Liturgia

Events in Junho 2020

  • IX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    1 de Junho, 2020

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Pedro 1, 2-7

    Caríssimos, 2a graça e paz vos sejam concedidas em abundância por meio do conhecimento de Deus e de Jesus, Senhor nosso. 3O divino poder, ao dar-nos a conhecer aquele que nos chamou pela sua glória e pelo seu poder, concedeu-nos todas as coisas que contribuem para a vida e a piedade. 4Com elas, teve a bondade de nos dar também os mais preciosos e sublimes bens prometidos, a fim de que - por meio deles - vos torneis participantes da natureza divina, depois de vos livrardes da corrupção que a concupiscência gerou no mundo. 5Por este motivo é que, da vossa parte, deveis pôr todo o empenho em juntar à vossa fé a virtude; à virtude o conhecimento; 6ao conhecimento a temperança; à temperança a paciência; à paciência a piedade; 7à piedade o amor aos irmãos; e ao amor aos irmãos a caridade.

    Em princípios do século II, a Igreja debatia-se com os gnósticos, que pensavam que o homem pode conseguir tudo por si mesmo, inclusivamente a salvação. A Segunda Carta de Pedro começa com uma afirmação peremptória: Jesus é a única causa de salvação do homem. É a comunidade petrina que fala a todos os crentes em Cristo, «àqueles a quem coube em sorte, pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, uma fé tão preciosa como a nossa» (v. 1). Esses crentes, com a fé preciosa, também receberam aquela graça e paz, que agora, em Cristo ressuscitado, os tornam «participantes da natureza divina» (v. 4). O cristão é aquele que toma consciência do dom recebido, com inteligência e afecto, ou com um «conhecimento» pleno e grato, como insinua o nosso texto, pelo menos três vezes. Com efeito, o verdadeiro cristão, sentindo-se um predilecto de Deus, decide ser coerente com a graça que actua nele, uma graça mais forte do que a «corrupção que a concupiscência gerou no mundo» (v. 4). E o autor da nossa Carta aponta sete virtudes, a juntar à fé, e que hão-de distinguir o cristão: a virtude, o conhecimento, a temperança, a paciência, a piedade, o amor aos irmãos, a caridade cf. vv. 5-7). O princípio de toda a virtude é a «fé». A «virtude» é a atitude constante, que dá coragem nas dificuldades; o «conhecimento» é a abertura da mente ao esplendor da verdade; a «temperança» é o autodomínio, fruto da participação na vitalidade do Ressuscitado; a «paciência» não é simples resignação, mas força nas provações e resistência às oposições externas; a «piedade» é a relação com Deus, verdadeiro centro e coração da vida dos crentes; o «amor fraterno» é fruto da intimidade afectuosa com Deus Pai; deste amor, chega-se à «caridade», ao amor total e iluminado, meta do caminho do crente.

    Segunda leitura: Marcos 12, 1-12

    Naquele tempo, 1Jesus começou a falar-lhes em parábolas: «Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e construiu uma torre. Depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. 2A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo, para receber deles parte do fruto da vinha. 3Eles, porém, prenderam-no, bateram-lhe e mandaram-no embora de mãos vazias. 4Enviou-lhes, novamente, outro servo. Também a este partiram a cabeça e cobriram de vexames. 5Enviou outro, e a este mataram-no; mandou ainda muitos outros, e bateram nuns e mataram outros. 6Já só lhe restava um filho muito amado. Enviou-o por último, pensando: 'Hão-de respeitar o meu filho'. 7Mas aqueles vinhateiros disseram uns aos outros: 'Este é o herdeiro. Vamos matá-lo e a herança será nossa'. 8Apoderaram-se dele, mataram-no e lançaram-no fora da vinha. 9Que fará o dono da vinha? Regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros. 10Não lestes esta passagem da Escritura:A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. 1Tudo isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos?» 12Eles procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se.

    A alegoria usada por Jesus só se percebe se tivermos em conta o «cântico da vinha», que lemos em Is. 5, e o seu contexto histórico, isto é, a recusa da salvação pelos chefes de Israel, os «agricultores», que matam os profetas. Deus é o dono da vinha e o construtor do edifício, que é Israel. Surpreendentemente, aparece como «estrangeiro» no meio do povo de Israel. Deus não está vinculado às vicissitudes de um povo. Confiou uma tarefa aos responsáveis pela vinha israelita e foi-se embora, porque está noutro lado... Os servos são os numerosos profetas e homens de Deus enviados ao longo da história do povo escolhido. O filho recusado e morto, mas depois tornado pedra angular, é Jesus. A alegoria faz tocar os extremos: o amor de Deus Pai, que envia o seu Filho, e a recusa do chefes de Israel, que O matam.
    À volta de Jesus, e do mistério da sua morte e ressurreição, hoje, como no passado, decide-se, para cada um de nós, o acolhimento ou a recusa da salvação. Não há direitos de progenitura, ou de eleição preferencial, que nos valham. O pretenso monopólio dos israelitas sobre a salvação está votado ao fracasso: «O dono regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros» (v. 9). O importante é que, no confronto com Jesus e com o seu mistério pascal, nos abramos a Ele, livre e responsavelmente, para sermos salvos. E Deus premiará a nossa coragem.

    Meditatio

    Na Segunda Carta de Pedro, o cristão é aquele que toma consciência do dom recebido, e o faz com inteligência e afecto, ou com um «conhecimento» pleno e grato, como insinua o nosso texto, pelo menos três vezes: «a graça e paz vos sejam concedidas em abundância por meio do conhecimento de Deus e de Jesus, Senhor nosso»(v. 2);«o divino poder, ao dar-nos a conhecer aquele que nos chamou pela sua glória e pelo seu poder, concedeu-nos todas as coisas...»(v. 3); «deveis pôr todo o empenho em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento ao conhecimento a temperança»(v. 5). A consciência é graça a que devemos estar abertos, e que exige renúncia às paixões, pureza de coração, disponibilidade para Deus, que nos tornou participantes da sua natureza, «participantes da natureza divina», como escreve Pedro.
    Ser participante da natureza divina significa ter-se livrado «da corrupção que a concupiscência gerou no mundo» (v. 4), isto é, participar do amor divino, e não do egoísmo e da ânsia de poder, que corrompem o mundo. A natureza divina é incorruptível, porque é puro amor.
    O evangelho mostra-nos em acção esse amor divino,
    mas também a concupiscência e a falta de conhecimento. Os vinhateiros querem apoderar-se da vinha e batem e insultam repetidamente os servos. Quando vêem chegar o «filho muito amado» (v. 6), não hesitam em matá-lo. E assim se auto-excluem do Reino do amor.
    Marcos anota que os sumos-sacerdotes, os escribas e fariseus «procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se» (v. 12). O seu conhecimento é incoerente: escutaram, compreenderam, podiam pensar que estava a preparar um destino semelhante aos dos vinhateiros, que Jesus tenta evitar, mas a inveja cega-os. Jesus põe em perigo o poder deles. E decidem matá-l´O.
    O conhecimento de Deus, o conhecimento de Jesus, Filho de Deus é um dom do Espírito Santo. Como dehonianos, somos chamados a esse conhecimento, iluminado pelo carisma e pela missão que recebemos de Deus: «somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento: «Cristo habite pela fé, nos vossos corações de sorte que, enraizados e fundados no amor, possais compreender, com todos os Santos, qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer, enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para serdes repletos da plenitude de Deus» (Ef 3,17-19)». Esse conhecimento obtém-se na escuta da Palavra e na celebração da Eucaristia: «Fiéis à escuta da Palavra, e à fracção do Pão, somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração...», escrevem as nossas Constituições (n. 17).

    Oratio

    Senhor Jesus, concede-nos, a mim, aos meus irmãos, ao mundo inteiro, a graça de vencermos os movimentos da concupiscência, do amor possessivo e da inveja, bem como o dom de nos deixarmos iluminar pela luz que sempre nos ofereces. Que toda a humanidade Te conheça, Te ame e possa tomar parte na herança que nos conquistaste ao derramar o teu precioso sangue na cruz.
    Abre os nossos olhos, Senhor. Abre a nossa mente. Tu, que és manso e humilde de coração, abate a nossa presunção e força-nos a não nos «retirarmos», como fizeram os teus adversários, quando perceberam que falavas para eles. Decidiram matar-te, mas temeram a multidão. Que jamais Te deixemos passar em vão pela nossa vida, mas saibamos reconhecer-Te como o «Deus connosco», como a Videira fecunda que o Pai plantou na nossa vinha. Amen.

    Contemplatio

    Só vós, Senhor, fizestes tudo. Tudo dispusestes para que me eleve degrau a degrau até à vida de união e de amor convosco.
    Conduzistes-me ao vosso Coração. Quereis que eu nele penetre e nele faça a minha morada. Quereis que me inspire nos seus sentimentos, que viva da sua vida, que me inflame do seu zelo, para levar por toda a parte o seu conhecimento e o seu amor. Como estabelecestes os vossos apóstolos para espalharem a fé, confiastes-me uma parte da missão de propagar o amor do Sagrado Coração. Eis-me aqui. Senhor, não permitais que eu me subtraia a esta admirável missão. Indicai-me pelas vossas inspirações o que devo fazer desde hoje para amar cada vez mais e fazer amar o vosso divino Coração (Pe. Dehon, OSP 3, p. 461s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «A graça e paz vos sejam concedidas por meio do conhecimento de Deus e de Jesus» (2 Pe 1, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    2 de Junho, 2020

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Pedro 3, 12-15ª.17-18

    Caríssimos: 12enquanto esperais e apressais a chegada do dia de Deus, quando os céus, a arder, se desintegrarem e os elementos do mundo, com o ardor do fogo, se derreterem! 13Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça. 14Portanto, caríssimos, enquanto esperais estes acontecimentos, esmerai-vos para que Ele vos encontre imaculados, irrepreensíveis e em paz. 15Considerai que a paciência de Nosso Senhor é para nossa salvação. 17Vós, caríssimos, dado que sabeis isto de antemão, estai alerta para que não venhais a descair da vossa firmeza, arrastados pelo erro desses malvados. 18Crescei, antes, na graça e no conhecimento do Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. A Ele seja dada glória, agora e até ao dia eterno. Ámen.

    A secção anterior a este texto terminou com a afirmação de que a vinda do Senhor pode ser «apressada», para que apareçam os novos céus e a nova terra onde reine a justiça. O texto que lemos hoje é uma reflexão sobre o estado do cristão que espera «a chegada do dia de Deus» (v. 12). O autor desta carta explica que, o que se espera, são «uns novos céus e uma nova terra» (v. 13; cf. Is 65, 17; 66, 22), nos quais se manifestará Cristo e se realizará, na «justiça», o projecto de Deus. Mas, a manifestação do Senhor não se deve aguardar passivamente. Uma vida na piedade e na santidade pode «apressar» o dia do Senhor, pois torna já presente na história a justiça típica do esperado dia do Senhor. Há pois que viver «imaculados e irrepreensíveis e em paz» (v. 14), tal como há-de acontecer no dia sem ocaso da vida futura. Mais importante do que procurar saber quando será o dia do Senhor, é viver na justiça e na santidade. O que realmente conta é a magnanimidade do Senhor, que organiza os tempos e a história na amorosa perspectiva da salvação. Os ímpios não conhecem esse desígnio de Deus. Mas os crentes vão-no conhecendo progressivamente.

    Segunda leitura: Marcos 12, 13-17

    Naquele tempo, 13foram enviados a Jesus alguns fariseus e partidários de Herodes, a fim de o apanharem em alguma palavra. 14Aproximando-se, disseram-lhe: «Mestre, sabemos que és sincero, que não te deixas influenciar por ninguém, porque não olhas à condição das pessoas mas ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. Diz-nos, pois: é lícito ou não pagar tributo a César? Devemos pagar ou não?» 15Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu: «Porque me tentais? Trazei-me um denário para Eu ver.» 16Trouxeram-lho e Ele perguntou: «De quem é esta imagem e a inscrição?» Responderam: «De César.» 17Jesus disse: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» E ficaram admirados com Ele.

    Alguns fariseus e partidários de Herodes, que se consideravam nacionalistas, mas colaboravam com os romanos, fingindo sinceridade, fazem a Jesus uma pergunta armadilhada. Queriam embaraçá-lo, tornando-O malvisto pelas autoridades romanas ou pela multidão. Jesus evita a armadilha, e aproveita a ocasião para oferecer um importante critério para a vida cristã: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (v. 17). Deus e César não se opõem, nem se colocam ao mesmo nível. O primado de Deus não retira ao Estado os seus direitos. O cristão deve obedecer a Deus, mas também aos homens. Em qualquer caso, obedece por causa de Deus e não por causa dos homens, porque toda a autoridade humana tem as suas raízes no Eterno. Este princípio está na origem da liberdade de consciência, afasta da idolatria do poder, leva a acolher a soberania da Igreja, mas também a do Estado.
    Esta mensagem de liberdade surpreende os adversários de Jesus: «Ficaram admirados com Ele» (v. 17b). A opção a fazer não é entre Deus e César, mas entre Deus e todo o movimento humano, ainda que chamado libertador, ainda que seja o dos zelotas. Os movimentos libertadores, mais tarde ou mais cedo, pretendem tornar-se absolutos. É por isso que o profeta mantém a devida distância, em relação a eles.

    Meditatio

    O cristão espera, - e até pode apressar -, a vinda do Senhor, para que apareçam os novos céus e a nova terra. Em vez de se pôr a calcular o tempo divino, que se rege por uma escala diferente da nossa, há que pensar na finalidade do tempo que Deus nos concede: dar a todos a oportunidade de se converterem, aproveitando a graça, que o seu amor nos oferece (cf. 1 Tm 2, 4). É à luz desta intenção divina que devemos avaliar a duração do tempo. A Segunda Carta de Pedro acentua o carácter repentino e imprevisível da parusia. O cristão deve estar sempre preparado para a segunda vinda de Cristo, vivendo na confiança e na entrega a Deus. Um comportamento digno, em conformidade com a sua condição de cristão, segundo a mentalidade judaica, podia até antecipar esse dia. Deus não destrói por destruir. Se destrói o mundo velho, ou envelhecido, é para criar um mundo novo, onde reine a justiça (cf. Mt 19, 28; Ap 20, 11; 21, 1).
    As duas imagens - esperar e apressar o dia do Senhor, dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus - descrevem a vida do cristão. Em primeiro lugar, ela é espera de um acontecimento, anúncio de que o Esposo ainda não veio, saudade de um amor maior do que qualquer afecto humano, como um desejo ainda não satisfeito... Ao mesmo tempo, indica misteriosamente presente nele o Esposo, manifesta a alegria do encontro com Ele, do desejo satisfeito. Mas, como quando uma expectativa se realiza, o desejo satisfeito se torna desejo de algo mais, assim o encontro com o Senhor acende o desejo de maior intimidade, e, de algum modo, acelera a vinda do Senhor. É por isso que o cristão não foge do mundo nem da história, mas permanece aí, para indicar quanto neles há «de Deus», e a Deus há-de voltar, quanto no coração humano pertence ao Altíssimo e só nele encontra paz. Ao mesmo tempo, também revela quanto há de corruptível no homem, e deve ser abandonado. Não se trata de desprezar o que é humano, mas de dar a cada coisa o justo valor e de manter viva a esperança do «dia do Senhor», em que todo o fragmento terreno se há-de fundir no fogo do amor eterno. E acontecerão os «novos céus e a nova terra».
    Entretanto, o cristão é chamado a «dar a César o que é de César, e a dar a Deus o que é de Deus». É a inesperada reposta de Jesus à pergunta hipócrita dos fariseus e dos herodianos. Jesus reconhece que o Estado tem direito a receber o que lhe pertence, mas clarifica que nenhum poder político pode arrogar-se os direitos de Deus.
    A Igreja não é deste mundo, mas vive nele, com muitas relaç&
    otilde;es humanas, nas quais deve aplicar esta palavras de Jesus. O equilíbrio não é fácil. Há que rezar muito pelos pastores da Igreja, que têm essa grave responsabilidade.
    Com os nossos Pastores, e com todos os nossos irmãos na fé, também nós, que participamos no carisma do P. Dehon e, em harmonia com a sua experiência de fé, seguimos a Cristo e nos abrimos ao Espírito, e aos Seus dons, queremos irradiar os seus frutos e praticar as bem-aventuranças, convencidos de que, colaborando com o Espírito, «os novos céus» e a «nova terra», em que «habita a justiça» (2 Pe 3, 13; Cf. Is. 65, 17; 66, 22; Apoc 21, 1.27), não são apenas uma expectativa futura, escatológica, mas podem tornar-se uma realidade actual.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pela nossa história e pelo nosso tempo. Eles são teus e estão cheios de Ti. Vêm de Ti, e a Ti devem voltar, tal como eu, e cada um dos meus irmãos, com toda a nossa humanidade, com a nossa vontade de viver e de amar. Quando tal acontecer, quando testemunharmos que és a origem e o termo de quanto somos e temos, o nosso tempo entra na tua eternidade, e a nossa história torna-se história de salvação. A nossa vida celebra a tua soberania; a nossa morte será um regresso às origens.
    Perdoa que, tantas vezes, tenhamos tentado apoderar-nos do nosso tempo, e não tenhamos sabido esperar a novidade do teu dia. Perdoa que, tantas vezes, não tenhamos reconhecido a tua imagem nas coisas, e tenhamos tentado apoderar-nos delas, em vez de as reconduzirmos a Ti. Perdoa que, em vez de esperarmos os novos céus e a nova terra, tenhamos preferido apegar-nos a ilusões imediatas destes céus e desta terra.
    Ensina-nos a esperar o Dia do Senhor e, enquanto o esperamos, a sabermos «dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Amen.

    Contemplatio

    Toda a autoridade vem de Deus: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». - «Que cada um se submeta às autoridades superiores, diz S. Paulo; porque não há autoridade que não venha de Deus; e todas as autoridades da terra são dispostas por Deus. Portanto, quem resiste às autoridades, resiste à ordenação de Deus, e atrai sobre si a maldição... O príncipe é o ministro de Deus para o bem. É o executor da vingança divina a respeito daqueles que fazem o mal.
    Devemos ser submissos, não apenas por temor, mas também por princípio de consciência. É por isso que pagais o tributo aos príncipes, porque eles são ministros de Deus no cumprimento da sua missão. Dai, portanto, a cada um o que lhe é devido: o tributo, o imposto, o temor e a honra (Rm 13, 1).
    Nosso Senhor, portanto, consolidou a autoridade de todos os poderes estabelecidos. Unamo-nos aos sentimentos do Coração de Jesus para com toda a autoridade estabelecida pela Providência (Pe. Dehon, OSP4, p. 78).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mc 12, 17).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    3 de Junho, 2020

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 1, 1-3.6-12

    1Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, por desígnio de Deus, segundo a promessa de vida que há em Cristo Jesus, 2a Timóteo, meu filho querido: graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. 3Dou graças a Deus, a quem sirvo em consciência pura, como já o fizeram os meus antepassados, ao recordar-te constantemente nas minhas orações, noite e dia. 6Por isso recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, 7pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso. 8Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus. 9Ele salvou-nos e chamou-nos, por santo chamamento, não em atenção às nossas obras, mas segundo o seu próprio desígnio e a graça a nós concedida em Cristo Jesus, antes dos séculos eternos, 10e agora revelada na manifestação do nosso Salvador, Cristo Jesus, que destruiu a morte e irradiou vida e imortalidade, por meio do Evangelho, 11do qual eu próprio fui constituído arauto, apóstolo e mestre. 12Por este motivo é que suporto também esta situação. Mas não me envergonho, pois sei em quem acreditei e estou persuadido de que Ele tem poder para guardar, até àquele dia, o bem que me foi confiado.

    Quando escreve esta carta, Paulo encontra-se preso em Roma, e já antevê a sua morte próxima. Ela tem, pois, o sabor de um testamento espiritual.
    Depois de endereçar a carta ao seu discípulo predilecto, o Apóstolo exorta-o a lutar e a sofrer pelo Evangelho, que é «promessa de vida em Cristo Jesus» (v. 1), «que destruiu a morte e irradiou vida e imortalidade» (v. 10). Paulo é um homem escolhido por Deus para levar ao mundo este Evangelho da vida, não com um Espírito «de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso» (v. 7). O mundo não lhe perdoará, e irá privá-lo da liberdade. Mas Paulo não se envergonha das suas cadeias, e incita Timóteo à mesma atitude. É o preço do testemunho da fé, da vocação santa, da graça oferecida em Cristo Jesus e agora revelada no mistério da sua incarnação. As cadeias são sinal da liberdade nova que nasce da fé em Cristo e da confiança na sua fidelidade até ao último dia, quando a vida vencer a morte. Provavelmente, a comunidade de Timóteo estava ameaçada por perseguições. Mas os cristãos, e em particular aquele que foi ordenado, hão-de ser lutadores e dirigentes corajosos, evitando a prudência segundo a carne.

    Segunda leitura: Marcos 12, 18-27

    Naquele tempo, 18vieram ter com Ele os saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: 19«Mestre, Moisés prescreveu-nos que se morrer o irmão de alguém, deixando a mulher e não deixando filhos, seu irmão terá de casar com a viúva para dar descendência ao irmão. 20Ora havia sete irmãos, e o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. 21O segundo casou com a viúva e morreu também sem deixar descendência, e o mesmo aconteceu ao terceiro; 22e todos os sete morreram sem deixar descendência. Finalmente, morreu a mulher. 23Na ressurreição, de qual deles será ela mulher? Porque os sete a tiveram por mulher.» 24Disse Jesus: «Não andareis enganados por desconhecer as Escrituras e o poder de Deus? 25Quando ressuscitarem de entre os mortos, nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento, mas serão como anjos no Céu. 26E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? 27Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados.»

    Os saduceus, frios e calculistas, querem desfazer-se de Jesus, que consideram um homem perigoso, mas não perdem a calma. Limitam-se a procurar meter Jesus a ridículo diante do povo, levando até ao absurdo as suas ideias sobre a ressurreição. Jesus aproveita para apresentar correctamente o sentido da vida para além da morte.
    No tempo de Jesus, eram várias as posições diante do tema da ressurreição: os saduceus negavam-na; os rabinos fariseus afirmavam-na, mas com uma certa liberdade interpretativa: ressuscitariam só os justos, ou só os Judeus, ou todos os homens, os ressuscitados voltariam à sua corporalidade original, incluindo as enfermidades; os helenistas pagãos, influentes quando Marcos escreve o seu evangelho, preferiam falar da imortalidade do espírito, capaz de sobreviver por si mesmo ao corpo, e de se libertar da prisão. Jesus responde a todos, pondo no centro a verdade do amor de Deus: se Deus ama o homem, não pode abandoná-lo ao poder da morte, mas há-de uni-lo a Si, fonte de vida, tornando-o imortal.
    Como será a vida além-túmulo? Para Jesus, será uma vida que escapa aos esquemas do mundo presente: será divina, eterna, comparável à dos anjos, de tal modo que o matrimónio e a reprodução serão supérfluos. Não será um prolongamento desta vida, mas uma existência nova, resultante de uma misteriosa transformação, fruto da fidelidade do Eterno, que envolverá o homem todo, e não só o espírito.

    Meditatio

    Hoje, começamos por escutar a exortação de Paulo a Timóteo: «Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso» (vv. 6-7). Esta exortação é também para nós. Há que ter ideias grandes sobre Deus, que é magnânimo, que fará grandes coisas por nós, tal como as fez por Paulo, prisioneiro em Roma, e por Timóteo. Se o «dom», que Paulo recomenda reavivar a Timóteo, é um carisma sacerdotal, todos nós recebemos a graça da vocação cristã, os dons de Cristo, que não devemos pensar de modo humano, como os fariseus pensavam na ressurreição. São dons no Espírito que havemos de não deformar, mas renovar com o auxílio do Espírito. Por isso, é que convém varrer da nossa mente todas as ideias mesquinhas sobre a vida em Cristo, e conformar os nossos pensamentos à magnanimidade, ao amor, ao poder glorioso de Deus, com humildade e com esperança.
    O cristianismo é o evangelho da vida. A vida é a boa nova que o cristão anuncia a um mundo cada vez mais mergulhado numa cultura de morte. Só quem acredita em Cristo pode falar de uma vida que venceu a morte, e acreditar na imortalidade. E tem de fazê-lo, sem medo nem timidez, graças ao Espírito de força e de amor que lhe foi dado, como Paulo o fez em Roma, pouco antes da sua morte violenta. O cristão não é dispensado do drama do sofrimento nem da derrota da mo
    rte. Mas, é mesmo nessa experiência, das profundezas do abismo, que anuncia a esperança da vida que não morre. Lembremos as palavras de Bento XVI na encíclica Spe salvi sobre o modo como Santa Josefina Bakhita, raptada aos nove anos pelos traficantes de escravos, espancada barbaramente e vendida cinco vezes nos mercados do Sudão, e finalmente comprada, em 1882, por um comerciante italiano para o cônsul Callisto Legnani, chegou à esperança cristã. Em casa do cônsul, Bakhita acabou por conhecer um «patrão» totalmente diferente dos anteriores, isto é o Deus vivo, o Deus de Jesus Cristo. Soube que esse Senhor também a conhecia, a tinha criado e a amava. Mais ainda, soube que esse Patrão tinha enfrentado pessoalmente o destino de ser flagelado e agora estava à espera dela «à direita de Deus Pai». E assim nasceu nela a «esperança», a grande esperança, que vinha de ser definitivamente amada e esperada por esse Amor. E, então, deixou de se sentir escrava, passando a sentir-se livre filha de Deus (cf. Spe salvi 3).
    Nesta santa como que se tocam dois abismos: o da fragilidade humana e o do poder divino, como aconteceu em Jesus crucificado. Por isso, tal como Deus Pai ressuscitou o Filho, também há libertar das cadeias da morte todo aquele que não se envergonhar do Evangelho da Vida. De facto, não é um «Deus de mortos, mas de vivos» (v. 27).
    «Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem" (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança» (Cst 9).

    Oratio

    Senhor, Tu és o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. Tu é o Deus que ama a vida. Tudo existe e subsiste em Ti. Sem Ti, eu seria nada. Mas como és, e estás comigo, vibra em mim um frémito de eternidade. Eu Te bendigo, porque venho de Ti, vivo por Ti, e vou para Ti. Que eu saiba proclamar sempre a tua glória, e jamais me envergonhe do Evangelho ou tenha medo das incompreensões e recusas que a sua proclamação me pode acarretar. Dá-me a coragem de Paulo, que, mesmo agrilhoado, proclama o Evangelho da vida. Reaviva em mim o teu dom para que, também eu, seja um livre prisioneiro de Cristo, deixando-me amarrar eternamente pelas cadeias daquele amor divino que venceu a morte. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor dá-nos o exemplo. Aceita as perseguições, as zombarias, as calúnias, para nos consolar nas nossas provações, para nos encorajar e para nos ensinar também que a paciência tem diante de Deus um grande valor. «A paciência, diz S. Paulo, é a provação, mas a provação prepara a esperança» (Rom 5,4).
    Nosso Senhor quis ser julgado e condenado e sucumbir vítima da justiça humana, para nos ensinar o desprezo das acusações falsas, das zombarias, dos juízos falsos e temerários. São tantas provas que se tornam também esperanças e fontes de graças, se as suportarmos em espírito de fé.
    O «seja crucificado» de Jesus, é a minha salvação, obtida pela sua paciência, pelos seus sofrimentos, pelas suas expiações, pelo amor do seu Coração. O «seja crucificado» da minha má natureza, é ainda a salvação obtida pelo sacrifício, pela mortificação, pela paciência. Agradeço a Nosso Senhor, pela sua adorável paciência, que é para mim a salvação e o exemplo a seguir (Pe. Dehon, OSP 3, p. 347s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos» (Mc 12, 27).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    4 de Junho, 2020

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Quinta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: 2 Timóteo 2, 8-15

    Caríssimo, 8tem sempre bem presente Jesus Cristo, ressuscitado de entre os mortos e nascido da linhagem de David, segundo o meu evangelho, 9pelo qual sofro mesmo estas cadeias, como se fosse um malfeitor. Mas a palavra de Deus não pode ser acorrentada. 10Por isso, tudo suporto pelos eleitos, para que também eles alcancem a salvação em Cristo Jesus e a glória eterna. 11É digna de fé esta palavra:Se com Ele morrermos, também com Ele viveremos. 12Se nos mantivermos firmes, reinaremos com Ele. Se o negarmos, também Ele nos negará. 13Se formos infiéis, Ele permanecerá fiel, pois não pode negar-se a si mesmo. 14Lembra-lhes estas coisas, advertindo seriamente em nome de Deus que não se envolvam em litígios de palavras. Isso não serve para nada e leva à ruína dos ouvintes. 15Esforça-te por te apresentares diante de Deus como trabalhador digno e irrepreensível, interpretando rectamente a palavra da verdade.

    A Segunda Carta a Timóteo, leva-nos comunidades cristãs da Ásia Menor, na última quarta parte do século I. Aí começavam a surgir controvérsias teológicas baseadas em diferentes interpretações da fé cristã. E cada uma tinha a pretensão de provir directamente da primeiríssima tradição e de assim obter o monopólio da interpretação da fé. Neste contexto, Timóteo lembra os conselhos do seu mestre, Paulo. Antes de discutir qualquer doutrina, há que ir ao único fundamento da fé, que é Jesus Cristo. A Teologia está sujeita à cristologia. Ser cristão é, fundamentalmente, acreditar em Jesus Cristo, naquele homem histórico concreto, conhecido de todos, e que continua misteriosamente presente na comunidade, depois da sua ressurreição. A vida do cristão é a vida de Cristo nele; é participação sempre renovada na morte e na vida gloriosa do Senhor, que misteriosamente sofre e ressuscita naquele que acredita nele. É o que se verifica em Paulo, preso «como um malfeitor» (v. 9), mas também convencido de «reinar com ele» (v. 12). Daqui, seguem duas consequências. Em primeiro lugar, os sofrimentos do cristão participam do valor redentor dos sofrimentos de Cristo e são, de facto, instrumento de salvação, na medida em que o cristão sofre, como Paulo, «por Cristo» e «morre com ele» (v. 11). Desde que o Filho de Deus morreu na cruz, nenhum sofrimento terreno é inútil, e nenhum crente pode sentir-se não responsável pela salvação dos outros. É a comunhão na cruz que dá a cada um a força para «tudo suportar» pelos irmãos, «para que também eles alcancem a salvação em Cristo Jesus e a glória eterna» (v. 10). E então - é a segunda consequência - a vida do cristão torna-se uma existência pascal, na memória da ressurreição de Jesus (v.8) e na profecia da sua própria ressurreição (v.11). Com estas perpectivas, o cristão não se perde em «em litígios de palavras» (v. 14), nem se envergonha da Palavra, mas proclama-a, ainda que, para isso, tenha de sofrer: «a palavra de Deus não pode ser acorrentada»(v. 9) .

    Segunda leitura: Marcos 12, 28b-34

    Naquele tempo, 28aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» 29Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; 30amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. 31O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» 32O escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; 33e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» 34Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.

    Depois dos fariseus, herodianos e saduceus, aparece um escriba de boa vontade, que faz uma pergunta simplesmente teórica, sem armadilhas mais ou menos camufladas. Era uma questão clássica e frequentemente debatida. A resposta de Jesus também não era completamente nova. Na verdade trata-se de uma questão central para Jesus e para todos os crentes. A resposta mais completa será dada com toda a sua vida.
    Jesus oferece ao escriba honesto uma resposta rigorosamente bíblica: remete-o para Dt 6, 4s. e para Lv 19, 18. Mas a compreensão plena da resposta só se obtém à luz da revelação, segundo a qual o nosso amor a Deus e ao próximo supõe um facto precedente e fundante: o amor de Deus para connosco. O amor de Deus é a medida com que se deve confrontar todo o amor humano. Se este nascer daquele, estender-se-á a toda a humanidade, a todo o homem sem distinções, e será um amor com toda a humanidade de que dispomos: o coração, a mente e a vontade. Este amor supera todo e qualquer acto de culto, sobretudo aquele que está separado do amor ao próximo. Notemos também a afirmação clara e incisiva do monoteísmo (vv. 29.32), em polémica com o ambiente pagão em que vivia a comunidade para quem Marcos escrevia o seu evangelho.

    Meditatio

    Para o escriba, a questão posta a Jesus era simplesmente intelectual. Mas, para Jesus, tratava-se de uma questão vital.
    O Senhor começa por apresentar o essencial da vontade de Deus, que consiste em amar a Deus e amar ao próximo: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Jesus unifica o primeiro e o segundo mandamento: «Não há outro mandamento maior que estes» (vv. 30-31). Só Jesus viveu este único mandamento de modo perfeito. O seu amor pelo Pai e por nós levou-o a morrer na cruz, dando a sua vida até às últimas gotas de sangue, que jorraram do seu Coração trespassado.
    O nosso coração foi criado por Deus, à imagem e semelhança do seu, isto é, capaz de amar, e de amar à maneira divina. É o maior sinal do amor de Deus pelo homem. O Criador não guardou ciosamente para Si o poder de amar, mas partilhou-o com a criatura. É por isso que, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos é o maior de todos os mandamentos. É o maior porque, antes de ser um mandamento, é um dom. E, se é maior que todos os hol
    ocaustos e todos os sacrifícios, quer dizer que o homem realiza a maior experiência do amor divino quando ama à maneira de Deus, porque só então se pode dar conta de quando foi amado pelo Eterno, a ponto de poder amar como Ele ama.
    É nesta linha que Paulo convida Timóteo, e todos nós, a sofrer e a morrer por Cristo, para que os irmãos sejam salvos. Esta comunhão no amor redentor da cruz, revela-nos o surpreendente mistério da comunhão de Deus com o homem, do amor divino com o amor humano. Graças a esta comunhão, o amor de Deus já está presente e visível na terra. Mais ainda: o próprio Deus amou com um rosto humano, e um coração de carne bate desde já, com ritmos eternos, no meio dos homens.
    As nossas Constituições lembram-nos: «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo» (n. 24). A nossa oblação, motivada e animada pelo amor oblativo de Cristo, torna-se instrumento de santificação para cada um de nós e para a Igreja, torna-se instrumento de redenção para o mundo. Por isso, as Constituições citam Paulo: «Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja» (Cl 1,24) (cf. Cst 24).

    Oratio
    Senhor Jesus, o Pai não quis holocaustos nem sacrifícios. Por isso, ofereceste-te a Ti mesmo e, num acto de perfeito amor filial, fizeste-te vítima e sacerdote, dom extremo de amor pelos teus: Por isso é que o teu discípulo amado, João, escreve: «Ele, que amara os seus, levou o seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13, 1).
    Agradeço, adoro e alimento-me do teu sacrifício, do teu duplo amor, tornado um único amor. Ensina-me a amar como Tu amaste. Sabes quanto vivo à procura de mim mesmo, grudado ao meu egoísmo, mesmo quando procuro amar. Ensina-me o teu amor oblativo. Ensina-me a morrer contigo, para que o mundo seja salvo. E, estou certo, viverei contigo, para sempre.
    Dá-me o teu Coração, alimenta-me sempre da Eucaristia, para que viva em união contigo, de modo cada vez mais profundo. Assim poderei amar o próximo como Tu o amas, e cumprir toda a Lei e os Profetas. Amen.

    Contemplatio

    O amor do Coração de Jesus pelo seu Pai é o modelo do nosso amor. Jesus é o corifeu do amor das criaturas por Deus. Há certamente o amor dos Anjos e de algumas boas almas, mas o que é isto para Deus? Jesus veio e oferece ao Pai um amor digno. E Pai compraze-se nesse amor, como disse o próprio Jesus nas margens do Jordão.
    Jesus ama o Pai. Esse amor é a sua vida. Amou-o na sua vida mortal, ama-o na Eucaristia, e ama-o no céu. Cumpre sempre o grande preceito: «Amarás o Senhor com todo o teu coração, com toda a sua alma, com todas as tuas forças».
    Entre os homens, Deus é tão pouco amado! Somos ingratos. Esquecemos Aquele de quem temos tudo: a vida, o perdão, a graça, a esperança do céu. E, no entanto, pede-nos o nosso coração: Filho, dá-me o teu coração (Pr 23, 26). Incapazes de O amarmos bem, por nós mesmos, amemo-lo pelo Coração de Jesus. Este divino Coração pertence-nos, suprirá à nossa impotência. Começarei, portanto, esta vida de amor em união com o Coração de Jesus. Amigo de Deus, amarei tudo o que me aproxima dele: a oração, o recolhimento, a visita ao Santíssimo Sacramento, a santa comunhão.
    Amar o próximo como o Coração de Jesus e com ele. O amor de Jesus pelos homens é o modelo daquele que devemos ter. Quanto Jesus nos amou! Porque é que o Filho de Deus se fez homem? Porque é que escolheu uma vida de pobreza, de trabalho e de sofrimento? Por nós e pela nossa salvação! O seu amor é a única explicação dos mistérios de Belém, de Nazaré, da Agonia e do Calvário. «Amou-me e entregou-se por mim» (Gal 2). Foi por nós também que quis permanecer na Eucaristia, e por nós ainda que intercede no céu.
    Jesus é caridade, como Deus é caridade. - A caridade é também o seu mandamento: «Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei», diz-nos (Jo 15). - «Se Jesus, diz S. João, sacrificou por nós a sua vida, devemos também estar prontos a sacrificar a nossa pelos nossos irmãos» (1Jo 3).
    Deus pede raramente um tal sacrifício, mas pede ao menos que pratiquemos a doçura e a paciência. Devemos mostrar-nos serviçais, sofrer as contrariedades, assistir aos infelizes, rezar pelos pecadores. Devemos ser afáveis e delicados, prestar serviços ao próximo, não o criticar nem o desprezar. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 607s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Amarás o Senhor, teu Deus, e o teu próximo como a ti mesmo» (cf. Mc 12, 30-31).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    IX Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    5 de Junho, 2020

    Tempo Comum – Anos Pares
    IX Semana – Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 3, 10-17

    Caríssimo, 10Tu seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza, 11as perseguições e sofrimentos que tive de suportar em Antioquia, Icónio e Listra. Que perseguições tive de suportar! Mas de todas elas me livrou o Senhor. 12E assim também todos os que quiserem viver a fé em Cristo Jesus serão perseguidos. 13Quanto a esses perversos e impostores, irão de mal a pior, extraviando outros e extraviando-se a si próprios. 14Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a certeza, bem ciente de quem o aprendeste. 15Desde a infância conheces a Sagrada Escritura, que te pode instruir, em ordem à salvação pela fé em Cristo Jesus. 16De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, 17a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa.

    A fé de Timóteo está autenticada pelas perseguições e sofrimentos que passou com Paulo: «Tu seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza, as perseguições e sofrimentos que tive de suportar» (vv. 10-11). Se Cristo sofreu, todo o discípulo há-de estar disposto a sofrer: «todos os que quiserem viver a fé em Cristo Jesus serão perseguidos» (v. 12). Paulo sofreu, e Timóteo participou nesses sofrimentos. Por isso, deve permanecer firme no que aprendeu e lhe foi transmitido. Deus é fiel, e há-de libertá-lo de todas as tribulações, que serão garantia da autenticidade da sua fé e do seu ensinamento.
    Em seguida, Paulo aponta duas dimensões vitais da fé. Em primeiro lugar, ela é recebida, das Escrituras e do testemunho de outros crentes, tais como os familiares. A fé recebida é, depois, submetida a um processo de aprendizagem que leva à convicção pessoal (v. 14), à fé, como sabedoria cristã, síntese de conhecimento orante e praxe coerente, que, de qualquer modo, passa pela provação, tornando-se fé provada e vivida. A Escritura, inspirada por Deus, tem o importante papel de «ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (v. 16) o crente e o mestre da fé.

    Segunda leitura: Marcos 12, 35-37

    Naquele tempo, 35ensinando no templo, Jesus tomou a palavra e perguntou: «Como dizem os doutores da Lei que o Messias é filho de David? 36O próprio David afirmou, inspirado pelo Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés’. 37O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?» E a numerosa multidão ouvia-o com agrado.

    Terminado o diálogo com o escriba excepcionalmente honesto, o evangelista retoma a polémica com os outros escribas e fariseus para dar um ensinamento da máxima importância sobre o mistério da sua pessoa, e levantar muito discretamente o véu, que esconde o seu segredo messiânico. De acordo com a tradição judaica, fundada na promessa a Natan (2 Sam 7, 14), e confirmada pelos grandes profetas da esperança messiânica, o Messias devia ser um descendente de David. Mas, no Sl 110, 1, David chama «meu Senhor» ao Messias: «como é Ele seu filho» (v. 37). Com esta pergunta deixada em suspenso, Jesus rompe, mais uma vez, esquemas feitos e tidos por seguros, que parecem afastar o esforço por acreditar. Ao mesmo tempo incita-nos a reflectir, e a deixar-nos descobrir pelo mistério da sua pessoa, a não presumirmos saber tudo sobre Ele. Há que reflectir sempre sobre a «experiência de Deus» que já fizemos.
    Jesus não recusa a ascendência davídica do Messias, quer que ultrapassemos a lógica limitada da continuidade histórica dinástica, porque a promessa de Deus vai além dos critérios da sucessão hereditária. O dom do Pai, no Filho, vai muito além de tudo quanto a mente humana possa entender, porque será sempre um dom inédito e surpreendente.

    Meditatio

    A Sagrada Escritura é Palavra que vem do coração de Deus e fala ao nosso coração. Não é uma Palavra simplesmente escrita. É uma Palavra «aberta» por Jesus. Se assim não fosse, permaneceria enigmática e incompreensível, apesar da sua beleza.
    Paulo incita Timóteo a aprofundar as Escrituras, porque «toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (v. 16).
    Hoje, graças ao Senhor, dispomos de muitos meios para ler e compreender as Sagradas Escrituras. O concílio Vaticano II como que oficializou a Lectio divina, uma antiquíssima forma de ler a Bíblia, que estava adormecida na Igreja, principalmente depois das controvérsias da Reforma. A Lectio divina é, no fundo, uma leitura crente e orante da Bíblia que encontra as suas raízes no Novo Testamento. Lucas apresenta-nos Jesus a convidar os discípulos de Emaús a reler o Antigo Testamento a partir do acontecimento da Páscoa (Lc 24,13-35). E podemos dizer que os Evangelhos seguem, em grande parte, essa mesma dinâmica. A Lectio Divina pode assumir diferentes formulações e práticas. Mas, no essencial, consta dos quatro degraus indicados por Guigo II, o cartuxo, por volta de 1150: a leitura, a meditação, a oração e a contemplação. Este método de leitura da Sagrada Escritura pode contribuir em muito para que «o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa» (v. 17), também para o anúncio correcto e eficaz da Boa Nova. Este anúncio leva inevitavelmente quem o faz ao encontro da rejeição, se não mesmo da perseguição. Foi o que aconteceu com o divino Mestre. Mas essa rejeição e perseguição levam à bem-aventurança: «Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa» (Mt 5, 11). Paulo, e muitos outros arautos do Evangelho, viveram essas perseguições e experimentaram essa bem-aventurança.
    As nossas Constituições afirmam: «Prestamos atenção ao que o Espírito nos inspira, mediante a Palavra de Deus recebida na Igreja e através dos acontecimentos da vida» (n. 57). O Pe. Dehon dá-nos um extraordinário exemplo de «escuta da Palavra», desde seminarista, como testemunham os dois primeiros cadernos do seu «Diário». Quase todos os conteúdos das suas notas têm raiz na Escritura. As citações são tomadas sem qualquer diferença tanto do Antigo como do Novo Testamento. Em 138 páginas manuscritas contamos 210 citações da Sagrada Escritura. A sua preferência vai para S. João (57 vezes) e para S. Paulo (38 vezes).
    Preparado pela “escuta da Palavra”, meditada e assimilada, Leão Dehon vive generosa e alegremente as exig
    ências do seu espírito de oblação, de reparação e de imolação.
    As palavras do evangelho de hoje são misteriosas: «Como dizem os doutores da Lei que o Messias é filho de David?… O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?»(cf. vv. 35-37). Jesus insinua o mistério da sua pessoa: é filho de David, mas também Filho de Deus, Unigénito do Pai. É Ele quem no-lo revela. É por Ele que obtemos a salvação.

    Oratio

    Senhor, abre o meu coração à tua Palavra, aumenta a minha fé, incendeia o meu amor. E, então, poderei dar-te graças, porque iluminas a minha vida, dás sentido àquilo que faço, me ensinas, me convences, me corriges e formas em mim o homem novo. Também Te dou graças porque a tua palavra me dá força e me sustenta nas provações. Nela, a verdade brilha como o sol. Mas também Te agradeço por aquelas vezes em que a tua palavra é obscura e misteriosa, dura e amarga, e me penetra «como espada de dois gumes», pondo à luz os meus medos, as minhas feridas, os meus monstros, os meus demónios, provocando-me a buscar-te onde não queria que estivesses, onde não me leva o coração, muito para além dos meus gostos pessoais.
    Dá-me, Senhor, a coragem de Paulo nas provações. Faz com que aprenda, como Timóteo, a «permanecer firme» na Palavra, e naquilo que a Igreja me ensina, para que a minha fé seja recebida da Escritura e provada na vida. Amen.

    Contemplatio

    A Sagrada Escritura constitui, juntamente com a divina Eucaristia, o alimento da nossa vida espiritual. É uma parte do nosso pão supersubstancial: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que saí da boca de Deus (Mt 4, 4).
    Os Sacerdotes do Coração de Jesus, desejosos de fazer crescer em si mesmos a vida sobrenatural, farão da Sagrada Escritura o seu alimento quotidiano. Será o seu estudo preferido.
    Na Sagrada Escritura, com a ajuda da meditação, aprenderão a conhecer melhor o Coração de Jesus, objecto exclusivo do seu amor.
    O Apóstolo S. João é, de modo particular, o apóstolo do amor, o teólogo do Coração de Jesus. Mas todos os livros sagrados falam do Salvador.
    No Antigo Testamento, Jesus é anunciado, figurado, preparado. No Evangelho, encontramo-l’O vivo na terra: lá se encontram as suas palavras e os seus mistérios. Nas Epístolas, nos Actos dos Apóstolos e no Apocalipse, encontramos ainda Jesus que continua presente na Igreja e está glorioso no céu.
    Todas as leituras da Sagrada Escritura e de autores ascéticos devem servir-nos para melhor conhecermos a Jesus, a fim de aprendermos a amá-l’O melhor.
    A conclusão destas leituras, como também das nossas orações, deve ser sempre um amor novo e mais ardente ao Coração de Jesus.
    Cada um de nós leia todos os dias um trecho da Escritura Sagrada e faça a leitura espiritual (Leão Dehon, Directório Espiritual, nn. 143-144).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Permanece firme no que aprendeste» (2 Tm 3, 14).

    | Fernando Fonseca, scj |

     

  • IX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Junho, 2020

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 4, 1-8

    Caríssimo: 1Diante de Deus e de Cristo Jesus, que há-de julgar os vivos e os mortos, peço-te encarecidamente, pela sua vinda e pelo seu Reino: 2proclama a palavra, insiste em tempo propício e fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência. 3Virão tempos em que o ensinamento salutar não será aceite, mas as pessoas acumularão mestres que lhes encham os ouvidos, de acordo com os próprios desejos. 4Desviarão os ouvidos da verdade e divagarão ao sabor de fábulas. 5Tu, porém, controla-te em tudo, suporta as adversidades, dedica-te ao trabalho do Evangelho e desempenha com esmero o teu ministério. 6Quanto a mim, já estou pronto para oferecer-me como sacrifício; avizinha-se o tempo da minha libertação. 7Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. 8A partir de agora, já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz, e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda.

    Paulo sente-se no crepúsculo da vida: «avizinha-se o tempo da minha libertação» (v. 7). O testo que hoje escutamos é a parte mais comovedora do testamento espiritual, que muitos vêem na Segunda Carta a Timóteo. O Apóstolo, por um lado, está consciente dos perigos que rondam a comunidade, e por outro, como dissemos, sabe que o seu fim se aproxima. E então esconjura o seu discípulo Timóteo a que nada deixe ao acaso, para anunciar a todos o Evangelho: «Tu, porém, controla-te em tudo, suporta as adversidades, dedica-te ao trabalho do Evangelho e desempenha com esmero o teu ministério» (v. 5). Timóteo deve sentir-se responsável pelo anúncio da Boa Nova, porque é da escuta da Palavra que vem a salvação (cf. Rm 10, 17). Os tempos são difíceis, é verdade. A Palavra corre o risco de ser sufocada por «fábulas». O prurido das novidades pode prevalecer sobre a escuta da verdade. Mas Timóteo, e todo aquele que está à frente de uma comunidade cristã, não podem baixar os braços. Devem, sim, vigiar, saber suportar, insistir, avisar, repreender, cumprir a missão de arautos do Evangelho até ao fim, até dar a vida, como Paulo.
    O Apóstolo sabe que o seu fim se aproxima. Mas isso não o entristece. Como um atleta que já avista a meta, e a vitória, Paulo está cheio de alegria. A sua vida vai ser oferecida em sacrifício de amor a Deus, tal como a vida de Jesus. É bom viver e morrer em oblação pela salvação dos outros. É bom regressar ao Pai depois de ter realizado a missão recebida. Paulo faz da sua fidelidade um veemente apelo à de Timóteo. Se conservar fielmente o depósito da fé que lhe foi confiado, receberá «a merecida coroa», resposta de amor do Senhor àqueles que «anseiam pela sua vinda» (v. 8). Todas estas exortações de Paulo brotam, como verificamos, de uma experiência profunda e dolorosa: está prestes a ser sacrificado e tem a consciência tranquila, porque observou as regras de combate expostas a Timóteo.

    Segunda leitura: Marcos 12, 38-44

    Naquele tempo, 38continuando o seu ensinamento, Jesus dizia: «Tomai cuidado com os doutores da Lei, que gostam de exibir longas vestes, de ser cumprimentados nas praças, 39de ocupar os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes; 40eles devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações. Esses receberão uma sentença mais severa.»
    41Estando sentado em frente do tesouro, observava como a multidão deitava moedas. Muitos ricos deitavam muitas. 42Mas veio uma viúva pobre e deitou duas moedinhas, uns tostões. 43Chamando os discípulos, disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou no tesouro mais do que todos os outros; 44porque todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria, deitou tudo quanto possuía, todo o seu sustento.»

    Jesus aponta duas atitudes erradas nos escribas: a vaidade e a hipocrisia. A vaidade revela-se nas longas vestes, no prazer em ser cumprimentados publicamente, na presunção de ocupar sempre os primeiros lugares. A hipocrisia revela-se em ostentarem grande devoção, prolongando os tempos de oração comum, só para darem nas vistas. A sua pretensa religiosidade torna-se ainda mais escandalosa quando não revelam qualquer pudor na opressão dos fracos e dos indefesos. Os escribas são homens impuros, incapazes de fazerem dom de si mesmos a Deus e ao próximo. Mesmo quando oferecem avultadas quantias ao templo, apenas revelam o seu egoísmo e a convicção de que são indispensáveis à causa de Deus. A viúva pobre, pelo contrário, lançou no tesouro do templo duas moedinhas, uns cêntimos. Mas «deitou tudo quanto possuía» (v. 44). Não julgava fazer uma grande oferta, nem «ajudar» a Deus. Mas tinha um coração puro. Amava a Deus e entregava-se a Ele completamente. É por isso que Jesus a apresenta aos discípulos como exemplo.

    Meditatio

    A primeira leitura e o evangelho, que hoje escutamos, completam-se reciprocamente. Paulo põe de sobreaviso Timóteo, e a comunidade a que preside, para o perigo de se deixarem levar por «mestres que lhes encham os ouvidos, de acordo com os próprios desejos» (v. 3). Por outras palavras, Paulo previne Timóteo, e a sua comunidade, contra a vã curiosidade nas leituras, nos divertimentos e nas doutrinas. No evangelho, Jesus fala de mestres que procuram satisfazer a própria vaidade, buscando honras, cumprimentos nas praças e «os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes» (v. 39).
    Também nós, hoje, corremos o risco de nos deixar levar pelas «fábulas» dos falsos mestres, que nos batem à porta, que encontramos na rua e que, sobretudo, vemos, ouvimos e lemos nos meios de comunicação social. Tanto a primeira leitura, como o evangelho, nos alertam para esse perigo.
    Mas há mais: tanto em Paulo como na viúva pobre, encontramos a coragem de amar e de viver aquilo em que crêem, até às últimas consequências. É por essa razão que Paulo está na prisão, e continua a anunciar o Evangelho, enquanto espera a morte. É por isso que a viúva pobre oferece a Deus tudo o que tem, nada reservando para as suas próprias necessidades. As duas leituras exaltam a fé dos apóstolos e dos mártires, a fé dos simples e humildes, mas também a força da própria fé e a sua coerência, fruto de uma paixão interior, que, unida à convicção da mente, é actuada na vida prática. Paulo está devorado pela sua paixão pelo Evangelho e pelo seu anúncio, tal como a viúva pobre está totalmente presa pela centralidade e pelo primado de Deus na sua vida. E, quando a fé se torna paixão, que envolve a mente, o coração, a vontade, os sentidos, a emotividade, as mãos, os pés, todo o seu ser, o crente já não teme dar tudo e entregar a si mesmo a Deus, por amor, e só por amor. Paulo oferece a sua vida
    em sacrifício de amor a Deus, tal como Jesus oferecera a sua. O Apóstolo sabe que é bom viver e morrer em oblação pela salvação dos outros, que é bom regressar ao Pai, depois de ter realizado a missão recebida. A viúva pobre também sabe que, dando tudo o que tem, ainda que sejam apenas «uns cêntimos» (v. 42), dá «mais do que todos os outros» (v. 43), por era «tudo quanto possuía, todo o seu sustento» (v. 44).
    Cristo deu-se inteiramente ao Pai e aos homens com um amor sem reservas (Cst 41). Como cristãos, e particularmente como dehonianos, havemos de estar dispostos, não só a dar tudo, mas também a dar-nos totalmente, sem reservas Àquele que tudo deu por nós. Numa carta escrita aos seus missionários, o Pe. Dehon mostrava-se orgulhoso por esses filhos, porque iam para terras longínquas, entregando tudo, e entregando-se inteiramente, à missão de alargar o Reino do Coração de Jesus, a viver a vida de reparação e de imolação, que a sua vocação exige. E, acrescenta o Fundador, «devem desejar morrer na missão, para que o sacrifício seja mais completo e sem reservas, para fazer conhecer e amar o bom Deus e o amor do Coração de Jesus, especialmente na Eucaristia».

    Oratio

    Senhor, quanto me sinto semelhante aos doutores da Lei, na minha vaidade, na minha auto-suficiência, que me tornam presumido diante de Ti e hipócrita diante dos meus irmãos. E quanto me sinto longe, mas também atraído, pelo exemplo de Paulo e da viúva pobre.
    Dá-me, Senhor, a coerência de Paulo, aquela coerência que o levou à prisão, mas que também lhe deu força, e autoridade moral, para pedir a Timóteo coragem no anúncio do Evangelho. Dá-me a fé corajosa e linear da viúva, que te deu tudo, e confiou na tua Providência.
    Interceda por mim a Virgem Maria, a humilde serva que se ofereceu a Si mesma Contigo, pela salvação do mundo. Amen.

    Contemplatio

    Desde o primeiro instante da sua vida humana, Jesus formula no seu coração os sentimentos que exprimiam os antigos sacrifícios. Substitui-se a todas as vítimas, que não eram senão figurativas. Oferece-se ao seu pai, dá-se. Torna-se hóstia, oblação, holocausto e vítima. Começa o sacrifício da obediência e da submissão à vontade de seu Pai; adora, dá graças, reza, repara.
    Ecce venio! Eis aqui, ó meu Pai, para suprir às vítimas imperfeitas do passado; eis-me aqui para vos oferecer doravante e sem interrupção a homenagem perfeita da adoração, do amor, da oração, da reparação.
    Estes actos formam o Coração espiritual de Jesus. Está deles penetrado, identifica-se com eles.
    Mas a nossa fraca inteligência não se dá conta da perfeição desta oblação senão supondo actos sucessivos.
    Vemos primeiro no Coração imolado de Jesus um acto de adoração e de amor, e para exprimir esta adoração, aniquilamentos infinitos.
    Jesus confessa a absoluta dependência na qual está diante da absoluta Majestade de seu Pai.
    Proclama que lhe deve tudo, e para lhe fazer um sacrifício de tudo o que é, abaixa-se até ao nada, como o explica S. Paulo (Fil 2, 6); porque foi bem o nada que esta natureza humana tomou na sua pobreza, na sua infinita pequenez, com a carga de todos os pecados dos homens.
    E este coração humilhado funde-se no amor da infinita beleza divina.
    Mas mais o Verbo de Deus se abaixa, mais devemos exaltá-lo com os nossos louvores (Leão Dehon, OSP 4, p. 414).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Estou pronto a oferecer-me em sacrifício» (2 Tm 4, 6).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • XI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    XI Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    18 de Junho, 2020

    Tempo Comum - Anos Pares
    XI Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: Ben Sirá 48, 1-14

    1O profeta Elias levantou-se como o fogo impetuoso; as suas palavras eram ardentes como um facho. 2Fez vir sobre eles a fome e, no seu zelo, reduziu-os a poucos. 3Com a palavra do Senhor fechou o céu e assim fez cair fogo por três vezes. 4Quão glorioso te tornaste, Elias, pelos teus prodígios! Quem pode gloriar-se de ser como tu? 5Tu que arrancaste um homem à morte, da morada dos mortos, pela palavra do Altíssimo; 6tu precipitaste os reis na ruína, e fizeste cair do seu leito homens gloriosos; 7tu ouviste, no Sinai, o juízo do Senhor, e, no monte Horeb, os decretos da sua vingança; 8tu sagraste reis, para vingar crimes e estabeleceste profetas para te sucederem; 9tu foste arrebatado num redemoinho de fogo, num carro puxado por cavalos de fogo; 10tu foste escolhido, nos decretos dos tempos, para abrandar a ira antes de enfurecer, reconciliar os corações dos pais com os filhos e restabelecer as tribos de Jacob. 11Felizes os que te viram e os que morreram no amor; pois, nós também viveremos certamente. 2Quando Elias foi envolvido num redemoinho, Eliseu ficou repleto do seu espírito. Nunca, em seus dias, ele temeu príncipe algum e ninguém pôde subjugá-lo. 13Nada era muito difícil para ele, e, ainda depois de morto, o seu corpo profetizou. 14Durante a vida, fez prodígios e, depois da morte, operou maravilhas.

    Elias e Eliseu são as duas figuras religiosas que mais se destacam no século IX a. C. O texto do Ben Sirá, que hoje escutamos, é como que um elogio fúnebre dos dois profetas, que viveram e actuaram num momento crítico para o javismo. De Elias, o profeta de fogo impetuoso, recorda-se o papel desempenhado durante a carestia e a seca, a chama acesa três vezes sobre o monte Carmelo, a ajuda à viúva de Sarepta, a oposição a Acab, a Acasías e a Jorão, a frequência do monte santo, a unção e o repúdio do rei, a investidura profética e o arrebatamento ao céu. Faz-se também um aceno ao futuro papel messiânico do profeta, como também se recorda em Ml 3, 23s.
    De Eliseu, cujo nome quer dizer «Deus salva», recorda-se o papel político e a actividade taumatúrgica, com alusão ao prodígio póstumo referido em 2 Rs 13,20s. O poder taumatúrgico de Eliseu é diversas vezes retomado, também pela liturgia: a Sunamita e o duplo nascimento do filho (2 Rs 4, 8-37); a multiplicação dos pães (2 Rs 4, 42-44); a cura de Naamã (2 Rs 5).

    Evangelho: Mateus 6, 7-15

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7«Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. 8Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» 9«Rezai, pois, assim: 'Pai nosso, que estás no Céu, santificado seja o teu nome, 10venha o teu Reino; faça-se a tua vontade, como no Céu, assim também na terra. 11Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia; 12perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos tem ofendido; 13e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Mal.' 14Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. 15Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.»

    Depois de ter criticado o modo de orar dos fariseus e dos pagãos, Jesus ensina o Pai nosso. No tempo de Jesus, todos os grupos ou seitas religiosas tinham as suas orações específicas. No texto paralelo de Lucas (11, 1-4), os discípulos de Jesus pedem ao Mestre uma oração própria, a exemplo da que João Baptista tinha ensinado aos seus discípulos.
    O cristão deve evitar a ostentação farisaica e a «polilogia» dos pagãos, que soavam aos ouvidos de Deus como um enfadonho blá-blá...
    Pai nosso que estais nos céus. Nas religiões antigas não era muito habitual dirigir-se a Deus como Pai. Mas, no Antigo Testamento, Deus era invocado com esse título, dada a sua relação especial com Israel, salvo da escravidão e protegido com evidentes sinais de intervenções divinas. Jesus é o Filho de Deus. Aqueles que O seguem participam dessa filiação divina. Por isso, O podem chamar Pai (abbá = papá, paizinho, pai querido).
    Santificado seja o vosso nome. Na linguagem bíblica, o nome é a pessoa. Invocar o nome de Deus é invocar a Deus. Se Deus é o santo por excelência, que significa pedir que seja santificado? Significa pedir que Se manifeste, Se dê a conhecer e cumpra as suas promessas. Significa também pedir que a nossa vida cristã coerente leve outros à fé. Uma vida cristã incoerente pode levar à blasfémia do nome de Deus.
    Venha a nós o vosso reino. O reino ou reinado de Deus significa a nova ordem ou estado das coisas, na qual a sua soberania é reconhecida e aceite. Este reino é actualidade e presença, a partir da presença de Jesus. Mas pede-se o seu reconhecimento no presente, e a sua plena revelação no futuro.
    O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Pede-se a Deus poder para satisfazer as necessidades de cada dia e, provavelmente, o pão que é o próprio Cristo assimilado pela fé, o pão da eucaristia.
    Perdoai-nos as nossas ofensas. Todos temos dívidas para com Deus, isto é culpas ou pecados, uma que vivemos sob a sua «graça» e não lhe somos sempre fiéis. Mas o perdão que pedimos é condicionado pelo perdão que concedemos, ou não, aos nossos «devedores».
    Não nos deixeis cair em tentação. Aqui, tentação significa provação. Seremos julgados tendo em conta as nossas reacções às provações da nossa vida.
    Livrai-nos do mal. Há duas formas de traduzir esta petição: livrai-nos do mal ou livrai-nos do maligno. Nos tempos de Jesus, considerava-se que o maligno, o demónio, estava por detrás de qualquer mal. Hoje não se pensa assim. Mas o confronto com o demónio é algo que faz parte da nossa experiência.

    Meditatio

    A página de Ben Sirá, que hoje escutamos, enche-nos de entusiasmo por um homem que se torna defensor de Deus em tempos difíceis. Elias enfrentou corajosamente o rei Acab, aceitou ficar completamente isolado no meio de um povo que se afastava de Deus, aceitou combater durante toda a vida, porque confiava no seu Deus, e queria realizar a sua vontade de restabelecer o seu reino em Israel.
    São também estas as preocupações que encontramos na oração que Jesus nos ensinou. Em primeiro lugar, pedimos que o nome de Deus seja santificado. Não é que Deus precise de ser tornado mais santo. Ele é a fonte da santidade. O que realmente pedimos é que os nossos pecados não sejam obstáculo à manifestação da sua santidade. Pedimos que os baptizados perseverem naquilo que começaram a ser, no dia do seu ba
    ptismo, isto é, santos. Pedimos que a santidade da Igreja proclame a santidade de Deus, a sua justiça, o seu amor misericordioso. Pedimos que Deus seja santificado «em nós»; não «por» nós.
    O Reino, objecto do segundo pedido, não é outra coisa que a universal vontade salvífica de Deus, manifestada em Cristo. É tudo o que de belo, de santo, de extraordinário, Deus inventou para o homem: é o fogo de amor que Jesus disse trazer à terra. É o segredo de Jesus, a sua ânsia, a obra que o Pai lhe mandou realizar. Venha o teu Reino! Faça-se a tua vontade! A vontade de Deus é que o seu Reino se estabeleça no coração de cada homem, para bem do mesmo homem.
    «Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o resto vos será dado por acréscimo», disse Jesus. Depois de nos ter feito rezar pelo Reino, o Mestre permite-nos rezar pelo «resto». Em primeiro lugar, pelo «pão nosso de cada dia». O pão, aqui, é tudo aquilo de que o homem precisa para a sua vida. Pedimos o pão da alma, a palavra de Deus, como ensinavam alguns Padres da Igreja; mas também pedimos o alimento corporal, o vestuário, a habitação, a saúde, o trabalho - que é o modo de ganhar dignamente o pão de cada dia. Podemos também pedir o pão da vida, o pão que desceu do céu, Jesus. Em síntese, pedimos: a Eucaristia, a palavra de Deus, o Espírito Santo.
    O penúltimo pedido, em Lucas, soa assim: «perdoa os nossos pecados,pois também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende» (Lc 11, 4). É o único pedido em que também prometemos alguma coisa. É também o único pedido que Jesus comenta: «Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas» (Mt 6, 14s.). Pedir perdão a Deus, com ressentimentos no coração, é auto-condenar-se. Nessa situação é preciso inverter os pedidos e rezar assim: ajuda-nos a perdoar a quem nos ofendeu, como Tu nos perdoas os nossos pecados!
    Não nos deixes cair em tentação. Mateus acrescenta: «mas livra-nos do Mal», isto é, do Maligno. É o tipo de tentação que Jesus sofreu no deserto, a tentação «objectiva», que não parte de nós, das nossas más inclinações, mas do Inimigo ou das coisas. É a tentação que pode lançar em nós a dúvida sobre a paternidade e a bondade divinas, afastando-nos de Deus, ou a tentação escatológica (peirasmós), que acompanha as grandes vindas do Reino de Deus à história. Jesus ensinou-nos a rezar para não cairmos nessa tentação: «Rezai para não entrardes em tentação» (Lc 22, 40).
    O Pai nosso é a oração de Jesus. Rezá-lo é comungar na oração do nosso Salvador. A oração do Filho, tornou-se a oração dos filhos. Há que reaprender a rezá-lo com a emoção com que o rezam os recém-baptizados nos primeiros tempos da Igreja. Há que rezá-lo, quanto isso é possível, com a emoção e o afecto com que o rezava o Filho de Deus feito homem.

    Oratio

    Ó Jesus, ensina-me a rezar, como Tu rezaste. «Pai!» é o primeiro grito que sai do teu coração e dos teus lábios em todas as circunstâncias. Nas dificuldades, pensavas na glória do Pai: «Pai, glorifica o teu nome». Quando as coisas Te corriam bem, não pensavas senão em glorificar o Pai: «Eu te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra!». A disposição fundamental do teu coração é o amor pelo Pai, um amor profundo, que vem antes de mais nada, que não Te leva a procurar senão a sua glória.
    Que a tua oração se torne a oração do meu coração e dos meus lábios. Assim, pouco a pouco, o meu pobre coração tornar-se-á semelhante ao teu, com os meus pensamentos, os meus desejos, os meus sentimentos. Senhor, ensina-me a rezar! Amen.

    Contemplatio

    Jesus não deixou de rezar durante a sua vida mortal. - Ele pôde dizer-nos que é preciso rezar sempre e nunca parar (Lc 18), porque Ele mesmo rezava sempre. Muitas vezes, era uma oração formal, intensa e prolongada. Durante as suas ocupações exteriores, era o espírito de oração que santificava as suas acções. Era a vida do seu coração do qual todas as palpitações eram actos de oração.
    Foi sobretudo em Nazaré que Ele rezou muito, nesta casa regrada como um convento, com exercícios regulares e um trabalho calmo e silencioso que não interrompia a oração interior e que podia mesmo fazer-se ao cântico dos salmos.
    A oração do Coração de Jesus não omitia nenhuma intenção. Oferecia ao seu Pai o louvor, o amor, a acção de graças, a reparação. Era muitas vezes oração de súplica. Jesus rezava por nós todos. É d'Ele que se pode muito bem dizer o que é dito de Jeremias, no segundo livro dos Macabeus: «Eis o verdadeiro amigo dos seus irmãos, que reza muito pelo seu povo!»
    Como é que rezava? Rezava com um grande respeito, interior e exterior; e foi por isso, diz S. Paulo, que Ele foi atendido (Heb 5,2). Rezava com constância; consagrava-lhe muitas vezes longas noites (Lc 6). Rezava com fervor e com lágrimas: «cum clamore valido et lacrymis» (Heb 5). Rezava com resignação: «Meu Pai, dizia, se é possível, afastai de mim este cálice; no entanto, que se faça a vossa vontade e não a minha». Rezava com confiança: «Meu Pai, eu sei que me escutais sempre» (Jo 11). E a sua oração de então permaneceu uma fonte de graças e de salvação. E nós, como rezamos? (Leão Dehon, OSP3, p. 11s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1).

    | Fernando Fonseca, scj |

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