Liturgia

Events in Junho 2023

  • Solenidade da Santíssima Trindade - Ano A

    Solenidade da Santíssima Trindade - Ano A

    4 de Junho, 2023

    ANO A
    SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE
    Tema do Domingo da Santíssima Trindade

    A Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
    Na primeira leitura, o Deus da comunhão e da aliança, apostado em estabelecer laços familiares com o homem, auto-apresenta-Se: Ele é clemente e compassivo, lento para a ira e rico de misericórdia.
    Na segunda leitura, Paulo expressa - através da fórmula litúrgica "a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco" - a realidade de um Deus que é comunhão, que é família e que pretende atrair os homens para essa dinâmica de amor.
    No Evangelho, João convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva. Nesta fantástica história de amor (que vai até ao dom da vida do Filho único e amado), plasma-se a grandeza do coração de Deus.

    LEITURA I - Ex 34,4b-6.8-9

    Leitura do Livro do Êxodo

    Naqueles dias,
    Moisés levantou-se muito cedo e subiu ao monte Sinai,
    como o Senhor lhe ordenara,
    levando nas mãos as tábuas de pedra.
    O Senhor desceu na nuvem, ficou junto de Moisés,
    que invocou o nome do Senhor.
    O Senhor passou diante de Moisés e proclamou:
    «O Senhor, o Senhor é um Deus clemente e compassivo,
    sem pressa para Se indignar
    e cheio de misericórdia e fidelidade».
    Moisés caiu de joelhos e prostrou-se em adoração.
    Depois disse:
    «Se encontrei, Senhor, aceitação a vossos olhos,
    digne-Se o Senhor caminhar no meio de nós.
    É certo que se trata de um povo de dura cerviz,
    mas Vós perdoareis os nossos pecados e iniquidades
    e fareis de nós a vossa herança».

    AMBIENTE

    O nosso texto faz parte das "tradições sobre a aliança do Sinai" - um conjunto de tradições de origem diversa, cujo denominador comum é a reflexão sobre um compromisso ("berit" - "aliança") que Israel teria assumido com Jahwéh.
    O texto situa-nos no deserto do Sinai, "em frente do monte" (cf. Ex 19,1). No texto bíblico, não temos indicações geográficas suficientes para identificar o "monte da aliança". Em si, o nome "Sinai" não designa um monte, mas uma enorme península de forma triangular, com mais ou menos 420 quilómetros de extensão norte/sul, estendendo-se entre o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho (no sentido norte/sul) e o golfo do Suez e o golfo da Áqaba (no sentido oeste/este). A península é um deserto árido, de terreno acidentado e com várias montanhas que chegam a atingir 2400 metros de altura.
    Segundo alguns autores, este texto pode ter sido a primitiva versão jahwista da aliança do Sinai (séc. X a.C.); mas, na versão final do Pentateuco (sécs. V-IV a.C.), foi utilizado para descrever a renovação da primeira aliança, entretanto rompida pelo pecado do Povo. No estado actual do Pentateuco, o esquema é o seguinte: Israel comprometeu-se com Jahwéh (cf. Ex 19); mas, durante a ausência de Moisés, no cimo do monte, o Povo construiu um bezerro de ouro para representar Jahwéh - o que lhe estava interdito pelos mandamentos da aliança (cf. Ex 32,1-29); então, Moisés intercedeu pelo Povo e Deus renovou a aliança com Israel (cf. Ex 34,1-10).

    MENSAGEM

    Depois de ter obtido o perdão de Deus para o Povo, Moisés subiu sozinho à presença de Jahwéh. Consigo, levava as duas novas tábuas de pedra que havia talhado e sobre as quais seriam gravados os mandamentos da aliança.
    Precisamente aqui, o autor insere a teofania ("manifestação de Deus"). Deus aproxima-se de Moisés "na nuvem": a nuvem, que paira a meio caminho do céu e da terra, é, no Antigo Testamento, um símbolo privilegiado para exprimir a presença do Deus que vem ao encontro do homem; ao mesmo tempo a nuvem, simultaneamente, esconde e manifesta: sugere o mistério de Deus, escondido e presente, cujo rosto o homem não pode ver, mas cuja presença adivinha.
    A teofania continua, depois, com uma auto-apresentação do próprio Jahwéh. Como é, então, que o próprio Deus Se define? Que é que Ele diz de Si próprio?
    Nesta apresentação, Deus não menciona a sua grandeza e omnipotência, o seu poder e majestade; mas menciona as "qualidades" que fazem d'Ele o parceiro ideal na "aliança": Jahwéh é o "Deus clemente e compassivo, sem pressa para se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade" (vers. 6). Num desenvolvimento que aparece no texto bíblico, mas que a nossa leitura de hoje não conservou (vers. 7), Jahwéh fala ainda da sua misericórdia ("até à milésima geração"), que é ilimitada e desproporcional quando comparada com a sua ira ("até à terceira e à quarta geração"). Aqui, os números não significam nada e não devem ser tomados à letra: são apenas uma forma de representar a desproporcional misericórdia de um Deus, infinitamente mais inclinado para o perdão do que para o castigo. De resto, Israel é convidado a descobrir e a comprometer-se com esse Deus que é sempre fiel aos seus compromissos e solidário com todos aqueles que d'Ele necessitam.
    A questão essencial é esta: Deus ama o seu Povo e cuida dele com bondade e ternura. A sua misericórdia é ilimitada e, aconteça o que acontecer, irá sempre triunfar. Israel, o Povo da aliança, pode estar tranquilo e confiante, pois Jahwéh, o Deus do amor e da misericórdia, garante a sua eterna fidelidade a esses atributos que caracterizam o seu ser.
    Moisés responde a esta apresentação com as petições habituais: que Jahwéh continue a acompanhar o seu Povo em caminhada da terra da escravidão para a terra da liberdade; que Jahwéh entenda a dureza do coração do Povo e que perdoe os seus pecados; que Jahwéh renove a eleição (vers. 9).
    E Deus, confirmando a sua auto-apresentação (Deus de amor e de bondade, lento para a ira e rico de misericórdia), não só perdoa o Povo, como até lhe propõe a renovação da aliança (vers. 10).

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, ter em conta as seguintes linhas:

    • Deus é sempre, para o homem, o mistério que a "nuvem" esconde e revela: detectamos a sua presença, mas s
    em O ver; percebemos a sua proximidade, sem conseguirmos definir os contornos do seu rosto. A ânsia do homem em penetrar o mistério de Deus leva-o, com frequência, a inventar rostos de Deus; mas, muitas vezes, esses rostos são apenas a projecção dos sonhos, dos anseios, das necessidades e até dos defeitos dos homens e têm pouco a ver com a realidade de Deus. Para entrarmos no mistério de Deus, é preciso estabelecermos com Ele uma relação de proximidade, de comunhão, de intimidade que nos leve ao encontro da sua voz, dos seus valores, dos seus desafios ("subir ao monte"). Procuro, dia a dia, "subir ao monte" da "aliança" e estabelecer comunhão com Deus através do diálogo com Ele (oração) e da escuta da sua Palavra?

    • No nosso texto, Deus apresenta-Se. Fundamentalmente, Ele define-Se como o Deus da relação e da comunhão. Deixa claro que é um Deus "com coração" - e com um coração cheio de amor, de bondade, de ternura, de misericórdia, de fidelidade. Apesar de o seu Povo ter violado os compromissos que assumiu, Deus não só perdoa o pecado do Povo, mas propõe o refazer da "aliança": é que, acima de tudo, este Deus do amor preza a comunhão com o homem: o seu objectivo é integrar os homens na família de Deus. É este Deus em que eu acredito? É deste Deus que eu dou testemunho?

    • Deus, da sua parte, faz tudo para viver em comunhão com o homem. No entanto, respeita, de forma absoluta, a liberdade do homem. Eu sou livre de aceitar, ou não, a proposta de "aliança" que Deus me faz. Como é que eu respondo ao Deus da "aliança"? Eu aceito esta vontade que Ele manifesta de viver em relação de comunhão comigo? O que é que eu faço para responder a este desafio?

    SALMO RESPONSORIAL - Dan 3,52-256

    Refrão 1: Digno é o Senhor
    de louvor e de glória para sempre.

    Refrão 2: Louvor e glória ao Senhor para sempre.

    Bendito sejais, Senhor, Deus dos nossos pais:
    digno de louvor e de glória para sempre.
    Bendito o vosso nome glorioso e santo:
    digno de louvor e de glória para sempre.

    Bendito sejais no templo santo da vossa glória:
    digno de louvor e de glória para sempre.
    Bendito sejais no trono da vossa realeza:
    digno de louvor e de glória para sempre.

    Bendito sejais, Vós que sondais os abismos
    e estais sentados sobre os Querubins:
    digno de louvor e de glória para sempre.
    Bendito sejais no firmamento dos céus:
    digno de louvor e de glória para sempre.

    LEITURA II - 2 Cor 13,11-13

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Sede alegres, trabalhai pela vossa perfeição,
    animai-vos uns aos outros,
    tende os mesmos sentimentos,
    vivei em paz.
    E o Deus do amor e da paz estará convosco.
    Saudai-vos uns aos outros com o ósculo santo.
    Todos os santos vos saúdam.
    A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus
    e a comunhão do Espírito Santo
    estejam convosco.

    AMBIENTE

    A Primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reacção extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Este, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detractores. Depois, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
    Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
    Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma colecta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.
    O texto que nos é proposto é, precisamente, a conclusão da Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Se compararmos esta despedida com a da Primeira Carta aos Coríntios (cf. 1 Cor 16,19-24), ela surpreende-nos pela brevidade, frieza e impessoalidade. Não parece a despedida de uma "carta de reconciliação", mas antes uma despedida entre partes que conservam uma certa tensão na sua relação.

    MENSAGEM

    Paulo começa por deixar algumas recomendações de carácter geral aos membros da comunidade. Pede-lhes que sejam alegres; que procurem, sem desistir, chegar à perfeição; e que, nas relações fraternas, se animem mutuamente, tenham os mesmos sentimentos e vivam em paz. São conselhos que devem ser entendidos no contexto das dificuldades e tensões vividas recentemente pela comunidade.
    O mais notável desta carta é, contudo, a fórmula final de saudação: "a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco". Esta fórmula - a mais claramente trinitária de todo o Novo Testamento - é, certamente de origem litúrgica. Provavelmente, era a fórmula que os cristãos utilizavam quando, no contexto da celebração eucarística, trocavam a saudação da paz.
    Esta fórmula constitui uma impressionante confissão de fé no Deus trino. Ela manifesta a fé dos crentes nesse Deus é amor e, portanto, que é "família", que é comunidade. Ao utilizarem esta fórmula, os crentes reconhecem-se como membros dessa "família de Deus"; e reconhecem também que ser "família de Deus" é fazerem todos parte de uma única família de irmãos. São, portanto, convocados para viverem em unidade: em comunhão com Deus e em união com todos os irmãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar:

    • A comunidade cristã é convidada a descobrir que Deus é amor. A fórmula "Pai, Filho e Espírito Santo" expressa essa realidade de Deus como amor, como família, como comunidade.

    • Os membros da comunidade cristã, que pelo baptismo aderiram ao projecto de salvação que Deus apresentou aos homens em Jesus e cuja caminhada é animada pelo Espírito, são convidados a integrarem esta comunidade de amor. O fim último da nossa caminhada é a pertença à família trinitária.

    • Esta "vocação" deve expressar-se na nossa vida comunitária. A nossa relação com os irmãos deve reflectir o amor, a ternura, a misericórdia, a bondade, o perdão, o serviço, que são as consequências práticas do nosso compromisso com a comunidade trinitária. É isso que acontece? As nossas relações comunitárias reflectem esse amor que é a marca da "família de Deus"?

    ALELUIA - cf. A
    p 1,8

    Aleluia. Aleluia.

    Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo,
    ao Deus que é, que era e que há-de vir.

    EVANGELHO - Jo 3,16-18

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    disse Jesus a Nicodemos:
    «Deus amou tanto o mundo
    que entregou o seu Filho Unigénito,
    para que todo o homem que acredita n'Ele
    não pereça, mas tenha a vida eterna.
    Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo
    para condenar o mundo,
    mas para que o mundo seja salvo por Ele.
    Quem acredita n'Ele não é condenado,
    mas quem não acredita n'Ele já está condenado,
    porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus».

    AMBIENTE

    O nosso texto pertence à secção introdutória do Quarto Evangelho (cf. Jo 1,19-3,36). Nessa secção, o autor apresenta Jesus e procura - através dos contributos dos diversos personagens que vão sucessivamente ocupando o centro do palco e declamando o seu texto - dizer quem é Jesus.
    Mais concretamente, o trecho que nos é proposto faz parte da conversa entre Jesus e um "chefe dos judeus" chamado Nicodemos (cf. Jo 3,1). Nicodemos foi visitar Jesus "de noite" (cf. Jo 3,2), o que parece indicar que não se queria comprometer e arriscar a posição destacada de que gozava na estrutura religiosa judaica. Membro do Sinédrio, Nicodemos aparecerá, mais tarde, a defender Jesus, perante os chefes dos fariseus (cf. Jo 7,48-52); também estará presente na altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo (cf. Jo 19,39).
    A conversa entre Jesus e Nicodemos apresenta três etapas ou fases.
    Na primeira (cf. Jo 3,1-3), Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às suas obras; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente: o essencial é reconhecer Jesus como o enviado do Pai.
    Na segunda (cf. Jo 3,4-8), Jesus anuncia a Nicodemos que, para entender a sua proposta, é preciso "nascer de Deus" e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento "da água e do Espírito".
    Na terceira (cf. Jo 3,9-21), Jesus descreve a Nicodemos o projecto de salvação de Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O nosso texto pertence a esta terceira parte.

    MENSAGEM

    Depois de explicar a Nicodemos que o Messias tem de "ser levantado ao alto", como "Moisés levantou a serpente" no deserto (a referência evoca o episódio da caminhada pelo deserto em que os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente de bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam - cf. Nm 21,8-9), a fim de que "todo aquele que n'Ele acredita tenha vida definitiva" (Jo 3,14-15), Jesus explica como é que a cruz se insere no projecto de Deus. A explicação vem em três passos...
    O primeiro (vers. 16) refere-se ao significado último da cruz. Esse Homem que vai ser levantado na cruz veio ao mundo, incarnou na nossa história humana, correu o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e, como consequência de uma vida gasta a lutar contra as forças das trevas e da morte que escravizavam os homens, foi preso, torturado e morto numa cruz. A cruz é o último acto de uma vida vivida no amor, na doação, na entrega.
    Ora, esse Homem é o "Filho único" de Deus. A expressão evoca, provavelmente, o "sacrifício de Isaac" (cf. Gn 22,16): Deus comporta-Se como Abraão, que foi capaz de desprender-se do próprio filho por amor (no caso de Abraão, amor a Deus; no caso de Deus, amor aos homens)... A cruz é, portanto, a expressão suprema do amor de Deus pelos homens. O quadro dá-nos a dimensão do incomensurável amor de Deus por essa humanidade a quem Ele quer oferecer a salvação.
    Qual é o objectivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a vida eterna. Com Jesus - o Filho único que morreu na cruz - os homens aprendem que a vida definitiva está na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos homens, por amor.
    O segundo (vers. 17) deixa claro que a intenção de Deus, ao enviar ao mundo o seu Filho único, não era uma intenção negativa. Jesus veio ao mundo porque o Pai ama os homens e quer salvá-los. O Messias não veio com uma missão judicial, nem veio excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens - a todos os homens - a vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e dando-lhes o Espírito que os transforma em Homens Novos.
    Reparemos neste facto notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens pecadores, egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta de vida... E foi o amor de Jesus - bem como o Espírito que Jesus deixou - que transformou esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os inseriu numa dinâmica de vida nova e plena.
    O terceiro (vers. 18) descreve as duas atitudes que o homem pode tomar, diante da oferta de salvação que Jesus faz: quem aceita a proposta de Jesus, adere a Ele, recebe o Espírito, vive no amor e na doação, escolhe a vida definitiva; mas quem prefere continuar escravo de esquemas de egoísmo e de auto-suficiência, auto-exclui-se da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta perspectiva, um prémio ou um castigo que Deus dá ao homem pelo seu bom ou mau comportamento; mas são o resultado da escolha livre do homem, face à oferta incondicional de salvação que Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida definitiva ou pela morte eterna não recai assim sobre Deus, mas sobre o homem.
    De acordo com a perspectiva de João, também não existe um julgamento futuro, no final dos tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para ver se os há-de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende da atitude que o homem assume diante da proposta de Jesus.
    Em resumo: porque amava a humanidade, Deus enviou o seu Filho único ao mundo com uma proposta de salvação. Essa oferta nunca foi retirada; continua aberta e à espera de resposta. Diante da oferta de Deus, o homem pode escolher a vida eterna, ou pode excluir-se da salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar os seguintes pontos:

    • João é o evangelista abismado na contemplação do amor de um Deus que não hesitou em enviar ao mundo o seu Filho, o seu único Filho, para apresentar aos homens uma proposta de felicidade plena, de vida definitiva; e Jesus, o Filho, cumprindo o mandato do Pai, fez da sua vida um dom, até à morte na cruz, para mostrar aos homens o "caminho" da vida eterna... No dia em que celebramos a Solenidade da Santíssima Trindade, somos convidados a conte
    mplar, com João, esta incrível história de amor e a espantar-nos com o peso que nós - seres limitados e finitos, pequenos grãos de pó na imensidão das galáxias - adquirimos nos esquemas, nos projectos e no coração de Deus.

    • O amor de Deus traduz-se na oferta ao homem de vida plena e definitiva. É uma oferta gratuita, incondicional, absoluta, válida para sempre; mas Deus respeita absolutamente a nossa liberdade e aceita que recusemos a sua oferta de vida. No entanto, rejeitar a oferta de Deus e preferir o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, é um caminho de infelicidade, que gera sofrimento, morte, "inferno". Quais são as manifestações desta recusa da vida plena que eu observo, na vida das pessoas, nos acontecimentos do mundo, e até na vida da Igreja?

    • Nós, crentes, devíamos ser as testemunhas desse Deus que é amor; e as nossas comunidades cristãs ou religiosas deviam ser a expressão viva do amor trinitário. É isso que acontece? Que contributo posso eu dar para que a minha comunidade - cristã ou religiosa - seja sinal vivo do amor de Deus no meio dos homens?

    • A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de "um em três". Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família - pai, mãe e filho - é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é, também, negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus família torna-se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue "dizer" o indizível, não consegue definir o mistério de Deus.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo da Santíssima Trindade, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa...

    2. EM NOME DO PAI E DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO.
    Procure-se valorizar o sinal da Cruz, no início da celebração. Pode-se cantar também as epicleses e a doxologia final da oração eucarística. Utilizar também uma bênção final mais solene, escolhida do Missal Romano ou do Livro de Bênçãos...

    3. VALORIZAR A PROFISSÃO DE FÉ.
    Neste Domingo da Santíssima Trindade, pode-se cantar um dos credos habituais ou o "credo baptismal".

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Nós Te bendizemos, Deus Pai, porque Te deste a conhecer desde todas as gerações. Manifestaste-Te a Abraão, a Moisés, a Josué, a David. Bendito sejas porque encontrámos graça diante de Ti.
    Deus terno e misericordioso, nós Te suplicamos: purifica-nos do mal que subsiste no teu povo e o torna cúmplice das injustiças do nosso mundo.

    No final da segunda leitura:
    Deus de amor e de paz, nós Te louvamos pela comunhão do Espírito Santo na qual nos uniste a Ti, pelo teu Filho Jesus.
    Nós Te pedimos ainda: que a comunhão do Espírito Santo traga frutos às nossas comunidades e a cada um de nós. Que ela nos una no respeito por cada pessoa, na paz e na alegria.

    No final do Evangelho:
    Benditas sejas, nosso Pai, porque tanto nos amaste e nos deste o teu Filho único. Bendito sejas pela vida eterna que n'Ele nos concedes. Bendito sejas, Pai, Tu que tanto desejas salvar o mundo.
    Nós Te suplicamos: faz crescer em nós a fé em Jesus teu Filho, que Ele nos liberte de todas as formas de morte e nos oriente para a vida em Ti.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística IV, que percorre todo o plano de salvação, desde a criação até à vinda de Cristo, situando-a sob o signo da Aliança que é comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Um Lar incandescente! Um "Braseiro de Amor", que tem como característica comunicar-se e nos tornar participantes do seu Amor, da sua Vida. «Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho Unigénito", diz-nos S. João. Quanto a Paulo, propõe-nos alguns pontos de atenção para que os nossos diferentes lugares de vida - família, trabalho, bairro - se tornem verdadeiros "lares de amor": sem pretensão, mas à imagem da Trindade!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo - Ano A

    Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo - Ano A

    8 de Junho, 2023

    ANO A

    SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO

    Nota:
    Não tendo sido possível preparar os habituais comentários para a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, após os textos litúrgicos colocamos alguns apoios para meditação: as homilias de Bento XVI para o Ano A desta Solenidade em 2005, 2008 e 2011; as recentes catequeses do Papa Francisco sobre a Eucaristia.

    LEITURA I - Deut 8, 2-3.14b-16a

    Leitura do Livro do Deuteronómio

    Moisés falou ao povo, dizendo:
    «Recorda-te de todo o caminho
    que o Senhor teu Deus te fez percorrer
    durante quarenta anos no deserto,
    para te atribular e pôr à prova,
    a fim de conhecer o íntimo do teu coração
    e verificar se guardarias ou não os seus mandamentos.
    Atribulou-te e fez-te passar fome,
    mas deu-te a comer o maná que não conhecias
    nem teus pais haviam conhecido,
    para te fazer compreender que o homem não vive só de pão,
    mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor.
    Não te esqueças do Senhor teu Deus,
    que te fez sair da terra do Egito, da casa de escravidão,
    e te conduziu através do imenso e temível deserto,
    entre serpentes venenosas e escorpiões,
    terreno árido e sem águas.
    Foi Ele quem, da rocha dura, fez nascer água para t
    e, no deserto, te deu a comer o maná,
    que teus pais não tinham conhecido».

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 147

    Refrão 1: Jerusalém, louva o teu Senhor.

    Refrão 2: Aleluia.

    Glorifica, Jerusalém, o Senhor,
    louva, Sião, o teu Deus.
    Ele reforçou as tuas portas
    e abençoou os teus filhos.

    Estabeleceu a paz nas tuas fronteiras
    e saciou-te com a flor da farinha.
    Envia à terra a sua palavra,
    corre veloz a sua mensagem.

    Revelou a sua palavra a Jacob,
    suas leis e preceitos a Israel.
    Não fez assim com nenhum outro povo,
    a nenhum outro manifestou os seus juízos.

    LEITURA II - 1 Cor 10, 16-17

    Leitura da Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Não é o cálice de bênção que abençoamos
    a comunhão com o Sangue de Cristo?
    Não é o pão que partimos
    a comunhão com o Corpo de Cristo?
    Visto que há um só pão,
    nós, embora sejamos muitos, formamos um só corpo,
    porque participamos do único pão.

    ALELUIA - Jo 6, 51

    Aleluia. Aleluia.

    Eu sou o pão vivo descido do Céu, diz o Senhor.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.

    EVANGELHO - Jo 6, 51-58

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

    Naquele tempo,
    disse Jesus à multidão:
    «Eu sou o pão vivo descido do Céu.
    Quem comer deste pão viverá eternamente.
    E o pão que Eu hei de dar é a minha Carne
    pela vida do mundo».
    os judeus discutiam entre si:
    «Como pode Ele dar-nos a sua Carne a comer?»
    Jesus disse-lhes:
    «Em verdade, em verdade vos digo:
    Se não comerdes a Carne do Filho do homem
    e não beberdes o seu Sangue,
    não tereis a vida em vós.
    Quem come a mina Carne e bebe o meu Sangue
    tem a vida eterna;
    e Eu o ressuscitarei no último dia.
    A minha Carne é verdadeira comida
    e o meu Sangue é verdadeira bebida.
    Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue
    permanece em Mim, e Eu nele.
    Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai,
    também aquele que me come viverá por Mim.
    Este é o pão que desceu do Céu;
    não é como aquele que os vossos pais comeram, e morreram;
    quem comer deste pão viverá eternamente».

    ANEXO 1
    Homilia de Bento XVI para a Solenidade do Corpo de Deus em 2005

    Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio
    Queridos irmãos e irmãs!
    Na festa de Corpus Christi, a Igreja revive o mistério da Quinta-Feira Santa à luz da Ressurreição. Também a Quinta-Feira Santa conhece uma sua procissão eucarística, com a qual a Igreja repete o êxodo de Jesus do Cenáculo para o monte das Oliveiras. Em Israel, celebrava-se a noite de Páscoa em casa, na intimidade da família. Fazia-se assim memória da primeira Páscoa, no Egipto da noite em que o sangue do cordeiro pascal, aspergido na arquitrave e nos portais das casas, protegia contra o exterminador. Jesus, naquela noite, sai e entrega-se ao traidor, ao exterminador e, precisamente assim, vence a noite, vence as trevas do mal. Só desta forma, o dom da Eucaristia, instituída no Cenáculo, encontra o seu cumprimento: Jesus entrega realmente o seu corpo e o seu sangue. Atravessando o limiar da morte, torna-se pão vivo, verdadeiro maná, alimento inexaurível para todos os séculos. Acarne torna-se pão de vida.
    Na procissão da Quinta-Feira Santa, a Igreja acompanha Jesus ao monte das Oliveiras: a Igreja orante sente um desejo profundo de vigiar com Jesus, de não o deixar sozinho na noite do mundo, na noite da traição, na noite da indiferença de muitos. Na festa de Corpus Christi, retomamos esta procissão, mas na alegria da Ressurreição. O Senhor ressuscitou e precedeu-nos. Nas narrações da Ressurreição há uma característica comum e fundamental; os anjos dizem: o Senhor "vai à vossa frente para a Galileia. Lá o vereis" (Mt 28, 7). Considerando isto mais de perto, podemos dizer que este "preceder" de Jesus exige uma dupla direção. A primeira é como ouvimos a Galileia. Em Israel, a Galileia era considerada como a porta que se abre para o mundo dos pagãos.
    E na realidade precisamente na Galileia, no monte, os discípulos veem Jesus, o Senhor, que lhes diz: "Ide... fazei discípulos de todos os povos" (Mt 28, 19). A outra direção do preceder, por parte do Ressuscitado, aparece no Evangelho de São João, nas palavras de Jesus a Madalena: "Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai..." (Jo 20, 17). Jesus precede-nos junto do Pai, eleva-se à altura de Deus e convida-nos a segui-lo. Estas duas direções do caminho do Ressuscitado não se contradizem, mas indicam ao mesmo tempo o caminho do seguimento de Cristo. A verdadeira meta do nosso caminho é a comunhão com Deus o próprio Deus é a casa com muitas moradas (cf. Jo 14, 2s.). Mas só podemos subir a esta morada indo "em direção à Galileia" indo pelos caminhos do mundo, levando o Evangelho a todas as nações, levando o dom do seu amor aos homens de todos os tempos. Por isso o caminho dos apóstolos prolongou-se até aos "confins da terra" (cf. Act 1, 6s.); assim São Pedro e São Paulo foram até Roma, cidade que na época era o centro do mundo conhecido, verdadeira "caput mundi".
    A procissão da Quinta-Feira Santa acompanhou Jesus na sua solidão, rumo à "via cr
    ucis". A procissão de Corpus Christi, ao contrário, responde de maneira simbólica ao mandamento do Ressuscitado: precedo-vos na Galileia. Ide até aos confins do mundo, levai o Evangelho a todas as nações. Sem dúvida, para a fé, a Eucaristia é um mistério de intimidade. O Senhor instituiu o Sacramento no Cenáculo, circundado pela sua nova família, pelos doze apóstolos, prefiguração e antecipação da Igreja de todos os tempos. Por isso, na liturgia da Igreja antiga, a distribuição da sagrada comunhão era introduzida com as palavras: Sancta sanctis o dom sagrado destina-se aos que são tornados santos. Deste modo, respondia-se à admoestação dirigida por São Paulo aos Coríntios: "Portanto, examine-se cada um a si próprio e só então coma deste pão e beba deste vinho..." (1 Cor 11, 28). Contudo, desta intimidade, que é dom muito pessoal do Senhor, a força do sacramento da Eucaristia vai além das paredes das nossas Igrejas. Neste Sacramento, o Senhor está sempre a caminho no mundo. Este aspeto universal da presença eucarística sobressai na procissão da nossa festa. Nós levamos Cristo, presente na figura do pão, pelas estradas da nossa cidade. Nós confiamos estas estradas, estas casas a nossa vida quotidiana à sua bondade. Que as nossas estradas sejam de Jesus! Que as nossas casas sejam para Ele e com Ele! A nossa vida de todos os dias estejam penetradas da sua presença. Com este gesto, colocamos sob o seu olhar os sofrimentos dos doentes, a solidão dos jovens e dos idosos, as tentações, os receios toda a nossa vida. A procissão pretende ser uma bênção grande e pública para a nossa cidade: Cristo é, em pessoa, a bênção divina para o mundo o raio da sua bênção abranja todos nós!
    Na procissão de Corpus Christi, acompanhamos o Ressuscitado no seu caminho pelo mundo inteiro como dissemos. E, precisamente fazendo isto, respondemos também ao seu mandamento: "Tomai e comei... Bebei todos" (Mt 26, 26s.). Não se pode "comer" o Ressuscitado, presente na figura do pão, como um simples bocado de pão. Comer este pão é comunicar, é entrar em comunhão com a pessoa do Senhor vivo. Esta comunhão, este ato de "comer", é realmente um encontro entre duas pessoas, é deixar-se penetrar pela vida d'Aquele que é o Senhor, d'Aquele que é o meu Criador e Redentor. A finalidade desta comunhão, deste comer, é a assimilação da minha vida à sua, a minha transformação e conformação com Aquele que é Amor vivo. Por isso, esta comunhão exige a adoração, requer a vontade de seguir Cristo, de seguir Aquele que nos precede. Por isso, a adoração e a procissão fazem parte de um único gesto de comunhão; respondem ao seu mandamento: "Tomai e comei".
    A nossa procissão termina diante da Basílica de Santa Maria Maior, no encontro com Nossa Senhora, chamada pelo querido Papa João Paulo II "Mulher eucarística". Verdadeiramente Maria, a Mãe do Senhor, ensina-nos o que significa entrar em comunhão com Cristo: Maria ofereceu a própria carne, o próprio sangue a Jesus e tornou-se tenda viva do Verbo, deixando-se penetrar no corpo e no espírito pela sua presença. Pedimos a Ela, nossa santa Mãe, para que nos ajude a abrir, cada vez mais, todo o nosso estar na presença de Cristo; para que nos ajude a segui-lo fielmente, dia após dia, pelos caminhos da nossa vida. Amém!

    ANEXO 2
    Homilia de Bento XVI para a Solenidade do Corpo de Deus em 2008

    Queridos irmãos e irmãs!
    Depois do tempo forte do ano litúrgico, que centrando-se sobre a Páscoa se prolonga por três meses primeiro os quarenta dias da Quaresma, depois os cinquenta dias do Tempo pascal a liturgia faz-nos celebrar três festas que ao contrário têm um carácter "sintético": a Santíssima Trindade, depois o Corpus Christi, e por fim o Sagrado Coração de Jesus. Qual é exatamente o significado da solenidade de hoje, do Corpo e do Sangue de Cristo? A própria celebração que estamos a realizar no-lo diz, no desenvolvimento dos gestos fundamentais: antes de tudo reunimo-nos em volta do altar do Senhor, para estar na sua presença; em segundo lugar faremos a procissão, isto é, o caminhar com o Senhor; e por fim, o ajoelharmo-nos diante do Senhor, a adoração, que já inicia na Missa e acompanha toda a procissão, mas tem o seu ápice no momento final da bênção eucarística, quando todos nos prostraremos diante d'Aquele que se inclinou até nós e deu a vida por nós. Detenhamo-nos brevemente sobre estas três atitudes, para que sejam verdadeiramente expressão da nossa fé e da nossa vida.
    Portanto, o primeiro ato é o de reunir-se na presença do Senhor. É o que antigamente se chamava "statio". Imaginemos por um momento que em toda a cidade de Roma haja só este único altar, e que todos os cristãos da cidade sejam convidados a reunir-se aqui, para celebrar o Salvador morto e ressuscitado. Isto dá-nos a ideia daquilo que foi, nas origens, a celebração eucarística em Roma, e em muitas outras cidades onde chegava a mensagem evangélica: havia em cada Igreja particular um só Bispo e à sua volta, em volta da Eucaristia por ele celebrada, constituía-se a Comunidade, única porque era uno o Cálice abençoado e um o Pão partido, como ouvimos das palavras do apóstolo Paulo na segunda Leitura (cf. 1 Cor 10, 16-17). Vem à mente a outra célebre expressão paulina: "Não há judeu nem grego; não há servo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo" (Gl 3, 28). "Todos vós sois um só"! Sente-se nestas palavras a verdade e a força da revolução cristã, a revolução mais profunda da história humana, que se experimenta precisamente em volta da Eucaristia: reúnem-se aqui na presença do Senhor pessoas diversas por idade, sexo, condição social, ideias políticas. A Eucaristia nunca pode ser um facto privado, reservado a pessoas que se escolheram por afinidades ou por amizade. A Eucaristia é um culto público, que nada tem de esotérico, de exclusivo. Também aqui, esta tarde, não fomos nós que escolhemos com quem nos encontrarmos, viemos e encontramo-nos uns ao lado dos outros, irmanados pela fé e chamados a tornarmo-nos um único corpo partilhando o único Pão que é Cristo. Estamos unidos independentemente das nossas diferenças de nacionalidade, de profissão, de camada social, de ideias políticas: abrimo-nos uns aos outros para nos tornarmos um só a partir d'Ele. Foi esta, desde os inícios, uma característica do cristianismo realizada visivelmente em volta da Eucaristia, e é necessário vigiar sempre para que as tentações frequentes de individualismo, mesmo se em boa fé, de facto não vão em sentido oposto. Portanto, o Corpus Christi recorda-nos antes de tudo isto: que ser cristãos significa reunir-se de todas as
    partes para estar na presença do único Senhor e tornar-se n'Ele um só.
    O segundo aspeto constitutivo é o caminhar com o Senhor. É a realidade manifestada pela procissão, que viveremos juntos depois da Santa Missa, quase como um seu prolongamento natural, movendo-nos atrás d'Aquele que é a Via, o Caminho. Com a doação de Si mesmo na Eucaristia, o Senhor Jesus liberta-nos das nossas "parálises", faz-nos levantar e faz-nos "proceder", isto é, faz-nos dar um passo em frente, e depois outro, e assim põe-nos a caminho, com a força deste Pão da vida. Como aconteceu ao profeta Elias, que se tinha refugiado no deserto por receio dos seus inimigos, e tinha decidido deixar-se morrer (cf. 1 Rs 19, 1-4). Mas Deus despertou-o do sono e fez-lhe encontrar ao lado um pão cozido: "Levanta-te e come disse-lhe porque ainda tens um caminho longo a percorrer" (1 Rs 19, 5.7). A procissão do Corpus Christi ensina-nos que a Eucaristia nos quer libertar de qualquer abatimento e desencorajamento, quer fazer-nos levantar, para que possamos retomar o caminho com a força que Deus nos dá mediante Jesus Cristo. É a experiência do povo de Israel no êxodo do Egipto, a longa peregrinação através do deserto, da qual nos falou a primeira Leitura. Uma experiência que para Israel é constitutiva, mas resulta exemplar para toda a humanidade. De facto, a expressão "nem só de pão vive o homem, mas... de tudo o que sai da boca do Senhor" (Dt 8, 3) é uma afirmação universal, que se refere a todos os homens enquanto homens. Cada um pode encontrar o próprio caminho, se encontrar Aquele que é Palavra e Pão de vida e se deixar guiar pela sua presença amiga. Sem o Deus-connosco, o Deus próximo, como podemos enfrentar a peregrinação da existência, quer individualmente quer em comunidade e família de povos? A Eucaristia é o Sacramento do Deus que não nos deixa sozinhos no caminho, mas se coloca ao nosso lado e nos indica a direção. De facto, não é suficiente ir em frente, é preciso ver para onde se vai! Não é suficiente o "progresso", se não há critérios de referência. Aliás, se se andar fora do caminho, corre-se o risco de cair num precipício, ou contudo de se afastar mais rapidamente da meta. Deus criou-nos livres, mas não nos deixou sozinhos: Ele mesmo se fez "via" e veio caminhar juntamente connosco, para que a nossa liberdade tenha também o critério para discernir o caminho justo e percorrê-lo.
    E a este ponto não se pode deixar de pensar no início do "decálogo", os dez mandamentos, onde está escrito: "Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair do Egipto, de uma casa de escravidão. Não terás outro Deus além de Mim" (Êx 20, 2-3). Encontramos aqui o sentido do terceiro elemento constitutivo do Corpus Christi: ajoelhar-se em adoração diante do Senhor. Adorar o Deus de Jesus Cristo, que se fez pão repartido por amor, é o remédio mais válido e radical contra as idolatrias de ontem e de hoje. Ajoelhar-se diante da Eucaristia é profissão de liberdade: quem se inclina a Jesus não pode e não deve prostrar-se diante de nenhum poder terreno, mesmo que seja forte. Nós, cristãos, só nos ajoelhamos diante do Santíssimo Sacramento, porque nele sabemos e acreditamos que está presente o único Deus verdadeiro, que criou o mundo e o amou de tal modo que lhe deu o seu Filho único (cf. Jo 3, 16). Prostramo-nos diante de um Deus que foi o primeiro a inclinar-se diante do homem, como Bom Samaritano, para o socorrer e dar a vida, e ajoelhou-se diante de nós para lavar os nossos pés sujos. Adorar o Corpo de Cristo significa crer que ali, naquele pedaço de pão, está realmente Cristo, que dá sentido verdadeiro à vida, ao imenso universo como à menor criatura, a toda a história humana e à existência mais breve. A adoração é a oração que prolonga a celebração e a comunhão eucarística na qual a alma continua a alimentar-se: alimenta-se de amor, de verdade, de paz; alimenta-nos de esperança, porque Aquele diante do qual nos prostramos não nos julga, não nos esmaga, mas liberta-nos e transforma-nos.
    Eis por que reunir-nos, caminhar, adorar nos enche de alegria. Fazendo nossa a atitude adorante de Maria, que neste mês de Maio recordamos de modo particular, rezemos por nós e por todos; rezemos por todas as pessoas que vivem nesta cidade, para que Te possam conhecer, ó Pai, e Àquele que Tu enviaste, Jesus Cristo. E desta forma ter a vida em abundância. Amém.

    ANEXO 3
    Homilia de Bento XVI para a Solenidade do Corpo de Deus em 2011

    Queridos irmãos e irmãs!
    A festa do Corpus Christi é inseparável da Quinta-Feira Santa, da Missa in Caena Domini, na qual se celebra solenemente a instituição da Eucaristia. Enquanto na tarde de Quinta-Feira Santa se revive o mistério de Cristo que se oferece a nós no pão partido e no vinho derramado, hoje, na celebração do Corpus Christi, este mesmo mistério é proposto à adoração e à meditação do Povo de Deus, e o Santíssimo Sacramento é levado em procissão pelas estradas das cidades e das aldeias, para manifestar que Cristo ressuscitado caminha no meio de nós e nos guia para o Reino do céu. O que Jesus nos doou na intimidade do Cenáculo, hoje manifestamo-lo abertamente, porque o amor de Cristo não está destinado a alguns, mas a todos. Na Missa in Caena Domini da passada Quinta-Feira Santa ressaltei que na Eucaristia se realiza a transformação dos dons desta terra — o pão e o vinho — finalizada a transformar a nossa vida e a inaugurar assim a transformação do mundo. Esta tarde gostaria de retomar esta perspetiva.
    Poder-se-ia dizer que tudo parte do coração de Cristo, que na Última Ceia, na vigília da sua paixão, agradeceu e louvou a Deus e, deste modo, com o poder do seu amor, transformou o sentido da morte que se estava a aproximar. O facto que o Sacramento do altar tenha assumido o nome «Eucaristia» — «ação de graças» — expressa precisamente isto: que a transformação da substância do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo é fruto do dom que Cristo fez de si mesmo, dom de um amor mais forte do que a morte, Amor divino que o fez ressuscitar dos mortos. Eis por que a Eucaristia é alimento de vida eterna, Pão da vida. Do coração de Cristo, da sua «oração eucarística» na vigília da paixão, brota aquele dinamismo que transforma a realidade nas suas dimensões cósmica, humana e histórica. Tudo procede de Deus, da omnipotência do seu Amor Uno e Trino, encarnado em Jesus. Neste amor está imerso o coração de Cristo; por isso Ele sabe agradecer e louvar a Deus também perante a traição e a violência, e desta forma muda as coisas, as pessoas e o mundo.
    Esta transformação é possível graças a uma comunhão mais forte que a divisão, a comunhão do próprio Deus. A palavra «comunhão», que usamos tamb&ea
    cute;m para designar a Eucaristia, resume em si a dimensão vertical e a horizontal do dom de Cristo. É bonita e muito eloquente a expressão «receber a comunhão» referida ao gesto de comer o Pão eucarístico. Com efeito, quando realizamos este gesto, entramos em comunhão com a própria vida de Jesus, no dinamismo desta vida que se doa a nós e por nós. De Deus, através de Jesus, até nós: é uma única comunhão que se transmite na sagrada Eucaristia. Ouvimo-lo há pouco, na segunda Leitura, das palavras do apóstolo Paulo, dirigidas aos cristãos de Corinto: «O cálice da bênção que benzemos não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão» (1 Cor 10, 16-17).
    Santo Agostinho ajuda-nos a compreender a dinâmica da comunhão eucarística, quando faz referência a uma espécie de visão que teve, na qual Jesus lhe disse: «Eu sou o alimento dos fortes. Cresce e receber-me-ás. Tu não me transformarás em ti, como o alimento do corpo, mas és tu que serás transformado em mim» (Confissões VII, 10, 18). Portanto, enquanto o alimento corporal é assimilado pelo nosso organismo e contribui para o seu sustento, no caso da Eucaristia trata-se de um Pão diferente: não somos nós que o assimilamos, mas é ele que nos assimila a si, de tal modo que nos tornamos conformes com Jesus Cristo, membros do seu corpo, um só com Ele. Esta passagem é decisiva. Com efeito, precisamente porque é Cristo que, na comunhão eucarística, nos transforma em si, neste encontro a nossa individualidade é aberta, libertada do seu egocentrismo e inserida na Pessoa de Jesus, que por sua vez está imersa na comunhão trinitária. Assim a Eucaristia, enquanto nos une a Cristo, abre-nos também aos outros, tornando-nos membros uns dos outros: já não estamos divididos, mas somos um só nele. A comunhão eucarística une-me à pessoa que está ao meu lado e com a qual, talvez, eu nem sequer tenho um bom relacionamento, mas também aos irmãos distantes, em todas as regiões do mundo. Portanto daqui, da Eucaristia, deriva o profundo sentido da presença social da Igreja, como testemunham os grandes santos sociais, que foram sempre grandes almas eucarísticas. Quem reconhece Jesus na Hóstia sagrada, reconhece-O no irmão que sofre, que tem fome e sede, que é estrangeiro, está nu, doente, prisioneiro; e está atento a cada pessoa, empenha-se de modo concreto por todos aqueles que se encontram em necessidade. Portanto, do dom de amor de Cristo provém a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa e fraterna. Especialmente no nosso tempo, em que a globalização nos torna cada vez mais dependentes uns dos outros, o Cristianismo pode e deve fazer com que esta unidade não se edifique sem Deus, ou seja, sem o verdadeiro Amor, o que daria espaço à confusão, ao individualismo e à prepotência de todos contra todos. O Evangelho visa desde sempre a unidade da família humana, uma unidade não imposta do alto, nem por interesses ideológicos ou económicos, mas sim a partir do sentido de responsabilidade recíproca, porque nos reconhecemos membros de um único corpo, do corpo de Cristo, porque aprendemos e continuamos a aprender constantemente do Sacramento do Altar, que a partilha, o amor é o caminho da verdadeira justiça.
    Voltemos agora ao gesto de Jesus na Última Ceia. O que aconteceu naquele momento? Quando Ele disse: isto é o meu corpo, que é entregue por vós; isto é o meu sangue, derramado por vós e pela multidão, o que acontece? Neste gesto, Jesus antecipa o acontecimento do Calvário. Por amor, Ele aceita toda a paixão, com a sua dificuldade e a sua violência, até à morte de cruz; aceitando-a deste modo, transforma-a num gesto de doação. Esta é a transformação de que o mundo tem mais necessidade, porque o redime a partir de dentro, abrindo-o às dimensões do Reino dos céus. Mas esta renovação do mundo, Deus quer realizá-la sempre através do mesmo caminho percorrido por Cristo, aliás, o caminho que é Ele mesmo. Não há nada de mágico no Cristianismo. Não existem atalhos, mas tudo passa através da lógica humilde e paciente do grão de trigo que se abre para dar vida, a lógica da fé que move as montanhas com a força mansa de Deus. Por isso, Deus quer continuar a renovar a humanidade, a história e o cosmos através desta cadeia de transformações, cujo sacramento é a Eucaristia. Mediante o pão e o vinho consagrados, nos quais estão realmente presentes o seu Corpo e o seu Sangue, Cristo transforma-nos, assimilando-nos a Ele: compromete-nos na sua obra de redenção tornando-nos capazes, pela graça do Espírito Santo, de viver segundo a sua própria lógica de entrega, como grãos de trigo unidos a Ele e nele. É assim que se semeiam e amadurecem nos sulcos da história a unidade e a paz, que constituem o fim para o qual tendemos, segundo o desígnio de Deus.
    Sem ilusões, sem utopias ideológicas, nós caminhos pelas veredas do mundo, trazendo dentro de nós o Corpo do Senhor, como a Virgem Maria no mistério da Visitação. Com a humildade de saber que somos simples grãos de trigo, conservemos a certeza firme de que o amor de Deus, encarnado em Cristo, é mais forte que o mal, a violência e a morte. Sabemos que Deus prepara para todos os homens céus novos e uma nova terra, onde reinam a paz e a justiça — e na fé entrevemos o mundo novo, que é a nossa verdadeira pátria. Também esta tarde, enquanto o sol se põe sobre esta nossa amada cidade de Roma, pomo-nos a caminho: connosco está Jesus-Eucaristia, o Ressuscitado, que disse: «Eis que Eu estou convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28, 20). Obrigado, Senhor Jesus! Obrigado pela vossa fidelidade, que sustém a nossa esperança. Permanecei connosco, porque está a anoitecer. «Bom Pastor, Pão verdadeiro, ó Jesus, tende piedade de nós; alimentai-nos, defendei-nos e conduzi-nos para os bens eternos, na terra dos vivos!». Amém.

    ANEXO 4
    Catequeses do Papa Francisco sobre a Eucaristia

    Catequese 1.
    Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
    Hoje, falar-vos-ei da Eucaristia. A Eucaristia insere-se no âmago da «iniciação cristã», juntamente com o Batismo e a Confirmação, constituindo a nascente da própria vida da Igreja. Com efeito, é deste Sacramento do Amor que derivam todos os caminhos autênticos de fé, de comunhão e de testemunho.
    O que vemos quando nos congregamos para celebrar a Eucaristia, a Missa, já nos faz intuir o que estamos prestes a viver. No centro do espaço destinado à celebração encontra-se o altar, que é uma mesa coberta com uma toalha, e isto faz-nos pensar num banquete. Sobre a mesa há uma cruz, a qual indica que naquele altar se oferece o sacrifício de Cristo: é Ele o alimento espiritual que ali recebemos, sob as espécies do pão e do vinho. Ao lado da mesa encontra-se o ambão, ou seja o lugar de onde se proclama a Palavra de Deus: e ele indica que ali nos reunimos para ouvir o Senhor que fala mediante as Sagradas Escrituras, e portanto o alimento que recebemos é também a sua Palavra.
    Na Missa, Palavra e Pão tornam-se uma coisa só, como na Última Ceia, quando todas as palavras de Jesus, todos os sinais que Ele tinha realizado, se condensaram no gesto de partir o pão e de oferecer o cálice, antecipação do sacrifício da cruz, e naquelas palavras: «Tomai e comei, isto é o meu corpo... Tomai e bebei, isto é o meu sangue».
    O gesto levado a cabo por Jesus na Última Ceia é a extrema ação de graças ao Pai pelo seu amor, pela sua misericórdia. Em grego, «ação de graças» diz-se «eucaristia». É por isso que o Sacramento se chama Eucaristia: é a suprema ação de graças ao Pai, o qual nos amou a tal ponto que nos ofereceu o seu Filho por amor. Eis por que motivo o termo Eucaristia resume todo aquele gesto, que é de Deus e ao mesmo tempo do homem, gesto de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
    Por conseguinte, a celebração eucarística é muito mais do que um simples banquete: é precisamente o memorial da Páscoa de Jesus, o mistério fulcral da salvação. «Memorial» não significa apenas uma recordação, uma simples lembrança, mas quer dizer que cada vez que nós celebramos este Sacramento participamos no mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo. A Eucaristia constitui o apogeu da obra de salvação de Deus: com efeito, fazendo-se pão partido para nós, o Senhor Jesus derrama sobre nós toda a sua misericórdia e todo o seu amor, a ponto de renovar o nosso coração, a nossa existência e o nosso próprio modo de nos relacionarmos com Ele e com os irmãos. É por isso que geralmente, quando nos aproximamos deste Sacramento, dizemos que «recebemos a Comunhão», que «fazemos a Comunhão»: isto significa que, no poder do Espírito Santo, a participação na mesa eucarística nos conforma com Cristo de modo singular e profundo, levando-nos a prelibar desde já a plena comunhão com o Pai, que caracterizará o banquete celestial, onde juntamente com todos os Santos teremos a felicidade de contemplar Deus face a face.
    Estimados amigos, nunca daremos suficientemente graças ao Senhor pela dádiva que nos concedeu através da Eucaristia! Trata-se de um dom deveras grandioso e por isso é tão importante ir à Missa aos domingos. Ir à Missa não só para rezar, mas para receber a Comunhão, o pão que é o corpo de Jesus Cristo que nos salva, nos perdoa e nos une ao Pai. É bom fazer isto! E todos os domingos vamos à Missa, porque é precisamente o dia da Ressurreição do Senhor. É por isso que o Domingo é tão importante para nós! E com a Eucaristia sentimos esta pertença precisamente à Igreja, ao Povo de Deus, ao Corpo de Deus, a Jesus Cristo. Nunca compreenderemos todo o seu valor e toda a sua riqueza. Então, peçamos-lhe que este Sacramento possa continuar a manter viva na Igreja a sua presença e a plasmar as nossas comunidades na caridade e na comunhão, segundo o Coração do Pai. E fazemos isto durante a vida inteira, mas começamos a fazê-lo no dia da nossa primeira Comunhão. É importante que as crianças se preparem bem para a primeira Comunhão e que cada criança a faça, pois trata-se do primeiro passo desta pertença forte a Jesus Cristo, depois do Batismo e do Crisma.

    Catequese 2.
    Caros irmãos e irmãs, bom dia!
    Na última catequese elucidei o modo como a Eucaristia nos introduz na comunhão real com Jesus e o seu mistério. Agora podemos formular algumas interrogações a propósito da relação entre a Eucaristia que celebramos e a nossa vida, como Igreja e como simples cristãos. Como vivemos a Eucaristia? Quando vamos à Missa aos domingos, como a vivemos? É apenas um momento de festa, uma tradição consolidada, uma ocasião para nos encontrarmos, para estarmos à vontade, ou então é algo mais?
    Existem sinais muito concretos para compreender como vivemos tudo isto, como vivemos a Eucaristia; sinais que nos dizem se vivemos bem a Eucaristia, ou se não a vivemos muito bem. O primeiro indício é o nosso modo de ver e considerar os outros. Na Eucaristia Cristo oferece sempre de novo o dom de si que já concedeu na Cruz. Toda a sua vida é um gesto de partilha total de si mesmo por amor; por isso, Ele gostava de estar com os discípulos e com as pessoas que tinha a oportunidade de conhecer. Para Ele, isto significava partilhar os seus desejos, os seus problemas, aquilo que agitava as suas almas e vidas. Pois bem, quando participamos na Santa Missa encontramo-nos com homens e mulheres de todos os tipos: jovens, idosos e crianças; pobres e abastados; naturais do lugar e estrangeiros; acompanhados pelos familiares e pessoas sós... Mas a Eucaristia que eu celebro leva-me a senti-los todos verdadeiramente como irmãos e irmãs? Faz crescer em mim a capacidade de me alegrar com quantos rejubilam, de chorar com quem chora? Impele-me a ir ao encontro dos pobres, dos enfermos e dos marginalizados? Ajuda-me a reconhecer neles o rosto de Jesus? Todos nós vamos à Missa porque amamos Jesus e, na Eucaristia, queremos compartilhar a sua paixão e ressurreição. Mas amamos, como deseja Jesus, os irmãos e irmãs mais necessitados? Por exemplo, nestes dias vimos em Roma muitas dificuldades sociais, ou devido às chuvas, que causaram prejuízos enormes para bairros inteiros, ou devido à falta de trabalho, consequência da crise económica no mundo inteiro. Pergunto-me, e cada um de nós deve interrogar-se: eu que vou à Missa, como vivo isto? Preocupo-me em ajudar, em aproximar-me, em rezar por quantos devem enfrentar este problema? Ou então sou um pouco indiferente? Ou, talvez, preocupo-me em tagarelar: reparaste como se veste esta pessoa, ou como está vestida aquela? Às vezes é isto que se faz depois da Missa, mas não podemos comportar-nos assim! Devemos preocupar-nos com os nossos irmãos e irmãs que têm necessidade por causa de uma doença, de um problema. Hoje, far-nos-á bem pensar nos nossos irmãos e irmãs que devem enfrentar estes problemas aqui em Roma: problemas devidos à tragédia provocada pelas chuvas, questões sociais e de trabalho. Peçamos a Jesus, que recebemos na Eucaristia, que nos ajude a ajudá-los!
    Um segundo indício, muito importante, é a graça de nos sentirmos perdoados e prontos para perdoar. Por vezes, alguém pergunta: «Por que deveríamos ir à igreja, visto que quem participa habitualmente na Santa Missa é pecador como os outros?». Quantas vezes ouvimos isto! Na realidade, quem celebra a Eucaristia não o faz porque se considera ou quer parecer melhor do que os outros, mas precisamente porque se reconhece sempre necessitado de ser acolhido e regenerado pela misericórdia de Deus, que se fez carne em Jesus Cristo. Se não nos sentirmos necessitados da misericórdia de Deus, se não nos sentirmos pecadores, melhor seria não irmos à Missa! Nós vamos à Missa porque somos pecadores e queremos receber o perdão de Deus, participar na redenção de Jesus e no seu perdão. Aquele «Confesso» que recitamos no início não é um «pro forma», mas um verdadeiro ato de penitência! Sou pecador e confesso-o: assim começa a Missa! Nunca devemos esquecer que a Última Ceia de Jesus teve lugar «na noite em que Ele foi entregue» (1 Cor 11, 23). Naquele pão e naquele vinho que oferecemos, e ao redor dos quais nos congregamos, renova-se de cada vez a dádiva do corpo e do sangue de Cristo, para a remissão dos nossos pecados. Temos que ir à Missa como pecadores, humildemente, e é o Senhor que nos reconcilia.
    Um último indício inestimável é-nos oferecido pela relação entre a celebração eucarística e a vida das nossas comunidades cristãs. É preciso ter sempre presente que a Eucaristia não é algo que nós fazemos; não é uma nossa comemoração daquilo que Jesus disse e fez. Não! É precisamente uma ação de Cristo! Ali, é Cristo quem age, Cristo sobre o altar! É um dom de Cristo, que se torna presente e nos reúne ao redor de Si, para nos alimentar com a sua Palavra e a sua vida. Isto significa que a própria missão e identidade da Igreja derivam dali, da Eucaristia, e ali sempre adquirem forma. Uma celebração pode até ser impecável sob o ponto de vista exterior, maravilhosa, mas se não nos levar ao encontro com Jesus corre o risco de não oferecer alimento algum ao nosso coração e à nossa vida. Através da Eucaristia, ao contrário, Cristo quer entrar na nossa existência e permeá-la com a sua graça, de tal modo que em cada comunidade cristã haja coerência entre liturgia e vida.
    O coração transborda de confiança e de esperança, pensando nas palavras de Jesus, citadas no Evangelho: «Quem comer a minha carne e beber o meu sangue terá a vida eterna; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia» (Jo 6, 54). Vivamos a Eucaristia com espírito de fé, de oração, de perdão, de penitência, de júbilo comunitário, de solicitude pelos necessitados e pelas carências de numerosos irmãos e irmãs, na certeza de que o Senhor cumprirá aquilo que nos prometeu: a vida eterna. Assim seja!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • 10º Domingo do Tempo Comum – Ano A

    10º Domingo do Tempo Comum – Ano A

    11 de Junho, 2023

    ANO A

    10º Domingo do Tempo Comum

    Tema do 10º Domingo do Tempo Comum

    A Palavra de Deus deste 10º Domingo do Tempo Comum repete, com alguma insistência, que Deus prefere a misericórdia ao sacrifício. A expressão deve ser entendida no sentido de que, para Deus, o essencial não são os actos externos de culto ou as declarações de boas intenções, mas sim uma atitude de adesão verdadeira e coerente ao seu chamamento, à sua proposta de salvação. É esse o tema da liturgia deste dia.
    Na primeira leitura, o profeta Oseias põe em causa a sinceridade de uma comunidade que procura controlar e manipular Deus, mas não está verdadeiramente interessada em aderir, com um coração sincero e verdadeiro, à aliança. Os actos externos de culto – ainda que faustosos e magnificentes – não significam nada, se não houver amor (quer o amor a Deus, quer o amor ao próximo – que é a outra face do amor a Deus).
    Na segunda leitura, Paulo apresenta aos cristãos (quer aos que vêm do judaísmo e estão preocupados com o estrito cumprimento da Lei de Moisés, quer aos que vêm do paganismo) a única coisa essencial: a fé. A figura de Abraão é exemplar: aquilo que o tornou um modelo para todos não foram as obras que fez, mas a sua adesão total, incondicional e plena a Deus e aos seus projectos.
    O Evangelho apresenta-nos uma catequese sobre a resposta que devemos dar ao Deus que chama todos os homens, sem excepção. O exemplo de Mateus sugere que o decisivo, do ponto de vista de Deus, é a resposta pronta ao seu convite para integrar a comunidade do “Reino”.

    LEITURA I – Os 6,3-6

    Leitura da Profecia de Oseias

    Procuremos conhecer o Senhor.
    A sua vinda é certa como a aurora.
    Virá a nós como o aguaceiro de Outono,
    como a chuva da Primavera sobre a face da terra.
    «Que farei por ti, Efraim? Que farei por ti, Judá?»
    – diz o Senhor –
    «O vosso amor é como o nevoeiro da manhã,
    como o orvalho da madrugada, que logo se evapora.
    Por isso vos castiguei por meio dos Profetas
    e vos matei com palavras da minha boca;
    e o meu direito resplandece como a luz.
    Porque Eu quero a misericórdia e não o sacrifício,
    o conhecimento de Deus, mais que os holocaustos».

    AMBIENTE

    Oseias exerceu o seu ministério profético no reino do Norte (Israel), a partir de 750 a.C., numa época bastante conturbada.
    Em termos políticos, é uma fase marcada pela violência, pela insegurança e pelo derramamento de sangue. Os reinados são curtos e terminam invariavelmente em revoluções, assassínios, massacres… Por outro lado, o aventureirismo dos dirigentes e os jogos de alianças políticas com as potências da época causam grande instabilidade e anunciam o desastre nacional e a perda da independência (o que acontece alguns anos mais tarde, em 721 a.C., quando a Samaria é arrasada por Salamanasar V, da Assíria).
    Em termos religiosos, é uma época de grande confusão… Exposto à influência cultural e religiosa dos povos circunvizinhos, Israel acolhe diversos deuses estrangeiros que coabitam com Jahwéh, no coração do Povo e nos centros religiosos. Mistura-se o Jahwismo com os cultos de Baal e Astarte; embora Jahwéh continue a ser oficialmente o Deus nacional, é, a nível popular, bastante preterido em favor dos deuses cananeus. Por outro lado, as alianças políticas com os povos estrangeiros significam que Israel já não confia em Deus e que prefere pôr a sua confiança e a sua esperança nos guerreiros, nos cavalos, nos carros de guerra das super potências; dessa forma, a Assíria e o Egipto deixam de ser realidades terrenas e humanas, para se tornarem – aos olhos dos israelitas – novos deuses, capazes de salvar. O Povo passa a confiar neles, prescindindo de Jahwéh.
    Oseias sente profundamente o drama do sincretismo religioso que está a pôr em perigo a fé do seu Povo. A sua mensagem apela a que Israel não se deixe dominar pela idolatria (a que Oseias chama “prostituição”: o Povo é como uma “esposa” que abandonou o “marido” para correr atrás dos “amantes”). O profeta convida o seu Povo a redescobrir o amor de Jahwéh – sempre presente na história de Israel – e a responder-Lhe com uma vontade sincera de viver em comunhão com Ele.

    MENSAGEM

    No início do capítulo 6, o profeta coloca na boca do Povo uma fórmula de arrependimento ou de penitência, provavelmente tomada da tradição cultual (“vinde, voltemos para o Senhor: Ele nos despedaçou, Ele nos curará; Ele fez a ferida, Ele nos porá o penso que cura” – Os 6,1). Contudo, o profeta olha para esta expressão com um olhar irónico… Porquê? A conversão do Povo não é sincera? Haverá, por parte do Povo, um desejo real de voltar para Deus e de deixar definitivamente a idolatria?
    É a esta questão que Oseias se refere no texto que nos é hoje proposto… O profeta parece ter dúvidas da sinceridade da “conversão” do Povo. O que Israel diz é: “o Senhor é como a aurora, pontual e inevitável, como a chuva que empapa a terra. Já sabemos como é que Ele funciona, pois Ele é perfeitamente previsível; se soubermos fazer bem as coisas, podemos controlá-l’O, pô-l’O do nosso lado e recuperar a vida que perdemos” (vers. 3). Isto parece mais o resultado de uma atitude calculista de quem está convencido de que conhece Deus perfeitamente e é capaz de manejá-l’O e de manipulá-l’O, do que o resultado de uma atitude coerente e sincera, de um desejo verdadeiro de “conversão”.
    A isto, como é que Deus reage? O profeta descreve como que uma luta interior de Deus… “Que farei?” – pergunta Deus… Mas logo vem a resposta: repetindo as imagens usadas pelo Povo, Deus assume que não vai ceder, pois essa “conversão” de Israel é totalmente superficial e, portanto, não passa de “conversa fiada” (“o vosso amor é como o nevoeiro da manhã, como o orvalho da madrugada que logo se evapora” – vers. 4). Israel não está disposto a mudar o coração; só está disposto a “controlar” Deus para readquirir a vida… Ora, se não houver uma verdadeira transformação do coração, o apregoado amor do Povo por Deus não passa de uma piedosa declaração de boas intenções.
    Como é que Israel manifesta no dia a dia a Jahwéh essa sua vontade de “voltar para o Senhor”? É através de uma vida coerente com os mandamentos? É através de um amor que lhes sai do fundo do coração e que se expressa em gestos concretos de bondade, de justiça, de misericórdia? Não. O “amor” de Israel a Jahwéh expressa-se através de ritos externos, de actos de culto… No entanto, os actos
    rituais (os “sacrifícios”) não significam nada por si próprios; são apenas actos exteriores ao homem… Não valerá de nada um culto – ainda que magnificente – que não resulte de uma atitude interior de amor e de vontade de comunhão com Deus (“conhecimento de Deus”). O culto não pode ser um conjunto de ritos desligados da vida, destinados a aplacar Deus ou a comprar a sua benevolência; mas tem de ser expressão de uma vida voltada para Deus, vivida ao ritmo da aliança, no respeito por Deus e pelas suas propostas.
    Dizer que Deus quer “a misericórdia (“hesed”) e não os sacrifícios, o conhecimento de Deus (“daat Elohim”), mais que os holocaustos” (vers. 6), insere-se nesta lógica… Significa que Deus não está interessado em rituais externos – mesmo que ricos e espalhafatosos – que não são expressão dos sentimentos que vão no coração; o que interessa a Deus é um coração que aceita verdadeiramente viver em comunhão com Ele (“conhecimento de Deus”) e que é capaz de gestos concretos de amor, de ternura, de bondade, de misericórdia (“hesed”) em favor dos irmãos.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes questões:

    • O problema principal que aqui nos é posto é o da nossa relação com Deus. Deus chama-nos a viver em aliança com Ele… Como é que nós respondemos ao “chamamento” de Deus? Com uma adesão verdadeira e sincera, que implica a totalidade da nossa vida, ou com um compromisso de “meias tintas”, sem exigência nem radicalidade?

    • Como numa relação humana, também na nossa relação com Deus a rotina, a monotonia e o cansaço podem descolorir o amor. Entramos então num esquema religioso de resposta a Deus, que se baseia em gestos rituais, talvez correctos do ponto de vista litúrgico, mas que não são a expressão dos sentimentos do nosso coração. A minha oração é um repetir fielmente uma cassete gravada de antemão, ou é um momento íntimo de encontro com o Senhor e de resposta ao seu amor? A Eucaristia é, para mim, um ritual obrigatório, que eu cumpro diária ou semanalmente porque está no horário, ou é esse momento fundamental de encontro com o Deus que me dá a sua Palavra e o seu Pão?

    • O culto a Deus, sem o amor ao irmão, não faz sentido. O nosso compromisso com Deus tem de se concretizar em obras em favor dos homens e em gestos libertadores, que levem ternura, misericórdia, à vida de todos aqueles que Deus coloca no nosso caminho.

    SALMO RESPONSORIAL – SALMO 49 (50)

    Refrão 1: A quem segue o caminho recto
    darei a salvação de Deus.

    Refrão 2: A quem procede rectamente
    farei ver a salvação de Deus.

    Falou o Senhor, Deus soberano,
    e convocou a terra, do Oriente ao Ocidente:
    «Não é pelos sacrifícios que Eu te repreendo:
    os teus holocaustos estão sempre na minha presença.

    Se tivesse fome, não to diria,
    porque meu é o mundo e tudo o que nele existe.
    Comerei porventura as carnes dos touros
    ou beberei o sangue dos cabritos?

    Oferece a Deus sacrifícios de louvor
    e cumpre os votos feitos ao Altíssimo.
    Invoca-Me no dia da tribulação:
    Eu te livrarei e tu Me darás glória».

    LEITURA II – Rom 4,18-25

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Contra toda a esperança, Abraão acreditou
    que havia de tornar-se pai de muitas nações,
    como tinha sido anunciado:
    «Assim será a tua descendência».
    Sem vacilar na fé,
    não tomou em consideração nem a falta de vigor do seu corpo,
    pois tinha quase cem anos,
    nem a falta de vitalidade do seio materno de Sara.
    Perante a promessa de Deus,
    não se deixou abalar pela desconfiança,
    antes se fortaleceu na fé, dando glória a Deus,
    plenamente convencido
    de que Deus era capaz de cumprir o que tinha prometido.
    Por este motivo é que isto «lhe foi atribuído como justiça».
    Não é só por causa dele que está escrito «Foi-lhe atribuído»,
    mas também por causa de nós,
    que acreditamos n’Aquele que ressuscitou dos mortos,
    Jesus, Nosso Senhor,
    que foi entregue à morte por causa das nossas faltas
    e ressuscitou para nossa justificação.

    AMBIENTE

    Quando Paulo escreveu aos romanos, preocupava-o bastante a ameaça de cisão da Igreja: os cristãos oriundos do judaísmo e os cristãos oriundos do paganismo tinham perspectivas diferentes da salvação e pareciam em rota de colisão. As crises recentes em Corinto e na Galácia convenceram Paulo da gravidade da situação.
    Esse problema também era sentido em Roma? No ano 49, um édito do imperador Cláudio obrigara os judeus a deixar Roma; a comunidade cristã ficara então totalmente entregue aos cristãos de origem pagã… Mas em 57/58, muitos judeus tinham já regressado e a comunidade cristã contava outra vez com um grupo significativo de judeo-cristãos. Estes, ao retornarem, encontraram uma comunidade cristã com características diferentes da que tinham deixado, dirigida por cristãos convertidos directamente do paganismo e completamente emancipada em relação às tradições judaicas. É de crer que os cristãos de origem judaica não se sentissem bem acolhidos e que não se coibissem de criticar as novas orientações. A questão provocou uma certa instabilidade na comunidade.
    Dirigindo-se aos romanos e à Igreja em geral, o apóstolo vai procurar sublinhar aquilo que deve unir todos os crentes – judeus, gregos ou romanos. Para Paulo, apesar da universalidade do pecado (nesse aspecto, judeus e não judeus estão em pé de igualdade), Deus oferece a todos, de forma gratuita, a mesma salvação e de todos faz, em igualdade de circunstâncias, seus filhos. É por Cristo que essa salvação é oferecida aos homens. O cumprimento da Lei não salva, pois a salvação é um dom de Deus. Ao homem, resta-lhe acolher esse dom na fé (a fé é, neste contexto, entendida como adesão à proposta de salvação que, em Cristo, Deus oferece aos homens).
    Como exemplo, Paulo apresenta a figura de Abraão (cf. Rom 4,1-12). O apóstolo demonstra que essa figura modelar para judeus e pagãos não foi salva pela Lei nem pelas obras, mas pela fé. O texto que nos é proposto insere-se neste ambiente.

    MENSAGEM

    Paulo deixa claro – com argumentação tirada da própria Escritura – porque é que Abraão foi o depositário da “promessa” e se tornou uma fonte de bênção para a sua descendência
    . Segundo Paulo, Abraão tornou-se uma referência fundamental para todos os crentes – judeus e não judeus – não por ter realizado obras meritórias ou por ter cumprido estrita e escrupulosamente a Lei; mas Abraão tornou-se um modelo para todos por ter sido o “homem da fé” (isto é, por ter sabido acolher o dom de Deus e por ter sabido responder-Lhe com a entrega incondicional, com a obediência radical, com a confiança ilimitada).
    No texto que nos é proposto, Paulo descreve a grandeza e a profundidade da fé de Abraão. O exemplo apontado é talvez o mais conhecido e emblemático: apesar da idade avançada de Abraão e de Sara, a sua esposa, o patriarca não titubeou, não argumentou, não duvidou, quando Deus lhe anunciou o nascimento de Isaac. O facto dá conta da altura, da profundidade, da força, da heroicidade da fé de um homem que fez da sua vida uma entrega completa nas mãos de Deus, que confiou incondicionalmente em Deus, que esperou “contra toda a esperança” (vers. 18). Estas últimas palavras são uma expressão bíblica utilizada para definir a atitude do homem que reconhece tudo dever a Deus e que se entrega incondicionalmente nas suas mãos.
    Para Paulo, não há qualquer dúvida: não foram as obras de Abraão, mas sim a sua fé (entrega, obediência, confiança) que o tornaram “o eleito” de Deus e uma fonte de vida e de bênção para os seus descendentes.
    A conclusão é óbvia: não são as obras que fazemos que nos asseguram a salvação; mas o que nos assegura a vida plena e definitiva é a nossa fé – isto é, uma adesão radical, confiante, ilimitada à oferta de salvação que, em Jesus, Deus nos faz. A salvação não é uma conquista do homem, mas um dom de Deus, oferecido gratuitamente por amor, e que o homem é convidado a acolher com fé, com serenidade, com confiança.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes linhas:

    • Este texto convida-nos a tomar consciência daquilo que deve ser a essência da nossa experiência religiosa. Manter uma relação verdadeira e forte com Deus não é primordialmente praticar todos os actos de piedade que conhecemos ou que inventamos, observar escrupulosamente os mandamentos da santa Igreja, ou cumprir à letra cada parágrafo do código de direito canónico… A “justificação” não está na Lei, mas na fé; por isso, a nossa experiência religiosa deve ser um encontro com esse Deus do amor, que nos oferece gratuitamente a salvação; e desse encontro deve resultar um abraçar a proposta de Deus, com total confiança e com total entrega.

    • Se a salvação é sempre um dom do amor de Deus e não uma conquista nossa, não se justifica qualquer atitude de arrogância ou de exigência do homem face a Deus. Temos de aprender a ver tudo o que somos e temos, não como a retribuição pelo nosso bom comportamento, mas como um dom gratuito de Deus – dom que nunca merecemos, por mais “bonzinhos” que sejamos. Diante dos dons de Deus, resta-nos o louvor e o agradecimento, por um lado, e a confiança, a entrega e a obediência, por outro.

    • A reflexão de Paulo convida-nos, na mesma linha, a corrigir a imagem que fazemos de Deus… Ele não é um comerciante esperto, que paga com a mercadoria que tem em stock (a salvação) uma outra mercadoria que nós lhe vendemos (o nosso bom comportamento). Deus não precisa do nosso bom comportamento para nada… A salvação que Ele nos oferece é algo totalmente gratuito, que resulta do seu amor infinito e da sua vontade de nos ver plenamente felizes e realizados.

    • Como é que eu respondo ao dom de Deus? Com o orgulho e a auto-suficiência de quem não precisa de Deus para ser feliz e para se realizar? Com a “esperteza saloia” de quem pretende negociar com Deus para obter a salvação? Ou com o reconhecimento de que a salvação é um dom não merecido que, apesar de tudo, Deus me oferece e me convida a acolher?

    ALELUIA – Lc 4,18

    Aleluia. Aleluia.

    O Senhor enviou-me a anunciar o evangelho aos pobres
    e a liberdade aos oprimidos.

    EVANGELHO – Mt 9,9-13

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    Jesus ia a passar,
    quando viu um homem chamado Mateus,
    sentado no posto de cobrança dos impostos,
    e disse-lhe: «Segue-Me».
    Ele levantou-se e seguiu Jesus.
    Um dia em que Jesus estava à mesa em casa de Mateus,
    muitos publicanos e pecadores
    vieram sentar-se com Ele e os seus discípulos.
    Vendo isto, os fariseus diziam aos discípulos:
    «Por que motivo é que o vosso Mestre
    come com os publicanos e os pecadores?».
    Jesus ouviu-os e respondeu:
    «Não são os que têm saúde que precisam de médico,
    mas sim os doentes.
    Ide aprender o que significa:
    ‘Prefiro a misericórdia ao sacrifício’.
    Porque Eu não vim chamar os justos,
    mas os pecadores».

    AMBIENTE

    O nosso texto faz parte de uma longa secção, na qual Mateus põe Jesus – com as suas palavras e as suas acções – a anunciar o “Reino”. Essa secção vai de Mt 4,23 a 9,35.
    Na primeira parte da secção (cf. Mt 5-7), Mateus apresenta o “sermão da montanha”: num discurso magnífico, Jesus apresenta a “lei” e o programa desse “Reino” que Ele veio propor: é o anúncio do “Reino” por palavras.
    Na segunda parte da secção (cf. Mt 8-9), Mateus apresenta o anúncio do “Reino” através das acções de Jesus. O autor coloca-nos diante de três conjuntos de acções ou “milagres” de Jesus que tornam presente a realidade do “Reino” (cf. Mt 8,1-15; 8,23-9,8; 9,18-31); entre cada um desses conjuntos aparecem reflexões sobre o significado dos “gestos” de Jesus e apelos ao seu seguimento… O nosso texto (cf. Mt 9,9-13) insere-se precisamente neste esquema: é um apelo ao seguimento de Jesus.
    Em resumo, temos nesta secção o anúncio do “Reino” nas palavras e nos gestos de Jesus. As palavras de Jesus anunciam a chegada desse mundo novo no qual os pobres e os débeis receberão a salvação de Deus; os gestos de Jesus mostram a realidade desse tempo novo de felicidade, de alegria, de libertação para todos. Os discípulos, evidentemente, são convidados a aderir a esse “Reino” que Jesus vem propor e a tornarem-se testemunhas desse mundo novo.
    O texto que nos é proposto apresenta dois episódios distintos. No primeiro, temos o chamamento do publicano Mateus (vers. 9); no segundo, temos a descrição de um banquete em casa de Mateus e de uma controvérsia com os fariseus (cf. vers. 10-13).
    Os publicanos estavam catalogados como pecadores públicos notórios. Eram os cobrado
    res de impostos que, além de estarem ao serviço do opressor romano, tinham a fama (e é preciso dizer, também o proveito) de explorarem os pobres. A linguagem oficial associava-os aos ladrões, aos pagãos, aos assassinos e às prostitutas. Os publicanos eram considerados, para todos os efeitos, pecadores públicos, permanentemente afectados de impureza e que nem sequer podiam fazer penitência, pois eram incapazes de reconhecer todos aqueles a quem tinham defraudado. Os fariseus, muito ciosos da sua santidade, mudavam de passeio quando, na rua, viam um publicano vir ao seu encontro.
    Eram, portanto, gente desclassificada (apesar de rica), impura, considerada amaldiçoada por Deus e, portanto, completamente à margem da salvação.
    Tudo isto nos permite perceber o inaudito da situação criada por Jesus: Ele não só chama um publicano para o seu grupo de discípulos, como também aceita sentar-Se à mesa com ele (estabelecendo assim com ele laços de familiaridade, de fraternidade, de comunhão). O comportamento de Jesus é, não só atentatório da moral e dos bons costumes, mas uma verdadeira provocação.

    MENSAGEM

    O relato da vocação de Mateus (vers. 9) não é substancialmente distinto do relato do chamamento de outros discípulos (cf. Mt 4,18-22): em qualquer dos casos fala-se de homens que estão a trabalhar, a quem Jesus chama e que, deixando tudo, seguem Jesus. Os “chamados” não são “super-homens”, seres perfeitos e santos, estranhos ao mundo, pairando acima das nuvens, sem contacto com a vida e com os problemas e dramas dos outros homens e mulheres; mas são pessoas normais, que vivem uma vida normal, que trabalham, lutam, riem e choram… No entanto, todos são chamados ao seguimento de Jesus. O verbo “akolouthéô”, aqui utilizado na forma imperativa, traduz a acção de “ir atrás” e define a atitude de um discípulo que aceita ligar-se a um “mestre”, escutar as suas lições e imitar os seus exemplos de vida… É, portanto, isso que Jesus pede a Mateus. Mateus, sem objecções nem pedidos de esclarecimento, deixa tudo e aceita ser discípulo, numa adesão plena, total e radical a Jesus e às suas propostas de vida. Mateus define aqui o caminho do verdadeiro discípulo: é aquele que, na sua vida normal, se encontra com Jesus, escuta o seu convite, aceita-o sem discussão e segue Jesus de forma incondicional. A esta adesão ao chamamento de Deus chama-se “fé”.
    No relato de vocação de Mateus há, no entanto, um dado novo em relação a outros relatos de vocação: é que aqui, o “chamado” é um cobrador de impostos. Já sabemos que os cobradores de impostos eram gente desclassificada, excluída da vida social e religiosa do Povo de Deus, catalogada como pecadora, e sem qualquer possibilidade de salvação e de relação com Deus. Jesus, no entanto, pretende demonstrar que, na casa do “Reino”, há lugar para todos, mesmo para aqueles que o mundo considera desclassificados e marginais. Deus tem uma proposta de salvação para apresentar a todos os homens, sem excepção; e essa proposta não distingue entre bons e maus: é uma proposta que se destina a todos aqueles que estiverem interessados em acolhê-la.
    Na segunda parte do nosso texto (vers. 10-13), temos uma controvérsia entre Jesus e os fariseus, porque Jesus – depois de convidar o publicano Mateus a integrar o seu grupo de discípulos (coisa inaudita, que nenhum “mestre” da época aceitaria) – ainda “desceu mais baixo” e aceitou sentar-Se à mesa com os publicanos e pecadores.
    O “banquete” era, para a mentalidade judaica, o lugar do encontro, da fraternidade, onde os convivas estabeleciam laços de família e de comunhão. Sentar-se à mesa com alguém significava estabelecer laços profundos, íntimos, familiares, com essa pessoa. Por isso, o “banquete” é, para Jesus, o símbolo mais apropriado desse “Reino” de fraternidade, de comunhão, de amor sem limites, que Ele veio propor aos homens (Mt 22,1-14; cf. Mt 8,11-12). Ao sentar-Se à mesa com os publicanos e pecadores, Jesus está a dizer, de forma clara, que veio apresentar uma proposta de salvação para todos, sem excepção; e que nesse mundo novo, todos os homens e mulheres (independentemente das suas opções ou decisões erradas) têm lugar. A única condição que há para sentar-se à mesa do “Reino” é estar disposto a aceitar essa proposta que é feita por Jesus.
    Os fariseus (que estão mais preocupados com as obras, com os comportamentos externos, com o cumprimento estrito da Lei) não entendem isto. Jesus recorda-lhes que “não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes” (vers. 12); e cita, a propósito, a frase de Oseias que encontramos na primeira leitura: “prefiro a misericórdia ao sacrifício” (vers. 13). Há, nas afirmações de Jesus, uma certa ironia: os fariseus julgavam-se justos e bons, porque cumpriam a Lei; mas, na perspectiva de Deus, os “justos” não são os que estão satisfeitos consigo próprios e vivem isolados na sua auto-suficiência, mas são todos aqueles que não se conformam com a triste situação em que vivem, estão dispostos a acolher o dom de Deus e a aderir à sua proposta de salvação.
    Para Deus, o que é decisivo, portanto, não é o cumprimento estrito das regras, das leis e dos actos de culto; para Deus, o que é decisivo é estar disposto a acolher a proposta de salvação que Ele faz e a entregar-se confiadamente nas suas mãos. Todos aqueles que, na sua humildade e dependência, estão nesta atitude podem integrar a comunidade do “Reino” e fazer parte da comunidade de Jesus, da comunidade da salvação.
    Deus chama todos os homens sem excepção. Os que se consideram bons e justos, frequentemente acham que não precisam do dom de Deus, pois eles merecem, pelos seus actos, a salvação; mas a verdade é que a salvação é sempre um dom gratuito de Deus, não merecido pelo homem… O que Deus pede ao homem (seja ele bom ou mau, pecador ou santo, justo ou injusto) é que aceite o dom de Deus, escute o chamamento de Jesus e, sem objecções, com total confiança e disponibilidade, aceite o convite para seguir Jesus, para ser seu discípulo e para integrar a comunidade do “Reino”.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão e a partilha desta Palavra podem fazer-se contando com os seguintes dados:

    • A questão essencial é esta: Deus tem um projecto de salvação e de vida plena que oferece, de forma gratuita, a todos os homens. Essa salvação é um dom e não algo que nós podemos exigir de Deus. Todos os homens são chamados a fazer parte da comunidade do “Reino”: Deus não exclui nem discrimina ninguém. O que é decisivo não é o cumprimento das leis e das regras, mas a forma como respondemos ao chamamento que Deus nos faz. Podemos ficar numa atitude de auto-suficiência, achando que não precisamos do dom de Deus porque cumprimos os mandamentos e achamos que Deus não tem outra solução senão salvar-nos; ou podemos escutar o chamamento de Deus, aderir à sua proposta, tornarmo-nos discípulos, seguir confiadamente Jesus no seu caminho de amor e de entrega. De acordo com a catequese de Mateus, a primeira atitude exclui-nos da comunidade da salvação, enquanto que a segunda atitude nos integra na comunidade do “Reino”. Em que atitude estou eu?

    • A história de Mateus dá-nos algumas indicações acerca da forma como responder ao chamamento de Deus. Mateus, convidado por Jesus a integrar a comunidade do “Reino”, considerou tudo como secundário, abandonou os projectos pessoais (que passavam pela aposta nos bens materiais, mesmo se conseguidos com recurso à exploração e à injustiça) e correu atrás de Jesus. É esta resposta pronta, decidida, radical, plena, que eu dou aos desafios de Deus? O “Reino” é, para mim, algo de fundamental, que se sobrepõe a todos os outros valores, ou um projecto secundário, que me ocupa nas horas vagas, mas não é uma prioridade na minha vida?

    • A Palavra de Deus que aqui nos é proposta sugere também que na comunidade do “Reino” não há cristãos de primeira e cristãos de segunda (conforme cumprem ou não as leis e as regras). O que há é pessoas a quem Deus chama e que respondem ou não ao seu convite. De qualquer forma, não pode haver, na comunidade cristã, qualquer tipo de discriminação ou de marginalização…

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 10º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 10º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. UMA “NOBRE SIMPLICIDADE”.
    No recomeço do tempo comum na liturgia (já há duas semanas), fomos convidados à economia dos meios. Depois de uma longa série de domingos festivos, reencontrámos o tempo comum. A celebração reencontra um aspecto comum (tal não significa rotina!), talvez com menos cânticos e com menos arranjos florais e admonições… É tempo para deixar as comunidades, de modo sereno, ter tempo para reencontrar o seu Senhor. A “nobre simplicidade” recomendada pelo Concílio encontra, no tempo comum, um momento favorável à sua expressão. O silêncio e a economia de símbolos farão reforçar as palavras, os gestos e símbolos habituais da liturgia dominical.

    3. UMA MESMA ACLAMAÇÃO AO EVANGELHO.
    Estamos no tempo comum. Do 10º ao 14º domingo, os textos bíblicos estão centrados na missão da Igreja. Podemos, pois, unificar estes cinco domingos, através da mesma aclamação ao Evangelho ou de algum cântico sobre a missão, a repetir em todos estes domingos.

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, nosso Deus, pela comunhão que nos ofereces: o que Te agrada não são as grandes despesas, mas um coração amável, o desejo de Te conhecer em todo o tempo e a fidelidade dos nossos pensamentos para Ti.
    Livra-nos de Te esquecer, preserva-nos dos sentimentos fugidios, sustenta a nossa fraqueza pelo teu Espírito.

    No final da segunda leitura:
    Nosso Pai, nós Te damos glória pelos modelos de fé que Tu nos deste por Abraão, mas sobretudo por Jesus, Ele que se entregou pelas nossas faltas e Tu ressuscitaste para nossa justificação.
    Que o teu Espírito reavive a nossa fé, que nós estejamos plenamente convencidos de que tens o poder de cumprir o que prometeste, a nossa ressurreição.

    No final do Evangelho:
    Deus nosso Pai, nós Te damos graças pela primeira vinda do teu Filho, pois Ele tornou-Se tão próximo de nós, sentou-se até à mesa dos pecadores, para nos convidar a segui-l’O.
    Nós Te pedimos por todas as nossas comunidades: que o teu Espírito nos torne acolhedores para com todos os nossos próximos e que as nossas assembleias sejam sinais vivos da universalidade da tua salvação.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística para a Reconciliação I, em harmonia com a primeira leitura e o Evangelho.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    «Segue-Me!» Espantoso ver Mateus, o publicano, levantar-se imediatamente e seguir Jesus! O pôr em prática a nossa fé em Cristo exprime-se através dos gestos concretos da nossa vida quotidiana. Para nós, quais? As belas ideias e os mais generosos projectos permanecem estéreis se ficarem letra morta. O nosso amor é mais consistente que “o nevoeiro da manhã, como o orvalho da madrugada, que logo se evapora”? A verificar!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.org

  • Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – Ano A

    Solenidade do Sagrado Coração de Jesus – Ano A

    16 de Junho, 2023

    ANO A

    Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

    Tema da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

    Quem é esse Deus em quem acreditamos? Qual é a sua essência? Como é que o podemos definir? A liturgia deste dia diz-nos que “Deus é amor”. Convida-nos a contemplar a bondade, a ternura e a misericórdia de Deus, a deixarmo-nos envolver por essa dinâmica de amor, a viver “no amor” a nossa relação com Deus e com os irmãos.
    A primeira leitura é uma catequese sobre essa história de amor que une Jahwéh a Israel. Ensina que foi o amor – amor gratuito, incondicional, eterno – que levou Deus a eleger Israel, a libertá-lo da opressão, a fazer com ele uma Aliança, a derramar sobre ele a sua misericórdia em tantos momentos concretos da história… Diante da intensidade do amor de Deus, Israel não pode ficar de braços cruzados: o Povo é convidado a comprometer-se com Jahwéh e a viver de acordo com os seus mandamentos.
    A segunda leitura define, numa frase lapidar, a essência de Deus: “Deus é amor”. Esse “amor” manifesta-se, de forma concreta, clara e inequívoca em Jesus Cristo, o Filho de Deus que Se tornou um de nós para nos manifestar – até à morte na cruz – o amor do Pai. Quem quiser “conhecer” Deus, permanecer em Deus ou viver em comunhão com Deus, tem de acolher a proposta de Jesus, despir-se do egoísmo, do orgulho e da arrogância e amar Deus e os irmãos.
    O Evangelho garante-nos que esse Deus que é amor tem um projecto de salvação e de vida eterna para oferecer a todos os homens. A proposta de Deus dirige-se especialmente aos pequenos, aos humildes, aos oprimidos, aos excluídos, aos que jazem em situações intoleráveis de miséria e de sofrimento: esses são não só os mais necessitados, mas também os mais disponíveis para acolher os dons de Deus. Só quem acolhe essa proposta e segue Jesus poderá viver como filho de Deus, em comunhão com Ele.

    LEITURA I – Deut 7,6-11

    Leitura do Livro do Deuteronómio

    Moisés falou ao povo nestes termos:
    “Tu és um povo consagrado ao Senhor teu Deus;
    foi a ti que o Senhor teu Deus escolheu, para seres o seu povo
    entre todos os povos que estão sobre a face da terra.
    Se o Senhor Se prendeu a vós e vos escolheu,
    não foi por serdes o mais numeroso de todos os povos,
    uma vez que sois o menor de todos eles.
    Mas foi porque o Senhor vos ama
    e quer ser fiel ao juramento feito aos vossos pais,
    que a sua mão poderosa vos fez sair
    e vos libertou da casa da escravidão,
    do poder do faraó, rei do Egipto.
    Reconhece, portanto,
    que o Senhor teu Deus é o verdadeiro Deus,
    um Deus leal, que por mil gerações
    é fiel à sua aliança e à sua benevolência
    para com aqueles que amam e observam os seus mandamentos.
    Mas Ele pune directamente os seus inimigos,
    fazendo-os perecer
    e inflingindo sem demora o castigo merecido
    àquele que O odeia.
    Guardarás, portanto, os mandamentos, leis e preceitos
    que hoje te mando pôr em prática”.

    AMBIENTE

    O Livro do Deuteronómio é aquele “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém no 18º ano do reinado de Josias (622 a.C., cf. 2 Re 22). Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, a propriedade pessoal de Jahwéh (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
    Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, na margem oriental do rio Jordão, às portas da Terra Prometida. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Jahwéh.
    O texto que hoje nos é proposto faz parte do segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-28,68). É um discurso longo, que ocupa toda a parte central do Livro do Deuteronómio. Consta de uma introdução (cf. Dt 4,44-11,32), uma secção legal (cf. Dt 12-25) e uma conclusão (cf. Dt 26-28).
    A introdução ao segundo discurso de Moisés apresenta-nos duas classes de textos. Uns são relatos históricos, que têm como centro os acontecimentos do Horeb e a Aliança entre Deus e o seu Povo (cf. Dt 5,1-6,3; Dt 9,7b-10,11); outros são passagens de tipo parenético, nas quais se exorta o Povo a ser fiel ao Senhor, à Aliança e a essa Lei que deve ser a norma de vida na Terra Prometida (cf. Dt 6,4-9,7a; 10,12-11,32).
    O nosso texto integra o bloco parenético que vai de Dt 6,4 a 9,7a. Depois de definir Jahwéh como o único Deus de Israel (cf. Dt 6,4), o autor deuteronomista define Israel como um Povo consagrado ao Senhor (cf. Dt 7,6).

    MENSAGEM

    Dizer que Israel é “um Povo consagrado ao Senhor” significa dizer que Israel é um Povo “santo”, “separado”, “reservado para o serviço de Jahwéh”. A santidade é uma nota constitutiva da essência de Deus; quando se aplica a mesma noção ao Povo, significa que este entrou na esfera divina, que passou a viver na órbita de Deus, que foi separado do mundo profano para pertencer exclusivamente a Deus. Fica, no entanto, claro no texto que o único responsável pela eleição de Israel é Deus. Não foi Israel que se consagrou ao serviço de Deus, ou que se elevou até Deus; foi Deus que, por sua iniciativa, escolheu Israel no meio de todos os outros povos, fez dele um Povo especial e colocou-o ao seu serviço.
    Porque é que Jahwéh elegeu precisamente a Israel e não a qualquer outro Povo? Segundo a catequese do autor deuteronomista, a eleição divina de Israel não se baseia na sua grandeza ou poder, mas no amor gratuito de Deus e na sua fidelidade ao juramento feito aos antepassados do Povo. A eleição não é fruto de uma conquista humana, mas é sempre pura graça de Deus. Toca-se aqui o mistério do amor insondável e gratuito de Deus para com o seu Povo, amor estranho e inexplicável, mas inquestionável e eterno.
    De resto, a eleição divina de Israel não é um piedoso desejo do Povo, ou conversa abstracta de teólogos; mas é uma realidade que Israel pôde confirmar na sua história… A libertação do Egipto, a derrota do poder opressor do faraó, a fuga do Povo oprimido para a segurança libertadora do deserto confirmam a eleição de Israel e o amor de Deus pelo seu Povo.
    Qual deve ser a resposta de Israel ao amor de Deus?
    Antes de mais, Israel deve reconhecer que Jahwéh “é que é Deus”. Israel é convidado a prescindir de outros deuses, de outras referências, e a construir toda a sua existência à volta de Jahwéh, do seu amor e da sua bondade (vers. 9-10).
    Depois, a resposta do Povo ao amor de Deus deve traduzir-se na observância dos “mandamentos, leis e preceitos” que Jahwéh propõe ao seu Povo (vers. 11). Os mandamentos são os sinais que permitem a Israel manter-se em comunhão com Deus, como Povo “santo” consagrado ao Senhor.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão deste texto pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:

    • Esta catequese deuteronomista põe em relevo, antes de mais, o amor de Deus pelo seu Povo. O catequista contempla abismado esse amor gratuito, incondicional, inexplicável, ilógico, irracional e sugere aos seus concidadãos: “somos um Povo com muita sorte. O nosso Deus – esse Deus que nos escolheu e que nos chamou à comunhão com Ele – tem um coração que ama e que derrama incondicionalmente a sua bondade e a sua ternura sobre cada um de nós. Não interessam os nossos merecimentos, as nossas qualidades ou defeitos, o nosso peso na comunidade internacional: só interessa o amor de Deus”. Neste dia do Coração de Jesus, somos convidados a redescobrir este amor e a espantar-nos com a sua gratuidade e eternidade.

    • Israel descobre o amor e a ternura de Deus, não a partir de reflexões abstractas, mas a partir das vicissitudes da sua caminhada histórica. O amor de Deus pelos seus filhos não é uma história cor-de-rosa de príncipes e de princesas que “casaram e viveram muito felizes”, mas uma realidade com que topamos em cada passo do caminho da vida. Manifesta-se concretamente naqueles mil e um gestos de ternura, de amizade, de solidariedade, de serviço que todos os dias testemunhamos e que acendem uma luzinha de esperança no coração dos sofredores, dos pobres, dos abandonados, dos excluídos… Por um lado, somos convidados a detectar a presença do amor de Deus na nossa vida através dos irmãos que nos rodeiam e que são os instrumentos de que Deus se serve para nos oferecer a sua bondade, a sua ternura, o seu afecto; por outro lado, somos convidados a ser, nós próprios, testemunhas vivas do amor de Deus e a manifestar, em gestos concretos de bondade, de partilha, de solidariedade, a solicitude de Deus pela humanidade.

    • O autor deuteronomista convida os seus concidadãos a responder com amor ao amor de Deus. Como é que o homem traduz, em termos concretos, o seu amor a Deus? Em primeiro lugar, é preciso que Deus ocupe na vida do homem o lugar que merece. Deus não pode ser uma figura descartável ou de segundo plano: tem de ser o centro de referência, o vector fundamental à volta do qual se estrutura toda a vida do homem. Em segundo lugar, é preciso que o homem observe “os mandamentos, as leis e os preceitos” que Deus propôs ao homem. Viver na lógica dos valores de Deus é reconhecer a preocupação e o amor de Deus pelos homens, e é acolher a proposta de Deus como a única proposta válida de realização, de felicidade, de salvação.

    SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)

    Refrão: A bondade do Senhor permanece eternamente
    sobre aqueles que O amam.

    Bendiz, ó minha alma, o Senhor
    e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
    Bendiz, ó minha alma, o Senhor
    e não esqueças nenhum dos seus benefícios.

    Ele perdoa todos os teus pecados
    e cura as tuas enfermidades.
    Salva da morte a tua vida
    e coroa-te de graça e misericórdia.

    O Senhor faz justiça
    e defende o direito de todos os oprimidos.
    Revelou a Moisés os seus caminhos
    e aos filhos de Israel os seus prodígios.

    O Senhor é clemente e compassivo,
    paciente e cheio de bondade.
    Não nos tratou segundo os nossos pecados
    nem nos castigou segundo as nossas culpas.

    LEITURA II – 1 Jo 4,7-16

    Leitura da Primeira Epístola de São João

    Caríssimos:
    Amemo-nos uns aos outros,
    porque o amor vem de Deus;
    e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus.
    Quem não ama não conhece a Deus,
    porque Deus é amor.
    Assim se manifestou o amor de Deus para connosco:
    Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito,
    para que vivamos por Ele.
    Nisto consiste o amor:
    não fomos nós que amámos a Deus,
    mas foi Ele que nos amou, e enviou o seu Filho
    como vítima de expiação pelos nossos pecados.
    Caríssimos, se Deus nos amou assim,
    também nós devemos amar-nos uns aos outros.
    Ninguém jamais viu a Deus.
    Se nos amarmos uns aos outros,
    Deus permanece em nós
    e em nós o seu amor é perfeito.
    Nisto conhecemos que estamos n’Ele e Ele em nós:
    porque nos deu o seu Espírito.
    E nós vimos e damos testemunho
    de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo.
    Se alguém confessar que Jesus é o Filho de Deus,
    Deus permanece nele e ele em Deus.
    Nós conhecemos o amor que Deus nos tem
    e acreditámos no seu amor.
    Deus é amor:
    quem permanece no amor permanece em Deus,
    e Deus permanece nele.

    AMBIENTE

    A opinião tradicional atribui esta carta ao apóstolo João… Embora essa não seja uma hipótese a descartar sem mais, também não é uma hipótese que se imponha de forma categórica. O que podemos dizer, sem margem para dúvidas, é que a Primeira Carta”de João” foi escrita por alguém que pertence ao mundo joânico. Alguns autores falam do autor como um discípulo do apóstolo João, de um membro da sua escola, ou de um porta-voz dessa comunidade onde João viveu e onde testemunhou o Evangelho de Jesus.
    A carta não tem destinatário, nem faz qualquer referência a pessoas ou a comunidades concretas. Provavelmente, dirige-se a um grupo de Igrejas da Ásia Menor. Trata-se, sem dúvida, de comunidades que vivem uma grave crise, devido à difusão de doutrinas heréticas, incompatíveis com a revelação cristã.
    Quem são os pregadores dessas doutrinas heréticas? Não sabemos, em concreto. Provavelmente, trata-se de um movimento judaizante pré-gnóstico, constituído por pessoas que pretendem “conhecer a Deus” e viver em comunhão com Ele, mas que se recusam a ver em Jesus o Messias (cf. 1 Jo 2,22) e o Filho de Deus (cf. 1 Jo 4,15) que o Pai enviou ao mundo e que incarnou no meio dos homens (cf. 1 Jo 4,2). Afirmam não ter pecado (cf. 1 Jo 1,8.10) e não guardam os mandamentos (cf. 1 Jo 2,4), em particular o mandamento do amor fraterno (cf. 1 Jo 2,9). O autor da carta chama-lhes “anti-cristos” (1 Jo 2,18.22; 4,3) e “profetas da mentira” (1 Jo 4,1). Até há pouco tempo pertenceram à comunidade (cf. 1 Jo 2,19); mas saíram e agora procuram desencaminhar os crentes que permaneceram fiéis (cf. 1 Jo 2,26; 3,7), apresentando-lhes uma doutrina que não é a de Cristo.
    O grande objectivo do autor destas cartas não é polemizar contra estes pregadores heréticos; mas é advertir os cristãos contra as suas pretensões. Estamos numa fase da história da Igreja em que a preocupação fundamental dos líderes das comunidades – mais do que anunciar o Evangelho aos pagãos – é manter a comunidade na fidelidade ao Evangelho, face aos desafios e aos ataques das heresias.
    Para isso, o autor, vai apresentar aos crentes os critérios da vida cristã autêntica, isto é, o caminho da verdadeira comunhão com Deus. A primeira parte da carta (cf. 1 Jo 1,5-2,27) apresenta Deus como “luz” que ilumina os caminhos dos homens; a segunda (cf. 1 Jo 2,28-4,6) propõe aos crentes que vivam em comunhão com Deus (cf. 1 Jo 2,28-4,6); a terceira (cf. Jo 4,7-5,12) mostra como se vive em comunhão com Deus e apresenta, nesse sentido, os dois grandes pilares da vida cristã – a fé e o amor.
    O texto que nos é proposto é precisamente o início da terceira parte da carta.

    MENSAGEM

    O autor vai, pois, dizer aos crentes que o amor é um elemento essencial da identidade cristã. É o amor que distingue aqueles que são de Deus daqueles que não são de Deus.
    O ponto de partida é a constatação de que Deus é amor (vers. 8.16). O que é que isso significa? Significa que o amor é a essência de Deus, a sua característica mais acentuada, a sua actividade mais específica. Significa que, ao relacionar-se com os homens, Deus não pode deixar de tocá-los com a sua bondade, a sua ternura, a sua misericórdia.
    Dizer que Deus é amor não significa, portanto, falar de uma qualidade abstracta de Deus, mas falar de acções concretas de Deus em favor do homem. O amor de Deus manifesta-se de forma clara, insofismável, inequívoca, no envio de Jesus, o Filho, que se tornou um homem como nós, que partilhou a nossa humanidade, que nos ensinou a viver a vida de Deus e, levando ao extremo o seu amor pelos homens, morreu na cruz. A cruz manifesta a “qualidade” do amor de Deus pelos homens: amor gratuito, incondicional, de entrega total, de dom radical, que transforma os homens e os projecta para a vida nova da felicidade sem fim.
    Ora, se Deus é amor, aqueles que nasceram de Deus e que são de Deus devem viver no amor. “Se Deus nos amou, também nós devemos amar-nos uns aos outros” (vers. 11). Para um cristão, não chega descobrir que Deus o ama e ficar de braços cruzados a contemplar, com beatitude, esse amor. É que o amor de Deus transforma o coração do homem, insere-o numa dinâmica de vida nova, convida-o a rejeitar o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência e a viver na comunhão com Deus e com os irmãos. Como o amor que Deus tem por nós, também o nosso amor pelos irmãos deve ser gratuito, incondicional, total, até à morte.
    Viver no amor é escolher Deus, permanecer em Deus, viver em comunhão com Deus. Quando mantemos essa relação com Deus, o Espírito reside em nós e opera, por nosso intermédio, obras grandiosas em favor do homem – obras que dão testemunho do amor de Deus.
    Em conclusão: a esses pregadores heréticos para quem é possível “conhecer Deus”, sem aceitar Jesus Cristo como o Filho de Deus incarnado e sem amar os irmãos, o autor da Primeira Carta de João diz: Deus é amor e Jesus Cristo, o Filho de Deus que veio ao nosso encontro para nos apresentar o projecto salvador do Pai, é a manifestação clara e concreta do amor do Pai; aceitar Jesus Cristo e segui-l’O insere-nos numa lógica de amor gratuito, absoluto, incondicional, que transforma o nosso coração, que nos liberta do egoísmo e que nos leva a amar os nossos irmãos… Quem vive nesta dinâmica, “conhece” Deus e vive em comunhão com Ele; quem não vive pode ter todas as pretensões que quiser de “conhecer” a Deus, mas está muito longe d’Ele.

    ACTUALIZAÇÃO

    Para a reflexão, considerar as seguintes linhas:

    • Quem é Deus? Como é que Ele se relaciona com o homem? Ele preocupa-Se connosco, ou vive totalmente alheado desses homens e mulheres que criou? O autor da Primeira Carta de João responde a todas estas questões com uma afirmação concludente e definitiva: “Deus é amor”. O que é que isso significa? Significa que ao relacionar-Se com os homens, Deus não pode deixar de tocá-los com a sua ternura, a sua bondade, a sua misericórdia. Esse amor manifesta-se de forma concreta, real, histórica, em Jesus Cristo – o Deus que desceu até nós, que vestiu a nossa humanidade, que partilhou os nossos sentimentos, que lutou contra as injustiças que magoavam os homens e que morreu na cruz pedindo ao Pai perdão para os seus assassinos. “Deus é amor”: interiorizamos suficientemente esta revelação, deixamos que ela marque a nossa vida e condicione as nossas opções? A consciência de que Deus nos ama potencia em nós a serenidade, o optimismo, a esperança? O Deus que anunciamos é esse Deus que é amor e que derrama a sua bondade, ternura e misericórdia sobre todos os seus filhos?

    • “Se Deus nos amou, também nós devemos amar-nos uns aos outros” – diz o autor da Primeira Carta de João. “Ser profetas do amor e servidores da reconciliação dos homens e do mundo em Cristo” (Constituições dos Sacerdotes do Coração de Jesus). Numa e noutra afirmação está a sugestão de que ser objecto do amor de Deus nos insere numa dinâmica de amor que exige o testemunho, a vivência, a partilha do amor com aqueles que a todo o momento se cruzam connosco nos caminhos do mundo. Procuramos ser coerentes com este programa? Aqueles com quem nos cruzamos todos os dias encontram no nosso testemunho um sinal vivo desse amor de Deus que nos enche o coração?

    • A consciência do amor de Deus dá-nos a coragem de enfrentar o mundo e de, no seguimento de Jesus, fazer da vida um dom de amor. O cristão não teme o confronto com a injustiça, com a perseguição, com a morte: tudo isso é secundário, perante o Deus que nos ama e que nos desafia a amar sem medida. Enfrente quem enfrentar, o que importa ao crente é ser, no mundo, um sinal vivo do amor de Deus.

    ALELUIA – Mt 11,29ab

    Aleluia. Aleluia.

    Tomai o meu jugo sobre vós, diz o Senhor,
    e aprendei de Mim,
    que sou manso e humilde de coração.

    EVANGELHO – Mt 11,25-30

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo, Jesus exclamou:
    “Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra,
    porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes
    e as revelaste aos pequeninos.
    Sim, Pai, eu te bendigo,
    porque assim foi do teu agrado.
    Tudo me foi dado por meu Pai.
    Ninguém conhece o Filho senão o Pai
    e ninguém conhece o Pai senão o Filho
    e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
    Vinde a Mim,
    todos os que andais cansados e oprimidos,
    e Eu vos aliviarei.
    Tomai sobre vós o meu jugo,
    e aprendei de Mim,
    que sou manso e humilde de coração,
    e encontrareis descanso para as vossas almas.
    Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve”.

    AMBIENTE

    O Evangelho que hoje nos é proposto faz parte de uma secção em que Mateus apresenta as reacções e atitudes que as várias pessoas e grupos assumem frente a Jesus e à sua proposta de “Reino” (cf. Mt 11,2-12,50).
    Nos versículos que antecedem este episódio (cf. Mt 11,20-24), Jesus havia dirigido uma veemente crítica aos habitantes de algumas cidades situadas à volta do lago de Tiberíades (Corozaim, Betsaida, Cafarnaum), porque foram testemunhas da sua proposta de salvação e mantiveram-se indiferentes. Estavam demasiado cheios de si próprios, instalados nas suas certezas, calcificados nos seus preconceitos e não aceitavam questionar-se, a fim de abrir o coração à novidade de Deus.
    Agora, Jesus manifesta-Se convicto de que essa proposta, rejeitada pelos habitantes das cidades do lago, encontrará acolhimento entre os pobres e marginalizados, desiludidos com a religião “oficial” e que anseiam pela libertação que Deus tem para lhes oferecer.
    O nosso texto consta de três “sentenças” que, provavelmente, foram pronunciados em ambientes diversos deste que Mateus nos apresenta. Dois desses “ditos” (cf. Mt 11,25-27) aparecem também em Lucas (cf. Lc 10,21-22) e devem provir de um documento que reuniu os “ditos” de Jesus e que tanto Mateus como Lucas utilizaram na composição dos seus Evangelhos. O terceiro (cf. Mt 11,28-30) é exclusivo de Mateus e deve provir de uma fonte própria.

    MENSAGEM

    A primeira sentença (cf. Mt 11,25-26) é uma oração de louvor que Jesus dirige ao Pai, porque Ele escondeu “estas coisas” aos “sábios e inteligentes” e as revelou aos “pequeninos”.
    Os “sábios e inteligentes” são certamente esses “fariseus” e “doutores da Lei” que absolutizavam a Lei, que se consideravam justos e dignos de salvação porque cumpriam escrupulosamente a Lei, que não estavam dispostos a deixar pôr em causa esse sistema religioso em que se tinham instalado e que – na sua perspectiva – lhes garantia automaticamente a salvação. Os “pequeninos” são os discípulos – os primeiros a responder positivamente à oferta do “Reino”; e são também esses pobres e marginalizados (os doentes, os publicanos, as mulheres de má vida, o “povo da terra”) que Jesus encontrava todos os dias pelos caminhos da Galileia, considerados malditos pela Lei, mas que acolhiam, com alegria e entusiasmo, a proposta libertadora de Jesus.
    A segunda sentença (cf. Mt 11,27) relaciona-se com a anterior e explica o que é que foi escondido aos “sábios e inteligentes” e revelado aos “pequeninos”. Trata-se, nem mais nem menos, do “conhecimento” (quer dizer, uma “experiência profunda e íntima”) de Deus.
    Os “sábios e inteligentes” (fariseus e doutores da Lei) estavam convencidos de que o conhecimento da Lei lhes dava o conhecimento de Deus. A Lei era uma espécie de “linha directa” para Deus, através da qual eles ficavam a conhecer Deus, a sua vontade, os seus projectos para o mundo a para os homens; por isso, apresentavam-se como detentores da verdade, representantes legítimos de Deus, capazes de interpretar a vontade e os planos divinos.
    Jesus deixa claro que quem quiser fazer uma experiência profunda e íntima de Deus tem de aceitar Jesus e segui-l’O. Ele é “o Filho” e só Ele tem uma experiência profunda de intimidade e de comunhão com o Pai. Quem rejeitar Jesus não poderá “conhecer” Deus: quando muito, encontrará imagens distorcidas de Deus e aplicá-las-á depois para julgar o mundo e os homens. Mas quem aceitar Jesus e O seguir, aprenderá a viver em comunhão com Deus, na obediência total aos seus projectos e na aceitação incondicional dos seus planos.
    A terceira sentença (cf. Mt 11,28-30) é um convite a ir ao encontro de Jesus e a aceitar a sua proposta: “vinde a Mim”; “tomai sobre vós o meu jugo…”.
    Entre os fariseus do tempo de Jesus, a imagem do “jugo” era aplicada à Lei de Deus (cf. Si 6,24-30; 51,26-27) – a suprema norma de vida. Para os fariseus, por exemplo, a Lei não era um “jugo” pesado, mas um “jugo” glorioso, que devia ser carregado com alegria.
    Na realidade, tratava-se de um “jugo” pesadíssimo. A impossibilidade de cumprir, no dia a dia, os 613 mandamentos da Lei escrita e oral criava consciências pesadas e atormentadas. Os crentes, incapazes de estar em regra com a Lei, sentiam-se condenados e malditos, afastados de Deus e indignos da salvação. A Lei aprisionava em lugar de libertar e afastava os homens de Deus em lugar de os conduzir para a comunhão com Deus.
    Jesus veio libertar o homem da escravidão da Lei. A sua proposta de libertação plena dirige-se aos doentes (na perspectiva da teologia oficial, vítimas de um castigo de Deus), aos pecadores (os publicanos, as mulheres de má vida, todos aqueles que tinham publicamente comportamentos política, social ou religiosamente incorrectos), ao povo simples do país (que, pela dureza da vida que levava, não podia cumprir escrupulosamente todos os ritos da Lei), a todos aqueles que a Lei exclui e amaldiçoa. Jesus garante-lhes que Deus não os exclui nem amaldiçoa e convida-os a integrar o mundo novo do “Reino”. É nessa nova dinâmica proposta por Jesus que eles encontrarão a alegria e a felicidade que a Lei recusa dar-lhes.
    A proposta do “Reino” será uma proposta reservada a uma classe determinada (os pobres, os débeis, os marginalizados), em detrimento de outra (os ricos, os poderosos, os da “situação”)? Não. A proposta do “Reino” destina-se a todos os homens e mulheres, sem excepção… No entanto, são os pobres e débeis, aqueles que já desesperaram do socorro humano que têm o coração mais disponível para acolher a proposta de Jesus. Os outros (os ricos, os poderosos) estão demasiado cheios de si próprios, dos seus interesses, dos seus esquemas organizados, para aceitar arriscar na novidade de Deus.
    Acolhendo a proposta de Jesus e seguindo-O, os pobres e oprimidos encontrarão o Pai, tornar-se-ão “filhos de Deus” e descobrirão a vida plena, a salvação definitiva, a felicidade total.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, considerar os seguintes desenvolvimentos:

    • Por detrás das palavras de Jesus que o Evangelho de hoje nos apresenta, está o cenário do projecto de salvação que Deus tem para os homens e para o mundo. Deus ama os homens com um amor sem limites e quer que eles cheguem à vida eterna, à felicidade sem fim; por isso, enviou ao mundo o próprio Filho que, com o sacrifício da sua própria vida, anunciou o Reino e indicou aos homens um caminho de liberdade e de vida plena. Para concretizar esse projecto do Pai, Jesus lutou contra tudo aquilo que provocava opressão e escravidão e anunciou a todos os homens – com palavras e com gestos – o amor, a misericórdia, a bondade de Deus. Esse projecto de amor toca especialmente os pequenos, os pobres, os excluídos, os desprezados, os que sofrem, pois são eles que mais necessitam de salvação. Aqueles que centram a sua vida na espiritualidade do Coração de Jesus – como os Sacerdotes do Coração de Jesus, fundados pelo Padre Leão Dehon – devem ser, em razão da sua vocação e carisma, testemunhas privilegiadas desse amor de Deus, materializado em Jesus e no mistério do seu Coração trespassado. São fiéis à sua vocação e ao seu carisma e dão testemunho – com gestos, com palavras, com a vida – do amor de Deus por todos os homens?

    • Não podemos, no entanto, ser testemunhas, sem fazermos nós próprios a experiência de Deus e do seu amor. Como fazemos uma experiência íntima e profunda de Deus e do seu amor? O Evangelho responde: através de Jesus. Jesus é “o Filho” que “conhece” o Pai; só quem segue Jesus e procura viver como Ele (no cumprimento total dos planos de Deus) pode chegar à comunhão com o Pai. Há crentes que, por terem feito o “curso completo” da catequese, por irem à missa ao domingo ou por rezarem fielmente a “Liturgia das Horas”, acham que conhecem Deus (isto é, que têm com Ele uma relação estreita de intimidade e de comunhão)… Atenção: só “conhece” Deus quem é simples e humilde e está disposto a seguir Jesus no caminho da entrega a Deus e da doação da vida aos homens. É no seguimento de Jesus – e só aí – que nos tornamos “filhos” de Deus.

    • O amor de Deus dirige-se, de forma especial, aos pequenos, aos marginalizados, aos necessitados de salvação. Os pobres e débeis que encontramos nas ruas das nossas cidades ou à porta das igrejas das nossas paróquias encontram em nós – profetas do amor – a solicitude maternal e paternal de Deus? Apesar do imenso trabalho, do cansaço, do “stress”, dos problemas que nos incomodam, somos capazes de “perder” tempo com os pequenos, de ter disponibilidade para acolher e escutar, de “gastar” um sorriso com esses excluídos, oprimidos, sofredores, que encontramos todos os dias e para os quais temos a responsabilidade de tornar real o amor de Deus?

    • Tornar o amor de Deus uma realidade viva no mundo significa lutar objectivamente contra tudo o que gera ódio, injustiça, opressão, mentira, sofrimento… Inquieto-me realmente, frente a tudo aquilo que desfeia o mundo? Pactuo (com o meu silêncio, indiferença, cumplicidade) com os sistemas que geram injustiça, ou esforço-me activamente por destruir tudo o que é uma negação do amor de Deus?

    • As nossas comunidades são espaços de acolhimento e de hospitalidade, oásis do amor de Deus, não só para os amigos e confrades, mas também para os pobres, os marginalizados, os sofredores que buscam em nós um sinal de amor, de ternura e de esperança?

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
    Tel. 218540900 – Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org – www.dehonianos.pt

  • 11º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    11º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    18 de Junho, 2023

    ANO A
    11º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 11º Domingo do Tempo Comum

    Neste domingo, a Palavra que vamos reflectir recorda-nos a presença constante de Deus no mundo e a vontade que Ele tem de oferecer aos homens, a cada passo, a sua vida e a sua salvação. No entanto, a intervenção de Deus na história humana concretiza-se através daqueles que Ele chama e envia, para serem sinais vivos do seu amor e testemunhas da sua bondade.
    A primeira leitura apresenta-nos o Deus da "aliança", que elege um Povo para com ele estabelecer laços de comunhão e de familiaridade; a esse Povo, Jahwéh confia uma missão sacerdotal: Israel deve ser o Povo reservado para o serviço de Jahwéh, isto é, para ser um sinal de Deus no meio das outras nações.
    O Evangelho traz-nos o "discurso da missão". Nele, Mateus apresenta uma catequese sobre a escolha, o chamamento e o envio de "doze" discípulos (que representam a totalidade do Povo de Deus) a anunciar o "Reino". Esses "doze" serão os continuadores da missão de Jesus e deverão levar a proposta de salvação e de libertação que Deus fez aos homens em Jesus, a toda a terra.
    A segunda leitura sugere que a comunidade dos discípulos é fundamentalmente uma comunidade de pessoas a quem Deus ama. A sua missão no mundo é dar testemunho do amor de Deus pelos homens - um amor eterno, inquebrável, gratuito e absolutamente único.

    LEITURA I - Ex 19,2-6a

    Leitura do Livro do Êxodo

    Naqueles dias,
    os filhos de Israel partiram de Refidim
    e chegaram ao deserto do Sinai,
    onde acamparam, em frente da montanha.
    Moisés subiu à presença de Deus.
    O Senhor chamou-o da montanha e disse-lhe:
    «Assim falarás à casa de Jacob,
    isto dirás aos filhos de Israel:
    'Vistes o que Eu fiz ao Egipto,
    como vos transportei sobre asas de águia
    e vos trouxe até Mim.
    Agora, se ouvirdes a minha voz,
    se guardardes a minha aliança,
    sereis minha propriedade especial entre todos os povos.
    Porque toda a terra Me pertence;
    mas vós sereis para Mim um reino de sacerdotes,
    uma nação santa'».

    AMBIENTE

    O texto que nos é proposto faz parte das "tradições sobre a aliança do Sinai" - um conjunto de tradições de origem diversa, cujo denominador comum é a reflexão sobre um compromisso ("berit" - "aliança") que Israel teria assumido com Jahwéh.
    O texto situa-nos no deserto do Sinai, "em frente do monte". No texto bíblico, não temos indicações geográficas suficientes para identificar o "monte da aliança". Em si, o nome Sinai não designa um monte, mas uma enorme península de forma triangular, com mais ou menos 420 quilómetros de extensão norte/sul, estendendo-se entre o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho (no sentido norte/sul) e o golfo do Suez e o golfo da Áqaba (no sentido oeste/este). A península é um deserto árido, escassamente povoado, de terreno acidentado e com várias montanhas que chegam a atingir 2400 metros de altura.
    Uma tradição cristã do séc. IV d.C., no entanto, identifica o "monte da aliança" com o "Gebel Musah" (o "monte de Moisés"), um monte com 2244 metros de altitude, situado a sul da península sinaítica. Embora a identificação do "monte da aliança" com este lugar levante problemas, o "Gebel Musah" é, ainda hoje, um lugar de peregrinação para judeus e cristãos.
    Vai ser pois aqui, no Sinai, diante de "um monte" que Jahwéh e Israel se vão comprometer numa "aliança". A palavra hebraica "berit", usada neste contexto, define um pacto entre duas partes, que implica direitos e obrigações, muitas vezes recíprocos. A "berit" raramente era escrita, mas tinha sempre valor jurídico. Habitualmente, o compromisso era selado por um ritual consagrado pelo uso, que incluía um juramento e a imolação de animais em sacrifício.
    Será à luz deste esquema jurídico que Israel vai representar o seu compromisso com Jahwéh.

    MENSAGEM

    Repare-se, em primeiro lugar, que a iniciativa da "aliança" é de Deus: é Jahwéh que convoca Moisés - o intermediário entre Deus e o Povo - para a montanha e propõe, através dele, uma "aliança" à "casa de Jacob". A iniciativa de estabelecer laços de comunhão e de familiaridade com o seu Povo é sempre de Deus.
    Essa "aliança" que Deus propõe é, em segundo lugar, uma realidade que envolve toda a história do Povo. As palavras de proposição da "aliança" aparecem em três estrofes, cada uma das quais abarca um tempo: passado, presente e futuro. É uma relação que aponta à totalidade da caminhada do Povo de Deus.
    A primeira estrofe (vers. 4) refere-se ao passado. Faz referência à libertação da escravidão do Egipto ("vistes o que Eu fiz no Egipto"), à presença e assistência amorosa de Deus ao longo da marcha pelo deserto ("como vos transportei sobre asas de águia") e ao chamamento à comunhão com o próprio Deus ("e vos trouxe até Mim"). Tudo isso resulta do "compromisso" que Deus assumiu com Israel, ainda antes da "aliança" do Sinai.
    A segunda estrofe (vers. 5a) refere-se ao presente. Jahwéh convida Israel a aceitar estabelecer com Deus laços privilegiados de comunhão e de familiaridade. Para que isso aconteça, Deus pede a Israel que escute a sua voz e guarde a "aliança" (os mandamentos de Deus são as exigências com que o Povo se deve comprometer).
    A terceira estrofe (vers. 5b-6) refere-se ao futuro. Se Israel aceitar comprometer-se com Deus numa "aliança", Deus oferecerá ao Povo uma relação especial, que o tornará o Povo eleito de Deus, um reino de sacerdotes e uma nação santa. Entre todos os povos da terra, Israel passará a ser o Povo eleito, que Deus escolheu entre todos os povos da terra para com ele manter uma relação única. Será também um reino de sacerdotes - quer dizer, um Povo cuja missão é testemunhar Deus e torná-l'O presente no mundo. Será finalmente uma nação santa - quer dizer, um Povo "à parte", separado do convívio dos outros povos para se dedicar exclusivamente ao serviço de Jahwéh.
    A "aliança" aparece aqui como fazendo parte integrante do projecto de salvação que Deus tem para os homens. Israel é convidado por Deus a desempenhar um papel primordial nesse processo: se aceitar fazer parte da comunidade de Deus e percorrer um determinado caminho (o caminho dos mandamentos), ele será o Povo escolhido por Deus para o seu serviço e para ser um sinal de Jahwéh dia
    nte de todos os outros povos. Esta "eleição" não é um privilégio, mas um serviço, que se concretiza numa missão profética: ser um sinal vivo de Deus no mundo.
    Descobre-se aqui o sentido fundamental do Êxodo: a libertação do Egipto não se resume em fazer sair um povo da escravidão para a liberdade: a caminhada que Jahwéh começou com este Povo no Egipto aponta para o compromisso com Deus e com os homens; aponta para a construção de um Povo que não só conquista a sua liberdade mas se torna testemunha de Deus, sinal de Deus, sacerdote de Deus no meio do mundo.

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar as seguintes questões:

    • Vivemos num tempo em que não é fácil - no meio da azáfama em que a vida decorre - reconhecer a presença, o amor e o cuidado de Deus com essa humanidade que Ele criou; alguns dos nossos contemporâneos chegam mesmo a falar da "morte de Deus", para exprimir a realidade de uma história de onde Deus parece estar totalmente ausente. O nosso texto, no entanto, revela um Deus empenhado em caminhar ao lado dos homens, em estabelecer com eles laços de familiaridade e de comunhão, em apresentar-lhes propostas de salvação, de libertação, de vida definitiva. É Deus que está ausente da história dos homens, ou são os homens que apostam noutros deuses (isto é, noutros esquemas de felicidade) e não têm tempo nem disponibilidade para encontrar o Deus da "aliança" e da comunhão? Deus ter-Se-á tornado indiferente e insensível ao destino dos homens, ou são os homens que preferem trilhar caminhos de orgulho e de auto-suficiência à margem de Deus? Deus terá renunciado a estabelecer laços familiares connosco, ou somos nós que, em nome de uma pretensa liberdade, preferimos construir a história do mundo longe de Deus e das suas propostas?

    • Os autores do nosso texto definem a resposta do Povo aos desafios do Deus da "aliança" em termos de "ouvir a voz" de Deus e "guardar a aliança". "Ouvir a voz" de Deus significa escutar as suas propostas, acolhê-las no coração e transformá-las em gestos na vida diária; "guardar a aliança" significa comprometer-se com as propostas de Deus e viver de forma coerente com os mandamentos... Objectivamente, o que é que as propostas feitas por Deus significam na minha vida? O "caminho", que eu percorro dia a dia, está de acordo com esse "caminho" de felicidade e de vida plena que Deus definiu e que me apresentou? As propostas de Deus interpelam-me e interferem com as minhas opções ou, na hora das decisões, eu escolho de acordo com os meus interesses pessoais, prescindindo das indicações de Deus?

    • O Povo que aceita o compromisso com Deus e que "embarca" na aventura da "aliança" é um Povo que é propriedade de Deus, que aceita ficar ao serviço de Deus. A sua missão é testemunhar o projecto salvador de Deus diante de todos os povos da terra. Tenho consciência de que, no dia do meu baptismo, eu entrei na comunidade do Povo de Deus e assumi o compromisso de testemunhar Deus e o seu projecto de salvação diante do mundo? A minha vida tem sido coerente com esta opção? Tenho sido um sinal vivo do amor e da bondade de Deus diante dos homens e mulheres com quem me cruzo todos os dias?

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 99 (100)

    Refrão: Nós somos o povo de Deus, as ovelhas do seu rebanho.

    Aclamai o Senhor, terra inteira,
    servi o Senhor com alegria,
    vinde a Ele com cânticos de júbilo.

    Sabei que o Senhor é Deus,
    Ele nos fez, a ele pertencemos,
    somos o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.

    Porque o Senhor é bom,
    eterna é a sua misericórdia,
    a sua fidelidade estende-se de geração em geração.

    LEITURA II - Rom 5,6-11

    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Quando ainda éramos fracos,
    Cristo morreu pelos ímpios no tempo determinado.
    Dificilmente alguém morre por um justo;
    por um homem bom,
    talvez alguém tivesse a coragem de morrer.
    Mas Deus prova assim o seu amor para connosco.
    Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.
    E agora, que fomos justificados pelo seu sangue,
    com muito mais razão seremos por Ele salvos da ira divina.
    Se, na verdade, quando éramos inimigos,
    fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho,
    com muito mais razão, depois de reconciliados,
    seremos salvos pela sua vida.
    Mais ainda: também nos gloriamos em Deus,
    por Nosso Senhor Jesus Cristo,
    por quem alcançámos agora a reconciliação.

    AMBIENTE

    A Carta aos Romanos - já o dissemos atrás - é um texto sereno e amadurecido, escrito por Paulo por volta do ano 57/58 e no qual o apóstolo apresenta uma síntese da sua mensagem e da sua pregação. O pretexto para a carta é um projecto de passagem por Roma, a caminho de Espanha (cf. Rom 16,23-24): Paulo sente que terminou a sua missão no oriente e quer anunciar o Evangelho de Jesus no ocidente.
    No entanto, a opinião da maioria dos estudiosos da Carta aos Romanos é que Paulo se serve deste pretexto para lembrar, quer aos cristãos vindos do judaísmo (e para quem a salvação dependia da prática da Lei de Moisés), quer aos cristãos vindos do paganismo (e para quem a Lei de Moisés constituía um empecilho) o essencial da mensagem cristã. Paulo insiste, sobretudo, no facto de a salvação não ser uma conquista do homem, mas um dom do amor de Deus. Na verdade, todos os homens vivem mergulhados no pecado, pois o pecado é uma realidade universal (cf. Rom 1,18-3,20); mas Deus, na sua bondade, a todos "justifica" e salva (cf. Rom 3,1-5,11); e essa salvação é oferecida por Deus ao homem através de Jesus Cristo; ao homem, resta aderir a essa proposta de salvação, na fé (cf. Rom 5,12-8,39).
    O texto que nos é proposto é a parte final de uma perícopa que começa em Rom 5,1. Nessa perícopa, Paulo explica o que brota dessa "justificação" que Deus nos ofereceu: em primeiro lugar, a paz, que é a plenitude dos bens (cf. Rom 5,1); em segundo lugar, a esperança, que nos permite caminhar por este mundo de cabeça levantada, de olhos postos no futuro glorioso da vida em plenitude (cf. Rom 5,2-4).

    MENSAGEM

    Em terceiro lugar (e assim chegamos, finalmente ao texto que nos é proposto hoje como segunda leitura), sermos "justificados" (isto é, recebermos, de forma totalmente gratuita uma salvação não merecida) implica descobrir o quanto Deus nos ama. O amor de Deus pelos homens é, para Paulo, algo que nunca deixará de o "espantar"; e é esse "espanto" que ele procura transmitir aos cristãos nas linhas seguintes...
    Para Paulo, a história da salvação é uma incrível história de amor.
    Como o homem, contando apenas com as suas forças, não conseguiria superar a situação de escravidão, de egoísmo e de pecado em que havia caído, Deus enviou o seu Filho ao mundo; Ele ofereceu toda a sua vida - até à cruz - para que os homens percebessem que o egoísmo gera morte e sofrimento e que só o amor gera felicidade e vida sem fim. Dessa forma, Ele salvou os homens da escravidão do egoísmo e do pecado e ofereceu-lhes, de forma totalmente gratuita, a salvação.
    O mais incrível, no entanto, é que tudo isto aconteceu "quando éramos, ainda, pecadores". Trata-se de algo incompreensível do ponto de vista humano, que subverte totalmente a lógica dos homens... Nós talvez aceitássemos morrer por alguém a quem amamos muito; mas em nenhum caso estaríamos dispostos a dar a nossa vida por alguém egoísta, orgulhoso e auto-suficiente. No entanto, Deus ama de tal forma os homens - todos os homens - que aceitou que o próprio Filho morresse pelos ímpios.
    O amor de Deus é verdadeiramente um amor "inqualificável", incrível, ilógico, inexplicável. Soa a absoluto, a eternidade. Nada nem ninguém conseguirá vencê-lo, derrotá-lo, eliminá-lo.
    Paulo acrescenta ainda: e se Deus nos amou desta forma quando éramos pecadores, com muito mais razão nos amará agora que nos reconciliamos com Ele. Esse amor que nada nem ninguém conseguirá apagar é para nós garantia de vida em plenitude.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir das seguintes questões:

    • O cristão é fundamentalmente alguém que descobriu que Deus o ama. Por isso, enfrenta cada dia com a serenidade, a alegria, a esperança que brotam dessa certeza fundamental. A certeza do amor de Deus condiciona a minha vida, a minha forma de enfrentar as dificuldades, o meu jeito de responder aos desafios que a vida me coloca?

    • O amor de Deus é totalmente gratuito, incondicional e eterno. Não espera nada em troca; não põe condições para se derramar sobre o homem; não é descartável... Numa época em que a cultura dominante (não só a "cultura das telenovelas", mas também a cultura de certas elites pretensamente iluminadas) vende a imagem do amor interesseiro, condicionado e efémero, o amor de Deus constitui um tremendo desafio aos crentes.

    • O amor de Deus é universal. Não marginaliza nem discrimina ninguém, não distingue entre amigos e inimigos, não condena irremediavelmente os que falharam nem os afasta do convívio de Deus. Nós, discípulos de Jesus, somos testemunhas deste amor? Como é que tratamos e acolhemos aqueles que não concordam connosco, que assumem atitudes problemáticas, que fracassaram no seu casamento, que têm comportamentos considerados social ou religiosamente incorrectos?

    EVANGELHO - Mt 9,36-10,8

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo,
    Jesus, ao ver as multidões, encheu-Se de compaixão,
    porque andavam fatigadas e abatidas,
    como ovelhas sem pastor.
    Jesus disse então aos seus discípulos:
    «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos.
    Pedi ao Senhor da seara
    que mande trabalhadores para a sua seara».
    Depois chamou a Si os seus doze discípulos
    e deu-lhes poder de expulsar os espíritos impuros
    e de curar todas as doenças e enfermidades.
    São estes os nomes dos doze apóstolos:
    primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão;
    Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão;
    Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano;
    Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu;
    Simão, o Cananeu, e Judas Iscariotes, que foi quem O entregou.
    Jesus enviou estes Doze, dando-lhes as seguintes instruções:
    «Não sigais o caminho dos gentios,
    nem entreis em cidade de samaritanos.
    Ide primeiramente às ovelhas perdidas da casa de Israel.
    Pelo caminho, proclamai que está perto o reino dos Céus.
    Curai os enfermos, ressuscitai os mortos,
    sarai os leprosos, expulsai os demónios.
    Recebestes de graça, dai de graça».

    AMBIENTE

    Depois de ter apresentado Jesus (cf. Mt 1,1-4,22) e de ter mostrado Jesus a anunciar o "Reino" em palavras e em obras (cf. Mt 4,23-9,35), Mateus vai descrever o envio dos discípulos em missão (cf. Mt 9,36-11,1). Os discípulos são aqueles que Jesus chamou, que responderam positivamente a esse chamamento e seguiram Jesus; durante a caminhada que fizeram com Jesus, escutaram os seus ensinamentos e testemunharam os seus sinais. Formados por Jesus na "escola do Reino", eles podem agora ser enviados ao mundo, a fim de anunciar a todos os homens a chegada do "Reino dos Céus".
    Os estudiosos do Evangelho segundo Mateus costumam chamar ao texto que vai de 9,36 a 11,1, o "discurso da missão": nele, Jesus envia os discípulos e define a missão desses discípulos - anunciar a chegada do "Reino". Este "discurso da missão" consta de várias partes: uma introdução (cf. Mt 9,36-38); o chamamento e o envio dos discípulos (cf. Mt 10,1-15); uma instrução sobre o "caminho" que os discípulos têm de percorrer (cf. 10,16-42); uma conclusão (cf. Mt 11,1).
    Trata-se de um discurso composto por Mateus a partir de diversos materiais. O autor combinou aqui relatos de envio, "ditos" de Jesus acerca dos "doze" e várias outras "sentenças" de Jesus que originalmente não foram proferidas neste contexto concreto.
    Mateus escreve o seu Evangelho durante a década de 80. Dirige-o a uma comunidade viva e entusiasta, profundamente empenhada na actividade missionária (poderá ser a comunidade cristã de Antioquia da Síria). No entanto, as dificuldades encontradas no anúncio do Evangelho e a perseguição traziam essa comunidade algo desorientada e perturbada. Neste contexto, Mateus compôs uma espécie de "manual do missionário cristão", que enraíza a missão em Jesus Cristo, apresenta os conteúdos do anúncio que os discípulos são chamados a proclamar e define as atitudes fundamentais que os missionários devem assumir.

    MENSAGEM

    O texto que hoje nos é proposto inclui a introdução e uma parte da descrição do chamamento e do envio dos discípulos.
    Na introdução (cf. Mt 9,36-38), Mateus explica que essa missão à qual Deus chama os discípulos é expressão da solicitude de Deus, que quer oferecer ao seu Povo a salvação. Mateus - que escreve para uma comunidade onde existia um número significativo de crentes de origem judaica - vai usar, para transmitir esta mensagem, imagens retiradas do Antigo Testamento e muito familiares para os judeus.
    Nas palavras de Jesus, Israel é uma comunidade abatida e desnorteada, cujos pastores (os líderes religiosos judeus) se demitiram das suas responsabilidades. Eles são esses maus
    pastores de que falavam os profetas (cf. Ez 34; Zac 10,2). O coração de Deus está, no entanto, cheio de compaixão por este rebanho abatido e desanimado; Deus vai, então, assumir as suas responsabilidades, no sentido de conduzir o seu Povo para as pastagens onde há vida.
    Duas notas ainda: a referência à "messe" indica que essa missão é urgente e que já não há muito tempo para a levar a cabo (nos profetas, a "messe" aparece ligada à imagem do juízo iminente de Deus - cf. Is 17,5; Jer 13,24; Jl 4,12-13); a referência ao "pedido" que deve ser feito ao Senhor da "messe" é um apelo a que a comunidade contemple a missão como uma obra de Deus, que deve ser levada a cabo com os critérios de Deus (por isso, a comunidade deve rezar - a fim de se aperceber dos projectos, das perspectivas e dos critérios de Deus - antes de empreender a tarefa de anunciar o Evangelho).
    Vem depois o chamamento dos discípulos (cf. Mt 10,1-4). Mateus começa por deixar claro que a iniciativa é de Jesus: "chamou-os". Não há qualquer explicação sobre os critérios que levaram a essa escolha: falar de vocação e de eleição é falar de um mistério insondável, que depende de Deus e que o homem nem sempre consegue compreender e explicar.
    Depois, Mateus aponta o número dos discípulos ("doze"). Porquê exactamente "doze"? Trata-se de um número simbólico, que lembra as doze tribos que formavam o antigo Povo de Deus. Estes "doze" discípulos representam simbolicamente a totalidade do Povo de Deus, do novo Povo de Deus.
    Em seguida, Mateus define a missão que Jesus lhes confiou ("deu-lhes poder de expulsar os espíritos impuros e de curar todas as doenças e enfermidades"). Os espíritos impuros, as doenças e as enfermidades representam tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de chegar à vida em plenitude. A missão dos discípulos é, pois, lutar contra tudo aquilo - seja de carácter físico, seja de carácter espiritual - que destrói a vida e a felicidade do homem (podemos dizer que a missão dos discípulos é lutar contra o "pecado").
    Finalmente, Mateus aponta os nomes dos "Doze" (Simão Pedro, André, Tiago filho de Zebedeu, João, Filipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Tiago filho de Alfeu, Tadeu, Simão o cananeu e Judas Iscariotes). As listas apresentadas pelos vários evangelistas apresentam diferenças, seja na ordem dos nomes, seja nos próprios nomes (Tadeu é, na lista de Lucas, Judas). Em qualquer caso, Pedro encabeça sempre a lista e Judas Iscariotes fecha-a. Estes dois são talvez as duas personagens mais fortes e que, ao longo da caminhada com Jesus, devem ter assumido algum protagonismo no grupo dos discípulos.
    O último passo é o envio dos discípulos - evidentemente antecedido de um conjunto de instruções para a missão (cf. Mt 10,5-8).
    Em primeiro lugar (vers. 5-6), Jesus vai definir os destinatários da missão: numa primeira fase, são "as ovelhas perdidas da casa de Israel". Esta interpretação "restritiva" da missão explica-se a partir da forma como o cristianismo se expandiu em termos geográficos: primeiro pela Palestina e só depois fora das fronteiras da Palestina; provavelmente, também terá a ver com as tensões existentes na comunidade de Mateus, onde alguns judeo-cristãos tinham dificuldade em aceitar que o Evangelho fosse anunciado aos pagãos. Mais tarde, Mateus vai deixar claro que, na segunda fase, o anúncio se destina, também aos pagãos. Porquê? Porque a "casa de Israel" rejeitou Jesus e a sua proposta do "Reino" (cf. Mt 21,43).
    Em segundo lugar (vers. 7-8a.b.c.d), apontam-se os sinais que devem acompanhar o anúncio da chegada do "Reino": a cura dos doentes, a ressurreição dos mortos, a expulsão dos demónios. O anúncio não deve constar de palavras apenas, mas de gestos concretos que sejam sinal vivo dessa libertação que o "Reino" traz.
    Em terceiro lugar (vers. 8e), aparece um apelo à gratuidade: os discípulos não podem partir para a missão a pensar em colher dividendos pessoais, ou em satisfazer interesses egoístas. A expressão "recebestes de graça, dai de graça" convida a fazer da própria vida um dom gratuito ao "Reino", sem esperar em troca qualquer paga.
    Repare-se como em todo o discurso a missão dos discípulos aparece como um prolongamento da missão de Jesus. O anúncio, que é confiado aos discípulos, é o anúncio que Jesus fazia (o "Reino"); os gestos que os discípulos são convidados a fazer para anunciar o "Reino" são os mesmos que Jesus fez; os destinatários da mensagem que Jesus apresentou são os mesmos da mensagem que os discípulos apresentam... Ao apresentar a missão dos discípulos em paralelo e em absoluta continuidade com a missão de Jesus, Jesus convida a Igreja (os discípulos) a continuar na história a obra libertadora que Ele começou em favor do homem.

    ACTUALIZAÇÃO

    A reflexão pode partir das seguintes questões e desenvolvimentos:

    • Como cenário de fundo desta catequese sobre o envio dos discípulos está o amor e a solicitude de Deus pelo seu Povo. Não esqueçamos isto: Deus nunca Se ausentou da história dos homens; Ele continua a construir a história da salvação e a insistir em levar o seu Povo ao encontro da verdadeira liberdade, da verdadeira felicidade, da vida definitiva.

    • Como é que Deus age hoje no mundo? A resposta que o Evangelho deste domingo dá é: através desses discípulos que aceitaram responder positivamente ao chamamento de Jesus e embarcaram na aventura do "Reino". Eles continuam hoje no mundo a obra de Jesus e anunciam - com palavras e com gestos - esse mundo novo de felicidade sem fim que Deus quer oferecer aos homens.

    • Atenção: Jesus não chama apenas um grupo de "especialistas" para O seguir e para dar testemunho do "Reino". Os "doze" representam a totalidade do Povo de Deus. É a totalidade do Povo de Deus (os "doze") que é enviada, a fim de continuar a obra de Jesus no meio dos homens e anunciar-lhes o "Reino". Tenho consciência de que isto me diz respeito e que eu pertenço à comunidade que Jesus envia em missão?

    • Qual é a missão dos discípulos de Jesus? É lutar objectivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de ser feliz. Hoje há estruturas que geram guerra, violência, terror, morte: a missão dos discípulos de Jesus é contestá-las e desmontá-las; hoje há "valores" (apresentados como o "último grito" da moda, do avanço cultural ou científico) que geram escravidão, opressão, sofrimento: a missão dos discípulos de Jesus é recusá-los e denunciá-los; hoje há esquemas de exploração (disfarçados de sistemas económicos geradores de bem-estar) que geram miséria, marginalização, debilidade, exclusão: a missão dos discípulos de Jesus é combatê-los. A proposta libertadora de Jesus tem de estar presente (através dos discípulos) em qualquer lado onde houver um irmão vítima da escravidão e da injustiça. É isso que eu procuro fazer?

    • As obras que eu realizo são verdadeiramente um anúncio do mundo novo que está para chegar? Eu procuro transmitir alegria, coragem e esperança àqueles que vivem imersos no abatimento, na frustração, no desespero? Eu procuro ser um sinal do amor e da ternura de Deus para aqueles que vivem sozinhos, abandonados, marginalizados?

    • O nosso serviço ao "Reino" é um serviço totalmente gratuito, ou é um serviço que serve para promover os nossos interesses, a nossa pessoa, os nossos esquemas de realização pessoal?

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 11º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 11º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. REENCONTRAR O TEMPO COMUM.
    Reencontrar os domingos do tempo comum não significa entrar na rotina do quotidiano. A repetição dos ritos não deve levar a isso. Aproveitemos o tempo comum para avaliar e melhorar as nossas atitudes. Procuremos dar um cuidado muito particular aos espaços na liturgia, ao seu equilíbrio, à sua beleza. Não tenhamos medo de retomar cânticos bem conhecidos, que todos podem cantar sem a folha na mão. O sentido das palavras tantas vezes repetidas continua vivo ao longo dos tempos e dos acontecimentos. Não esqueçamos o silêncio, pois ele dá o seu peso ao quotidiano e aos seus gestos repetidos. Não é no silêncio que o Verbo de Deus visita a nossa carne e faz-nos habitar n'Ele, para nos alegrar e nos colocar no mundo?

    3. ANUNCIAR... A REENTRADA.
    O Evangelho do apelo dos discípulos pode ser uma ocasião, no final da homilia, para chamar aqueles que exercem um serviço na paróquia, assim como outros que poderão vir a exercê-lo no próximo ano pastoral. Em atitude de acção de graças e de renovação de compromisso...

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Nós Te bendizemos, ó Pai, pela ternura que manifestaste para com o teu povo: fizeste-o sair do Egipto par o libertar, guiaste-o através do deserto, fizeste dele o teu povo e um reino de sacerdotes.
    Nós Te pedimos: abre os nossos corações e os nossos espíritos à tua palavra, torna-nos atentos à tua voz, para que guardemos a tua Aliança.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te damos graças, porque nos deste a maior prova do teu amor, enviando-nos o teu Filho Jesus, e Ele mesmo viveu até aceitar a morte. Por Ele, reconciliaste-nos contigo.
    Nós Te pedimos por todas as vítimas das injustiças. Salva-nos pela vida de Cristo ressuscitado. Justifica-nos pelo dom do teu Espírito.

    No final do Evangelho:
    Nós Te damos graças pela bondade de Jesus, porque Ele cuidou das multidões humanas quando estavam fatigadas e abatidas, como ovelhas sem pastor. Nós Te bendizemos pelos apóstolos que instituíste.
    Mestre da seara, nós Te pedimos: envia operários para a tua seara. Torna-nos acolhedores do Reino dos Céus que está bem próximo.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, que sublinha bem a obra do Espírito.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    Uma abundante seara e tão poucos trabalhadores! O desemprego não existe no campo missionário, são os trabalhadores que faltam! Porém, Jesus não se cansa de chamar! Então? Estás à espera de quê? Não falta talvez consistência e audácia à nossa fé para ousarmos arriscar este género de trabalho cujos produtos não virão aumentar as nossas contas no banco? E se este convite te disser pessoalmente respeito? Que respondes?

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • 12º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    12º Domingo do Tempo Comum - Ano A

    25 de Junho, 2023

    ANO A
    12º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 12º Domingo do Tempo Comum

    As leituras deste domingo põem em relevo a dificuldade em viver como discípulo, dando testemunho do projecto de Deus no mundo. Sugerem que a perseguição está sempre no horizonte do discípulo... Mas garantem também que a solicitude e o amor de Deus não abandonam o discípulo que dá testemunho da salvação.
    A primeira leitura apresenta-nos o exemplo de um profeta do Antigo Testamento - Jeremias. É o paradigma do profeta sofredor, que experimenta a perseguição, a solidão, o abandono por causa da Palavra; no entanto, não deixa de confiar em Deus e de anunciar - com coerência e fidelidade - as propostas de Deus para os homens.
    No Evangelho, é o próprio Jesus que, ao enviar os discípulos, os avisa para a inevitabilidade das perseguições e das incompreensões; mas acrescenta: "não temais". Jesus garante aos seus a presença contínua, a solicitude e o amor de Deus, ao longo de toda a sua caminhada pelo mundo.
    Na segunda leitura, Paulo demonstra aos cristãos de Roma como a fidelidade aos projectos de Deus gera vida e como uma vida organizada numa dinâmica de egoísmo e de auto-suficiência gera morte.

    LEITURA I - Jer 20,10-13

    Leitura do Livro de Jeremias

    Disse Jeremias:
    "Eu ouvia as invectivas da multidão:
    'Terror por toda a parte! Denunciai-o, vamos denunciá-lo!'
    Todos os meus amigos esperavam
    que eu desse um passo em falso:
    'Talvez ele se deixe enganar
    e assim poderemos dominar e nos vingaremos dele'.
    Mas o Senhor está comigo como herói poderoso
    e os meus perseguidores cairão vencidos.
    Ficarão cheios de vergonha pelo seu fracasso,
    ignomínia eterna que não será esquecida.
    Senhor do Universo,
    que sondais o justo e perscrutais os rins e o coração,
    possa eu ver o castigo que dareis a essa gente,
    pois a Vós confiei a minha causa.
    Cantai ao Senhor, louvai o Senhor,
    que salvou a vida do pobre das mãos dos perversos".

    AMBIENTE

    Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.). O cenário da actividade do profeta é, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
    A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei - preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus - leva a cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país os cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à aliança.
    No entanto, em 609 a.C., Josias é morto em combate contra os egípcios. Joaquim sucede-lhe no trono. A segunda fase da actividade profética de Jeremias abrange o tempo de reinado de Joaquim (609-597 a.C.).
    O reinado de Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e de incompreensão e sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a criticar as injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a infidelidade religiosa (traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas: procurar a ajuda dos egípcios significava não confiar em Deus e, em contrapartida, colocar a esperança do Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias está convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas e que está iminente uma invasão babilónica que castigará os pecados do Povo de Deus. É sobretudo isso que ele diz aos habitantes de Jerusalém... As previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém.
    No trono de Judá, fica então Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase da missão profética de Jeremias desenrola-se precisamente durante este reinado.
    Após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar a velha política das alianças com o Egipto. Jeremias não está de acordo que se confie em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh. Mas nem o rei nem os notáveis lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um amargo "profeta da desgraça", Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.
    Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilónios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jer 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jer 37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jer 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilónia (586 a.C.).
    Jeremias é o paradigma dos profetas que sofrem por causa da Palavra. De natureza sensível e cordial, homem de paz, que anseia pelo sossego da família e pelo convívio com os amigos, Jeremias não foi feito para o confronto, a agressão, a violência das palavras ou dos gestos; mas Jahwéh chamou-o para "arrancar e destruir, para exterminar e demolir" (Jer 1,10), para predizer desgraças e anunciar, com violência, destruição e morte (cf. Jer 20,8). Como consequência, foi continuamente objecto de desprezo e de irrisão e todos o maldiziam. Os familiares, os amigos, os reis, os sacerdotes, os falsos profetas, o povo inteiro, todos se afastavam, mal ele abria a boca. E esse homem bom, sensível e delicado sofria terrivelmente pelo abandono e pela solidão a que a missão profética o condenava.
    Jeremias estava verdadeiramente apaixonado pela Palavra de Jahwéh e sabia que não teria descanso se não a proclamasse com fidelidade. Mas nos momentos mais negros de solidão e de frustração, o profeta deixou, algumas vezes, que a amargura que lhe ia no coração lhe subisse à boca e se transformasse em palavras. Dirigia-se a Deus e censurava-o asperamente por causa dos problemas que a missão lhe trazia. Chegou a comparar-se a uma jovem inocente e ingénua, de quem Deus se apoderou e a quem forçou a fazer algo que o profeta não queria (cf. Jer 20,7-9).
    No Livro de Jeremias aparecem, a par e passo, queixas e lamentos do profeta, condenado a essa vida de aparente fracasso. Alguns desses textos são conhecidos como "confissões de Jeremias" e são verdadeiros desabafos em que o profeta expõe a Jahwéh, com sinceridade e rebeldia, a sua desilusão, a sua amargura e a sua frustração (cf. Jer 11,18-23; 12,1-6; 15,10.15-20; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18). O texto que hoje nos é proposto faz parte de uma dessas "confissões&rdq
    uo;.

    MENSAGEM

    O profeta começa por descrever o quadro que o rodeia... A multidão, farta de escutar anúncios de castigos e de terrores, resolve pôr um ponto final no derrotismo de Jeremias e prepara-se para o calar. Jeremias, o "terror por toda a parte" (é dessa forma irónica que a multidão o designa, parodiando uma expressão de que o profeta se servia para anunciar as desgraças que estavam para chegar), vai ser preso, julgado e silenciado. Todo o ambiente faz pensar na montagem de um esquema de julgamento sumário e de linchamento popular. O profeta corre, portanto, sérios riscos de vida... No entanto, aquilo que mais dói a Jeremias é que até os seus amigos mais íntimos lhe voltaram as costas e juntaram-se aos que maquinavam a sua perda. O profeta - que nunca pretendeu magoar ninguém, mas somente anunciar com fidelidade a Palavra de Deus - sente-se só, abandonado, marginalizado, perdido na mais negra solidão (vers. 10).
    No entanto, o lamento de Jeremias é bruscamente cortado por um inesperado hino de louvor a Jahwéh, expressão extraordinária da confiança no Deus que não falha (vers. 11-13). É preciso dizer que estes versículos estão aqui um tanto ou quanto deslocados: provavelmente, eles foram pronunciados por Jeremias noutro contexto e aqui inseridos pelo editor final do livro (no texto original, aos vers. 7-10 seguir-se-iam os vers. 14-18). De qualquer forma, este hino reproduz a certeza de que, apesar do sofrimento e da incompreensão que tem de enfrentar, o profeta não está só: ele confia em Deus, no seu poder, na sua justiça, no seu amor; e sabe que Deus nunca abandona o pobre que n'Ele confia (aqui "pobre" não deve ser lido em sentido material, mas no sentido de desprotegido, perseguido injustamente pelos poderosos).

    ACTUALIZAÇÃO

    Considerar, na reflexão, as seguintes questões:

    • Ser profeta não é um caminho fácil: o exemplo de Jeremias é elucidativo (como também o é o testemunho de Óscar Romero, Luther King, Gandhi e tantos outros profetas do nosso tempo). O "mundo" não gosta de ver ser posta em causa a sua "paz podre", não está disposto a aceitar que se questionem os esquemas de exploração e injustiça instituídos em favor dos poderosos, nem que se critiquem os "valores" de alguns "iluminados" fazedores da opinião pública. O "caminho do profeta" é, portanto, um caminho onde se lida permanentemente com a incompreensão, com a solidão, com o risco... É, no entanto, um caminho que Deus nos chama a percorrer, na fidelidade à sua Palavra. Temos a coragem de seguir esse caminho? As "bocas" dos outros, as críticas injustas, a solidão que dói mais do que tudo, alguma vez nos impediram de cumprir a missão que o nosso Deus nos confiou?

    • No baptismo, fomos ungidos como "profetas", à imagem de Cristo. Estamos conscientes dessa vocação a que Deus, a todos, nos convocou? Temos a noção de que somos a "boca" através da qual a Palavra de Deus ressoa no mundo e Se dirige aos homens?

    • A experiência profética é um caminho de luta, de sofrimento, muitas vezes de solidão e de abandono; mas é também um caminho onde Deus está. O testemunho de Jeremias confirma que Deus nunca abandona aqueles que procuram testemunhar no mundo, com coragem e verdade, as suas propostas. Esta certeza deve trazer ânimo e dar esperança a todos aqueles que assumem, com coerência, a sua missão profética.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 68 (69)

    Refrão: Pela vossa grande misericórdia, atendei-me, Senhor.

    Por Vós tenho suportado afrontas,
    cobrindo-se meu rosto de confusão.
    Tornei-me um estranho para os meus irmãos,
    um desconhecido para a minha família.
    Devorou-me o zelo pela vossa casa
    e recaíram sobre mim os insultos contra Vós.

    A Vós, Senhor, elevo a minha súplica,
    no momento propício, meu Deus.
    Pela vossa grande bondade, respondei-me,
    em prova da vossa salvação.
    Tirai-me do lamaçal, para que não me afunde,
    livrai-me dos que me odeiam e do abismo das águas.

    Vós, humildes, olhai e alegrai-vos,
    buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará.
    O Senhor ouve os pobres
    e não despreza os cativos.
    Louvem-n'O o céu e a terra,
    os mares e quanto neles se move.

    LEITURA II - Rom 5,12-15
    Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos

    Irmãos:
    Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo
    e pelo pecado a morte,
    assim também a morte atingiu todos os homens,
    porque todos pecaram.
    De facto, até à Lei, existia o pecado no mundo.
    Mas o pecado não é levado em conta, se não houver lei.
    Entretanto, a morte reinou desde Adão até Moisés,
    mesmo para aqueles que não tinham pecado
    por uma transgressão à semelhança de Adão,
    que é figura d'Aquele que havia de vir.
    Mas o dom gratuito não é como a falta.
    Se pelo pecado de um só pereceram muitos,
    com muito mais razão a graça de Deus,
    dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo,
    se concedeu com abundância a muitos homens.

    AMBIENTE

    No final da década de 50 (a carta aos Romanos apareceu por volta de 57/58), a "crise" entre os cristãos oriundos do mundo judaico e os cristãos oriundos do mundo pagão acentua-se. Os cristãos de origem judaica consideravam que, além da fé em Jesus Cristo, era necessário cumprir as obras da Lei de Moisés, a fim de ter acesso à salvação; mas os cristãos de origem pagã recusavam-se a aceitar a obrigatoriedade das práticas judaicas. Era uma questão "quente", que ameaçava a unidade da Igreja.
    Neste cenário, Paulo procura mostrar a todos os crentes a unidade da revelação e da história da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés - que nunca assegurou a ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus.
    O texto que nos é proposto faz parte da primeira parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 1,18-11,36). Depois de demonstrar que todos (judeus e não judeus) vivem mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20) e que é a justiça de Deus que a todos salva, sem distinção (cf. Rom 3,21-5,11), Paulo ensina que é através de Jesus Cristo que a vida de Deus chega aos homens e que se faz oferta de salvação para todos (cf. Rom 5,12-8,39).

    MENSAGEM

    Para deixar bem claro que a salvação foi oferecida por Deus aos homens através de Jesus Cristo, Paulo recorre aqui a uma figura literária que aparece, com alguma frequência, nos se
    us escritos: a antítese. Em concreto, Paulo vai expor o seu raciocínio através de um jogo de oposições entre duas figuras: Adão e Jesus.
    Adão é a figura de uma humanidade que prescinde de Deus e das suas propostas e que escolhe caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência. Ora, essa escolha produz injustiça, alienação, desarmonia, pecado. Porque a humanidade preferiu, tantas vezes, esse caminho, o mundo entrou numa economia de pecado; e o pecado gera morte. A morte deve ser entendida, neste contexto, em sentido global - quer dizer, não tanto como morte físico-biológica, mas sobretudo como morte espiritual e escatológica que é afastamento temporário ou definitivo de Deus (que é a fonte da vida autêntica).
    Cristo propôs um outro caminho. Ele viveu numa permanente escuta de Deus e das suas propostas, na obediência total aos projectos do Pai. Esse caminho leva à superação do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e faz nascer um Homem Novo, plenamente livre, que vive em comunhão com o Deus que é fonte de vida autêntica (a vitória de Cristo sobre a morte é a prova provada de que a comunhão com Deus produz vida definitiva). Foi essa a grande proposta que Cristo fez à humanidade... Assim, Cristo libertou os homens da economia de pecado e introduziu no mundo uma dinâmica nova, uma economia de graça que gera vida plena (salvação).
    Não é claro que Paulo se esteja a referir aqui àquilo que a teologia posterior designou como "pecado original" (ou seja, um pecado histórico cometido pelo primeiro homem, que atinge e marca todos os homens que nascerem em qualquer tempo e lugar). O que é claro é que, para Paulo, a intervenção de Cristo na história humana se traduziu num dinamismo de esperança, de vida nova, de vida autêntica. Cristo veio propor à humanidade um caminho de comunhão com Deus e de obediência aos seus projectos; é esse caminho que conduz o homem em direcção à vida plena e definitiva, à salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    • A história do nosso tempo está cheia de exemplos de homens e mulheres que entregaram a vida para realizar o projecto libertador de Deus no mundo e que foram considerados pela cultura dominante gente vencida e fracassada (embora, com alguma frequência, depois de mortos sejam "recuperados" e apresentados como heróis). Jesus Cristo mostra, contudo, que fazer da vida um dom a Deus aos homens não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho libertador, que introduz no mundo dinamismos de vida nova, de vida autêntica, de vida definitiva. Eu estou disposto a arriscar, a fazer da minha vida um dom, para que a vida plena atinja e liberte os meus irmãos?

    • Alguns acontecimentos que marcam o nosso tempo confirmam que uma história construída à margem de Deus e das suas propostas é uma história marcada pelo egoísmo, pela injustiça e, portanto, é uma história de sofrimento e de morte. Quando o homem deixa de dar ouvidos a Deus, dá ouvidos ao lucro fácil, destrói a natureza, explora os outros homens, torna-se injusto e prepotente, sacrifica em proveito próprio a vida dos seus irmãos. Qual o nosso papel de crentes neste processo? O que podemos fazer para que Deus volte a estar no centro da história e as suas propostas sejam acolhidas?

    • A modernidade ensinou-nos que a fonte da salvação não é Deus, mas o homem e as suas conquistas. Exaltou o individualismo e a auto-suficiência e ensinou-nos que só nos realizaremos totalmente se formos nós - orgulhosamente sós - a definir o nosso caminho e o nosso destino. No entanto, onde nos leva esta cultura que prescinde de Deus e das suas sugestões? A cultura moderna tem feito surgir um homem mais feliz, ou tem potenciado o aparecimento de homens perdidos e sem referências, que muitas vezes apostam tudo em propostas falsas de salvação e que saem dessa experiência de busca mais fragilizados, mais dependentes, mais alienados?

    ALELUIA - Jo 15,26b.27a

    Aleluia. Aleluia.

    O Espírito da verdade dará testemunho de Mim, diz o Senhor,
    e vós também dareis testemunho de Mim.

    EVANGELHO - Mt 10,26-33
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos:
    "Não tenhais medo dos homens,
    pois nada há encoberto que não venha a descobrir-se,
    nada há oculto que não venha a conhecer-se.
    O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia;
    e o que escutais ao ouvido proclamai-o sobre os telhados.
    Não temais os que matam o corpo,
    mas não podem matar a alma.
    Temei antes Aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo.
    Não se vendem dois passarinhos por uma moeda?
    E nem um deles cairá por terra
    sem consentimento do vosso Pai.
    Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados.
    Portanto, não temais:
    valeis muito mais do que os passarinhos.
    A todo aquele que se tiver declarado por Mim
    diante dos homens
    também Eu Me declararei por ele
    diante do meu Pai que está nos Céus.
    Mas àquele que me negar diante dos homens,
    também Eu o negarei
    diante do meu Pai que está nos Céus".

    AMBIENTE

    Continuamos no mesmo ambiente em que o Evangelho do passado domingo nos situava. Os discípulos - que Jesus chamou e que responderam positivamente a esse chamamento, que escutaram os ensinamentos e que testemunharam os sinais de Jesus - vão ser enviados ao mundo, a fim de continuarem a obra libertadora e salvadora de Jesus. Contudo, antes de partir, recebem as instruções de Jesus: é o "discurso da missão", que se prolonga de 9,36 a 11,1.
    Mateus escreve durante a década de 80. No império romano reina Domiciano (anos 81 a 96), um imperador que não está disposto a tolerar o cristianismo. No horizonte imediato das comunidades cristãs, está uma hostilidade crescente, que rapidamente se converterá em perseguição organizada contra o cristianismo (no ano 95, por iniciativa de Domiciano, começa uma terrível perseguição contra os cristãos em todos os territórios do império romano).
    A comunidade cristã a quem Mateus destina o seu Evangelho (possivelmente, a comunidade cristã de Antioquia da Síria) é uma comunidade com grande sensibilidade missionária, verdadeiramente empenhada em levar a Boa Nova de Jesus a todos os homens. No entanto, os missionários convivem, dia a dia, com as dificuldades e as perseguições e manifestam um certo desânimo e uma certa frustração. Os crentes não sabem que caminho percorrer e estão perturbados e confusos.
    Neste contexto, Mateus compôs uma espécie de "manual do missionário cristão", que é o nosso "discurso da missão". Para mostrar que a actividade missionária é um imperativo da vida cristã, Mateus apresenta a missão dos discípulos como a continua&c
    cedil;ão da obra libertadora de Jesus. Define também os conteúdos do anúncio e as atitudes fundamentais que os missionários devem assumir, enquanto testemunhas do "Reino".

    MENSAGEM

    O tema central da nossa leitura é sugerido pela expressão "não temais", que se repete por três vezes ao longo do texto (cf. Mt 10,26.28.31). Trata-se de uma expressão que aparece com alguma frequência no Antigo Testamento, dirigida a Israel (cf. Is 41,10.13; 43,1.5; 44,2; Jer 30,10) ou a um profeta (cf. Jer 1,8). O contexto é sempre o da eleição: Jahwéh elege alguém (um Povo ou uma pessoa) para o seu serviço; ao eleito, confia-lhe uma missão profética no mundo; e porque sabe que o "eleito" se vai confrontar com forças adversas, que se traduzirão em sofrimento e perseguição, assegura-lhe a sua presença, a sua ajuda e protecção.
    É precisamente neste contexto que o Evangelho deste domingo nos situa. Ao enviar os discípulos que elegeu, Jesus assegura-lhes a sua presença, a sua ajuda, a sua protecção, a fim de que os discípulos superem o medo e a angústia que resultam da perseguição. As palavras de Jesus correspondem à última bem-aventurança: "bem-aventurados sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós" (Mt 5,12).
    Este convite à superação do medo vai acompanhado por três desenvolvimentos.
    No primeiro desenvolvimento (vers. 26.27), Jesus pede aos discípulos que não deixem o medo impedir a proclamação aberta da Boa Nova. A mensagem libertadora de Jesus não pode correr o risco de ficar - por causa do medo - circunscrita a um pequeno grupo, cobarde e comodamente fechado dentro de quatro paredes, sem correr riscos, nem incomodar a ordem injusta sobre a qual o mundo se constrói; mas é uma mensagem que deve ser proclamada com coragem, com convicção, com coerência, de cima dos telhados, a fim de mudar o mundo e tornar-se uma Boa Nova libertadora para todos os homens e mulheres.
    No segundo desenvolvimento (vers. 28), Jesus recomenda aos discípulos que não se deixem vencer pelo medo da morte física. O que é decisivo, para o discípulo, não é que os perseguidores o possam eliminar fisicamente; mas o que é decisivo, para o discípulo, é perder a possibilidade de chegar à vida plena, à vida definitiva... Ora, o cristão sabe que a vida definitiva é um dom, que Deus oferece àqueles acolheram a sua proposta e que aceitaram pôr a própria vida ao serviço do "Reino". Os discípulos que procuram percorrer com fidelidade o caminho de Jesus não precisam, portanto, de viver angustiados pelo medo da morte.
    No terceiro desenvolvimento (vers. 29-31), Jesus convida os discípulos a descobrirem a confiança absoluta em Deus. Para ilustrar a solicitude de Deus, Mateus recorre a duas imagens: a dos pássaros de que Deus cuida (que revela a tocante ternura e preocupação de Deus por todas as criaturas, mesmo as mais insignificantes e indefesas) e a dos cabelos que Deus conta (que revela a forma particular, única, profunda, como Deus conhece o homem, com a sua especificidade, os seus problemas, as suas dificuldades). Deus é aqui apresentado como um "Pai", cheio de amor e de ternura, sempre preocupado em cuidar dos seus "filhos", em entendê-los e em protegê-los. Ora, depois de terem descoberto este "rosto" de Deus, os discípulos têm alguma razão para ter medo? A certeza de ser filho de Deus é, sem dúvida, algo que alimenta a capacidade do discípulo em empenhar-se - sem medo, sem prevenções, sem preconceitos, sem condições - na missão. Nada - nem as dificuldades, nem as perseguições - conseguem calar esse discípulo que confia na solicitude, no cuidado e no amor de Deus Pai.
    As últimas palavras (vers. 32-33) da leitura que hoje nos é proposta contêm uma séria advertência de Jesus: a atitude do discípulo diante da perseguição condicionará o seu destino último... Aqueles que se mantiveram fiéis a Deus e aos seus projectos e que testemunharam com desassombro a Palavra encontrarão vida definitiva; mas aqueles que procuraram proteger-se, comodamente instalados numa vida morna, sem riscos, sem chatices, e também sem coerência, terão recusado a vida em plenitude: esses não poderão fazer parte da comunidade de Jesus.

    ACTUALIZAÇÃO

    Na reflexão, podem considerar-se as seguintes questões:

    • O projecto de Jesus, vivido com radicalidade e coerência, não é um projecto "simpático", aclamado e aplaudido por aqueles que mandam no mundo ou que "fazem" a opinião pública; mas é um projecto radical, questionante, provocante, que exige a vitória sobre o egoísmo, o comodismo, a instalação, a opressão, a injustiça... É um projecto capaz de abalar os fundamentos dessa ordem injusta e alienante sobre a qual o mundo se constrói. Há um certo "mundo" que se sente ameaçado nos seus fundamentos e que procura, todos os dias, encontrar formas para subverter e domesticar o projecto de Jesus. A nossa época inventou formas (menos sangrentas, mas certamente mais refinadas do que as de Domiciano) de reduzir ao silêncio os discípulos: ridiculariza-os, desautoriza-os, calunia-os, corrompe-os, massacra-os com publicidade enganosa de valores efémeros... Como a comunidade de Mateus, também nós andamos assustados, confusos, desorientados, interrogando-nos se vale a pena continuar a remar contra a maré... A todos nós, Jesus diz: "não temais".

    • O medo - de parecer antiquado, de ficar desenquadrado em relação aos outros, de ser ridicularizado, de ser morto - não pode impedir-nos de dar testemunho. A Palavra libertadora de Jesus não pode ser calada, escondida, escamoteada; mas tem de ser vivamente afirmada com palavras, com gestos, com atitudes provocatórias e questionantes. Viver uma fé "morninha" (instalada, cómoda, que não faz ondas, que não muda nada, que aceita passivamente valores, esquemas, dinâmicas e estruturas desumanizantes), não chega para nos integrar plenamente na comunidade de Jesus.

    • De resto, o valor supremo da nossa vida não está no reconhecimento público, mas está nessa vida definitiva que nos espera no final de um caminho gasto na entrega ao Pai e no serviço aos homens; e Jesus demonstrou-nos que só esse caminho produz essa vida de felicidade sem fim que os donos do mundo não conseguem roubar.

    • A Palavra de Deus que nos foi hoje proposta convida-nos também a fazer a descoberta desse Deus que tem um coração cheio de ternura, de bondade, de solicitude. Se nos entregarmos confiadamente nas mãos desse Deus, que é um pai que nos dá confiança e protecção e é uma mãe que nos dá amor e que nos pega ao colo quando temos dificuldade em caminhar, não teremos qualquer receio de enfrentar os homens.
    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 12º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PROLONGAR O CÂNTICO DE ENTRADA.
    Procure-se prolongar o cântico de entrada. A sua função é congregar a comunidade que se prepara para celebrar. Se for muito curto (muitas vezes termina antes de o presidente chegar ao altar), não exercerá essa função. Recordemos também que não é necessário que o início do cântico de entrada coincida com o início da procissão de entrada. O cântico pode começar bem antes da procissão.

    3. PREVENIR OS LEITORES.
    As leituras deste domingo têm géneros literários muito diferentes. Nenhuma é fácil de se ler em público. Onde tal não acontece, é bom adquirir o hábito de prevenir os leitores, com antecedência, para prepararem a proclamação das leituras. Melhor ainda, deveria haver um tempo durante a semana para meditarem e prepararem em conjunto os textos bíblicos que vão proclamar no domingo. Grupo de leitores é também para isso, não apenas para constarem de uma lista...

    4. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.
    Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

    No final da primeira leitura:
    Bendito sejas, Senhor do universo, que perscrutas os rins e os corações. Em todo o tempo livraste o pobre do poder dos maus: salvaste Isaac, Moisés e o teu Povo, vigiaste o teu Filho e os apóstolos.
    Nós Te confiamos a nossa causa e as de todos os infelizes. Nós Te pedimos: fica ao nosso lado, apoia-nos quando ajudamos os outros.

    No final da segunda leitura:
    Nós Te damos graças pelo primeiro Adão, de quem herdámos a vida terrestre. Mas nós Te bendizemos sobretudo pelo teu Filho Jesus, o segundo Adão, por quem nos deste a graça em abundância, para a vida eterna.
    Nós Te pedimos pela nossa humanidade votada à morte, e por tantos homens e mulheres que procuram desesperadamente fugir da morte. Mantém-nos confiantes na tua graça.

    No final do Evangelho:
    Pai, nós Te bendizemos pelo teu humor, quando nos asseguras com a tua protecção, mesmo até aos nossos cabelos! E quando nos dás mais valor do que a todos os passarinhos do mundo!
    Nós Te pedimos por todos os nossos irmãos e irmãs atingidos pela inquietude (e nós também). Que o teu Espírito nos fortaleça na confiança.

    5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
    Pode-se escolher a Oração Eucarística III, que sublinha a liberdade de Cristo e a sua obra de vida tal como Paulo a descreve na segunda leitura.

    6. PALAVRA PARA O CAMINHO.
    E as nossas convicções religiosas? Expor e defender as opiniões políticas reforça as convicções e torna-as mais incisivas. E as nossas convicções religiosas? Diante de certas relações, não somos por vezes tentados a deixar de lado os nossos compromissos de crentes? ...prontos a negar a fé para não nos comprometermos? ...prontos a todos os compromissos para salvar o nosso lugar? Por quem nos pronunciamos diante dos homens?

     

     

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

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