desencorajados e dispersos, mas preveni-vos a fim de que a vossa fé seja fortalecida para a perseguição».

    Para nós, a ressurreição do Salvador e as maravilhas da acção do Espírito Santo são factos adquiridos, tenhamos, portanto, uma confiança invencível na bondade de Deus e no valor dos méritos de Nosso Senhor, tenhamos confiança no Coração de Jesus o qual nos foi aberto simbolicamente pela lança do centurião (Leão Dehon, OSP 3, p. 467s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra: «Pedi, e ser-vos-é dado» (Mt 7, 7).

    https://youtu.be/lgmNT1qHbyk

  • S. Policarpo, Bispo e Mártir

    S. Policarpo, Bispo e Mártir


    23 de Fevereiro, 2024

    S. Policarpo foi discípulo de S. João Evangelista e por ele colocado à frente da igreja de Esmirna, como bispo. Foi também amigo de S. Inácio de Antioquia, que hospedou em sua casa, quando ele se dirigia para Roma, onde viria a ser martirizado. E foi Inácio que o definiu como "bom pastor com fé inabalável" e "forte atleta por causa de Cristo". Este juízo foi totalmente confirmado no ano 155, quando o corajoso bispo de Esmirna enfrentou o martírio pelo fogo, no estádio da cidade. A sua morte trouxe para a Igreja, como o seu nome indica "muito fruto".

    Lectio

    Primeira leitura: Apocalipse 2, 8-11

    Ao anjo da igreja de Esmirna escreve: «Isto diz o Primeiro e o Último, aquele que estava morto, mas reviveu: 9'Conheço as tuas tribulações e a tua pobreza; no entanto, és rico. Também conheço as calúnias dos que se dizem judeus, mas que não são mais que uma sinagoga de Satanás. 10Não temas nada do que vais sofrer. Eis que o Diabo vai lançar alguns de vós na prisão para vos provar. Sereis atribulados durante dez dias. Sê fiel até à morte e dar-te-ei a coroa da vida.' 11Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. Aquele que vence não será vítima da segunda morte.

    Cristo ressuscitado dita ao vidente do Apocalipse sete cartas para as sete igrejas da Ásia Menor, dirigindo-as aos seus "anjos", isto é, aos seus bispos. Hoje escutamos a mensagem enviada à igreja de Esmirna, que foi bem aceite por Policarpo, seu bispo na época imediatamente sucessiva à dos apóstolos. O santo bispo enfrentou corajosamente os sofrimentos, superou a provação, foi fiel até à morte. Assim se tornou participante do mistério pascal de Cristo. Depois de o celebrar durante muitos anos no sacrifício eucarístico, tornou-o visível no seu próprio corpo, pelo martírio.

    Evangelho: da féria ou do Comum

    Meditatio

    S. Policarpo teve a felicidade de conhecer e de abraçar a religião cristã desde a juventude. Foi nela instruído pelos próprios apóstolos, e particularmente por S. João evangelista, que o estabeleceu depois bispo de Esmirna. Governou a Igreja de Esmirna durante sessenta e dois anos. O brilho das suas virtudes fazia com que fosse visto como o chefe e o primeiro dos bispos da Ásia. Os fiéis reverenciavam-no, esforçavam-se por lhe tirarem os seus sapatos no regresso das suas viagens apostólicas, considerando uma graça prestarem-lhe um pequeno serviço. Formou vários discípulos, como ele mesmo tinha sido formado pelos apóstolos. Santo Ireneu, bispo de Lião, foi deste número. «Tenho ainda presente no espírito, diz este santo, a gravidade do seu caminhar, a majestade do seu rosto, a pureza da sua vida e as santas exortações com que alimentava o seu povo. Parece-me que ainda o ouço dizer como tinha conversado com S. João, e com vários outros que tinham visto Jesus Cristo, as palavras que tinha escutado das suas bocas e as particularidades que tinha aprendido dos milagres e da doutrina deste divino Salvador. Tudo o que acerca disto dizia era absolutamente conforme às divinas Escrituras, como sendo transmitido por aqueles que tinham sido as testemunhas oculares do Verbo, da palavra de vida» ... A virtude é sempre provada. Nosso Senhor, no Apocalipse, descreve as provações do nosso grande santo: «Conheço a tua tribulação e a tua pobreza - e no entanto és rico - e sei que és difamado pelos que se dizem judeus, mas não são mais do que uma sinagoga de Satanás. Não temas os sofrimentos que te esperam. O diabo vai meter alguns de vós na prisão, para serdes postos à prova; e sereis atribulados durante dez dias. Sê fiel até à morte e dar-te-ei a coroa da vida.» O povo enganado pediu a sua morte, como tinha feito para Cristo. Procuraram o santo no seu modesto quarto. Teria podido salvar-se, mas não quis. «Que se faça a vontade de Deus!», diz. Os guardas queriam persuadi-lo a oferecer incenso aos ídolos e a César para salvar a sua vida. «Não posso», disse-lhes simplesmente. Como Jesus, foi conduzido ao suplício, bruscamente e sem considerações. Caiu e levantou-se pelo caminho. No anfiteatro, ouviram uma voz do céu que dizia: «Coragem, Policarpo, sê firme!» O magistrado pressionou-o em vão para que renunciasse a Jesus Cristo. «Há oitenta e seis anos que o sirvo, diz o santo, e nunca me fez mal». O povo gritava: «É o chefe dos cristãos, o destruidor dos nossos deuses; foi ele que ensinou a muitos a não mais os adorarem". Teriam querido que o entregassem aos leões, mas o espetáculo público tinha terminado. Condenaram-no ao fogo. O povo correu a procurar madeira nas lojas e nos banhos públicos e preparou uma grande fogueira. (Leão Dehon, OSP 3, p. 92s.).
    Policarpo, segundo a palavra de Paulo, "oferecei os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus" (Rm 12, 1), fez de si mesmo, uma oblação a Deus. A eucaristia que celebrava no altar plasmou totalmente a sua vida e a sua morte. O seu martírio foi uma verdadeira celebração litúrgica.

    Oratio

    Grande santo, ajudai-me. Vós sois uma testemunha do amor do Coração de Jesus, aceso na vossa alma pelo apóstolo S. João. Ajudai-me a amar o Coração de Jesus, a imitar as suas virtudes de humildade, de mansidão, de generosidade, a sofrer com Ele e por Ele, esperando a hora de ir gozar na sua presença. (Leão Dehon, OSP 3, p. 94).

    Contemplatio

    Aconteceu a S. Policarpo o que tinha acontecido ao seu mestre S. João, o fogo do seu coração ultrapassou e extinguiu o fogo material com que o envolviam. Tinha-se entregue ao suplício. Como o quisessem pregar a um poste, disse: «Deixai-me; aquele que me dá a força para sofrer o fogo, dar-me-á a graça de permanecer firme na fogueira, sem o socorro dos vossos pregos». Contentaram-se em ligá-lo com cordas. Assim amarrado, ergueu os seus olhos ao céu e disse: «Senhor, Deus todo poderoso, dou-vos graças pelo que me haveis concedido neste dia, por entrar no número dos vossos mártires e tomar parte no cálice do vosso Cristo, a fim de que eu ressuscite para a vida eterna. Que eu seja admitido hoje com eles na vossa presença, como uma vítima de agradável odor, tal como a haveis preparado, predito e cumprido, vós que sois o verdadeiro Deus; eu vos bendigo, vos glorifico pelo pontífice eterno e celeste, Jesus Cristo vosso filho, ao qual seja dada glória, assim como a vós e ao Espírito Santo, agora e em toda a eternidade. Ámen!» Quanto disse ámen, acenderam o fogo, mas por um milagre surpreendente, a chama, em vez de consumir o santo mártir, estendeu-se à volta dele como a vela de um barco enfunada pelo vento. Os pagãos, vendo que o fogo se recusava a servi-los, mandaram ferir o santo com um golpe de espada e o seu sangue extinguiu a fogueira. (Leão Dehon, OSP 3, p. 93s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    "Recebei-me, Senhor, como oblação de suave odor" (S. Policarpo).

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    S. Policarpo, Bispo e Mártir (23 Fevereiro)

    Sexta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    Sexta-feira - 1ª Semana da Quaresma

    23 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Ezequiel 18, 21-28

    Assim fala o Senhor. 21 *«Se o pecador renuncia a todos os pecados que cometeu, se observa todas as minhas leis e pratica o direito e a justiça, ele deve viver, não morrerá. 22Não serão lembradas as faltas que cometeu, viverá por causa da justiça que praticou. 23Porventura me hei-de comprazer com a morte do pecador õráculo do Senhor DEUS- e não com o facto de ele se converter e viver? 24Mas se o justo se desvia da sua justiça e pratica o mal, imitando os crimes abomináveis a que se entrega o pecador, porventura viverá? A justiça que praticou não será recordada; por causa da infidelidade a que se entregou e do pecado que cometeu, morrerá. 25Porém, vós dizeis: 'O modo de proceder do Senhor não é justo. ' Escutai, pois, casa de Israel:

    Então é o meu modo de agir que não é justo? Ou é o vosso que o não é ? 26Se o justo se afasta da sua justiça para praticar o mal e morre por causa disto, é por causa do mal que praticou que ele morrerá. 27Se o pecador se afasta do pecado que cometeu para praticar o direito e a justiça, ele merece viver. 28Se ele se afasta dos pecados que cometeu, viverá certamente, não morrerá.

    o capítulo 18 de Ezequiel assinala um notável progresso da revelação. Israel já compreendera que a sua dignidade derivava da sua eleição, de ser «povo eteni». Também já tinha tomado consciência da responsabilidade colectiva do pecado (cf. Dt 5, 9s.). Mas Jeremias alertara também para o «pecado pessoa!», isto é, para o facto de que cada um é o primeiro responsável pelas suas acções (cf. Jer 31, 29ss). Ezequiel retoma estas afirmações e vai mais longe.

    Os exilados estavam convencidos de que sofriam pelos pecados dos pais.

    Ezequiel diz-lhes que é cada um que decide o seu destino, com o seu modo de agir, e acrescenta que, também o destino pessoal, não é imutável. Deus é Deus de vida e não encontra felicidade na morte do pecador. Espera e suscita a conversão de cada um, para que viva.

    Por isso, a vida nova é uma possibilidade ao alcance do pecador, que pode converter-se. Mas também o justo deve continuar atento e perseverante no cumprimento da vontade de Deus. Ninguém é justo de uma vez por todas. Mas é aderindo a Deus e à sua vontade, cada dia, que vivemos na justiça.

    Evangelho: Mateus 5, 20-26

    20Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.» 21 *«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. 22*Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar 'imbecil' será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar 'louco' será réu da Geena do fogo. 23Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. 25*Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. 26Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.»

    Jesus exige aos seus discípulos, para entrarem no reino dos céus, uma justiça superabundante, em comparação com a dos escribas e fariseus. Mas pede ainda mais, porque dá aquilo que pede. E é esta a grande novidade que tudo muda. Não se trata apenas de observar as prescrições e proibições da Lei. É preciso partir do coração, donde brotam as motivações profundas do nosso agir.

    A partir do v. 21, o texto que escutámos, oferece várias explicitações sobre essa justiça superior, introduzidas por: «foi dito», expressão no chamado passivo divino que, portanto, significa: «Deus disse». O homicídio, que é um crime que é levado a juízo, começa no coração de quem o comete. Por isso, quem se ira contra o irmão merece igual castigo. Uma injúria exige maior pena: o juízo do sinédrio. Um insulto ofensivo merece a condenação pelo supremo Juiz, com o fogo eterno (v. 22). Também o culto, mais do que uma purificação exterior, exige um coração pacificado e construtor de paz. Por isso, não tolera divisões entre os irmãos, e sabe dar o primeiro passo em ordem à reconciliação, condição essencial para ter comunhão com o Senhor (vv. 23ss.).

    O v. 25 sublinha a urgência da reconciliação em perspectiva escatológica: o outro já não é o irmão, mas o adversário, o acusador. É preciso reconciliar-se também com ele, porque no fim do caminho está à nossa espera o justo Juiz. É preciso estar preparado para enfrentar o seu juízo.

    Meditatio

    A conversão do pecador, enquanto vive neste mundo, é possível. Deus promete a vida a quem se converter: «não morrerá. .. viverá por causa da justiça que prsticoo» (cf. vv. 21.22). É um recurso da misericórdia divina para nos motivar à conversão.

    No evangelho, Jesus aconselha a pôr-nos de acordo com o nosso adversário, enquanto vamos a caminho. Esse adversário, em certo sentido, pode ser o próprio Deus, quando estamos em pecado. Mas, como nos diz a primeira leitura, também podemos pôr-nos de acordo com Ele: «Se o pecador renuncia a todos os pecados ... se observa todas as minhas leis e pratica o direito e a justiça, ele deve viver, não morrerá. Não serão lembradas as faltas que cometeu ... viverá. .. » (vv. 21-22). O maior pecado consiste em desesperar da salvação. Pensar que é impossível mudar, é uma terrível tentação, que pode encerrar-nos definitivamente nos nossos defeitos e pecados. Deus, pela boca do profeta, diz-nos que é possível mudar e incita-nos à mudança, porque prefere dar-nos a vida do que o castigo eterno: «Porventura me hei­de comprazer com a morte do pecador õráculo do Senhor DEUS - e não com o facto de ele se converter e viver?» (v. 23). Tal como o pai do filho pródigo, o que Deus mais quer é ver-nos voltar para Ele.

    A atitude de Deus, deve iluminar a nossa relação com todos os irmãos, também com aqueles que julgamos pecadores ou cheios de defeitos. Quem somos nós para julgar o nosso próximo. Há mesmo que evitar classificá-los em compartimentos estanques de bons e de maus. Com efeito, se o bom se pode tornar mau, o mau também se pode tornar bom, pode converter-se, mudar de vida. A caridade sabe esperar a hora da mudança, a conversão, a melhoria de vida e de atitudes dos outros. As nossas Constituições lembram-nos: «A caridade deve ser uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno» (Cst 64).

    Mais do que classificar os irmãos, há que ajudá-los a mudar, a converter-se. Mas será bom lembrar todo o n. 64 das Constituições: «Certamente imperfeitos, como todo o cristão, queremos, no entanto, criar um ambiente que promova o progresso espiritual de cada um. Como consegui-lo, a não ser aprofundando no Senhor as nossas relações, mesmo as mais normais, com cada um dos nossos irmãos? A caridade deve ser uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno. O sinal da sua autenticidade será a simplicidade com que todos se esforçam por compreender o que cada um tem a peito (cf. ET 39)>>.

    Quando se aproximavam de Jesus, os pecadores tornavam-se mais justos do que os fariseus. Estes limitavam a sua justiça ao conhecimento da Lei e à prática escrupulosa dos preceitos. O pecador que é tocado pelo amor de Jesus muda interiormente, ao nível do próprio ser.

    Na relação com o Senhor, e aprofundando n ' Ele as nossas relações fraternas, podemos mudar para melhor e ajudar os outros a melhor também.

    A caridade é também "uma esperança activa daquilo que os outros podem vir a ser com a ajuda do nosso apoio fraterno. O sinal da sua autenticidade será a simplicidade com que todos se esforçam por compreender aquilo que cada um tem a peito (cf. ET 39" (n. 64). Cada um tem a peito a sua dignidade e liberdade, porque, sem estes valores, não são criaturas humanas, nem filhos de Deus, nem religiosos.

    Oratio

    Jesus misericordioso, faz-me compreender que posso mudar para melhor, que posso converter-me e que estás disposto a ajudar-me a transformar-me com a tua graça. Afasta de mim a tentação do desespero ou da acomodação nos meus defeitos. Aproximando-me de Ti, posso converter-me, transformar-me interiormente, conformando-me cada vez mais à tua imagem e semelhança.

    Faz-me acreditar que também os meus irmãos podem mudar e tornar-se, cada vez mais, tua imagem e semelhança, também com a minha ajuda.

    Eis-me aqui, Senhor: converte-me e converter-me-ei! Uma vez convertido, faz de mim instrumento e servidor da reconciliação dos homens Contigo e entre si. Para que tenha a vida, e a tenham em abundância! Amen.

    Contemplatio

    Esta parábola (do filho pródigo) é fecunda em ensinamentos. Os publica nos e os pecadores vinham ter com Nosso Senhor. Ele recebia-os com bondade. Os fariseus e os escribas estavam escandalizados. Com esta parábola Nosso Senhor encoraja os pecadores arrependidos e generosos, mostra-lhes a sua ternura com a qual acolhe as ovelhas desgarradas. E assim, responde indirectamente aos fariseus.

    Quando uma alma se separa de Nosso Senhor para se entregar às suas paixões, Ele não faz um milagre para a reter contra a sua vontade. Lamenta que façamos um mau uso dos seus dons, mas não atenta contra a nossa liberdade, não pode. Deplora o mau uso que fazemos de um privilégio que deu aos homens para lhes permitir darem ao seu Pai e a Ele um amor livre, e de servirem a Deus não como escravos, mas como servos afeiçoados, voluntária e livremente agarrados ao seu mestre. Como o pai desta parábola, deixa o pobre coração abusar em todo a liberdade dos dons que recebeu.

    Deixa o pecador esgotar o primeiro furor da paixão; depois quando vem o período da fadiga e do tédio, vem com as suas primeiras inspirações salutares (Leão Dehon, OSP 4, p. 123).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Se o pecador renuncia aos seus pecados ... viverá» (cf. Ez 18, 21-22)

    https://youtu.be/jw7Ou8N5sDg

  • Sábado - 1ª Semana da Quaresma

    Sábado - 1ª Semana da Quaresma

    24 de Fevereiro, 2024

    Lectio

    Primeira leitura: Deuteronómio 26, 16-19

    Moisés falou ao seu povo dizendo: 16«Hoje, o SENHOR, teu Deus, ordena-te que cumpras estas leis e preceitos. Observa-os e cumpre-os com todo o teu coração e com toda a tua alma. 17Hoje, declaraste ao SENHOR que Ele seria o teu Deus e que andarias nos seus caminhos, observando as suas leis, os seus preceitos e os seus mandamentos. 18Por sua vez, o SENHOR declarou-te hoje que serias o seu povo particular, como te tinha dito, e que deverias observar todos os seus mandamentos; 19que te tornaria superior em honra, fama e esplendor a todos os povos que Ele tinha criado; que serias um povo consagrado ao SENHOR, teu Deus, como Ele tinha dito»

    Este texto tem a forma de um tratado de aliança, e está colocado entre o corpo legislativo do Deuteronómio (capítulos 11-26) e as bênçãos e maldições que decorrem da observância ou da transgressão dos decretos do Senhor. Juridicamente, em Israel, o pacto representa a forma mais radical para construir a comunhão entre pessoas. Cria-se uma situação em que os contraentes trocam entre si o que têm de mais pessoal. Na presença de testemunhas, e com um documento público, cada uma das partes propõe e aceita um duplo compromisso recíproco.

    Mas a liturgia de hoje apresenta-nos um tipo de «pacto» muito especial: não é um pacto entre dois homens, mas entre Deus e um povo, entre Deus fiel e Israel. É um pacto teológico, onde os dois contraentes não se colocam no mesmo nível.

    A perícopa tem um claro significado didáctico e manifesta a experiência que Israel fez de Deus. Deus não é um ser longínquo, inacessível; Deus é comunhão, é vontade de salvação para o povo escolhido. É Ele que elege, por amor e gratuitamente o povo (cf Dt 4, 3-7). É Ele que dá a Israel leis e mandamentos, que são um caminho de vida e um modelo de sabedoria (cf. Bar 4, 1-4). Israel é chamado a corresponder a essa graça pela obediência e pela fidelidade a Deus.

    Evangelho: Mateus 5, 43-48

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 43*«Ouvistes o que foi dito:

    Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. 45*Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. 46Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? 47E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? 48Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.»

    Mateus oferece-nos, neste texto, a última antítese com que Jesus revela o cumprimento dos ensinamentos da Lei. O Levítico ordenara o amor ao próximo e proibira a vingança e o rancor «contra os filhos do teu POV(]» (Lev 19, 18). Mas o ensino rabínico e outros contemporâneos de Jesus, como os essénios e os zelotas, admitiam o acrescento, que não é bíblico: «odiarás o teu inimigo». Jesus vai mais além: exige uma caridade sem limites, e que chegue mesmo aos inimigos. Porquê? Porque é assim que o Pai nos ama, e nos quer parecidos com Ele. A universalidade do amor cristão idealista. É concreta: propõe o amor a todos, também a quem não nos ama, não nos cumprimenta ... É esse amor que distingue os discípulos de Cristo dos pagãos e dos pecadores. É, pois um amor que ultrapassa o simplesmente humano e natural, e nos projecta para o horizonte infinitamente perfeito do Pai. A gratuidade do amor torna-se lei que regula a relação com Deus e com os homens. É essa a justiça superior que Jesus exige para se entrar no Reino.

    Meditatio

    A Aliança de que nos fala o Deuteronómio era um pacto de mútua fidelidade entre Deus e o Povo de Israel: «Hoje, o SENHOR, teu Deus, ordena-te que cumpras estas leis e preceitos ... o SENHOR declarou-te hoje que serias o seu povo particular. .. ». Jesus revela-nos que a obediência às leis e preceitos tinha como objectivo fazer dos membros do povo de Deus filhos do mesmo Deus, semelhantes ao Pai, perfeitos como Ele é perfeito, e que essa perfeição havia de se manifestar na misericórdia, na gratuidade, na bondade para com todos, e para além de qualquer medida. Buscar a perfeição consistirá em procurar uma cada vez maior conformidade com o coração de Deus, com o coração do seu Filho feito homem.

    A aliança com Deus deve transformar toda a nossa vida, em profundidade, e não apenas no que se refere à observância exterior das leis e preceitos do Senhor. Jesus vai até mais longe falando, não de aliança, mas de filiação: «Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no CéLP> (vv. 44-45). O nosso comportamento deve ser inspirado pelo desejo de nos tornarmos cada vez mais semelhantes ao nosso Pai do céu. É nisto que consiste o amor perfeito. Trata-se de oferecer o dom maior, o perdão. Foi desse modo que Cristo nos amou na cruz, deixando-nos o exemplo e a graça necessária para nos conformarmos a Ele. Amando os inimigos, rezando por quem nos quer mal, tornamo-­nos filhos de Deus. Já o somos pelo baptismo. Mas tornamo-nos cada vez mais filhos do Pai misericordioso que está no céu. E a nossa maior recompensa será o amor do Pai derramado nos nossos corações.

    Para viver a fraternidade na comunidade pomos em prática os ensinamentos de Jesus: "Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e ser-vos-é perdoado; dai e ser-vos-é dado; uma boa medida ... , porque a medida que empregardes com os outros será usada convosco' (Lc 6, 36-38). Não leiamos superficialmente estas palavras de Jesus. Reflictamos bem sobre elas. Se as pusermos em prática, com a ajuda do Espírito Santo, experimentaremos uma profunda serenidade interior, seremos criaturas de paz, de alegria, de bondade e de mansidão.

    "Na comunhão, mesmo para além dos conflitos, e no perdão recíproco quereríamos mostrar que a fraternidade por que os homens anseiam é possível em Jesus Cristo e dela quereríamos ser fiéis servidores" (Cst 65). O condicional é utilizado muito oportunamente, porque a construção de uma comunidade fraterna, da comunhão, não é fácil. Infelizmente na comunidade religiosa, como na comunidade cristã, também nascem inimizades, pequenas, mesquinhas, porque causadas, geralmente, por corações tacanhos, feridos pelo ciúme e pela inveja. São, porém, inimizades que provocam muito sofrimento em quem deles é objecto, sem culpa. Valem, então, as palavras de Jesus: "Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam (ou que, sem um verdadeiro ódio, são invejosos, ciumentos), bendizei aqueles que vos amaldiçoam (no sentido de que falam mal de vós), rezai por aqueles que vos maltratam (não fisicamente, mas moralmente) (Lc 6, 27-28). "Para que sejais filhos do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol para os bons e para os maus, e manda a chuva para os justos e os injustos ... Sede, portanto, perfeitos como é perfeito o Pai celeste' (Mt 5, 45-46).

    Oratio

    Senhor Jesus, que no teu rosto humano nos revelaste o rosto do Pai, faz que, olhando para Ti, que não Te envergonhaste de ser nosso irmão, aprendamos a viver como filhos obedientes à vontade de Deus. Ele derramou o seu amor gratuito e generoso nos nossos corações, renovando-os, fazendo de nós seus filhos e teus irmãos. Infunde, agora, em nossos corações, o teu Espírito Santo, que faça crescer em nós o homem interior, à tua imagem e semelhança, para vivermos, cada vez mais, como verdadeiros filhos do Pai e como bons irmãos de todos os homens, também daqueles de quem não gostamos, ou que nos fazem sofrer. Acolhendo a graça divina, que repara em nós a imagem do Pai, e a aperfeiçoa, seremos servidores da paz e da reconciliação na Igreja e no mundo. Amen.

    Contemplatio

    Sede misericordiosos, diz-nos Nosso Senhor, como o vosso Pai é misericordioso (Lc 6, 36). Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito (Mt 5, 48). E S. Paulo acrescentou: «Sede os imitadores de Deus, como seus filhos bem amados, e caminhai no amor, assim como Jesus Cristo nos amou, e se entregou a si mesmo por nós oferecendo-se a Deus como vítima de agradável dom (Ef 5, 1).

    Caminhemos no amor, na caridade fraterna, como convém a filhos de Deus. - Sois todos irmãos, dír-nos-á muitas vezes Nosso Senhor. Omnes enim fratres estis (Mt 23).

    Éramos irmãos pela criação, tornámo-nos irmãos pela graça e pela adopção divina. O Evangelho acentuou e enobreceu a fraternidade. Assim os nossos sentimentos devem ser inspirados por esta fraternidade delicada. Haveis de evitar, diz Nosso Senhor, irritar-vos contra os vossos irmãos. - Haveis de procurar o seu bem como o vosso próprio bem. - Mesmo se são vossos inimigos, permanecem vossos irmãos e não os haveis de odiar. - Haveis de rezar por eles, haveis de vos consumir pela sua salvação. - Não os julgareis nos vossos corações, não tendes missão para isso, seria uma falta (Lc 6, 37) (leão Dehon, OSP 4, p. 66).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:

    «Sede misericordiosos, como é misericordioso o vosso Pai» (Lc 6,36).

    https://youtu.be/p262yjE67qo

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