Liturgia

Events in Junho 2024

  • VIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    VIII Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    1 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    VIII Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: Judas 17.20-25

    Caríssimos, 17quanto a vós, caríssimos, lembrai-vos das coisas preditas pelos Apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo, 20Edificando-vos uns aos outros sobre o fundamento da vossa santíssima fé e orando ao Espírito Santo, 21mantende-vos no amor de Deus, esperando que a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vos conceda a vida eterna. 22Tratai com misericórdia aqueles que vacilam; 23a uns, procurai salvá-los, arrancando-os do fogo; a outros, tratai-os com misericórdia, mas com cautela, detestando até a túnica contaminada pelo seu corpo. 24Àquele que é poderoso para vos livrar das quedas e vos apresentar diante da sua glória, imaculados e cheios de alegria, 25ao Deus único, nosso Salvador, por meio de Jesus Cristo, Senhor nosso, seja dada a glória, a majestade, a soberania e o poder, antes de todos os tempos, agora e por todos os séculos. Ámen.

    O autor deste escrito, de que hoje meditamos a conclusão, apresenta-se como Judas «servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago» (v. 1). Deseja paz aos eleitos que vivem no amor de Deus Pai e foram preservados por Jesus Cristo (vv. 1s.). Judas está preocupado em salvaguardar a integridade e a beleza da fé (v. 3) e recorda àqueles a quem se dirige, provavelmente cristãos provenientes do paganismo, «as coisas preditas pelos Apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo» (v. 17), incita-os a edificar-se uns aos sobre sobre o fundamento da fé (cf. v. 20) e a manter-se no amor de Deus (cf. v.21). Judas tem presente os perigos do gnosticismo. Havia que apoiar os vacilantes e ser misericordiosos e firmes com os que corriam o risco de se deixar envolver pelos seus erros.
    O autor termina com uma solene doxologia, certamente de matriz litúrgica, para louvar a Deus, único salvador, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. E conclui afirmando que só Deus tem poder para preservar das quedas e fazer comparecer na sua presença sem defeitos e cheios de alegria.

    Evangelho: Marcos 11, 27-33

    Naquele tempo, 27Jesus e os discípulos regressaram a Jerusalém e, andando Jesus pelo templo, os sumos sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos aproximaram-se dele 28e perguntaram-lhe: «Com que autoridade fazes estas coisas? Quem te deu autoridade para as fazeres?» 29Jesus respondeu: «Também Eu vos farei uma pergunta; respondei-me e dir-vos-ei, então, com que autoridade faço estas coisas: 30O baptismo de João era do Céu, ou dos homens? Respondei-me.» 31Começaram a discorrer entre si, dizendo: «Se dissermos 'do Céu', dirá: 'Então porque não acreditastes nele?' 32Se, porém, dissermos 'dos homens', tememos a multidão.» Porque todos consideravam João um verdadeiro profeta. 33Por fim, responderam a Jesus: «Não sabemos.»E Jesus disse-lhes: «Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas.»

    A atitude «subversiva» de Jesus no templo inquietou os chefes, que resolveram interrogá-lo. Dir-se-ia que se trata de um inquérito à margem do processo oficial. A resposta positiva de Jesus, à pergunta que lhe faziam, equivalia a declarar-se Messias, pois só Messias tem autoridade para tomar tais atitudes. E nada mais seria preciso para um processo oficial contra Ele. Com grande habilidade, Jesus responde com outra pergunta, que lança a confusão entre os seus adversários. Como não tiveram coragem para responder, e se escudaram num lacónico «não sabemos», Jesus despediu-os com uma expressão seca: «Nem Eu vos digo com que autoridade faço estas coisas» (v. 33).
    Talvez nos espante esta atitude de Jesus, tão atencioso e compassivo com Bartimeu. Mas o Senhor detesta a arrogância e a má vontade. É puro, mas não ingénuo. Além disso, a sua dureza podia levar os adversários a rever posições ou, pelo menos, a reconhecer que não procuravam a verdade, mas só desembaraçar-se dele.
    Jesus dá-nos exemplo de «ética profética». A sua autoridade está na linha da de João Baptista. Se os adversários de Jesus reconhecessem a autoridade de João, a sua resistência a Jesus seria menos grave. Mas não o fizeram. Acabaram por recusar Jesus, mas também por atraiçoar o Baptista, ignorando a confiança que o povo tinha nele, pois o considerava um verdadeiro profeta.

    Meditatio

    A Carta de Judas apresenta-nos uma preciosa exortação sobre dois pólos da vida recta: a santidade de vida e a solicitude pelas pessoas cuja fé corre perigo. A santidade cresce na relação com as Pessoas divinas cultivada na oração, na docilidade ao Espírito Santo, no amor a Deus Pai e na esperança na misericórdia de Jesus: «Edificando-vos uns aos outros sobre o fundamento da vossa santíssima fé e orando ao Espírito Santo, mantende-vos no amor de Deus, esperando que a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vos conceda a vida eterna» (vv. 20-21). Quanto à solicitude com os que correm perigo de vacilar na fé, há que ser misericordioso, mas também firme, sem descer a compromissos: «Tratai com misericórdia aqueles que vacilam; a uns, procurai salvá-los, arrancando-os do fogo; a outros, tratai-os com misericórdia, mas com cautela» (vv. 22-23).
    Judas apresenta, pois, um verdadeiro programa de vida, assente na rocha viva que é Jesus Cristo. Há que construir tudo sobre a fé, com simplicidade, correspondendo à graça de Deus, sem nos fiarmos no que é simplesmente humano, nem sequer em nós mesmos. O importante é praticar «a verdade na caridade» (Ef 4, 15).
    Os sumos-sacerdotes, os doutores da Lei e os anciãos de que nos fala o evangelho não agiam nem falavam com rectidão. É por isso que Jesus não responde à pergunta que Lhe fazem, mas, por sua vez, também os interroga acerca de João Baptista. A pergunta de Jesus visa fazê-los pensar e... converter-se. Mas, em vez de se deixarem tocar pela graça, entram em cálculos humanos: «Começaram a discorrer entre si, dizendo: «Se dissermos 'do Céu', dirá: 'Então porque não acreditastes nele?' Se, porém, dissermos 'dos homens', tememos a multidão» (vv. 31-32). Não lhes convinha dizer que o baptismo de João vinha «do céu»; mas também temeram dizer que vinha «dos homens». Escudaram-se no: «Não sabemos.». E assim se fecharam à fé.
    Também nós corremos o risco de dar respostas semelhantes quando resistimos às inspirações do Espírito Santo, ou deslizamos para soluções mais cómodas, menos empenhativas. Nos nossos exames de consciência havemos de nos interrogar: «Estes pensamentos, estes projectos, estas opções são motivadas pela minha fé, ou por outras razões mais ou menos conscientes?» Quais motivações me fazem falar, agir, caminhar? Certamente reconheceremos, com humildade e confiança, diante de Deus, que, nem sempre é por Ele que falamos, agi
    mos, optamos. Mas, reconhecê-lo, pedir perdão, e procurar emenda, é salvaguardar a nossa fé.

    Oratio

    Senhor, Jesus Cristo, não olhes para os nossos pecados, mas para a fé da tua Igreja. Dá-nos a graça de construirmos o nosso edifício espiritual sobre os fundamentos da fé e dos apóstolos. Perdoa as nossas hesitações e medos. Põe nos nossos caminhos pessoas compassivas, mas exigentes, que nos ajudem e superar as nossas misérias, mas não sejam coniventes com os nossos erros. Por vezes refilamos com as intervenções daqueles que, na tua Igreja, tem o serviço de vigiar pela integridade da fé e pela sã moral. A recordação de erros, ou de situações menos lineares e claras do passado, dão-nos ânimo para presumir respostas e rejeitar as intervenções e orientações dos nossos pastores.
    Dá-nos o teu Espírito Santo, Espírito de Conselho, para sabermos discernir as situações e ver quando é oportuno fazer-nos voz daqueles que não têm voz e quando, pelo contrário, as nossas recriminações são apenas fruto da nossa impiedade, e da dureza do nosso coração.
    Que sempre e em toda a parte, sejamos missionários misericordiosos da tua Verdade. Amen.

    Contemplatio

    S. Judas Tadeu era familiar de Nosso Senhor, um daqueles que chamavam seus irmãos, que o seguiam e o procuravam sempre. Era irmão de S. Tiago Menor, de S. Simão, bispo de Jerusalém, e de S. José, o justo, que foi proposto com S. Matias para substituir Judas, eram os filhos de Cléofas e de Maria, irmã da santa Virgem. Recebeu de sua mãe o amor de Jesus e de Maria e o espírito de reparação. Era do número dos discípulos mais amados de Jesus. Quando Jesus disse aos seus apóstolos: «Quem me ama e guarda os meus mandamentos será amado de meu Pai; eu o amarei também e me revelarei a ele», é S. Judas que toma a palavra e faz repetir a Nosso Senhor esta doce promessa! «Senhor, diz, de onde vem que vos revelareis a nós e não ao mundo?» Jesus respondeu-lhe: «É porque vós me amais e guardais a minha palavra, o meu Pai vos amará, e nós viremos a vós e faremos em vós a nossa morada» (Jo 14, 21). Ó bem-aventurado apóstolo, como invejo a vossa sorte! Mas não posso eu, se quiser, fazer-me amar também de Deus e de Nosso Senhor observando os mandamentos?
    S. Judas, na sua epístola, ensina o amor de Deus e do próximo: «Meus bem-amados, diz, tinha pressa em escrever-vos. Desejo-vos a misericórdia, a paz e a caridade divina... Mantende-vos fortemente agarrados a Jesus Cristo, e erguendo-vos a vós mesmos como um edifício espiritual sobre o fundamento da vossa santa fé, rezai por meio do Espírito Santo e conservai-vos no amor de Deus, aguardando a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo para obterdes a vida eterna» (Leão Dehon, OSP4, p. 401s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Mantende-vos no amor de Deus;
    tratai com misericórdia os que vacilam» (Jd vv. 21.22).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 9.º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    9.º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    2 de Junho, 2024

    9.º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    Tema do 9.º Domingo Comum

    A liturgia do 9.º Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir sobre a celebração do Dia do Senhor, sábado para os judeus, domingo para os cristãos, fazendo memória da ação criadora e redentora de Deus para com o seu Povo.
    A primeira leitura recorda-nos o preceito do terceiro mandamento, de guardar o sábado para o santificar, sugerindo que seja um dia que exprime a unidade do Povo que celebra a ação libertadora de Deus, sem qualquer tipo de desigualdades.
    O Evangelho, retomando a mesma temática, mostra que, quando se faz uma interpretação demasiado rigorista dos preceitos da Lei, ela deixa de cumprir a sua missão de estar ao serviço do homem de cada tempo. Jesus convida-nos, por isso, a posicionar-nos ao serviço dos necessitados, tendo em conta que o Dia do Senhor foi feito para o homem, não para fazer do homem um escravo. É um convite a vivermos não do preceito, mas da Lei que assumimos no nosso coração.
    A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de ardor apostólico de São Paulo, para quem ser evangelizador equivale a ser prolongamento da vida de Cristo que deve ser visível naqueles que a anunciam. Apesar das fragilidades humanas, a mensagem evangélica não fica comprometida, porque é um tesouro precioso, sinal de que a obra evangelizadora é obra do poder de Deus.

    LEITURA I - Deut 5,12-15
    Leitura do Livro do Deuteronómio
    Eis o que diz o Senhor:
    «Guarda o dia de sábado, para o santificares,
    como te mandou o Senhor, teu Deus.
    Trabalharás durante seis dias
    e neles farás todas as tuas obras.
    O sétimo, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus.
    Não farás nele qualquer trabalho,
    nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha,
    nem o teu escravo, nem a tua escrava,
    nem o teu boi, nem o teu jumento,
    nem nenhum dos teus animais,
    nem o estrangeiro que mora contigo.
    Assim, o teu escravo e a tua escrava
    poderão descansar como tu.
    Recorda-te que foste escravo na terra do Egipto
    e que o Senhor, teu Deus, te fez sair de lá
    com mão forte e braço estendido.
    Por isso, o Senhor, teu Deus,
    te mandou guardar o dia de sábado».

    AMBIENTE
    O livro do Deuteronómio, mesmo que de redação posterior ao tempo da narração (que seria o tempo do caminho deserto, sob a guia de Moisés) e com notórias influências de textos extra-bíblicos de culturas vizinhas do Povo de Israel (nomeadamente dos tratados de vassalagem neo-assírios), é importante para as reformas de Ezequias (725-697 a.C.; cf. 2Rs 18,4.22) e sobretudo de Josias (640-609 a.C.; cf. 2Rs 23,4-20), uma vez que as centra no evento fundador de Israel como Povo, com a celebração da Aliança no Sinai-Horeb. Os elementos fundamentais que dão corpo às reformas são: o monoteísmo (um só Deus), a centralidade do curso num só lugar (Jerusalém), a Aliança de Deus-YHWH com o povo, que faz do Povo propriedade de Deus-YHWH e, portanto, a unidade do povo, demostrando a insensatez da constituição de dois reinos no período pós-salomónico e afirmando o ideal de regressar à unidade política das 12 tribos de Israel.
    O livro do Deuteronómio é tradicionalmente dividido em três grandes secções, que corresponderiam a três grandes discursos de Moisés; o nosso texto situa-se no início do segundo discurso (cf. Dt 4,44 - 26,19), depois de uma breve introdução histórica que o situa no contexto da teofania do Sinai-Horeb (Dt 4,44 - 5,5) e é parte da versão deuteronómica do decálogo (Dt 5,6-21). Quanto à sua forma literária, sendo parte do decálogo (dez mandamentos), é um texto de carácter legislativo, sem perder, porém, a sua componente didática como se vê pelo início do discurso de Moisés.

    MENSAGEM
    Não é difícil perceber qual a temática que está em foco no texto de Dt 5,12-15: trata-se do mandamento referente ao sábado, como se percebe até pela repetição desta palavra por três vezes. Praticamente é a enunciação do mandamento, uma explicação didática de como se deve praticar esse mandamento e uma fundamentação teológica para essa mesma prática.
    Quanto à enunciação do mandamento, há que notar que, a par do mandamento de honrar pai e mãe (cf. Dt 5,16), este é o único que não exprime uma proibição, mas uma ordem positiva: «Guarda o dia de sábado, para o santificares» (v. 12). Este enunciado positivo desdobra-se depois em duas explicações, uma positiva (v.13-14a) e outra em chave de proibição (v.14b): a positiva basicamente estabelece que o trabalho seja limitado aos primeiros seis dias da semana, de modo a reservar o sábado para o Senhor-YHWH, mostrando que o «sábado» é um dia que lhe pertence; já a explicação em chave de proibição centra-se na celebração do sábado que exclui qualquer possibilidade de trabalho. Esta explicação negativa, porém, transporta consigo um ideal de justiça para a sociedade que se baseia na solidariedade, uma vez que é uma espécie de crítica direta a um sistema social baseado numa lógica de mercado, uma vez que todos, também os escravos e os estrangeiros, são chamados a guardar o dia de sábado, com igualdade de direitos em relação às classes médias-altas que teriam a possibilidade de guardar o sábado exatamente socorrendo-se dos serviços de escravos e estrangeiros. A terceira parte do texto, o fundamento teológico, é típico do Deuteronómio, uma vez que, ao contrário do decálogo do livro do Êxodo que fundamenta o sábado com o repouso de Deus na obra da criação (cf. Ex 20,8-11), o Deuteronómio relaciona a obrigação do sábado com o evento de libertação do Egito (Dt 5,15); de facto, este último livro do Pentateuco insiste fortemente sobre a importância da memória da escravatura de Israel no Egito e sobre a libertação que lhe pôs termo (cf. Dt 4,23; 7,19; 11,2; 26,8).
    Uma releitura do texto do decálogo na versão do Deuteronómio (5,6-21) permite notar que o mandamento referente ao sábado é central a vários títulos no contexto do mesmo decálogo e, portanto, de importância cabal para a identidade hebraica: numa divisão tripartida do decálogo deuteronómico (vv. 6-11; vv. 12-15; vv. 16-21), o sábado ocupa a posição central; além disso, no contexto do decálogo menciona-se o evento libertador do Egito por duas vezes, a primeira no título que encabeça todo o decálogo (Dt 5,6) e no mandamento do sábado (Dt 5,15). Centrado assim na experiência libertadora do Êxodo, que é constitutiva para Israel, este mandamento funciona como um símbolo dos deveres para com o Senhor-YHWH, Deus libertador (Dt 5,6.15) e para com o próximo, que também fez a experiência da libertação (Dt 5,14.21).

    ATUALIZAÇÃO
    • Uma compreensão anárquica da realidade poderia relativizar os preceitos do Decálogo do Deuteronómio e, mais concretamente, de «guardar o dia de sábado para o santificar». Há que ter em conta que a Lei é sobretudo instrução paternal de Deus, uma oferta para o seu Povo, para regular as relações em sociedade. O texto da primeira leitura convida-nos a regressar aos fundamentos da celebração do Dia do Senhor, tomando a sério o valor do verbo «santificar».
    • Destacámos para o sábado e podemos fazê-lo para o domingo cristão as duas fundamentações teológicas expressas no livro do Êxodo e do Deuteronómio, respetivamente, fazendo memória do repouso do Senhor, depois da obra da criação, e da sua obra de libertação da escravidão do Egito. É importante voltar aos fundamentos da celebração do Dia do Senhor, vivendo-o como memorial da libertação do Pecado na Páscoa de Cristo que atualiza a obra libertadora de Deus da escravidão do Egito.
    • Notámos que a celebração do Dia do Senhor - sábado para os judeus e domingo para os cristãos - tem uma grande dimensão social, sendo dia de descanso para todos, garantindo esse direito sobretudo aos pobres que se veem assim protegidos pela Lei divina. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica: «O agir de Deus é o modelo do agir humano. Se Deus "descansou" no sétimo dia, o homem deve também "descansar" e deixar que os outros, sobretudo os pobres, "tomem fôlego". O sábado faz cessar os trabalhos quotidianos e concede uma folga. É um dia de protesto contra as servidões do trabalho e o culto do dinheiro» (n. 2172).
    • O texto do Deuteronómio socorre-se de uma tradição antiga, que está na origem de Israel como Povo, para redefinir a própria identidade em tempo de crise, concretamente no tempo do exílio e pós-exílio. A celebração do Dia do Senhor pode ser um bom recurso para recuperar a identidade cristã. De facto, se no passado irmãos nossos deram a vida para defender o domingo («Não podemos passar sem o domingo», diziam diante do cônsul que os condenaria à morte, como quem diz, «sem nos reunirmos em assembleia ao domingo para celebrar a Eucaristia não podemos viver»). Como ensinou Bento XVI, a experiência dos mártires de Abitene pode ser paradigmática para nós cristãos do séc. XXI: «Precisamos do pão da vida para enfrentar as fadigas e o cansaço da viagem. O Domingo, Dia do Senhor, é a ocasião propícia para haurir a força d'Ele, que é o Senhor da vida. Por conseguinte, o preceito festivo não é um dever imposto pelo exterior, um peso sobre os nossos ombros. Ao contrário, participar na Celebração dominical, alimentar-se do Pão eucarístico e experimentar a comunhão dos irmãos e irmãs em Cristo é uma necessidade para o cristão, é uma alegria, e assim pode encontrar a energia necessária para o caminho que devemos percorrer todas as semanas. Um caminho, aliás, não arbitrário: a via que Deus nos indica na sua Palavra vai na direção inscrita na própria essência do homem, a Palavra de Deus e a razão caminham juntas. Seguir a Palavra de Deus e caminhar com Cristo significa para o homem realizar-se a si mesmo; perdê-la equivale a perder-se a si próprio.»

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 80 (81)
    Refrão 1: Exultai em Deus, que é o nosso auxílio.
    Refrão 2: Aclamai a Deus, nossa força.

    Aclamai a Deus, nossa força,
    aplaudi ao Deus de Jacob.
    Fazei ressoar a trombeta na lua nova
    e na lua cheia, dia da nossa festa.
    É uma obrigação para Israel,
    é um preceito do Deus de Jacob,
    lei que Ele impôs a José,
    quando saiu da terra do Egipto.
    Ouço uma língua desconhecida:
    «Aliviei os teus ombros do fardo
    e soltei as tuas mãos dos cestos;
    gritaste na angústia e Eu te libertei.
    Não terás contigo um deus alheio,
    nem adorarás divindades estranhas.
    Eu, o Senhor, sou o teu Deus,
    que te fiz sair da terra do Egipto».

    LEITURA II - 2Cor 4,6-11
    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
    Irmãos:
    Deus, que disse: «Das trevas brilhará a luz»
    fez brilhar a luz em nossos corações,
    para que se conheça em todo o seu esplendor
    a glória de Deus, que se reflete no rosto de Cristo.
    Nós trazemos em vasos de barro o tesouro do nosso ministério,
    para que se reconheça que um poder tão sublime
    vem de Deus e não de nós.
    Em tudo somos oprimidos, mas não esmagados;
    andamos perplexos, mas não desesperados;
    perseguidos, mas não abandonados;
    abatidos, mas não aniquilados.
    Levamos sempre e em toda a parte no nosso corpo
    os sofrimentos da morte de Jesus,
    a fim de que se manifeste também no nosso corpo
    a vida de Jesus.
    Porque, estando ainda vivos,
    somos constantemente entregues à morte por causa de Jesus,
    para que se manifeste também na nossa carne mortal
    a vida de Jesus.

    AMBIENTE
    A relação de Paulo com as comunidades cristãs por ele fundadas ou pelo menos solidificadas é semelhante à de um pai que se ocupa da educação dos filhos: ao verificar comportamentos pouco condizentes com a fé cristã, Paulo intervém indicando o caminho a seguir. Esta atitude não será certamente estranha a quem conhece a Primeira Carta aos Coríntios, em que o apóstolo das gentes individua vários comportamentos reprováveis e mostra o caminho a seguir, oferecendo também, normalmente, um fundamento teológico. A Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios insere-se nestas relações paternas de Paulo com aquela comunidade, que se fazem através de visitas presenciais e de correspondência epistolar. Uma vez que o seu ministério apostólico é posto em causa, muito provavelmente pelo grupo dos "Homens Espirituais" a que se refere a Primeira Carta aos Coríntios (cf. 2,6-16; 4,8-10) e nem sequer os seus cristãos vêm em sua defesa, Paulo faz a sua apologia, uma espécie de defesa do seu ministério apostólico, mostrando que nele se verificam os critérios que permitem identificar um verdadeiro apóstolo.
    É neste contexto que se insere este texto proposto pela liturgia, que se esforça por demonstrar que o ministério apostólico de Paulo é condizente com o mistério de Cristo e, sobretudo, não o ofusca com pretensões de protagonismo, uma vez que é o conteúdo da mensagem transmitida por Paulo que assume o verdadeiro papel de protagonista na sua missão apostólica.

    MENSAGEM
    No centro do nosso texto, temos uma descrição autobiográfica de situações limite (vv. 8-9) vividas pelo apóstolo Paulo e possivelmente pelos seus companheiros que, porém, não põem termo à sua vida, mas que demonstram bem como a vida humana do apóstolo é frágil, não imortal. Estes factos autobiográficos, conjugados com a imagem simbólica dos «vasos de barro» - a fragilidade e a limitação humana - que transportam o «tesouro do ministério» apostólico, ou seja, o Evangelho, enquanto conteúdo da mensagem que o apóstolo anuncia (v. 7). Há, portanto, uma desproporção de valor entre os «vasos de barro» e o «tesouro» que eles transportam e isso será visível no contraste que se estabelece entre as situações de fragilidade descritas nos vv. 8-9 e a mensagem que essas situações podem transmitir (v. 10), isto é, que a vida e a morte de Cristo estão presentes nas várias situações existenciais, mesmo nas tribulações do apóstolo. Este é um ponto assente na teologia e na vivência de fé de Paulo, como se pode verificar ao comparar 2Cor 4,8-10 com Gl 2,19-20 («Estou crucificado com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim»); e ainda na Carta aos Gálatas, o apóstolo quisera demonstrar que o Evangelho por ele pregado não tinha origem na vontade humana, mas é fruto da revelação divina (cf. Gl 1,11-12: «O Evangelho por mim anunciado, não o conheci à maneira humana; pois eu não o recebi nem aprendi de homem algum, mas por uma revelação de Jesus Cristo»).
    Não podemos esquecer que este texto se situa num ambiente apologético, de defesa do apóstolo diante de quem denigre o seu ministério. De facto, a grande mensagem do nosso texto está nas frases de abertura e de conclusão que servem de moldura a esta descrição autobiográfica de Paulo: ele não se anuncia a si mesmo (v. 5), mas anuncia «a glória de Deus, que se reflete no rosto de Cristo» (v. 6), e que Deus, autor da luz na criação do mundo, fez brilhar como luz no seu coração, talvez numa alusão, também autobiográfica, ao episódio da estrada de Damasco, do encontro com Cristo, quando «uma grande luz o envolveu» (At 9,4). O objetivo de Paulo é demonstrar que Cristo está vivo no seu ministério apostólico, mesmo a partir da fragilidade que se manifesta na forma como é perseguido e entregue à morte em nome de Cristo (v. 11).

    ATUALIZAÇÃO
    • São Paulo é um modelo de servidor do Evangelho para todos os que, na Igreja, se posicionam ao serviço humilde do Povo de Deus. Dele aprendemos que a grande característica do apostolado, mais que as ações pastorais inovadoras ou não, é a relação com Cristo, a ponto de trazer na própria vida as marcas dessa união, seja nas tribulações que se sofre por causa de Cristo e do Evangelho, seja porque se incarna na própria vida aquilo que se ensina.
    • Para se exercer um serviço na Igreja, mais concretamente ao serviço do anúncio e da evangelização, sem excluir nenhum dos outros serviços e ministérios, é necessário pôr de parte todo e qualquer desejo de ser protagonista, para dar protagonismo ao Evangelho, verdadeiro «tesouro» que transportamos «em vasos de barro», frágeis, da nossa fragilidade humana. Mesmo quando o Senhor fortalece a nossa fragilidade, é importante que seja claro para nós, como era para Paulo, que o verdadeiro tesouro é o Evangelho que não depende de nós, mas de Deus que no-lo deu a conhecer na pessoa de Jesus Cristo.
    • A vida do evangelizador deve conformar-se cada vez mais à vida de Cristo a ponto de se tornar um espelho de Cristo, um livro aberto do Evangelho, onde se pode ler os sinais da vida oferecida de Jesus. Só uma grande intimidade com Jesus Cristo, como a que teve Paulo, poderá dar-nos a possibilidade de sermos pessoas identificadas com o Evangelho que anunciamos.

    ALELUIA - cf. Jo 17,17b.a
    Aleluia. Aleluia.
    A vossa palavra, Senhor, é a verdade;
    santificai-nos na verdade.

    EVANGELHO - Mc 2,23–3,6
    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
    Passava Jesus através das searas, num dia de sábado,
    e os discípulos, enquanto caminhavam,
    começaram a apanhar espigas.
    Disseram-Lhe então os fariseus:
    «Vê como eles fazem ao sábado o que não é permitido».
    Respondeu-lhes Jesus:
    «Nunca lestes o que fez David,
    quando ele e os seus companheiros
    tiveram necessidade e sentiram fome?
    Entrou na casa de Deus,
    no tempo do sumo sacerdote Abiatar,
    e comeu dos pães da proposição,
    que só os sacerdotes podiam comer,
    e os deu também aos companheiros».
    E acrescentou:
    «O sábado foi feito para o homem
    e não o homem para o sábado.
    Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado».
    Jesus entrou de novo na sinagoga,
    onde estava um homem com uma das mãos atrofiada.
    Os fariseus observavam Jesus,
    para verem se Ele ia curá-lo ao sábado
    e poderem assim acusá-l'O.
    Jesus disse ao homem que tinha a mão atrofiada:
    «Levanta-te e vem aqui para o meio».
    Depois perguntou-lhes:
    «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal,
    salvar a vida ou tirá-la?».
    Mas eles ficaram calados.
    Então, olhando-os com indignação
    e entristecido com a dureza dos seus corações,
    disse ao homem:
    «Estende a mão».
    Ele estendeu-a e a mão ficou curada.
    Os fariseus, porém, logo que saíram dali,
    reuniram-se com os herodianos
    para deliberarem como haviam de acabar com Ele.

    AMBIENTE
    O texto evangélico deste domingo conclui a primeira secção do Evangelho de Marcos, que descreve a fase inicial do ministério de Jesus (cf. 1,14-3,6), e é a última das controvérsias de Jesus com os seus opositores acerca de algumas práticas rituais judaicas, no caso sobre o sábado judaico. É de notar que estes dois textos que formam Mc 1,23 - 3,6 são os únicos dois textos de Marcos em que Jesus se contrapõe ao sábado; no resto do Evangelho, tanto Jesus como quem está com Ele observam as práticas judaicas a respeito do mandamento de guardar o sábado. Recapitulando, Jesus tinha-se já confrontado com os escribas a respeito do perdão dos pecados ao paralítico (cf. 2,1-13), do estar à mesa com os publicamos e pecadores (cf. 2,14-17); depois, com os discípulos de João Batista e os fariseus sobre as práticas do jejum, não observado pelos discípulos de Jesus (cf. 2,18-22); confronta-se agora com os fariseus sobre o respeito pelo dia de sábado em dois episódios (2,23-28; 3,1-6), sendo que, neste último episódio, pela primeira vez os seus opositores se reuniam com os herodianos para encontrar maneira de condenar Jesus à morte (3,6), funcionando esta decisão como conclusão de todos os confrontos.
    Será bom ter em conta o objetivo desta primeira secção do Evangelho de Marcos; o evangelista pretende mostrar a novidade trazida pelo movimento de Jesus, bem diferente do ambiente judaico e rabínico, mostrando o amor de Deus pelos que estavam marginalizados (os publicamos e pecadores), uma mensagem que toma corpo no perdão dos pecados (na cura do paralítico) e a total rejeição de leituras rigoristas da Lei de Moisés, demonstrando que o formalismo pode aniquilar a experiência de fé, que deve estar sempre orientada para o bem do outro. Como se verá o critério que Jesus deixa para interpretar o sábado judaico, mas também outros preceitos é o amor ao outro.

    MENSAGEM
    O nosso texto é composto por dois episódios que colocam Jesus em confronto com a instituição do sábado judaico: os discípulos a colher espigas para comer e um homem com uma mão atrofiada que nos coloca, com Jesus e os seus interlocutores, diante do dilema de curar ou não esse homem; ambos os episódios em dia de sábado. No que ao primeiro episódio diz respeito, o problema de colher espigas talvez seja o problema de se entender como colheita.
    De qualquer forma, Marcos convida-nos a centrar-nos nas palavras de Jesus que ajudam a interpretar a sua liberdade diante da instituição do sábado judaico: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado» (Mc 2,27-28); «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?» (Mc 3,4). Estas palavras de Jesus dão a interpretação dos episódios, bem como da forma como Jesus se posiciona diante da instituição de sábado em geral.
    Já na controvérsia de Mc 2,1-12 sobre o perdão dos pecados, a questão era do «poder» ou «autoridade» para o fazer. Da mesma forma, agora apenas nas palavras de Jesus, a relação de Jesus com o sábado exprime-se em chave de poder e autoridade, uma vez que Ele, «o Filho do homem, é também Senhor do sábado» (Mc 2,28).
    A segunda linha de argumentação é a da total precedência das necessidades humanas, mesmo em relação ao sagrado: isto vale para a fome dos discípulos diante do sábado que é sagrado, como valeu para a fome de David e dos seus homens diante dos pães sagrados da proposição (pelo menos na forma como Mc 2,25-26 nos conta o episódio com algumas nuances em relação a 1Sm 21,1-7) e valerá também para a cura do homem com a mão atrofiada diante da instituição de sábado. Diante do poder de Jesus e das necessidades humanas, as coisas sagradas não têm um valor próprio (nem o pão do santuário, no caso de David, nem o sábado, no caso dos discípulos de Jesus ou do homem com a mão atrofiada), mas existem para o bem da humanidade (os pães da proposição para alimentar David e os seus homens, o sábado para o homem e para Jesus); na interpretação de Jesus, é fundamental que o que é sagrado esteja ao serviço do homem. A par deste critério, se partirmos da formulação da pergunta retórica de Mc 3,4, na perspetiva de Jesus não há um agir neutro e ainda menos decisivas são as instituições: a lei é a da atenção ao outro, a quem sou chamado a fazer bem, salvando-lhe a vida, ou então posiciono-me diante dele para lhe fazer mal, causando-lhe a morte. Em ambos os momentos, Jesus escolheu fazer o bem e colocar-se ao serviço das necessidades humanas, satisfazendo-as, mesmo se isso lhe acarreta a decisão do conluio das autoridades políticas e religiosas contra Ele, para o condenarem à morte.
    É importante ter em conta que Jesus não retira qualquer importância ao sábado, enquanto dia consagrado a Deus, mas redireciona-o de modo a voltar à intuição inicial da Lei de Moisés, uma vez que «o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» (2,27). Não está em causa uma interpretação libertina ou relativista do sábado, mas fazer dele o dia da relação com Deus que vem em auxílio de quem está em necessidade. Uma boa interpretação lê todos estes aforismos de Jesus em relação entre eles, de modo que o sábado esteja sempre ao serviço do homem, para fazer bem e salvar a vida; se, de facto, Jesus é o senhor do sábado, é para o recolocar ao serviço do homem e da salvação da vida.

    ATUALIZAÇÃO
    • Jesus ensina-nos a posicionar-nos com verdadeira liberdade diante da Lei de Moisés, ou melhor, diante da Lei de Deus, que nos chegou por Moisés, sem perder nunca de vista o seu objetivo de regular a nossa vida em sociedade e em Igreja, protegendo os mais frágeis e evitando toda e qualquer opressão por parte de quem exerce o poder. Interpretações rigoristas da Lei - como são as dos fariseus no nosso texto - cegam e não deixam ver as necessidades humanas que, na perspetiva de Jesus, são o verdadeiro critério para manter uma atitude livre diante da Lei.
    • O nosso texto não coloca em causa a celebração do culto no dia de sábado, mas reposiciona-a de modo a que possa coabitar com o serviço dos necessitados, na pessoa dos discípulos com fome e de uma pessoa com uma mão atrofiada. A celebração do Dia do Senhor, ao domingo, pode ser cada vez mais expressão desta dupla faceta do sábado reinterpretado com Jesus que, em dia de sábado entra na sinagoga, lugar onde se realiza o culto, mas não pactua com a necessidade de quem sofre, indo em seu auxílio, dando conforto e, no caso, mesmo a cura. Se o cristão prolonga na existência a vida de Cristo, é importante que no dia maior, a Ele consagrado, não se perca de vista aqueles que foram os seus prediletos.
    • A regra hermenêutica que Jesus dá para saber o que se pode fazer ou não ao domingo pode ser transposta para outros campos da nossa vida: é importante saber que queremos estar ao serviço do bem e da salvação da vida humana, em linha com o desejo de Deus, tal como se manifesta na vida e mensagem de Jesus; a par disso, sabemos que as instituições, sejam elas religiosas ou civis, devem estar ao serviço da vida humana, para que possam realizar a missão para a qual nasceram.

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 10º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho, P. Ricardo Freire
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • IX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    3 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Pedro 1, 2-7

    Caríssimos, 2a graça e paz vos sejam concedidas em abundância por meio do conhecimento de Deus e de Jesus, Senhor nosso. 3O divino poder, ao dar-nos a conhecer aquele que nos chamou pela sua glória e pelo seu poder, concedeu-nos todas as coisas que contribuem para a vida e a piedade. 4Com elas, teve a bondade de nos dar também os mais preciosos e sublimes bens prometidos, a fim de que - por meio deles - vos torneis participantes da natureza divina, depois de vos livrardes da corrupção que a concupiscência gerou no mundo. 5Por este motivo é que, da vossa parte, deveis pôr todo o empenho em juntar à vossa fé a virtude; à virtude o conhecimento; 6ao conhecimento a temperança; à temperança a paciência; à paciência a piedade; 7à piedade o amor aos irmãos; e ao amor aos irmãos a caridade.

    Em princípios do século II, a Igreja debatia-se com os gnósticos, que pensavam que o homem pode conseguir tudo por si mesmo, inclusivamente a salvação. A Segunda Carta de Pedro começa com uma afirmação peremptória: Jesus é a única causa de salvação do homem. É a comunidade petrina que fala a todos os crentes em Cristo, «àqueles a quem coube em sorte, pela justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, uma fé tão preciosa como a nossa» (v. 1). Esses crentes, com a fé preciosa, também receberam aquela graça e paz, que agora, em Cristo ressuscitado, os tornam «participantes da natureza divina» (v. 4). O cristão é aquele que toma consciência do dom recebido, com inteligência e afecto, ou com um «conhecimento» pleno e grato, como insinua o nosso texto, pelo menos três vezes. Com efeito, o verdadeiro cristão, sentindo-se um predilecto de Deus, decide ser coerente com a graça que actua nele, uma graça mais forte do que a «corrupção que a concupiscência gerou no mundo» (v. 4). E o autor da nossa Carta aponta sete virtudes, a juntar à fé, e que hão-de distinguir o cristão: a virtude, o conhecimento, a temperança, a paciência, a piedade, o amor aos irmãos, a caridade cf. vv. 5-7). O princípio de toda a virtude é a «fé». A «virtude» é a atitude constante, que dá coragem nas dificuldades; o «conhecimento» é a abertura da mente ao esplendor da verdade; a «temperança» é o autodomínio, fruto da participação na vitalidade do Ressuscitado; a «paciência» não é simples resignação, mas força nas provações e resistência às oposições externas; a «piedade» é a relação com Deus, verdadeiro centro e coração da vida dos crentes; o «amor fraterno» é fruto da intimidade afectuosa com Deus Pai; deste amor, chega-se à «caridade», ao amor total e iluminado, meta do caminho do crente.

    Segunda leitura: Marcos 12, 1-12

    Naquele tempo, 1Jesus começou a falar-lhes em parábolas: «Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e construiu uma torre. Depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. 2A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo, para receber deles parte do fruto da vinha. 3Eles, porém, prenderam-no, bateram-lhe e mandaram-no embora de mãos vazias. 4Enviou-lhes, novamente, outro servo. Também a este partiram a cabeça e cobriram de vexames. 5Enviou outro, e a este mataram-no; mandou ainda muitos outros, e bateram nuns e mataram outros. 6Já só lhe restava um filho muito amado. Enviou-o por último, pensando: 'Hão-de respeitar o meu filho'. 7Mas aqueles vinhateiros disseram uns aos outros: 'Este é o herdeiro. Vamos matá-lo e a herança será nossa'. 8Apoderaram-se dele, mataram-no e lançaram-no fora da vinha. 9Que fará o dono da vinha? Regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros. 10Não lestes esta passagem da Escritura:A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. 1Tudo isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos?» 12Eles procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se.

    A alegoria usada por Jesus só se percebe se tivermos em conta o «cântico da vinha», que lemos em Is. 5, e o seu contexto histórico, isto é, a recusa da salvação pelos chefes de Israel, os «agricultores», que matam os profetas. Deus é o dono da vinha e o construtor do edifício, que é Israel. Surpreendentemente, aparece como «estrangeiro» no meio do povo de Israel. Deus não está vinculado às vicissitudes de um povo. Confiou uma tarefa aos responsáveis pela vinha israelita e foi-se embora, porque está noutro lado... Os servos são os numerosos profetas e homens de Deus enviados ao longo da história do povo escolhido. O filho recusado e morto, mas depois tornado pedra angular, é Jesus. A alegoria faz tocar os extremos: o amor de Deus Pai, que envia o seu Filho, e a recusa do chefes de Israel, que O matam.
    À volta de Jesus, e do mistério da sua morte e ressurreição, hoje, como no passado, decide-se, para cada um de nós, o acolhimento ou a recusa da salvação. Não há direitos de progenitura, ou de eleição preferencial, que nos valham. O pretenso monopólio dos israelitas sobre a salvação está votado ao fracasso: «O dono regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros» (v. 9). O importante é que, no confronto com Jesus e com o seu mistério pascal, nos abramos a Ele, livre e responsavelmente, para sermos salvos. E Deus premiará a nossa coragem.

    Meditatio

    Na Segunda Carta de Pedro, o cristão é aquele que toma consciência do dom recebido, e o faz com inteligência e afecto, ou com um «conhecimento» pleno e grato, como insinua o nosso texto, pelo menos três vezes: «a graça e paz vos sejam concedidas em abundância por meio do conhecimento de Deus e de Jesus, Senhor nosso»(v. 2);«o divino poder, ao dar-nos a conhecer aquele que nos chamou pela sua glória e pelo seu poder, concedeu-nos todas as coisas...»(v. 3); «deveis pôr todo o empenho em juntar à vossa fé a virtude, à virtude o conhecimento ao conhecimento a temperança»(v. 5). A consciência é graça a que devemos estar abertos, e que exige renúncia às paixões, pureza de coração, disponibilidade para Deus, que nos tornou participantes da sua natureza, «participantes da natureza divina», como escreve Pedro.
    Ser participante da natureza divina significa ter-se livrado «da corrupção que a concupiscência gerou no mundo» (v. 4), isto é, participar do amor divino, e não do egoísmo e da ânsia de poder, que corrompem o mundo. A natureza divina é incorruptível, porque é puro amor.
    O evangelho mostra-nos em acção esse amor divino,
    mas também a concupiscência e a falta de conhecimento. Os vinhateiros querem apoderar-se da vinha e batem e insultam repetidamente os servos. Quando vêem chegar o «filho muito amado» (v. 6), não hesitam em matá-lo. E assim se auto-excluem do Reino do amor.
    Marcos anota que os sumos-sacerdotes, os escribas e fariseus «procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se» (v. 12). O seu conhecimento é incoerente: escutaram, compreenderam, podiam pensar que estava a preparar um destino semelhante aos dos vinhateiros, que Jesus tenta evitar, mas a inveja cega-os. Jesus põe em perigo o poder deles. E decidem matá-l´O.
    O conhecimento de Deus, o conhecimento de Jesus, Filho de Deus é um dom do Espírito Santo. Como dehonianos, somos chamados a esse conhecimento, iluminado pelo carisma e pela missão que recebemos de Deus: «somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração e a anunciar o seu amor que excede todo o conhecimento: «Cristo habite pela fé, nos vossos corações de sorte que, enraizados e fundados no amor, possais compreender, com todos os Santos, qual é a largura e o comprimento, a altura e a profundidade e conhecer, enfim, o amor de Cristo que excede todo o conhecimento, para serdes repletos da plenitude de Deus» (Ef 3,17-19)». Esse conhecimento obtém-se na escuta da Palavra e na celebração da Eucaristia: «Fiéis à escuta da Palavra, e à fracção do Pão, somos chamados a descobrir, cada vez mais, a Pessoa de Cristo e o mistério do seu Coração...», escrevem as nossas Constituições (n. 17).

    Oratio

    Senhor Jesus, concede-nos, a mim, aos meus irmãos, ao mundo inteiro, a graça de vencermos os movimentos da concupiscência, do amor possessivo e da inveja, bem como o dom de nos deixarmos iluminar pela luz que sempre nos ofereces. Que toda a humanidade Te conheça, Te ame e possa tomar parte na herança que nos conquistaste ao derramar o teu precioso sangue na cruz.
    Abre os nossos olhos, Senhor. Abre a nossa mente. Tu, que és manso e humilde de coração, abate a nossa presunção e força-nos a não nos «retirarmos», como fizeram os teus adversários, quando perceberam que falavas para eles. Decidiram matar-te, mas temeram a multidão. Que jamais Te deixemos passar em vão pela nossa vida, mas saibamos reconhecer-Te como o «Deus connosco», como a Videira fecunda que o Pai plantou na nossa vinha. Amen.

    Contemplatio

    Só vós, Senhor, fizestes tudo. Tudo dispusestes para que me eleve degrau a degrau até à vida de união e de amor convosco.
    Conduzistes-me ao vosso Coração. Quereis que eu nele penetre e nele faça a minha morada. Quereis que me inspire nos seus sentimentos, que viva da sua vida, que me inflame do seu zelo, para levar por toda a parte o seu conhecimento e o seu amor. Como estabelecestes os vossos apóstolos para espalharem a fé, confiastes-me uma parte da missão de propagar o amor do Sagrado Coração. Eis-me aqui. Senhor, não permitais que eu me subtraia a esta admirável missão. Indicai-me pelas vossas inspirações o que devo fazer desde hoje para amar cada vez mais e fazer amar o vosso divino Coração (Pe. Dehon, OSP 3, p. 461s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «A graça e paz vos sejam concedidas por meio do conhecimento de Deus e de Jesus» (2 Pe 1, 2).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    4 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Pedro 3, 12-15ª.17-18

    Caríssimos: 12enquanto esperais e apressais a chegada do dia de Deus, quando os céus, a arder, se desintegrarem e os elementos do mundo, com o ardor do fogo, se derreterem! 13Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos uns novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça. 14Portanto, caríssimos, enquanto esperais estes acontecimentos, esmerai-vos para que Ele vos encontre imaculados, irrepreensíveis e em paz. 15Considerai que a paciência de Nosso Senhor é para nossa salvação. 17Vós, caríssimos, dado que sabeis isto de antemão, estai alerta para que não venhais a descair da vossa firmeza, arrastados pelo erro desses malvados. 18Crescei, antes, na graça e no conhecimento do Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. A Ele seja dada glória, agora e até ao dia eterno. Ámen.

    A secção anterior a este texto terminou com a afirmação de que a vinda do Senhor pode ser «apressada», para que apareçam os novos céus e a nova terra onde reine a justiça. O texto que lemos hoje é uma reflexão sobre o estado do cristão que espera «a chegada do dia de Deus» (v. 12). O autor desta carta explica que, o que se espera, são «uns novos céus e uma nova terra» (v. 13; cf. Is 65, 17; 66, 22), nos quais se manifestará Cristo e se realizará, na «justiça», o projecto de Deus. Mas, a manifestação do Senhor não se deve aguardar passivamente. Uma vida na piedade e na santidade pode «apressar» o dia do Senhor, pois torna já presente na história a justiça típica do esperado dia do Senhor. Há pois que viver «imaculados e irrepreensíveis e em paz» (v. 14), tal como há-de acontecer no dia sem ocaso da vida futura. Mais importante do que procurar saber quando será o dia do Senhor, é viver na justiça e na santidade. O que realmente conta é a magnanimidade do Senhor, que organiza os tempos e a história na amorosa perspectiva da salvação. Os ímpios não conhecem esse desígnio de Deus. Mas os crentes vão-no conhecendo progressivamente.

    Segunda leitura: Marcos 12, 13-17

    Naquele tempo, 13foram enviados a Jesus alguns fariseus e partidários de Herodes, a fim de o apanharem em alguma palavra. 14Aproximando-se, disseram-lhe: «Mestre, sabemos que és sincero, que não te deixas influenciar por ninguém, porque não olhas à condição das pessoas mas ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. Diz-nos, pois: é lícito ou não pagar tributo a César? Devemos pagar ou não?» 15Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu: «Porque me tentais? Trazei-me um denário para Eu ver.» 16Trouxeram-lho e Ele perguntou: «De quem é esta imagem e a inscrição?» Responderam: «De César.» 17Jesus disse: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» E ficaram admirados com Ele.

    Alguns fariseus e partidários de Herodes, que se consideravam nacionalistas, mas colaboravam com os romanos, fingindo sinceridade, fazem a Jesus uma pergunta armadilhada. Queriam embaraçá-lo, tornando-O malvisto pelas autoridades romanas ou pela multidão. Jesus evita a armadilha, e aproveita a ocasião para oferecer um importante critério para a vida cristã: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (v. 17). Deus e César não se opõem, nem se colocam ao mesmo nível. O primado de Deus não retira ao Estado os seus direitos. O cristão deve obedecer a Deus, mas também aos homens. Em qualquer caso, obedece por causa de Deus e não por causa dos homens, porque toda a autoridade humana tem as suas raízes no Eterno. Este princípio está na origem da liberdade de consciência, afasta da idolatria do poder, leva a acolher a soberania da Igreja, mas também a do Estado.
    Esta mensagem de liberdade surpreende os adversários de Jesus: «Ficaram admirados com Ele» (v. 17b). A opção a fazer não é entre Deus e César, mas entre Deus e todo o movimento humano, ainda que chamado libertador, ainda que seja o dos zelotas. Os movimentos libertadores, mais tarde ou mais cedo, pretendem tornar-se absolutos. É por isso que o profeta mantém a devida distância, em relação a eles.

    Meditatio

    O cristão espera, - e até pode apressar -, a vinda do Senhor, para que apareçam os novos céus e a nova terra. Em vez de se pôr a calcular o tempo divino, que se rege por uma escala diferente da nossa, há que pensar na finalidade do tempo que Deus nos concede: dar a todos a oportunidade de se converterem, aproveitando a graça, que o seu amor nos oferece (cf. 1 Tm 2, 4). É à luz desta intenção divina que devemos avaliar a duração do tempo. A Segunda Carta de Pedro acentua o carácter repentino e imprevisível da parusia. O cristão deve estar sempre preparado para a segunda vinda de Cristo, vivendo na confiança e na entrega a Deus. Um comportamento digno, em conformidade com a sua condição de cristão, segundo a mentalidade judaica, podia até antecipar esse dia. Deus não destrói por destruir. Se destrói o mundo velho, ou envelhecido, é para criar um mundo novo, onde reine a justiça (cf. Mt 19, 28; Ap 20, 11; 21, 1).
    As duas imagens - esperar e apressar o dia do Senhor, dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus - descrevem a vida do cristão. Em primeiro lugar, ela é espera de um acontecimento, anúncio de que o Esposo ainda não veio, saudade de um amor maior do que qualquer afecto humano, como um desejo ainda não satisfeito... Ao mesmo tempo, indica misteriosamente presente nele o Esposo, manifesta a alegria do encontro com Ele, do desejo satisfeito. Mas, como quando uma expectativa se realiza, o desejo satisfeito se torna desejo de algo mais, assim o encontro com o Senhor acende o desejo de maior intimidade, e, de algum modo, acelera a vinda do Senhor. É por isso que o cristão não foge do mundo nem da história, mas permanece aí, para indicar quanto neles há «de Deus», e a Deus há-de voltar, quanto no coração humano pertence ao Altíssimo e só nele encontra paz. Ao mesmo tempo, também revela quanto há de corruptível no homem, e deve ser abandonado. Não se trata de desprezar o que é humano, mas de dar a cada coisa o justo valor e de manter viva a esperança do «dia do Senhor», em que todo o fragmento terreno se há-de fundir no fogo do amor eterno. E acontecerão os «novos céus e a nova terra».
    Entretanto, o cristão é chamado a «dar a César o que é de César, e a dar a Deus o que é de Deus». É a inesperada reposta de Jesus à pergunta hipócrita dos fariseus e dos herodianos. Jesus reconhece que o Estado tem direito a receber o que lhe pertence, mas clarifica que nenhum poder político pode arrogar-se os direitos de Deus.
    A Igreja não é deste mundo, mas vive nele, com muitas relaç&
    otilde;es humanas, nas quais deve aplicar esta palavras de Jesus. O equilíbrio não é fácil. Há que rezar muito pelos pastores da Igreja, que têm essa grave responsabilidade.
    Com os nossos Pastores, e com todos os nossos irmãos na fé, também nós, que participamos no carisma do P. Dehon e, em harmonia com a sua experiência de fé, seguimos a Cristo e nos abrimos ao Espírito, e aos Seus dons, queremos irradiar os seus frutos e praticar as bem-aventuranças, convencidos de que, colaborando com o Espírito, «os novos céus» e a «nova terra», em que «habita a justiça» (2 Pe 3, 13; Cf. Is. 65, 17; 66, 22; Apoc 21, 1.27), não são apenas uma expectativa futura, escatológica, mas podem tornar-se uma realidade actual.

    Oratio

    Obrigado, Senhor, pela nossa história e pelo nosso tempo. Eles são teus e estão cheios de Ti. Vêm de Ti, e a Ti devem voltar, tal como eu, e cada um dos meus irmãos, com toda a nossa humanidade, com a nossa vontade de viver e de amar. Quando tal acontecer, quando testemunharmos que és a origem e o termo de quanto somos e temos, o nosso tempo entra na tua eternidade, e a nossa história torna-se história de salvação. A nossa vida celebra a tua soberania; a nossa morte será um regresso às origens.
    Perdoa que, tantas vezes, tenhamos tentado apoderar-nos do nosso tempo, e não tenhamos sabido esperar a novidade do teu dia. Perdoa que, tantas vezes, não tenhamos reconhecido a tua imagem nas coisas, e tenhamos tentado apoderar-nos delas, em vez de as reconduzirmos a Ti. Perdoa que, em vez de esperarmos os novos céus e a nova terra, tenhamos preferido apegar-nos a ilusões imediatas destes céus e desta terra.
    Ensina-nos a esperar o Dia do Senhor e, enquanto o esperamos, a sabermos «dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Amen.

    Contemplatio

    Toda a autoridade vem de Deus: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». - «Que cada um se submeta às autoridades superiores, diz S. Paulo; porque não há autoridade que não venha de Deus; e todas as autoridades da terra são dispostas por Deus. Portanto, quem resiste às autoridades, resiste à ordenação de Deus, e atrai sobre si a maldição... O príncipe é o ministro de Deus para o bem. É o executor da vingança divina a respeito daqueles que fazem o mal.
    Devemos ser submissos, não apenas por temor, mas também por princípio de consciência. É por isso que pagais o tributo aos príncipes, porque eles são ministros de Deus no cumprimento da sua missão. Dai, portanto, a cada um o que lhe é devido: o tributo, o imposto, o temor e a honra (Rm 13, 1).
    Nosso Senhor, portanto, consolidou a autoridade de todos os poderes estabelecidos. Unamo-nos aos sentimentos do Coração de Jesus para com toda a autoridade estabelecida pela Providência (Pe. Dehon, OSP4, p. 78).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mc 12, 17).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Quarta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    5 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Quarta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 1, 1-3.6-12

    1Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, por desígnio de Deus, segundo a promessa de vida que há em Cristo Jesus, 2a Timóteo, meu filho querido: graça, misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor. 3Dou graças a Deus, a quem sirvo em consciência pura, como já o fizeram os meus antepassados, ao recordar-te constantemente nas minhas orações, noite e dia. 6Por isso recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, 7pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso. 8Portanto, não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem de mim, seu prisioneiro, mas compartilha o meu sofrimento pelo Evangelho, apoiado na força de Deus. 9Ele salvou-nos e chamou-nos, por santo chamamento, não em atenção às nossas obras, mas segundo o seu próprio desígnio e a graça a nós concedida em Cristo Jesus, antes dos séculos eternos, 10e agora revelada na manifestação do nosso Salvador, Cristo Jesus, que destruiu a morte e irradiou vida e imortalidade, por meio do Evangelho, 11do qual eu próprio fui constituído arauto, apóstolo e mestre. 12Por este motivo é que suporto também esta situação. Mas não me envergonho, pois sei em quem acreditei e estou persuadido de que Ele tem poder para guardar, até àquele dia, o bem que me foi confiado.

    Quando escreve esta carta, Paulo encontra-se preso em Roma, e já antevê a sua morte próxima. Ela tem, pois, o sabor de um testamento espiritual.
    Depois de endereçar a carta ao seu discípulo predilecto, o Apóstolo exorta-o a lutar e a sofrer pelo Evangelho, que é «promessa de vida em Cristo Jesus» (v. 1), «que destruiu a morte e irradiou vida e imortalidade» (v. 10). Paulo é um homem escolhido por Deus para levar ao mundo este Evangelho da vida, não com um Espírito «de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso» (v. 7). O mundo não lhe perdoará, e irá privá-lo da liberdade. Mas Paulo não se envergonha das suas cadeias, e incita Timóteo à mesma atitude. É o preço do testemunho da fé, da vocação santa, da graça oferecida em Cristo Jesus e agora revelada no mistério da sua incarnação. As cadeias são sinal da liberdade nova que nasce da fé em Cristo e da confiança na sua fidelidade até ao último dia, quando a vida vencer a morte. Provavelmente, a comunidade de Timóteo estava ameaçada por perseguições. Mas os cristãos, e em particular aquele que foi ordenado, hão-de ser lutadores e dirigentes corajosos, evitando a prudência segundo a carne.

    Segunda leitura: Marcos 12, 18-27

    Naquele tempo, 18vieram ter com Ele os saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: 19«Mestre, Moisés prescreveu-nos que se morrer o irmão de alguém, deixando a mulher e não deixando filhos, seu irmão terá de casar com a viúva para dar descendência ao irmão. 20Ora havia sete irmãos, e o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. 21O segundo casou com a viúva e morreu também sem deixar descendência, e o mesmo aconteceu ao terceiro; 22e todos os sete morreram sem deixar descendência. Finalmente, morreu a mulher. 23Na ressurreição, de qual deles será ela mulher? Porque os sete a tiveram por mulher.» 24Disse Jesus: «Não andareis enganados por desconhecer as Escrituras e o poder de Deus? 25Quando ressuscitarem de entre os mortos, nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento, mas serão como anjos no Céu. 26E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? 27Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados.»

    Os saduceus, frios e calculistas, querem desfazer-se de Jesus, que consideram um homem perigoso, mas não perdem a calma. Limitam-se a procurar meter Jesus a ridículo diante do povo, levando até ao absurdo as suas ideias sobre a ressurreição. Jesus aproveita para apresentar correctamente o sentido da vida para além da morte.
    No tempo de Jesus, eram várias as posições diante do tema da ressurreição: os saduceus negavam-na; os rabinos fariseus afirmavam-na, mas com uma certa liberdade interpretativa: ressuscitariam só os justos, ou só os Judeus, ou todos os homens, os ressuscitados voltariam à sua corporalidade original, incluindo as enfermidades; os helenistas pagãos, influentes quando Marcos escreve o seu evangelho, preferiam falar da imortalidade do espírito, capaz de sobreviver por si mesmo ao corpo, e de se libertar da prisão. Jesus responde a todos, pondo no centro a verdade do amor de Deus: se Deus ama o homem, não pode abandoná-lo ao poder da morte, mas há-de uni-lo a Si, fonte de vida, tornando-o imortal.
    Como será a vida além-túmulo? Para Jesus, será uma vida que escapa aos esquemas do mundo presente: será divina, eterna, comparável à dos anjos, de tal modo que o matrimónio e a reprodução serão supérfluos. Não será um prolongamento desta vida, mas uma existência nova, resultante de uma misteriosa transformação, fruto da fidelidade do Eterno, que envolverá o homem todo, e não só o espírito.

    Meditatio

    Hoje, começamos por escutar a exortação de Paulo a Timóteo: «Recomendo-te que reacendas o dom de Deus que se encontra em ti, pela imposição das minhas mãos, pois Deus não nos concedeu um espírito de timidez, mas de fortaleza, de amor e de bom senso» (vv. 6-7). Esta exortação é também para nós. Há que ter ideias grandes sobre Deus, que é magnânimo, que fará grandes coisas por nós, tal como as fez por Paulo, prisioneiro em Roma, e por Timóteo. Se o «dom», que Paulo recomenda reavivar a Timóteo, é um carisma sacerdotal, todos nós recebemos a graça da vocação cristã, os dons de Cristo, que não devemos pensar de modo humano, como os fariseus pensavam na ressurreição. São dons no Espírito que havemos de não deformar, mas renovar com o auxílio do Espírito. Por isso, é que convém varrer da nossa mente todas as ideias mesquinhas sobre a vida em Cristo, e conformar os nossos pensamentos à magnanimidade, ao amor, ao poder glorioso de Deus, com humildade e com esperança.
    O cristianismo é o evangelho da vida. A vida é a boa nova que o cristão anuncia a um mundo cada vez mais mergulhado numa cultura de morte. Só quem acredita em Cristo pode falar de uma vida que venceu a morte, e acreditar na imortalidade. E tem de fazê-lo, sem medo nem timidez, graças ao Espírito de força e de amor que lhe foi dado, como Paulo o fez em Roma, pouco antes da sua morte violenta. O cristão não é dispensado do drama do sofrimento nem da derrota da mo
    rte. Mas, é mesmo nessa experiência, das profundezas do abismo, que anuncia a esperança da vida que não morre. Lembremos as palavras de Bento XVI na encíclica Spe salvi sobre o modo como Santa Josefina Bakhita, raptada aos nove anos pelos traficantes de escravos, espancada barbaramente e vendida cinco vezes nos mercados do Sudão, e finalmente comprada, em 1882, por um comerciante italiano para o cônsul Callisto Legnani, chegou à esperança cristã. Em casa do cônsul, Bakhita acabou por conhecer um «patrão» totalmente diferente dos anteriores, isto é o Deus vivo, o Deus de Jesus Cristo. Soube que esse Senhor também a conhecia, a tinha criado e a amava. Mais ainda, soube que esse Patrão tinha enfrentado pessoalmente o destino de ser flagelado e agora estava à espera dela «à direita de Deus Pai». E assim nasceu nela a «esperança», a grande esperança, que vinha de ser definitivamente amada e esperada por esse Amor. E, então, deixou de se sentir escrava, passando a sentir-se livre filha de Deus (cf. Spe salvi 3).
    Nesta santa como que se tocam dois abismos: o da fragilidade humana e o do poder divino, como aconteceu em Jesus crucificado. Por isso, tal como Deus Pai ressuscitou o Filho, também há libertar das cadeias da morte todo aquele que não se envergonhar do Evangelho da Vida. De facto, não é um «Deus de mortos, mas de vivos» (v. 27).
    «Na Igreja, fomos iniciados na Boa Nova de Jesus Cristo: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem" (1 Jo 4,16). Recebemos o dom da fé que dá fundamento à nossa esperança» (Cst 9).

    Oratio

    Senhor, Tu és o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. Tu é o Deus que ama a vida. Tudo existe e subsiste em Ti. Sem Ti, eu seria nada. Mas como és, e estás comigo, vibra em mim um frémito de eternidade. Eu Te bendigo, porque venho de Ti, vivo por Ti, e vou para Ti. Que eu saiba proclamar sempre a tua glória, e jamais me envergonhe do Evangelho ou tenha medo das incompreensões e recusas que a sua proclamação me pode acarretar. Dá-me a coragem de Paulo, que, mesmo agrilhoado, proclama o Evangelho da vida. Reaviva em mim o teu dom para que, também eu, seja um livre prisioneiro de Cristo, deixando-me amarrar eternamente pelas cadeias daquele amor divino que venceu a morte. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor dá-nos o exemplo. Aceita as perseguições, as zombarias, as calúnias, para nos consolar nas nossas provações, para nos encorajar e para nos ensinar também que a paciência tem diante de Deus um grande valor. «A paciência, diz S. Paulo, é a provação, mas a provação prepara a esperança» (Rom 5,4).
    Nosso Senhor quis ser julgado e condenado e sucumbir vítima da justiça humana, para nos ensinar o desprezo das acusações falsas, das zombarias, dos juízos falsos e temerários. São tantas provas que se tornam também esperanças e fontes de graças, se as suportarmos em espírito de fé.
    O «seja crucificado» de Jesus, é a minha salvação, obtida pela sua paciência, pelos seus sofrimentos, pelas suas expiações, pelo amor do seu Coração. O «seja crucificado» da minha má natureza, é ainda a salvação obtida pelo sacrifício, pela mortificação, pela paciência. Agradeço a Nosso Senhor, pela sua adorável paciência, que é para mim a salvação e o exemplo a seguir (Pe. Dehon, OSP 3, p. 347s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos» (Mc 12, 27).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    6 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Quinta-feira

    Lectio
    Primeira leitura: 2 Timóteo 2, 8-15

    Caríssimo, 8tem sempre bem presente Jesus Cristo, ressuscitado de entre os mortos e nascido da linhagem de David, segundo o meu evangelho, 9pelo qual sofro mesmo estas cadeias, como se fosse um malfeitor. Mas a palavra de Deus não pode ser acorrentada. 10Por isso, tudo suporto pelos eleitos, para que também eles alcancem a salvação em Cristo Jesus e a glória eterna. 11É digna de fé esta palavra:Se com Ele morrermos, também com Ele viveremos. 12Se nos mantivermos firmes, reinaremos com Ele. Se o negarmos, também Ele nos negará. 13Se formos infiéis, Ele permanecerá fiel, pois não pode negar-se a si mesmo. 14Lembra-lhes estas coisas, advertindo seriamente em nome de Deus que não se envolvam em litígios de palavras. Isso não serve para nada e leva à ruína dos ouvintes. 15Esforça-te por te apresentares diante de Deus como trabalhador digno e irrepreensível, interpretando rectamente a palavra da verdade.

    A Segunda Carta a Timóteo, leva-nos comunidades cristãs da Ásia Menor, na última quarta parte do século I. Aí começavam a surgir controvérsias teológicas baseadas em diferentes interpretações da fé cristã. E cada uma tinha a pretensão de provir directamente da primeiríssima tradição e de assim obter o monopólio da interpretação da fé. Neste contexto, Timóteo lembra os conselhos do seu mestre, Paulo. Antes de discutir qualquer doutrina, há que ir ao único fundamento da fé, que é Jesus Cristo. A Teologia está sujeita à cristologia. Ser cristão é, fundamentalmente, acreditar em Jesus Cristo, naquele homem histórico concreto, conhecido de todos, e que continua misteriosamente presente na comunidade, depois da sua ressurreição. A vida do cristão é a vida de Cristo nele; é participação sempre renovada na morte e na vida gloriosa do Senhor, que misteriosamente sofre e ressuscita naquele que acredita nele. É o que se verifica em Paulo, preso «como um malfeitor» (v. 9), mas também convencido de «reinar com ele» (v. 12). Daqui, seguem duas consequências. Em primeiro lugar, os sofrimentos do cristão participam do valor redentor dos sofrimentos de Cristo e são, de facto, instrumento de salvação, na medida em que o cristão sofre, como Paulo, «por Cristo» e «morre com ele» (v. 11). Desde que o Filho de Deus morreu na cruz, nenhum sofrimento terreno é inútil, e nenhum crente pode sentir-se não responsável pela salvação dos outros. É a comunhão na cruz que dá a cada um a força para «tudo suportar» pelos irmãos, «para que também eles alcancem a salvação em Cristo Jesus e a glória eterna» (v. 10). E então - é a segunda consequência - a vida do cristão torna-se uma existência pascal, na memória da ressurreição de Jesus (v.8) e na profecia da sua própria ressurreição (v.11). Com estas perpectivas, o cristão não se perde em «em litígios de palavras» (v. 14), nem se envergonha da Palavra, mas proclama-a, ainda que, para isso, tenha de sofrer: «a palavra de Deus não pode ser acorrentada»(v. 9) .

    Segunda leitura: Marcos 12, 28b-34

    Naquele tempo, 28aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» 29Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; 30amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. 31O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» 32O escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; 33e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» 34Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.

    Depois dos fariseus, herodianos e saduceus, aparece um escriba de boa vontade, que faz uma pergunta simplesmente teórica, sem armadilhas mais ou menos camufladas. Era uma questão clássica e frequentemente debatida. A resposta de Jesus também não era completamente nova. Na verdade trata-se de uma questão central para Jesus e para todos os crentes. A resposta mais completa será dada com toda a sua vida.
    Jesus oferece ao escriba honesto uma resposta rigorosamente bíblica: remete-o para Dt 6, 4s. e para Lv 19, 18. Mas a compreensão plena da resposta só se obtém à luz da revelação, segundo a qual o nosso amor a Deus e ao próximo supõe um facto precedente e fundante: o amor de Deus para connosco. O amor de Deus é a medida com que se deve confrontar todo o amor humano. Se este nascer daquele, estender-se-á a toda a humanidade, a todo o homem sem distinções, e será um amor com toda a humanidade de que dispomos: o coração, a mente e a vontade. Este amor supera todo e qualquer acto de culto, sobretudo aquele que está separado do amor ao próximo. Notemos também a afirmação clara e incisiva do monoteísmo (vv. 29.32), em polémica com o ambiente pagão em que vivia a comunidade para quem Marcos escrevia o seu evangelho.

    Meditatio

    Para o escriba, a questão posta a Jesus era simplesmente intelectual. Mas, para Jesus, tratava-se de uma questão vital.
    O Senhor começa por apresentar o essencial da vontade de Deus, que consiste em amar a Deus e amar ao próximo: «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Jesus unifica o primeiro e o segundo mandamento: «Não há outro mandamento maior que estes» (vv. 30-31). Só Jesus viveu este único mandamento de modo perfeito. O seu amor pelo Pai e por nós levou-o a morrer na cruz, dando a sua vida até às últimas gotas de sangue, que jorraram do seu Coração trespassado.
    O nosso coração foi criado por Deus, à imagem e semelhança do seu, isto é, capaz de amar, e de amar à maneira divina. É o maior sinal do amor de Deus pelo homem. O Criador não guardou ciosamente para Si o poder de amar, mas partilhou-o com a criatura. É por isso que, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos é o maior de todos os mandamentos. É o maior porque, antes de ser um mandamento, é um dom. E, se é maior que todos os hol
    ocaustos e todos os sacrifícios, quer dizer que o homem realiza a maior experiência do amor divino quando ama à maneira de Deus, porque só então se pode dar conta de quando foi amado pelo Eterno, a ponto de poder amar como Ele ama.
    É nesta linha que Paulo convida Timóteo, e todos nós, a sofrer e a morrer por Cristo, para que os irmãos sejam salvos. Esta comunhão no amor redentor da cruz, revela-nos o surpreendente mistério da comunhão de Deus com o homem, do amor divino com o amor humano. Graças a esta comunhão, o amor de Deus já está presente e visível na terra. Mais ainda: o próprio Deus amou com um rosto humano, e um coração de carne bate desde já, com ritmos eternos, no meio dos homens.
    As nossas Constituições lembram-nos: «A vida reparadora será, por vezes, vivida na oferta dos sofrimentos suportados com paciência e abandono, mesmo na noite escura e na solidão, como eminente e misteriosa comunhão com os sofrimentos e com a morte de Cristo pela redenção do mundo» (n. 24). A nossa oblação, motivada e animada pelo amor oblativo de Cristo, torna-se instrumento de santificação para cada um de nós e para a Igreja, torna-se instrumento de redenção para o mundo. Por isso, as Constituições citam Paulo: «Alegro-me nos sofrimentos suportados por vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja» (Cl 1,24) (cf. Cst 24).

    Oratio
    Senhor Jesus, o Pai não quis holocaustos nem sacrifícios. Por isso, ofereceste-te a Ti mesmo e, num acto de perfeito amor filial, fizeste-te vítima e sacerdote, dom extremo de amor pelos teus: Por isso é que o teu discípulo amado, João, escreve: «Ele, que amara os seus, levou o seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13, 1).
    Agradeço, adoro e alimento-me do teu sacrifício, do teu duplo amor, tornado um único amor. Ensina-me a amar como Tu amaste. Sabes quanto vivo à procura de mim mesmo, grudado ao meu egoísmo, mesmo quando procuro amar. Ensina-me o teu amor oblativo. Ensina-me a morrer contigo, para que o mundo seja salvo. E, estou certo, viverei contigo, para sempre.
    Dá-me o teu Coração, alimenta-me sempre da Eucaristia, para que viva em união contigo, de modo cada vez mais profundo. Assim poderei amar o próximo como Tu o amas, e cumprir toda a Lei e os Profetas. Amen.

    Contemplatio

    O amor do Coração de Jesus pelo seu Pai é o modelo do nosso amor. Jesus é o corifeu do amor das criaturas por Deus. Há certamente o amor dos Anjos e de algumas boas almas, mas o que é isto para Deus? Jesus veio e oferece ao Pai um amor digno. E Pai compraze-se nesse amor, como disse o próprio Jesus nas margens do Jordão.
    Jesus ama o Pai. Esse amor é a sua vida. Amou-o na sua vida mortal, ama-o na Eucaristia, e ama-o no céu. Cumpre sempre o grande preceito: «Amarás o Senhor com todo o teu coração, com toda a sua alma, com todas as tuas forças».
    Entre os homens, Deus é tão pouco amado! Somos ingratos. Esquecemos Aquele de quem temos tudo: a vida, o perdão, a graça, a esperança do céu. E, no entanto, pede-nos o nosso coração: Filho, dá-me o teu coração (Pr 23, 26). Incapazes de O amarmos bem, por nós mesmos, amemo-lo pelo Coração de Jesus. Este divino Coração pertence-nos, suprirá à nossa impotência. Começarei, portanto, esta vida de amor em união com o Coração de Jesus. Amigo de Deus, amarei tudo o que me aproxima dele: a oração, o recolhimento, a visita ao Santíssimo Sacramento, a santa comunhão.
    Amar o próximo como o Coração de Jesus e com ele. O amor de Jesus pelos homens é o modelo daquele que devemos ter. Quanto Jesus nos amou! Porque é que o Filho de Deus se fez homem? Porque é que escolheu uma vida de pobreza, de trabalho e de sofrimento? Por nós e pela nossa salvação! O seu amor é a única explicação dos mistérios de Belém, de Nazaré, da Agonia e do Calvário. «Amou-me e entregou-se por mim» (Gal 2). Foi por nós também que quis permanecer na Eucaristia, e por nós ainda que intercede no céu.
    Jesus é caridade, como Deus é caridade. - A caridade é também o seu mandamento: «Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei», diz-nos (Jo 15). - «Se Jesus, diz S. João, sacrificou por nós a sua vida, devemos também estar prontos a sacrificar a nossa pelos nossos irmãos» (1Jo 3).
    Deus pede raramente um tal sacrifício, mas pede ao menos que pratiquemos a doçura e a paciência. Devemos mostrar-nos serviçais, sofrer as contrariedades, assistir aos infelizes, rezar pelos pecadores. Devemos ser afáveis e delicados, prestar serviços ao próximo, não o criticar nem o desprezar. (Pe. Dehon, OSP 3, p. 607s.).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Amarás o Senhor, teu Deus, e o teu próximo como a ti mesmo» (cf. Mc 12, 30-31).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • IX Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares

    IX Semana – Sexta-feira – Tempo Comum – Anos Pares


    7 de Junho, 2024

    Tempo Comum – Anos Pares
    IX Semana – Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 3, 10-17

    Caríssimo, 10Tu seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza, 11as perseguições e sofrimentos que tive de suportar em Antioquia, Icónio e Listra. Que perseguições tive de suportar! Mas de todas elas me livrou o Senhor. 12E assim também todos os que quiserem viver a fé em Cristo Jesus serão perseguidos. 13Quanto a esses perversos e impostores, irão de mal a pior, extraviando outros e extraviando-se a si próprios. 14Tu, porém, permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a certeza, bem ciente de quem o aprendeste. 15Desde a infância conheces a Sagrada Escritura, que te pode instruir, em ordem à salvação pela fé em Cristo Jesus. 16De facto, toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, 17a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa.

    A fé de Timóteo está autenticada pelas perseguições e sofrimentos que passou com Paulo: «Tu seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza, as perseguições e sofrimentos que tive de suportar» (vv. 10-11). Se Cristo sofreu, todo o discípulo há-de estar disposto a sofrer: «todos os que quiserem viver a fé em Cristo Jesus serão perseguidos» (v. 12). Paulo sofreu, e Timóteo participou nesses sofrimentos. Por isso, deve permanecer firme no que aprendeu e lhe foi transmitido. Deus é fiel, e há-de libertá-lo de todas as tribulações, que serão garantia da autenticidade da sua fé e do seu ensinamento.
    Em seguida, Paulo aponta duas dimensões vitais da fé. Em primeiro lugar, ela é recebida, das Escrituras e do testemunho de outros crentes, tais como os familiares. A fé recebida é, depois, submetida a um processo de aprendizagem que leva à convicção pessoal (v. 14), à fé, como sabedoria cristã, síntese de conhecimento orante e praxe coerente, que, de qualquer modo, passa pela provação, tornando-se fé provada e vivida. A Escritura, inspirada por Deus, tem o importante papel de «ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (v. 16) o crente e o mestre da fé.

    Segunda leitura: Marcos 12, 35-37

    Naquele tempo, 35ensinando no templo, Jesus tomou a palavra e perguntou: «Como dizem os doutores da Lei que o Messias é filho de David? 36O próprio David afirmou, inspirado pelo Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés’. 37O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?» E a numerosa multidão ouvia-o com agrado.

    Terminado o diálogo com o escriba excepcionalmente honesto, o evangelista retoma a polémica com os outros escribas e fariseus para dar um ensinamento da máxima importância sobre o mistério da sua pessoa, e levantar muito discretamente o véu, que esconde o seu segredo messiânico. De acordo com a tradição judaica, fundada na promessa a Natan (2 Sam 7, 14), e confirmada pelos grandes profetas da esperança messiânica, o Messias devia ser um descendente de David. Mas, no Sl 110, 1, David chama «meu Senhor» ao Messias: «como é Ele seu filho» (v. 37). Com esta pergunta deixada em suspenso, Jesus rompe, mais uma vez, esquemas feitos e tidos por seguros, que parecem afastar o esforço por acreditar. Ao mesmo tempo incita-nos a reflectir, e a deixar-nos descobrir pelo mistério da sua pessoa, a não presumirmos saber tudo sobre Ele. Há que reflectir sempre sobre a «experiência de Deus» que já fizemos.
    Jesus não recusa a ascendência davídica do Messias, quer que ultrapassemos a lógica limitada da continuidade histórica dinástica, porque a promessa de Deus vai além dos critérios da sucessão hereditária. O dom do Pai, no Filho, vai muito além de tudo quanto a mente humana possa entender, porque será sempre um dom inédito e surpreendente.

    Meditatio

    A Sagrada Escritura é Palavra que vem do coração de Deus e fala ao nosso coração. Não é uma Palavra simplesmente escrita. É uma Palavra «aberta» por Jesus. Se assim não fosse, permaneceria enigmática e incompreensível, apesar da sua beleza.
    Paulo incita Timóteo a aprofundar as Escrituras, porque «toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (v. 16).
    Hoje, graças ao Senhor, dispomos de muitos meios para ler e compreender as Sagradas Escrituras. O concílio Vaticano II como que oficializou a Lectio divina, uma antiquíssima forma de ler a Bíblia, que estava adormecida na Igreja, principalmente depois das controvérsias da Reforma. A Lectio divina é, no fundo, uma leitura crente e orante da Bíblia que encontra as suas raízes no Novo Testamento. Lucas apresenta-nos Jesus a convidar os discípulos de Emaús a reler o Antigo Testamento a partir do acontecimento da Páscoa (Lc 24,13-35). E podemos dizer que os Evangelhos seguem, em grande parte, essa mesma dinâmica. A Lectio Divina pode assumir diferentes formulações e práticas. Mas, no essencial, consta dos quatro degraus indicados por Guigo II, o cartuxo, por volta de 1150: a leitura, a meditação, a oração e a contemplação. Este método de leitura da Sagrada Escritura pode contribuir em muito para que «o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa» (v. 17), também para o anúncio correcto e eficaz da Boa Nova. Este anúncio leva inevitavelmente quem o faz ao encontro da rejeição, se não mesmo da perseguição. Foi o que aconteceu com o divino Mestre. Mas essa rejeição e perseguição levam à bem-aventurança: «Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa» (Mt 5, 11). Paulo, e muitos outros arautos do Evangelho, viveram essas perseguições e experimentaram essa bem-aventurança.
    As nossas Constituições afirmam: «Prestamos atenção ao que o Espírito nos inspira, mediante a Palavra de Deus recebida na Igreja e através dos acontecimentos da vida» (n. 57). O Pe. Dehon dá-nos um extraordinário exemplo de «escuta da Palavra», desde seminarista, como testemunham os dois primeiros cadernos do seu «Diário». Quase todos os conteúdos das suas notas têm raiz na Escritura. As citações são tomadas sem qualquer diferença tanto do Antigo como do Novo Testamento. Em 138 páginas manuscritas contamos 210 citações da Sagrada Escritura. A sua preferência vai para S. João (57 vezes) e para S. Paulo (38 vezes).
    Preparado pela “escuta da Palavra”, meditada e assimilada, Leão Dehon vive generosa e alegremente as exig
    ências do seu espírito de oblação, de reparação e de imolação.
    As palavras do evangelho de hoje são misteriosas: «Como dizem os doutores da Lei que o Messias é filho de David?… O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?»(cf. vv. 35-37). Jesus insinua o mistério da sua pessoa: é filho de David, mas também Filho de Deus, Unigénito do Pai. É Ele quem no-lo revela. É por Ele que obtemos a salvação.

    Oratio

    Senhor, abre o meu coração à tua Palavra, aumenta a minha fé, incendeia o meu amor. E, então, poderei dar-te graças, porque iluminas a minha vida, dás sentido àquilo que faço, me ensinas, me convences, me corriges e formas em mim o homem novo. Também Te dou graças porque a tua palavra me dá força e me sustenta nas provações. Nela, a verdade brilha como o sol. Mas também Te agradeço por aquelas vezes em que a tua palavra é obscura e misteriosa, dura e amarga, e me penetra «como espada de dois gumes», pondo à luz os meus medos, as minhas feridas, os meus monstros, os meus demónios, provocando-me a buscar-te onde não queria que estivesses, onde não me leva o coração, muito para além dos meus gostos pessoais.
    Dá-me, Senhor, a coragem de Paulo nas provações. Faz com que aprenda, como Timóteo, a «permanecer firme» na Palavra, e naquilo que a Igreja me ensina, para que a minha fé seja recebida da Escritura e provada na vida. Amen.

    Contemplatio

    A Sagrada Escritura constitui, juntamente com a divina Eucaristia, o alimento da nossa vida espiritual. É uma parte do nosso pão supersubstancial: Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que saí da boca de Deus (Mt 4, 4).
    Os Sacerdotes do Coração de Jesus, desejosos de fazer crescer em si mesmos a vida sobrenatural, farão da Sagrada Escritura o seu alimento quotidiano. Será o seu estudo preferido.
    Na Sagrada Escritura, com a ajuda da meditação, aprenderão a conhecer melhor o Coração de Jesus, objecto exclusivo do seu amor.
    O Apóstolo S. João é, de modo particular, o apóstolo do amor, o teólogo do Coração de Jesus. Mas todos os livros sagrados falam do Salvador.
    No Antigo Testamento, Jesus é anunciado, figurado, preparado. No Evangelho, encontramo-l’O vivo na terra: lá se encontram as suas palavras e os seus mistérios. Nas Epístolas, nos Actos dos Apóstolos e no Apocalipse, encontramos ainda Jesus que continua presente na Igreja e está glorioso no céu.
    Todas as leituras da Sagrada Escritura e de autores ascéticos devem servir-nos para melhor conhecermos a Jesus, a fim de aprendermos a amá-l’O melhor.
    A conclusão destas leituras, como também das nossas orações, deve ser sempre um amor novo e mais ardente ao Coração de Jesus.
    Cada um de nós leia todos os dias um trecho da Escritura Sagrada e faça a leitura espiritual (Leão Dehon, Directório Espiritual, nn. 143-144).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Permanece firme no que aprendeste» (2 Tm 3, 14).

    | Fernando Fonseca, scj |

     

  • IX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    IX Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    8 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    IX Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 2 Timóteo 4, 1-8

    Caríssimo: 1Diante de Deus e de Cristo Jesus, que há-de julgar os vivos e os mortos, peço-te encarecidamente, pela sua vinda e pelo seu Reino: 2proclama a palavra, insiste em tempo propício e fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência. 3Virão tempos em que o ensinamento salutar não será aceite, mas as pessoas acumularão mestres que lhes encham os ouvidos, de acordo com os próprios desejos. 4Desviarão os ouvidos da verdade e divagarão ao sabor de fábulas. 5Tu, porém, controla-te em tudo, suporta as adversidades, dedica-te ao trabalho do Evangelho e desempenha com esmero o teu ministério. 6Quanto a mim, já estou pronto para oferecer-me como sacrifício; avizinha-se o tempo da minha libertação. 7Combati o bom combate, terminei a corrida, permaneci fiel. 8A partir de agora, já me aguarda a merecida coroa, que me entregará, naquele dia, o Senhor, justo juiz, e não somente a mim, mas a todos os que anseiam pela sua vinda.

    Paulo sente-se no crepúsculo da vida: «avizinha-se o tempo da minha libertação» (v. 7). O testo que hoje escutamos é a parte mais comovedora do testamento espiritual, que muitos vêem na Segunda Carta a Timóteo. O Apóstolo, por um lado, está consciente dos perigos que rondam a comunidade, e por outro, como dissemos, sabe que o seu fim se aproxima. E então esconjura o seu discípulo Timóteo a que nada deixe ao acaso, para anunciar a todos o Evangelho: «Tu, porém, controla-te em tudo, suporta as adversidades, dedica-te ao trabalho do Evangelho e desempenha com esmero o teu ministério» (v. 5). Timóteo deve sentir-se responsável pelo anúncio da Boa Nova, porque é da escuta da Palavra que vem a salvação (cf. Rm 10, 17). Os tempos são difíceis, é verdade. A Palavra corre o risco de ser sufocada por «fábulas». O prurido das novidades pode prevalecer sobre a escuta da verdade. Mas Timóteo, e todo aquele que está à frente de uma comunidade cristã, não podem baixar os braços. Devem, sim, vigiar, saber suportar, insistir, avisar, repreender, cumprir a missão de arautos do Evangelho até ao fim, até dar a vida, como Paulo.
    O Apóstolo sabe que o seu fim se aproxima. Mas isso não o entristece. Como um atleta que já avista a meta, e a vitória, Paulo está cheio de alegria. A sua vida vai ser oferecida em sacrifício de amor a Deus, tal como a vida de Jesus. É bom viver e morrer em oblação pela salvação dos outros. É bom regressar ao Pai depois de ter realizado a missão recebida. Paulo faz da sua fidelidade um veemente apelo à de Timóteo. Se conservar fielmente o depósito da fé que lhe foi confiado, receberá «a merecida coroa», resposta de amor do Senhor àqueles que «anseiam pela sua vinda» (v. 8). Todas estas exortações de Paulo brotam, como verificamos, de uma experiência profunda e dolorosa: está prestes a ser sacrificado e tem a consciência tranquila, porque observou as regras de combate expostas a Timóteo.

    Segunda leitura: Marcos 12, 38-44

    Naquele tempo, 38continuando o seu ensinamento, Jesus dizia: «Tomai cuidado com os doutores da Lei, que gostam de exibir longas vestes, de ser cumprimentados nas praças, 39de ocupar os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes; 40eles devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações. Esses receberão uma sentença mais severa.»
    41Estando sentado em frente do tesouro, observava como a multidão deitava moedas. Muitos ricos deitavam muitas. 42Mas veio uma viúva pobre e deitou duas moedinhas, uns tostões. 43Chamando os discípulos, disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou no tesouro mais do que todos os outros; 44porque todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria, deitou tudo quanto possuía, todo o seu sustento.»

    Jesus aponta duas atitudes erradas nos escribas: a vaidade e a hipocrisia. A vaidade revela-se nas longas vestes, no prazer em ser cumprimentados publicamente, na presunção de ocupar sempre os primeiros lugares. A hipocrisia revela-se em ostentarem grande devoção, prolongando os tempos de oração comum, só para darem nas vistas. A sua pretensa religiosidade torna-se ainda mais escandalosa quando não revelam qualquer pudor na opressão dos fracos e dos indefesos. Os escribas são homens impuros, incapazes de fazerem dom de si mesmos a Deus e ao próximo. Mesmo quando oferecem avultadas quantias ao templo, apenas revelam o seu egoísmo e a convicção de que são indispensáveis à causa de Deus. A viúva pobre, pelo contrário, lançou no tesouro do templo duas moedinhas, uns cêntimos. Mas «deitou tudo quanto possuía» (v. 44). Não julgava fazer uma grande oferta, nem «ajudar» a Deus. Mas tinha um coração puro. Amava a Deus e entregava-se a Ele completamente. É por isso que Jesus a apresenta aos discípulos como exemplo.

    Meditatio

    A primeira leitura e o evangelho, que hoje escutamos, completam-se reciprocamente. Paulo põe de sobreaviso Timóteo, e a comunidade a que preside, para o perigo de se deixarem levar por «mestres que lhes encham os ouvidos, de acordo com os próprios desejos» (v. 3). Por outras palavras, Paulo previne Timóteo, e a sua comunidade, contra a vã curiosidade nas leituras, nos divertimentos e nas doutrinas. No evangelho, Jesus fala de mestres que procuram satisfazer a própria vaidade, buscando honras, cumprimentos nas praças e «os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes» (v. 39).
    Também nós, hoje, corremos o risco de nos deixar levar pelas «fábulas» dos falsos mestres, que nos batem à porta, que encontramos na rua e que, sobretudo, vemos, ouvimos e lemos nos meios de comunicação social. Tanto a primeira leitura, como o evangelho, nos alertam para esse perigo.
    Mas há mais: tanto em Paulo como na viúva pobre, encontramos a coragem de amar e de viver aquilo em que crêem, até às últimas consequências. É por essa razão que Paulo está na prisão, e continua a anunciar o Evangelho, enquanto espera a morte. É por isso que a viúva pobre oferece a Deus tudo o que tem, nada reservando para as suas próprias necessidades. As duas leituras exaltam a fé dos apóstolos e dos mártires, a fé dos simples e humildes, mas também a força da própria fé e a sua coerência, fruto de uma paixão interior, que, unida à convicção da mente, é actuada na vida prática. Paulo está devorado pela sua paixão pelo Evangelho e pelo seu anúncio, tal como a viúva pobre está totalmente presa pela centralidade e pelo primado de Deus na sua vida. E, quando a fé se torna paixão, que envolve a mente, o coração, a vontade, os sentidos, a emotividade, as mãos, os pés, todo o seu ser, o crente já não teme dar tudo e entregar a si mesmo a Deus, por amor, e só por amor. Paulo oferece a sua vida
    em sacrifício de amor a Deus, tal como Jesus oferecera a sua. O Apóstolo sabe que é bom viver e morrer em oblação pela salvação dos outros, que é bom regressar ao Pai, depois de ter realizado a missão recebida. A viúva pobre também sabe que, dando tudo o que tem, ainda que sejam apenas «uns cêntimos» (v. 42), dá «mais do que todos os outros» (v. 43), por era «tudo quanto possuía, todo o seu sustento» (v. 44).
    Cristo deu-se inteiramente ao Pai e aos homens com um amor sem reservas (Cst 41). Como cristãos, e particularmente como dehonianos, havemos de estar dispostos, não só a dar tudo, mas também a dar-nos totalmente, sem reservas Àquele que tudo deu por nós. Numa carta escrita aos seus missionários, o Pe. Dehon mostrava-se orgulhoso por esses filhos, porque iam para terras longínquas, entregando tudo, e entregando-se inteiramente, à missão de alargar o Reino do Coração de Jesus, a viver a vida de reparação e de imolação, que a sua vocação exige. E, acrescenta o Fundador, «devem desejar morrer na missão, para que o sacrifício seja mais completo e sem reservas, para fazer conhecer e amar o bom Deus e o amor do Coração de Jesus, especialmente na Eucaristia».

    Oratio

    Senhor, quanto me sinto semelhante aos doutores da Lei, na minha vaidade, na minha auto-suficiência, que me tornam presumido diante de Ti e hipócrita diante dos meus irmãos. E quanto me sinto longe, mas também atraído, pelo exemplo de Paulo e da viúva pobre.
    Dá-me, Senhor, a coerência de Paulo, aquela coerência que o levou à prisão, mas que também lhe deu força, e autoridade moral, para pedir a Timóteo coragem no anúncio do Evangelho. Dá-me a fé corajosa e linear da viúva, que te deu tudo, e confiou na tua Providência.
    Interceda por mim a Virgem Maria, a humilde serva que se ofereceu a Si mesma Contigo, pela salvação do mundo. Amen.

    Contemplatio

    Desde o primeiro instante da sua vida humana, Jesus formula no seu coração os sentimentos que exprimiam os antigos sacrifícios. Substitui-se a todas as vítimas, que não eram senão figurativas. Oferece-se ao seu pai, dá-se. Torna-se hóstia, oblação, holocausto e vítima. Começa o sacrifício da obediência e da submissão à vontade de seu Pai; adora, dá graças, reza, repara.
    Ecce venio! Eis aqui, ó meu Pai, para suprir às vítimas imperfeitas do passado; eis-me aqui para vos oferecer doravante e sem interrupção a homenagem perfeita da adoração, do amor, da oração, da reparação.
    Estes actos formam o Coração espiritual de Jesus. Está deles penetrado, identifica-se com eles.
    Mas a nossa fraca inteligência não se dá conta da perfeição desta oblação senão supondo actos sucessivos.
    Vemos primeiro no Coração imolado de Jesus um acto de adoração e de amor, e para exprimir esta adoração, aniquilamentos infinitos.
    Jesus confessa a absoluta dependência na qual está diante da absoluta Majestade de seu Pai.
    Proclama que lhe deve tudo, e para lhe fazer um sacrifício de tudo o que é, abaixa-se até ao nada, como o explica S. Paulo (Fil 2, 6); porque foi bem o nada que esta natureza humana tomou na sua pobreza, na sua infinita pequenez, com a carga de todos os pecados dos homens.
    E este coração humilhado funde-se no amor da infinita beleza divina.
    Mas mais o Verbo de Deus se abaixa, mais devemos exaltá-lo com os nossos louvores (Leão Dehon, OSP 4, p. 414).

    Actio

    Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
    «Estou pronto a oferecer-me em sacrifício» (2 Tm 4, 6).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 10º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    10º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    9 de Junho, 2024

    Ano B - 10.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    Tema do 10.º Domingo do Tempo Comum

    O tema deste 10.º Domingo do Tempo Comum gravita à volta da identidade de Jesus e da comunhão que Ele deseja estabelecer com aqueles que se colocam na disposição de o seguir: fica claro que Jesus não tem qualquer aliança com o Demónio e com o poder do mal e que se quer definir pela sua relação de obediência com Deus Pai, à qual convida todos aqueles que se querem sentir parte da sua família.
    No Evangelho, Jesus demonstra que, na sua atividade de libertação do poder do mal, não pode estar a pactuar com o Demónio, mas vem para libertar os homens e as mulheres de todos os tempos. Também nisso está a fazer a vontade de Deus e convida todos a fazer comunidade centrada na sua pessoa e decidida a construir um mundo que se baseie neste desejo de fazer a vontade de Deus.
    A primeira leitura traz-nos o diálogo de Deus com as figuras poéticas do primeiro homem e da primeira mulher, depois da queda. Este texto procura chamar-nos ao sentido da existência, deixando claro que todos somos chamados a não pactuar com o mal e a estar de sobreaviso diante das tentações do Maligno.
    Na segunda leitura, São Paulo mostra como as tribulações que sofre não abrandam o seu ardor missionário, que se caracteriza pela grande confiança em Deus e na vida eterna que há de conceder; duas grandes atitudes qualificam o ministério de Paulo: a esperança de estar unido com Jesus na ressurreição tal como o está na tribulação terrena e o desejo íntimo de estar em comunhão com os cristãos a quem anuncia o Evangelho de Jesus Cristo.

    LEITURA I - Gn 3,9-15

    Leitura do Livro do Génesis

    Depois de Adão ter comido da árvore,
    o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe:
    «Onde estás?»
    Ele respondeu:
    «Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim
    e, como estava nu, tive medo e escondi-me».
    Disse Deus:
    «Quem te deu a conhecer que estavas nu?
    Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?»
    Adão respondeu:
    «A mulher que me destes por companheira
    deu-me do fruto da árvore e eu comi».
    O Senhor Deus perguntou à mulher:
    «Que fizeste?»
    E a mulher respondeu:
    «A serpente enganou-me e eu comi».
    Disse então o Senhor Deus à serpente:
    «Por teres feito semelhante coisa,
    maldita sejas entre todos os animais domésticos
    e todos os animais selvagens.
    Hás de rastejar e comer do pó da terra
    todos os dias da tua vida.
    Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher,
    entre a tua descendência e a descendência dela.
    Ela há de atingir-te na cabeça
    e tu a atingirás no calcanhar».

    AMBIENTE

    Como indica a palavra Génesis (quer dizer «origem»), que intitula o primeiro livro da Sagrada Escritura, este é o livro das origens, não apenas porque narra as origens da criação e do mundo (cf. Gn 1,1: «No princípio, Deus criou...»), mas porque vem de encontro às perguntas existenciais de todos os homens e mulheres: «Quem sou eu? Donde venho? Para onde vou?». Assim, mesmo na divisão clássica em duas partes, o primeiro livro da Bíblia responde à pergunta sobre as origens: primeiro, as origens da criação e do ser humano (cf. Gn 1,1–11,26); depois, as origens de Israel, com os chamados ciclos dos patriarcas (cf. Gn 11,27–50,26).
    Sobretudo no que diz respeito à primeira parte, não se deve procurar uma história factual (cada vez mais, as traduções da Bíblia traduzem «'adam» como «homem», em vez de «Adão», mostrando como, naquele primeiro homem, está presente o drama de cada ser humano); deve ler-se aí uma história poético-simbólica, em que a poesia e o símbolo abraçam a realidade, mas ultrapassam-na. O autor sagrado condensa, com certeza, várias tradições que foram sendo transmitidas oralmente e que respondem à pergunta sobre as origens da criação, do ser humano na sua diferenciação e complementaridade homem-mulher, do mal, das várias línguas, etc.
    Esta primeira leitura faz parte do segundo relato da criação (cf. Gn 2,4b–3,24), o único a narrar a transgressão, não como um facto histórico, mas como um modo de perceber as origens do mal - que, como veremos, não se encontra em Deus nem no ser humano, mas é externa - e da luta intrínseca dos homens e mulheres contra o autor do mal. Leva-nos até ao relato do encontro de Deus com o homem e a mulher, depois de estes terem comido do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (cf. Gn 3,1-7), transgredindo a ordem que lhes tinha sido expressamente dada de não comer de duas árvores, da árvore do conhecimento do bem e do mal e da árvore da vida (cf. Gn 2,16-17).

    MENSAGEM

    Para compreender a mensagem do nosso texto, é necessário ter presente o seu contexto, que descrevemos no ambiente. O facto de o homem e a mulher terem comido do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, contrariando uma ordem do Senhor Deus em Gn 2,16-17, quebra a harmonia existente entre o ser humano e Deus, e mesmo com a criação. Mesmo assim, isto não quebra a relação de Deus com o homem e a mulher, uma vez que todo o texto se desenrola num diálogo, feito de perguntas de Deus e de respostas do homem e da mulher.
    A primeira pergunta do Senhor Deus é fundamental: «Onde estás?» (v. 9). Esta questão não se limita a indagar sobre o lugar onde se situa o homem; assume, por isso, uma dimensão claramente existencial. Através da desobediência, homem e mulher tinham perdido a sua colocação espacial original, perdendo-se na inconsistência de pretender ser como Deus (cf. Gn 2,5.22). Ao interrogá-los, o Senhor Deus conhece bem a dimensão da transgressão como o denota a terceira pergunta (v. 11: «Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?»). As perguntas do Senhor Deus servem muito mais ao homem e à mulher que são interrogados, para se encontrarem consigo mesmos depois de se terem perdido e para refazerem o caminho que os levou a transgredir a ordem estabelecida pelo Senhor Deus. As respostas do homem e da mulher (vv. 12-13) refletem a tendência humana de se desculpabilizar, desresponsabilizar e autojustificar, de encontrar a culpa fora de si; por outro lado, e numa leitura teológica, pode ser a forma encontrada pelo autor sagrado para mostrar que o mal não tem origem em Deus, que criou tudo bem e bom, nem no ser humano, ou seja, que o mal tem origem fora do ser humano; o homem e a mulher fizeram mal, mas foram a isso levados pela serpente que é, de facto, a única a receber a condenação mais dura (vv. 14-15), se tivermos em conta que Gn 2,16-19 é uma explicação da situação atual e real da mulher e do homem.
    Ficamo-nos, por último, na sentença divina em relação à serpente. É verdade que esta sentença dura contra a serpente pode espelhar a situação atual deste animal, considerado maldito: os humanos em luta contra as serpentes; a declaração de impureza da serpente, o que a faz ser rejeitada nas prescrições alimentares de Israel (cf. Lv 11,41-44; 20,25). No entanto, já no judaísmo tardio, a serpente começa a ser lida como um símbolo do diabo, que será derrotado pelo Rei-Messias (esta interpretação ganhará força no Novo Testamento, concretamente na releitura de Rm 16,20 ou de Ap 12,9; 20,2). Numa releitura cristã, portanto, esta sentença divina em relação à serpente apresenta-se como profecia da luta de Jesus Cristo, descendente da mulher, contra o mal e contra o seu autor, descendente da antiga serpente simbólica deste relato.

    ATUALIZAÇÃO

    • O estilo do texto da primeira leitura, de diálogo entre Deus e os personagens deste relato, ajuda a colocar-se na narrativa, escutando as perguntas de Deus ao homem: «Onde estás?» (v. 9), «Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?» (v. 11), e à mulher: «Que fizeste?» (v. 13). Uma vez que todas estas questões têm um sentido existencial, poderá ser bom voltar às origens, poder localizar-nos no espaço de Deus, responder pelas nossas ações e verificar se as nossas respostas diferem das dos personagens deste relato.

    • Diz-se que é comum a tendência para desculpabilizar, desresponsabilizar e autojustificar-se; também neste relato se vê um contínuo passar da culpa para os outros personagens. Retomando as questões anteriores, poderá ser hora de assumir as nossas responsabilidades diante de Deus, sabendo que, como dirá o Salmo 129 (130), «no Senhor está a misericórdia e a abundante redenção». A autojustificação não é caminho; o caminho passa pela justificação trazida por Cristo na sua morte de cruz, para nos reconciliar com o Pai.

    • A origem última de toda a complicação remonta ao facto de se ter dado ouvidos à serpente: «A serpente enganou-me e eu comi» (v. 13). Se vemos na serpente uma imagem do diabo e do poder do mal, é importante estar de sobreaviso diante da tentação do maligno. Como várias vezes tem ensinado o Papa Francisco: «Não se dialoga com o demónio». Ainda o Papa Francisco: «A vida cristã é uma luta permanente. Requer-se força e coragem para resistir às tentações do demónio e anunciar o Evangelho. [...] Não pensemos que é um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia. Este engano leva-nos a diminuir a vigilância, a descuidar-nos e a ficar mais expostos. O demónio não precisa de nos possuir. Envenena-nos com o ódio, a tristeza, a inveja, os vícios. E assim, enquanto abrandamos a vigilância, ele aproveita para destruir a nossa vida, as nossas famílias e as nossas comunidades, porque, "como um leão a rugir, anda a rondar-vos, procurando a quem devorar" (1Pd 5,8)» (Gaudete et Exsultate 158.161).

    SALMO RESPONSORIAL - Sl 129 (130)

    Refrão: No Senhor está a misericórdia e abundante redenção.

    Ou: No Senhor está a misericórdia,
    no Senhor está a plenitude da redenção.

    Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor,
    Senhor, escutai a minha voz.
    Estejam os vossos ouvidos atentos
    à voz da minha súplica.

    Se tiverdes em conta os nossos pecados,
    Senhor, quem poderá salvar-se?
    Mas em Vós está o perdão
    para Vos servirmos com reverência.

    Eu confio no Senhor,
    a minha alma confia na sua palavra.
    A minha alma espera pelo Senhor
    mais do que as sentinelas pela aurora.

    Porque no Senhor está a misericórdia
    e com Ele abundante redenção.
    Ele há de libertar Israel
    de todas as suas faltas.

    LEITURA II - 2Cor 4,13–5,1

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Diz a Escritura: «Acreditei, por isso falei».
    Com este mesmo espírito de fé,
    também nós acreditamos, e por isso falamos,
    sabendo que Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus
    também nos há de ressuscitar com Jesus
    e nos levará convosco para junto d'Ele.
    Tudo isto é por vossa causa,
    para que uma graça mais abundante
    multiplique as ações de graças de um maior número de cristãos
    para glória de Deus.
    Por isso, não desanimamos.
    Ainda que em nós o homem exterior se vá arruinando,
    o homem interior vai-se renovando de dia para dia.
    Porque a ligeira aflição dum momento
    prepara-nos, para além de toda e qualquer medida,
    um peso eterno de glória.
    Não olhamos para as coisas visíveis,
    olhamos para as invisíveis:
    as coisas visíveis são passageiras,
    ao passo que as invisíveis são eternas.
    Bem sabemos que,
    se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita,
    recebemos nos Céus uma habitação eterna,
    que é obra de Deus
    e não é feita pela mão dos homens.

    AMBIENTE

    A Segunda Carta aos Coríntios é, em grande parte, uma apologia do Apóstolo Paulo em favor do seu ministério apostólico, diante de quem não o reconhece. Numa primeira apologia, em 2Cor 2,14–4,6, Paulo tinha-se baseado muito na autoridade do Antigo Testamento, para provar a verdade da sua atividade apostólica, tão gloriosa a ponto de ofuscar o ministério de Moisés. O nosso texto situa-se na segunda apologia de Paulo (2Cor 4,7–5,10), desta feita baseada não tanto sobre os textos sagrados do Antigo Testamento, mas sobre uma antropologia em perspetiva escatológica, que será bem visível no nosso texto. Esta segunda apologia responde a algumas questões que os seus adversários poderiam colocar-se; uma delas é perceber como é que o ministério apostólico, por ele defendido na primeira apologia, pode ser tão provado e atribulado (cf. 2Cor 4,8-9.17). A resposta apologética de Paulo pautar-se-á por uma estratégia muito particular de ler toda a situação presente, claramente marcada pelas tribulações, à luz do futuro, do mundo que há de vir, das coisas últimas (escatologia). Nesta releitura, Paulo acentuará a comunhão: a comunhão que o une a Jesus Ressuscitado e a comunhão com os crentes, incluídos muito provavelmente também os destinatários desta Carta.

    MENSAGEM

    Este trecho da Segunda Carta aos Coríntios, sendo parte da apologia de Paulo, mostra a disposição com que Paulo encara o seu ministério que fica marcado, basicamente, por duas grandes atitudes: a fé-confiança que lhe dá força apesar das tribulações; a comunhão a dois níveis, ou seja, com Cristo e com os destinatários da sua pregação apostólica, entre os quais os destinatários desta carta.
    A referência de Paulo à atitude de fé (v. 13: «o mesmo espírito de fé») baseia-se na citação da tradução grega do Sl 115: «Acreditei, por isso falei». Isto permite que Paulo faça depender o conteúdo da sua pregação não das suas ideias, mas do conteúdo da fé na ressurreição de Jesus Cristo; além disso, trata-se da fé como atitude de confiança de quem sabe que não está só, mas está unido à morte de Cristo e de quem espera a Ele estar unido também na ressurreição (cf. v. 14). Esta apologia é de conteúdo mais antropológico e, por isso, Paulo dá nota de como se deixa mover pela fé, ao estabelecer um contraste muito nítido entre a realidade presente, que para ele é aparente, e a realidade definitiva que é a vida do mundo que há de vir: a progressiva ruína do «homem exterior» em contraste com a progressiva renovação do «homem interior» (4,16); «a ligeira aflição dum momento» em contraste com «um peso eterno de glória» que se está a preparar (4,17); «as coisas visíveis» e «passageiras» em contraste com «as invisíveis» que são «eternas» (4,18); «esta tenda, que é a nossa morada terrestre», passível de ser destruída, a contrastar com «uma habitação eterna, que é obra de Deus» (5,1). É tudo isto a motivar a ação apostólica de Paulo, acentuando claramente que a tribulação do momento presente não é a palavra definitiva. Nas cartas de Paulo encontramos várias vezes este desprezo em relação à realidade presente e a total confiança e esperança na eternidade em comunhão com Deus (cf. Rm 8,31-39; Fl 3,7-14).
    A segunda atitude que enunciámos é de comunhão, a dois níveis: do espírito de união com Cristo e da comunhão com os cristãos a quem dirige a sua pregação. Antes, Paulo já tinha deixado claro que as suas tribulações no desempenho do ministério apostólico eram sinal de estar visivelmente unido à morte de Jesus (cf. 2Cor 4,8-12); manifesta agora a esperança de se unir a ele também na glória da ressurreição (v. 14: «sabendo que Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há de ressuscitar com Jesus e nos levará convosco para junto d'Ele»). A união existencial a Jesus é, portanto, essencial na vida do apóstolo. No entanto, essa comunhão visível com Jesus abre-se à comunhão com os que creem em Cristo: de facto, Paulo espera estar unido a Jesus com os destinatários da carta (v. 14: «convosco»); se Paulo sofre tribulações, fá-lo em favor dos cristãos, para suscitar «as ações de graças de um maior número de cristãos para glória de Deus» (v. 15).

    ATUALIZAÇÃO

    • A atitude de Paulo diante das tribulações serve de modelo para os cristãos de todos os tempos, como atitude a conservar diante das provas e tribulações, quer derivem do exercício dos diversos ministérios na comunidade eclesial, quer se refiram a tantas outras situações que derivam do próprio "ser cristãos" no mundo contemporâneo. É antes de mais uma atitude de fé e de confiança que tem a eternidade como fim bem visível. A ressurreição de Cristo abriu caminho, para mostrar que a vida humana não se confina à vida terrena, mas é chamada à vida de comunhão com Jesus ressuscitado, sentado à direita do Pai. A fé na vida eterna deve continuar a iluminar o momento presente dos cristãos.

    • A comunhão eclesial é certamente uma das marcas distintivas do que significa ser cristãos. Jesus chama a essa comunhão o mandamento novo do amor e reza para que a comunhão eclesial se mantenha e seja imagem da sua comunhão com o Pai. Paulo dá mostras de a viver, porque espera continuar unido aos cristãos, a quem se dirige, também na vida eterna. Além disso, todo o seu ministério apostólico se destina a gerar novos cristãos. Paulo é exemplo do desempenho do ministério como serviço à Igreja, não para a sua glória pessoal, não para se servir, mas verdadeiramente para servir.

    ALELUIA - Jo 12,31b-32

    Aleluia. Aleluia.

    Chegou a hora em que vai ser expulso
    o príncipe deste mundo, diz o Senhor;
    e quando Eu for levantado da terra,
    atrairei todos a Mim.

    EVANGELHO - Mc 3,20-35

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

    Naquele tempo,
    Jesus chegou a casa com os seus discípulos.
    E de novo acorreu tanta gente,
    de modo que nem sequer podiam comer.
    Ao saberem disto, os parentes de Jesus
    puseram-se a caminho para O deter,
    pois diziam: «está fora de Si».
    Os escribas que tinham descido de Jerusalém diziam:
    «Está possesso de Belzebu,
    e ainda:
    «É pelo chefe dos demónios que Ele expulsa os demónios».
    Mas Jesus chamou-os e começou a falar-lhes em parábolas:
    «Como pode Satanás expulsar Satanás?»
    Se um reino estiver dividido contra si mesmo,
    tal reino não pode aguentar-se.
    E se uma casa estiver dividida contra si mesma,
    essa casa não pode aguentar-se.
    Portanto, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide,
    não pode subsistir: está perdido.
    Ninguém pode entrar em casa de um homem forte
    e roubar-lhe os bens, sem primeiro o amarrar:
    só então poderá saquear a casa.
    Em verdade vos digo:
    Tudo será perdoado aos filhos dos homens:
    os pecados e blasfémias que tiverem proferido;
    mas quem blasfemar contra o Espírito Santo
    nunca terá perdão: será réu de pecado eterno».
    Referia-Se aos que diziam:
    «Está possesso dum espírito impuro».
    Entretanto, chegaram sua Mãe e seus irmãos,
    que, ficando fora, mandaram-n'O chamar.
    A multidão estava sentada em volta d'Ele,
    quando Lhe disseram:
    «Tua Mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura».
    Mas Jesus respondeu-lhes:
    «Quem é minha Mãe e meus irmãos?»
    E, olhando para aqueles que estavam à sua volta, disse:
    «Eis minha Mãe e meus irmãos.
    Quem fizer a vontade de Deus
    esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe».

    AMBIENTE

    Em Mc 3,6, tinha terminado a secção das várias controvérsias de Jesus com diversas instituições do mundo judaico. Não quer dizer que tenha terminado o confronto com essas instituições; o nosso texto será uma boa prova desse confronto. Dentro da grande secção de Mc 3,7–8,26, o texto de Mc 3,7–6,6 em que se encontra o nosso texto será dominado pelo contraste entre a rejeição e a aceitação de Jesus como mestre e agente de ações miraculosas: por um lado, o grupo dos doze apóstolos (cf. 3,13-19) e todos os que aceitam e fazem a vontade do Pai (3,33-35); por outro, a dificuldade da família de Jesus (cf. 3,21), dos escribas (cf. 3,22) e dos habitantes de Nazaré (cf. 6,1-6) em aceitar o ministério de Jesus.

    MENSAGEM

    Através da técnica literária da "narrativa em sanduiche", o Evangelho de Marcos encara a difícil temática da identidade e origem de Jesus. Apesar de ser apenas uma técnica literária, vale a pena explicar o que significa a "narrativa em sanduiche", para perceber o conteúdo da mensagem deste texto de Mc 3,20-35. O início e o fim do texto (v. 21) apresentam-nos a atitude da família de Jesus, de ir ao seu encontro por ter ouvido dizer que Ele «está fora de si»; a família volta à cena apenas no v. 31, com a sucessiva conclusão de Jesus a revelar quem é a sua família. Pelo meio (dentro da "sanduiche"), encontramos uma controvérsia com os escribas (vv. 22-30) sobre a origem do poder de Jesus para expulsar os demónios: se, por um lado, os escribas tentam fazer passar a ideia de uma familiaridade de Jesus com o príncipe dos demónios, Belzebu (v. 22), Jesus demonstrará, por meio da parábola do reino dividido (vv. 23-25), que não pode pertencer ao reino de Belzebu-Satanás, que não pode ter com ele qualquer familiaridade, porque um reino dividido não pode levar a melhor contra o inimigo (vv. 26-27).
    A verdadeira questão deste texto é sobre a identidade de Jesus, a vários níveis, que passamos a explicitar. Antes de mais, a controvérsia com os escribas termina com uma afirmação solene dos vv. 28-29, contextualizada pelo v. 30. Diante de quem diz que Ele «está possesso de um espírito impuro» (v. 30), Jesus declara que todos «os pecados e blasfémias» serão perdoados (v. 28), mas «quem blasfemar contra o Espírito» não obterá perdão (v. 29); dá assim a entender que a blasfémia contra o Espírito Santo seria negar a verdadeira identidade divina de Jesus, ficando associada aos demónios. Isto está em linha com a pregação apostólica, por exemplo de Paulo, em 1Cor 12,3: «Pela ação do Espírito Santo, ninguém pode dizer: "Jesus é anátema"; ninguém pode dizer: "Jesus é Senhor", a não ser pela ação do Espírito Santo».
    Além disso, o texto termina com a afirmação de Jesus a mostrar quem é a sua família, refundando os laços familiares. Jesus não está irmanado por laços de sangue, mas pela atitude diante da «vontade de Deus»: «Eis minha Mãe e meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe» (v. 35). A atitude fundamental de Jesus é a obediência à vontade de Deus, seu Pai; é isso que define a sua identidade. Para fazer parte da família de Jesus, é essencial ter a mesma atitude que Ele tem diante da vontade de Deus.
    A mensagem do nosso texto revela, portanto, a identidade de Jesus a dois níveis: por um lado, Jesus define-se pela total ligação a Deus e à sua vontade, a ponto de considerar sua família quem estiver nessa mesma atitude; por outro lado, define-se ainda pela total separação e diferenciação do Demónio-Satanás. Aliás a sua missão é, nos termos da parábola (cf. v. 27), entrar em casa do «homem forte» que é o demónio, «amarrá-lo», impedindo-o de continuar a sua ação, e «roubar-lhe os bens», ou seja, retirar do seu poder todos os que eram sua propriedade.

    ATUALIZAÇÃO

    • O tema principal do texto do Evangelho deste domingo - sobre a identidade de Jesus - mostra que desde os inícios do cristianismo os cristãos sentiram necessidade de responder à pergunta: "Quem é Jesus?". Ainda hoje, na ação pastoral da Igreja, sobretudo nas catequeses, é importante que todos os cristãos conheçam a identidade de Jesus, até mesmo para poderem estabelecer com ele uma relação personalizada.

    • Fazer parte da família de Jesus é a vocação fundamental dos cristãos de todos os tempos. Por isso, são chamados a formar comunidade, que está centrada na pessoa de Jesus e que tem como única missão fazer a vontade de Deus em todas as circunstâncias da vida. É a isso que chama o Evangelho quando Jesus apresenta a sua verdadeira família: é quem faz a vontade de Deus e toma lugar ao redor de Jesus.

    • O método para estabelecer uma relação de familiaridade com Jesus passa necessariamente por seguir o seu exemplo: é Ele o primeiro a fazer a vontade de Deus, mesmo quando isso acarreta incompreensão e rejeição do seu ministério. O cristão continua no mundo a missão de Jesus e tem como único horizonte fazer a vontade de Deus; esta é uma das petições do Pai Nosso, a oração que Jesus ensina a rezar: «Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu».

    • Quando o cristão se decide a seguir Jesus, isso implica necessariamente que renuncie ao mal e ao demónio. Tal como Jesus estabelece uma clara separação entre o seu serviço e o poder de Satanás, desde o primeiro momento da vida cristã, os cristãos são chamados a renunciar a Satanás e a fazer a sua profissão de fé em Deus. Na vida ordinária, isso implica que se tenha claro que algumas práticas de bruxaria, feitiçaria e cartomancia não são práticas próprias de um cristão, mas aprisionam; Jesus vem libertar-nos desse aprisionamento de Satanás e é necessário deixar-se libertar.

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

    Ao longo dos dias da semana anterior ao 10.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Ricardo Freire, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • X Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Segunda-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    10 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Segunda-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 17, 1-6

    Naqueles dias, 1Elias, o tisbita, habitante de Guilead, disse a Acab: «Pela vida do Senhor, Deus de Israel, a quem eu sirvo, não cairá orvalho nem chuva nestes anos senão à minha ordem.» 2A palavra do Senhor foi-lhe dirigida nestes termos: 3«Vai-te daqui, dirige-te para Oriente e esconde-te na torrente de Querit, que fica em frente do Jordão. 4Beberás da torrente, e Eu já ordenei aos corvos que te levem lá de comer.» 5Então ele partiu segundo a palavra do Senhor e foi morar junto à margem do Querit, em frente do Jordão. 6Os corvos traziam-lhe pão e carne, de manhã e de tarde, e ele bebia água da torrente.

    Retomamos hoje a leitura do Primeiro Livro dos Reis, iniciada na quarta semana do tempo comum. O reino de David, que atingira a sua máxima grandeza no tempo de Salomão, estava dividido pelo cisma político-religioso de 931 a. C. O reino do Norte, Israel, formado por dez tribos, tinha a capital em Samaria. O reino do Sul, Judá, tinha a capital em Jerusalém. Enquanto no reino do Norte se sucederam dez famílias reinantes, no reino do Sul, manteve-se sempre a dinastia de David.
    O nosso texto situa-nos no Norte, durante o reinado de Acab e Jezabel. O casamento do rei de Israel com essa princesa fenícia tinha sido fatal para a causa javista. Acab mandou construir um templo a Baal em Samaria, promoveu uma política favorável ao baalismo, e uma ofensiva feroz contra o javismo, matando os seus profetas. É então que surge Elias, proveniente de Guilead, na Transjordânia, onde perdurava um javismo vigoroso. Elias significa «Javé é o meu Deus», um nome que resume a sua vida. O profeta foi enviado a Acab (854-853) para denunciar o culto de Baal, deus de Tiro, propiciador da chuva (1 Re 18, 19). Elias, em nome de Javé, anuncia e garante uma seca, que revelará a fraqueza de Baal aos seus devotos, pois não conseguirá fazer que chova em Israel, contra a vontade do profeta. Acab, instigado pela mulher, persegue Elias. Mas Deus protege-o directamente, alimentando-o de modo miraculoso, junto da torrente de Querit, tal como tinha alimentado o povo no deserto.

    Evangelho: Mateus 5, 1-12

    Naquele tempo, 1ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. 2Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo: 3«Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. 4Felizes os que choram, porque serão consolados. 5Felizes os mansos, porque possuirão a terra. 6Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. 9Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. 10Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. 11Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. 12Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.»

    Começamos hoje a ler o primeiro dos cinco grandes discursos em que Mateus agrupou os ensinamentos de Jesus. Este primeiro discurso, o «Sermão da Montanha», ou a Magna Carta do Reino, como alguém já lhe chamou, vai prolongar-se pelos capítulos sexto e sétimo. Mateus, além das mais importantes exigências éticas de Jesus aos seus discípulos, narra dez milagres (cc. 8-9). Assim nos apresenta Cristo mestre, cuja palavra divina, não só é autorizada, mas também eficaz.
    Mateus apresenta Cristo como o novo Moisés, aquele que promulga a nova lei, sobre o monte das Bem-aventuranças, de que o Sinai fora antecipação. No discurso das Bem-aventuranças, o evangelista colecciona e sistematiza ensinamentos ministrados por Jesus em diversas ocasiões. Assim seria mais fácil e prático utilizá-los na pregação e no ensino da Igreja.
    A expressão «pobres em espírito», ainda que não se encontre no Antigo Testamento, reflecte um aspecto fundamental do mesmo: a expectativa do Reino por parte dos pequenos e humildes. Estes hão-de possuir a terra (cf. Sl 37, 11) e, portanto, o Reino, que começa já agora. Por isso, é que é «deles é o Reino do Céu» (v. 3).
    A consolação é apresentada como um traço característico de Deus e dom messiânico por excelência (Is 61, 2; cf. Lc 2, 25). O próprio Cristo se considera consolador e, a esse título, anuncia o dom do Espírito Santo (Jo 14, 26; 15, 26; 16, 7).
    O termo justiça indica o recto cumprimento da vontade divina, realizado com entusiasmo e determinação (fome e sede), conota o acesso à salvação, e será a razão de ser da incarnação do Verbo, cujo nome será «Senhor-nossa-Justiça» (Jr 23, 6).
    A expressão «coração puro» é recorrente na Sagrada Escritura e é sinónimo de «coração simples» (cf Sl 24, 3s; 51, 12; 73, 13; Pr 22, 11; Sab 1, 1: Ef 6, 5). O homem de coração puro verá a Deus, não nesta terra, mas nos céus, onde «O veremos tal qual é» (1 Jo 3, 2), «face a face» ( 1 Cor 13, 12).
    «Obreiro da paz» é o próprio Deus (Cl 1, 20), tantas vezes definido como «Deus da paz».
    A perseguição «por causa da justiça» não é outra coisa senão o preço a pagar pela coerência e pelo testemunho evangélico.

    Meditatio

    A primeira leitura apresenta-nos o exemplo de Elias, grande testemunha da santidade de Deus, num momento de decadência, em Israel, por causa da idolatria, que, por influência de Jezabel, e com a conivência de Acaz, ia ganhando terreno. Elias não suporta a situação e anuncia a punição de Deus. O rei não suporta a intervenção do profeta, e procura matá-lo. Mas Deus está com Elias e diz-lhe: «Vai-te daqui» (v. 3). O profeta refugia-se junto da torrente de Querit, onde Deus cuida do seu sustento.
    O Sermão da Montanha revela-nos o coração de Deus, que não só não abandona os seus profetas, mas ama a todos e a todos quer felizes: «Felizes... felizes ... felizes» é o termo mais repetido no evangelho que escutamos hoje. Deus quer a nossa felicidade, e ensina-nos o caminho para lá chegar. Esse caminho não passa pelas ilusões da riqueza, do poder, das alegrias fáceis, que não passam de becos sem saída, que nos afastam d´Ele e, por isso, também da felicidade.
    O caminho que Jesus nos indica para a felicidade é o seu próprio caminho. O mundo proclama as bem-aventuranças do egoísmo: felizes os ricos, os poderosos, os que mandam, os que, a qualquer custo, procuram satisfazer as suas reivindicações, os seus interesses. Jesus assume uma posição paradoxal, unindo termos em clara
    contraposição: «Felizes os pobres, os que choram...». É um convite a não nos determos à superfície das coisas, mas a olhá-las em profundidade, para vermos o que realmente conta, o que desde já nos dá alegria, ainda que em condições de sofrimento e de pobreza. É o caso da mansidão, da humildade, da misericórdia, que são premissas necessárias a um bem maior, como é a união com Cristo. Por isso, é particularmente paradoxal a última bem-aventurança: «Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa... porque grande será a vossa recompensa no Céu» (v. 11-12). Segundo Jesus, na injustiça, sofrida por causa d´Ele, havemos de encontrar a felicidade. E, aqui, encontramos a ligação com a primeira leitura: são felizes «os que têm fome e sede de justiça», isto é, de santidade, e que sofrem perseguições por causa disso. Elias, profeta perseguido e sofredor, já experimentou a felicidade que Jesus, nove séculos mais tarde, viria proclamar, para quantos tivessem de sofrer por sua causa.
    O verdadeiro discípulo, com efeito, alegra-se em participar nos sofrimentos do seu Senhor (1 Pe 4, 13). À imitação de Cristo, prefere a cruz à alegria imediata: «Em vista da alegria que Lhe era oferecida (Cristo) submeteu-Se à cruz» (Heb 12, 2). Considera «perfeita alegria» sofrer toda a espécie de provações (cf. Tg 1, 2). O laborioso ministério do Apóstolo é um exemplo típico de alegria nas tribulações (Cf. 2 Cor 6, 20; 7, 4; Fl 1, 17-18; 2, 17-18).
    A alegria nas provações é, desde já, posse e garantia da alegria do céu (cf. Apoc 18, 20; 19, 1-4.7-9). Então, será a perfeita alegria, desde já saboreada pelos filhos de Deus e suscitada pela comunhão com o Pai e com o Filho, no Espírito Santo (cf. 1 Jo 1, 1-4; 3, 1-2.2-4).
    O cristão e, sobretudo, o oblato-SCJ vive alegre em todas as situações, mesmo quando tiver de sofrer por causa de Cristo e do seu Reino, manifestando a misericórdia, a alegria e a bondade de Deus para com todos os homens, porque o Senhor está perto (cf. Fl 4, 4-5), e o esposo, logo que chegue, há-de introduzi-lo na alegre festa das núpcias (cf. Mt 25, 10), onde a bem-aventurança será eterna.

    Oratio

    Senhor Jesus, que no alto do monte proclamaste as bem-aventuranças, a nova Lei da nova Aliança, ajuda-me a recordá-la e a vivê-la em todas as circunstâncias da minha vida, para dar ao mundo aquele testemunho profético que me confias como cristão e como consagrado.
    A tua santidade é misericórdia e não dureza. Tu declaras felizes os que, à imitação do Pai, são misericordiosos. Que, a cada dureza e a cada injustiça, eu saiba sempre opor, com a ajuda da tua graça, a misericórdia. Foi assim que, Tu mesmo, reagiste às injustiças e aos sofrimentos a que foste submetido.
    Uma vez que me ensinaste os mais altos cumes das virtudes, infunde em mim o teu Espírito Santo, que venha em auxílio da minha fragilidade, para que possa alcançá-los e receber o prémio que me reservas. Amen.

    Contemplatio

    Feliz o justo que sofre pela justiça! É semelhante ao divino Mestre, que foi o Cordeiro imolado desde o começo, a vítima da salvação, da reparação, da redenção.
    Nosso Senhor predisse esta nossa semelhança com Ele: «O discípulo não está acima do Mestre, disse-nos. Como o mundo me persegue, perseguir-vos-á. Sereis como cordeiros entre os lobos. Arrastar-vos-ão diante dos tribunais. Encontrareis contradições até nas vossas famílias. Muitos vos odiarão por causa de Mim. Mas não sereis felizes por vos parecerdes com o vosso Mestre?» (Mt 10) ... Os discípulos não estão acima do mestre. Os apóstolos também foram perseguidos, porque anunciavam Cristo e pregavam a redenção, foram presos e flagelados; e voltando do tribunal, alegravam-se por terem tido a graça de sofrerem por Jesus Cristo (At 5, 4). Tiveram todos a heróica coragem de enfrentarem a morte pelo Salvador, e se S. João não morreu no seu suplício, foi por um milagre que não lhe tira o mérito do martírio.
    S. Paulo via com alegria a coragem dos seus discípulos na perseguição. Escrevia aos Tessalonicenses: «Gloriamo-nos em vós, nas Igrejas de Deus, por causa da vossa paciência e da vossa fidelidade, no meio das perseguições e das tribulações que tendes de suportar. É o sinal dos desígnios de Deus, o qual vos quer tornar dignos do seu Reino. É por isso que vós sofreis. Mas a seu tempo a todos nos tocará, quando Nosso Senhor descer do céu e aparecer com os anjos, ministros do seu poder» (2Tes 1, 4-7). (Leão Dehon, OSP4, p. 60s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra
    «Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem por minha causa (cf. Mt 5, 11).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • X Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Terça-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    11 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Terça-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 17, 7-17

    Naqueles dias, 7a torrente secou, pois não chovia sobre a terra. 8Então o Senhor disse-lhe: 9«Levanta-te, vai para Sarepta de Sídon e fica lá, pois ordenei a uma mulher viúva de lá que te alimente.» 10Ele levantou-se e foi para Sarepta; ao chegar à entrada da cidade, eis que havia lá uma mulher viúva que andava a apanhar lenha; chamou-a e disse-lhe: «Vai-me arranjar, te peço, um pouco de água numa vasilha, para eu beber.» 11Ela foi buscar a água e Elias chamou-a e disse-lhe: «Traz-me também um pedaço de pão nas tuas mãos.» 12Então ela respondeu: «Pela vida do Senhor, teu Deus, não tenho pão cozido; tenho apenas um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na ânfora; mal tenha reunido um pouco de lenha entrarei em casa para preparar esse resto para mim e para meu filho; vamos comê-lo e depois morreremos.» 13Elias disse-lhe: «Não tenhas medo; vai a casa e faz como disseste. Disso que tens faz-me um pãozinho e traz-mo; depois é que prepararás o resto para ti e para o teu filho. 14Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel:'A panela da farinha não se esgotará, nem faltará o azeite na almotolia até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra.'» 15Ela foi e fez como lhe dissera Elias: comeu ele, ela e a sua família, durante alguns dias. 16Nem a farinha se acabou na panela, nem o azeite faltou na almotolia, conforme dissera o Senhor pela boca de Elias.

    Na Palestina, a chuva e as boas colheitas estão em proporção directa (cf. Dt 11, 10-15). Jezabel tinha introduzido em Israel o culto de Baal, deus da chuva. E queria impô-lo a todos. Mas teve que haver-se com a oposição frontal de Elias. A multiplicação milagrosa da farinha e do azeite mostra que o verdadeiro Deus da fertilidade e das boas colheitas é Javé, e não Baal, incapaz de mandar chuva para interromper a seca proclamada por Elias. Ao fazer o milagre, em nome de Javé, Elias mostra que a poderosa rainha Jezabel, e todos os baalistas, não têm razão. Quem a tem é a pobre e indefesa viúva de Sarepta, que confia em Javé. O facto de ser uma estrangeira abre uma perspectiva universalista da salvação, que será completa no Novo Testamento. A viúva de Sarepta é tipo dos pagãos convidados para a mesa do Reino. Este episódio compreende-se plenamente à luz da citação que Cristo faz dele na sinagoga de Nazaré (Lc 4, 24-26): o profeta, que os seus recusam a escutar, é ouvido e acreditado entre os pagãos. Podemos também comparar a viúva de Sarepta com aquela de que nos fala o Evangelho (Mc 12, 41-44; Lc 21, 1-4), para sublinharmos a generosidade de ambas. Esta viúva, generosa com Elias, também se contrapõe a Jezabel e à sua avidez insaciável (cf. 1 Rs 21, 1ss.). O milagre de Sarepta, à semelhança do da torrente de Quarit (1 Rs 17, 1-6), manifesta a solicitude e a providência de Deus em favor dos profetas.

    Evangelho: Mateus 5, 13-16

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 13«Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. 14Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; 15nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. 16Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.»

    Quem vive a nova lei das Bem-aventuranças, proclamada por Jesus Cristo, o novo Moisés, torna-se sal e luz do mundo. Os dois provérbios parabólicos, do sal e da luz, definem a vida e missão dos discípulos, em contraste com a dos fariseus e pagãos: «Vós sois o sal da terra ... Vós sois a luz do mundo». O sal dá sabor aos alimentos, e ainda é usado para evitar a sua corrupção. O sal também era usado na confecção dos sacrifícios (Lv 2, 13) e, portanto, assumia um papel «consacratório» e, se perdesse a capacidade de salgar, era «pisado pelos homens», num gesto dessacralizante. O sal, finalmente, também lembra a sabedoria (Mc 9, 50): devemos condimentar com ele o nosso falar (Cl 4, 6).
    Os discípulos são «luz do mundo», tal como Cristo, que é a fonte da luz (Jo 8, 12). Não se acende uma luz «para a colocar debaixo do alqueire» (cf. Mc 4, 21), caso contrário, apaga-se, como acontece quando se coloca o apagador sobre uma vela.
    «Sal da terra... luz do mundo: a missão dos discípulos tem um horizonte cósmico, planetário.

    Meditatio

    Jesus proclama os seus discípulos sal da terra e luz do mundo. Cada um o deve ser conforme os seus carismas, conforme a sua vocação. Por isso, há muitos modos de ser sal da terra e luz do mundo. Elias, de que nos fala a primeira leitura, é sal da terra com o seu zelo pela verdadeira fé. Mas também a viúva pobre é luz do mundo, pela sua fé, esperança e caridade. Apenas tinha «um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na ânfora», para ela e para o filho. Mais um pouco de tempo, e morreriam ambos de fome. E o homem de Deus, o profeta, em vez de vir trazer alguma coisa, pedia-lhe um pouco de água e um pedaço de pão. Parecia legítimo negar-lhe o pedido. Mas a mulher «foi e fez como lhe dissera Elias» (v. 15). Acreditou na promessa do profeta: «a panela da farinha não se esgotará, nem faltará o azeite na almotolia» (v. 14). Deu e, por isso, recebeu. Não será rica; mas também não lhe faltará o necessário.
    O homem «foi criado para fazer boas obras» (Ef 2, 10), irradiando a luz que Cristo derrama sobre ele (cf. Ef 5, 14). O Senhor, que é a luz que ilumina, transforma-nos em luz iluminada, em luz que se reflecte sobre nós, no dizer de S. Gregório Magno. A comunidade dos «iluminados» (Heb 6, 4; 10, 13) torna-se aquele candelabro de ouro, imagem da Igreja, onde Cristo establece a sua morada (Ap 1, 13). Na tradição hebraica, o candelabro de sete braços simboliza a totalidade do tempo - a primeira semana genesíaca - e a totalidade da pessoa, sintetisada nos sentidos superiores, com as suas sete aberturas: dois olhos, dois ouvidos, duas narinas e a boca. Será útil pensar: em que medida irradiam luz os meus sentidos, através dos quais interajo com a humanidade?
    A generosidade, a que somos chamados, é resposta à generosidade d´Aquele «que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para (nos) enriquecer pela sua pobreza» (2 Cor 8,9). É permitir a Cristo continuar a viver e a realizar em nós a sua generosidade. Por isso, é um verdadeiro dom, uma «graça» ("karis"), tal como a pobreza de Cristo (2 Cor 8, 9). Com essas palavras, o Apóstolo pretende estimular os cristãos de Corinto, para que dêem, com generosidade, aos pobres da Igreja de Jerusalém:
    «Distingui-vos... nesta acção generosa» (2 Cor 8, 7). Esta «graça de Deus», já foi concedida às Igrejas da Macedónia (2 Cor 8, 1), as quais, apesar das tribulações e da «sua extrema pobreza», deram com «grande alegria... para além das suas posses, espontaneamente, pedindo-nos insistentemente a graça de tomarem parte neste serviço, a favor dos santos» (2 Cor 8, 2-4).
    Um ensinamento importante para todos os cristãos, particularmente para aqueles que fazem voto de pobreza.

    Oratio

    Senhor, que eu não encontre desculpa para não dar com genrosidade. Infunde no meu coração o teu Espírito Santo para saiba gastar o meu tempo, o que tenho e o que sou, em favor dos irmãos, particularmente dos mais fracos e carenciados. Que não olhe demasiadamente para os meus limites, e tenha sempre esperança. Dá-me a graça de dar o pouco que tenho, para que se possa prolongar em mim a tua generosidade. Assim serei realmente feliz, porque Tu mesmo disseste que há maior alegria em dar do que em receber. Amen.

    Contemplatio

    «Vós sois o sal da terra ... Vós sois a luz do mundo. Estas comparações aplicam-se em primeiro lugar e particularmente aos pastores das almas, mas também, de uma certa maneira, a todos os discípulos de Jesus Cristo, mesmo aos simples fiéis. Não têm todos alguns deveres de apostolado uns a respeito dos outros?
    Todos devem edificar o seu próximo pelo bom exemplo, pelas exortações, pelos bons avisos e por todos os meios que pode sugerir um zelo sábio e prudente.
    Este dever é mais complexo para aqueles que têm alguma autoridade familiar, patronal ou administrativa. Mas como é mais urgente o dever do apostolado para o padre! O apostolado é a sua missão, deve despender nele a sua inteligência, o seu coração, toda a sua actividade. «Despender-me-ei, diz S. Paulo, e despenderei tudo o que puder pela salvação das almas. O apóstolo não pode deixar de trabalhar pela salvação das almas sem se perder a si mesmo.
    – Todos os cristãos devem ser a luz do mundo pelas suas virtudes. O padre deve sê-lo particularmente. Tem como missão edificar e evangelizar.
    Uma lâmpada não é feita para estar escondida debaixo alqueire, mas para ser vista, para luzir e para iluminar.
    – Se uma lâmpada vem a extinguir-se, tudo recai na obscuridade; o apóstolo deve ser também uma lâmpada ardente, uma lareira de calor. Este calor é o zelo, é o amor de Deus e das almas. O apóstolo vai buscar facilmente este calor ao Coração de Jesus, que é uma fornalha ardente de caridade. O apóstolo fervoroso arde de amor por Deus e testemunha-lhe este amor por todos os actos da vida interior, pelos actos de amor e de reparação sobretudo, e aí será facilmente levado se contemplar o Coração de Jesus, o Coração amante e sofredor do Salvador, que nos pede o amor recíproco, a consolação e a reparação. Arde também de amor pelo próximo e alimentá-lo-á aproximando-se da mesma lareira, o Coração vítima do Redentor (Leão Dehon, OSP4, pp. 48-50, passim).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vós sois o sal da terra;vós sois a luz do mundo» (cf. Mt 5, 13-14).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • X Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Quinta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    13 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Quinta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 18, 41-46

    Naqueles dias, 41o profeta Elias disse a Acab: «Vai, come e bebe, pois já oiço o rumor de uma forte chuvada!» 42Acab foi comer e beber; Elias subiu ao cimo do monte Carmelo, prostrou-se por terra, colocando a cabeça entre os joelhos; 43e disse ao seu servo: «Sobe e observa para os lados do mar.» Ele subiu e observou, dizendo: «Não vejo nada!» Por sete vezes Elias lhe repetiu: «Volta e torna a observar.» 44À sétima vez, o servo respondeu: «Eis que sobe do mar uma pequena nuvem como a palma da mão!» Disse-lhe então Elias: «Vai dizer a Acab que prepare o seu carro e desça quanto antes, para que a chuva não o detenha aqui.» 45Nesse momento, cobriu-se o céu de nuvens negras, o vento soprou e a chuva começou a cair torrencialmente. Acab subiu para o seu carro e partiu para Jezrael. 46A mão do Senhor esteve sobre Elias que, de rins cingidos, ultrapassou Acab e chegou a Jezrael.

    O profeta Elias anuncia a Acab o fim da seca, e o fim do jejum ordenado para obter a chuva: «Vai, come e bebe, pois já oiço o rumor de uma forte chuvada» (v. 41). O alimento pode também simbolizar a reconciliação entre Acab, Elias e Javé, depois da triunfal vitória do javismo sobre o baalismo. Em seguida, Elias sobe ao Carmelo e entra provavelmente na gruta onde costumava recolher-se em oração. A posição, que assume, prostrando-se e colocando a cabeça entre os joelhos, indica profunda concentração, mas também o despertar de energias interiores capazes de influenciar os próprios elementos naturais, como atestam antigas tradições egípcias e mesopotâmicas. Tiago faz essa releitura, quando recorda o episódio e escreve: «A oração fervorosa do justo tem muito poder (em grego: energuménê). Elias...rezou com fervor para que não chovesse, e durante três anos e seis meses não choveu sobre a terra. Depois voltou a rezar, e o céu deu chuva, e a terra produziu o seu fruto» (Tg 5, 16-18). A formação progressiva das nuvens e a chuva, depois de sete súplicas insistentes, muito ao estilo semita, ajusta-se à topografia e à meteorologia da Palestina. Do alto do Carmelo, consegue ver-se o horizonte longínquo do Mar Mediterrâneo, único manancial de nuvens e de chuva sobre a franja sírio-palestiniana.

    Evangelho: Mateus 5, 20-26

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 20Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.» 21«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. 22Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar 'imbecil' será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar 'louco' será réu da Geena do fogo. 23Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. 25Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. 26Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.»

    Jesus afirmou aos seus discípulos que não vinha ab-rogar a Lei, mas aperfeiçoá-la. Como vontade de Deus, devia ser aceite na sua totalidade sem a reduzir a árdua casuística, como faziam os doutores e os fariseus, tergiversando e defraudando a própria Lei. Formulado o princípio, Jesus deu seis exemplos concretos, começando sempre por «Ouvistes o que foi dito aos antigos ... Eu, porém, digo-vos». A frase alude a alguma prescrição do Antigo Testamento, preparando o leitor para a nova interpretação.
    A primeira antítese refere-se ao quinto mandamento (Ex 20, 13; Dt 5, 17). Jesus compara o homicídio intencional ao material. O homicídio intencional pode conhecer diversas modalidades: a ira, o desprezo (chamar rhaká, isto é, imbecil) são ofensas para as quais está previsto o «juízo» do tribunal local, a sentença do sinédrio (o supremo tribunal sedeado em Jerusalém) e, finalmente, o fogo da Geena, a proverbial depressão a sudoeste da Cidade santa considerada, a partir do Novo Testamento, lugar de maldição.
    Quando alguém se deixa dominar pela ira e pelo desprezo dos outros, não está em condições para oferecer sacrifícios de acção de graças ou de expiação. Se, por qualquer razão tiverem sido iniciados nessas condições, apesar da sacralidade do culto, devem ser interrompidos para recompor a ordem social. Jesus equipara uma situação de índole moral simplesmente interior, a uma grave impureza legal, que implicava a suspensão do rito, segundo o ensinamento profético: «Quero misericórdia, e não sacrifício» (cf. Mt 9, 13; 12, 7). E nem vale a pena presumir o perdão de Deus, se não perdoarmos aos irmãos (cf. Mt 6, 12). Caso nos atrevamos a apresentar-nos diante do Senhor, a pedir misericórdia, sem antes a termos usados com os outros, teremos de pagar até ao último «cêntimo».

    Meditatio

    Elias anuncia a Acab o fim da seca, que tinha anunciado como castigo da impiedade geral, e o fim do jejum, que o rei tinha ordenado, para obter a clemência divina. Deste modo, o profeta demonstra que é Deus que actua em Acab, e em Israel, no castigo e no perdão. O castigo de Deus tem sempre uma finalidade pedagógica: levar o pecador a reconhecer os seus erros e a regressar a Deus, à vivência da Aliança, a dar-Lhe o lugar que Lhe é devido. E assim, voltará a experimentar a fidelidade e a misericórdia divinas.
    O evangelho leva-nos a reflectir sobre o mandamento do amor a Deus e ao próximo, que são um só amor. Os fariseus quase que só se preocupavam com o amor a Deus, negando uma justa relação com o próximo. Jesus, pelo contrário, considerava o amor fraterno uma exigência rigorosa. Por isso, diz aos discípulos: «Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu» (v. 20). Chegou mesmo a colocar o amor ao próximo acima das ofertas a Deus: «Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta» (v. 23-24). O dom mais agradável a Deus é exactamente a caridade fraterna. Se ela faltar, tudo o resto fica sem valor. Uma explicação simples para isto, pode ser a seguinte: como Jesus vive em nós, pede-nos uma caridade perfeita, que não sufoque a sua vida em nós, com preconceitos, atitudes, palavras agressivas e maldosas.
    A nossa oferta sobre
    o altar significa a nossa vida posta à sua disposição. É-lhe agradável se lhe permitir viver em nós a sua vida. Caso contrário, pode dizer-nos: «A tua oferta não é sinal de amorosa disponibilidade para com o teu irmão; por isso, vai primeiro reconciliar-te com ele; depois, vem fazer a tua oferta».
    Não podemos separar o amor de Deus do amor aos irmãos, porque Jesus está na charneira dos dois amores: Ele ama os irmãos porque ama o Pai, e ama o Pai amando os irmãos.
    A nossa capacidade de amar o Pai e de amar os irmãos, não vem de nós, mas de «mais além do que nós mesmos» (A. Carminatti). Vem de Deus caridade: «Caríssimos - escreve S. João - amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus... Nisto consiste o amor: não fomos nós a amar a Deus por primeiro, mas foi Ele que nos amou...» (1 Jo 4, 7.10). Por isso, «enviou o Seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados» (1 Jo 4, 10) e «nos deu o Espírito» (1 Jo 4, 13), o Espírito de amor. É o Espírito de amor que nos leva a amar a Deus, mas também aos irmãos. Por isso, o amor aos irmãos é possível, mesmo em situações muito difíceis. A única condição é permanecermos no amor de Jesus Cristo: «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei, assim também deveis amar-vos uns aos outros» (Jo 13, 34). «Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós... Permanecei no Meu amor» (Jo 15, 4.9; cf. Jo 17, 21.23).

    Oratio

    Senhor, Tu ensinas-me a apresentar-me diante de Ti, livre de qualquer rancor, e sem culpa por ter omitido ajuda aos irmãos, que estão em situações difíceis. Mas, - quantas vezes! -, realizo o meu «serviço sacerdotal», apresentando-te sacrifícios espirituais sobre o altar de um coração não reconciliado. Esqueço que afastas o olhar daqueles que estão separados dos irmãos. Por isso, ainda antes de me levantar para ir ao encontro dos irmãos, hei-de pôr-me em estado de benevolência e começarei a «falhar-lhes ao coração» (Jz 19, 3) para lhes oferecer estima, reconciliação e paz.
    Envia sobre mim o teu Espírito Santo, que ilumine as minhas relações com os outros, para que, se for necessário, as reformule à luz dos teus ensinamentos. Amen.

    Contemplatio

    Nada de injúrias, diz Nosso Senhor; aquele que profere injúrias contra o seu irmão deve reparar a sua falta (Mt 5, 22). Nada de julgamentos injustos, inspirados pela inveja, pela indiscrição, pela ligeireza, pelo amor-próprio. «Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados» (Lc 6, 37).
    S. Pedro, conformando-se ao espírito de Nosso Senhor, diz-nos: «Não deis mal por mal, nem maldição por maldição; mas, ao contrário, abençoai os vossos irmãos (porque foi para isso que fostes chamados), para possuirdes vós mesmos a bênção como herança. - Se alguém quer ser abençoado nesta vida e ver dias felizes, que guarde a sua língua do mal e que os seus lábios se abstenham da mentira, que se desvie do mal e que faça o bem; que procure e que persiga a paz; porque o olhar do Senhor se detém sobre os justos e os seus ouvidos escutam as suas orações» (1Pd 3, 9).
    «Não cedais ao demónio, diz S. Paulo: que todo o azedume, toda a cólera, toda a irritação, toda a querela, toda a maledicência e toda a malícia seja banida do vosso meio. Sede bons uns para com os outros, sede misericordiosos, perdoando-vos mutuamente, como Deus vos perdoou em Cristo» (Ef 4, 27).
    «Como se faz, diz ainda S. Paulo, que se veja entre vós erguerem-se diferendos que são levados diante dos tribunais seculares? Porque os santos julgarão um dia o mundo, poderão muito bem julgar os vossos pequenos diferendos. Os membros mais humildes da Igreja deveriam bastar para isso, mas em caso de necessidade tomai de entre vós um homem sábio para julgar os vossos processos, e mesmo para maior perfeição, sofrei que procedam para convosco injustamente» (1Cor 6, 1) (Leão Dehon, OSP4, p.66s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão » (Mt 5, 24).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • X Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Sexta-feira - Tempo Comum - Anos Pares


    14 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Sexta-feira

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 19.9ª.11-16

    Naqueles dias, 9o profeta Elias chegou ao monte Horeb, Elias passou a noite numa caverna, onde lhe foi dirigida a palavra do Senhor: «Que fazes aí, Elias?» 11O Senhor disse-lhe então: «Sai e mantém-te neste monte, na presença do Senhor; eis que o Senhor vai passar.» Nesse momento, passou diante do Senhor um vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava os rochedos diante do Senhor; mas o Senhor não se encontrava no vento. Depois do vento, tremeu a terra. 12Passou o tremor de terra e ateou-se um fogo; mas nem no fogo se encontrava o Senhor. Depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma brisa suave. 13Ao ouvi-lo, Elias cobriu o rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna. Disse-lhe, então, uma voz: «Que fazes aqui, Elias?» 14Ele respondeu: «Ardo em zelo pelo Senhor, Deus do universo, porque os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, derrubaram os teus altares e mataram os teus profetas. Só eu escapei; mas agora também me querem matar a mim.» 15O Senhor disse-lhe: «Vai e volta pelo caminho do deserto, em direcção a Damasco e, chegando lá, hás-de ungir Hazael como rei da Síria. 16Jeú, filho de Nimechi, como rei de Israel, e Eliseu, filho de Chafat, de Abel-Meolá, como profeta em teu lugar.

    Acab e Jezabel tinham sido testemunhas dos prodígios realizados por Elias. Mas, enquanto Acab se converteu ao javismo, Jezabel ameaçava de morte o profeta. A corrida de Acab no seu carro, e de Elias nas asas do espírito, até Jezrael, o bastião mais forte do baalismo, e donde partira a campanha anti-javista, talvez tivesse a ver com uma tentativa de conquistar a rainha para a causa do javismo. Mas Jezabel não cedeu e o profeta teve de fugir para o Sul, refugiando-se no deserto de Judá. E, completamente esgotado, pediu a Deus a morte. Mas o Senhor faz-lhe encontrar, por duas vezes, pães cozidos sob a cinza e uma bilha de água, convidando-o a comer e a prosseguir viagem. Assim, chegou ao Horeb, isto é, ao Sinai, lugar tradicional das revelações divinas. E entrou na gruta para passar a noite.
    Aí, Elias manifesta-se angustiado por causa da perversão do seu povo. Só ele ficara a defender a religião dos pais. Mas Deus confirma-lhe a vocação, numa teofania bem diferente das clássicas. Não há trovões nem tremores de terra, mas apenas «o murmúrio de uma brisa suave» (v. 12), «o murmúrio do silêncio», numa tradução mais próxima do hebraico. Elias é reconduzido à sua interioridade, para encontrar, na gruta do coração, o Senhor que lhe dará força para prosseguir a caminhada. O profeta retoma a missão e repara que, afinal, não está só, pois o esperam «sete mil homens», que não dobraram o joelho diante de Baal (v. 18). E o Senhor indica-lhe algumas importantes tarefas a realizar (vv. 15-16).

    Evangelho: Mateus 5, 27-32

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 27«Ouvistes o que foi dito: Não cometerás adultério. 28Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração. 29Portanto, se a tua vista direita for para ti origem de pecado, arranca-a e lança-a fora, pois é melhor perder-se um dos teus órgãos do que todo o teu corpo ser lançado à Geena. 30E se a tua mão direita for para ti origem de pecado, corta-a e lança-a fora, porque é melhor perder-se um só dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado à Geena.»
    31«Também foi dito: Aquele que se divorciar da sua mulher, dê-lhe documento de divórcio. 32Eu, porém, digo-vos: Aquele que se divorciar da sua mulher - excepto em caso de união ilegal - expõe-na a adultério, e quem casar com a divorciada comete adultério.»

    Mateus apresenta-nos hoje mais uma antítese usada por Jesus, neste caso, visando o adultério. Mais uma vez, o Senhor acaba com a distinção, própria dos fariseus, entre a intenção e a acção, e declara o princípio da unidade: adultérios do coração, dos olhos, das mãos, são igualmente proibidos. São mencionados os olhos e as mãos pela participação que têm nos desejos do coração. Relativamente à certidão de repúdio, Jesus admite uma única excepção: o caso de união ilegal. Será só uma excepção, ou deverá entender-se que o divórcio, neste caso, não só é permitido, mas exigido pela lei judaica? Ainda não há uma resposta satisfatória. Mas notemos a posição de Cristo em defesa das categorias mais fracas e no restabelecimento da ordem social. Jesus tomará esta mesma atitude quando se referir às crianças (Mt 18, 1-10).

    Meditatio

    Deus não se revela no vento impetuoso e violento, nem no terramoto, nem no fogo, mas no «murmúrio de uma brisa suave» (v. 12). Esta revelação «suave» contrasta com as anteriores intervenções de Elias, e com a sua história. Deus quer consolar o seu profeta, que aparentemente lutou em vão, e agora está desalentado, no limite das suas forças, e já não entende o modo de agir do Deus dos exércitos: «Ardo em zelo pelo Senhor, Deus do universo ... Só eu escapei; mas agora também me querem matar a mim» (v. 14). Deus não lhe dá explicações, mas recoloca-o na sua missão: «Vai... hás-de ungir ... Jeú como rei de Israel, e Eliseu como profeta» (cf. vv. 15-16). A presença misteriosa de Deus repôs força e paz no coração de Elias. Quantas vezes experimentamos algo de semelhante, depois de uma intensa e esgotante actividade apostólica, de que não vemos os frutos esperados, ou depois de uma absorvente e pesada obra em favor dos irmãos, que nos traz incompreensões, calúnias e más vontades. Mas, também para nós, o Senhor está presente, para nos confortar e reconfirmar na missão.
    O evangelho diz-nos que a luta espiritual não admite compromissos. Não podemos pretender a alegria espiritual e os prazeres da vida, a alegria espiritual e a possibilidade de satisfazer as nossas tendências naturais. As palavras de Jesus não nos dão hipótese para escapar. O preço da felicidade é amputar, eliminar o que, em nós, é ocasião de mal, de pecado. Não é que Deus nos queira fisicamente deficientes. Mas exige a «circuncisão do coração» (Jr 4, 4), isto é, a quebra da esclerose do coração - «foi por causa da dureza dos vossos corações» (Mt 19, 8), que desfaz o vínculo sagrado do amor.
    Sendo assim, impõe-se, a cada um de nós, uma verdadeira ecografia do coração, à luz do implacável diagnóstico proposto por Cristo: «É do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, ass
    assínios, adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios.» (Mc 7, 21-22).
    A história de Elias, bem como o evangelho, mostram-nos que, para o reconhecimento de Deus, e do seu lugar nas sociedades, bem como para a verdadeira libertação do homem, não adianta mudar as estruturas sócio-políticas, se não se mudar o coração do homem; pelo contrário, quando mais as estruturas forem perfeitas, melhor servem ao homem poderoso, para satisfazer os seus interesses, os seus objectivos egoístas.
    Só a presença suave, mas transformadora, do Espírito no coração dos homens é capaz de nos configurar à oblação d´Aquele que, por amor, Se entregou totalmente ao Pai e aos homens. Só a presença suave, mas transformadora, do Espírito nos nossos corações, nos torna atentos aos apelos de Deus e dos irmãos, nos acontecimentos pequenos e grandes, nas expectativas e realizações humanas (cf. Cst 35).

    Oratio

    Senhor, ainda que a minha consciência não me acuse de adultério do corpo, reconheço-me adúltero do olhar, da imaginação, do sentimento, do pensamento. E mesmo que de nada disso me acuse o coração, não posso considerar-me imune do adultério espiritual, que cometo todas as vezes que não Te coloco em primeiro lugar, na hierarquia dos meus afectos, dos meus interesses, do meu desejo de amor.
    Confesso diante de Ti, Senhor, que, enquanto cuido da integridade do corpo, estando atento para que nenhum dos membros sofra, não cuido igualmente da integridade do espírito, mas o abandono às paixões e aos instintos.
    Purifica, Senhor o meu coração, e todo o meu interior, para que, de modo nenhum caia em adultério, mas sempre Te glorifique nos pensamentos, nas palavras e nas obras. Amen.

    Contemplatio

    Nosso Senhor restabeleceu em toda a sua integridade a regra da castidade: «Sabeis, diz, o que foi dito aos antigos: Não cometereis adultério». - Eu, porém, digo-vos: Quem olhar para uma mulher com concupiscência já cometeu adultério no seu coração (Mt 5, 27).
    Nosso Senhor não admite nenhuma desculpa nem nenhum acomodamento. A lei é formal e inflexível. Desde que estejamos envolvidos numa ocasião próxima de pecado, o sacrifício impõe-se, por grande que seja. O nosso olho direito, a nossa mão direita, isto é, o que temos de mais caro e de mais precioso deve ser imolado sem demora, senão é o inferno.
    Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo, diz S. Paulo. Irei então tomar os membros de Cristo para fazer deles os membros de uma prostituta? Que Deus não permita!... Aquele que permanece unido ao Senhor é um mesmo espírito com Ele. Fugi da fornicação ... O vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que reside em vós e que recebestes de Deus; e já não sois de vós mesmos, porque fostes comprados por um grande preço. Glorificai a Deus e levai-o no vosso corpo (1Cor 6,15). (Leão Dehon, OSP4, p. 75s.).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Vai e volta pelo caminho do deserto» (1 Rs 19, 15).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • X Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares

    X Semana - Sábado - Tempo Comum - Anos Pares


    15 de Junho, 2024

    Tempo Comum - Anos Pares
    X Semana - Sábado

    Lectio

    Primeira leitura: 1 Reis 19, 19-21

    Naqueles dias, 19o profeta Elias partiu dali e encontrou Eliseu, filho de Chafat, que andava a lavrar com doze juntas de bois diante dele; ele próprio conduzia a duodécima junta. Elias aproximou-se e lançou o seu manto sobre ele. 20Eliseu deixou logo os seus bois, correu atrás de Elias e disse-lhe: «Deixa-me ir beijar meu pai e minha mãe, que depois te seguirei.» Elias disse: «Vai, mas volta, pois sabes o que te fiz.» 21Eliseu, deixando Elias, tomou uma junta de bois e imolou-os. Com a lenha do arado cozeu as carnes, dando-as depois a comer à sua gente. Em seguida, pôs-se a caminho e seguiu Elias para o servir.

    Eliseu é chamado a ser profeta, quando se encontra a trabalhar no campo. Deus chama profetas de todas as origens e condições sociais. A sua vocação é sancionada por um gesto exterior, que funciona como uma espécie de sinal sacramental. Assim foi também com Eliseu, quando Elias lançou sobre ele o seu manto. E assim começa o chamado Ciclo de Eliseu.
    Eliseu dá testemunho de uma opção radical por Deus, quando larga os bois e o arado, o trabalho e a família, para seguir Elias. Cristo será ainda mais exigente quando se der conta de que alguém que pretendia segui-lo, queria despedir-se da família: «Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus» (Lc 9, 62). Poderá haver alguma margem de hipérbole; mas as exigências de Jesus eram, de facto, mais urgentes e radicais.

    Evangelho: Mateus 5, 33-37

    Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 33«Do mesmo modo, ouvistes o que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás diante do Senhor os teus juramentos. 34Eu, porém, digo-vos: Não jureis de maneira nenhuma: nem pelo Céu, que é o trono de Deus, 35nem pela Terra, que é o estrado dos seus pés, nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. 36Não jures pela tua cabeça, porque não tens poder de tornar um só dos teus cabelos branco ou preto. 37Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal.»

    A quarta antítese refere-se ao segundo e ao oitavo mandamento (Ex 20, 7.16; Nm 30, 3ss.; Dt 23, 22-24). Na sociedade judaica abusava-se do juramento (Mt 23, 16-22). Porque não se podia pronunciar o nome divino, contornava-se o obstáculo referindo-se ao céu, à terra, a Jerusalém, à própria cabeça. Mas, mais uma vez, Jesus elimina a casuística ao afirmar: «Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal» (v. 37).
    Num mundo onde predomina a mentira, seria necessário invocar Deus como testemunha do que afirmamos. Mas o cristão sabe que Deus está sempre presente, que não é preciso chamá-lo como testemunha. «Sim, sim», «não, não», proferidos na presença de Deus, equivalem a um juramento. A Carta de Tiago faz eco deste ensinamento de Cristo, quando diz: «Meus irmãos, não jureis, nem pelo Céu, nem pela Terra, nem façais qualquer outro juramento. Que o vosso «sim» seja sim e que o vosso "não" seja não, para não incorrerdes em condenação» (5, 12).

    Meditatio

    Eliseu realizou um gesto radical ao desfazer-se dos bois e do arado, e ao deixar a família e a profissão. Mas Jesus será ainda mais exigente com aqueles que chama para O seguirem. Um desses diz-lhe: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar o meu pai.» Mas Jesus respondeu-lhe: «Segue-me e deixa os mortos sepultar os seus mortos» (cf. Mt 8, 21-22). «Disse-lhe ainda outro: «Eu vou seguir-te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família.» Jesus respondeu-lhe: «Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus.» (Lc 9, 61-62). Quais são os apegos que impedem ou dificultam o meu seguimento de Jesus?
    Jesus mostra-se contrário ao perjúrio, que é contrário ao respeito devido a Deus. Mas também se mostra contra toda a espécie de juramento, em que se pretende envolver Deus para sufragar uma afirmação. O juramento é falta de respeito por Deus, que se invoca como testemunha, talvez de palavras não verdadeiras, instrumentalizando-O aos nossos interesses egoístas. E também é falta de respeito pelas criaturas de Deus, quando são elas as invocadas: «Não jureis de maneira nenhuma ... Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não» (cf. vv. 34-37).
    Geralmente recorre ao juramento quem não é sincero; temendo não ser acreditado, procura apoio para as suas palavras na autoridade de Deus, que, pelo contrário, quer sinceridade e simplicidade.
    Pode ser útil um bom diagnóstico às patologias da minha oralidade, uma vez que «é no falar que o homem se dá a conhecer» (Sir 27, 7). Por isso, convém perguntar: são as minhas palavras vazias, ociosas, insignificantes, mentirosas, inexpressivas, estultas, expeditas, vulgares? A assimilação da Sagrada Escritura permitir-me-à «falar com as palavras de Deus» (1 Pe 4, 11), «falar com graça» (Cl 4, 6), isto é, falar sob a inspiração do Espírito Santo: «Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós» (Mt 10, 20).
    Como cristãos, e como dehonianos, conhecemos e acreditamos, aderimos àquele que é a Verdade, Jesus Cristo. Por isso, há que ser verdadeiros. Na Igreja recebemos o dom da fé, que orienta a nossa vida e nos inspira a deixar tudo para seguir a Cristo (cf. Cst 9).

    Oratio

    Virgem Maria, Mãe de Jesus e minha mãe, ajuda-me a ser verdadeiro. O teu «Sim», tão simples, empenhou toda a tua vida, no respeito profundo por Deus e por todas as criaturas. Por isso, todos recorrem a Ti e te invocam como Espelho da santidade divina, Virgem fiel, Mãe do bom conselho.
    Ajuda-me, Senhora, a viver sempre na simplicidade, na sinceridade, no respeito, e ser generoso no seguimento do teu Filho Jesus. Amen.

    Contemplatio

    Pilatos não tem desculpa. Sabe que os Judeus são levados pela inveja e pelo ódio: «Que tendes a reprovar neste homem?», diz-lhes. Custa-lhe condenar um inocente, mas falta-lhe coragem. Portanto, acabará por ceder aos Judeus.
    Por outro lado, a santidade e a majestade de Jesus impõem-se-lhe: «És tu verdadeiramente o rei dos Judeus? - pergunta-lhe: «Sim, diz-lhe Jesus, sou, mas o meu reino não é um reino temporal. É o reino da verdade. Vim à terra para dar testemunho da verdade, para a fazer reinar e triunfar. Os que amam a verdade escutam a minha voz». Pilatos podia compreender. Foi informado muitas vezes da santidade de Jesus e dos seus milagres. Devia inclinar-se diante da autoridade moral de Jesus, se tivesse o cuidado da verdade. Mas é céptico. O que quer é viver à vontade entre as honras, os gozos e os prazeres mun
    danos. Responde com ligeireza: «O que é a verdade?», e não espera mesmo que Jesus lhe diga. Não quer ser convencido.
    Vaidade, ligeireza, descuido, cobardia, eis o carácter de Pilatos.
    Infelizmente não estou isento destes defeitos... Sim, ligeireza e falta de cuidado, tal foi o mais das vezes a característica da minha conduta ... Depois de tantas graças e de luzes que recebi, ofendia gravemente o Coração de Jesus com a minha indiferença a seu respeito. (Leão Dehon, OSP3, p. 316s).

    Actio

    Repete frequentemente e vive hoje a palavra:
    «Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não.» (Mt 5, 37).

    | Fernando Fonseca, scj |

  • 11º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    11º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    16 de Junho, 2024

    11º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    Tema do 11º Domingo do Tempo Comum

    A liturgia do 11º Domingo do Tempo Comum convida-nos a olhar para a vida e para o mundo com confiança e esperança. Deus, fiel ao seu plano de salvação, continua, hoje como sempre, a conduzir a história humana para uma meta de vida plena e de felicidade sem fim.
    Na primeira leitura, o profeta Ezequiel assegura ao Povo de Deus, exilado na Babilónia, que Deus não esqueceu a Aliança, nem as promessas que fez no passado. Apesar das vicissitudes, dos desastres e das crises que as voltas da história comportam, Israel deve continuar a confiar nesse Deus que é fiel e que não desistirá nunca de oferecer ao seu Povo um futuro de tranquilidade, de justiça e de paz sem fim.
    O Evangelho apresenta uma catequese sobre o Reino de Deus - essa realidade nova que Jesus veio anunciar e propor. Trata-se de um projecto que, avaliado à luz da lógica humana, pode parecer condenado ao fracasso; mas ele encerra em si o dinamismo de Deus e acabará por chegar a todo o mundo e a todos os corações. Sem alarde, sem pressa, sem publicidade, a semente lançada por Jesus fará com que esta realidade velha que conhecemos vá, aos poucos, dando lugar ao novo céu e à nova terra que Deus quer oferecer a todos.
    A segunda leitura recorda-nos que a vida nesta terra, marcada pela finitude e pela transitoriedade, deve ser vivida como uma peregrinação ao encontro de Deus, da vida definitiva. O cristão deve estar consciente de que o Reino de Deus (de que fala o Evangelho de hoje), embora já presente na nossa actual caminhada pela história, só atingirá a sua plena maturação no final dos tempos, quando todos os homens e mulheres se sentarem à mesa de Deus e receberem de Deus a vida que não acaba. É para aí que devemos tender, é essa a visão que deve animar a nossa caminhada.

    LEITURA I - Ez 17, 22-24

    Leitura da profecia de Ezequiel

    Eis o que diz o Senhor Deus:
    «Do cimo do cedro frondoso, dos seus ramos mais altos,
    Eu próprio arrancarei um ramo novo
    e vou plantá-lo num monte muito alto.
    Na excelsa montanha de Israel o plantarei
    e ele lançará ramos e dará frutos
    e tornar-se-á um cedro majestoso.
    Nele farão ninho todas as aves,
    toda a espécie de pássaros habitará à sombra dos seus ramos.
    E todas as árvores do campo hão-de saber
    que Eu sou o Senhor;
    humilho a árvore elevada e elevo a árvore modesta,
    faço secar a árvore verde e reverdeço a árvore seca.
    Eu, o Senhor, digo e faço».

    AMBIENTE

    No ano de 609 a. C., o faraó Necao derrotou o rei Josias e colocou no trono de Judá Joaquim, que durante algum tempo foi vassalo do Egipto. Contudo, em 605 a.C., Nabucodonosor derrotou as tropas assírias e egípcias em Carquemish, prosseguiu a sua campanha em direcção ao Egipto e assumiu o controlo da Síria e da Palestina. Joaquim ficou a pagar tributo aos babilónios. Quando, em 601, Nabucodonosor não conseguiu conquistar o Egipto, Joaquim julgou chegada a hora de se libertar do domínio babilónico. Contudo, Nabucodonosor reagiu sitiando Jerusalém, em 598 a. C., e Joaquim morreu durante o cerco, ou foi deportado para a Babilónia. Sucedeu-lhe Jeconias que, ao fim de três meses de resistência, se rendeu aos babilónios (597 a.C.).
    Nabucodonosor instalou, então, no trono de Judá um tal Sedecias. Durante algum tempo, Judá manteve-se tranquilo, pagando pontualmente os tributos devidos aos babilónios; mas, ao fim de algum tempo, aproveitando a conjuntura política favorável, Sedecias aliou-se com os egípcios e deixou de pagar o tributo. Nabucodonosor enviou imediatamente um exército que cercou Jerusalém. Apesar do socorro de um exército egípcio, Jerusalém teve de se render aos babilónios. Sedecias, aproveitando as sombras da noite, tentou fugir da cidade; mas foi feito prisioneiro, viu os seus filhos serem assassinados e ele próprio foi levado prisioneiro para a Babilónia, onde acabou os seus dias.
    Ezequiel, o "profeta da esperança", exerceu o seu ministério na Babilónia no meio dos exilados judeus. O profeta fez parte de uma primeira "leva" de exilados que, em 597 a.C., chegou à Babilónia, após a derrota de Jeconias.
    A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em que Jerusalém foi conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e um novo grupo de exilados foi encaminhado para a Babilónia). Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das infidelidades a Jahwéh por parte desses membros do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
    É precisamente neste contexto que Ezequiel propõe "um enigma", "uma parábola", que nos é apresentada ao longo do capítulo 17 do seu livro. Fala de uma "águia" (provavelmente o rei Nabucodonosor), que "veio do Líbano comer a ponta do cedro. Apanhou o ramo mais elevado" (provavelmente o rei Jeconias) e levou-o para o país dos comerciantes (isto é, a Babilónia). Em seu lugar, plantou outra árvore (provavelmente Sedecias). Esta árvore, uma "videira", não irá, contudo, prosperar, apesar das tentativas de aliança com o Egipto. Mais, será levado prisioneiro para a Babilónia e lá morrerá (Ez 17,10).
    A mensagem deste "enigma" é óbvia: os exilados não devem alimentar ilusões ao ver as jogadas políticas de Sedecias, aliado com os egípcios. A política de Sedecias, em Jerusalém, não significará a liberdade dos exilados, mas, pelo contrário, conduzirá a uma nova catástrofe.
    Estará então tudo terminado? Já não há esperança? Deus abandonou definitivamente o seu Povo e esqueceu as suas promessas de salvação?
    É precisamente aqui que se encaixa o oráculo de salvação que a primeira leitura deste domingo nos apresenta: não, apesar das dramáticas circunstâncias do tempo presente, Deus não abandonou o seu Povo, mas irá construir com ele uma história nova, de salvação e de graça.

    MENSAGEM

    Deus não esqueceu a promessa feita, por intermédio do profeta Natan (cf. 2 Sm 7), e na qual assegurou a David a continuidade do seu trono. É verdade que a dinastia de David (o "ramo mais elevado" do "cedro" - Ez 17,3-4) foi arrancada; mas Deus não abandonou o seu Povo: Ele próprio vai tomar um "ramo novo", plantá-lo na montanha de Israel, fazê-lo dar frutos e torná-lo uma árvore resistente e de grande porte (Ez 17,22-23) - ou seja, irá restabelecer a dinastia davídica em Jerusalém, assegurando ao seu Povo um futuro pleno de vida, de felicidade e de paz sem fim.
    O texto sublinha, antes de mais, a presença omnipotente de Deus na história da humanidade. Ele preside à história humana, tem um projecto de salvação e conduz sempre a caminhada dos homens de acordo com o seu plano. O poder orgulhoso dos impérios humanos nada pode contra esse Deus que é o Senhor da história e que, com paciência e amor, vai concretizando o seu projecto.
    Além disso, Ezequiel assegura aos exilados a "fidelidade" de Deus às suas promessas. Deus não falha, não esquece os seus compromissos, não abandona esse Povo com quem se comprometeu. Mesmo afogado na angústia e no sofrimento, mesmo mergulhado num horizonte de desespero, Israel tem de aprender a confiar nesse Deus que é sempre fiel às suas promessas e aos compromissos que assumiu com o seu Povo no âmbito da Aliança. Tudo pode cair, tudo pode falhar; só Deus não falha.
    O nosso texto contém ainda uma indicação sobre a forma de actuar de Deus, sobre a "estranha" lógica de Deus: Ele toma aquilo que é pequeno aos olhos dos homens ("um ramo novo" - Ez 17,22) e, através dele, vence o orgulho e a prepotência, confunde os poderosos e exalta os humildes. Deus prefere os pequenos, os débeis, os pobres (aqueles que na sua humildade e simplicidade estão sempre disponíveis para acolher os desafios e os dons de Deus); e é através deles que concretiza os seus projectos de salvação e de graça.
    Estes poucos versículos contêm um imenso capital de esperança, que deve alimentar e animar, hoje como ontem, a caminhada do Povo de Deus pela história.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ Essencialmente, o texto de Ezequiel que a liturgia deste domingo nos propõe garante que Deus conduz sempre a história humana de acordo com o seu projecto de salvação e mantém-se fiel às promessas feitas ao seu Povo. Esta "lição" não pode ser esquecida e essa certeza deve levar-nos a encarar os dramas e desafios do tempo actual com confiança e esperança. Não estamos abandonados à nossa sorte; Deus não desistiu desta humanidade que Ele ama e continua a querer salvar. É verdade que a hora actual que a humanidade atravessa está marcada por sombras e graves inquietações; mas também é verdade que Deus continua a acompanhar cada passo que damos e a apontar-nos caminhos de vida. A última palavra - uma palavra que não pode deixar de ser de salvação e de graça - será sempre de Deus. Ancorados nessa certeza, temos de vencer o medo e o pessimismo que, por vezes, nos paralisam e dar aos homens nossos irmãos um testemunho de esperança, de serena confiança.

    ¨ A referência - mil vezes repetida ao longo da Bíblia - à tal "estranha lógica" de Deus, que se serve do que é débil e frágil para concretizar os seus projectos de salvação, convida-nos a mudar os nossos critérios de avaliação e a nossa atitude face ao mundo e face aos que nos rodeiam. Por um lado, ensina-nos a valorizar aquilo e aquelas pessoas que o mundo, por vezes, marginaliza ou despreza; ensina-nos, por outro lado, que as grandes realizações de Deus não estão dependentes das grandes capacidades dos homens, mas antes da vontade amorosa de Deus; ensina-nos ainda que o fundamental, para sermos agentes de Deus, não é possuir brilhantes qualidades humanas, mas uma atitude de disponibilidade humilde que nos leve a acolher os apelos e desafios de Deus.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 91 (92)

    Refrão: É bom louvar-Vos, Senhor.

    É bom louvar o Senhor
    e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo,
    proclamar pela manhã a vossa bondade
    e durante a noite a vossa fidelidade.

    O justo florescerá como a palmeira,
    crescerá como o cedro do Líbano;
    plantado na casa do Senhor,
    florescerá nos átrios do nosso Deus.

    Mesmo na velhice dará o seu fruto,
    cheio de seiva e de vigor,
    para proclamar que o Senhor é justo:
    n'Ele, que é o meu refúgio, não há iniquidade.
    LEITURA II - 2 Cor 5, 6-10

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Nós estamos sempre cheios de confiança,
    sabendo que, enquanto habitarmos neste corpo,
    vivemos como exilados, longe do Senhor,
    pois caminhamos à luz da fé e não da visão clara.
    E com esta confiança, preferíamos exilar-nos do corpo,
    para irmos habitar junto do Senhor.
    Por isso nos empenhamos em ser-Lhe agradáveis,
    quer continuemos a habitar no corpo,
    quer tenhamos de sair dele.
    Todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo,
    para que receba cada qual o que tiver merecido,
    enquanto esteve no corpo,
    quer o bem, quer o mal.

    AMBIENTE

    Por volta de 56/57, chegam a Corinto missionários itinerantes que se apresentam como apóstolos e criticam Paulo, lançando a confusão na comunidade. Provavelmente, trata-se desses "judaizantes" que queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei de Moisés (embora também possam ser cristãos que condenam a severidade de Paulo e que apoiam o laxismo da vida dos coríntios). De qualquer forma, Paulo é informado de que a validade do seu ministério está a ser desafiada e dirige-se a toda a pressa para Corinto, disposto a enfrentar o problema. O confronto é violento e Paulo é gravemente injuriado por um membro da comunidade (cf. 2 Cor 2,5-11; 7,11). Na sequência, Paulo abandona Corinto e parte para Éfeso. Passado algum tempo, Paulo envia Tito a Corinto, a fim de tentar a reconciliação. Quando Tito regressa, traz notícias animadoras: o diferendo foi ultrapassado e os coríntios estão, outra vez, em comunhão com Paulo. É nessa altura que Paulo, aliviado e com o coração em paz, escreve esta Carta aos Coríntios, fazendo uma tranquila apologia do seu apostolado.
    O texto que nos é proposto está incluído na primeira parte da Carta (2 Cor 1,3-7,16), onde Paulo reflecte e escreve sobre a grandeza e as dificuldades, os riscos e as compensações do ministério apostólico.
    Na perícopa que vai de 4,16 a 5,10, Paulo defende a ideia de que, apesar de tudo, vale a pena acolher os desafios de Deus: no final do caminho percorrido nesta terra, espera-nos uma vida nova, uma vida plena e eterna. Para pintar o contraste entre a vida nesta terra e a vida futura, Paulo utiliza (cf. 2 Cor 5,1-4) a imagem da tenda que se monta e desmonta (que representa a vida transitória e corruptível desta terra) e da casa solidamente construída (que representa a vida plena e eterna).

    MENSAGEM

    A vida terrena, passageira e mortal é, para Paulo, um exílio "longe do Senhor" (vers. 6). Esse tempo de exílio neste mundo caracteriza-se por um conhecimento de Deus parcial: é o tempo da fé. Paulo - como todos os verdadeiros crentes - anseia pelo tempo "da visão" - isto é, pelo tempo do encontro face a face com Deus. Então, a vida caduca e transitória dará lugar a uma vida gloriosa e indestrutível.
    Uma leitura simplista destes versículos poderia transmitir a ideia de que Paulo negligencia a vida terrena; contudo, essa ideia não é exacta... Para Paulo, a perspectiva dessa outra vida nova, plena e eterna, não significa um alhear-se das responsabilidades que temos, como crentes, enquanto caminhamos neste mundo finito e transitório. Aos crentes compete, enquanto "habitam este corpo" mortal, viver de acordo com as exigências de Deus, caminhar à luz da fé, assumir as suas responsabilidades enquanto discípulos comprometidos com Cristo e com o seu Reino. A perspectiva dessa vida plena que nos espera para além desta terra deve estar permanentemente no horizonte do crente que caminha pela história, fundamentar e iluminar o seu compromisso e a sua fidelidade a Jesus Cristo e ao Evangelho.
    De resto, a preocupação de Paulo não é apresentar uma doutrina escatológica perfeitamente definida; mas é, sobretudo, lembrar aos cristãos a sua condição de peregrinos, que "não têm morada permanente" nesta terra: o destino final de cada homem ou mulher é o encontro com o Senhor, a vida plena e definitiva.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ A cultura actual é uma cultura do provisório, que dá prioridade ao que é efémero sobre as realidades perenes com a marca da eternidade: propõe que se viva ao sabor do imediato e do momento, e subalterniza as opções definitivas e os valores duradouros. É também uma cultura do bem-estar material: ao seduzir os homens com o brilho dos bens perecíveis, ao potenciar o reinado do "ter" sobre o "ser", escraviza o homem e relativiza a sua busca de eternidade. É ainda uma cultura da facilidade, que ensina a evitar tudo o que exige esforço, sofrimento e luta: produz pessoas incapazes de lutar por objectivos exigentes e por realizar projectos que exijam esforço, fidelidade, compromisso, sacrifício. Neste contexto, a palavra de Paulo aos cristãos de Corinto soa a desafio profético: é necessário que tenhamos sempre diante dos olhos a nossa condição de "peregrinos" nesta terra e que aprendamos a dar valor àquilo que tem a marca da eternidade. É nos valores duradouros - e não nos valores efémeros e passageiros - que encontramos a vida plena. O fim último da nossa existência não está nesta terra; o nosso horizonte e as nossas apostas devem apontar sempre para o mais além, para a vida plena e definitiva.

    ¨ Contudo, o facto de vivermos a olhar para o mais além não pode levar-nos a ignorar as realidades terrenas e os compromissos com a construção da cidade dos homens. O Reino de Deus - que atingirá a sua plena maturação quando tivermos ultrapassado o transitório e o efémero da vida presente - começa a ser construído nesta terra e exige o nosso compromisso pleno com a construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais verdadeiro. Não há comunhão com Cristo se nos demitimos das nossas responsabilidades em testemunhar os gestos e os valores de Cristo.

    ALELUIA

    Aleluia. Aleluia.

    A semente é a palavra de Deus e o semeador é Cristo:
    quem O encontrar permanecerá para sempre.
    EVANGELHO - Mc 4, 26-34

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

    Naquele tempo,
    disse Jesus à multidão:
    «O reino de Deus é como um homem
    que lançou a semente à terra.
    Dorme e levanta-se, noite e dia,
    enquanto a semente germina e cresce, sem ele saber como.
    A terra produz por si, primeiro a planta, depois a espiga,
    por fim o trigo maduro na espiga.
    E quando o trigo o permite, logo mete a foice,
    porque já chegou o tempo da colheita».
    Jesus dizia ainda:
    «A que havemos de comparar o reino de Deus?
    Em que parábola o havemos de apresentar?
    É como um grão de mostarda, que, ao ser semeado na terra,
    é a menor de todas as sementes que há sobre a terra;
    mas, depois de semeado, começa a crescer,
    e torna-se a maior de todas as plantas da horta,
    estendendo de tal forma os seus ramos
    que as aves do céu podem abrigar-se à sua sombra».
    Jesus pregava-lhes a palavra de Deus
    com muitas parábolas como estas,
    conforme eram capazes de entender.
    E não lhes falava senão em parábolas;
    mas, em particular, tudo explicava aos seus discípulos.

    AMBIENTE

    Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30), Jesus é apresentado como o Messias que proclama o Reino de Deus. Marcos procura aí demonstrar como Jesus, com palavras e gestos, anuncia um mundo novo (o "Reino de Deus"), livre do egoísmo, da opressão, da injustiça e de tudo o que escraviza os homens e os impede de ter acesso à vida verdadeira.
    Estamos na Galileia, nos primeiros tempos do anúncio do Reino. Uma grande multidão segue Jesus, a fim de escutar os seus ensinamentos (cf. Mc 3,7.20.32; 4,1). Para fazer chegar a todos a sua proposta, Jesus precisará de utilizar uma linguagem acessível, viva, questionadora, concreta, desafiadora, evocadora, pedagógica, que pudesse semear no coração dos ouvintes a consciência dessa nova e revolucionária realidade que Ele queria propor. É neste contexto que nos aparecem as "parábolas".
    As "parábolas" são uma linguagem habitual na literatura dos povos do Médio Oriente: o génio oriental gosta mais de falar e instruir através de imagens, de comparações, de alegorias, do que através de um discurso mais lógico, mais frio, mais racional. De resto, a linguagem parabólica tem várias vantagens em relação a um discurso mais racional e expositivo. Que vantagens?
    Em primeiro lugar, é uma excelente arma de controvérsia. A linguagem figurada permite levar o interlocutor a admitir certos pontos que, de outro modo, nunca mereceriam a sua concordância. A parábola é, pois, um bom instrumento de diálogo, sobretudo em contextos polémicos (como era, quase sempre, o contexto em que Jesus pregava).
    Em segundo lugar, a imagem ou comparação que caracteriza a linguagem parabólica é muito mais rica em força de comunicação e em poder de evocação, do que a simples exposição teórica. Talvez seja uma linguagem mais vaga e imprecisa, do ponto de vista racional; mas é mais profunda, mais carregada de sentido, mais evocadora e, por isso, "mexe" mais com os ouvintes.
    Em terceiro lugar, porque a linguagem parabólica - muito mais do que outro tipo de linguagem - espicaça a curiosidade e incita à busca. Na sua simplicidade, torna-se um verdadeiro método pedagógico, que leva as pessoas a pensar por si, a medir os prós e os contras, a tirar conclusões, a interiorizar soluções e a integrá-las na própria vida. É uma linguagem que, mais do que injectar nas pessoas soluções feitas, as leva a reflectir e a tirar daí as devidas consequências. Trata-se, pois, de linguagem altamente subversiva: ensina o povo a pensar, a ser crítico, a descobrir onde está a verdade. Ora, isso é altamente incómodo para os defensores do mundo velho e da ordem estabelecida.
    Uma linguagem tão sugestiva não podia ser ignorada por Jesus no seu anúncio do "Reino de Deus". É neste contexto que devemos entender as duas parábolas que o Evangelho deste domingo nos apresenta.

    MENSAGEM

    A primeira parábola (vers. 26-29) é a do grão que germina e cresce por si só. A parábola refere a intervenção do agricultor apenas no acto de semear e no acto de ceifar. Cala, de propósito, qualquer menção às demais acções do agricultor: arar a terra, regar a semente, tirar as ervas que a impedem de crescer... Ao narrador interessa apenas que, entre a sementeira e a colheita, a semente vá crescendo e amadurecendo, sem que o homem intervenha para impedir ou acelerar o processo. A questão essencial não é o que o agricultor faz, mas o dinamismo vital da semente. O resultado final não depende dos esforços e da habilidade do homem, mas sim do dinamismo da semente que foi lançada à terra. Desta forma, o narrador ensina que o Reino de Deus (a semente) é uma iniciativa divina: é Deus quem actua no silêncio da noite, no tumulto do dia ou na turbulência da história para que o Reino aconteça; e nenhum obstáculo poderá frustrar o seu plano. Provavelmente, a parábola é dirigida contra todas as posturas que pretendiam forçar a vinda do Reino - a dos zelotas que queriam instaurar o Reino através da violência das armas, a dos fariseus que pretendiam forçar o aparecimento do Reino com a obediência a uma disciplina legal, a dos apocalípticos que faziam cálculos precisos sobre a data da irrupção do Reino. Não adianta forçar o tempo ou os resultados: é Deus que dirige a marcha da história e que fará com que o Reino aconteça, de acordo com o seu tempo e o seu projecto. Desta forma, a parábola convida à serenidade e à confiança nesse Deus que não dorme nem se demite e que não deixará de realizar, a seu tempo e de acordo com a sua lógica, o seu plano para os homens e para o mundo.
    A segunda parábola (vers. 30-32) é a do grão de mostarda. O narrador pretende, fundamentalmente, pôr em relevo o contraste entre a pequenez da semente (a semente da mostarda negra tem um diâmetro aproximado de 1,6 milímetros e era a semente mais pequena, no entendimento popular palestino; a tradição judaica celebrava com provérbios a sua pequenez) e a grandeza da árvore (nas margens do lago da Galileia alcançava uma altura de 2 a 4 metros). A comparação serve para dizer que a semente do Reino lançada pelo anúncio de Jesus pode parecer uma realidade pequena e insignificante, mas está destinada a atingir todos os cantos do mundo, encarnando em cada pessoa, em cada povo, em cada sociedade, em cada cultura. O Reino de Deus, ainda que tenha inícios modestos ou que se apresente com sinais de debilidade e pequenez aos olhos do mundo, tem uma força irresistível, pois encerra em si o dinamismo de Deus. Além disso, a parábola retoma um tema que já havíamos encontrado na primeira leitura: Deus serve-Se de algo que é pequeno e insignificante aos olhos do mundo para concretizar os seus projectos de salvação e de graça em favor dos homens.
    A parábola é um convite à esperança, à confiança e à paciência. Nos factos aparentemente irrelevantes, na simplicidade e normalidade de cada dia, na insignificância dos meios, esconde-se o dinamismo de Deus que actua na história e que oferece aos homens caminhos de salvação e de vida plena.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ Antes de mais, o Evangelho deste domingo garante-nos que Deus tem em marcha um projecto destinado a oferecer aos homens a vida e a salvação. Pode parecer que a nossa história caminha entregue ao acaso ou aos caprichos dos líderes; pode parecer que a história humana entrou em derrapagem e que, no final do caminho, nos espera o abismo; mas é Deus que conduz a história, que lhe imprime o seu dinamismo, que está presente em todos os passos do nosso caminho. Deus caminha connosco e, garantidamente, leva-nos pela mão ao encontro de um final feliz. Num tempo histórico como o nosso, marcado por "sombras", por crises e por graves inquietações, este é um dos testemunhos mais importantes que podemos, como crentes, oferecer aos nossos irmãos escravizados pelo desespero e pelo medo.

    ¨ O projecto de salvação que Deus tem para a humanidade revela-se no anúncio do Reino, feito por Jesus de Nazaré. Nas suas palavras, nos seus gestos, Jesus propôs um caminho novo, uma nova realidade; lançou a semente da transformação dos corações, das mentes e das vontades, de forma a que a vida dos homens e das sociedades se construa de acordo com os esquemas de Deus. Essa semente não foi lançada em vão: está entre nós e cresce por acção de Deus. Resta-nos acolher essa semente e deixar que Deus realize a sua acção. Resta-nos também, como discípulos de Jesus, continuar a lançar essa semente do Reino, a fim de que ela encontre lugar no coração de cada homem e de cada mulher.

    ¨ Os que, continuando a missão de Jesus, anunciam a Palavra (que lançam a semente) não devem preocupar-se com a forma como ela cresce e se desenvolve. Devem, apenas, confiar na eficácia da Palavra anunciada, conformar-se com o tempo e o ritmo de Deus, confiar na acção de Deus e no dinamismo intrínseco da Palavra semeada. Isso equivale a respeitar o crescimento de cada pessoa, o seu processo de maturação, a sua busca de caminhos de vida e de plenitude. Não nos compete exigir que os outros caminhem ao nosso ritmo, que pensem como nós, que passem pelas mesmas experiências e exigências que para nós são válidas. Há que respeitar a consciência e o ritmo de caminhada de cada homem ou mulher - como Deus sempre faz.

    ¨ A referência à pequenez da semente (segunda parábola) convida-nos - como já o havia feito a primeira leitura deste domingo - a rever os nossos critérios de actuação e a nossa forma de olhar o mundo e os nossos irmãos. Por vezes, é naquilo que é pequeno, débil e aparentemente insignificante que Deus Se revela. Deus está nos pequenos, nos humildes, nos pobres, nos que renunciaram a esquemas de triunfalismo e de ostentação; e é deles que Deus Se serve para transformar o mundo. Atitudes de arrogância, de ambição desmedida, de poder a qualquer custo, não são sinais do Reino. Sempre que nos deixamos levar por tentações de grandeza, de orgulho, de prepotência, de vaidade, estamos a frustrar o projecto de Deus, a impedir que o Reino de Deus se torne realidade no mundo e nas nossas vidas.

    A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 11º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.pt

  • 12º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    12º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    23 de Junho, 2024

    12º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    Tema do 12º Domingo do Tempo Comum

    Deus preocupa-se com os dramas dos homens? Onde está Ele nos momentos de sofrimento e de dificuldade que enfrentamos ao longo da nossa vida? A liturgia do 12º Domingo do Tempo Comum diz-nos que, ao longo da sua caminhada pela terra, o homem não está perdido, sozinho, abandonado à sua sorte; mas Deus caminha ao seu lado, cuidando dele com amor de pai e oferecendo-lhe a cada passo a vida e a salvação.
    A primeira leitura fala-nos de um Deus majestoso e omnipotente, que domina a natureza e que tem um plano perfeito e estável para o mundo. O homem, na sua pequenez e finitude, nem sempre consegue entender a lógica dos planos de Deus; resta-lhe, no entanto, entregar-se nas mãos de Deus com humildade e com total confiança.
    No Evangelho, Marcos propõe-nos uma catequese sobre a caminhada dos discípulos em missão no mundo... Marcos garante-nos que os discípulos nunca estão sozinhos a enfrentar as tempestades que todos os dias se levantam no mar da vida... Os discípulos nada têm a temer, porque Cristo vai com eles, ajudando-os a vencer a oposição das forças que se opõe à vida e à salvação dos homens.
    A segunda leitura garante-nos que o nosso Deus não é um Deus indiferente, que deixa os homens abandonados à sua sorte. A vinda de Jesus ao mundo para nos libertar do egoísmo que escraviza e para nos propor a liberdade do amor mostra que o nosso Deus é um Deus interveniente, que nos ama e que quer ensinar-nos o caminho da vida.

    LEITURA I - Job 38,1.8-11

    Leitura do Livro de Job

    O Senhor respondeu a Job do meio da tempestade, dizendo:
    «Quem encerrou o mar entre dois batentes,
    quando ele irrompeu do seio do abismo,
    quando Eu o revesti de neblina
    e o envolvi com uma nuvem sombria,
    quando lhe fixei limites e lhe tranquei portas e ferrolhos?
    E disse-lhe:
    'Chegarás até aqui e não irás mais além,
    aqui se quebrará a altivez das tuas vagas'».

    AMBIENTE

    O Livro de Job é um clássico da literatura universal, não só pela sua extraordinária beleza literária, mas também pelas questões que aborda e que tocam o âmago da existência humana. A história serve de pretexto para reflectir sobre certos temas fundamentais sobre as quais o homem sempre se interroga, como são a questão do sofrimento do justo inocente, a situação do homem diante de Deus e a atitude de Deus face ao homem.
    Apresenta-nos a história de um homem bom e justo (Job), repentinamente atingido por um vendaval de desgraças que lhe rouba a riqueza, a família e a própria saúde. No corpo central do livro (cf. Job 3,1-37,24), Job interroga-se acerca da origem do sofrimento que o atingiu e do papel de Deus no seu drama pessoal. Alguns dos amigos de Job procuram responder às suas questões, apresentando as explicações dadas pela teologia oficial: o sofrimento é sempre o resultado do pecado do homem; assim, se Job está a sofrer, é porque pecou... Com a veemência que vem de uma consciência em paz, Job recusa conclusões tão simplistas e demonstra a falência da doutrina oficial para explicar o seu drama pessoal. Com um apurado sentido crítico, Job vai desmontando os dogmas fundamentais da fé de Israel e recusando esse Deus "contabilista" que Se limita a registar as acções boas e más do homem para lhe pagar em conformidade. Deus não pode ser isso; e o caso concreto de Job prova-o.
    Rejeitada a explicação tradicional para o drama do sofrimento, Job dirige-se directamente àquele que lhe pode fornecer as respostas: o próprio Deus. No seu discurso, muito crítico, cruzam-se a animosidade, a violência, as queixas, o inconformismo, a dúvida, a revolta, com a esperança, a fé e a confiança em Deus. Quando, finalmente, Deus enfrenta Job, recorda-lhe o seu lugar de criatura, limitada e finita; mostra-lhe como só Ele conhece as leis que regem o universo e a vida, mostra-lhe a sua preocupação e o seu amor com cada ser criado; convida-o a não se pôr em bicos de pés, a ocupar o seu lugar de criatura e a não pôr em causa os desígnios de Deus para o mundo, já que esses desígnios ultrapassam infinitamente a capacidade de compreensão e de entendimento de qualquer criatura. Deus tem uma lógica, um plano, um projecto que ultrapassa infinitamente aquilo que cada homem (também Job) poderá entender.
    A história termina com Job a perceber o seu lugar, a reconhecer a transcendência de Deus e a incompreensibilidade dos seus projectos, a entregar-se nas mãos de Deus com humildade e confiança.
    O texto que nos é proposto faz parte do discurso com que Deus responde a Job (cf. Job 38,1-40,2). Nesse discurso, Deus coloca a Job uma série de questões sobre a terra, o mar, os grandes mistérios da natureza e da vida; a finalidade não é obter respostas de Job, mas levá-lo a perceber os seus limites, a sua ignorância, a sua incapacidade para entender o mistério insondável de Deus e os projectos que Deus tem para o mundo e para os homens.

    MENSAGEM

    O nosso texto começa por apresentar Jahwéh a responder a Job "do meio da tempestade" (vers. 1). É o quadro habitual das teofanias (cf. Ex 19,16); serve para emoldurar a manifestação aos homens do Deus todo-poderoso, o soberano de toda a terra.
    Portanto, Jahwéh manifesta-se a Job; o objectivo dessa manifestação é responder às questões de Job e fazer Job perceber a insensatez das suas críticas. Depois de se apresentar como o grande arquitecto que construiu a terra (cf. Job 38,4-7), Jahwéh refere-se ao seu papel no sentido de controlar o mar. Foi Ele quem "encerrou o mar entre dois batentes" (vers. 8) e que lhe "fixou os limites" (vers. 10).
    As antigas lendas mesopotâmicas sobre a criação apresentavam as "águas salgadas" (representadas pela deusa Tiamat) como um monstro criador do caos e da desordem; na sua luta para organizar o cosmos, Marduk, o deus mesopotâmico da ordem lutou contra o mar, venceu-o e pôs-lhe limites.
    O Povo bíblico foi, naturalmente, influenciado pelos mitos de criação mesopotâmicos; por isso, viu no mar uma realidade assustadora, indomável, orgulhosa, desordenada, onde residiam os poderes caóticos que o homem não conseguia controlar... No entanto, os catequistas de Israel sempre asseguraram que a Palavra criadora de Jahwéh impôs às águas tumultuosas do mar, de uma vez para sempre, os seus limites ("Deus disse: 'reúnam-se as águas que estão debaixo dos céus num único lugar, a fim de aparecer a terra seca'. E assim aconteceu" - Gn 1,9). Jahwéh não precisou de lutar furiosamente contra o mar, como Marduk, o deus dos mitos mesopotâmicos; mas limitou-Se a organizar o mundo impondo às águas, com o seu poder, um limite que elas não poderão nunca atravessar sem ordem divina. O mar, controlado e encerrado dentro dos seus limites naturais, é um testemunho do poder supremo de Deus; mostra o domínio perfeito de Deus sobre toda a criação.
    Ao recordar a Job a sua acção criadora sobre o mar, Jahwéh apresenta-Se, antes de mais, intocável na sua transcendência e majestade; e mostra, depois, que tem para a criação um plano estável, amadurecido, consolidado, irrevogável... Quem é Job para pôr em causa os desígnios desse Deus criador que, com a sua Palavra, controlou o mar? Job é convidado a aceitar que um Deus de quem depende toda a criação, que até submete o mar, que cuida da criação com cuidados de pai, sabe o que está a fazer e tem uma solução para os problemas e dramas do homem... O homem, na sua situação de criatura finita e limitada, é que nem sempre consegue ver e perceber o alcance e o sentido último dos projectos de Deus.
    Em conclusão: só Deus tem todas as respostas; ao homem resta reconhecer os seus limites de criatura e entregar-se nas mãos desse Deus omnipotente e majestoso, que tem um projecto para o mundo. Ao homem finito e limitado resta confiar em Deus e ver n'Ele a sua esperança e a sua salvação.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ Convivemos diariamente com realidades positivas e negativas, com "luzes" e "sombras". Normalmente, as "sombras" marcam-nos muito e constituem uma fonte de preocupação e de inquietação... O terrorismo e a violência trazem-nos sofrimento e insegurança; as novas doenças geram medo e inquietação; as catástrofes naturais fazem-nos sentir impotentes e indefesos; as injustiças e arbitrariedades provocam revolta e descontentamento; o desmoronamento de velhas estruturas políticas e sociais provocam anarquia e caos; o fabrico e o comércio de armas de destruição em massa trazem-nos ansiosos e preocupados... Confusos e desorientados, viramo-nos para Deus... Por vezes, criticamos a sua indiferença face aos dramas do mundo; outras vezes, sentimos a tentação de Lhe mostrar, de forma clara e lógica, como é que Ele devia actuar para que o mundo fosse melhor... A leitura do Livro de Job que hoje nos é proposta convida-nos, antes de mais, a não nos pormos em bicos de pés e a não exigirmos a Deus que actue segundo as nossas lógicas humanas.

    ¨ Na verdade, o Deus que criou tudo o que existe, que estabeleceu as leis cósmicas, que conhece os segredos de cada uma das suas criaturas, que cuida de cada ser com cuidados de pai, que mil vezes manifestou na história o seu amor e a sua bondade, não pode ignorar os problemas do homem, ou deixar que a humanidade chegue a um beco sem saída. O nosso Deus está presente na história humana e sabe para onde caminhamos. Ele tem um projecto coerente, maduro, estável, irrevogável para o mundo e para os homens... Por vezes, o sentido desse projecto pode escapar-nos; mas Deus sabe para onde caminhamos e conduz-nos, através das armadilhas da história, ao encontro da realização plena, da vida definitiva.

    ¨ Mergulhados no mistério insondável desse Deus omnipotente, por vezes desconcertante e incompreensível, resta ao crente entregar-se nas suas mãos com humildade e confiar n'Ele. O verdadeiro crente é aquele que reconhece a pequenez e finitude que são as marcas da humanidade, que reconhece que os projectos de Deus não podem entender-se à luz da nossa pobre lógica humana e que se atira, confiante, para os braços de Deus; o verdadeiro crente é aquele que, mesmo sem entender totalmente os projectos de Deus, aprende a entregar-se a Ele, a obedecer-Lhe incondicionalmente, a vê-l'O como a razão última da sua vida e da sua esperança.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 106 (107)

    Refrão 1: Dai graças ao Senhor,
    porque é eterna a sua misericórdia.

    Refrão 2: Cantai ao Senhor, porque é eterno o seu amor.

    Os que se fizeram ao mar em seus navios,
    a fim de labutar na imensidão das águas,
    esses viram os prodígios do Senhor
    e as suas maravilhas no alto mar.

    À sua palavra, soprou um vento de tempestade,
    que fez encapelar as ondas:
    subiam até aos céus, desciam até ao abismo,
    lutavam entre a vida e a morte.

    Na sua angústia invocaram o Senhor
    e Ele salvou-os da aflição.
    Transformou o temporal em brisa suave
    e as ondas do mar amainaram.

    Alegraram-se ao vê-las acalmadas,
    e Ele conduziu-os ao porto desejado.
    Graças ao Senhor pela sua misericórdia,
    pelos seus prodígios em favor dos homens.

    LEITURA II - 2 Cor 5,14-17

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    O amor de Cristo nos impele,
    ao pensarmos que um só morreu por todos
    e que todos, portanto, morreram.
    Cristo morreu por todos,
    para que os vivos deixem de viver para si próprios,
    mas vivam para Aquele que morreu e ressuscitou por eles.
    Assim, daqui em diante,
    já não conhecemos ninguém segundo a carne.
    Ainda que tenhamos conhecido a Cristo segundo a carne,
    agora já não O conhecemos assim.
    Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
    As coisas antigas passaram: tudo foi renovado.

    AMBIENTE

    A Primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reacção extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Essa campanha parece ter sido instigada por missionários itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de Paulo (afirmavam, inclusive, que Paulo era inferior aos outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus enquanto Ele andou pela Palestina com os seus discípulos). Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detractores. Depois, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
    Paulo, entretanto, partiu para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.
    Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma colecta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.
    O texto que nos é proposto integra a primeira parte da Carta, onde Paulo analisa as suas relações com a comunidade de Corinto e explica os princípios que sempre nortearam a sua acção pastoral (cf. 2 Cor 1,3-7,16).

    MENSAGEM

    O que é que realmente "move" Paulo? Qual a razão do seu ministério? Porque é que Paulo - que até nem conheceu o Jesus histórico, como os Doze - insiste em anunciá-lo? Paulo não estará a extravasar as suas funções?
    Paulo fez a experiência do amor de Cristo e deixou-se absorver por esse amor. A sua acção apostólica tem apenas como objectivo levar o amor de Cristo ao conhecimento de todos os homens. Cristo morreu por todos, a fim de que os homens, aprendendo a lição do amor que se dá até às últimas consequências, deixassem a vida velha, marcada por esquemas de egoísmo e de pecado. Contemplando o Cristo que oferece a sua vida ao Pai e aos irmãos, os homens não viverão, nunca mais, fechados em si mesmos; mas viverão, como Cristo, com o coração aberto a Deus e aos outros homens (vers. 14-15). É esta "boa nova" que absorve Paulo completamente e que ele quer passar a todos os seus irmãos.
    Com franqueza, Paulo admite que, no passado, entendeu Cristo "à maneira humana" e não percebeu que a sua doação até à morte era expressão de um amor ilimitado; mas, depois de se ter encontrado com Cristo ressuscitado na estrada de Damasco, Paulo passou a ver as coisas de forma diferente (vers. 16).
    Paulo quer anunciar - por mandato de Cristo - que a adesão a Cristo faz desaparecer o homem velho do egoísmo e do pecado e faz surgir uma nova criatura (vers. 17). A palavra grega aqui utilizada por Paulo ("ktisis") pode significar "criação", "criatura" ou "humanidade"... O cristão, que aderiu a Cristo, é uma nova criatura, o membro de uma nova humanidade. Identificado com Cristo, ele corre ao encontro do Homem Novo, da vida plena e verdadeira, da salvação definitiva.
    É isto que "faz correr" Paulo... Ele experimentou o amor de Cristo e tornou-se uma nova criatura. Agora, ele sente que Deus o manda testemunhar essa experiência diante de todos os homens.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ Antes de mais, o texto dá conta da preocupação de Deus com a vida e a felicidade dos homens. A vinda de Jesus ao mundo, a sua luta contra o egoísmo e o pecado, o seu amor incondicional, a sua morte na cruz, pretendeu libertar os homens dos velhos esquemas de escravidão e de fechamento que impediam os homens de ter acesso à vida plena e verdadeira. Contemplar o amor de Deus, tornado presença efectiva na vida dos homens em Jesus, assegura-nos que Deus Se preocupa connosco e que está sempre atento à nossa realização e à nossa felicidade. O nosso Deus não é um Deus indiferente, que deixa os homens abandonados à sua sorte; mas é um Deus interveniente, que nos ama e que, a cada instante, está presente ao nosso lado, a indicar-nos os caminhos da vida.

    ¨ O objectivo de Deus é fazer aparecer o Homem Novo e a Nova Humanidade. Aos homens, é pedido que aceitem a proposta de Deus, que aceitem renunciar à vida velha do egoísmo e da escravidão e que aceitem nascer, livres e transformados, para o amor que nos torna livres. Como é que acolhemos esta proposta de Deus? Ela conta alguma coisa para nós?

    ¨ Paulo, depois de ter encontrado Jesus, de ter aderido à sua proposta e de ter feito a experiência da liberdade e da vida nova, tornou-se testemunha, diante dos homens, do projecto salvador e libertador de Deus para os homens. Cada homem e cada mulher que se encontra com Jesus e que faz a mesma experiência de Paulo, tem de tornar-se arauto das propostas de Deus e de anunciar aos seus irmãos, com gestos concretos, essa oferta de vida nova e verdadeira que Deus nos faz.

    ALELUIA - Lc 7,16

    Aleluia. Aleluia.

    Apareceu entre nós um grande profeta:
    Deus visitou o seu povo.
    EVANGELHO - Mc 4,35-41

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

    Naquele dia, ao cair da tarde,
    Jesus disse aos seus discípulos:
    «Passemos à outra margem do lago».
    Eles deixaram a multidão
    e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado.
    Iam com Ele outras embarcações.
    Levantou-se então uma grande tormenta
    e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água.
    Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada.
    Eles acordaram-n'O e disseram:
    «Mestre, não Te importas que pereçamos?»
    Jesus levantou-Se,
    falou ao vento imperiosamente e disse ao mar:
    «Cala-te e está quieto».
    O vento cessou e fez-se grande bonança.
    Depois disse aos discípulos:
    «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?»
    Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros:
    «Quem é este homem,
    que até o vento e o mar Lhe obedecem?»

    AMBIENTE

    Na primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30), Jesus é apresentado como o Messias que proclama o Reino de Deus. Marcos procura aí demonstrar como Jesus, com palavras e com gestos, anuncia um mundo novo (o "reino de Deus"), livre do egoísmo, da opressão, da injustiça e de tudo o que escraviza os homens e os impede de ter acesso à vida verdadeira. O texto que hoje nos é proposto deve ser visto neste ambiente.
    O nosso texto começa com a indicação de que Jesus decidiu passar "à outra margem". A "outra margem" (do lago de Tiberíades, evidentemente) é o território pagão da Decápole. A Decápole ("dez cidades") era o nome dado ao território situado na Palestina oriental, estendendo-se desde Damasco, ao norte, até Filadélfia, ao sul. O nome servia para designar uma liga de dez cidades, que se formou depois da conquista da Palestina pelos romanos, no ano 63 a.C.. As "dez cidades" que formavam esta liga eram helenísticas e não estavam sujeitas às leis judaicas. As cidades que integravam a Decápole (bem como os territórios circundantes a cada uma dessas cidades) estavam sob a administração do legado romano da Síria. Eram território pagão, considerado pelos judeus completamente à margem dos caminhos da salvação.
    O episódio que Marcos nos narra, neste domingo, passa-se durante a travessia do Lago de Tiberíades. O Lago de Tiberíades, designado frequentemente por "Mar da Galileia", é um lago de água doce, alimentado sobretudo pelas águas do rio Jordão, com 12 quilómetros de largura e 21 quilómetros de comprimento. As tempestades que se levantavam neste "mar" podiam aparecer subitamente e ser especialmente violentas.
    Para entendermos melhor o que está em causa no episódio que hoje Marcos nos propõe, convém ter presente o que dissemos na primeira leitura a propósito do que o "mar" significava para a mentalidade judaica: era uma realidade assustadora, indomável, orgulhosa, desordenada, onde residiam os poderes caóticos que o homem não conseguia controlar e onde estavam os poderes maléficos que queriam destruir os homens... Só Deus, com o seu poder e majestade, podia pôr limites ao mar, dar-lhe ordens e libertar os homens dessas forças descontroladas do caos que o mar encerrava.
    Mais do que uma crónica fiel de uma viagem de Jesus com os discípulos através do Lago de Tiberíades, a narração que Marcos nos apresenta deve ser vista como uma página de catequese. Usando elementos com uma forte carga simbólica (o mar, o barco, a tempestade, a noite, o sono de Jesus), Marcos apresenta-nos uma reflexão sobre a comunidade dos discípulos em marcha pela história. Marcos escreve numa época em que a Igreja de Jesus enfrenta sérias "tempestades" (perseguição de Nero, problemas internos causados pela diferença de perspectivas entre judeo-cristãos e pagano-cristãos, dificuldades sentidas pelas comunidades em encontrar o caminho para o futuro...); e pretende dar sugestões aos crentes acerca do caminho a percorrer.

    MENSAGEM

    Reparemos, em primeiro lugar, no "ambiente" em que Marcos nos situa: no mar, ao anoitecer (vers. 35). Situar o barco com Jesus e os discípulos "no mar", é colocá-los num ambiente hostil, adverso, perigoso, caótico, rodeados pelas forças que lutam contra Deus e contra a felicidade do homem. Por outro lado, a "noite" é o tempo das trevas, da falta de luz; aparece como elemento ligado com o medo, com o desânimo, com a falta de perspectivas. O "mar" e a "noite" definem uma realidade de dificuldade, de hostilidade, de incompreensão.
    No "barco" vão Jesus e os discípulos (vers. 36). O "barco" é, na catequese cristã, o símbolo da comunidade de Jesus que navega pela história. Jesus está no "barco", mas são os discípulos que se encarregam da navegação, pois é a eles que é confiada a tarefa de conduzir a comunidade pelo mar da vida.
    O "barco" dirige-se "para a outra margem" (vers. 35b), ao encontro das terras dos pagãos. Com este dado Marcos alude, muito provavelmente, à missão da comunidade cristã, convidada por Jesus a ir ao encontro de todos os homens para lhes levar Jesus e a sua proposta libertadora.
    Durante a travessia, Jesus "dorme" (vers. 38). O "sono" de Jesus durante a viagem refere-se, possivelmente, à sua aparente ausência ao longo da "viagem" que a comunidade cristã faz pela história. Com frequência os discípulos, ocupados em dirigir o "barco", têm a sensação de que estão sós, abandonados à sua sorte e que Jesus não está com eles a enfrentar as vicissitudes da viagem. Na verdade, Jesus está com eles no "barco"; Ele prometeu ficar com eles "até ao fim do mundo".
    A "tempestade" (vers. 37) significa as dificuldades que o mundo opõe à missão dos discípulos. É provável que Marcos estivesse a pensar numa "tempestade" concreta, talvez a perseguição de Nero aos cristãos de Roma, durante a qual foram mortos Pedro e Paulo, bem como muitos outros cristãos (anos 64-68. O Evangelho segundo Marcos deve ter aparecido nessa altura); mas a "tempestade" refere-se também a todos os momentos de crise, de perseguição, de hostilidade que os discípulos terão de enfrentar ao longo do seu caminho histórico, até ao fim dos tempos.
    Jesus, despertado pelos discípulos, acalma a fúria do mar e do vento, com a sua Palavra imperiosa e dominadora (vers. 39). Já dissemos atrás que, na teologia judaica, só Deus era capaz de dominar o mar e as forças hostis que se albergavam no mar. Jesus aparece assim, como o Deus que acompanha a difícil caminhada dos discípulos pelo mundo e que cuida deles no meio das dificuldades e da hostilidade do mundo.
    Depois de aclamar o mar e o vento, Jesus dirige-Se aos discípulos e repreende-os pela sua falta de fé (vers. 40: "porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?"). Os discípulos, depois da caminhada feita com Jesus, já deviam saber que Ele nunca está ausente, nem alheado da vida da sua comunidade. Eles não podem esquecer que, em todas as circunstâncias, Jesus vai com eles no mesmo "barco" e que, por isso, nada têm a temer. A comunidade de Jesus tem de estar consciente de que Jesus está sempre presente e que, portanto, as tempestades da história não poderão impedi-los de concretizar no mundo a missão que lhes foi confiada.
    O nosso texto termina com o "temor" dos discípulos e a pergunta que eles fazem uns aos outros: "Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?" (vers. 41). O "temor" define o estado de espírito do homem diante da divindade. No universo bíblico, este "temor" não apresenta carácter de pânico ou de medo servil, mas encerra um misterioso poder de atracção que se traduz em obediência, entrega, confiança, entusiasmo. Tal atitude positiva deriva da experiência que o crente israelita tem de Deus: Jahwéh é um Deus presente, que guia o seu Povo com uma solicitude paternal e maternal. Por isso, o crente, se por um lado tem consciência da omnipotência de Deus, por outro lado sabe que pode confiar incondicionalmente n'Ele e entregar-se nas suas mãos. A resposta à questão já está, portanto, dada: o "temor" dos discípulos significa que eles reconhecem que Jesus é o Deus presente no meio dos homens, e a quem os homens são convidados a aderir, a confiar, a obedecer com total entrega.
    A catequese que Marcos nos propõe é, portanto, sobre a caminhada dos discípulos, em missão no mundo... Marcos garante-nos que Cristo está sempre com os discípulos, mesmo quando parece ausente. Os discípulos nada têm a temer, porque Cristo vai com eles, ajudando-os a vencer as forças que se opõem à vida e à salvação dos homens.

    ACTUALIZAÇÃO

    ¨ A imagem de um barco cheio de discípulos convidados por Jesus a passar "à outra margem do lago" e a dar testemunho dessa vida nova que Deus quer oferecer aos homens é uma boa definição de Igreja. Antes de mais, o nosso texto convida-nos a tomar consciência de que a comunidade que nasce de Jesus é uma comunidade missionária, cuja tarefa é ir ao encontro dos homens prisioneiros do egoísmo e do pecado para lhes apresentar a Boa Nova da libertação. Os discípulos de Jesus não podem ficar comodamente instalados nos seus espaços seguros e protegidos, defendidos dos perigos do mundo e alheados dos problemas e necessidades dos homens; mas a Igreja tem de ser uma comunidade empenhada na transformação do mundo, que se preocupa em levar aos homens - a todos os homens, sobretudo aos pobres e marginalizados - com palavras e com gestos a proposta libertadora do Reino.

    ¨ O caminho percorrido pela comunidade de Jesus em missão no mundo é, muitas vezes, um caminho marcado por duras tempestades. Quando a comunidade procura ser fiel à sua vocação e levar a libertação aos homens, confronta-se frequentemente com as forças da injustiça, da opressão e do pecado que não estão interessadas em que o anúncio libertador de Jesus ecoe no mundo (às vezes, essas forças de injustiça e de opressão disfarçam-se com as atraentes roupagens da "moda", do "politicamente correcto" ou do "socialmente aceitável")... Por isso, a comunidade de Jesus conhece, ao longo da sua caminhada, a oposição, a incompreensão, a perseguição, as calúnias e até a morte... No entanto, os discípulos devem estar conscientes de que esse cenário é inevitável e resulta da sua fidelidade ao caminho de Jesus.

    ¨ Muitas vezes, ao longo da caminhada, os discípulos sentem uma tremenda solidão e, confrontados com a oposição e a incompreensão do mundo, experimentam a sua fragilidade e impotência. Parece que Jesus os abandonou; e o silêncio de Jesus desconcerta-os e angustia-os. O Evangelho deste domingo garante-nos que Jesus nunca abandona o barco dos discípulos. Ele está sempre lá, embarcado com eles na mesma aventura, dando-lhes segurança e paz. Nos momentos de crise, de desânimo, de medo, os discípulos têm de ser capazes de descobrir a presença - às vezes silenciosa, mas sempre amiga e reconfortante - de Jesus ao seu lado, no mesmo barco.

    ¨ "Ainda não tendes fé?" - pergunta Jesus aos discípulos... Se os discípulos tivessem fé, não teriam medo e não sentiriam a necessidade de "acordar" Jesus. Estariam conscientes da presença de Jesus ao seu lado em todos os momentos e não estariam à espera de uma intervenção mais ou menos mágica de Jesus para os livrar das dificuldades. O verdadeiro discípulo é aquele que aderiu a Jesus, que vive em permanente comunhão e intimidade com Jesus, que está em permanente escuta de Jesus, que caminha com Jesus, que a cada instante descobre a presença reconfortante de Jesus ao seu lado. Ele conta sempre com Jesus e não se lembra de Jesus apenas nos momentos de dificuldade e de crise...

    ¨ A intervenção de Jesus provoca o "temor" dos discípulos. Dissemos atrás que o "temor" significa, neste contexto, que os discípulos reconhecem que Jesus é o Deus presente no meio dos homens e a quem os homens são convidados a aderir, a confiar, a obedecer com total entrega. Esta "catequese" convida-nos a assumir, diante desse Jesus que nos acompanha sempre, uma atitude semelhante (de "temor") e a aderir incondicionalmente às suas propostas, a confiar n'Ele, a segui-l'O nesse caminho do amor e do dom da vida que Ele nos veio propor.

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM
    (adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")

    1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 12º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. BILHETE DE EVANGELHO.
    Seria para repousar? Seria para propor aos seus Apóstolos uma forma de retiro? O facto é que Jesus convida os seus discípulos a passar para a outra margem. A travessia do lago não é de repouso, levanta-se uma tempestade violenta e os Apóstolos estão aterrorizados. Sabem que não estão sozinhos no barco. Eles, os especialistas do lago, admiram-se com o sono de Jesus. Estão perdidos, então despertam Jesus, Ele que veio salvar os que estavam perdidos. Ele vai manifestar, então, que tem autoridade sobre todas as forças da morte, dá uma ordem: "Silêncio! Cala-te!" E fez-se uma grande calmaria. Os Apóstolos, naquele dia, não passaram apenas para a outra margem... Passaram do medo à confiança, graças ao "Passador" que tinha embarcado com eles. Nunca esqueçamos de fazer subir Cristo para o nosso barco, para passarmos com Ele...

    3. À ESCUTA DA PALAVRA.
    Jesus no barco da nossa vida. "Ao cair da tarde..." Toda a cena da tempestade acalmada desenrola-se durante a noite. É o momento em que todas as forças do mal podem agir com toda a impunidade. O barco está "no mar", o lugar onde residem as forças demoníacas. Enfim, a palavra de Jesus ao vento e ao mar - "acalma-te!" - significa também "exorcizar". Dito de outro modo, Marcos quer fazer-nos compreender que, para além da brusca tempestade, os discípulos - e todos os homens - são confrontados a um combate bem mais profundo e dramático: o combate contra o mal, não somente o mal "natural", mas sobretudo o mal que habita e trabalha no coração dos homens. Os apóstolos, ultrapassados pela violência da tempestade, simbolizam os homens ultrapassados pelo poder do mal, que parece vencer, ainda e sempre. Para vencer o mal, é preciso recorrer a um poder maior. Felizmente que Jesus está lá! Ele dispõe do poder divino! Sim, mas Ele dorme tão profundamente que as enormes vagas não o fazem despertar. O seu sono torna-se, pois, a imagem da sua morte. Tudo parece perdido: "Mestre, estamos perdidos!" Jesus acaba por "despertar". Ora, a palavra é a mesma que Marcos empregará para dizer a Ressurreição de Jesus: "Ele despertou de entre os mortos". Podemos, pois, compreender o sentido mais profundo deste milagre da tempestade acalmada. Jesus veio ao coração da nossa história, desceu até ao fundo do mistério do mal que se desencadeia, ainda e sempre, foi até entrar no sono da morte violenta, que os homens esvaziaram de toda a traça de amor, onde parece que não se ouve mais nada, onde o próprio Deus parece dormir, indiferente aos males dos homens: "Mestre, isto não Te diz nada?" Mas Deus, em Jesus, respeitando infinitamente a nossa liberdade, só podia fazer uma coisa: juntar-se às nossas vidas, esconder-se nas nossas tempestades e nas nossas mortes, para aí colocar a sua presença, mais forte que todas as trevas. Só após a vitória aparente da morte é que Ele manifestará o poder da sua Ressurreição. O que Ele nos pede hoje é de crer, de Lhe dar a nossa confiança: "Porque ter medo?" Com Ele na nossa vida, as forças do mal não terão a última palavra.

    4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    As palavras da nossa fé. No domingo, é importante professar a nossa fé com o Credo da Igreja, para marcar a nossa pertença ao Povo de Deus que nos transmitiu estas palavras. Mas, nesta semana, se pudermos viver uma partilha à volta da questão "quem é Jesus para nós?", poderemos tentar compor uma profissão de fé que retome o essencial desta partilha.

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
    Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
    Tel. 218540900 - Fax: 218540909
    portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org

  • 13º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    13º Domingo do Tempo Comum - Ano B


    30 de Junho, 2024

    13º Domingo do Tempo Comum - Ano B

    Nota inicial:
    Por não ser possível preparar atempadamente os habituais comentários para este domingo (há três anos havia coincidido com a Solenidade de S. Pedro e S. Paulo), colocamos apenas alguns comentários e interpelações, adaptados da revista "Signes d'aujourd'hui".

    Tema do 13º Domingo do Tempo Comum

    Deus ama a vida! Ele quer apenas a vida! "Deus criou o homem para ser incorruptível" (primeira leitura). Pelo seu Filho, salva-nos da morte: eis porque Lhe damos graças em cada Eucaristia. Na sua vida terrena, Jesus sempre defendeu a vida. O Evangelho de hoje relata-nos dois episódios que assinalam a defesa da vida: Ele cura, Ele levanta. Ele torna livres todas as pessoas, dá-lhes toda a dignidade e capacidade para viver plenamente. Sabemos dizer-Lhe que Ele é a nossa alegria de viver?
    Estamos em tempo de verão, início de férias... É uma ocasião propícia para celebrar a festa da vida! O 13º domingo celebra a vida mais forte que a morte, celebra Deus apaixonado pela vida. Convém, pois, que na celebração deste dia a vida expluda em todas as suas formas: na beleza das flores, nos gestos e atitudes, na proclamação da Palavra, nos cânticos e aclamações, na luz. No cântico do salmo e na profissão de fé, será bom recordar que é o Deus da vida que nós confessamos, as suas maravilhas que nós proclamamos. Durante toda a missa, rezando, mantenhamos a convicção expressa pelo Livro da Sabedoria: "Deus não Se alegra com a perdição dos vivos".

    LEITURA I - Sab 1, 13-15; 2,23-24

    Leitura do Livro da Sabedoria

    Não foi Deus quem fez a morte,
    nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos.
    Pela criação deu o ser a todas as coisas,
    e o que nasce no mundo destina-se ao bem.
    Em nada existe o veneno que mata,
    nem o poder da morte reina sobre a terra,
    porque a justiça é imortal.
    Deus criou o homem para ser incorruptível
    e fê-lo à imagem da sua própria natureza.
    Foi pela inveja do demónio que a morte entrou no mundo,
    e experimentam-na aqueles que lhe pertencem.

    Breve comentário

    O Livro da Sabedoria foi composto um pouco antes da vinda de Jesus. A sua doutrina é mais serena que a dos livros mais antigos, em particular quando apresenta o rosto de Deus.
    Este anúncio deve ser proclamado com força, porque vem contradizer ideias ainda muito espalhadas, segundo as quais agradaria a Deus fazer morrer o homem. A morte vem de outro, pois "não foi Deus quem fez a morte". Pelo contrário, Ele cria a vida e dá-la à humanidade, modelada à sua imagem. Ele restaura a vida, quando esta está em perigo de se apagar. Dá a vida quando está perdida, como testemunha o Evangelho deste domingo.
    "Vivificaste-me", diz o salmista. No seguimento da primeira leitura, o salmo exprime a experiência de um Deus que quer a vida dos seus fiéis. Em Jesus ressuscitado, e para todos os que n'Ele acreditam, a oração do salmo encontra toda a sua verdade.

    SALMO RESPONSORIAL - Salmo 29 (30)

    Refrão: Eu Vos louvarei, Senhor, porque me salvastes.

    Eu Vos glorifico, Senhor, porque me salvastes
    e não deixastes que de mim se regozijassem os inimigos.
    Tirastes a minha alma da mansão dos mortos,
    vivificastes-me para não descer ao túmulo.

    Cantai salmos ao Senhor, vós os seus fiéis,
    e dai graças ao seu nome santo.
    A sua ira dura apenas um momento
    e a sua benevolência a vida inteira.
    Ao cair da noite vêm as lágrimas
    e ao amanhecer volta a alegria.

    Ouvi, Senhor, e tende compaixão de mim,
    Senhor, sede Vós o meu auxílio.
    Vós convertestes em júbilo o meu pranto:
    Senhor meu Deus, eu Vos louvarei eternamente.

    LEITURA II - 2 Cor 8, 7.9.13-15

    Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

    Irmãos:
    Já que sobressaís em tudo
    – na fé, na eloquência, na ciência,
    em toda a espécie de atenções
    e na caridade que vos ensinámos –
    deveis também sobressair nesta obra de generosidade.
    Conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo:
    Ele, que era rico, fez-Se pobre por vossa causa,
    para vos enriquecer pela sua pobreza.
    Não se trata de vos sobrecarregar para aliviar os outros,
    mas sim de procurar a igualdade.
    Nas circunstâncias presentes,
    aliviai com a vossa abundância a sua indigência
    para que um dia
    eles aliviem a vossa indigência com a sua abundância.
    E assim haverá igualdade, como está escrito:
    «A quem tinha colhido muito não sobrou
    e a quem tinha colhido pouco não faltou».

    Breve comentário

    As primeiras comunidades cristãs praticaram a entreajuda e a partilha, não apenas entre os seus membros, mas também entre comunidades. O apóstolo Paulo solicitou-as nesse sentido.
    O apóstolo Paulo tinha organizado um peditório junto das comunidades que tinha fundado na Ásia Menor, na Macedónia e na Grécia, em favor dos irmãos de Jerusalém que estavam em dificuldades. Esta iniciativa correspondia às orientações da jovem Igreja, segundo Act 4,32-35. Paulo justifica esta acção de partilha pela generosidade de Cristo: esta é modelo para os cristãos e eles próprios já beneficiaram dela.

    ALELUIA - cf. 2 Tim 1, 10

    Aleluia. Aleluia.

    Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte
    e fez brilhar a vida por meio do Evangelho.

    EVANGELHO - Mc 5, 21-43

    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

    Naquele tempo,
    depois de Jesus ter atravessado de barco
    para a outra margem do lago,
    reuniu-se grande multidão à sua volta,
    e Ele deteve-Se à beira-mar.
    Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo.
    Ao ver Jesus, caiu a seus pés
    e suplicou-Lhe com insistência:
    «A minha filha está a morrer.
    Vem impor-lhe as mãos,
    para que se salve e viva».
    Jesus foi com ele,
    seguido por grande multidão,
    que O apertava de todos os lados.
    Ora, certa mulher
    que tinha um fluxo de sangue havia doze anos,
    que sofrera muito nas mãos de vários médicos
    e gastara todos os seus bens,
    sem ter obtido qualquer resultado,
    antes piorava cada vez mais,
    tendo ouvido falar de Jesus,
    veio por entre a multidão
    e tocou-Lhe por detrás no manto,
    dizendo consigo:
    «Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada».
    No mesmo instante estancou o fluxo de sangue
    e sentiu no seu corpo que estava curada da doença.
    Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo.
    Voltou-Se para a multidão e perguntou:
    «Quem tocou nas minhas vestes?»
    Os discípulos responderam-Lhe:
    «Vês a multidão que Te aperta
    e perguntas: 'Quem M
    e tocou?'»
    Mas Jesus olhou em volta,
    para ver quem O tinha tocado.
    A mulher, assustada e a tremer,
    por saber o que lhe tinha acontecido,
    veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade.
    Jesus respondeu-lhe:
    «Minha filha, a tua fé te salvou».
    Ainda Ele falava,
    quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga:
    «A tua filha morreu.
    Porque estás ainda a importunar o Mestre?»
    Mas Jesus, ouvindo estas palavras,
    disse ao chefe da sinagoga:
    «Não temas; basta que tenhas fé».
    E não deixou que ninguém O acompanhasse,
    a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago.
    Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga,
    Jesus encontrou grande alvoroço,
    com gente que chorava e gritava.
    Ao entrar, perguntou-lhes:
    «Porquê todo este alarido e tantas lamentações?
    A menina não morreu; está a dormir».
    Riram-se d'Ele.
    Jesus, depois de os ter mandado sair a todos,
    levando consigo apenas o pai da menina
    e os que vinham com Ele,
    entrou no local onde jazia a menina,
    pegou-lhe na mão e disse:
    «Talitha Kum»,
    que significa: «Menina, Eu te ordeno: levanta-te».
    Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar,
    pois já tinha doze anos.
    Ficaram todos muito maravilhados.
    Jesus recomendou-lhes insistentemente
    que ninguém soubesse do caso
    e mandou dar de comer à menina.

    Breves comentários

    1. O Reino de Deus é a vida. Jesus percorre o país para o anunciar e o estabelecer. Ele fala e age. A sua fama espalha-se, porque uma força brota d'Ele, é a força da ressurreição, o Espírito de vida.
    "Sê curada". O imperativo de Jesus tem algo de afectuoso para com esta mulher, restaurada na sua dignidade, restabelecida na sociedade que excluía o seu mal. Este "sê curada" aparece também como uma constatação: é a sua fé que a salvou, e Jesus alegra-Se por isso. A cura é consequência da fé, que é sempre fonte de vida e de felicidade.
    "Levanta-te". Este segundo imperativo do Evangelho deste dia é dinâmico e traduz perfeitamente este louco desejo de Deus em ver o homem vivo, o seu amor incondicional pela vida. "Adormecida", no "sono da morte"... um estado do qual Deus nos quer fazer sair, um estado do qual Jesus nos salva. "Eu te ordeno: levanta-te". A palavra evoca a ressurreição, o novo surgir da vida, o amor divino que nos coloca de pé. Jesus pede ao pai da jovem apenas uma coisa: "basta que tenhas fé". E quanto a nós, cremos verdadeiramente?

    2. As duas beneficiárias das acções de Jesus neste Evangelho têm isto em comum: a primeira estava doente desde os 12 anos e a jovem filha morreu aos 12 anos, a idade em que se devia tornar mulher. No povo de Israel, o percurso destas duas mulheres era sinal de um fracasso. Uma estava atingida, como Sara, a mulher de Abraão, na sua fecundidade: ela perdia o seu sangue, princípio de vida na mentalidade semítica. A outra perdia a vida, precisamente na idade em que se preparava para a transmitir (era tradição casar-se muito cedo). Cristo cura as duas mulheres e permite-lhes assim assumir a sua vocação maternal.
    Estas duas mulheres representam a Igreja, na sua vocação maternal de dar e de alimentar a vida em Cristo. As alusões aos santos mistérios da Igreja orientam a compreensão do relato: Jairo pede a Jesus para impor as mãos, para salvar e dar a vida à sua filha. Ora, toda a preparação para o Baptismo está sinalizada pela imposição das mãos. Jesus levanta a jovem, tomando-a pela mão, como o diácono fazia sair da água o baptizado, tomando-o pela mão, para que fosse desperto para a vida em Deus. Jesus pede, de seguida, que se dê de comer a esta jovem ressuscitada da morte: é uma alusão à Eucaristia que se segue ao Baptismo.

    3. Bilhete de Evangelho: a transformação pela fé. Um chefe de sinagoga cai de joelhos e suplica a Jesus para curar a sua filha... Uma mulher atingida por hemorragias não diz nada, mas contenta-se em tocar as vestes de Jesus, sem dúvida porque se considera impura. Isto basta Àquele que veio para levantar, curar, salvar a humanidade ferida. As reacções dos que acompanham Jesus são diversas. Riem-se d'Ele. Só a fé solicita um sinal de Jesus, a fé de Jairo, a fé da mulher, a fé de Pedro, Tiago e João... E esta fé faz Jesus agir e transforma os beneficiários: a mulher é curada, a jovem levanta-se, as testemunhas ficam abaladas. Decididamente, Jesus não é um taumaturgo: é reconhecido por aqueles que acreditam, recomenda insistentemente que ninguém saiba, com receio, sem dúvida, que se valorize os seus sinais sem os ver com os olhos da fé.

    4. Na escuta da Palavra... Eis Jesus mergulhado no barulho e nos apertos da multidão. Para mais, circula o rumor: Jesus vai fazer um milagre, curar a jovem filha de Jairo! A multidão esmaga Jesus. E eis que uma mulher quer aproximar-se de Jesus, a todo o custo, para tocar ao menos as suas vestes. Ela quer ser também beneficiária do poder do homem de Deus, ser, enfim, curada da sua doença que dura há doze anos. Ela chega por detrás, toca as suas vestes. Conhecemos o diálogo que se segue... O mesmo acontece com Jairo que se aproxima... No meio da multidão, Jesus está atento a estas pessoas concretas, manifesta uma disponibilidade extraordinária, está extremamente atento à sua presença. No meio da multidão, Jesus está atento a cada um. Ninguém fica anónimo aos olhos de Jesus. Está habitado pelo amor de Deus para com os seus filhos. No Coração do Pai, Jesus é capaz de uma atenção extrema a cada angústia do ser humano. Não interessa quem possa vir junto d'Ele, não interessa qual é a situação: ele será sempre acolhido, Jesus dará sempre a sua atenção como se cada um estivesse sozinho no mundo com Ele. Isto continua a ser verdadeiro, agora que Jesus está na plenitude da glória do seu Pai. Se eu também começasse a fazer silêncio em mim para melhor escutar Jesus, através da sua Palavra, se eu tivesse tempo para a oração interior, para aprofundar o meu silêncio interior... certamente ficaria mais disponível, mais atento aos outros. Senhor Jesus, dá-me a graça do silêncio interior que escuta e que ama.

    5. Breve meditação: Jesus, Fonte de Vida.
    Jesus passou à outra margem,
    uma grande multidão reuniu-se à sua volta.
    Chega um chefe de sinagoga...
    Para Ti, Senhor, a multidão não é uma massa anónima
    a quem se dirige uma mensagem impessoal...
    Para Ti, Senhor, trata-se de pessoas concretas, com rostos particulares.
    Chamas cada um pelo seu nome.
    Tu sabes escutar, estar atento, permanecer disponível.
    Vens dizer a todos e a cada um:
    Eu vim para que todos os homens tenham vida... em abundância.
    As multidões reúnem-se à tua volta porque, talvez inconscientemente,
    encontraram em Ti a verdadeira fonte de vida.
    É o caso de Jairo: Vem impor-lhe as mãos para que ela viva!
    É o caso da mulher: Se chegar a tocar-Lhe, serei salva!
    Tu vais ajudá-los a crescer na fé...
    A mulher, humanamente incurável:
    ousou violar a lei que a proibia de tocar alguém.
    Ela quer ser curada a todo o custo.
    Ao tocar as tuas vestes, é a fonte da vida que ela atinge.
    Desde então, está curada.
    Mas Tu não és um mágico que faz prodígios sem o saber.
    Viras-Te para ela: queres fazê-la progredir na sua fé.
    Ela, que esperava uma cura corporal,
    encontra em Ti a Salvação, a Vida em plenitude.
    Jairo acaba de saber da morte da sua filha.
    Tu apoia-lo na sua caminhada: Não temas, crê somente!
    Segue-lo até à sua casa...
    Aproximas-Te do seu filho inerte, toma-la pela mão:
    Levanta-te!
    É a palavra da ressurreição... e a fonte de vida corre de novo nela:
    a jovem começou a andar.
    Ele disse-lhes para lhe darem de comer.
    Manténs os pés bem assentes na terra, Senhor!
    Os pais, abalados, não pensavam que a sua filha tinha fome!
    É a nós que Tu Te diriges também
    convidando-nos para a tua Eucaristia:
    Tomai, todos, e comei: isto é o meu corpo entregue por vós!
    Quem me come viverá!

    ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 13º DOMINGO DO TEMPO COMUM

    1. A LITURGIA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
    Ao longo dos dias da semana anterior ao 13º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

    2. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
    Viva a vida! A palavra de ordem deste domingo é uma espécie de grito do coração: Deus ama a vida, viva a vida! Aí estamos de acordo... É certo que não há vida sem morte e esta faz sofrer quando acontece perto de nós. Mas hoje somos convidados a nos alegrarmos na vida e a acreditar que Deus nos destina à verdadeira Vida! A estação do ano presta-se a isso: alegria do sol e das férias, encontro com a natureza, reencontros familiares... Não faltarão ocasiões para admirar a vida... Não nos esqueçamos de dar graças... No início destas férias, as crianças podem fazer um pequeno caderno, com uma capa bonita e um título do género: "Festa para Deus" ou "Obrigado, Senhor". Ao longo dos passeios de verão, podem colar fotos, postais, flores secas... Podem desenhar o que vão vendo como sinais de vida. Os adultos pensarão noutros sinais de vida que podem dar ao longo do verão: visita a uma pessoa que vive sozinha, envio de um postal, um telefonema... Ou ajudar as pessoas isoladas a sair, acompanhá-las num dia de excursão, ajudar algumas crianças de famílias desfavorecidas a passar um dia de férias, etc. Será uma maneira de lhes oferecer um pouco de vida... E nunca esquecer que a oração, particularmente o Pai Nosso, deve ser a expressão constante para dar graças a Deus Pai e Criador, para Lhe expressarmos o obrigado pela vida, a felicidade de viver e de O louvar!

    UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
    PROPOSTA PARA
    ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
    Grupo Dinamizador:
    P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
    Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
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